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Cirurgia Reconstrutiva: Retalhos Cutâneos em

Pequenos Animais
Reconstructive Surgery: Cutaneous Flaps in Small Animal Practice

REVISÃO DE LITERATURA
Ana Laura Angeli*
Claudia Valéria Seullner Brandão**
Renato da Silva Freitas***

Angeli AL, Brandão CVS, Freitas RS. Cirurgia Reconstrutiva: Retalhos Cutâneos em Pequenos Animais. MEDVEP - Rev Cientif
Vet Pequenos Anim Esti 2006;4(12):87-95

A cirurgia plástica divide-se em dois ramos principais: a cirurgia plástica reconstrutiva e estética.
Em medicina veterinária, a cirurgia plástica reconstrutiva é utilizada basicamente com o intuito de
reparar defeitos secundários a traumatismos e corrigir ou melhorar anormalidades congênitas e
adquiridas. Existem muitas técnicas atuais de reconstrução tecidual em medicina humana, como
uso de expansores, de retalhos musculares e miocutâneos, uso de biomateriais e de enxertos.
Estas técnicas apresentam grande potencial de uso em animais, mas devido a seu elevado cus-
to, poucas pesquisas existem nesta área. Os objetivos desta revisão são estimular os cirurgiões
veterinários a utilizar em sua prática clínica, as técnicas de reparo tecidual já consagradas em
medicina veterinária e também despertar o interesse da pesquisa nesta área, utilizando técnicas
bastante aplicadas em medicina humana.

Palavras-chave: cães, gatos, enxertos, retalhos, pele.

INTRODUÇÃO
A cirurgia plástica divide-se em dois ramos principais: a cirurgia plástica reparadora ou reconstrutiva e
a cirurgia plástica estética ou cosmética. A primeira compromete-se com a reparação de tecidos, reposição
de substâncias perdidas, reabilitação das funções dos órgãos, em geral decorrentes de traumas, doenças ou
defeitos congênitos. Já a cirurgia plástica estética é aquela com a qual se pretende trazer as variações da
normalidade para o mais próximo possível daquilo que se concebe como padrão de beleza. A palavra plástica
origina-se da palavra grega plastikós e significa moldar, reparar (1).
Diante das inúmeras técnicas existentes na cirurgia plástica reconstrutiva humana, esta modalidade de
tratamento cirúrgico ainda é subaproveitada no dia a dia da medicina veterinária. Os objetivos desta revisão
são estimular os cirurgiões veterinários a utilizar em sua prática clínica, as técnicas de reparo tecidual já con-
sagradas em medicina veterinária e também despertar o interesse da pesquisa nesta área, utilizando técnicas
bastante aplicadas em medicina humana.

REVISÃO DE LITERATURA
Alguns princípios básicos de cirurgia plástica devem ser observados quando da realização de procedimentos
reconstrutivos, como técnica cirúrgica atraumática, correto posicionamento das incisões com avaliação da elas-
ticidade e quantidade de pele adjacente, bom suprimento sangüíneo regional, disponibilidade da área doadora e
qualidade do leito receptor. Estes princípios envolvem planejamento minucioso prévio para cada caso (2,3).

* Profa. Dra. Fisiologia Veterinária I e II, Universidade Tuiuti do Paraná. al@gmail.com


** Profa. Ass. Dra. do Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária. FMVZ/UNESP. Botucatu – SP. valeriasb@fmvz.unesp.br
*** Prof. Dr. do Departamento de Cirurgia Plástica. Universidade Federal do Paraná. Curitiba – Pr. dr_renato_freitas@gmail.com
É importante também considerar a localização – platisma, esfíncter coli, troncocutâneo, prepucial e
das linhas formadas pela tração predominante exer- supramamário (8,10).
cida pelo tecido elástico, variando de acordo com a Nos retalhos viáveis, ocorre aumento gradual do
raça, a conformação, o sexo e a idade do animal3 fluxo sangüíneo se o leito receptor for adequado, ou
e o posicionamento correto do paciente durante o seja, sem infecção, hematoma ou compressão, devi-
procedimento cirúrgico (4). do à formação de camada de fibrina após o segundo
A tensão excessiva durante o fechamento de dia, que serve de apoio para a neovascularização
determinada ferida pode resultar em comprome- que ocorre entre o terceiro e sétimo dias. Esta neo-
timento circulatório local, retardo na cicatrização, vascularização depende do estímulo dos fatores de
deiscência da ferida e necrose cutânea. As técnicas crescimento angiogênicos, que são liberados pelas
para alívio de tensão são métodos que proporcio- células endoteliais dos capilares locais (7).
nam distribuição uniforme da mesma nas bordas da Smith et al.(11) descreveram o uso de retalho
ferida (4) e apesar de sua avaliação ser subjetiva, pediculado de omento associado a enxerto cutâneo
é muito importante (5). para tratamento de defeito no dorso de cão. Em hu-
Freqüentemente em lesões extensas deve-se manos, o omento maior é utilizado em feridas para
utilizar outros meios como enxertos ou retalhos prover suprimento sangüíneo e estimular a granulação
para se conseguir a cobertura cutânea. Define- tecidual a fim de oferecer leito ideal para posterior
se enxerto como o transplante tecidual em que enxertia de pele (12). Experimentalmente, o omento
o tecido transferido é nutrido pelo leito receptor, pode ser estendido a qualquer parte do corpo do cão,
perdendo totalmente o contato com a área doado- o que minimiza a necessidade do uso de técnicas
ra. E retalho como o transplante tecidual em que microcirúrgicas neste animal (13).
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o tecido mantém a sua nutrição através da área Os retalhos podem falhar devido à insuficiência
doadora por um certo período*. arterial, retardo do retorno venoso ou ambos. Os re-
talhos que possuem insuficiência arterial podem apa-
Retalhos Cutâneos recer pálidos, frios ao toque e não sangram quando
Os retalhos são tecidos retirados de determina- puncionados com agulha. Por sua vez, a obstrução do
da área doadora e transferidos para o leito receptor, fluxo venoso do retalho resulta em edema, coloração
estando sua nutrição dependente exclusivamente de arroxeada; normotermia, e liberação de sangue es-
vasos da área doadora, seja de forma direta ou indi- curo quando puncionados com agulha (14).
reta através de técnicas microcirúrgicas (6,7). Rochat et al.(15) relataram que a monitorização
Com base nesta definição, os retalhos podem transcutânea de oxigênio mostrou-se como técnica útil
ser utilizados para recobrir defeitos com má vascu- para avaliação da viabilidade de retalhos cutâneos em
larização e defeitos nos quais ocorra a exposição de cães. Esta é realizada com uso de aparelho específico
nervos, tendões e ossos. Estes retalhos podem preve- e permite a mensuração da pressão parcial de oxi-
nir problemas associados à cicatrização por segunda gênio na superfície da pele. A detecção da isquemia
intenção diminuindo o tempo de recuperação da ferida cutânea nas primeiras horas após a criação do retalho
e conseqüentemente a morbidade do animal, além de tornou este método de importância clínica.
evitar formação excessiva de cicatrizes, contraturas e Mison et al.(16) concluíram em seu estudo que
epitelização frágil da ferida (8). Também podem ser os retalhos cutâneos utilizados para reparar defei-
utilizados para o fechamento de defeitos criados após tos extensos de pele em cães podem ser criados e
excisão tumoral ou defeitos traumáticos (3,9). elevados com uso de laser de dióxido de carbono.
A circulação da pele em cães e gatos é realizada Entretanto, em locais de mobilidade cutânea ou
por vasos cutâneos diretos que se direcionam para- tensão aumentada, os retalhos criados desta forma
lelamente à superfície da pele. Os ramos terminais podem ser mais susceptíveis a complicações como
destas artérias e veias suprem ou drenam os plexos deiscência.
que incluem o plexo subdermal ou profundo, o plexo Retalhos que incluem não somente a pele e o tecido
cutâneo ou médio e o plexo subpapilar ou superficial. subcutâneo, mas também outros tecidos, como músculos,
Em cães e gatos, o plexo subdermal e os vasos cutâ- cartilagens ou ossos são denominados ainda de retalhos
neos diretos estão associados ao músculo panicular compostos (3,4). Os retalhos podem ser classificados

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como pediculados ou livres, locais ou à distância, diretos nados de locais e são classificados de acordo com a
ou indiretos. Os retalhos pediculados são aqueles onde direção de transferência, ou seja, os rotacionais, os
se mantém a vascularização original completa ou parcial- de avanço, os de transposição e os de interpolação
mente; e os retalhos livres ou microcirúrgicos, são aqueles (3,4,6). Estes são métodos práticos para o fechamen-
onde a circulação é refeita através da anastomose dos to de defeitos que não são aproximados somente com
vasos do retalho com vasos do leito receptor através de o divulsionamento e a sutura da pele (8). Retalhos
técnica microcirúrgica. Os retalhos locais englobam os re- pediculados que incorporam artéria e veia cutâneas
talhos realizados com tecidos circunvizinhos e os retalhos diretas são denominados de retalhos de padrão axial,
à distância correspondem a retalhos trazidos de outras porém quando se transpõe retalho sem circulação bem
áreas anatômicas direta ou indiretamente (6,17). definida denomina-se de retalho ao acaso (6,8).

Retalhos pediculados locais Retalhos locais rotacionais


O retalho cutâneo pediculado é composto de São retalhos semicirculares girados sobre o
segmento de pele e tecido subcutâneo adjacente par- defeito, com o qual compartilham uma das bordas
cialmente descolados, próximos ao defeito, no qual o (Figura 2). Possuem forma semicircular e podem ser
pedículo mantém a circulação no retalho e a transfere usados para cobrir defeitos triangulares sem criar
para o leito receptor (4) (Figura 1). A relação entre o outro secundário (3).
comprimento e a largura para a maioria dos retalhos White (19) utilizou retalho rotacional de pa-
pediculados é de aproximadamente 1:1 até 3:1 (18).
Retalhos próximos ao leito receptor são denomi-

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2a

1a

2b
Figura 2: Esquema de retalho local rotacional. 2a. demarcação do
retalho. 2b. rotação do retalho.

rede abdominal caudolateral para recobrir ferida


traumática na face extensora da articulação fêmu-
ro-tíbio-patelar de membro posterior direito em
cão, associado ao uso de fixador externo posicio-
nado sobre a articulação tíbio-társica para manter
a articulação coxofemoral em flexão, permitindo
1b assim total fechamento do defeito. Também uti-
Figura 1: 1a. Ressecção de mastocitoma grau 2 com boa margem lizaram com sucesso retalho rotacional de flanco
de segurança (3cm) na região abdominal lateral de um cão da raça para fechamento de defeito criado após excisão de
Labrador. 1b. Aspecto final do retalho bipediculado após sutura em
ponto simples separado, com fio mononáilon 3-0. hemangiopericitoma em bíceps femoral de cão.

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Retalhos locais de avanço
Pode-se utilizar retalhos de avanço com o
intuito de recobrir feridas cutâneas de formatos
irregulares através de excisão triangular resultando
em cicatriz em “Y”, excisão retangular resultando
em cicatriz em “X”, excisão elíptica resultando em
cicatriz linear, excisão crescente resultando em ci-
catriz em “U” (Figura 3), excisão circular resultando
em cicatriz linear com ou sem formação de pregas
em suas bordas (4,20). Os retalhos de avanço
devem ser descolados paralelamente às linhas de 4a
menor tensão, facilitando seu estiramento para
frente sobre o defeito (3,8).
A V-Y-plastia é composta de incisões de rela-
xamento que oferecem retalhos de avanço e é uti-
lizada para fechar ferimentos crônicos ou aqueles
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3a

4b
Figura 4: Esquema de retalho local de avanço em V-Y. 4a. demar-
cação do retalho. 4b. avanço do retalho e sutura.

o interior de defeitos (3). A largura da base deste tipo


de retalho deve ser igual à largura do defeito e o com-
primento do retalho deve ser duas vezes maior que a
largura do defeito (18). Estes autores afirmaram que
a única desvantagem do retalho de transposição é a
formação de saliência de pele em sua base - dog ears
3b
- e que seu reparo cosmético deve ser realizado numa
Figura 3: Esquema de retalho local de avanço em “U”. 3a. demar- segunda etapa para não comprometer o suprimento
cação do retalho com triângulo de Burow. 3b. avanço do retalho. sangüíneo na base do retalho.
O retalho de Limberg é outro tipo de retalho de
que causam distorção das estruturas adjacentes se transposição que depende da elasticidade da pele
forem fechados sob tensão. Nesta técnica, a incisão adjacente e que pode ser utilizado para recobrir
em “V” é fechada em “Y” (3,20) (Figura 4). defeitos rombóides com ângulos de 60 e 120o. Os
Retalhos locais de transposição lados deste retalho são do mesmo comprimento que
Os retalhos de transposição são retangulares e o menor eixo do defeito rombóide (6) (Figura 5).
trazem pele adicional quando girados em até 90 para o A Z-plastia é retalho de transposição modifi-

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cado. O comprimento do retalho deve ser deter-
minado medindo-se desde seu ponto central até o

6a

5a

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6b

5b

Figura 5: Esquema de retalho local de transposição de Limberg. 5a.


demarção do retalho. 5b. avanço do retalho e correção do defeito.

ponto mais distante do defeito. Seu comprimento


diminui à medida que se aumenta o arco de ro-
tação além de 90o, devido à formação de dobras
cutâneas (3,8).
A Z-plastia é utilizada para alterar a tensão
adjacente à incisão, alongar cicatrizes restritivas
e alterar a direção de cicatriz linear para padrão
menos distingüível. Esta pode ser incorporada
ao ferimento ou feita adjacente a este para
facilitar seu fechamento sob menor tensão. Os
ângulos do “Z” podem variar de 30o a 90o, mas
aconselha-se 60o que gera ganho em extensão
6c
de 75% da cicatriz (Figura 6). Os retalhos de-
vem ser divulsionados antes da transposição e
da sutura (3,20). Figura 6: Esquema de retalho de transposição em Z (Z-plastia).
6a. demarcação do retalho, utilizando incisões em ângulo de 60º
Quando a área doadora e o leito receptor não em relação ao defeito central. 6b. as setas indicam as direções de
compartilham nenhuma de suas bordas, o retalho avanço do retalho. 6c. sutura das bordas da ferida com avanço de
75% na linha do defeito original.
é denominado de retalho de interpolação (21). Os

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autores obtiveram sucesso após uso de retalho de
interpolação para recobrir defeito em região nasal Retalhos indiretos tubulares
após excisão tumoral em gato. Os retalhos tubulares tardios são utilizados para
transferir pele da área doadora distante quando não
Retalhos distantes diretos e indiretos há necessidade imediata de recobrir o defeito (8).
Retalhos distantes são obtidos longe da região na São retalhos distantes e indiretos, criados atra-
qual se encontra o defeito cutâneo. São indicados para vés de duas incisões paralelas na pele numa área em
feridas extensas de extremidades distais nas quais que se possa reaproximar as bordas remanescentes
não há tecido cutâneo disponível para fechamento sem tensão excessiva para suportarem suturas de
primário do defeito sem excesso de tensão. O tórax aproximação. As bordas do retalho são suturadas
e abdome laterais são as áreas doadoras disponíveis. também com padrão de aproximação, criando-se um
Estes são subdivididos em diretos ou indiretos depen- tubo preso por ambas as extremidades. Após 18 ou
dendo do método utilizado para transferir o retalho 21 dias, prazo em que ocorre melhora na circulação
ao leito receptor (4,22). do retalho conhecido como fenômeno retardado, a
extremidade proximal do tubo é incisada e transposta
Retalhos diretos em bolsa sobre o defeito (3,8).
Os retalhos em bolsa ou em dobradiça são dis- As desvantagens desta técnica são o número de
tantes, diretos e úteis na reconstrução de defeitos etapas do procedimento e o tempo exigido para se
cutâneos nas extremidades distais, necessitando de conseguir o fenômeno retardado e o conseqüente fe-
desbridamento e presença de granulação saudável no chamento do defeito (3). Por esta razão, seu uso tem
leito receptor, da criação do retalho e de sua cicatri- sido substituído nas medicinas humana e veterinária
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zação e liberação (3). com o advento dos retalhos axiais, retalhos miocutâ-
Para tal, o membro do animal é posicionado neos e técnicas mais desenvolvidas de enxerto (4).
contra a parede corporal ipsilateral, são feitas duas
incisões paralelas formando uma bolsa onde o de- Retalhos pediculados de padrão axial
feito é encaixado e fixado por meio de suturas de Os retalhos axiais são retalhos pediculados
aproximação interrompidas. O membro deve ser que incorporam artéria e veia cutâneas diretas em
preso com atadura contra o corpo durante 14 dias, sua base. Os ramos terminais desses vasos suprem
sendo esta trocada a cada três ou quatro dias. A o plexo subdérmico. Os retalhos axiais devem ser
área doadora é suturada por padrões de aproxima- levantados e transferidos para defeitos cutâneos
ção interrompidos (3). dentro de seu raio. São geralmente retangulares ou
Os retalhos distantes têm a desvantagem de em forma de “L” (3,23).
requerer imobilização prolongada do membro afetado Existem retalhos insulares arteriais que são
para assegurar sua sobrevivência e cicatrização do desenvolvidos a partir dos retalhos axiais, através
defeito. O custo acaba sendo elevado para o proprie- da separação cutânea completa e preservação dos
tário devido ao número de procedimentos necessários. vasos cutâneos diretos. Embora estes possuam
Entretanto, estes retalhos estão associados à alta taxa considerável mobilidade, seu uso clínico de rotina
de sobrevivência (8,22). Os gatos adaptam-se melhor é desnecessário com exceção de defeitos grandes
que cães nesta técnica por seu tamanho, flexibilidade que invadam a origem dos vasos cutâneos diretos.
e elasticidade cutânea (4). Nestas situações, é possível girar o retalho insular
Lemarié et al.(22) utilizaram retalhos distan- em até 180o sobre o defeito (4).
tes torácicos ou abdominais para o tratamento de Os retalhos axiais exigem planejamento, men-
defeitos em membros distais de 10 cães e quatro suração e mapeamento cuidadosos da superfície
gatos ocorridos após trauma ou excisão tumoral, cutânea para minimizar os erros. As complicações
obtendo resultado satisfatório em todos os casos, incluem drenagem do ferimento, deiscência parcial,
mesmo sendo a infecção local da ferida, a compli- necrose do retalho distal, infecções e formação de
cação mais comumente observada. Não observaram seroma (3,4).
complicações em relação à imobilização prolongada Em estudo realizado por Trevor et al.(10) , as
do membro. principais indicações para o uso clínico de retalhos

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axiais foram reconstrução de feridas após retirada
de tumores ou após traumas, feridas de difícil ci-
catrização, necrose de pele relacionada à ruptura
de uretra, necrose cutânea idiopática e dermatite
linfoplasmocítica crônica. As principais complicações
observadas foram drenagem pós-operatória, deis-
cência incisional, edema, seroma pós-operatório e
necrose distal do retalho.
Existem oito retalhos axiais para uso clínico no
cão baseados nas artérias cutâneas diretas auricular
caudal, omocervical, toracodorsal, braquial superfi-
cial, epigástrica superficial caudal, ilíaca circunflexa
7a 7b
profunda, genicular e caudais laterais. As artérias
toracodorsal e epigástrica superficial caudal possuem Figura 7: 7a. Retalho axial incorporando a artéria e veia cutânea to-
racodorsal, realizado para corrigir defeito no membro torácico de um
uso clínico em gatos (4,10,24).
cão da raça poodle. 7b. Aspecto final do retalho axial toracodorsal.
Remedios et al.(25) relataram o uso dos retalhos
axiais toracodorsal e epigástrico superficial caudal em
feridas extensas de membros distais de gatos, e con- braço e o cotovelo, podem ser utilizados os retalhos
cluíram que estes retalhos deveriam ser tratamento axiais braquiais superficiais que dependem de pequeno
de escolha nestes casos.Dentre os retalhos axiais nos ramo da artéria braquial, localizado três centímetros
pequenos animais, destacam-se: proximais à região da articulação úmero-rádio-ulnar.

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Devido a seu tamanho pequeno, é necessária técnica
Retalho axial auricular caudal cirúrgica meticulosa para preservação da microcircu-
Para retalho em defeitos de cabeça e pescoço lação do retalho (3,23).
podem ser utilizados os ramos esternocleidomas-
tóideos das artérias e veias auriculares caudais que Retalho axial epigástrico superficial caudal
se localizam entre a face lateral da asa do atlas e o O padrão axial epigástrico superficial caudal é
canal auditivo vertical orientando-se caudodorsal- utilizado para recobrir defeitos que envolvam abdome
mente (3). caudal, flanco, prepúcio, períneo ou membros pélvi-
cos. Este retalho incorpora as últimas três ou quatro
Retalho axial omocervical glândulas mamárias e seu suprimento sangüíneo é
O padrão axial omocervical inclui o ramo cervical realizado pelos vasos epigástricos superficiais caudais
superficial da artéria e veia omocervicais e os vasos que emergem no canal inguinal. Em gatos, este es-
originam-se adjacentes ao linfonodo pré-escapular e tende-se até a região metatársica (3,4). Importante
se ramificam dorsalmente, cranial à escápula. Este lembrar que a função mamária não é afetada por
padrão é utilizado para correção de defeitos grandes sua posição heterotópica e por isso, recomenda-se a
em seu eixo de rotação que inclui face, cabeça, ore- castração da fêmea canina ou felina (23).
lhas, ombros, pescoço e axilas (3,23). Bauer, Salisbury (26) trataram feridas traumá-
ticas distais ao tarso em gatos com o retalho axial
Retalho axial toracodorsal epigástrico superficial caudal, levantado a partir das
Os retalhos axiais toracodorsais são utilizados três últimas glândulas mamárias, e obtiveram resul-
para cobrir defeitos que envolvam ombros, membros tado satisfatório em todos os animais.
torácicos, cotovelos, axilas e tórax (Figura 7). Em ga-
tos, estes retalhos estendem-se até a região do carpo. Retalho axial ilíaco circunflexo profundo
São baseados em ramo cutâneo da artéria toracodorsal Os vasos ilíacos circunflexos profundos exte-
e sua veia associada, localizado na depressão escapu- riorizam-se na parede abdominal lateral, cranioven-
lar caudal, paralelamente à borda do acrômio (3,23). tralmente à asa do íleo. Estes dividem-se em ramos
Retalho axial braquial superficial dorsal e ventral que podem ser utilizados indepen-
Para cobrir defeitos que comprometam o ante- dentemente para formação de retalho axial. O ramo

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dorsal, mais curto, é aplicado em defeitos que en- sangüíneo venoso retrógrado (27).
volvam o flanco ipsilateral, a região lombar lateral, o Briere (28) (2002) utilizou com sucesso o reta-
tórax caudal, coxas medial e lateral e região pélvica. O lho de conduto safeno reverso para recobrir defeito
ramo ventral por sua vez deve ser utilizado para cobrir cutâneo na região tarsometatársica após retirada de
defeitos na parede abdominal lateral e como retalho mastocitoma de grau II. A cirurgia foi seguida de qui-
insular em defeitos pélvicos e sacrais (3,23). mioterapia adjuvante no tratamento da neoplasia.

Retalho axial genicular CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os retalhos axiais geniculares são utilizados Os cirurgiões veterinários encontram grandes de-
para recobrir defeitos na tíbia lateral e medial e na safios na cirurgia plástica reparadora devido a diversos
articulação tibiotársica, dependendo da conformação fatores como o custo dos equipamentos, necessidade
individual do paciente. A artéria genicular estende-se de vários procedimentos reconstrutivos, as diferenças
cranialmente sobre o aspecto medial da articulação anatômicas existentes entre as espécies e, até mesmo,
fêmuro-tíbio-patelar e termina sobre sua superfície dentro de uma mesma espécie, a necessidade do uso
craniolateral. Esta é artéria delicada assim como a de técnicas microcirúrgicas em situações específicas,
artéria braquial superficial (3,23). e a falta de colaboração dos pacientes e proprietários.
Estes muitas vezes optam por amputar membros após
Retalho axial caudal lateral traumas extensos ou submeter seus animais à euta-
As artérias caudais laterais podem ser utilizadas násia, dependendo da doença em questão.
para reconstruir áreas que envolvam defeitos na re- Cães e gatos possuem vantagens na cirurgia
gião caudodorsal do tronco. Pode-se também utilizar a plástica reparadora em relação ao ser humano por
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pele caudal como retalho tubular para cobrir defeitos possuírem elasticidade maior da pele, o que permite
nos membros pélvicos. Os vasos caudais laterais são a correção da maioria dos defeitos apenas com o uso
bilaterais e localizam-se no tecido subcutâneo da de técnicas simples de reconstrução, como enxertos
cauda. As artérias caudais laterais originam-se nas e retalhos pediculados. Entretanto, a dificuldade
artérias glúteas e possuem vários ramos para anas- maior observada nesses animais é a reconstrução de
tomose com a artéria caudal mediana. O uso desse defeitos em extremidades distais, área facial rostral,
retalho requer a amputação da cauda (3). cauda e orelhas. Nestas regiões, as técnicas mais
elaboradas são utilizadas.
Retalho de conduto safeno reverso Existem muitas técnicas atuais de recons-
Os retalhos de conduto safeno reverso são trução tecidual em medicina humana, como uso
uma variação dos retalhos de padrão axial e pos- de expansores, de retalhos musculares e mio-
suem utilidade na maioria dos defeitos cutâneos cutâneos, uso de biomaterais e enxertos. Estas
no tarso ou distal a este, especialmente na região técnicas apresentam grande potencial de uso em
metatársica (4). animais, mas devido seu elevado custo poucas
São criados ligando e dividindo a conexão vascular pesquisas existem nesta área. O uso destes meios
entre artéria e veia femorais e artéria e veia safenas. de tratamento deve promover a criação desta
O fluxo sangüíneo reverso ocorre em decorrência de especialidade, que necessita a interação com a
anastomoses entre o ramo cranial da artéria safena e cirurgia plástica em humanos para o aperfeiçoa-
a artéria metatársica perfurante, ramo cranial da veia mento técnico-científico e a descoberta de novos
safena lateral e outras conexões venosas com os ramos retalhos em animais.
cranial e caudal das veias safenas mediais, distalmente A cirurgia plástica reparadora em pequenos
à articulação tibiotársica. A angiografia pré-operatória animais destaca-se como grande linha de pes-
assegura a presença e a função da artéria safena, da quisa em potencial dentro da cirurgia veteriná-
veia safena medial e dos vasos femorais (3,23,27). ria, sendo de grande aplicabilidade na prática
A sobrevivência deste retalho é dependente do fluxo clínico-cirúrgica.

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Plastic surgery has two main divisions: reconstructive plastic surgery and esthetic plastic surgery.
In veterinary medicine, the reconstructive plastic surgery is basically used to repair tissue defects
secondary to trauma and correct or improve congenital or aquired deformities. There are many new
techniques of tissue reconstruction in human medicine, as the use of tissue expansers, muscle and
musclecutanous flaps, the use of biomaterials and grafts. These techniques have great potential use
in animals, but they have elevated costs, and so, few researches are made in this area. The goals
of this review were to stimulate the veterinary surgeons to use the tissue repair techniques already
known in their practice and to stimulate the research in this area, using techniques of current appli-
cation in human medicine.

Key-words: dogs, cats, grafts, flaps, skin.

REFERÊNCIAS

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