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PARTE II

Anatomia
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MICROCIRURGIA RECONSTRUTIVA

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32 CAPÍTULO 4
CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSPLANTES CUTÂNEOS

CAPÍTULO 4
Classificação dos
Transplantes Cutâneos

Luis Henrique Ishida


Gean Paulo Scopel

INTRODUÇÃO Outro grupo de transplantes cutâneos é formado pelos


retalhos, que são estruturas transferidas de uma área (doado-
Transplantar, no sentido amplo da palavra, significa trans- ra) para outra (receptora), sendo os vasos de seu pedículo
ferir um tecido biologicamente ativo de uma área denomina- responsáveis pela sua nutrição.
da doadora para outra denominada receptora. As células do O primeiro retalho conhecido foi descrito na Índia em
tecido transplantado devem manter suas características origi- 700 a.C. por Susruta, que empregava retalhos frontais para
nais e, sobretudo, sua integridade genética. reconstrução nasal, devido à pena de amputação do nariz so-
Quanto à sua origem os transplantes recebem a denomi- frida por alguns criminosos. Este retalho tornou-se popular-
nação de auto, homo e xenotransplantes. O autotransplante é mente conhecido como retalho indiano. Posteriormente,
obtido diretamente do próprio receptor. O homotransplante vários outros retalhos foram descritos por diversos autores,
é realizado entre diferentes indivíduos, porém da mesma es- como o retalho de braço desenvolvido por Tagliacozzi tam-
pécie. Finalmente, o xenotransplante é executado entre ani- bém para reconstrução nasal e o retalho tubulizado de Die-
mais de diferentes espécies. ffenback para reconstrução de uretras hipospádicas.
Com relação aos transplantes cutâneos podemos dividi- Até metade do século XX pouco se conhecia da circula-
los em enxertos e retalhos. Enxerto cutâneo é um segmen- ção dos retalhos, e somente após a Segunda Guerra Mundial
to de pele retirado de uma área (doadora) e transferido para foram descritos e divulgados na literatura científica os reta-
outra (receptora), separado completamente de seu leito ori- lhos axiais, embora Wood e Esser já os tivessem apresenta-
ginal, tornando-se totalmente dependente de um novo supri- do em meados do século XIX. A partir de 1960, estudos
mento sanguíneo, que se desenvolverá a partir do leito anatômicos mais acurados associados ao desenvolvimento
receptor. Inicialmente a nutrição dos enxertos se dará por tecnológico permitiram a transferência livre de tecidos, que
embebição plasmática, dependendo de um leito receptor revolucionou o tratamento de deformidades até então consi-
com boa vascularização. deradas de solução praticamente impossível, reduzindo-se
Os enxertos cutâneos já eram utilizados há aproximada- muito o tempo de internação e o número de procedimentos
mente três mil anos pelos egípcios e hindus, que o faziam cirúrgicos. Com o advento da microcirurgia os retalhos pu-
para reconstrução nasal após punições por crimes de adulté- deram ser transplantados totalmente desvinculados da área
rio. Entretanto, as publicações científicas sobre enxertos só doadora com anastomoses dos vasos arteriais e venosos na
se iniciaram no século XIX, com o relato de auto-enxertia área receptora.
bem-sucedida para reconstrução nasal. Na segunda metade Em 1965, Komatsu e Tamai obtiveram sucesso em um
do mesmo século, houve um grande número de publicações reimplante de polegar e, em 1973, Rolim Daniel e Ian Taylor
referentes aos enxertos, deixando de ser uma conduta de ex- publicaram a transferência microcirúrgica do grande omen-
ceção para se tornar rotina no tratamento de áreas cruentas. to, que foi o primeiro retalho livre realizado. Após essa data,

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CAPÍTULO 4 33
MICROCIRURGIA RECONSTRUTIVA

inúmeros retalhos livres foram descritos e popularizados, min é suficiente para sua nutrição adequada. Esta enorme
podendo-se até mesmo falar em uma subespecialidade conhe- possibilidade de variação do fluxo é atribuída às anastomo-
cida como microcirurgia reparadora. ses arteriovenosas, controladas pela estimulação noradrenér-
gica das fibras nervosas simpáticas. Esta propriedade é de
fundamental importância para a manutenção da homeostase
ANATOMIA VASCULAR do corpo humano, explicando ainda a viabilidade dos retalhos
logo após sua transferência.
A irrigação sanguínea do corpo humano pode ser dividi-
da basicamente em macro e microcirculaçao. A macrocircu- Baseado na distribuição do sistema circulatório e de fun-
lação é formada por vasos segmentares ou de distribuição damental importância para o entendimento dos retalhos foi
que se originam diretamente da aorta ou dos grandes troncos desenvolvido o conceito de angiossomas. Análogo a um der-
vasculares. Esses vasos irão alcançar o sistema cutâneo atra- mátomo sensitivo, um angiossoma é um bloco complexo de
vés de três vias fundamentais. As artérias musculocutâneas vários tecidos (pele, fáscia, músculo e osso) supridos por va-
que correm perpendicularmente através dos ventres muscu- sos de mesma origem. A artéria de origem supre a pele e as
lares subjacentes para dentro da circulação cutânea, são mais estruturas subjacentes dentro de um dado bloco tridimensio-
prevalentes no suprimento sanguíneo da pele cobrindo os nal de tecido. Toda a superfície de pele do corpo, dessa for-
amplos e planos músculos do tronco. ma, é perfundida por múltiplas unidades de angiossomas.
As artérias septocutâneas ou septomiocutâneas, originá- A interligação entre os angiossomas adjacentes é feita
rias de vasos segmentares ou musculocutâneos, passam dire- pelos vasos capilares. Em princípio, um retalho randômico
tamente dentro dos septos fasciais intermusculares para cutâneo pode sustentar a área suprida por um angiossoma.
suprirem a pele sobrejacente. Essa orientação é mais comum No entanto, um retalho de padrão axial pode carregar consi-
entre os músculos mais longos e delgados das extremidades. go um angiossoma adicional de tecido que é perfundido atra-
vés da interligação feita pelos capilares, Como exemplo o
As artérias cutâneas diretas, ramos de artérias segmen- retalho TRAM que incorpora extensões cutâneas laterais às
tares, situam-se no plano da fáscia superficial e emitem ra- perfurantes vindas através dos músculos retos abdominais (zo-
mos para o plexo dérmico. Estes sistemas dão origem a nas 3 e 4). (Fig. 4.2)
plexos vasculares intensamente interligados que são o fascial,
o subdérmico e o dérmico. (Fig. 4.1)

Fig. 4.2
Retalho TRAM demarca-
do demonstrando a pro-
jeção dos músculos retos
abdominais, áreas irriga-
das diretamente pelos
ramos perfurantes mio-
cutâneos e extensões la-
terais irrigadas através de
anastomoses do plexo
subdérmico.
Fig. 4.1 Desenho representando uma artéria e seus ramos
musculares que irrigam a pele através de ramos perfurantes
diretos e indiretos, que formam os plexos fascial, CLASSIFICAÇÃO DOS ENXERTOS
subdérmico e dérmico.
Os enxertos podem ser classificados quanto à sua espes-
sura, composição, origem e dimensões.
Além de artérias e veias, a circulação cutânea é formada
por arteríolas, capilares, vênulas e shunts arteriovenosos que QUANTO À ESPESSURA (TABELA 4.1)
constituem a microcirculação. O controle do fluxo sanguíneo
neste sistema é dado pelo sistema nervoso simpático, ao pas- • Enxertos de pele total: enxertos constituídos pela epi-
so que a regulação da microcirculação muscular é predomi- derme e por toda a espessura da derme.
nantemente miogênica. • Enxertos de pele parcial: constituídos de epiderme e
Caracteristicamente, o fluxo sanguíneo cutâneo é muitas parte da derme, e são subdivididos em delgados (espes-
vezes superior às suas necessidades metabólicas. O fluxo sura de 0,125 a 0,275 mm), intermediários (espessura
sanguíneo normal da pele é de aproximadamente 100 mL/ de 0,276 a 0,40 mm) e espessos (espessura de 0,41 mm
100 mg/min, e sabe-se que um fluxo de 1 a 2 mL/100 mg/ a 0,75 mm) (Figs. 4.3 e 4.4).

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34 CAPÍTULO 4
CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSPLANTES CUTÂNEOS

Tabela 4.1
Características dos Enxertos Cutâneos

Tipo Indicações Vantagens Desvantagens

Delgado • Cobertura de áreas de circulação • Fácil integração • Intensa retração secundária


duvidosa • Rápida epitelização da área doadora • Apresenta discromias com maior
• Reparações temporárias • Retração primária de 10% freqüência
• Pouco resistentes aos
traumatismos

Intermediário/ • Coberturas de áreas cruentas • Apresenta discromia com menor • Área doadora com freqüência
espesso resultantes da secção de bridas freqüência apresenta hiperpigmentação
e sinéquias • Menor retração secundária • Área doadora com maior
• Zonas articulares ou dorso das mãos susceptibilidade às infecções

Pele total • Reparações de face • Praticamente não sofre retração • Áreas doadoras limitadas, pois
• Reconstruções de orelha secundária ou discromia exigem fechamento primário
• Sindactilias • Grande resistência aos traumatismos • Integração difícil
• Reconstrução de pálpebras • Retração primária de 40%

• Compostos: são os enxertos constituídos por associa-


ções dos diferentes tecidos como pele, gordura, osso,
cartilagem ou músculo (Figs. 4.5 e 4.6).

QUANTO À ORIGEM
• Auto-enxertos: quando as áreas doadoras e receptoras
pertencem ao mesmo indivíduo.
• Homoenxertos: quando as áreas doadora e receptora
pertencem a indivíduos da mesma espécie. São muito
utilizados em grandes queimados como curativos bio-
lógicos na preparação da área receptora até que se dis-

Fig. 4.3 e 4.4


Retirada de enxerto de
espessura parcial com
auxílio de dermátomo
elétrico e detalhe do en-
Figs. 4.5 e 4.6
xerto na mesa cirúrgica.
Paciente com seqüela de
retirada de tumor nasal
submetida à reconstrução
com enxerto composto
QUANTO À COMPOSIÇÃO de pele e cartilagem au-
ricular. Fotos pré e pós-
• Simples: são os enxertos constituídos por apenas um operatórias.
tipo de tecido como a pele.

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CAPÍTULO 4 35
MICROCIRURGIA RECONSTRUTIVA

ponha de auto-enxertos ou se melhore a qualidade da


área receptora.
• Isoenxertos: quando as áreas doadoras e receptoras per-
tencem a gêmeos homozigotos.
• Heteroenxertos ou xenoenxertos: quando as áreas
doadora e receptora pertencem a animais de espécies
diferentes.

QUANTO À DIMENSÃO
• Enxertos em lâmina: são enxertos amplos, que permi-
tem o revestimento de toda ou quase toda a área cruen-
ta; são muito utilizados atualmente (Figs. 4.7 e 4.8).

Figs. 4.9 e 4.10


Utilização de enxerto em
malha 3:1 para paciente
com queimadura profun-
da de grande extensão
em região dorsal.

CLASSIFICAÇÃO DOS RETALHOS


O avanço nos conhecimentos sobre anatomia e vascula-
rização dos retalhos aumentou sobremaneira as opções de
reconstrução, com melhora significativa do prognóstico e re-
dução na morbidade cirúrgica.
Figs. 4.7 e 4.8 Tentando atender às necessidades do momento e unifor-
Queimadura de 2o grau mizar a nomenclatura das transferências de tecido no univer-
profundo em mão esquer- so científico várias classificações foram desenvolvidas.
da e aspecto pós-operató- Entretanto, vale lembrar que estas classificações estão sujei-
rio imediato de enxertia tas a críticas e que o mais importante é entender os princípios
de pele de espessura par-
nos quais se baseiam.
cial em lâminas.
Os retalhos podem ser classificados quanto à forma, ao
número de pedículos, à composição, à vascularização, à lo-
calização da área doadora em relação à receptora e aos mé-
• Enxertos em estampilhas ou selos: são pequenos frag- todos de migração.
mentos de pele utilizados para revestir grandes áreas,
nos casos em que não se dispõem de áreas doadoras
suficientes. Entre um fragmento e outro, ocorre a epi- QUANTO À FORMA
telização a partir das bordas, o que compromete o re-
sultado estético, restringindo o seu uso. • Planos: são os retalhos que mantêm a forma original
com uma única superfície de revestimento cutâneo.
• Enxertos em malha (mesh graft): neste caso, o enxerto Constituem a maioria dos retalhos (Figs. 4.11 e 4.12).
de pele parcial sofre múltiplos cortes obtidos com o uso
de um instrumento apropriado. Desta forma, o enxerto • Tubulizados: são retalhos cujas bordas são suturadas
transforma-se em uma “rede” com conseqüente aumen- umas às outras formando um tubo, outrora empregado
to de sua superfície, nas proporções de 1,5:1 até 6:1, na transferência indireta de retalhos (Figs. 4.13 e 4.14).
conforme a distância entre os cortes. É um procedimen- • Duplo revestimento: são dobrados sobre si mesmo ou
to muito utilizado na cobertura de grandes áreas cruen- forrados com enxerto de pele, apresentando dupla face,
tas e com pouca disponibilidade de área doadora (Figs. e são usados nas reparações que necessitam de forro,
4.9 e 4.10). como é o caso da cavidade oral (Figs. 4.15 e 4.16).

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36 CAPÍTULO 4
CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSPLANTES CUTÂNEOS

Figs 4.15 e 4.16


Retalho deltopeitoral uti-
lizado como duplo reves-
timento, no qual a
porção proximal recons-
trói o revestimento muco-
so; e a porção distal do
retalho realiza a cobertu-
ra do defeito cutâneo.

Figs. 4.11 e 4.12


Reconstrução da região • Pré-moldados: são retalhos moldados na área doadora
temporal após ressecção em uma etapa cirúrgica anterior à sua transferência,
neoplásica com retalho objetivando alcançar maior similaridade com a estrutu-
microcirúrgico ântero-la- ra a ser reconstruída.
teral da coxa de forma
plana.
QUANTO AO NÚMERO DE PEDÍCULOS
• Monopediculados.
• Bipediculados.
• Multipediculados.

QUANTO À CONSTITUIÇÃO
• Simples: são constituídos apenas por pele e subcutâneo.
• Compostos: além de pele e tela subcutânea levam con-
sigo outros tecidos como fáscia (fasciocutâneos), mús-
culo (miocutâneos), osso (osteocutâneos) e cartilagem
(condrocutâneos) (Fig. 4.17).

Figs. 4.13 e 4.14


Retalho ântero-lateral da
coxa moldado de forma
Fig. 4.17
tubular invertida para re-
construção do esôfago Retalho osteocutâneo fi-
cervical pós-ressecção bular utilizado para re-
neoplásica. construção mandibular.

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CAPÍTULO 4 37
MICROCIRURGIA RECONSTRUTIVA

Existem ainda retalhos compostos formados pela asso-


ciação de mais de dois tipos de tecidos (Fig. 4.18).

Figs 4.19 e 4.20


Fig. 4.18
Retalho ao acaso, sem
Retalho de grande omen- pedículo vascular defini-
to utilizado para cobertu- do, da face medial da
ra de deiscência extensa coxa para reconstrução
de esternotomia após re- de defeito crural.
vascularização cardíaca.

QUANTO À IRRIGAÇÃO

• Randomizados ou ao acaso: são os retalhos irrigados


principalmente pelas artérias miocutâneas. Estas arté-
rias provêm das perfurantes, formam um plexo ao nível
da fáscia superficial e enviam ramos perpendiculares à
pele para formar o plexo dermosubdérmico. A relação
comprimento-largura desses retalhos foi muito estuda-
da e usada como base para traçado de retalhos duran-
te muitas décadas. Atualmente essas regras não são
mais aceitas. Na verdade, admite-se que o comprimento
do retalho ao acaso não depende da largura, mas sim do
calibre e do número das perfurantes contidas em sua
base (Figs. 4.19 e 4.20).
• Axiais ou arteriais: esses retalhos são traçados em Figs. 4.21 e 4.22
função de uma ou mais artérias que constituem o eixo Detalhe de dissecção
do retalho. Esta artéria em geral é uma artéria cutânea de retalho paraescapu-
direta, mas pode ser também uma artéria septocutânea lar, baseado na artéria
ou septomiocutânea. O comprimento dos retalhos axi- circunflexa escapular, a
ais depende do comprimento da artéria somado a um ser transferido de forma
microcirúrgica.
retalho ao acaso, pois as ramificações da artéria axial
terminam no plexo dermosubdérmico que representa a
última estação vascular dos retalhos ao acaso (Figs.
4.21 e 4.22).
• Retalhos de fluxo reverso: são retalhos baseados dis- Os retalhos fasciocutâneos e musculares apresentam clas-
talmente nos quais o fluxo arterial e venoso para o sificações específicas quanto à sua vascularização. Em 1984,
território proximal de pele está em uma direção in- Cormack e Lamberty, baseados na localização das perfuran-
versa do normal. Entretanto, nem todos os retalhos tes fasciocutâneas, na presença de um plexo fascial e no
baseados distalmente apresentam fluxo retrógrado componente direcional predominante, elaboram uma classi-
(Figs. 4.23 e 4.24). ficação dividida em quatro tipos:

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38 CAPÍTULO 4
CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSPLANTES CUTÂNEOS

Fig. 4.25
Retalho inguino-crural
baseado na artéria cir-
cunflexa ilíaca superficial
dissecado para transfe-
rência microcirúrgica.

Figs. 4.23 e 4.24


Retalho de fluxo reverso,
baseado no plexo vascu-
lar que acompanha o
nervo sural, utilizado Fig. 4.26
para a reconstrução de
lesão na região calcânea. Retalho interósseo pos-
terior utilizado para a
reconstrução de mão
esquerda.

• A: irrigação feita por múltiplas perfurantes fasciocutâ-


neas orientadas no sentido do maior eixo do retalho,
sem origem discriminada, podendo ser uma combina-
ção de perfurantes diretas e indiretas. Esse tipo de vas-
cularização é observado no retalho fasciocutâneo
proximal e distal do sartório;
• B: irrigação dependente basicamente de uma perfurante Fig. 4.27
solitária e calibrosa, geralmente direta, como o retalho Retalho perfurante da
fasciocutâneo da artéria temporal; artéria glútea superior
dissecado baseado em
• C: a irrigação depende de múltiplas perfurantes seg- ramos perfurantes mus-
mentares ao longo do comprimento do retalho, geral- culares.
mente se originando de uma mesma artéria profunda no
septo intermuscular, como o retalho fasciocutâneo ra-
dial do antebraço;
O tipo A de Cormack-Lamberty tem múltiplas perfuran-
• D: as perfurantes fasciocutâneas da pele, do músculo e tes, geralmente incluindo perfurantes musculocutâneas indi-
do osso adjacentes derivam seu suprimento sanguíneo retas, e assim lembra o tipo C de Nahai-Mathes.
a partir da mesma artéria. Aqui estão incluídos os reta-
lhos osteomiofasciocutâneos livres, como o retalho os- O tipo B de Cormack-Lamberty tem uma única perfurante
teosseptocutâneo livre de fíbula. que pode ir diretamente para a pele, como o tipo A de Nahai-
Mathes (por exemplo, retalho inguino-crural da perfurante
Nahai-Mathes também classificaram os retalhos fasci- ilíaca circunflexa superficial). Se a perfurante também pas-
ocutâneos quanto ao seu modo de vascularização em três sa entre músculos em um septo, é equivalente ao tipo B de
tipos: Nahai-Mathes, como exemplificado pela artéria cubital infe-
• A: perfurantes cutâneas diretas, similares aos retalhos rior, que atravessa o septo intermuscular lateral antes de su-
axiais definidos inicialmente (Fig. 4.25); prir o retalho antecubital do antebraço.
• B: perfurantes septocutâneas que cursam junto aos Devido ao fato de as perfurantes segmentares geralmente
septos intercompartimentais ou intermusculares originarem-se de um vaso localizado dentro de um septo
(Fig. 4.26); intercompartimental (por exemplo, ramos dos vasos colate-
• C: perfurantes musculocutâneas ou indiretas (Fig. 4.27); rais radiais posteriores no septo intermuscular lateral que

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CAPÍTULO 4 39
MICROCIRURGIA RECONSTRUTIVA

supre o retalho lateral do braço), os retalhos tipo C de Cor-


mack-Lamberty são idênticos aos tipo B de Nahai-Mathes.
Fig. 4.30
A classificação quanto à vascularização dos retalhos mus- Retalho miocutâneo de
culares será abordada sumariamente neste capítulo e discu- reto abdominal baseado
tida detalhadamente no Capítulo 5. na artéria epigástrica pro-
funda inferior utilizado
A anatomia vascular dos retalhos musculares é constan-
para cobertura de defeito
te e confiável, sendo necessário um conhecimento preciso da da região trocantérica re-
localização do pedículo vascular. De acordo com Mathes e sultante de infecção de
Nahai, um pedículo é considerado principal se sua divisão prótese de quadril.
ocasiona a necrose do músculo. Define-se como um pedículo
vascular dominante como aquele suficiente para nutrir a to-
talidade da massa muscular. Os pedículos menores não ga-
rantem a sobrevivência do retalho quando o pedículo • IV: pedículos vasculares segmentares; a transferência
dominante é seccionado. Pedículos segmentares secundários muscular não pode ser feita com apenas um pedículo.
são suficientes para irrigar o músculo quando o pedículo do- Esse grupo é pouco interessante para a transferência
minante é seccionado ou ligado, desde que preservados em microcirúrgica (exemplos: tibial anterior, sartório)
número suficiente. Baseado nestes conceitos os retalhos mus- (Fig. 4.31);
culares podem ser divididos em cinco tipos: • V: um pedículo vascular dominante e pedículos secun-
• I: caracterizado por um único pedículo vascular que dários segmentares (exemplos: grande dorsal, peitoral
penetra o ventre do músculo em seu pólo proximal maior) (Fig. 4.32).
(Exemplos: gastrocnêmio, tensor da fáscia lata, reto fe-
moral) (Fig. 4.28);
• II: um pedículo vascular dominante e vários pedículos
vasculares menores (exemplos: gracilis, solear vasto la-
teral) (Fig. 4.29);
• III: neste padrão a vascularização é feita por dois pedí- Fig. 4.31
culos dominantes (exemplos: reto abdominal, glúteo R etalho de músculo
máximo, serrátil anterior) (Fig. 4.30); sartório utilizado para
cobertura dos vasos fe-
morais expostos após
esvaziamento inguinal
extenso.

Fig. 4.28
Retalho de músculo gas-
trocnêmio utilizado para
reconstrução de terço
proximal da perna.

Fig. 4.32
Detalhe de dissecção do
músculo grande dorsal.

Fig. 4.29
Retalho de músculo vasto QUANTO À LOCALIZAÇÃO DA ÁREA
lateral utilizado para pre-
enchimento de cavidade DOADORA EM RELAÇÃO À RECEPTORA
resultante de infecção de
prótese de quadril. • Retalhos de vizinhança: localizam-se nas adjacências
da área receptora, com características cutâneas de

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40 CAPÍTULO 4
CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSPLANTES CUTÂNEOS

cor e espessura similares. Geralmente são os de pri- QUANTO AO MÉTODO DE MIGRAÇÃO


meira escolha, dependendo, porém, da disponibilida- (APLICADO AOS RETALHOS DE VIZINHANÇA)
de cutânea.
• Retalhos à distância: são obtidos de uma região distan- • Retalhos de avanço ou deslizamento: são retalhos cons-
te do local a ser reparado. Exigem dois ou mais proce- tituídos geralmente por pele e subcutâneo traçados a
dimentos cirúrgicos. São divididos em diretos, indiretos partir de uma das bordas da área cruenta, que é contí-
e livres (microcirúrgicos). Os retalhos diretos são usa- gua a eles, alcançando-a em um movimento retilíneo.
dos diretamente sobre a área receptora, como o retalho Como exemplo os retalhos em avanço “V-Y”, ampla-
de braço para reparar o nariz (Tagliacozzi), cross-leg mente utilizados nas reconstruções de polpa digital,
para reconstrução de membros e o cross-finger para alongamentos de columela e correção de cicatrizes.
reconstrução de dedos (Figs. 4.33 e 4.34). Esses retalhos são incisados em “V” e suturados em
“Y”, mantendo um pedículo subcutâneo. Os retalhos de
• Retalhos indiretos: necessitam de um vetor para sua avanço monopediculados são geralmente retangulares,
transferência. São geralmente tubulizados, e o punho é e necessitam de ressecções triangulares lateralmente ao
o vetor mais empregado. Como exemplo o retalho de
seu pedículo (triângulos de Bürow) para melhor fecha-
Mustardé confeccionado na parede abdominal e trans- mento da área doadora (Figs. 4.35 e 4.36).
portado pelo punho para grandes reparos nos membros
inferiores. Esse tipo de retalho caiu em desuso com o
desenvolvimento dos retalhos microcirúrgicos.
• Retalhos livres: são retalhos axiais que têm seu pedí-
culo seccionado na área doadora; e anastomosado
através de instrumentos de magnificação em vasos do
leito receptor. Podem ser transferidos também na for-
ma inervada.

Figs. 4.35 e 4.36


Úlcera de pressão da re-
gião sacral tratada com
utilização de retalho de
avanço tipo “V-Y” duplo.

Figs. 4.33 e 4.34


Retalho tipo cross-leg • Retalhos de rotação: são retalhos traçados a partir de
utilizado em paciente uma das bordas da área cruenta, que lhe é contígua, al-
com defeito de terço dis- cançando-a em um movimento giratório. Como exem-
tal de perna esquerda. A plo os retalhos utilizados para fechamento de úlceras de
indicação deste retalho pressão sacrais (Figs. 4.37 e 4.38).
foi específica para este
paciente que possuía • Retalhos de transposição: formados geralmente por
trombose venosa profun- pele e subcutâneo, e que para alcançar a área cruenta
da de todo o membro realizam um movimento giratório transpondo a área de
inferior esquerdo, con- pele normal. São contíguas às áreas cruentas. Como
tra-indicando um proce-
dimento microcirúrgico.
exemplo os clássicos retalhos bilobado, retalho de Lim-
berg e transposição em “Z” (Figs. 4.39 e 4.40).

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CAPÍTULO 4 41
MICROCIRURGIA RECONSTRUTIVA

Figs. 4.37 e 4.38


Retalho de rotação da
região dorsal utilizado
para a cobertura de de-
feito resultante de ressec-
ção de tumor cutâneo.

Figs. 4.41 e 4.42


Retalho frontal utilizado
para reconstrução nasal.

QUANTO À INERVAÇÃO

Figs. 4.39 e 4.40 Os retalhos cutâneos, fasciocutâneos e musculares podem


Retalho rombóide duplo também ser transferidos em uma forma inervada. Muitas ve-
utilizado para a cobertura zes, uma mesma área doadora pode dar origem a mais de um
de defeito cutâneo de mi- tipo de retalho. A inervação dos retalhos cutâneos e dos fas-
elomeningocele lombar. ciocutâneos têm por objetivo principal conferir sensibilidade,
ao passo que a inervação dos retalhos musculares visa a res-
taurar a função (Figs. 4.43 e 4.44).
A descrição pormenorizada dessas características foge
• Retalho de interpolação: migração através de um mo- ao escopo deste capítulo, onde apenas citaremos a classi-
vimento giratório em ponte sobre ou sob pele normal ficação descrita por Taylor dos retalhos musculares quanto
para alcançar a área cruenta. O defeito não é contíguo à inervação:
ao retalho. Como exemplo o retalho frontal para re- • nervo único e não ramificado entrando no músculo (por
construção nasal (Figs. 4.41 e 4.42). exemplo, grande dorsal);

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42 CAPÍTULO 4
CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSPLANTES CUTÂNEOS

de tecido ou tecidos necessários para a cobertura da lesão, e da


disponibilidade local e a distância de áreas doadoras.
A estratégia em cada reparação segue como regra geral os
“degraus da reconstrução”, optando-se pela alternativa mais
simples que permita a correção adequada do problema. As-
sim, sempre que possível, optamos pelo fechamento primá-
rio ao invés de um enxerto, e por este ao invés de um retalho
local, e assim sucessivamente.
Entretanto, muitas vezes, apesar de ser possível a repara-
ção com um método mais simples, como um enxerto de pele
para cobrir do dorso à ponta nasal, optamos por um método
mais complexo como retalho frontal, por oferecer um resul-
Figs. 4.43 e 4.44 tado de melhor qualidade.
Retalhos glúteo-femo-
rais, inervados pelo ner-
vo cutâneo posterior da
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
coxa, utilizados bilateral-
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Neste capítulo apresentamos sumariamente as várias op- 11. Mathes SJ, Nahai F. Reconstructive Surgery: Principles, Anatomy and
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CAPÍTULO 4 43
MICROCIRURGIA RECONSTRUTIVA

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