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NOS CÉUS DO

CERRADO
HISTÓRIA DA AVIAÇÃO NO
CENTRO-OESTE DO BRASIL
1926 A 1960

Newton Marcos Leone Porto


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APRESENTAÇÃO

Por que verificar o que aconteceu com a aviação no


Centro Oeste do Brasil só no período de 1926 a 1960?
Porque foi nesses 34 anos que a aviação chegou
na região e com a finalidade de participar do processo de
integração nacional, cujo apogeu foi a transferência da
capital do país para Brasília.
De quando ocorreu o primeiro pouso de um avião
no cerrado até mudança da capital a aviação se consolidou
em definitivo como meio de transporte no desenvolvimento
do sertão.
E conhecer esse período da aviação na região
central do país serve para dimensionar a sua importância no
vasto interior brasileiro.
Porém, ao se fazer o levantamento de registros do
passado de uma área tão específica, como a aviação,
percebeu-se que pouco deles se preservou.
Acervos de documentos e imagens antigos têm sido
desfeitos em repartições públicas e em velhas empresas
para “limpar espaço” ou só mesmo porque não têm mais
serventia imediata, sem antes serem escaneados ou
digitalizados.
Peças centenárias são descartadas como se
fossem entulhos. Prédios históricos são demolidos a bem de
uma urbanização mais moderna. E até museus cerram de
vez suas portas por falta de interesse em preservá-los.
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Dizem que povo sem memória é povo sem História,


e povo sem História é povo sem identidade. Mas, filosofias à
parte, o certo é que os interessados em estudar e expor algo
de uma área específica com significado à construção de
nossa sociedade dependerá de poucas fontes disponíveis.
Na aviação é até mais difícil, mesmo sendo uma
área recente. Pois, são parcos os registros sobre a
mensuração de sua contribuição ao desenvolvimento do
país e quase todos os seus museus não sobreviveram às
dificuldades financeiras.
Assim, muito das informações relativas às rotas
aéreas pioneiras no Centro Oeste, para se confeccionar este
trabalho, proveio das raras fontes disponíveis: “Roteiro do
Tocantins”, livro de Lysias Augusto Rodrigues, e “O
Aeroporto de Cuiabá na História Regional: do Campo Velho
ao Novo Aeroporto de Cuiabá em Várzea Grande (1929 –
1969)”, dissertação de mestrado de Valmir Aparecido
Ferreira dos Santos. O restante das informações foi pinçado
de fontes que tratavam de assuntos variados e que
ocasionalmente referiram-se a algum fato relacionado à
aviação na região, como o livro “Por que construí Brasília”,
de Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Dito isto, vamos ao âmago do assunto objeto deste
trabalho: como e por que a aviação saiu do litoral e rumou
para o grande e desafiante interior do sertão.
O Brasil é um país novo, tem só 198 anos de
existência. Sim, porque antes esse chão aqui era só uma
das tantas colônias que o reino português mantinha mundo
afora. E antes dele chegar eram várias nações primitivas
disputando território entre si, povos que viviam ainda em
condições pré-históricas, pois não faziam uso dos metais,
nem da roda e nem da escrita.
E mesmo após a independência o novo país, no
período monárquico (1822 a 1889) e no período da dita 1ª
República (1889 a 1930), existia de fato somente na faixa
litorânea e em algumas partes do interior onde outrora
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existiram jazidas minerais. O restante era uma vastidão


onde poucos se aventuravam e esses poucos
assenhoravam-se de grandes fatias de terra e nelas
impunham suas próprias leis e formas de viver.
Após apearem a monarquia do poder esses donos
de extensas terras passaram a se revezar no mando sobre o
jovem Brasil. Os “barões do café” de São Paulo e os donos
dos bois de Minas Gerais davam as cartas e os demais
brasileiros tinham de aceitar o jogo. Foi a Época da política
do “café-com-leite”.
Porém, um fator externo mudou essa rotina: a
quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929, tornando o café,
produto que sustentava o país, dispensável num mercado
externo em crise e que, por isto, atava-se somente ao
essencial. Daí, o modelo econômico do “café-com-leite” não
mais se sustentou.
A isto se somou a insatisfação contra uma tentativa
dos políticos paulistas escamotear os mineiros para se
preservarem no poder, gerando assim a Revolução de 1930,
que resultou ascensão do gaúcho Getúlio Dornelles Vargas
que, por 15 anos, ficou como mandatário absoluto da nação.
Óbvio estava que o novo cenário econômico exigia
do novo cenário político uma tábua de salvação.
E foi aí que entrou nessa história o avião. Vargas
era um aficionado pela aviação, devido seu desempenho
como eficaz meio de transporte mundo afora. Na sua terra
natal, o Rio Grande do Sul, foram fundadas as primeiras
duas empresas aéreas que operaram no Brasil, a do Condor
Syndikat e a Varig, em 1927, e menos de uma ano depois,
ao assumir o governo rio-grandense, ele deu todo apoio a
essas empresas.
Quando Vargas chegou à Presidência da
República viu como forma de soerguer a economia do país a
necessidade de desenvolver o parque industrial nacional e o
mercado interno para, então, não depender mais tanto dos
humores da economia internacional.
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Arregimentar os antigos “barões do café” paulistas


à necessidade de migrar seus investimentos na direção
desse parque industrial não foi muito complicado, mas
integrar o extenso interior brasileiro como fornecedor de
matéria prima e, claro, como consumidor das manufaturas
da indústria nacional, já era uma questão bem mais difícil.
Não haviam recursos suficientes para estender, e
depois manter, u’a malha ferroviária ou rodoviária que se
estendesse aos confins do território nacional no intuito de
ligá-lo ao sudeste do país.
Mas, ele acreditava no potencial do avião. Sim, o
transporte aéreo, que já fazia maravilhas na Europa e na
América do Norte poderia saltar morros, rios e matas e
chegar onde só as montarias dos tropeiros então se
aventuravam.
O transporte aéreo passou daí a ser um importante
fator de integração nacional. Do sudeste mais desenvolvido
ao sertão, ao pantanal e às lonjuras da Amazônia os
aeroplanos passariam doravante a singrar os céus unindo
os diferentes “Brazís” deste grande Brasil.
E é daí que se inicia este livro, a saga da aviação
rumo ao interior brasileiro como valoroso instrumento dos
Projetos de Integração Nacional.
O primeiro bandeirantismo aéreo foi em direção ao
Centro Oeste. E dos céus goianos o avião deveria seguir
rumo à Amazônia, até uni-la ao resto do pais. Isto fez de
Goiás um entreposto da aviação, ali estabelecendo um
permanente vínculo com a economia da região.
Outra rota aberta quase ao mesmo tempo foi pelo
interior paulista, adentrando pelo sul do Mato Grosso até
Corumbá, no Pantanal Mato-grossense. Dali, em
hidroaviões, seguia-se à Cáceres e Cuiabá, usadas então
como ponta de lança da aviação para o sul da Amazônia.
É nesse uso do transporte aéreo no Centro Oeste
para atender os esforços de interiorizar o Brasil iniciado nos
anos 30 que este trabalho está focado. Então, vamos lá!
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SUMÁRIO

O QUE ERA O CENTRO OESTE À ÉPOCA DA CHEGADA DO


AVIÃO ................................................................................... 8

O GOVERNO RESOLVE OCUPAR O INTERIOR DE FATO E DE


AVIÃO .................................................................................. 18

O CORREIO AÉREO (CAM) NOS PROJETOS DE INTEGRAÇÃO


NACIONAL ............................................................................ 22

O CAM DESCENDO O TOCANTINS RUMO A BELÉM DO


PARÁ .............................................................................................
28

A AVIAÇÃO CHEGA NO MATO GROSSO PARA


FICAR .............................................................................................
43

O PRIMEIRO AEROPORTO COMPLETO DO


SERTÃO ...........................................................................................
.. 52

O AERO CLUB DE GOIAZ................................................... 56

O TRANSPORTE AÉREO REGULAR NO PRIMEIRO


AEROPORTO DE GOIÂNIA ................................................... 63

O CORREIO AÉREO, O AEROCLUBE E A CONDOR


CONSOLIDAM A AVIAÇÃO NO MATO GROSSO .................... 71

A AVIAÇÃO SE EXPANDE PELO CERRADO


GOIANO ...........................................................................................
.. 76
7

PILOTEIRO DO SERTÃO ...................................................... 78

MAIS AERÓDROMOS E MAIS AVIÕES ................................. 83

O AVIÃO NA MARCHA PARA O OESTE ................................ 88

NOVO AEROPORTO NO MATO GROSSO - VÁRZEA


GRANDE ..........................................................................................
... 98

NOVO AEROPORTO DE GOIÂNIA, O “SANTA


GENOVEVA” ....................................................................................
....... 103

O SERVIÇO AÉREO DO ESTADO DE GOIÁS ................. 109

AVIÕES NOS CÉUS DO MATO GROSSO NOS ANOS


60 ........................................................................................... 111

OS AVIÕES NA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA ...................... 113

FUNÇÃO DA AVIAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA E NA


MUDANÇA DA CAPITAL ...................................................... 126

APOIO AÉREO AOS PROJETOS DE CONSTRUÇÃO DAS


RODOVIAS DE INTEGRAÇÃO NACIONAL: DE BRASÍLIA A
BELÉM, MANAUS E ACRE .................................................. 145

APOIO AÉREO AO PROJETO DE CONSTRUÇÃO DA RODOVIA


DE INTEGRAÇÃO NACIONAL:
DE BRASÍLIA A MANAUS .................................................... 157

APOIO AÉREO AO PROJETO DE CONSTRUÇÃO DA RODOVIA


DE INTEGRAÇÃO NACIONAL:
DE BRASÍLIA AO ACRE ...................................................... 163

LUZES E AVIÕES NOS CÉUS DA INAUGURAÇÃO DE BRASÍLIA


........................................................................................... 169

E ASSIM A AVIAÇÃO AJUDOU A FAZER O CENTRO


8

OESTE ...........................................................................................
186

REFERÊNCIAS .................................................................... 188

O AUTOR .................................................................................. 188

O QUE ERA O CENTRO OESTE À ÉPOCA DA CHEGADA


DO AVIÃO

“... entramos em Cavalcante ao som de um tiroteio


intenso. É hábito local qualquer viajante ou morador aqui
chegando disparar suas armas como sinal de regozijo
por ter chegado são e salvo; todos os moradores locais
respondem a esses tiros com muitos outros [...] a
correspondência será levada por um baiano que fará 250
quilômetros a pé para lá e outros tantos para cá pela
mísera quantia de 25$000! Parece mentira! Como defesa
contra quaisquer animais ferozes que se lhe deparem
tem sua faquinha, para alimentação um bornal com
rapadura e carne de vento desfiada e misturadas...”

Está aí um pequeno pedaço da descrição do chão


goiano que o Capitão Lysias Augusto Rodrigues fez em seu
diário da viagem de 1931 (depois publicado como livro
“Roteiro do Tocantins”), quando da implantação de uma
linha do Correio Aéreo do Sudeste até a Amazônia,
cruzando pelo Centro Oeste do país.
Essas terras goianas, semelhante ao resto do
interior brasileiro, constituía-se de vastas fazendas de gado
entremeadas por vilarejos onde se ajuntavam as famílias de
boiadeiros e de roceiros, valendo-se do comércio de itens
básicos proporcionado por algumas pequenas mercearias,
dos serviços religiosos duma capela local e por vezes de
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uma escola de alfabetização para a molecada aprender a


ler, escrever e fazer contas.
A produção não consumida no local seguia em
carroções por estradas de chão batido até alguma cidade à
beira da ferrovia, onde podia ser embarcada no rumo do
Triângulo Mineiro ou mesmo do oeste paulista.
Mandavam e desmandavam os grandes
fazendeiros, os ditos “coronéis”, cujo poder ia do domínio da
economia local, da política e até mesmo dos costumes, e
tudo garantido por um competente grupo de jagunços,
encarregados de levar aos incautos os “lembretes” de seus
patrões.
Em plagas goianas a capital do estado, a cidade de
Goiaz, congregava o poder desses donos de muitas terras
no palácio do governador que, sendo sempre um deles,
procurava favorecer o grupo que melhor lhe convinha. O
relacionamento dele com o governo central do país, no Rio
de Janeiro, era só o suficiente para garantir que esse estado
de coisas fosse mantido.
As vias de acesso em geral eram estradas de terra
e até mesmo trilhas em alguns casos. Demorava-se dias e
até semanas para se chegar à capital do país, para ir de
uma a outra capital de estado e mesmo para escoar a
produção ou receber manufaturas do sudeste. Por vezes, na
ocasião de chuvas intensas, vários locais do interior ficavam
isolados por dias a fio.
No início do Século XX a estrada de ferro Mogiana
de São Paulo atravessou o Triângulo Mineiro e chegou ao
sul de Goiás e nele parou sem sequer alcançar a capital
goiana da época. Acompanhava o trajeto da linha férrea os
fios do telégrafo, possibilitando que as cidades às margens
da ferrovia pudessem se comunicar de forma mais rápida.
Também por volta daqueles tempos, o Coronel
Cândido Rondon à expandiu as linhas telegráficas do
sudeste até o distante Acre, provendo várias cidades
interioranas desse então moderno meio de comunicação.
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Mas, nada escapava do controle dos poderosos oligarcas.


Nessa época os aviões ainda voavam somente por
locais próximos ao litoral, tanto nas poucas rotas aéreas da
linha costeira, como em modestas escolas de pilotagem e
aeroclubes. A Aviação Militar receberia seu verdadeiro
batismo de fogo no decorrer da Revolução de 1932.

Fonte do mapa original: IBGE

Por causa da estrada de ferro as cidades do sul


goiano findaram por se desenvolver mais depressa e
tornaram-se uma espécie de entreposto comercial, fazendo
as trocas dos produtos da terra que procediam dos recantos
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do interior pelos industrializados procedentes do mais


desenvolvido Sudeste.
Pelo mesmo motivo instalou-se na cidade de
Ipameri um quartel do Exército, uma espécie de garantia da
presença do governo da União nesse entreposto servido
pela ferrovia e pelo telégrafo (infraestrutura de transporte e
comunicações). Esse quartel passou a ser decisivo para
apoiar o ingresso da nascente Aviação Militar pelo sertão.
Assim, o sul de Goiás diferenciou-se do restante do
estado, atraindo imigrantes, em sua maioria europeus, mais
afeitos às inovações tecnológicas, e árabes, com
significativo know how na área comercial. Daí chegaram as
usinas hidroelétricas, as construções com uso de concreto
armado, a telefonia, rádios broadcast, veículos automotores
de toda espécie, máquinas de beneficiamento de grãos,
charqueadas, fábricas de laticínios e, claro, muitas oficinas.
A integração dessa região ao desenvolvido Sudeste
pela ferrovia e pelo telégrafo, e todas essas coisas foram
mudando a mentalidade do povo que, então, passou a ter
maior influência nas decisões políticas do lugar e mesmo
perante os governos estadual e central.
Já o Mato Grosso (ainda era um estado único, pois
o Mato Grosso do Sul foi desmembrado só em 1977) dividia
suas terras entre o cerrado ao centro, o pantanal ao sul e as
florestas amazônicas ao norte. E tinha uma facilidade em
termos de via de acesso: a fluvial. Pela Bacia do Prata
chegava-se ao Pantanal Mato-grossense e dele à área em
que se situava a capital, Cuiabá.
Mas, não diferia muito o seu contexto econômico e
político do de Goiás, inclusive quanto aos ciclos
econômicos: mineração, pecuária de extensão e agricultura,
variando um pouco do tempo em que aconteceram.
Famílias donas de muitas terras também impunham
suas leis aos que viviam nelas, abrangendo sítios, vilarejos
e até cidades. O governo do estado mantinha o mesmo tipo
de relacionamento com o governo da União, ou seja, no
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caso de seus interesses próprios.


Curiosidade a parte é que essa relação praticada
naquela época entre estados e governo central condizia
mais com o sistema de federação, pois os estados
dispunham de maior autonomia, mesmo que nas mãos das
famílias mais abastadas. Diferente de hoje que, apesar do
termo “Federativa” ter substituído no nome do país o termo
“Unidos”, os estados já não têm quase autonomia (era
República dos Estados Unidos do Brasil e a partir de 1969
passou a ser República Federativa do Brasil).
Mas, vamos adiante.
As povoações próximas aos rios da Bacia do Prata
tinham melhores chances de se desenvolver, pois a via
fluvial tanto lhes facilitava o transporte para o escoamento
de suas produções, como propiciava o recebimento das
manufaturas provindas de fora.
Diferente de Goiás, sem beira com qualquer outro
país, o Mato Grosso era alvo de atenção do governo central
devido suas fronteiras com o Paraguai e com a Bolívia.
Afinal, há poucas décadas o Brasil travara sua guerra mais
intensa contra um deles.
As linhas telegráficas que Rondon fez chegar ao
Acre cortavam na diagonal o Mato Grosso, favorecendo as
cidades por onde foi instalada. Elas entravam no estado nas
proximidades do Alto Araguaia e saíam na direção do Acre,
ao noroeste.
Convém lembrar que no início do Século XX a área
que hoje é Rondônia fazia parte do Mato Grosso, e só em
1943 passou a existir o Território Federal de Rondônia.
Pelo que se pode perceber, tirando as
preocupações com as fronteiras, o estado do Mato Grosso
funcionava de forma semelhante ao de Goiás e era um
interior que padecia do mesmo isolamento, tanto que para
percorrer os 700 km de chão entre Campo Grande e Cuiabá,
por volta dos anos 30, era uma aventura de quase três dias,
ou seja, dez vezes mais tempo do que se gasta atualmente
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E a capital do estado tinha pouco mais de uns 30 mil


habitantes.
Essas duas cidades rivalizavam-se entre si. A
chegada da ferrovia em Campo Grande melhorou a situação
desta cidade em detrimento da capital do estado, e também
a via fluvial favorecia o sul do estado, pois mesmo muito
longa (mais de 3.000 km) embarcava-se em Corumbá e
descia pelo rio Paraguai até o Prata, atravessando o
Paraguai (país) e nordeste argentino para, então, alcançar o
mar. Enquanto que o acesso à capital mato-grossense por
este meio era ainda mais distante e por isto demandava
mais dias de viagem.
E o avião chega no cerrado em tal contexto. Porém,
ele apresentou-se ao sul goiano um pouco antes, em 1926,
quando a Força Pública do Estado de São Paulo – FPESP
disponibilizou alguns para localizar por onde andava a
alcunhada “Coluna Prestes” e um deles precisou de fazer
um pouso forçado às oito horas da noite no pasto da
Fazenda Modelo, no distrito de Urutahy, município de
Ipameri. O piloto, um norte-americano radicado no Brasil e
comissionado pela FPESP como instrutor de voo, e seu
navegante saíram do acidente apenas com escoriações.
Após fotografarem o aeroplano acidentado no meio
do cerrado, funcionários da ferrovia colocaram-no sobre um
vagão do trem de ferro para devolvê-lo à São Paulo, mas as
fagulhas expelidas pela chaminé da locomotiva caíram
sobre a tela das asas e da fuselagem incendiando-as e,
assim, o avião foi totalmente destruído.
Depois dessa primeira nefasta experiência em solo
goiano o avião só retornaria pelas terras do velho
Anhanguera dali há cinco anos, com a implantação da linha
pioneira do Correio Aéreo, com origem no Rio de Janeiro e
destino à cidade de Goiaz, na época capital do estado.
Aproveitando para ilustrar a dificuldade de se obter
informações históricas sobre a aviação, segue a imagem de
uma carta descritiva redigida por um estudioso do assunto,
14

após passar por outras três pessoas, versando a respeito do


avião da FPESP que se acidentou no sul do estado, até
então considerado o primeiro pouso de avião em solo
goiano... pouso forçado e noturno:
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Fonte: autor
16

Já no Mato Grosso a primeira vez que se teve


notícia de um aeroplano por ali foi em 16-03-1927, quando
um hidroavião Savoia Marchetti S-55, pilotado pelo italiano
De Pinedo, amerissou nas águas do rio Paraguai, em frente
à Cáceres, num um raid iniciado em Elmas, na Itália, há
mais de um mês (Santos, 2013).
O fato parece ter despertado a atenção do
presidente do estado, Mário de Corrêa da Costa, para
aquela tecnologia moderna que bem poderia tirar o Mato
Grosso de seu isolamento com relação ao resto do país.
Assim, dois anos depois ele estabeleceu um prêmio de 30
contos de réis a quem primeiro pousasse com um aeroplano
em Cuiabá.
Mas, somente dois aviadores se interessaram: o
Piloto Aviador alemão Hans Guzy, com seu avião Klemn L
20, e o Capitão Piloto Aviador Antônio Reynaldo Gonçalves,
da Força Pública de São Paulo, com um avião Avro Avian
III, que contava com o notório Vasco Cinquini como colega
de viagem. Cinquini fizera com Ribeiro de Barros, João
Negrão e Newton Braga o voo pioneiro da Itália ao Brasil,
em 1926, à bordo do hidroavião Savoia Marchetti “Jahú”
(Pessoa, 2019).

Fonte: https://www.gracesguide.co.uk/Avro:_Avian

Modelo do primeiro avião a pousar em Cuiabá -1929 Avro Avian III


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Enquanto o Klemn partiu do Rio de Janeiro rumo ao


Mato Grosso, o Avro iniciou sua jornada em Santos (SP). E
ao final da tarde do dia 28-03-1929 foi o Avro, com Antônio
Reynaldo Gonçalves e Vasco Cinquini, após longa viagem e
muitas paradas, que pousou num campo improvisado na
região de Coxipó, na capital mato-grossense. Foi uma
surpresa geral, pois somente Hans Guzy havia comunicado
previamente a intenção de fazer aquele voo pioneiro.
O capitão Reynaldo o fez porque tomou
conhecimento do prêmio oferecido pelo governo do Mato
Grosso, mas não havia comunicado que o faria. Já o avião
esperado, o Klemn, de Hans Guzy, teve problemas
mecânicos durante o percurso, tendo de fazer pousos
técnicos em Mogi das Cruzes (SP) e também a uns 100 km
de Cuiabá, devido a uma pane no tubo de alimentação de
combustível e só chegou ao seu destino quatro dias depois.
Mas, o entusiasmo foi tal pelo inédito feito que o governo do
estado findou por premiar os dois aviadores.
Mário de Corrêa acreditava mesmo que o
transporte aéreo pudesse ligar de vez seu estado ao
Sudeste, principalmente ao Rio de Janeiro e demonstrava
isso sempre que podia. Numa mensagem à Assembleia
Legislativa declarou: “A preocupação primordial do meu
governo foi e tem sido sempre o problema de transportes,
estabelecendo um plano geral de aviação.” (Santos, 2013).
Enquanto os aviadores paulistas fizeram logo a
viagem de retorno, pousando ainda em Aquidauana, o
alemão Hans Guzy permaneceu por alguns meses em
Cuiabá onde ganhou algum dinheiro extra realizando voos
turísticos, e por ocasião das festividades do Divino Pai
Eterno lançou flores de seu avião sobre os participantes das
touradas do Campo d’Ourique (Santos, 2013).
18

Fonte: www.rc-network.de/forum/showthread.php/62542-Bau-einer-KLEMM-L-20

Modelo do avião com que Hans Guzy chegou à Cuiabá.

E foi em tais circunstâncias que o avião chegou no


Centro Oeste brasileiro nos anos de 1920. Um curioso e
admirado instrumento da moderna tecnologia, capaz de
gerar expectativas sobre uma possível ligação mais rápida e
perene do interior ao desenvolvido Sudeste do país. Saltar
as distâncias em questão de horas, ao invés de dias, era um
velho sonho acalantado pelo povo do sertão. E as asas do
avião pareciam se abrir num abraço convidativo à
concretização deste sonho.
Contudo, aqueles pequenos e frágeis aeroplanos,
com capacidade apenas para duas pessoas, construídos de
madeira e tela, equipados com motores de baixa potência,
sem razoáveis equipamentos de navegação, pouco podiam
fazer para corresponder às expectativas que aquela gente
neles depositava.
Mas, o que importava mesmo era que, se eles
conseguiram por ali chegar uma vez, com certeza poderiam
repetir a façanha muitas vezes, mesmo que ainda de forma
precária. Pelo menos as correspondências, jornais, revistas
e pequenos objetos podiam doravante chegar bem mais
rápido. E só esse gostinho de maior proximidade com o
brilho das grandes metrópoles já servia de alento ao sonho
de progresso.
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O GOVERNO RESOLVE OCUPAR O INTERIOR DE FATO


E DE AVIÃO

O crash da Bolsa de New York, em 1929, produziu


efeitos nefastos nos anos subsequentes, afetando a
economia do mundo inteiro, inclusive a do Brasil. E em
tempos de crise o consumo de muitos produtos é
drasticamente reduzido, em especial os não essenciais. E o
café brasileiro, principal produto de exportação, não sendo
essencial, perdeu seu espaço no mercado internacional,
levando o país à bancarrota.
Assim, o modelo econômico adotado pelo Brasil há
décadas já não conseguia mais se sustentar. Urgia
implantar outro que, então, atendesse as novas
circunstâncias advindas daquela imensa crise.
O país, então, teve de se voltar para seu mercado
interno que, devido à anterior política de exportações, quase
não existia, não tinha condições de participar de uma
economia de mercado, que requer ininterrupto movimento
de matérias primas, industrialização e consumo. Era, pois,
preciso redimensionar desse mercado interno.
Mas, como fazer isto se a economia estava
concentrada no Sudeste e no restante ela era por demais
heterogêneo? Embora o país tivesse suas fronteiras
políticas definidas legalmente, na prática elas sequer
existiam.
A reestruturação da dinâmica da economia interna
exigia de imediato a unificação desses compartimentos
estanques constituídos pelo “coronelismo” nos cafundós
brasileiros.
20

Em seu trabalho sobre a conquista do oeste no


Brasil e nos EUA, Amado reporta como se deu a integração
do território norte-americano até se transformar em um país
com identidade própria:

“Nos EUA, o movimento para oeste incorporou porções


de terras adjacentes, formando uma espécie de linha de
fronteira que avançou progressivamente do leste para
oeste, sem interrupções no tempo ou no espaço;
colonização, exploração econômica e integração de
novas terras foram processos simultâneos” (Amado,
1995).

Lendo a História dos Estados Unidos da América


percebe-se que o meio de transporte usado na marcha para
o oeste de lá primeiramente foram as “diligências”, que eram
carroções puxados por duplas de cavalos, que uniam
vilarejos do leste ao oeste. Mas, o decisivo mesmo foi a
expansão das ferrovias rumo ao oeste bravio, iniciando
povoações onde estabelecia estações de reabastecimento.
E tudo feito por empreendedores privados que acreditavam
no potencial do interior do país.
Já aqui no Brasil investimento de tal porte, e
principalmente numa época de crise, só mesmo o governo
poderia fazer. Integrar o sertão era um enorme desafio e
com altíssimo custo. Construir ferrovias pelo sertão?
Praticamente impossível, não havia recursos para tal. A
solução tinha de ser outra. E daí a ideia foi usar o avião!
Um documento da época produzido pelo Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, responsável em grande
monta pelo processo de interiorização, dizia o seguinte:

“Senhor do imenso patrimônio territorial perdido entre as


distâncias invioladas, só conquistando os caminhos do
espaço seria possível ao brasileiro realizar a unidade
perfeita de sua pátria, pelo domínio efetivo do solo e a
valorização de suas riquezas potenciais [...] De fato, a
navegação aérea significa para nós a condensação
21

social, a unidade política, o sentimento objetivo da


integridade territorial, a coesão do povo, seu
enriquecimento, sua força, sua felicidade [...] O avião é,
agora, o instrumento mais característico da soberania
nacional, pelo que serve à ordem interna, à paz, à
segurança, e ao progresso coletivo. Sobre 8.500.000 km
quadrados, só as azas nos dariam, neste dias,
objetivação, realidade ao que, sem elas, ainda hoje
seriam, para os interesses ou ambição alheia, uma
discutível convenção geográfica [...] Além de um
predestino, ele é para nós um instrumento de unidade,
fator de educação, meio de transporte, veículo de
saneamento, elemento de defesa“.

Porém, o fato mais expressivo sobre as intenções


do governo a respeito da utilização da aviação como
instrumento de interiorização, foi o discurso proferido por
Getúlio Vargas durante as solenidades de inauguração da
estação de hidroaviões do Aeroporto Santos Dumont, do Rio
de Janeiro, em 1931, ao dizer:

“Pela extensão do seu território, pela vastidão do seu


litoral, pelas dificuldades das suas comunicações
internas, pela necessidade da difusão e da divulgação de
fatos que interessam às suas populações disseminadas
em regiões distantes e ignoradas, por todas estas
razões, o Brasil precisava ser dotado de um
aparelhamento aéreo perfeito e eficiente” (Souza, 1944).

Vargas fizera seu primeiro voo a bordo de um avião


ainda como governante do Rio Grande do Sul e, ciente da
importância daquele moderno meio de transporte, favoreceu
a consolidação das duas empresas aéreas do Brasil que
fundadas nem sua terra natal: Condor Syndikat e a Viação
Aérea Rio Grandense que, já no seu segundo ano, passara
a ter o governo estadual por maior acionista.
É possível perceber que logo estabelecido o Estado
Novo, no afã de promover ações que pudessem concretizar
22

as pretensões políticas daquele governo, como, por


exemplo, a expedição Roncador Xingu e mesmo a
instituição da Fundação Brasil Central, lançou-se mão do
avião como instrumento propício a fornecer o suporte
logístico de transporte a empreitadas de tal monta, conforme
bem se expressou depois Cassiano Ricardo:

“Na nova Marcha para Oeste, a técnica de hoje terá um


grande e inconfundível papel. Basta lembrarmos o avião,
que tornou o país mais presente a si mesmo. Sob esse
aspecto, aí está um pioneiro autêntico – o Correio Aéreo
Militar. Não há a menor imagem em se dizer que o avião,
inventado por um brasileiro, foi inventado
providencialmente para o Brasil; É brasileiro, pois, por
dois motivos fundamentais. O Acre, por ex., deixou de
ser um trecho de território insulado no extremo oeste
para estar distante de nós – do Rio, S. Paulo ou Recife –
apenas algumas horas” (Ricardo, 1959).
23

O CORREIO AÉREO (CAM) NOS PROJETOS DE


INTEGRAÇÃO NACIONAL

O voo, por si só é um fator de desafio para aqueles


que têm o espírito de aventura, o elemento indispensável às
arrojadas empreitadas, como se apresentava a
interiorização brasileira então pretendida pelo governo.
E quem é esse tipo, o aventureiro? Ele se
caracteriza pelo movimento constante, está sempre em
busca de algo que lhe dê motivação de vida, não se fixa em
nenhum local a não ser pelo tempo suficiente para se
recuperar e se reorganizar, e daí segue adiante buscando
vencer desafios, como foram os bandeirantes que se
aventuraram pelo interior em busca de riquezas (Lima Filho,
2001).
Assim, o aviador parecia surgir como o novo
bandeirante: “...bandeirantes da era do aço...” como está
expresso no Hino dos Aviadores escrito por ocasião da
fundação do Ministério da Aeronáutica, em 1941.
Outro quesito que a aviação fazia caber bem ao
governo era a visão de conjunto que ela proporcionava aos
aviadores militares enquanto agentes do poder público.
Quem voava constantemente sobre diversas
regiões acabava percebendo as potencialidades,
dificuldades e contrastes dos vários rincões do mundo,
impossíveis de serem percebidas por aqueles que
passavam a maior parte de suas vidas em uma única
localidade, mesmo dispondo de dados estatísticos a respeito
(Nascimento, 1972).
Por exemplo, nenhuma mera descrição ou dados
estatísticos são capazes de fornecer a sensação provocada
pelo permanente mormaço da Amazônia no ser humano,
24

responsável pela má fama de lassidão do caboclo que, entre


outros fatores ambientais, pode influir na diminuição de sua
capacidade produtiva.
Aos aviadores militares, por serem agentes do
poder público, era necessário que estivessem em estrita
consonância com a causa do governo acima de qualquer
outra instância e, sendo portadores do espírito de aventura
característico do pioneiro, não foi tarefa difícil fazê-los
engajar na causa da construção da nacionalidade brasileira.
(Souza, 1986).
O Brigadeiro Deoclécio Lima de Siqueira, um dos
fundadores do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, ao
lançar a obra principal daquele instituto, “História Geral da
Aeronáutica Brasileira”, em 1990, dissertou sobre o
fenômeno do Movimento Tenentista que norteava as ações
dos jovens Pilotos-Aviadores militares:

“Estão aí, em resumo, as origens do Tenentismo, suas


bases históricas, seus fundamentos psicossociais [...] a
instrução nas escolas de formação de oficiais segundo
currículos de orientação essencialmente científica, que
postergava a formação castrense; as influências
humanistas partidas do Positivismo, com suas intenções
de intervenção na ordem social; a atmosfera intelectual
do realismo e do naturalismo literário, que punha a
camada popular em contato com os problemas e
preocupações da sociedade da época; as situações
política e econômica, que exigiam moralização; os vários
grupos de ‘Jovens’ reformistas; tudo isso concorreu, em
épocas diversas, para que nos militares se viesse
formando o espírito do soldado-cidadão, com profundo
idealismo de responsabilidade pela ordem e progresso
do País. E esse espírito nacionalista da época iria
impulsionar os jovens, tanto do meio militar, como do
meio civil” (Siqueira, 1990).

Patente fica aí que ele compartilhava daquele


movimento, mas o exposto acima tem a finalidade de
25

mostrar que a causa do nacionalismo, encampada pela


jovem oficialidade que servia no Campo dos Afonsos, levou
aqueles aviadores militares a insistirem nas rotas aéreas
pelo interior brasileiro, apesar das inúmeras dificuldades.
Lysias Rodrigues que, sendo ele mesmo um Piloto
Aviador militar, expressou claramente o espírito daqueles
que acreditavam na aviação como importante instrumento
de interiorização, tão útil às pretensões do governo à época:

“Os aviadores, pela natureza intrínseca da sua profissão,


tinham uma visão mais larga das necessidades
nacionais, de suas possibilidades e, sobretudo, aquele
sentimento bandeirante desbravador de selvas e sertões,
a impulsioná-los incitantemente para unirem todo o Brasil
numa rede gigantesca de rotas aéreas, dada a premente
necessidade de ser fortalecida a unidade política do país
[...] levariam às povoações isoladas dos sertões a
certeza de que o Governo Federal procurava ajudá-los,
vindo ao seu encontro, reafirmando laços de autoridade
que o tempo e a distância haviam enfraquecido”
(Rodrigues, 1987).

Outro fato que favoreceu o governo no uso da


aviação militar como instrumento de interiorização, foi a
questão discutida na Europa sobre o alto custo da
manutenção de um exército aéreo, como defendia Douhet.
Colocar a aviação militar a serviço da consecução das
ações pretendidas do governo rumo ao interior seria uma
forma dela justificar seus custos mediante a prestação de tal
serviço.
A ideia partiu do General José Fernandes Leite de
Castro, então Ministro da Guerra, que apresentou a
proposta de utilizar a aviação militar para transportar as
malas postais com destino ao interior, mantendo assim um
meio de comunicação e transporte rápido, mais seguro e
controlado pelo governo sem custos adicionais, já que a
estrutura para tanto o Estado brasileiro já possuía.
E o ministro da guerra encarregou o então Major
26

Eduardo Gomes para a tarefa de fazer funcionar esse


correio aéreo.
O major era um nacionalista, acreditava na
necessidade de se construir uma identidade nacional forte,
defender as distantes fronteiras amazônicas com constante
vigilância e assistência para garantir a posse das reservas
estratégicas de recursos e desenvolver um parque industrial
capaz de tornar o país independente em termos de
tecnologia, essencial à produção de material bélico próprio,
fator decisivo no suprimento das tropas durante um conflito
armado.
Seguindo esse entendimento, em 1931, portanto
ainda antes da construção de Goiânia, o Correio Aéreo
Militar – CAM (substituído em 1941 pelo Correio Aéreo
Nacional – CAN) implantou a sua primeira rota rumo ao
vasto interior brasileiro, com origem na então capital do país,
Rio de Janeiro, e com destino à capital do estado goiano.
As orientações para a construção dos campos de
aviação em terras goianas para receber os aviões do CAM
foram feitas em viagem precursora pelo Tenente Piloto-
Aviador do Exército Casemiro Montenegro Filho, que
posteriormente fundou o Instituto Tecnológico de
Aeronáutica – ITA e o Centro Técnico Aeroespacial – CTA.
O primeiro voo da rota para o sertão foi realizado
pelos Tenentes Pilotos-Aviadores do Exército Joelmir
Campos de Araripe Macedo e Nelson Freire Lavenére-
Wanderley que, tempos depois, viriam a ocupar o cargo de
Ministro da Aeronáutica.
O primeiro pouso do CAM no Centro Oeste
realizou-se em Ipameri com apoio logístico do 6º Batalhão
de Caçadores do Exército ali sediado e da rede telegráfica
da Estrada de Ferro de Goiaz.
O comandante daquele quartel forneceu aos pilotos
um croqui do terreno de Leopoldo de Bulhões até a cidade
de Goiaz, que não era servida por ferrovia e não constava
no Guia Levy, um pequeno livro de informações variadas
27

usado na falta de mapas.


O avião era um Curtiss Fledgling, igual ao
constante da figura a seguir, ao lado de um cartaz da 1ª
linha do CAM para o interior do Brasil, a linha de Goiaz:

Fonte: FAB

Findos os preparativos piloto e navegador


decolaram com seu avião rumo à cidade de Goiaz.
Araripe Macedo contou que a pista construída era
bem curta e, para piorar, foi instalado um palanque em que
se postavam as autoridades locais justamente na cabeceira
final da pista. Disse que: “matematicamente o pouso deveria
terminar dentro do palanque, mas não sabe se por milagre,
já que o bispo local estava naquela tribuna, o avião parou
exatamente antes de invadi-lo e seu motor teve de ser
desligado rapidamente, uma vez que uma multidão eufórica
cercou o avião”, segundo relata o navegador Lavenére-
Wanderley, em seu livro publicado em 1975.
E de acordo com informações constantes do livro “A
Breve História da Aviação Comercial Brasileira”, do aviador
Aldo Pereira, essa rota pioneira tinha 1.740 km de extensão.
Essas primeiras rotas do CAM com seus campos
de aviação tanto passaram a possibilitar o contato do
governo da União com os governos estaduais e até com
prefeituras das pequenas cidades, como também
viabilizavam a interiorização da aviação comercial de linhas
28

regulares que, até então, restringia-se à linha litorânea.


A existência da ferrovia e de um quartel do Exército
no sul goiano foi fundamental para que o CAM iniciasse
suas rotas de integração nacional pelo cerrado, pois
propiciava o necessário apoio logístico para voos mais
ousados rumo à distante Amazônia, objetivo final da
pretendida integração de todo o território brasileiro.
Por tal motivo Goiás tornar-se-ia um entreposto da
aviação, uma espécie de ponta de lança na direção da hileia
brasileira e de suas fronteiras com os países andinos.

O CAM DESCENDO O TOCANTINS


29

RUMO A BELÉM DO PARÁ

Ainda em 1931 Eduardo Gomes despachou o


Capitão Piloto-Aviador do Exército Lysias Augusto
Rodrigues em uma viagem de preparação de uma nova
linha aérea do CAM que unisse o Sudeste ao Norte do país,
saindo do Rio de Janeiro com destino à Belém do Pará.
Durante o percurso deveria ele instruir os prefeitos como
construir os campos de aviação.
A empresa de transporte Pan American Arways
tinha interesse em uma rota aérea mais curta entre os
Estados Unidos e o Rio de Janeiro e enviou dois
funcionários seus, Felix Blotner e Arnold Lorenz, para
acompanhar o Cap. Lysias nessa viagem, conforme relatou
o militar no seu diário daquela viagem, em que anotou ricos
detalhes a respeito de toda aquela andança pelo interior
brasileiro a serviço do CAM.
Vale a pena citar e até comentar aqui várias
passagens desse diário, pois ele propicia de forma bem
clara e realista uma visão e, como foi dito, contendo ricos
detalhes do que era o sertão do Centro Oeste naquela
época em que o avião ali ingressaria de vez. E vale mais
ainda porque é uma descrição feita por gente de fora do
contexto da região, que tinha valores, princípios e cultura
bem diferentes dos que foi encontrando no decorrer daquela
longa expedição.
Iniciaram a viagem de trem a partir do Rio parando
um dia em São Paulo para aquisição de materiais básicos
para a expedição e, logo após, seguiram para Campinas
onde embarcaram em outro trem para Araguari, no
Triângulo Mineiro e, de lá, em outro, para Ipameri.
30

Fonte: INCAER

Mas, a etapa inicial daquela expedição foi em


Cristalina, para onde seguiram de carro num trecho de uns
300 km, coberto em 9 horas, nos quais foram necessárias
oito trocas de pneus devido as precárias condições da
estrada.
Naquela cidade conheceu o alemão Gustavo
31

Leyser, um explorador de u’a mina de cristal que, consciente


do avanço da tecnologia no mundo industrializado, recebeu
bem a comitiva. Contudo, deixou claro que ele seria o
responsável por todo e qualquer apoio que o Correio Aéreo
ou a Pan American precisassem por ali. E assim ficou
acertado.
O capitão contou em seu diário que essas estradas
do interior por onde rodaram eram de propriedade particular
e nelas se cobrava pedágio em diversos trechos, apesar do
péssimo estado de conservação em que se encontravam.
A parada seguinte da expedição foi a cidade de
Planaltina, após 16 horas de muitos solavancos para cobrir
um trecho de uns 150 km. Ali perceberam que as dimensões
de uma lagoa existente a 12 quilômetros a noroeste da
cidade permitiria o pouso de hidroaviões, especialidade da
empresa aérea norte-americana.
Depois seguiram para Formosa vencendo os 42 km
com mais pedágios, e o capitão descreveu bem a situação
caótica dessas vias terrestres, impossíveis de garantir um
tráfego permanente:

“A região entre Planaltina e Formosa se apresentava a


mesma, de planos enormes, podendo as estradas
carroçáveis estenderem-se por quilômetros em linha
reta. Pena serem tão mal conservadas. Com tempo
chuvoso devem ser terríveis. Entre Planaltina e Formosa
deparamo-nos novamente com a cobrança do pedágio
[...] era o próprio prefeito de Formosa o dono da estrada,
e cobrava 27$000 por auto” (Rodrigues, 1987).

Mas, a cidade recebeu bem a aviação, tendo


instituído seu campo de pouso pelo Decreto Municipal nº 37
daquele ano e, em 1936, a Lei nº 13 o denominou como
campo “Coronel Muniz”, em homenagem ao Tenente-
Coronel Engenheiro e Piloto-Aviador do Exército Antonio
Guedez Muniz, projetista e fabricante de aviões nacionais.
Formosa despertou atenção da comitiva por ser
32

uma cidade de certo porte e já possuir uma usina


hidroelétrica, sinal que interpretavam como seguras
condições de progresso e, portanto, um possível entreposto
do Correio Aéreo.
Junto à área delimitada para o campo de pouso um
outro fator que contribuiu para reforçar tal ideia foi a
existência de um posto meteorológico do Ministério da
Agricultura, onde se informaram sobre as boas condições
climáticas para operações aéreas: ventos de leste e
encanados pelo vale da cidade, que desvia depois de
direção, possibilitando uma interpretação errônea por parte
do piloto no momento do pouso.
A temperatura do dia era amena até o meio dia e as
chuvas predominantes iam de outubro a abril.
Existia ainda uma oficina mecânica, interessante ao
apoio ao Correio Aéreo, e um médico, profissional raro
naquelas paragens.
O funcionário da empresa aérea acertou com um
sírio, agente da Texas e da Standard Oil a remessa de
1.200 litros de gasolina para uma primeira viagem de avião
em missão de exploração da rota, a se realizar algum tempo
depois.
Após Formosa o destino seguinte foi Olhos d’Água,
hoje conhecida por São João da Aliança. Ali foram recebidos
por um turco, agente de uma empresa de combustíveis que,
embora afirmasse não crer na rota aérea, já mandara
encomendar gasolina para atender os aviões que
chegassem.
Nessa localidade estava o último posto de telégrafo.
Daí por diante era impossível obter qualquer informação
sobre condições de tempo ou de operacionalidade dos
campos de pouso ou mesmo contatar o Rio de Janeiro. À
época os aviões não possuíam rádio a bordo e os pilotos
dependiam da comunicação de estações telegráficas de
outros serviços locais.
Também terminara a estrada e as viagens para o
33

norte eram seguindo trilhas, em cavalo ou à pé e levando


dias de uma cidade à outra.
A seguir, foram para Cavalcante no lombo de
montarias e com uma pequena tropa de burros
transportando bagagem e gêneros alimentícios. Os mapas
da região utilizados possuíam grandes erros com relação às
distâncias e sobre diversos acidentes geográficos, o que
tinha de ser corrigido para possibilitar uma navegação aérea
confiável, pois era feita visualmente observando aqueles
acidentes e as distâncias entre eles existentes.
Lysias relata uma interessante passagem que bem
exemplifica as condições que encontraram no sertão goiano:

“... não há morador dez léguas em torno, desde que


saímos de Veadeiros não vimos alma viva [...] para
atingirmos Cavalcante, que fica em um enorme buracão,
tínhamos de descer da Chapada dos Veadeiros. Essa
descida é simplesmente terrível. Basta dizer que tivemos
que faze-la à pé, puxando os animais e com máximo
cuidado de não falsear o pé. Rampas abruptas, pedregal
solto, margeando pontos perigosos, foi isso que
encontramos durante uma hora de descida” (Rodrigues,
1987).

Foi na chegada à Cavalcante que aconteceu aquele


tiroteio danado, anunciando a chegada de viajantes. Era
uma cidade sumida em meio às plagas do sertão goiano e
ainda ostentava a antiga Casa do Cunho, onde se fundiu
durante a época colonial o ouro extraído das minas dos
Guaiazes.
Logo após o “apeio” dos que integravam a comitiva
juntou gente em volta querendo saber das “novidades
atrasadas” do mundo civilizado.
Era uma gente que sonhava em diminuir as
dificuldades por que padecia, diante do desafio de prover a
subsistência sem os recursos da tecnologia. Uma
espingarda nova, ou um novo facão ou mesmo enxada,
34

eram cobiças de qualquer homem do sertão. Uma peça de


tecido de linho ou de chita, resistentes e ornados utensílios
de copa e cozinha, eram os sonhos de consumo das donas
de casa dali.
A Colônia Síria local ajudou na escolha do sítio para
a construção do campo de pouso: um pequeno plano a
sudoeste da cidade, com uma parte semeada de pedras
semicobertas, tornando difícil a entrada para os aviões,
também em face da colina de pedra que fica do lado
favorável ao vento dominante.
Dali para a próxima localidade, Palma, teriam de
varar mais 250 km em lombo de montaria. E foi na hora de
preparar a nova comitiva que o capitão percebeu como os
donos do poder local faziam para tentar controlar a
economia do lugar:

“À tarde chegou de Veadeiros o Joaquim Bandeira


que deveria chefiar a comitiva [...] porém um animal
fugiu e outro desapareceu e aqui não conseguiu
arranjar outros para substituí-los [...] então declarou-
nos não ser possível cumprir o trato [...] recorremos
ao rico sírio Antônio, que providenciou tudo e tudo
facilitou. Nosso chefe de comitiva será o Waldemar,
amigo do Néri [...] Parece-me que ele e o Néri tudo
fizeram para o Bandeira não arranjar os animais e o
Waldemar pegar o trabalho” (Rodrigues, 1987).

Ou seja, os negócios eram realizados de acordo


com a vontade deles e outros não tinham como aproveitar
uma oportunidade caso não tivessem o aval e,
evidentemente, a participação dos sírios. O Néri, chefe da
comitiva até ali, era, além de dono de terras, também o
responsável pelos Correios, assim, o controlador das
comunicações.
Logo no início da marcha o capitão percebeu mais
erros grosseiros nos mapas editados pelo Clube de
Engenharia do Rio de Janeiro e pelos do cartógrafo
35

daquelas bandas frei Founier. Antes de retomar a marcha o


capitão Lysias fez anotações em seu diário, tecendo
considerações sobre situações conflitantes por ele
encontradas naqueles mapas.
O trecho de viagem por terra havia terminado, dali
para frente foram em embarcações, descendo o rio
Tocantins e, depois, do Araguaia até a foz do Amazonas.
A partir de Ipameri a comitiva passou por 19
cidades: Ipameri, Cristalina, Olhos D’Água, Planaltina,
Formosa, Cavalcante, Buriti do Rancho, Palma, Porto
Feliciano, Peixe, Porto Nacional, Piabanha e Pedro Afonso,
no estado de Goiás; Carolina, Boa Vista e Imperatriz, no
estado do Maranhão; Marabá, Cametá e Belém, no estado
do Pará. Nessas localidades foi atendida pelos prefeitos,
donos de terras, proprietários de minas, concessionários de
estradas, comerciantes e até por donos das embarcações
que faziam o trajeto do rio Tocantins.
Outras personalidades que lhes prestaram apoio
despertaram a atenção dos integrantes da comitiva pelo jeito
com que tocavam as coisas pelo interior:
O “coronel” Custódio, dono de vastas terras e
meteorologista do Ministério da Agricultura;
O pastor protestante mister Franklin, cujas
obrigações pastorais não impediam de ser proprietário de
fazendas;
O Nóbrega que, mesmo sem receber um tostão há
muito do Ministério da Agricultura, mantinha funcionando em
bom estado a estação de meteorologia de Boa Vista (MA);
O “coronel” Ascêndio, líder político de Marabá (PA),
ex-aluno da Escola Militar, agrônomo formado pela Escola
Politécnica do Rio de Janeiro (era raro encontrar alguém
com curso superior no sertão, a não ser médico), que
mantinha como seu secretário um ex-oficial da Marinha;
E a impressionante atuação dos sírios no comércio
de diversas dessas cidades, que eram também donos de
terras, mas só se envolviam na política de forma indireta,
36

apoiando candidatos que, uma vez eleitos, passavam a


prestar-lhes favores.
Na descrição que Lysias faz em seu diário sobre a
Fazenda Barreiras, próxima à Palma, semelhante a tantas
pequenas povoações por que passou durante a viagem,
percebe-se nela a visão de um aventureiro a respeito do
sertão, o novo bandeirante, assim alcunhado por Lima Filho
(2001). Descrição de visitante, que se espanta, se admira e
se impõe ao mesmo tempo.
Era o homem civilizado que adentrava o sertão e
com espírito de aventura deparar-se com o imprevisível, o
desafiante, colher impressões sobre a vida do outro como
algo exótico e a ele apresentar-se como agente de um
mundo novo, próspero e, por isso, artífice das soluções para
o atraso daquela forma de viver.
Esse aventureiro era quem levava ao interior os
instrumentos da modernidade, capazes de modificar a
cultura e a estrutura social imperante por ali e, assim,
promover a integração daquelas distantes plagas à nação.
Entendia que era o seu ideal nacionalista
concretizando-se pela ação de um “soldado-cidadão” que,
por isso, o fazia com determinação, ele realmente acreditava
na causa que defendia e o demonstrava através de ações
concretas.
Ao retornar à civilização, a capital do país,
placidamente instalada em um recanto privilegiado pela
natureza e, até então, voltada ao brilho das luzes da
considerada progressista Europa, o novo bandeirante, tido
como herói e doravante detentor de uma infinidade de
conhecimentos sobre o Brasil do interior que se pretendia
descobrir e integrar, após a experiência ímpar ele que
vivera, toma assento junto ao poder responsável pela
condução dos rumos da nação que se queria construir.
Foram acontecimentos como essa viagem de
Lysias pelo interior brasileiro que proporcionaram ao
Ministério da Guerra o estabelecimento do seu espaço
37

político dentro do governo no período da República, porque


a organização militar passou a ser a detentora de uma
considerável gama de conhecimentos sobre o interior e, por
isto mesmo, necessária para a consecução das ações de
governo no sertão e, em especial, na Amazônia.
Por outro lado, essa condição lhe deu poder de
influência Brasil adentro, constituindo-se na mais efetiva
expressão do poder central em diversos rincões do país. E
tal posição privilegiada durou até os meados da década de
80 quando findou a fase dos governos militares.
Há uma passagem do diário de viagem de Lysias
que merece ser citada, mesmo que um pouco longa, em que
ele revela, com intensidade, a força do simbolismo que
envolvia a presença militar no interior, quando de sua
passagem por Marabá (PA), coincidindo, justamente, com
as comemorações do primeiro aniversário da Revolução de
1930, quando dois líderes políticos adversários utilizando-se
do momento atacavam-se através de discursos furiosos e,
por fim, quase indo às vias de fato:

“...o Dr. Murilo, o agrônomo do município [...] com ar


paranoico iniciou seu discurso dizendo cobras e lagartos
contra o regime passado, fala do presente e diz que em
muitos lugares a Revolução não preencheu seus fins;
começa então descompostura grossa contra o prefeito
[...] de repente o prefeito grita ‘Não apoiado!’ Segue-se
um aparte virulento do ‘coronel’ Guedes. Nisso, como
desaperto, o moleque Murilo apela para nós como
representante que éramos do Exército. O prefeito exalta-
se e arranca para agredir o orador. Felizmente tivemos a
oportunidade de segurá-lo a tempo, afastá-lo do local e
acalmá-lo [...] a atmosfera era porém muito pesada,
prevendo nós incidentes outros graves [...] era hora de
arriar a bandeira [...] ao som do hino fizemos arriar a
bandeira; subitamente tivemos uma inspiração que nos
parece feliz [...] tomamos a bandeira [...] voltamos para o
povo para pedir silêncio [...] aqueles que ali estavam
esperavam coisa que não sabiam, mas que seus
38

corações desejavam. Com voz emocionada, vibrante, em


palavras breves, incisivas, cortantes, fizemos ver a todos
que, perante o Brasil, todos os interesses pessoais
desaparecem. Ali estávamos, como humilde
representantes do Exército, como prova viva, palpável.
Apelei para o prefeito e para o agrônomo, tomando o
povo por testemunha, para que jurassem ali, sobre a
bandeira, servir fiel e lealmente ao Brasil, dando tudo o
que podiam e o que não podiam, e como testemunho
público, ali, de joelhos, beijá-la. Foi um frêmito de
emoção! O prefeito, olhos marejados de lágrimas se
aproxima, ressoando seus passos naquele silêncio
profundo, se ajoelha e beija a bandeira! Aproxima-se
logo após o Murilo e faz o mesmo. Uma salva de palmas
estrondosa. Terminou o ato. Apertaram-se as mãos,
sérios, conscientes do compromisso tomado [...] fomos
surpreendidos por várias senhoras que nos cercaram e,
à força, queriam beijar-nos as mãos... voltando e
observando as paredes brancas do salão da Prefeitura
[...] lembramo-nos de dar uma lição cívica aos
‘barbados’, para tanto aguçando a curiosidade das
mulheres [...] mandamos buscar tinta e pincel e
propusemos que cada senhora ou moça escrevesse ali
uma letra da frase: ‘Amar o Brasil sobre todas as coisas’
(Rodrigues, 1987).

Não é difícil imaginar o impacto que um


acontecimento assim causou naqueles que dele
participaram ou o assistiram.
Bem no interior do país, onde os interesses dos
“coronéis” eram a tônica máxima e, não invariavelmente a
única, dos destinos da população, alguém fardado como
símbolo do poder que representava, um poder que pretendia
se fazer valer naquele interior, comandar um ato de intenso
valor simbólico, como um marco de mudança da fonte de
maior autoridade. Não mais o “coronel” local, mas o
Presidente da República que, embora muito distante dali,
fazia-se presente através da farda de um oficial do Exército.
Subjugar os caciques políticos locais em plena luta
39

pelo poder, perante todos, a um dos símbolos maiores da


nacionalidade, expressão da unidade de um povo, era uma
vitória significativa em uma das batalhas travadas de uma
guerra que se via como necessária à construção do país.
Lysias bem aproveitou a importância do simbolismo
religioso que fazia parte da vida daquela gente ao deixar no
principal prédio público o registro escrito pelas mãos das
senhoras “Amar o Brasil acima de todas as coisas”, pois
afinal no cristianismo esta é a lei maior com relação a Deus.
Esta forma de sacralizar o ente político é uma
herança do Positivismo. Para o indivíduo de tal formação
militar nenhum símbolo torna-se maior que a Pátria e toda a
ritualística que envolve sua veneração (Castro, 2002).
Por isso mesmo a utilização da estrutura militar por
parte de Vargas para promover a integração da nação
brasileira e consolidar sua unidade tornou-se um quesito
conveniente. Parecia contar ele justamente com essa
predisposição, principalmente dos jovens aviadores
militares, ansiosos pelo envolvimento em uma causa de
alcance político, como bem demonstraram nas várias
revoltas da década de 20.
Mas, debalde esses esforços de Lysias, até
meados da década de 30 o transporte aéreo por aquela
região ficou restrito à rota Rio de Janeiro-Cidade de Goiaz,
servindo também as cidades de Ipameri, Vianópolis e
Leopoldo de Bulhões. Conta Lavenére Wanderley (1975),
então um dos pilotos dessa rota, que após Vianópolis as
estradas assemelhavam-se a trilhas que se cruzavam e
confundiam-se, ficando difícil ao piloto segui-las como
referência.
Por isso adotou-se dois procedimentos: os pilotos
primeiramente faziam uma viagem somente como
observadores para depois poderem concorrer aos voos com
destino à Goiás; e também de se pintar nos telhados das
casas maiores, fossem sedes de fazendas ou nas de
povoações do interior, letras e uma seta que indicassem a
40

próxima cidade e o seu rumo. Quando havia mau tempo,


eram obrigados ao voo rasante para não perder o solo de
vista, e quando o terreno era acidentado tal tipo de voo
tornava-se uma temeridade.
A luta contra panes nos aviões, campos de pouso
precários, mapas errados, bússolas não confiáveis,
aterragens de emergência em meio ao cerrado, desafiavam
os mais de trinta pilotos que constavam da escalagem de
voo das rotas do Correio Aéreo Militar.
Contudo, a Revolução Constitucionalista de 1932
interrompeu a implantação de rotas aéreas no interior e, por
conseguinte, também os voos dessa pioneira rota pelos
céus goianos.
Os aviões e pilotos do Correio Aéreo passaram a
ser utilizados no combate às tropas paulistas, constituindo-
se na primeira vez em que a aviação militar era usada de
forma efetiva em operações de guerra no país, cuja sua
eficácia fez com que se iniciasse um movimento para a
instituição de um ministério exclusivo para a aviação.
Movimento este que tinha suas bases teóricas no conceito
de Poder Aéreo, concebido pelo general engenheiro italiano
Giulio Douhet, em 1920, e que teve intensa participação do
capitão Lysias, publicando várias matérias jornalísticas na
capital defendendo a proposta.
Mesmo após aquela Revolução os voos partindo do
Campo dos Afonsos demoraram a ter continuidade, devido à
falta de interesse de vários dos prefeitos das cidades do
interior visitadas anteriormente em construir os campos de
pouso.
Outro fator que influenciou na demora da retomada
das operações do Correio Aéreo no interior foram as
condições técnicas dos aviões.
Já eram aparelhos considerados antigos,
desgastados, cujas restrições em termos de autonomia de
voo, capacidade de carga e velocidade, tornavam limitados
o alcance entre as escalas e o peso disponível para o
41

transporte das malas postais. Eram aviões Curtiss Fledgling


de 170 HP e os velhos Sikorsky S-31 e Huff Dalland que
pertenceram à Esquadrilha da Força Pública de São Paulo,
construídos ainda durante ou logo após a 1ª Guerra Mundial,
tinham duas naceles (cabines) sem cobertura, à frente a do
piloto e à ré a do mecânico.
Foi com a aquisição dos Waco C.S.O. de 240 HP,
pelo Ministério da Guerra que o Correio Aéreo se
instrumentalizou com equipamento aéreo com maior
capacidade de carga, autonomia, velocidade e melhores
instrumentos de navegação, que passaram a oferecer
confiabilidade nos voos de longo curso sertão adentro.
Esses aviões desenvolviam uma velocidade de
cruzeiro de 180 km/h contra os 140 e 150 km/h que os
antigos aparelhos alcançavam e tinham freio nas rodas, algo
inexistente nos antigos aviões do Exército.

Fontes: FAB e geocities.wr

WACO CSO - sem cabine e cabinado


42

Assim, somente às 8 horas do dia 14-11-1935 que,


mediante aprovação do general Coelho Neto, diretor da
Aviação Militar do Exército, Lysias conseguiu decolar com
um avião Waco C.S.O., tendo como companheiro o sargento
Soriano Bastos, rumando para São Paulo, de onde, após
uma troca de aparelho, pois o seu havia apresentado
problemas técnicos, decolou finalmente com destino ao
primeiro voo do Correio Aéreo na rota do rio Tocantins, para
transportar a mala postal.
A empresa norte-americana, cujos dois funcionários
o haviam acompanhado na expedição pioneira, não
conseguira também efetivar a sonhada linha cortando o
interior do país, pelas mesmas causas que prevaleciam para
o Correio Aéreo, a falta da construção dos campos de pouso
pelos prefeitos.
Estava ela, naquele momento, estudando, junto ao
governo brasileiro, a implantação de uma rota alternativa
pelo norte de Minas Gerais e interior da Bahia,
acompanhando a calha do rio São Francisco.
Lysias e Soriano em 3 horas de voo chegaram à
Uberaba, no Triângulo Mineiro, escala para o primeiro
reabastecimento. Pela ferrovia o mesmo percurso não era
realizado em menos de um dia de viagem e por rodovia não
havia previsão de tempo, pois dependeria muito das
condições de tráfego das estradas em que, com qualquer
chuva, formavam-se extensos lameiros.
Entre Ipameri e Formosa um temporal com muitos
raios obrigou-os a um considerável contorno para oeste.
Pousaram em Formosa para o primeiro pernoite e segundo
abastecimento da viagem.
No dia seguinte, muitos pedidos de transporte de
correspondência para as diversas cidades do Estado de
Goiás. Muita gente da cidade ainda não acreditava nas
possibilidades do avião e desconfiavam de que poderia
entregar suas cartas a tão longas distâncias no mesmo dia.
Novamente os mapas errados, pois o rio neles
43

registrado sumia lá embaixo. Mais á frente reaparecia com


uma enorme ilha e que não constava dos mapas. A base
baixa de uma densa camada de nuvens não permitia que
subissem, dificultando a orientação.
Apesar dos percalços chegaram à Palma e,
sobrevoando o que deveria ser o campo de pouso,
perceberam ser impossível lá pousarem, devido ao tamanho
da pista e às suas condições. Assim, prosseguiram para
Porto Nacional, onde aterraram.
Esse primeiro voo na nova linha “Tocantins”, como
ficou conhecida, teve escalas em São Paulo, Uberaba,
Ipameri, pernoite em Formosa, prosseguiu para Porto
Nacional e fez novo pernoite em Piabanha, seguiu depois
para Carolina, Marabá e pousou finalmente em Belém.
Alguns dias depois retornou pousando em Marabá, Carolina,
Pedro Afonso, Piabanha, Porto Nacional, Formosa,
Uberaba, São Paulo e Rio de Janeiro.
Muitas das cidades previstas na rota não
receberam aquele primeiro voo porque não providenciaram
os campos de pouso, como anteriormente ficara acertado. A
incredulidade e a desconfiança ainda eram grandes e sem
as pistas não havia como manter a operação aérea por ali.
Embora prefeitos houvessem se comprometido na
construção dos campos a promessa não se concretizara. Foi
um dos motivos que provocou seguidos atrasos na
implantação de uma linha aérea regular do CAM pela rota
do Tocantins.
O capitão Lysias, um dos defensores ativos do
Poder Aéreo como integrante do Poder Nacional e, por
conseguinte, da estruturação da indústria do transporte
aéreo, ao observar o sertanejo, concluiu que as esperanças
de desbravamento do interior depositavam-se na força
daquele homem rude capaz de suportar os desafios da
sobrevivência em condições tão inóspitas como aquelas que
eles estavam encontrando (Rodrigues, 1987).
Mas, a lógica do governo continuava sendo que se
44

o poder de combate do avião demonstrara seu efeito


durante a Grande Guerra, na Europa, por que não agora em
uma “guerra” contra as dificuldades de avanço para o
interior brasileiro? (Souza, 1944).
Porém, devido a tantos percalços para se
estabelecer a aquela rota o Ministério da Guerra optou por
contornar o sertão goiano abrindo uma rota para Belém pelo
rio São Francisco, como estava sugerindo a Pan American,
e os voos para Manaus seriam feitos com hidroaviões a
partir de Belém acompanhando o rio Amazonas.
Uma outra rota para a Amazônia foi aberta
seguindo pelo interior paulista, entrando no Estado do Mato
Grosso, chegando em Cuiabá seguindo pelo rio Paraguai e,
depois, continuava rumo ao Território de Rondônia, até sua
capital Porto Velho. Dali os aviões do Correio Aéreo
chegavam até a cidade de Rio Branco, no Território do Acre.
Atingia-se, desta forma, o objetivo de alcançar os
limites extremos do norte do país e proceder à sua vigilância
e defesa.
Já o sertão goiano passou a ser um problema à
parte, cujas soluções deveriam ser obtidas mediante outras
estratégias.
45

AVIAÇÃO CHEGA NO MATO GROSSO PARA FICAR

Se o Correio Aéreo iniciou suas linhas de


integração do interior por Goiás, procurando chegar à Belém
pelo rio Tocantins e à Manaus pelo Xingu e pela Serra do
Cachimbo, no sul do Pará, os aviões do Syndicato Condor
LTDA - empresa alemã que já operava há três anos no
Brasil - chegaram à Amazônia atravessando o estado de
São Paulo até ingressar no Mato Grosso e dali seguir rumo
a Rondônia e Acre.
Para tanto, os pilotos Clausbruch e Radzei
realizaram uma viagem precursora no dia 18-09-1930 com o
hidroavião “Pirajá” P-BAKA-PP-CAK, partindo de Porto
Alegre, rumo ao sul até Buenos Aires (Argentina). De lá, o
avião seguiu no rumo norte para Assunção (Paraguai),
Corumbá e Porto Jofre.
Mas, foi em 1933 que Severino Lins, o primeiro
piloto brasileiro da aviação comercial regular, fez o voo
pioneiro da rota que, então, passava pelo interior paulista ao
invés de dar a longa volta pelo rio da Prata.
A decolagem foi de São Paulo, escalou em Bauru,
Lins, Penápolis, Araçatuba, no Estado de São Paulo; e Três
Lagoas, Campo Grande, Aquidauana e Corumbá, no Estado
do Mato Grosso. Esse trecho leste-oeste, de São Paulo a
Corumbá inicialmente era realizado por aviões Junkers G-
24, de fabricação alemã, com capacidade para transportar 5
pessoas (Santos, 2013).
No trecho sul-norte, entre Corumbá, Porto Jofre e
Cuiabá, desprovido de campos de aviação, os aviões eram
equipados com flutuadores para amerissarem nos rios
Paraguai e Cuiabá.
46

Fonte: pilotos.org.br
47

A linha foi viabilizada mediante subsídios do


governo do Mato Grosso que, logo a seguir, apressou-se em
construir uma pista de pouso em Cuiabá, pois, apesar do rio
possuir um estirão reto o suficiente para a amerissagem dos
hidroaviões, a operação na água sempre era mais arriscada
e o arrasto provocado pelos flutuadores diminuía a
velocidade aerodinâmica e aumentava o consumo de
combustível.
Estando pronto o campo de aviação a Condor
substituiu os velhos G-24 que faziam essa linha pelos
também monomotores F-13 e, depois, pelos bem melhores
trimotores JU-52. Entre São Paulo e Corumbá o trecho tinha
1.300 km e entre Corumbá e Cuiabá mais 430 km,
totalizando em 1.730 km de extensão (Pereira, 1987).
Os rios Cuiabá e Paraguai tinham uma importância
econômica muito grande para o Mato Grosso, pois era o
acesso mais viável à capital do estado e a Corumbá, na
fronteira com a Bolívia. Por eles transitavam as
embarcações carregadas de toda variedade de produtos
desde a Argentina, Paraguai, Bolívia até Cuiabá.
A expectativa era que o transporte aéreo fosse
capaz de mudar essa situação de total dependência da via
fluvial e estabelecer ligação rápida e mais direta com o
Sudeste do País, mais especificamente com São Paulo e
Rio de Janeiro.
Quanto a Aviação Militar, o Ministério da Guerra
projetou, em 1932, a implantação de um Núcleo de
Destacamento de Aviação em Campo Grande, tanto para
proporcionar melhor apoio logístico às suas guarnições
daquela área como, também, para apoiar a atuação da
Aviação Comercial.
Assim, construiu uma pista de 600 X 60 m, logo
depois ampliada para 1.400 X 100 m, e dependências para
receber o contingente de militares que ali ficaria baseado.
A partir daquele Núcleo de Destacamento, o único
então no Centro Oeste, foi inaugurada, em 1934, a primeira
48

linha do Correio Aéreo de Fronteira, com os aviões WACO


CSO, atendendo as cidades de: Vila Bela, Cáceres,
Corumbá, Porto Murtinho, Bela Vista, Dourados, Ponta Porã,
Coxim, Cuiabá e Rosário do Oeste.
Ao final daquela década a guarnição de Campo
Grande passou a abrigar o 3º Grupo do 2º Regimento de
Aviação do Exército e, em 1940, foi elevada ao 8º Corpo de
Base Aérea (Pereira, 1987).

Fonte: IBGE

Base Aérea de Campo Grande

Pelo lado da Aviação Comercial, já no final da


década de 1930, a Condor conseguira finalmente chegar a
Rio Branco, capital do Território do Acre. Desde aí podia-se
ir dessa cidade até o Rio de Janeiro de forma bem mais
rápida, em três ou quatro dias contra os 30 dias que antes
se levava por via terrestre.
Dessa forma, ao final daquela década os aviões já
saíam da capital do país e chegavam à Amazônia pelo
Centro Oeste via Goiás até Belém e via Mato Grosso até
49

Rondônia e Acre. Ou seja, o objetivo de se chegar à


Amazônia pelo interior brasileiro utilizando-se o avião fora
alcançado
Por ocasião da conferência sobre o Correio Aéreo
proferida pelo Eng.º Luiz Roberto Cavalcanti de Albuquerque
Filho, no Salão Nobre do Club de Engenharia do Rio de
Janeiro, em 1935, o conferencista citou, entre outras coisas,
as consequências das ações do Correio Aéreo, cujos
resultados logo começaram a se fazer notar:

“No serviço do Correio Aéreo Militar, cujas rotas já em


trafego cobrem regiões e núcleos de habitação que
viviam praticamente segregados da comunhão nacional,
estreitam-se também os laços de nossa brasilidade.”

Por aí se pode inferir o nível de exaltação dos


espíritos naquele contexto em que os jovens militares do
Campo dos Afonsos esforçaram-se para que o transporte
aéreo se firmasse como instrumento da interiorização, já
que contavam com o respaldo do Ministro da Guerra,
General Leite de Castro, sustentáculo militar do governo
Vargas no início, e dos dois ministros que lhe sucederam:
General Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso
(1932/1933) e Pedro Aurélio de Góis Monteiro (1934/1935).
Aquelas incursões aéreas realizadas nas regiões
remotas do interior do país eram consideradas como “ponto
de honra” dos oficiais aviadores liderados por Eduardo
Gomes que, apesar dos percalços, continuou com os
trabalhos de consolidação das rotas aéreas do interior
goiano e mato-grossense no rumo da Amazônia.
As diferenças na distribuição das rotas aéreas já
eram perceptíveis, pois os mapas que as mostravam
referentes à primeira metade da década de 30 indicavam a
concentração das linhas no litoral brasileiro e três outras
bem extensas que seguiam em direção ao interior: a de
Goiás, cujo destino final era a antiga capital do estado, com
um percurso de 1.740 km; a de Minas-Bahia, que findava
50

em Belém do Pará, com um percurso de 3.240 km; e a do


Mato Grosso-Acre, com um percurso de 3.600 km.
Os aviões do CAM seguiram abrindo novas rotas e
os da aviação comercial seguiam seus passos rumo ao
vasto interior. De Belém os aviões seguiam pela calha do rio
Amazonas até Manaus, a capital da borracha num percurso
de quase 1.500 km (Albuquerque Filho, 1939).

Fonte: editado sobre mapa do IBGE

O fato das cidades do sul goiano e mato-grossense


permanecerem com linhas regulares do transporte aéreo,
unindo-as ao Sudeste e, em especial, à capital do país, em
51

curto espaço de tempo possibilitava que os contatos se


tornassem mais intensos, acelerando o processo de
modernização do sudeste de Goiás e do sul do Mato
Grosso.
Em Goiás a estrada de ferro que anteriormente já
servia a esse sudeste do estado viabilizando o escoamento
de sua produção rumo ao Triângulo Mineiro e São Paulo e a
importação de bens manufaturados, agora ganhara um
parceiro que contribuiria sobremaneira para inserir aquela
região na economia de mercado do desenvolvido Sudeste
do país: o transporte aéreo.
No Mato Grosso passageiros e cargas leves não
mais precisavam seguir via fluvial em morosas embarcações
passando até por outros países, contornando o Uruguai
para, então, singrar pelo litoral brasileiro até chegar ao porto
do Rio de Janeiro. Doravante passaram a voar sobre os
céus paulistas até a capital do estado e, dali, seguir também
em voo até o Rio de Janeiro.
O que as correntes modernistas – como, por
exemplo, os liberais e os nacionalistas – consideravam o
brilho das luzes da modernidade do Sudeste estava se
fazendo presente no interior e as ideias daí provenientes,
como a necessidade de se industrializar o país, a
construção de uma identidade nacional e a consecução da
integração do território, grassavam os meios políticos,
gerando discussões a respeito do atraso do Brasil frente a
um mundo moderno que se abria promissor (Rosa, 1974).
O meio de transporte aéreo estava se iniciando no
Centro Oeste, mas ombreava-se aos demais na contribuição
que dava à expansão da fronteira econômica, não pela
quantidade de passageiros e carga transportados, pois, ao
contrário da ferrovia, das rodovias e dos rios, o avião para
romper com a lei da gravidade faz um esforço tal que não
permite o transporte de grandes volumes ou tonelagem de
carga e nem de muitos passageiros em um só aparelho.
Contudo, possuía a singularidade de ser o
52

responsável por conduzir os representantes do poder e as


ordens por ele emanadas, ou seja, uma carga com alto valor
agregado.
À época a aviação já era uma atividade fruto da
modernidade, um dos produtos mais esmerados da
promissora indústria ocidental e, doravante, disponível como
instrumento para levar os frutos da tecnologia a todos os
lugares do mundo.
Contudo, no interior o transporte aéreo foi vítima da
diferença existente entre o tempo urbano da indústria e o
tempo rural das pequenas cidades, uma vez que, para se
estabelecer, necessitava de pelo menos uma pista de pouso
e isso era encargo dos prefeitos, que em geral quando a
construíam não ofereciam condições razoáveis de operação,
seja pela curta extensão, pelo grande desnível, pelos
obstáculos circundantes ou mesmo pela péssima qualidade
do piso. Vezes, porém, nem a construíam, ficando somente
na promessa ao oficial que fazia a viagem precursora
(Rodrigues, 1987).
Mas, evidente fica que a chegada do meio aéreo
em algumas das localidades contribuiu para instigar no povo
interiorano ideias que se opunham ao status quo vigente
naquelas plagas há muito tempo.
As informações que passaram a chegar direta e
rapidamente da capital federal pelas malas postais, pelos
passageiros que desembarcavam e mesmo pelas
tripulações, despertou aquela gente para as contradições
existentes nas informações difundidas pelos mandachuvas
locais.
Despertavam também para as perspectivas da
modernização advindas da indústria e, por conseguinte, da
possibilidade da participação na economia de mercado.
Ideias irreversíveis, pois as comodidades da tecnologia
diminuíam as dificuldades do interior, mesmo que um seu
efeito colateral pudesse ser a dependência econômica do
desenvolvido Sudeste.
53

Assim, a ação do CAM e das ainda precárias linhas


aéreas comerciais no sertão não se limitou ao simples
transporte aéreo, mas foi multidisciplinar, contribuindo,
inclusive, para acelerar um processo de mudança de
mentalidade que as vias fluviais, a ferrovia e as rústicas
estradas já haviam iniciado.
Percebendo tal efeito, os jovens Pilotos Aviadores
moveram-se por renovado ânimo, conseguindo o intento de
chegar até as fronteiras do extremo noroeste e sul da
Amazônia.

Fonte: Souza, JG.

Os aviões do CAM que pousavam pelo interior, nos primeiros


tempos despertavam grande curiosidade da população, que
acorria ao campo de aviação como se tratasse de um evento
festivo.
Era o maior símbolo da modernidade fazendo-se presente no
sertão.

O PRIMEIRO AEROPORTO COMPLETO DO SERTÃO


54

Construir uma nova capital para Goiás passou a


significar a formação de um polo irradiador de uma
mentalidade progressista e modernizadora capaz de
acelerar o desenvolvimento da região, refletindo bem a
mentalidade que grassava nos meios governamentais da
Capital da República e também do interventor do estado
goiano, Pedro Ludovico (Machado, 1990).
Se hoje em dia ainda é um desafiador tento planejar
e construir uma cidade do porte de uma capital, nos anos 30
então era algo quase inconcebível e quanto mais sendo o
local fixado no sertão do país, longe das facilidades do
Sudeste... coisa de visionários.
Mas, uma vez escolhido um sítio bem servido de
água, as obras de construção não demoraram a ter início,
levantando poeira, empregando volumoso contingente de
trabalhadores, fazendo chegar cada vez mais gente
interessada em participar e mesmo se beneficiar do frenesi
que tomou conta daquele pedaço do cerrado brasileiro.
Na construção da nova capital goiana entendia-se
ser preciso prover aquela cidade de meios de integração
eficazes com o desenvolvido Sudeste do país.
A estrada de ferro já chegara a Leopoldo de
Bulhões distante somente umas dez léguas. Mas, o
construtor da nova cidade, o engenheiro Jerônimo Coimbra
Bueno, um aficionado pela aviação, empenhou-se na
construção de um aeroporto, pois, tendo rotas aéreas
pioneiras já cruzando os céus do Centro Oeste, percebeu a
sua importância como meio de mais rápido promover essa
integração.
Mais tarde esse engenheiro aprendeu a pilotar
aviões e foi um dos fundadores do Aeroclube de Goiás, em
1938.
55

E aqui cabe uma explicação sobre as diferenças


existentes entre um aeroporto, como o pretendido por
Coimbra Bueno e os campos de pouso que Lysias
Rodrigues procurou implantar pelo sertão adentro.
Os aeroportos diferem-se dos campos de pouso
(atualmente denominados por aeródromos) porque
enquanto têm uma infraestrutura para proporcionar apoio
logístico ao embarque e desembarque de carga e
passageiros, à manutenção dos aviões e à preparação deles
ao voo, os campos constituem-se apenas de uma pista de
pouso e decolagem, sem nenhuma estrutura de apoio, que
era uma característica da aviação nos seus primórdios.

Fonte: Infraero

Campo de Aviação (termo atual: aeródromo) e um aeroporto

Os aeroportos, por congregarem em sua área e no


no seu entorno, muitas atividades diretamente relacionadas
com o voo, como oficinas de manutenção dos aviões,
revenda de peças de substituição, atendimento de empresas
56

aéreas, alfândega, órgãos da saúde pública e de segurança,


e outras atividades indiretamente relacionadas ao voo, como
restaurantes, lanchonetes, correios, bancos, aluguel de
carros, agências de turismo, diversas modalidades de lojas
de souvenir e até mesmo hotéis, transformaram-se em uma
verdadeira indústria de prestação de serviços, que passou a
fazer parte da vida econômica dos países.
A importância deles e dos voos cresceu tanto que,
em dezembro de 1944, em Chicago (EUA), fez-se uma
convenção da aviação civil internacional para definir termos
básicos e padrões das atividades do transporte aéreo no
mundo.
Essa convenção resultou no estudo e na
elaboração de documentos anexos à proposta de
coordenação da navegação aérea entre os países
participantes.
Cada um dos anexos passou a detalhar aspectos
de interesse da aviação, como: os conhecimentos mínimos
de pilotagem que os aviadores deveriam ter, padrões
mínimos de construção de aeroportos, normas básicas para
a navegação nos espaços aéreos dos países, coleta e
divulgação de informações meteorológicas de interesse
aeronáutico entre outros assuntos específicos do setor.
Nessa convenção os países participantes fundaram
a Organização de Aviação Civil Internacional – OACI, com
sede em Montreal (Canadá), que passou a ser responsável
pelas recomendações sobre a condução da navegação nos
espaços aéreos dos países que assinaram o seu termo de
fundação.
O transporte aéreo, com sua velocidade, podia
transpor diversas fronteiras de países em um mesmo dia, o
que gerava uma situação política nova com relação à
soberania nacional de cada país, diferentemente do que era
comum na navegação marítima em que o deslocamento era
realizado do porto de origem, pelo mar internacional e, ao
final, para o porto de destino, sem a necessidade de cruzar
57

fronteiras.
Um avião de Bruxelas para Atenas em menos de 10
horas de voo, já àquela época, sobrevoava os espaços
aéreos de 8 países (Bélgica, França, Alemanha, Áustria,
Itália, Iugoslávia, Albânia e, finalmente, Grécia, seu destino).
Por isso, era uma situação nova para os governos que, sem
acordos internacionais, deixariam os territórios nacionais
expostos à atividade aérea de outros países.
Dito isto, percebe-se então que desde o início os
aeroportos têm uma importância estratégica na economia
dos países, por serem portas de acesso rápido ao mundo
inteiro.
Retornando aos voos no sertão brasileiro, a função
nesses rincões do transporte aéreo seriam duas, segundo o
governo de Goiás, segundo a visão de Coimbra Bueno:
proporcionar contato direto e praticamente imediato com o
governo da União e trazer para a cidade um dos maiores
símbolos da modernidade, o avião.
Entendia, também, que um aeroporto bem montado
serviria de base de apoio para a atuação do transporte
aéreo rumo à cobiçada Amazônia.
O sítio escolhido para o aeroporto da nova capital
ficou localizado ao final da Avenida Tocantins, logo após o
cruzamento com a Avenida Paranaíba, onde atualmente
existe o bairro conhecido por “Setor Aeroporto” em função
da primeira utilização daquela área, e ali foram construídas
duas pistas que se cruzavam, para melhor aproveitamento
dos ventos nas decolagens.
Hangares, estação de passageiros, estação de
rádio e a de meteorologia ficaram situadas quase à esquina
das avenidas Paranaíba e Tocantins, onde hoje ainda
encontram-se os prédios originais da casa do comandante
do Destacamento Militar, a cargo da FAB, e a estação
meteorológica, a cargo do Instituto de Meteorologia do
Ministério da Agricultura.
58

Fonte: acervo Hélio de Oliveira

À esquerda visão aérea das duas pistas construídas formando


uma cruz, em 1933.
À direita planta da cidade do ano de 1947, quando as direções das
pistas foram alteradas.
Percebe-se então que em questão de dez anos os novos aviões,
maiores e mais velozes, já requeriam pistas mais longas nos
aeroportos.

O “AERO CLUB DE GOIAZ”


59

Logo no início das operações do aeroporto o


próprio Jerônimo Coimbra Bueno participou da fundação de
uma escola de pilotagem de aviões. Ele e seu irmão,
Abelardo, sediaram naquele sítio o “Aero Club de Goiaz” em
1938, segundo informações do aviador Aldo Pereira,
aproveitando o embalo da Campanha Nacional de Aviação,
cujo lema era “Dêem Asas ao Brasil”, patrocinada por Assis
Chateaubriand, através dos seus jornais, “Diários
Associados”, que estimulava, assim, a fundação de
aeroclubes pelo país afora, conseguindo aviões de
treinamento básico para os municípios que construíssem
campos de pouso e iniciassem uma associação de
entusiastas que se responsabilizasse pelo ensino das
técnicas do voo (Pereira, 1987).
A esse respeito relatou Ligia de Bastos Oliveira, a
primeira aviadora a se brevetar em Goiânia (194):

“Os idealizadores e fundadores do Aeroclube de Goiás


foram os irmãos engenheiros Jerônimo Coimbra Bueno e
Abelardo Coimbra Bueno. Em reunião realizada no
Grande Hotel, no salão principal, com pessoas mais
representativas desta capital, aprovaram os Estatutos,
ficando assim constituída a sua primeira diretoria: Diretor
presidente Dr. Jerônimo Coimbra Bueno, Vice-diretor
presidente Dr. Nero Macedo Júnior, Diretor
administrativo Sr. Arlindo Fleury da Silva e Souza, Vice-
diretor administrativo Dr. José Amaral Neddermeyer,
Diretor técnico Sr. (sargento) Filon Ferrer de Araújo e
Vice-diretor técnico Sr. Domingos Juliano”.

A aviadora contou ainda que em 1939 o próprio


presidente Getúlio Vargas doou para o “Aero Club de Goiaz”
um avião de treinamento Bucker, de fabricação alemã, em
uma demonstração da importância que reservava à aviação.
A frota de aviões do aeroclube contava com um
Waco com motor de 115 HP, um Fleet com motor de 125
HP, um Moth também motorizado com 125 HP, um
60

Porterfield de 90 HP e um Aeronca de apenas 40 HP.


Essa diversidade de aparelhos decorria mais da
inexperiência dos primeiros aviadores do interior nas lidas
aeronáuticas, ou seja, sabiam pilotar um avião, mas não
dispunham do consequente necessário tino administrativo-
comercial.
Cada avião precisava de um suprimento de peças
diferentes, de conhecimentos técnicos por parte dos
mecânicos também diferentes, de instrutores habilitados a
cada um dos modelos e tudo isso era muito oneroso, exigia
aportes de capital nem sempre disponíveis e, por isso, não
era incomum que aviões ficassem sem condições de voo
devido a falta de um desses elementos.
O Sargento Piloto-Aviador do Exército, Filon Ferrer
de Araújo, foi o principal instrutor de voo, seguido pelo
aviador Stevan Alecsich, um iugoslavo. Na primeira turma,
que se iniciou em 1938, os alunos eram seis:

- João Batista Gonçalves Filho,


- Miguel Cunha Filho,
- Sebastião Maldi,
- Tufy Mamede,
- Zoilo Freire Santiago, e
- Ligia de Bastos Oliveira.

Um dos irmãos do instrutor Filon, o Gilberto,


brevetou-se piloto de avião nesse aeroclube, ingressando
depois na empresa Viação Aérea Rio Grandense – VARIG,
onde chegou ao posto de comandante de aviões Boeing-
707, com um dos quais sofreu um acidente em Paris e que,
no dia 30-01-1979, desapareceu com um avião do mesmo
modelo no Oceano Pacífico, realizando um voo cargueiro de
Tóquio para Los Angeles.
A aviadora Ligia também relatou a existência de
uma escola de aviação particular de nome “Escola de
Aviação Civil Anhanguera”, naquele primeiro aeroporto de
61

Goiânia, da mesma forma fundada pelos irmãos Jerônimo e


Abelardo Coimbra Bueno, mais ou menos à mesma época
do aeroclube e que tinha como alunos:

- Mario Baiocchi,
- Arlindo Fleury da Silva e Souza,
- Francisco Valois,
- Antonio Péclat,
- Felipe Alexandre,
- Hindemburgo Mendes Ferreira,
- Stevan Alecsich e
- Pilade Baiocchi.

Contudo depoimentos de Pilotos-Aviadores da


época acham que foi essa escola que deu origem ao
aeroclube e, sendo assim, a sua única turma de alunos
precede a primeira turma do próprio aeroclube.

Fonte: FAB
No curso de pilotos de avião daquela instituição a
primeira entrega dessas licenças de voo aconteceu no dia
30-05-1940.
Aliás, demorava-se muito para receber o brevet,
porque a avaliação final para verificar se o candidato estava
62

apto à pilotagem era feita por um “checador” do então


Departamento de Aeronáutica Civil, sediado no Rio de
Janeiro, que passava por Goiás esporadicamente. Então, os
alunos aprendiam a voar e podiam ficar anos aguardando a
vinda do “checador”.
O curso era constituído de conhecimentos sobre
aerodinâmica, mecânica, navegação aérea, meteorologia,
estrutura dos aviões e a parte prática, ou seja, as instruções
elementares de voo.
Sua duração era de alguns meses apenas, o
suficiente para que o aluno adquirisse alguma destreza na
pilotagem de um aparelho simples, aviões biplanos de
madeira e tela, com motores de baixa potência que lhes
proporcionava pouca velocidade, autonomia curta e tinham
capacidade para transportar somente o instrutor e o aluno.
Portanto, os conteúdos do curso ainda não tinham
uma padronização derivada de um estudo sistematizado
sobre as técnicas de pilotagem que garantissem a devida
segurança de voo.
Seguiam mais ou menos as recomendações do
Aero Club da França, primeira instituição do gênero a
sistematizar conhecimentos necessários a uma pilotagem
satisfatória e, por isto mesmo, a primeira a ser autorizada
pela Féderátion Aéronautique Internationale (FAI) a
conceder licenças de voo aos neófitos da pilotagem.
Os aeroclubes e demais escolas de pilotagem de
aviões só vieram ater uma regulamentação mais detalhada
e consistente a partir da instituição do Ministério da
Aeronáutica, através do setor aerodesportivo do seu
Departamento de Aviação Civil.
63

Fonte: Ligia Bastos


64

Fonte: Ligia Bastos

A entrega dos brevets aos integrantes da primeira turma formada


pelo Aero Club de Goiaz, foi realizada em solenidades no
aeroporto e na sede do Jockey Club de Goiânia, em que se
procurou emprestar relevância ao acontecimento, cuja marca
pretendida era mostrar a viabilidade daquele avançado
instrumento da modernidade na nova capital goiana.

O TRANSPORTE AÉREO REGULAR NO PRIMEIRO


65

AEROPORTO DE GOIÂNIA

Além das operações dos aviões do “Aero Club” o


aeroporto de Goiânia passou a receber regularmente voos
do CAM, que desviara sua rota da cidade de Goiaz para a
nova capital, garantindo a ligação desta com o Sudeste do
país.
Com frequência inicial semanal saía do Rio de
Janeiro e os pernoites podiam acontecer em São Paulo,
Ribeirão Preto, Ipameri ou em Goiânia. A mala postal
continha correspondências que chegavam a dezenas e até
centenas de cartas e documentos, constituindo-se em um
meio de comunicação importante para a nova capital,
principalmente no transporte de documentos oficiais entre
órgãos do governo da União e do governo do estado.
Contudo, o objetivo do CAM na região continuava
sendo o de chegar à Amazônia cortando o Centro Oeste e,
para tanto, utilizando-se do moderno aeroporto da nova
capital goiana como sua base de apoio.
Do Rio de Janeiro e de São Paulo os aviões do
CAM seguiam rumo ao noroeste paulista, cruzavam o
Triângulo Mineiro, passavam por Ipameri e finalizavam a
rota em Goiânia com certa tranquilidade e segurança, pois
em todo este percurso a ferrovia se fazia presente, contando
com estação telegráfica em cada localidade em que parava.
O combustível e o apoio de manutenção também chegavam
às escalas da rota pelos trilhos da estrada de ferro.
O problema era avançar depois de Goiânia, pois a
partir dali o sertão era mais desabitado, as vilas
escasseavam, estradas viravam trilheiros, erros nos mapas
mais constantes, ficava então difícil prover apoio ao voos.
A situação piorava após cruzar o rio Araguaia e
entrar na Amazônia pelo nordeste mato-grossense.
A esperança do pessoal do CAM é que fosse mais
66

fácil pelo lado do sul do Mato Grosso, pois ali o acesso à


Amazônia se dava via Rondônia até chegar ao Acre.
Já pelo lado do transporte aéreo comercial cabia
implantar linhas aéreas com escalas no aeroporto de
Goiânia ligando-o ao Sudeste, especialmente com o Rio de
Janeiro e com São Paulo. E então Coimbra Bueno iniciou
gestões nesse sentido junto a empresas de linhas aéreas.
A aviação comercial mantinha rota somente até a
cidade de Uberaba (MG). A empresa que lá servia era a
VASP – Viação Aérea São Paulo que, desde sua fundação
em 1933, operava a partir do Campo de Marte, o aeroporto
da capital paulista construído em 1920 para ser a sede da
aviação da Força Pública do Estado de São Paulo.
Como resultado dessas gestões, pelo Decreto-Lei
nº 144, de 29-12-1937, a empresa foi autorizada a prolongar
sua linha de Uberaba até a nova Goiânia mediante uma
subvenção da União de 3$000 (três mil réis) por quilômetro
voado.

Fonte: Ligia Bastos

No dia 01-08-1938 pousou o primeiro avião comercial no aeroporto


de Goiânia, um De Havilland DH-89 Dragon Rapide, de fabricação
inglesa estabelecendo a primeira linha aérea regular naquele
aeroporto.

Em 14-10-1939 o Decreto-Lei 1.682 muda o status


67

daquela linha para Goiás, deixando de ser um simples


prolongamento da linha de Uberaba (pois significava cota de
carga e passageiros reduzida para sua agência de Goiânia)
e passou a ter origem na própria capital paulista.
Para tanto foi concedida à VASP uma nova
subvenção de 6$000 (seis mil réis) por quilômetro voado,
com a exigência que fosse utilizado, para tal fim, aviões
trimotores com capacidade para transportar até 16
passageiros, os já famosos e versáteis Junkers Ju 52,
modelo muito usado mundo afora e que a empresa recebera
da Alemanha para sua rota Rio-São Paulo.
No início a frequência dos voos continuou a ser
semanal, igual a do CAM. A viagem oferecia mais conforto e
segurança do que a realizada nos antigos aparelhos, pois o
trimotor “JU” tinha fuselagem totalmente metálica e cabine
de passageiros espaçosa, com velocidade de 250 km/h,
chegava a Goiás em questão de horas. Sua autonomia de
voo requeria só uma escala para reabastecimento.

Fonte: Ligia Bastos

O “JU” da VASP inaugurou em 02-01-1940 a rota de Goiânia


68

Assim, os goianos passaram a dispor de uma


ligação mais rápida com o Sudeste e a partir de então outras
empresas começaram a fazer escalas em Goiânia:

-Redes Estaduais Aéreas Ltda - Real Transportes


Aéreos, decolando do Rio de Janeiro e com escalas em
Caxambu, Varginha, Alfenas, Passos e Uberaba, Anápolis e
Goiânia. A Real passou a operar em Goiânia com os
Douglas DC-3;
- Transportes Aéreos Nacional, desde a década de
1940, decolando do Rio de Janeiro, escalava em
Uberlândia, pousando em Goiânia, Anápolis, Porto Nacional
e Santa Terezinha e, com uma segunda linha que saía de
Goiânia para Jataí e Aragarças, indo até Cuiabá (MT).
Inicialmente usou aviões Douglas DC-3 e, depois, passou a
se utilizar dos Curtiss C-46, que transportavam até 50
passageiros com maior conforto;
- Empresa de Transportes Aéreos Aerovias Brasil,
uma linha decolando do Rio de Janeiro para Belo Horizonte
e, a seguir, para Anápolis e Goiânia e, uma segunda linha
saindo de São Paulo para Poços de Caldas, Uberaba,
Uberlândia, Goiânia, Anápolis, Porto Nacional, Pedro Afonso
e chegava até Belém do Pará. Utilizava principalmente
também os Douglas DC-3 e Curtiss C-46, dentre outros;
- Uma das principais empresas da aviação
brasileira embora tivesse sua origem em Anápolis (1947), o
Loide Aéreo Nacional, e ter iniciado suas operações aéreas
no transporte de trabalhadores da área de colonização de
Ceres, com aviões DC-3 e com o nome de Transportes de
Carga Aérea S.A., logo depois mudou sua sede para o Rio
de Janeiro, mantendo Goiânia apenas como escala de
algumas de suas linhas.
69

Fonte: acervo de Hélio de Oliveira

O DC-3 passou a fazer parte do cotidiano nos aeroportos do


interior do país.

Por toda a década de 1940 esse movimento de


aviões de empresas comerciais de voos regulares aumentou
no interior, graças em grande monta devido às
possibilidades de apoio logístico oferecido pelo aeroporto de
Goiânia que, dispondo de uma infraestrutura considerável,
servia de entreposto às empresas aéreas que se
aventuravam em estabelecer linhas para o interior do país.
Foram então melhorados os serviços de comunicações, de
meteorologia e os auxílios à navegação aérea.
Em 1940 a VASP chegou a batizar um avião que
fazia a linha para Goiás com o nome “Cidade de Goiânia”,
em homenagem à cidade:
70

O aviador e historiador Aldo Pereira (1987), conta


que as linhas aéreas comerciais pelas bandas do Centro
Oeste aconteciam somente mediante subsídios
governamentais, pois, tais linhas por si só não eram
lucrativas e, portanto, não interessavam às empresas.
Mas, como a pretensão do governo era usar o
transporte aéreo em geral (e não somente a aviação militar)
para alcançar seu objetivo de interiorização, acreditando que
71

a demanda por eles acabaria acontecendo, passou a


subvencioná-las.
Interessante seria se houvessem disponíveis dados
estatísticos relativos à movimentação do transporte aéreo na
região e também dessas subvenções, mas infelizmente a
precária organização da aviação brasileira daquela época,
tanto a militar quanto a comercial, não legou registros sobre
as quantidades de passageiros e cargas movimentados pelo
sertão, e nem dos valores repassados pelo governo às
empresas.
Os registros existentes nos órgãos públicos centrais
sediados no Rio de Janeiro referem-se somente a esses
itens no país em geral, com ênfase nas rotas do sul/sudeste.
Os dados estatísticos sistematizados de cada aeroporto
nacional começaram a ser elaborados e disponibilizados
publicamente apenas a partir dos anos 70, quando surgiu a
INFRAERO.
Entretanto, em qualquer circunstância, comparados
os dados quantitativos do movimento de passageiros e
cargas transportados pelos diversos meios – rodoviário,
ferroviário, fluvial, marítimo e aéreo – é presumível que o
meio aéreo deve ficar aquém do quantitativo dos demais,
porque o avião, para romper com a força da gravidade, não
pode exceder sua capacidade de carga definida pela relação
peso/potência & motores/sustentação.
Porém, o transporte aéreo define sua importância é
no valor agregado da carga transportada e não na
quantidade, o que diminui a importância dos dados
quantitativos perante os qualitativos.
Por isto, o que enfim demonstra o grau de
participação do meio de transporte aéreo na economia é a
qualidade da carga e a importância do passageiro
transportado para um determinado fim, diferentemente dos
demais meios de transporte em que a quantidade expressa
suas importâncias. E quanto menor o avião maior valor
agregado unitário ele transporta. Exemplo: o táxi aéreo.
72

No início da década anterior o Capitão Lysias


observara que uma viagem do sul goiano até Porto Nacional
levava dias para ser realizada, em sua maior parte em
lombo de cavalo ou mesmo a pé.
Já nos anos 40 o aeroporto de Goiânia tinha
condições de apoiar os voos diretos com destino àquela
cidade, que à época pertencia a Goiás, e a duração deles
era de pouco mais de duas horas, e o passageiro ao invés
de montar em uma sela dura sob sol ou chuva refestelava-
se em um estofado e era servido por um serviço de
comissaria de bordo que lhe proporcionava, naquele curto
espaço de tempo, além de alguns quitutes e bebidas, jornais
e revistas para sua distração.
E era dessa maneira que os investidores do
Sudeste do país se deslocavam para o sertão em busca de
novos negócios. Enfim, a inserção de Goiás na economia de
mercado do Sudeste brasileiro passou a acontecer na toada
do transporte aéreo.
73

O CORREIO AÉREO, O AEROCLUBE E A CONDOR


CONSOLIDAM A AVIAÇÃO NO MATO GROSSO

O Correio Aéreo Militar originara-se por iniciativa do


Ministro da Guerra, General Leite de Castro e a partir do
Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, os Pilotos Aviadores
do Exército rumavam para o vasto sertão brasileiro. Chegou
ao Mato Grosso em 1934 pelas asas do Correio Aéreo de
Fronteira, como já dito.

Fonte: www.naval.com.br/anb/ANB-historico
74

Contudo, a Marinha de Guerra, que já operava o


Correio Aéreo de Esquadra desde 1919, para agilizar as
comunicações entre suas unidades no litoral e em alto mar,
usando aerobotes HS-2L, instituiu naquele mesmo ano de
1934 o Correio Aéreo Naval, cobrindo toda a linha litorânea
do país, mais o Rio Amazonas até o porto fluvial de Manaus,
e mais a cidade de Corumbá, no Mato Grosso, via interior de
São Paulo, onde, de fato, chegou em 1939, utilizando-se
para tanto os já conhecidos aviões WACO CSO, também
usados pelo Exército.
Inicialmente esses WACO’s foram equipados com
flutuadores para amerissagem nos rios e, posteriormente,
chegaram outros com trem de pouso com rodas para
operação em terra.
Assim, os dois correio aéreos, do Exército e da
Marinha, passaram a se fazer presentes nos céus mato-
grossenses desde a década de 30, atendendo as
guarnições militares da fronteira e também a algumas
cidades do estado.
Construíram diversos campos de aviação e
instalaram sistemas de apoio logístico que proporcionavam
comodidade e segurança às operações aéreas, inclusive do
aeroclube e da aviação comercial.
O “Aero Club” de Cuiabá foi inaugurado em 1938,
tendo por seu primeiro presidente João Ponce de Arruda,
ex-governador, e por presidente de honra Júlio Müller.
Recebeu seu primeiro avião doado pelo interventor do
Estado de São Paulo, Adhemar de Barros. Em 1942
brevetaram-se 19 alunos em seu curso de Piloto Aviador.
Em geral os aeroclubes não só formavam novos
tripulantes, mas também dispunham de oficinas de
manutenção e serviam de suporte à nascente Aviação Geral
pelo interior.
Entusiastas da aviação, fazendeiros, políticos e
profissionais liberais que percebiam no avião a possibilidade
de agilizar seus negócios, passaram a adquirir pequenos
75

aeroplanos capazes de pousar e decolar em pequenas e


precárias pistas, dando início uma modalidade de aviação
que, desde então, muito tem contribuído à economia
interiorana, transportando empresários, técnicos
especializados, funcionários, equipamentos, peças, malotes
e mesmo transladando pessoas necessitadas de
atendimento médico especializado ou de urgência.
Eram os chamados “teco-tecos” (devido ao barulho
de seus motores quando em marcha lenta): Cessna’s,
Piper’s, Portfield’s, Fleet’s e uma variedade sem igual de
avionetas que então passaram a fazer parte das paisagens
do sertão.
Mas, foram muitos e bons serviços que prestaram à
economia do Centro Oeste, e abriram caminho para que na
região a Aviação Geral se estabelecesse de vez e de forma
muito promissora.
Quando um aeroplano desses decolava tinha uma
missão inicial, provavelmente levar algum contratante ou
carga para um local do interior.
Mas, ao pousar no seu destino podia receber nova
contratação de seus serviços e decolar dali para outro lugar
mais distante de sua base de origem.
E depois ainda poderia emendar para mais uma e
outra etapas de voo, não tendo, portanto previsão para
retornar à sua base.
Saía sem saber quando retornaria. Eram assim os
voos no sertão... imprevistos, desafiantes, sem apoio, bem
conhecidos como “aviação arco-e-flecha”, sabia-se donde
saía, mas não sabia donde chegaria.
Mas, foram esses pequenos “teco-tecos” que
mostraram ao homem do interior o quanto poderiam ajudá-lo
a vencer as distâncias mais fácil e rapidamente.
Hoje em dia a Aviação Geral conta com mais de 10
mil aviões e dos 2,5 mil aeródromos do país mais de 90%
são utilizados somente pelos pequenos aviões que atendem
o interior.
76

Na Região Centro Oeste está concentrada 22% da


Aviação Geral do Brasil. E tudo começou com as modestas
instalações do aeroclubes interioranos, em que velhos
aeroplanos com armações de madeira e revestidos de tela
serviam para formar o Piloto Aviador do sertão... o piloteiro
do sertão.
Correios aéreos da Marinha e do Exército,
aeroclubes e Aviação Geral, segmentos do transporte aéreo
completados pela Aviação Comercial Regular, ou seja,
aquela que mantém linhas regulares nos aeroportos mais
movimentados da região, mais especificamente, a Condor
que, desde cedo, aventurou-se pelo sul do Centro Oeste.
Por ali chegando em 1933 com pequenos
aeroplanos, logo percebeu o potencial existente, desde que
instalada uma estrutura de apoio suficiente para implantar
linhas regulares. O que aconteceu nos anos seguintes,
principalmente por obra da Aviação Militar, pelo Ministério
da Viação e Obras Públicas, pelo governo estadual e pela
prefeitura de Cuiabá.
Em decorrência, a Condor já em 1939 substituiu
seus antigos monomotores que por ali operavam pelos
modernos, maiores e totalmente metálicos trimotores
Junkers 52, que podiam alojar até 18 passageiros a bordo.
A pista do campo da capital mato-grossense não
era ainda pavimentada, mas seu piso coberto por uma relva
rala possibilitava uma operação segura dos “jota-us”.
Dispunha ainda de uma casa simples que servia de
residência ao guarda campo e um barracão onde se
acondicionava tambores de combustível e óleo para os
aviões.
E foi nesse campo que pousou o avião conduzindo
Vargas, em 1940, que realizava a primeira visita de um
Presidente da República à Cuiabá.
O ano de 1940 trouxe mais uma novidade para
aquele campo de aviação. A Condor inaugurou uma linha
77

aérea direta entre Cuiabá e Rio de Janeiro, unindo em


poucas horas de voo a capital mato-grossense com a capital
do país.
O estabelecimento dessa rota direta e a sua
substancial demanda de passageiros despertou o interesse
de outras empresas aéreas, como a Panair do Brasil que,
em 1941, implantou uma linha semanal entre Cuiabá,
Corumbá e Assunção, capital do Paraguai, com aviões
Lockheed Lodestar 359, semelhantes ao que Getúlio Vargas
usava em seus deslocamentos pelo interior.
Assim, na década de 40 o transporte aéreo regular
estava consolidado no Mato Grosso, enquanto o “Aero Club”
continuava formando novos tripulantes e incentivando as
atividades aéreas, e a Aviação Militar ligava o Rio de Janeiro
a Rondônia e Acre tendo, para tanto, Cuiabá como sua base
de apoio e também ao Correio Aéreo de Fronteira.

Fonte: www.tangaradaserra.mt.gov.br

Tangará da Serra, por volta de 100 km a noroeste de Cuiabá.


78

A AVIAÇÃO SE EXPANDE PELO CERRADO GOIANO

Enquanto no Mato Grosso a aviação já era


presença rotineira na década de 40, em Goiás também se
estimulava a abertura de campos de pouso e fundação de
aeroclubes em cidades do interior, como o caso de Rio
Verde.
Nessa cidade do sudoeste goiano um apaixonado
pela mecânica e pelos transportes, João do Carmo
Nascimento, o “João Ford”, dedicou-se à implantação do
aeroclube local, o que se deu no dia 30-06-1941 e, pelo
Decreto Estadual nº 6.738, de 21-11-1942, obteve um
auxílio financeiro para a consolidação daquela associação
no valor de cinco mil réis e, no ao seguinte, outro auxílio de
cinco contos de réis, conforme nos conta Neto em seu texto
de 1988.
Os entusiastas da aviação local começaram a
realizar um tipo de serviço aéreo que contribuiu para
despertar a atenção da população do Sudoeste do Estado
para as potencialidades do aparelho voador: o transporte de
doentes graves para localidades providas de melhores
recursos médicos e, também, transportando remédios que
eram lançados em voo rasante nas fazendas daquela região
do estado. Onde havia alguém doente e cujas estradas de
acesso eram precárias tornando o transporte terrestre muito
lento o avião estava presente.
O primeiro presidente do aeroclube de Rio Verde foi
Epaminondas Portilho que posteriormente passou a compor
junto a “João Ford” o quadro de instrutores de voo do
Aeroclube de Rio Verde. O guarda-campo, Henrique Duarte,
o “seu Henriquinho”, também se responsabilizava pela
manutenção dos aviões: um Piper Cub e um Porterfield.
A primeira turma a se formar no curso de piloto de
79

avião naquele aeroclube, no dia 30 de dezembro de 1941,


era constituída pelos alunos:

- Dr. Délio Chaves,


- Sebastião Pereira de Almeida,
- Wilson Seabra Guimarães,
- Célia Damiani,
- Ceres Bastos,
- o próprio “João Ford” e
- o presidente do aeroclube Epaminondas Portilho.

As atividades aéreas naquela região, com os aviões


do aeroclube transportando pessoas, medicamentos e
pequenas encomendas para a zona rural levou o prefeito
Martinho Palmerston Ribeiro Guimarães, alguns anos mais
tarde, a tecer gestões junto ao então governador de Goiás, o
Engº Jerônimo Coimbra Bueno, para a construção de um
aeroporto em Rio Verde, que foi inaugurado em 1947 com a
presença do próprio governador.
O pouso do primeiro avião comercial, um Douglas
DC-3, levou ao aeroporto uma expressiva multidão. Assim, o
transporte aéreo parecia ter conquistado o coração da gente
do sudoeste goiano.
Mas, não dá para ir adiante sem antes dizer um
pouco sobre os “piloteiros do sertão” que voavam seus
“teco-tecos” fazendo a aviação de varejo cada vez mais
intensa nos céus do cerrado.
E nada mais propício que usar a história de um
deles, justamente o João Ford, de Rio Verde que, por sinal,
é matéria de um podcast do Hangar Café no WhatsApp e no
Instagram.
E essa história é assim:
80

PILOTEIRO DO SERTÃO

...e lá vai ele montado no lombo da geringonça.


Voando rasteiro por riba dos pequizeiros,
fazendo curva pra tudo quanto é banda,
caçando rumo desembestado,
ora arriba ora despenca,
escorregando no vão do vento,
salta cerca,
salta porteira,
salta moita,
salta lobeira,
rasga o céu do cerrado
e vai subindo prá imensidão,
lambendo nuvens com suas asas,
empina as fuças ao horizonte
e vai sumindo devagar na boca da noite,
até virar um nada.
Piloteiro do sertão...
quantas horas voadas,
quantas léguas varadas,
quanta distância largada prá trás?
Quanta gente carregada,
quanta carga já voada
no seu bucho acomodada?
Se no tempo bom o voo é manso,
na tempestade é desembestado.
Mas, sem nenhum aperreio
seu voo vai e volta,
trazendo na cacunda uma saca de boa malha,
arrebentando de muita esperança.
E lá vai o piloteiro... piloteiro do sertão.
Esse bicho teimoso que começou a se meter no
81

meio do mato lá pelos anos 30.


Era um tempo de aviação difícil.
Avião de tela e madeira, motor fraco, sem apoio e
só confiando no olhômetro.
Se no mapa tinha uma coisa lá no chão era outra,
difícil coincidir as duas.
Mais fácil era seguir os rios, pois, mesmo com
tantas voltas, eles acabam chegando lá.
Assim, os rios das bacias do Prata, do São
Francisco e da Amazônia no começo de tudo serviam de
rotas aéreas, até porque as cidadezinhas, em busca de
sobrevivência, se debruçavam sobre eles.
Carga?... era qualquer coisa que tinha de ir no rumo
do interior.
Por exemplo, os mais de 300 kg dum grupo gerador
de energia elétrica, que serviria a uma vila nos cafundós do
sertão, eram bem acomodados no pequeno “teco-teco” junto
só com o piloteiro, pois não arribava mais peso nenhum.
Potência a pleno motor e a pequena garça ia
subindo pesada no rumo do horizonte que amoitava um
minúsculo vilarejo com um tanto de gente simples,
batalhadora e sobrevivente e que logo ia poder acender uma
luz, ligar uma tomada e até conservar uma carne sem ter de
salgar.
Só não podia esquecer que todo mês tinha de
encomendar ao piloteiro mais tambor de combustível pro
motor não parar de funcionar no meio da noite.
Já na viagem seguinte era mistura de remédio pra
maleita, peças de tecido e a máquina de costura, tudo
encomendado pelo pessoal doutra vila sumida no meio do
nada.
Era dessa maneira que funcionava também o João
Ford... ou seria João Carmo do Nascimento?
Tanto faz, mas o sujeito, que tinha vindo a este
mundo lá pelas bandas de Ituverava, no noroeste paulista,
pelos idos de 1890, ia mesmo acabar ciscando pelos céus
82

goianos e neles fazendo muita história.


Caçou rumo pro meio da pauliceia ainda novo e
com 12 anos já estava lá numa oficina de carros limpando
chão, e de limpar chão findou por aprender mecânica e tão
bem que se tornou profissional competente no ramo.
Com experiência, muita vontade e pouco dinheiro
foi lá prás bandas de Uberaba num automóvel “Fordinho” e,
num barranco daqueles, meteu o focinho e arrebentou com
as rodeiras da frente.
Não esmoreceu, enveredou no matagal e com um
machado saiu de lá com uma forquilha de madeira boa.
Encaixou bem ela na ponta do eixo e prendeu com
força seu cabo num suporte perto do motor.
Garantiu o remendo com muitas voltas de arame
farpado, que pegou “emprestado” da cerca do pasto ao
lado... e seguiu viagem.
Em Uberaba, na oficina da Ford, os mecânicos
ficaram admirados pela improvisação ter aguentado os
trancos da estrada de chão.
Tanto que até encomendaram dum fotógrafo uma
chapa daquela tranqueira e mandaram prá Ford de São
Paulo.
Os engenheiros de lá, espantados com a
resistência da engenhosidade, enviaram a dita prá matriz
nos Estados Unidos.
Não demorou e o João recebeu uma carta de
próprio punho de Henry Ford, o dono da Ford Motor
Company, congratulando-o por sua criatividade,
presenteando-lhe com um automóvel modelo “T” novinho
em folha, um relógio de ouro e queria pagar pela invenção.
O João, porém, só pediu autorização de usar de vez o
sobrenome Ford e, claro, foi atendido.
Daí, João Carmo do Nascimento virou João Ford.
Mas, com só 29 anos de idade ele já estava
estabelecido em Rio Verde, quase nas rebarbas de Goiás
com Mato Grosso, onde abriu uma oficina e passou a
83

resolver todos os problemas mecânicos do lugar.


E com tal gosto pela mecânica não deu noutra,
João se apaixonou pelos aviões e pelo voo.
Começou voando no pequeno Porterfield e com ele
percorria todo o sudoeste goiano indo até Mato Grosso,
fazendo qualquer tipo de transporte que se possa imaginar.
Do pirralho picado de cobra até a peça do trator do
“seo” Zé, tudo para ele era carga preciosa e a entrega tinha
de ser feita.
Mais prá frente, quando o velho aeroplano já estava
pedindo arrego, foi a vez de entrar em cena o pequeno e
ágil Piper Cub J-3, que ele sabia muito bem como
funcionava. Com ele João Ford continuou a voar pelos céus
do cerrado e ajudando a mostrar o tanto que a aviação
miúda fazia pelo interior deste vasto país.

Homenagem em vida ao piloteiro João Ford


84

Mas, ele ainda não estava satisfeito.


Conseguiu convencer alguns figurões do lugar a se
juntar e fundar o “Aero Club” de Rio Verde, em 1941, logo
registrando-o como membro do “Aero Club” do Brasil, então
a autoridade que certificava novos pilotos e mecânicos.
Deu instrução de voo para muitos jovens do lugar e
da redondeza, e vários deles seguiram carreira, uns nas
empresas de linhas aéreas e outros tornando-se também
piloteiros do sertão.
Pois é, mas pelo interior desses muitos Brazís
outros “João Ford” fizeram com que a aviação miúda se
tornasse num baita instrumento de apoio ao progresso dos
cafundós do cerrado e até os confins da Amazônia.
Sem quase nada improvisavam soluções e
conseguiam assim manter seus velhos aeroplanos
prestando serviços inestimáveis à gente interiorana. Pois,
antes de piloteiros tinham de ser mecânicos-sem-carteira,
precisavam entender de tudo do avião e resolver qualquer
pane que teimasse em lhes deixar no chão.
Agora uns milhares de “teco-tecos” voam pelas
quebradas do Brasil, e quase uma centena de oficinas de
manutenção garantem que eles continuem na peleja de
campo em campo. Se sai de Cuiabá na proa de Alta
Floresta, não duvida que estique até Santarém, na foz do
Tapajós e às vezes até Parintins, na terra do boi-bumbá.
É assim a vida do piloteiro... sem hora, sem dia, o
voo tem de continuar. E lá vai o piloteiro do sertão! ...

MAIS AERÓDROMOS E MAIS AVIÕES


85

Outra cidade que montou seu aeroclube foi Ipameri,


que já recebia regularmente os aviões do CAM. Contava
com telégrafo do 6º Batalhão de Caçadores do Exército, o
da Estação da Estrada de Ferro e de uma estação do 1º
radioamador do Centro Oeste, Waldemar Leone Ceva -
PY2UA que proporcionavam suporte à navegação aérea na
rota de Goiaz, transmitindo aos aviões as condições
meteorológicas, de operacionalidade do campo de pouso, e
quantidade de passageiros e carga a embarcar.
Ali um pequeno grupo de aficionados pela aviação -
Firmo Ribeiro, Alberto Lostracche e José Francisco Vaz
Lopes - construiu um hangar e começou a ensinar jovens a
voar nos já famosos aviões “Paulistinha” Cap-4.
O campo de aviação da cidade foi construído pelo
Departamento de Aeronáutica Civil, do então Ministério da
Viação e Obras Públicas, em 1938, e serviu às empresas de
transporte aéreo Real Aerovias e VASP que ali operaram.
Desse aeroclube saíram jovens para a Escola de
Aeronáutica (atual Academia da Força Aérea): Aristides
Paulo Lopes Ceva, Euler Porto, José Carneiro e Ivan Moacir
da Frota, este chegando ao último posto da hierarquia militar
após se tornar piloto de aviões de combate e realizar cursos
de guerra aérea na Suécia, na França e na Itália. Dali
também saiu o jovem José Francisco Vaz Lopes para cursar
uma das primeiras turmas de Engenharia Aeronáutica do
Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA.
O Eng.º José Francisco relatou alguns fatos
pitorescos da época: o transporte de carne realizado pelos
aviões que seguiam para o Rio de Janeiro, o transporte de
cristais das minas de Cristalina para São Paulo, e também
para os Estados Unidos a bordo de aviões Boeing B-17
“Fortaleza Voadora”, do Exército daquele país.
86

Fonte: arquivo do autor.

Estação de passageiros do aeroporto de Ipameri construída, em


1938, pelo Departamento de Aeronáutica Civil e no canto direito
superior a imagem sobreposta da placa de sua fundação.

Outras cidades, como Morrinhos, onde a empresa


aérea VIABRAZ chegou a operar, construíram seus campos
de aviação e fundaram seus aeroclubes.
Porto Nacional (que à época pertencia à Goiás), por
exemplo, além de construir seu aeródromo e implantar um
aeroclube, abrigou um Núcleo de Proteção ao Voo – NPV
constituído por uma estação radiotelegráfica e de
observação meteorológica, que proporcionava apoio à
navegação aérea aos aviões na Rota do Tocantins.
Mas, dos anos 60 em diante os aeródromos dessas
cidades foram se esvaziando e até abandonados, pois os
polos da aviação na vasta região do cerrado passaram a ser
somente em Goiânia e Brasília, capitais do interior que
estavam em pleno desenvolvimento e que, por isto,
requeriam intenso uso do meio de transporte aéreo.
Já no aeroporto de Goiânia começaram a surgir
87

mais oficinas de manutenção de aviões, cujos clientes eram


os aeroclubes do interior do estado, proprietários de
pequenos aviões e mesmo outros que vinham do Norte e do
Nordeste.
Assim, consolidava em Goiânia um polo de
manutenção aeronáutica destinado à Aviação Geral com
afluência de aeronaves que vinham de todo o interior.
Esse polo facilitou o estabelecimento de várias
empresas de táxi aéreo, que passaram a se constituir numa
modalidade de transporte aéreo ágil que atendia a
agropecuária, serviços governamentais, remoção de
pacientes graves e até entregas de malotes a organizações
públicas e privadas do interior.
A pequena cidade de Campinas transformara-se
em um bairro da nova capital e, por volta de 1946, junto à
sede da então Comissão de Estradas de Rodagem de Goiás
– CERG (posteriormente denominado Departamento de
Estradas de Rodagem de Goiás – DERGO) construiu-se
uma pista que se estendia até onde hoje é o DETRAN,
utilizada pelos aviões do governo estadual.

Fonte: acervo de Hélio de Oliveira

Já o aeroporto da capital goiana possibilitou a


segura, rápida e diuturna conexão com o resto do país,
88

principalmente com o Rio de Janeiro e com São Paulo. Logo


autoridades, técnicos e altos funcionários passaram a
frequentá-lo, intensificando a relação entre o governo de
Goiás e o governo da União.
O transporte aéreo estava se definindo como um
eficiente instrumento público para fazer chegar ao sertão do
Centro Oeste a presença das autoridades.
Viajar de avião já se apresentava como sinal de
status social, pois o faziam políticos, altos funcionários do
governo e grandes investidores.
Desembarcar em um aeroporto do interior
procedendo da capital do país, trazendo na bagagem
objetos de arte, fina indumentária, ou mesmo comentando
as últimas notícias sobre a modernidade presente no litoral
ou mesmo da política, expressava proximidade com o poder.
Podia-se dizer que o avião havia se tornado a carruagem da
modernidade.
O avião também possibilitou a vinda lá do Sudeste
de técnicos e engenheiros para ultimar os acabamentos da
nova capital, uma vez que o Centro Oeste carecia desses
profissionais, tão necessários à consecução daquele ousado
projeto de construção de u’a moderna cidade no serão.
O voo, considerado rápido em relação aos outros
meios de transportes, permitia que viessem à Goiânia,
gerenciassem os trabalhos e, em seguida, retornassem aos
seus locais de origem sem demoras.
Interessante é que, apesar das condições precárias
daqueles voos e do parco apoio logístico em solo, o jeito
militarizado dos tripulantes da aviação comercial garantia o
cumprimento dos horários, a atenção aos passageiros e um
eficiente senso de responsabilidade. Impecáveis em seus
uniformes mantinham postura que impressionava
passageiros e os que faziam dos aeroportos os pontos de
encontro com as novidades (Lavenére Wanderley, 1975).

O AVIÃO NA MARCHA PARA O OESTE


89

Após a implantação do Estado Novo, em 1937, o


governo da União procurou intensificar o processo de
integração nacional. Daí surgiu a ideia de uma Marcha para
o Oeste, tal qual sucedera lá nos Estados Unidos quase um
século antes.
A diferença foi que, ao invés de ser um avanço com
ocupação simultânea de grupos de pessoas decididas a
fincar raízes, aqui a coisa aconteceu através de uma ação
de órgãos governamentais cumprindo um plano de
estabelecer frentes pioneiras pelo sertão e já visando chegar
aos confins da Amazônia.
A ideia avançou em 1940 no decorrer de uma
viagem presidencial ao sertão. O Tenente Acary de Passos
Oliveira, do Gabinete Militar da Presidência da República, foi
até a Ilha do Bananal, no rio Araguaia, com a missão de
construir uma pista de pouso onde desceria o avião
conduzindo o presidente Vargas e sua comitiva que por lá
ficariam uns cinco dias. Uma vez pronta a pista e em
condições de receber o avião, para lá voaram o presidente e
comitiva.
Dali, observaram as terras que se estendiam na
outra margem do rio, e então o ministro João Alberto Lins de
Barros, integrante da comitiva presidencial, pensou em
preparar uma expedição de abertura de núcleos de
colonização em direção ao norte do Mato Grosso.
De regresso ao Rio de Janeiro o ministro
encarregou o Capitão Flaviano de Matos Vanick de montar e
comandar uma expedição que lograsse concretizar tal ideia.
E foi assim que surgiu a Fundação Brasil Central – FBC,
como principal instrumento para se levar a cabo a Marcha
para o Oeste, operacionalizando a então denominada
Expedição Roncador-Xingu, que partiu de Aragarças e
90

adentrou o Mato Grosso no rumo noroeste e, seguindo pela


Serra do Roncador, atingiu o Xingu, um dos grandes rios da
Amazônia (Lima Filho, 2001).
Tal expedição foi oficializada pelo Decreto-Lei
5.801, de 08-09-1943 e seu destino final seria chegar a
Santarém (PA) às margens dos rios Tapajós e Amazonas.
Uma das primeiras de suas ações foi a construção
de um campo de aviação provido de estação
radiotelegráfica, estação de observação meteorológica e de
abastecimento de combustível capaz de servir de base de
apoio à Expedição em Aragarças, na margem goiana do rio
Araguaia.
O governo de Goiás deu total apoio à FBC e era
comum o envolvimento de seus aviões nas atividades
daquela instituição a partir do campo de aviação do
DERGO.
A FBC fundou cidades no Mato Grosso e as
equipou com aeródromos bem construídos que,
posteriormente, serviram ao Correio Aéreo e também às
empresas aéreas civis.
Tanto que logo o Correio Aéreo implantou uma
linha aérea regular que, após escalar em Goiânia, seguia
para Aragarças, adentrava o Mato Grosso por Xavantina,
pousando no Xingu e prosseguia para Cachimbo, no sul do
Pará. Dali continuaria a até a confluência do Amazonas com
o Tapajós, na cidade paraense de Santarém, que seria o
destino final da expedição.
De Cachimbo outra rota aérea rumaria para
Jacareacanga e finalizando em Manaus, faria a interligação
da capital amazonense à capital da União, via Goiânia.
Mas, concretizar os planos de colonização previstos
àquela expedição partindo do sertão rumo à Amazônia,
constituía-se em tarefa hercúlea praticamente impossível,
conforme anteviam os pilotos de avião, como Lysias
Rodrigues, por estarem acostumados a sobrevoar alguns
dos densos trechos da floresta amazônica, nas suas
91

tentativas de implantação de campos de pouso.


Apesar disso, a Expedição Roncador Xingu foi
adiante movimentando-se sempre para o oeste. Era uma
marcha difícil, mesmo com o apoio logístico disponível e, por
isso, a progressão foi lenta e cheia de imprevistos que
desafiaram a resistência de seus integrantes.
O governo usou de toda tecnologia disponível para
dar o devido suporte aos expedicionários e à própria
Fundação: oficinas, maquinário pesado, telégrafo e,
evidentemente, o avião.
Disponibilizou inicialmente três aviões à direção da
Fundação: um bimotor Focker Wulf e dois Fairchild.
À medida que avançava novos campos de pouso
eram construídos para permitir a chegada dos aviões com
suprimentos de toda a espécie e, também, permitindo o
acompanhamento da progressão por parte do governo.
Desde o início do uso do avião como instrumento
pioneiro na expansão da fronteira da civilização ficou claro
que estaria interligado com os modernos meios de
comunicações e, naquele momento, era o telégrafo que com
ele fazia dupla, um apoiando o outro.
Ainda não existiam aparelhos de comunicação de
longo alcance a bordo dos aviões, mas em suas bases de
operações era preciso que houvesse uma estação para
manter o contato entre as próprias estações e, também, com
os aviões que delas se aproximavam, para trocarem
informações sobre as condições meteorológicas e para
informarem sobre a progressão dos voos e as
disponibilidades de carga e passageiros em cada base.
No âmbito da Fundação Brasil Central, a ocupação
aérea foi tratada por Lima Filho como um fator de mudança
no ritmo de vida da gente do interior em contato com os
expedicionários:

“O tempo anterior era o do ritmo das águas, da vida lenta


do interior, embalada pelo correr do rio que lhe dava
92

sustento com o peixe, as roças das vazantes e os


diamantes dos garimpos. O tempo mesmo dos pioneiros
expedicionários e colonizadores era orientado pelos
rumos dos rios Araguaia, Pindaíba, Mortes, Xingu,
Kuluene, Tapajós. Tempo das embarcações e das
canoas que desconheciam, na região, a aceleração
crescente do tempo das ferrovias (Ortiz, 1991, Hardman,
1991) e tendo de conviver de forma abrupta com o tempo
dos aviões. O tempo deu um salto exponencial, impondo
repentina velocidade no mundo do sertão. Como disse
Ortiz (1991): ‘Os homens estavam acostumados a
transitar no interior de um continuum espacial a uma
velocidade que os integrava à paisagem’. A velocidade
impõe o princípio da ‘circulação’ [...] da modernidade.
Circulação de pessoas [...] do bem-estar do indivíduo
pelo acesso à medicina da capital do país, dos bens da
economia, como as matrizes e reprodutores de gado,
povoando os postos da Fundação Brasil Central, dos
remédios, dos cigarros, dos alimentos jogados dos
aviões para as frentes expedicionárias. É o tempo dos
aviões que deixam para trás as trilhas dos carros de boi
e a zinga das canoas. A Fronteira aqui se caracteriza
pela ocupação definitiva do espaço aéreo regional do
interior do país. Os campos de pouso construídos pelos
expedicionários da década de 1940 a 1950 se
modernizam e são incorporados definitivamente à
estrutura militar da FAB” (Lima Filho, 2001).

Ou seja, acontecia pelo avião uma mudança no


ritmo de vida do sertão e por isto da própria cultura local,
uma vez que, mediante a frequência maior, constante e
mais rápida com que os voos aconteciam, as novidades
chegavam em profusão e os seus efeitos no povo do interior
passou a se dar sem prazo suficiente para a sua completa
assimilação e integração à cultura local.

Por exemplo, se antes o “fio do bigode” tinha então


o poder de garantir a mútua confiabilidade entre dois
contratantes, a partir do acesso rápido ao cartório da cidade
93

grande mais próxima a assinatura escrita e com firma


reconhecida logo substituiu o valor da palavra oral, fato que
foi considerado pelos mais velhos como a perda da “honra”,
qualidade que até aquele momento representava o valor
moral de um homem, pois para a pessoa honrada bastava a
palavra dita.
Mas, os aeródromos continuaram a ser construídos.
Além do de Aragarças a FBC, fez outros que deram origem
a povoações que vieram depois a se transformar em
cidades, como, por exemplo, Xavantina, no Mato Grosso, às
margens do rio das Mortes.
Com a instituição do Ministério da Aeronáutica, em
1941, a sua Diretoria de Rotas Aéreas – DRA montou
estações de comunicações e de observação meteorológica
nos principais campos de pouso construídos pelos
expedicionários, mas também em outros no Centro Oeste já
fora da área de atuação da Fundação, para propiciar às
tripulações dos aviões o conveniente apoio à navegação
aérea: Goiânia, Aragarças, Porto Nacional e Santa Isabel do
Morro, em Goiás; Campo Grande, Corumbá, Cáceres,
Cuiabá, Xavantina e Xingu, no Mato Grosso; Cachimbo,
Jacareacanga, Marabá e Santarém, no Pará.
Os aviões transportavam, além dos passageiros e
carga da Fundação Brasil Central, pessoas doentes,
aquelas acometidas de malária, vítimas de picada de cobra
e de outros animais peçonhentos, funcionários que
adoeciam eram removidos de volta à civilização.
Realizavam-se também voos de mapeamento sobre
as áreas a serem exploradas, fornecendo às equipes de
terra informações sobre as condições existentes à frente e
quais os percursos mais indicados para a progressão da
expedição.
94

Fonte: Lima Filho, 2000.

Área de avanço da Expedição Roncador Xingu.


95

Convém citar o extremo risco em que se realizavam


os voos da Fundação Brasil Central. Os seus aviões não
possuíam instrumentação de navegação avançada e eram
de médio para pequeno porte, suas autonomias também
não lhes permitiam voos de longa duração.
Contudo, a área em que atuavam já se revestia de
densas florestas de horizonte a horizonte, sem pistas ou
clareiras que pudessem recorrer no caso de uma
emergência, como um motor em pane, por exemplo.
As manutenções, por falta de recursos técnicos
apropriados, por vezes se faziam à base de improvisos,
comprometendo a segurança de voo.
Nos pousos nos campos do interior existia ainda o
risco constante da existência de buracos, pedaços de pau e
mesmo de animais na pista, responsáveis por sérios
acidentes.
Porém, apesar de todo esforço da FBC, nem tudo
correu conforme o previsto, pois mesmo com essas rotas
aéreas para o norte abertas nenhuma empresa aérea se
interessou pelo estabelecimento de suas linhas por ali, por
entenderem que seria prejuízo certo.
Sem subvenção governamental a exploração
comercial de linhas aéreas para aquela região, com vistas a
estabelecer conexão aérea para Manaus, era considerada
impraticável. Somente o Correio Aéreo manteve
funcionando seus voos regulares na rota para Manaus via
Centro Oeste.
O certo é que a Fundação Brasil Central valeu-se
muito do avião, não só durante a Expedição Roncador
Xingu, mas também enquanto ela existiu. Muitos
aeródromos foram construídos por ela e que,
posteriormente, vieram a servir aos pequenos aviões em
voo por aquela área do Mato Grosso.
E o apoio prestado à FBC pelo governo goiano,
inclusive com seus próprios aviões, foi significativo.
96

Fonte: blogdogiuliosanmartini

Uma equipe da FBC à frente de um velho biplano Curtiss.

A tecnologia aeronáutica teve um desenvolvimento


a passos tão largos como nunca se havia visto. Tal surto se
deu por conta das duas guerras mundiais, quando as
indústrias procuraram projetar aparelhos sempre com maior
capacidade de carga, velocidade, alcance e melhores
equipamentos eletrônicos de auxílio à navegação aérea.
Dos desajeitados, lentos, restritos e desequipados
biplanos de tela e madeira, evoluiu-se para grandes aviões
de estrutura metálica, multimotores, com grande capacidade
de carga e autonomia e que podiam voar do Rio à Goiânia
em pouco menos de três horas, permitindo até que se fosse
e voltasse no mesmo dia, o que antes era impensável.
Essa evolução tecnológica proporcionou melhorias
consideráveis na aviação que servia ao Centro Oeste
97

brasileiro e, em especial, na utilizada pela FBC no seu


processo de colonização.
E enfim a Aviação Comercial acabou por estender
suas linhas para o sertão, mediante subsídios da União para
as rotas aéreas do interior e usando uma frota de aviões
excedentes de guerra adquiridos nos Estados Unidos por
preços simbólicos.
Com isto muitas pequenas empresas aéreas
iniciaram os serviços de transporte de passageiros e de
cargas por todo o sertão.
Os Douglas DC-3 passaram a fazer parte da
paisagem do cerrado exibindo diversas logomarcas de
companhias recém-fundadas: Real, Aerovias, Viabraz, Loide
Aéreo, Nacional, etc. (Pereira, 1987).
O Correio Aéreo começou a operar em diversas
aeródromos construídos pela FBC transportando
passageiros e cargas gratuitamente. Eram designadas cotas
de passageiros, desde que as malas postais não
ocupassem toda a disponibilidade de carga do avião.
E essas cotas atendiam primeiramente funcionários
de organizações governamentais que estivesse a serviço,
principalmente da FBC. Caso todas as vagas não fossem
ocupadas disponibilizava-se ao público em geral.
Outros serviços que os aviões do Correio Aéreo
continuaram proporcionado na região foram: a remoção para
centros médicos em tempo hábil de doentes graves que,
sem outro recurso, certamente viriam a óbito; o apoio aéreo
ao Serviço de Proteção ao Índio – SPI, na sua tarefa de
aproximação com as tribos indígenas; as missões religiosas,
que trabalhavam nas áreas de saúde e de ensino; e junto
aos grupamentos militares do Exército sediados no interior.
Aos governos de Goiás e de Mato Grosso a ação
do Correio Aéreo reforçava suas autoridades no interior dos
estados perante os velhos “coronéis”, pois possibilitava que
mantivessem contato mais amiúde com o governo central e
com os militares de renome, que sempre compunham as
98

tripulações de seus aviões, como Eduardo Gomes,


Montenegro Filho, Lavenére-Wanderley, etc.

Fonte: MUSAL

O robusto e versátil Douglas DC-3/C-47 Skytrain (Dakota) foi muito


utilizado pelo Correio Aéreo a partir de 1944.
Fazia todas as linhas do interior, pois podia operar em pistas
precárias, possuía uma estação-rádio equipada com
radiotelegrafia que possibilitava contatos a longas distâncias
obtendo assim informações meteorológicas da rota, situação de
operacionalidade dos aeroportos à frente, quantidade de
passageiros e cargas a embarcar/desembarcar e de quantidade
de combustível a abastecer.
Além do piloto, copiloto e radiotelegrafista, compunha também a
tripulação um mecânico que, além de cuidar do funcionamento
normal do avião em si, coordenava os abastecimentos,
acondicionava as cargas e procedia o embarque e desembarque
dos passageiros.

NOVO AEROPORTO NO MATO GROSSO


VÁRZEA GRANDE
99

O esforço de guerra na década de 40 fez com que a


indústria aeronáutica norte-americana desenvolvesse
projetos de aviões de transporte com maior capacidade de
carga, mais rápidos, mais seguros e com tecnologia mais
avançada.
Diversos modelos desses foram aproveitados pela
Aviação Comercial Regular, cujas rotas aéreas expandiam-
se por todo mundo, inclusive cruzando oceanos, ou seja,
voos de milhares de quilômetros.
As empresas aéreas atuantes no Brasil logo
começaram a incorporar em suas frotas alguns desses
modelos que melhor se ajustavam à demanda do mercado.
Urgia, pois, que o Departamento de Aviação Civil –
DAC, do Ministério da Aeronáutica, então encarregado de
formular a Política de Aviação Civil, regulamentar o setor,
fiscalizar sua atuação e também gerir a malha aeroportuária
brasileira, adequasse os aeroportos utilizados pelo
transporte aéreo de linhas regulares à nova geração de
aviões comerciais.
Assim, já no início daquela década, instalou vários
Distrito de Obras nas sedes dos Comandos de Zonas
Aéreas, visando atender as localidades onde havia
necessidade de ampliar e modernizar seus aeroportos.
Devido ao pequeno Campo de Aviação da capital
mato-grossense não dispor de área subjacente que
permitisse ampliar suas instalações e sua área de operação
o DAC optou em 1942 pela construção de um novo
aeroporto e, por isto, assentou ali um escritório do seu
Distrito de Obras da 4ª Zona Aérea, sediado em São Paulo.
O local onde havia espaço suficiente para a
construção de um aeroporto, com todas as suas instalações
e mais as necessárias áreas de segurança de voo era no
100

então distrito de Várzea Grande, contíguo à Cuiabá.


Ali haviam uns 500 hectares de terra mais plana,
com um declive máximo de 20 metros numa extensão de
mais de 4 km, ajustando-se bem à construção do aeroporto.
Também havia sido estudado um sítio na localidade
conhecida por Coxipó da Ponte que, contudo, não oferecia
as mesmas condições meteorológicas de Várzea Grande.
Mas, a formalização da transferência daquela área
à União só foi realizada sete anos depois, quando o DAC
requereu ao governador de Mato Grosso, Arnaldo Estevão
de Figueiredo, a doação de 700 hectares destinados a
sediar o novo aeroporto, resultando daí no Projeto de Lei nº
477/49 que fez a concessão do terreno para as obras que,
então, já estavam em andamento mesmo sem tal
formalização. O responsável técnico era o Eng.º Cantídio
Gonçalves Burity, chefe do Distrito de Obras da 4ª Zona
Aérea (Santos, 2013).
Devido ao considerável montante de recursos
financeiros que a obra demandou ela só foi concluída em
1956, coincidentemente época da inauguração do segundo
aeroporto de Goiânia.
O de Várzea Grande recebeu o nome de Aeroporto
Marechal Rondon, em homenagem ao ilustre militar que
estendeu as linhas telegráficas até o Acre.
Sua pista de pouso e decolagem tinha 1.650 m de
comprimento. Recebeu duas designações codificadas pela
Diretoria de Rotas Aéreas – DRA, do Ministério da
Aeronáutica: para fins operacionais era o código ICAO
(International Civil Aviation Organization) SBCY e, para fins
comerciais perante a IATA (International Air Transport
Association) passou a ser CGB.
Uma das primeiras empresas aéreas beneficiadas
por aquele novo aeroporto foi a mineira Central Aérea LTDA,
que mantinha, desde a década de 40, linhas para as cidades
de Poconé, Corumbá e Cáceres, além de fazer a ligação de
Cuiabá com São Paulo e Rio de Janeiro.
101

Também a Real, outra empresa de transporte aéreo


que mantinha uma linha regular com aviões Convair 340
entre Cuiabá e São Paulo, escalando em São José do Rio
Preto, no noroeste paulista desde 1953, beneficiou-se do
novo aeroporto.
Mas, no Mato Grosso outra cidade já havia
inaugurado seu aeroporto três anos antes do de Várzea
Grande. Foi Campo Grande, no sul do estado, pois antes de
sua construção os aviões comerciais “JU-52”, já de tamanho
considerável, faziam seus pousos e decolagens em uma
área no centro da cidade.
Por isto, o DAC apressou a construção do
aeroporto ali, concluindo-o em menos de três anos,
conforme atesta a Lei nº 1905/53.
Foi inaugurado pelo pouso de um quadrimotor
Constellation da Panair, tendo a bordo o próprio presidente
Vargas.
Esse aeroporto também recebeu as duas
designações: da DRA foi SBCG e da IATA foi CGR.
No decorrer da década de 60 ele recebeu
modernizações e novos prédios, inclusive um novo Terminal
de Passageiros – TPS.
Claro que a inauguração precoce do aeroporto de
Campo Grande gerou certo incômodo à população
cuiabana, que via as obras do aeroporto da capital se
arrastando lentamente por oito anos.
As empresas aéreas que operavam em Cuiabá não
tinham como melhorar a prestação de serviços e nem
colocar aviões maiores, apesar da crescente demanda de
passageiros e cargas, enquanto o aeroporto de Várzea
Grande não ficasse pronto.
Já o de Campo Grande, devido ao aumento de
demanda teve seu TPS ampliado de 1500 para 5000 m² em
1982 e para 6000 m² em 1988 afim de acomodar sua ala
internacional (Santos, 2013).
Com a fundação da Empresa Brasileira de
102

Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO, em 1973 – uma


estatal vinculada ao Ministério da Aeronáutica – os
aeroportos de Várzea Grande e de Campo Grande
passaram à sua administração, como aconteceu com todos
os demais aeroportos públicos com órgãos do Serviço de
Tráfego Aéreo – ATS (Air Traffic Service): Serviço de
Informação de Tráfego ou Torre de Controle, Estação de
Observação Meteorológica e Sala de Tráfego ou Sala do
Serviço de Informações Aeronáuticas (S-AIS).
As empresas aéreas então presentes no Mato
Grosso por ocasião da inauguração dos dois aeroportos
eram: Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul – SACS (antiga
Condor), Viação Aérea São Paulo – VASP, Viação Aérea
Rio-Grandense – VARIG, Panair do Brasil, Nacional, Real e
o Loide Aéreo, além do Correio Aéreo Nacional – CAN
(composto pela união dos correios aéreos da Marinha e do
Exército, com a fundação do Ministério da Aeronáutica).
A Panair, por exemplo, já fazia voos diários na rota
Cuiabá, Corumbá, Campo Grande, Três Lagoas, Bauru, São
Paulo e Rio de Janeiro, e em meados da década de 50
passou a fazer a rota Cuiabá, Manaus, Belém e Rio de
Janeiro com os famosos quadrimotores Constellations,
todas as 3ªs e 5ªs feiras.
E o Loide Aéreo iniciou uma rota em 1957 ligando
Cuiabá a Porto Velho com aviões Curtiss C-46 Commando,
aproveitando as comemorações do Cinquentenário da
Expedição Rondon, que levara até o Acre as linhas
telegráficas.
Todo esse movimento da Aviação Comercial no
Mato Grosso foi decorrência direta do aeroporto de Várzea
Grande. E a tão almejada rota para o sul da Amazônia
estava consolidada tendo como ponto de apoio principal
aquele aeroporto.
O pátio de estacionamento de aeronaves do
aeroporto ficou lotado com os pequenos “teco-tecos” cujos
“piloteiros” se aventuravam pelos céus mormacentos da
103

Amazônia e também do Pantanal, transportando todo tipo de


passageiro: fazendeiros, garimpeiros, madeireiros,
profissionais especializados, autoridades e enfermos graves;
e de carga: remédios, máquinas, peças, malotes e o ouro
dos garimpos.

Fonte: edição com base em mapa do IBGE

Mato Grosso nos anos 50.

NOVO AEROPORTO DE GOIÂNIA


O “SANTA GENOVEVA”
104

Em 1955 a decisão de construir uma nova capital


para o Brasil no meio do cerrado e a montagem do
gigantesco canteiro de obras que nele se instalou com tal
fim abriu novas perspectivas de crescimento para a região e,
assim, necessário se fez preparar Goiânia, a capital de
estado mais próxima, para aquela nova era que se
avizinhava logo ali no Planalto Central.
O movimento de aviões cada vez mais velozes e
maiores requeria ampliação e modernização do aeroporto
goianiense. Mas, a progressiva urbanização ao seu redor
impossibilitava que isto pudesse ser feito. A solução seria
construir um novo aeroporto em um espaço mais amplo e
plano.
A área mais propícia de se construir pistas com
dimensões suficientes para operar aqueles novos aviões
comerciais localizava-se a 6 km a nordeste do centro da
cidade. E boa parte dos terrenos destinados à construção do
novo aeroporto foi cedida por alguns empresários goianos
entusiasmados com a ideia.
O Decreto da Presidência da República de nº
3.785, de 02-091955 a seguir tratou de legalizar essas
doações:

“Autoriza o Ministério da Aeronáutica a aceitar doações


de terrenos em Goiânia (GO).
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe
confere o artigo 87, ítem I, da Constituição Federal e de
acôrdo com os artigos 1.165 e 1.180 do Código Civil,
Decreta:
Art. 1º Fica o Ministério da Aeronáutica autorizado a
aceitar as doações a serem feitas pelos Srs. Dr. Altamiro
de Moura Pacheco (691.681,45 m2); firma interestadual
105

Mercantil S.A (668.454,59 m2) Doutor Augusto França


Gontijo (521.466,50 m2) e Dilma Barbosa Gondas no
Município de Goiânia, Estado de Goiás, necessárias à
construção do novo aeroporto local, tudo conforme
consta do processo protocolado na Diretoria de
Engenharia daquele Ministério, sob n.º 4.685-55, onde se
encontram as plantas dos terrenos.”

Sendo que a área total disponibilizada por esses


particulares para o aeroporto foi de 3.667.365,04 m² é de se
supor então que a área complementar decorreu de
desapropriações levadas a cabo pelo governo de Goiás, que
foram autorizadas pela Lei Estadual de nº 1.099, publicada
no D.O.E. de 17-09-1955, portanto poucos dias após a
emissão do citado Decreto Presidencial. Essa lei estadual
autorizou a disponibilidade de 4 milhões de cruzeiros para
ressarcir tais desapropriações.
Garantida a área suficiente para a construção
tiveram início os trabalhos de limpeza do terreno,
terraplanagem, compactação e pavimentação. Foram
construídos os prédios do terminal de passageiros, da
estação radiotelegráfica e de observação meteorológica, das
instalações do setor de abastecimento de combustíveis de
aviação e até alguns pequenos hangares.
Hoje em dia o combustível para os aviões chega
aos aeroportos em caminhões tanques, mas naquela época
chegava em tambores metálicos de 200 litros que, uma vez
no sítio do aeroporto, eram postos inclinados por uns dois
dias para a devida decantação de impurezas misturadas ao
combustível. Só depois podiam ser usados em
abastecimentos.
A Estação Meteorológica de Superfície – EMS
confeccionava boletins do tempo e os expedia a cada hora
cheia, disponibilizando-os às tripulações na Sala de Tráfego
– STF, e também as transmitias por telegrafia aos demais
aeroportos das rotas que passavam por Goiânia. Eram
conhecidos pelo código QAM (Código “Q”, da União
106

Internacional de Telecomunicações - UIT).


Igualmente aos demais aeroportos o de Goiânia
também recebeu duas designações codificada pela DRA:
para fins operacionais era o código ICAO (International Civil
Aviation Organization) SBGO e, para fins comerciais perante
a IATA passou a ser GYN.
Antes da conclusão da construção de Brasília, ao
final da década de 50, o Aeroporto Santa Genoveva de
Goiânia era considerado o mais moderno e mais bem
aparelhado do Centro Oeste brasileiro, mantendo até aquele
momento a posição da capital goiana como um entreposto
logístico à consecução das obras levadas a cabo no
Planalto Central.
A operação de várias empresas aéreas, do Correio
Aéreo, da Aviação Geral com diversas oficinas de
manutenção aeronáutica, o movimento de jovens que
vinham aprender a voar no aeroclube e ainda várias
atividades de logística, tudo isto transformou a área do
aeroporto Santa Genoveva num verdadeiro complexo
empresarial.
No decorrer dos anos seguintes todas as operações
do antigo aeroporto foram transferidas para o novo, até a
definitiva desativação daquele campo pioneiro que, a seguir,
logo foi urbanizado e passou a se constituir em um novo
bairro da cidade, o Setor Aeroporto.
Convém aqui tecer uma breve explicação a respeito
do funcionamento da infraestrutura aeroportuária no país,
para se entender o que significa ao município e ao estado
abrigar um aeroporto do porte do Santa Genoveva.
Até o início da década de 70 os aeroportos
considerados estratégicos eram construídos e mantidos pelo
Departamento de Aviação Civil – DAC, órgão do Ministério
da Aeronáutica, e ficavam sob sua administração e que, por
conseguinte, detinha a posse da área em que se
localizavam. Com o Aeroporto Santa Genoveva não poderia
ser diferente, ele era propriedade da União e não do estado
107

e nem do município.
Todo aeroporto público, ou seja, um aeródromo
com toda a estrutura logística, era devidamente homologado
e recebia uma codificação específica indicando que possuía
Serviços de Tráfego Aéreo – ATS. Já os aeródromos
privados, constituídos somente pela pista de pouso e
decolagem, e quando muito por um pátio de estacionamento
de aeronaves, não careciam de homologação oficial,
bastando-lhes um simples registro junto à autoridade
aeronáutica.
No Brasil a infraestrutura aeroportuária estava
assim organizada para atender o conceito de Poder Aéreo
sob o qual o Ministério da Aeronáutica fora instituído, e ele
previa que fossem dispostos todos os meios aéreos do país
à sua Força Aérea, e os aeroportos constituíam-se parte
desses meios.
Reforçou tal opção o fato do aeroporto de Campo
de Marte, em São Paulo, ter servido de base da aviação dos
revoltosos na Revolução de 1932. Contudo, estando todos
os aeroportos sob administração da Força Aérea, via DAC,
garantiu-se que somente fossem então usados pela Aviação
Civil e, em caso de guerra, pelas tropas da União, mas não
mais por alguma força revoltosa.
O resultado dessa forma de funcionar a
infraestrutura aeroportuária é que, se por um lado a cidade e
mesmo o estado se beneficiavam dos serviços prestados
pelo aeroporto, quer fosse o próprio transporte aéreo em si
ou por aqueles de seu suporte logístico, por outro lado a
prefeitura e o governo estadual estavam desobrigados de
investir em sua manutenção e de possíveis ampliações e
modernizações e, de quebra, ainda cobravam impostos dos
serviços nele prestados por terceiros.
A manutenção de um grande aeroporto por si só é
caríssima, porque o transporte aéreo se utiliza de complexa
e sofisticada tecnologia, mormente importada.
É uma tecnologia que tem evoluído rapidamente em
108

curto espaço de tempo, pois dos primeiros aviões de tela e


madeira que requeriam apenas um pequeno e simples
campo de pouso, aos grandes aviões a jato que precisam de
uma estrutura complexa e do uso de muita tecnologia,
passou-se pouco mais de quatro décadas.
Portanto, para municípios e estados os aeroportos
traziam benefícios sem que precisassem arcar com as
grandes despesas decorrentes de sua manutenção,
ampliações e modernizações.

Fonte: acervo Hélio de Oliveira

Novo aeroporto de Goiânia – Santa Genoveva - 1956

Claro que a manutenção, ampliação e


modernização do conjunto de todos esses aeroportos
demandavam vultuosos recursos por parte do DAC, que
nem sempre dispunha de fatia do orçamento da União
condizente com tal necessidade. Pelo contrário,
invariavelmente o cronograma de obras atrasava,
109

modernizações e ampliações eram proteladas, e a Aviação


Comercial, em especial, se ressentia de tal situação não
podendo ampliar seus serviços.
Caso que bem ilustra essas dificuldades à época
eram as linhas internacionais que já operavam grandes
aviões a jato, requerendo pistas mais extensas e com piso
reforçado, equipadas com modernos sistemas de pouso por
instrumento e pátios de estacionamentos de aeronaves mais
amplos.
Esse problema, então crônico, só se resolveu
com a transferência da infraestrutura aeroportuária pública
do DAC para uma empresa estatal instituída para este fim.

Fonte: Hélio de Oliveira.

Aeroporto Santa Genoveva no início de suas operações - 1957.

O SERVIÇO AÉREO DO ESTADO DE GOIÁS


110

Desde o início de Goiânia o governo estadual já


vinha utilizando aviões como forma de agilizar o
atendimento aos municípios, manter diuturno contato com o
governo central e mesmo apoiar a Fundação Brasil Central
em sua Marcha para o Oeste.
Contudo, no aeroporto antigo os seus aviões
ficavam ao relento no pátio ou guardados em hangar de
terceiros. Não existia uma estrutura de apoio própria à
aviação governamental e nem tinha um órgão específico
para administrar a sua frota de aviões.
Por isto, previu-se que no novo aeroporto fosse
feito um hangar que lhe servisse de base permanente. E,
assim, optou-se por fazer esse hangar próximo ao futuro
TPS.
Mas, por ser o aeroporto público era patrimônio da
União. Daí, qualquer instalação naquela área dependia de
concessão do DAC.
Então, o escritório de representação do governo de
Goiás no Rio de Janeiro solicitou, via Ofício 029/58 ao
Ministério da Aeronáutica, a concessão permanente do
terreno pretendido.
Em junho daquele ano o Diretor Geral de
Engenharia pediu ao Diretor Geral de Aeronáutica Civil,
ambos daquele Ministério, que informasse a concessão
definitiva ao governo goiano.
Com a posse do terreno deu-se logo início às
obras de construção do prédio e, finalmente, no dia 24-01-
1959, o Governador Dr. José Ludovico de Almeida
inaugurou o Hangar do Serviço Aéreo de Goiás – SAEG.
Em 1964, quando se modificou a estrutura dos
órgãos públicos estaduais, o Serviço Aéreo foi oficializado
como unidade administrativa.
Três anos depois foi constituído seu quadro de
111

profissionais especializados em aviação: Chefe do SAEG,


Pilotos, Radiotécnicos, Mecânico Chefe, Mecânicos de
Aviação e Coordenadores de Voo.
O governo de Mauro Borges, na primeira metade da
década de 60, adquiriu para o SAEG uma frota dos robustos
aviões Cessna 185, que tinham autonomia para chegar a
qualquer cidade goiana, agilizando sobremaneira a atuação
do governo no interior do estado.

Fonte: Hélio de Oliveira.

Frota de Cessna C-185 Skywagon do SAEG no pátio do aeroporto


de Goiânia.
Eram aviões com motor Continental de 300 hp e peso máximo de
decolagem de 1.520 kg. Tinham raio de ação superior a 1.000 km
e transportavam até seis pessoas. Podiam operar em pistas com
qualquer tipo de piso.

AVIÕES NOS CÉUS DO MATO GROSSO NOS ANOS 60


112

Em termos de infraestrutura aeroportuária, além


da inauguração do Aeroporto Internacional de Corumbá, foi
também quando se aumentou o comprimento da pista do
aeroporto de Várzea Grande para 2.300 m (depois ela foi
aumentada para 2.600 e 3.000 m) e se fez um novo prédio
para o TPS.
Era um aeroporto estratégico tanto comercial
quanto militarmente, pois se para a Aviação Comercial
servia de ponta-de-lança para os voos rumo ao sul da
Amazônia, já para a Aviação Militar servia como base de
apoio logístico aos voos que atendiam os quarteis da linha
de fronteira do sudoeste brasileiro.
Quanto a atuação da Aviação Comercial a
situação era a seguinte:
- A Real realizava seus voos por ali com os aviões Convair
340, fazendo linhas para as principais capitais do país;
- A Cruzeiro do Sul utilizava o mesmo modelo de avião em
sua linha Cuiabá, Campo Grande, São Paulo e Rio de
Janeiro, e em outra até Brasília e Belo Horizonte. Mas,
usava os então modernos birreatores Caravelles SE-210
Sud Aviation em voos diretos ao Rio de Janeiro;

Fonte: Pinterest

À frente um Caravelle da Cruzeiro do Sul com suas linhas esguias


e harmônicas, e ao fundo um Convair da Varig.
- A VASP, que tinha sido pioneira nos voos de Cuiabá para
Brasília, usava aviões suecos Saab 90 Scandia, os únicos
do mundo, também na sua linha para Belo Horizonte. Em
113

1965 passou a fazer a linha Cuiabá, Corumbá, Campo


Grande, Bauru e São Paulo com aviões usar os Curtiss C-46
Commando.
Mas, muito do movimento dos aeroportos do
Centro Oeste havia sido puxado pela recém-inaugurada
Brasília para seu grande e moderno aeroporto que prometia
maior demanda de passageiros, porque grande parte dos
altos funcionários públicos da nova capital era carioca e
invariavelmente passavam seus finais de semana no Rio de
Janeiro.
Além disto, haveria também o expressivo fluxo
de políticos e de seus assessores para todos os cantos do
país, e ainda do empresariado em busca de financiamento
público aos seus empreendimentos.
Apesar dessa debandada rumo ao Planalto
Central, o aeroporto Marechal Cândido Rondon chegou ao
ponto de operar bem acima de sua capacidade máxima,
requerendo urgente novas ampliações.
Na década seguinte o ingresso da INFRAERO
na administração dos principais aeroportos mato-grossenses
proporcionou-lhes reformas e melhorias consideráveis,
como a padronização dos procedimentos aeroportuários, a
regulamentação dos arrendamentos de áreas para serviços
aeronáuticos e comércio em geral, instalação de
balizamentos noturnos para pistas de pouso, de táxi e pátios
de estacionamento de aeronaves, construção de terminais
de carga próprios à operação com containers e
recapeamento da pista com concreto-asfalto do aeroporto
de Várzea Grande.
Com a separação do Mato Grosso do Sul, em
1977, o Mato Grosso ficou somente com um grande
aeroporto, o de Várzea Grande.

OS AVIÕES
NA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA
114

Com a intensificação do movimento de aviões no


Centro Oeste no início da Década de 50 a infraestrutura
aeroportuária disponível e as linhas aéreas que cruzavam os
céus do cerrado já permitiam contato diário com a capital do
país, o Rio de Janeiro, com o parque industrial paulista e
entre os extremos da região.
Também a proliferação de empresas aéreas que se
constituíram com os aviões Douglas DC-3 excedentes da 2ª
Guerra adquiridos a baixo custo nos Estados Unidos,
contribuiu para que o transporte aéreo participasse mais
efetivamente da ocupação do interior, proporcionando
deslocamento rápido e seguro de pessoas e carga com alto
valor agregado e, por isso, importantes para os investidores
atuantes no Centro Oeste.
Enquanto as empresas aéreas buscavam fazer
escalas nas localidades em que os investimentos na
agropecuária eram mais intensos, os aviões do Correio
Aéreo abriram rotas pelo sertão adentro até chegarem aos
extremos da Amazônia brasileira contornando as
dificuldades encontradas em diversos locais, seguindo de
São Paulo pelo Mato Grosso, Rondônia e Acre e, também,
passando por Minas, interior da Bahia até Belém. E, por fim,
a rota por Goiás com suas escalas em: Ipameri, Goiânia,
Aragarças, Santa Isabel do Morro e Porto Nacional.
Mas, na mesma época um novo acontecimento viria
a exigir do transporte aéreo uma participação maior de suas
operações no sertão goiano: a construção da nova capital
do país, Brasília, algo pensado há tempos, mas até então
não concretizado.
Transferir a capital do país para o sertão era visto
como forma de garantir maior segurança ao centro do poder
político, como também uma forma de mudar o eixo de
115

desenvolvimento do litoral para o interior (Gonçalves de Sousa,


1949).
Tem-se conhecimento de que tal idéia chegou a
constar das propostas dos inconfidentes de Minas Gerais,
em 1789 e, posteriormente, ficou expressa também na
carta de Lord Strangford ao primeiro ministro inglês Sir
George Caning, em 1808.
José Bonifácio, em 1821, em suas “Instruções do
Governo Provisório de São Paulo aos Deputados às Cortes
de Lisboa” sugeria a construção de uma cidade no interior
para abrigar a Corte e dois anos depois reafirma tal
necessidade à Assembléia Constituinte e Legislativa do
Império do Brasil, sugerindo, inclusive, o nome de
“Brasília”.
A Comissão Exploradora do Planalto Central,
chefiada por Luís Cruls, em 1894, entretanto foi a primeira
iniciativa concreta sobre uma possível mudança do centro
do poder político para o interior do país, em face do
disposto na Constituição de 24 de fevereiro de 1891,
determinando a mudança e já especificando a área onde
deveria se assentar a nova cidade.
Em 1922 o Eng.º Ernesto Balduíno de Almeida,
diretor da Estrada de Ferro de Goiás, representando o
governo da União, assentou uma placa fundida pelo Liceu
de Artes e Ofício de São Paulo na área prevista à futura
capital, o que foi considerada como a sua pedra
fundamental.
Ao governo Vargas a proposta era simpática
porque uma mudança da capital para o sertão serviria
como uma mola propulsora para a idéia de integração
nacional, de se ocupar as grandes lacunas do interior e de
se dar a devida destinação às potencialidades certamente
existentes na vastidão do território brasileiro.
Mas, foi somente após o seu governo que o
General Eurico Gaspar Dutra constituiu a Comissão de
Estudos Para a Localização da Nova Capital, chefiada pelo
116

General Poli Coelho e integrada por técnicos responsáveis


por levantamentos das características do local.
Posteriormente, na gestão seguinte, o novo
governo procurou dar andamento a esse trabalho de
localização, nomeando para dirigir um detalhado estudo
sobre a área indicada o General Caiado de Castro, e uma
das primeiras providências dele foi proceder ao
levantamento aerofotogramétrico daquele pedaço do
Planalto Central.
Tal trabalho foi completado no governo de Café
Filho, pelo Marechal José Pessoa que, no local
denominado Sítio do Castanho (onde fica o Cruzeiro, hoje),
nomeou a nova cidade de “Vera Cruz” (Kubitschek, 1975).
Desta feita, foi somente no governo de Juscelino, já
na década de 50, que se viabilizaram as condições para a
aquela ousada empreitada, a construção de uma grande,
moderna e bem estruturada capital do país.
Portanto, a longa jornada que a ideia percorreu
para ser concretizada demonstra a intensidade das
resistências que lhe foram feitas.
No governo JK além dessas pressões para a
permanência da capital no Rio de Janeiro, outras se somaram
como, por exemplo, na Força Aérea os ânimos de parte da
oficialidade não eram bons. Aliás, desde a perda de espaço
no poder político lhe imposta por Vargas os oficiais
“tenentistas” estavam inconformados com os rumos da
política e isso se incrementou na medida em que as idéias
liberalizantes ganhavam espaço e produziam efeitos na
condução política do país (Siqueira, 1990).
Nas fileiras da Força Aérea o reflexo de tal situação
resultou na ocorrência da primeira crise do governo de JK,
logo na sua segunda semana, quando esse segmento da
oficialidade inconformado com uma artimanha política que
garantiu em 11-11-1955 a posse do presidente, iniciou uma
rebelião, decolando alguns deles com um avião Beechcraft
18 do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, com uma
117

escala em Uberaba, dali cruzaram os céus goianos e foram


pousar em Aragarças, de onde decolaram para um campo
na Serra do Cachimbo, no sul do Pará e, finalmente, em
Jacareacanga (PA), no dia 11-02-1956.

Fonte: Wanderley, NFL.

Santarém, Jacareacanga e Aragarças, em tempos distintos,


serviram de palcos às duas revoltas propiciadas por oficiais da
FAB insatisfeitos com o governo JK.
Distantes do centro do poder, eram vistas pelos revoltosos como
possíveis focos irradiadores de insatisfação no âmbito da Força
Aérea.

Os líderes da rebelião eram: Major Haroldo


Coimbra Veloso, Major Paulo Victor e Capitão José Chaves
Lameirão. Esperavam esses oficiais que outros colegas
118

postados em diversas unidades militares aéreas os


seguissem provocando uma reação em cadeia, que
culminaria com a deposição do governo Juscelino.
Os revoltosos chegaram a ocupar o aeroporto de
Santarém, no médio Amazonas. Contudo, dia 29 do mesmo
mês a falta de grande adesão e a reação militar legalista
provocaram a rendição de uns e a fuga de outros dos
revoltosos para a Bolívia em um voo direto para Santa Cruz
de La Sierra (Bolívia), em um avião Douglas C-47
(Wanderley, 1975; Leite Pereira e Faria, 2002). E assim
terminou a rebelião.
É, pois, notório que pelo menos parte da Força
Aérea parecia não se sentir muito à vontade no governo de
Juscelino1, embora tivesse de acatar suas decisões por
obediência ao dispositivo constitucional que definia o
Presidente da República como o Comandante Supremo das
Forças Armadas e, evidentemente, estar Juscelino apoiado
pelo Ministro da Guerra, Marechal Lott.
Como a construção e mudança da capital com
certeza implicariam em um diuturno uso do transporte aéreo,
subordinado ao Ministério da Aeronáutica, a cooperação dos
comandantes da Pasta para se alcançar o êxito da
empreitada era necessária.
Essa cooperação foi obtida, como os
1
Quando Wanderley escreve: “... inconformados com os rumos
políticos que aquela posse representava, rebelaram-se; esse ato,
aparentemente isolado, era uma manifestação de oficiais que
pertenciam a uma numerosa corrente no seio das Forças
Armadas, principalmente na Força Aérea e na Marinha; eles
tinham a esperança de que a rebelião de Jacareacanga
deflagrasse uma série de outros levantes, que, se não
comprometessem a estabilidade do novo Governo, pelo menos lhe
causariam grandes dificuldades e muito desprestígio...”(Lavenére
Wanderley, 1975), expressa o espírito que tomava conta de
setores da Força Aérea à época.
119

acontecimentos a serem relatados atestam. Entretanto,


acompanhando vários outros ministérios que mantiveram
gabinetes e órgãos seus de alto escalão no Rio após a
mudança, o da Aeronáutica também assim o fez, indicando
que o definitivo estabelecimento do governo no Planalto
Central continuaria encontrando óbices também de parte da
oficialidade da FAB.
Os aviadores do Campo dos Afonsos eram
defensores da interiorização do país, como ficou patente
pelas suas posições tomadas no decorrer dos anos 30 e 40.
Mas, a idéia da transferência da capital federal não era
compartilhada por todos eles. Assim, com certa tensão a
Aviação Militar iniciava sua participação na construção de
Brasília.
Mas, independentemente de contar ou não com o
pleno apoio da oficialidade da Força Aérea, que seria
importante no seu projeto de construção e transferência da
capital federal, o governo deu sequência às ações
preliminares que forneceriam suporte à portentosa
empreitada.
Segundo o próprio Juscelino Kubitschek a decisão
de construir Brasília aconteceu em decorrência de um seu
discurso por ocasião da campanha eleitoral em Jataí, no
Sudoeste goiano.
Ao ser inquirido se cumpriria o disposto na
Constituição sobre a mudança da capital para o interior,
respondera que sim.
Porém, como revelou a seguir, tal afirmação “fora
política até certo ponto”. Porque, a partir de então,
conhecendo o país de cima, quando o percorria de avião
naquela campanha, percebeu que dois terços do território
“ainda estavam virgens da presença humana” e concluiu
que a questão seria “forçar o deslocamento do eixo do
desenvolvimento para o Planalto Central” (Kubitschek,
1975).
Uma vez eleito, ao elaborar seu Plano de Metas,
120

ele acrescentou a construção de Brasília, e às 23 h do dia


17-04-1956 decolou em um avião Douglas DC-3 para
Goiânia onde pretendia assinar a mensagem de
encaminhamento do projeto de lei da construção da nova
capital para o Congresso Nacional.
O voo realizado durante o período noturno chegou
sobre Goiânia no alvorecer, onde as autoridades locais e
populares aguardavam a comitiva presidencial para a
assinatura daquele importante documento.
Entretanto, a formação súbita de um nevoeiro
sobre aeroporto ocasionou o seu fechamento para
operações aéreas devido a total falta de visibilidade e teto
e, assim, o avião com a comitiva, frustrando as expectativas
daqueles que aguardavam o seu pouso, tomou o rumo
nordeste e se dirigiu para a pista mais próxima, a de
Anápolis.
No aeroporto anapolino, porém, ninguém esperava
pelas autoridades e, então, somente um pequeno grupo de
pessoas presenciou a assinatura do documento e
subscritaram a ata mandada lavrar pelo próprio Juscelino.
Dali ele decolou com destino à Manaus (Kubitschek, 1975).
O governador de Goiás, José Ludovico de Almeida,
interessado na concretização da idéia da mudança da
capital do país para o Planalto Central, já havia se
antecipado no sentido de viabilizar o terreno destinado à
nova cidade, baixando o Decreto nº 480, de 30-04-1955,
instituindo a Comissão de Cooperação para a Mudança da
Capital Federal, tendo como seu presidente Altamiro de
Moura Pacheco e cujo objetivo principal era a aquisição das
terras necessárias à constituição do novo Distrito Federal, o
que começou a se proceder com a implantação de um
escritório móvel onde se fechavam os negócios da aquisição
das terras de terceiros pelo governo de Goiás.
Até 1956 a Comissão já havia adquirido 25.000
alqueires de terras no Planalto Central destinados à
construção da nova capital, sendo terras de diversos
121

municípios vizinhos.
Em outubro do mesmo ano Juscelino resolveu
visitar o local previsto para a construção e, a bordo do velho
Douglas C-47, decolou do Rio de Janeiro para o Planalto
Central com sua comitiva: General Teixeira Lott, Ministro da
Guerra; Comandante Lúcio Meira, Ministro da Viação e
Obras Públicas; General Nelson de Melo, Chefe da Casa
Militar; Israel Pinheiro, Presidente da NOVACAP (companhia
estatal responsável pela administração da construção de
Brasília); Ernesto Silva, também da NOVACAP; Balbino de
Carvalho, Governador da Bahia; Brigadeiro Araripe Macedo,
aquele que, como tenente, havia feito o primeiro pouso do
CAM em Goiás; Regis Bitencourt, Diretor do Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem; Oscar Niemeyer,
professor da Escola Brasileira de Arquitetura; Comandante
Marcelo Ramos, ajudante de ordens do presidente; Major
Dilermando, Sub-Ajudante e o Engº Saturnino de Brito.
Outros dois aviões rumaram para o local,
conduzindo jornalistas e autoridades de Goiás. Era uma
frota grande para o pequeno campo de aviação denominado
“Vera Cruz”, implantado no ponto mais alto da área, no Sítio
do Castanho, local onde fora erigido um cruzeiro.
Na aproximação da estreita faixa de terra vermelha,
o avião presidencial abaixou o trem de pouso e deslizou em
direção à cabeceira da pista. Aos solavancos, devido às
irregularidades do terreno, foi perdendo velocidade e
taxiando para um local à margem da pista que lhe serviria
de área de estacionamento.
Convém explicar que aquela operação com um
velho avião de transporte militar, remanescente da 2ª Guerra
Mundial, para um destino desprovido de qualquer auxílio
rádio à navegação aérea e com o pouso em uma pista
diminuta, sem pavimentação, improvisada em curto espaço
de tempo e tendo a bordo o Presidente da República com
elementos do alto escalão dirigente do país, era no mínimo
uma temeridade. Contrariava todas as normas de segurança
122

devidas aos deslocamentos da maior autoridade do país.


Mas, a decisão de ali pousar foi do próprio Juscelino
(Pacheco, 1975).
Como conceber que o próprio presidente quebrasse
as normas de segurança exigidas pelo cargo, para se
aventurar em arriscada operação aérea onde, diante da
probabilidade de um acidente, não haveria como socorrê-lo
convenientemente?
Em sua obra intitulada “Por que construí Brasília”
ele relata detalhes de operações de vôo, mais atinentes a
um tripulante que a um mero passageiro, demonstrando ser
afeito aos riscos inerentes à atividade aérea.
Juscelino considerava-se portador do espírito de
aventura, que acreditava ser uma característica do
bandeirante e, por isso, não demonstrava maiores
preocupações com os cuidados devidos à sua pessoa,
enquanto desempenhando a função de autoridade máxima
do país.
E por mais incrível que fosse tais arrojos provocava
um misto de suspense e admiração por parte dos que o
acompanhavam, como quando, à beira da pista de pouso, o
General Lott lhe perguntou: “Presidente, o senhor vai
mesmo construir Brasília?” (Kubitschek, 1975).
Duarte da Silva (1997) comenta que “o que
realmente possui o herói é a necessidade silenciosa do
desafio.” E talvez aí possa estar o caráter das empreitadas
de JK. Via-se como o herói do progresso do interior em
busca de desafios e, assim, perseguia objetivos audaciosos.
Logo após o pouso do Douglas do presidente,
Altamiro decolou em um pequeno avião Cessna
monomotor com o Brigadeiro Araripe Macedo, para fixar o
local da construção do primeiro aeroporto da nova cidade
que, segundo pretensão do presidente, deveria ter uma
pista de pouso de 3.300 metros de comprimento, capaz de
suportar pousos de grandes aviões comerciais procedentes
do exterior.
123

Enquanto isso, Juscelino embarcou em um outro


pequeno avião monomotor pertencente ao governo de
Goiás e foi sobrevoar o planalto a baixa altitude, para
observar a área onde seria construída a capital.
Relatou que ao fazer vôos dessa natureza,
inclusive durante sua campanha eleitoral para o cargo de
presidente, admirava-se com a extensão do Brasil, com as
grandes possibilidades que acreditava oferecer as variadas
regiões e com as enormes diferenças que, então, percebia
ele guardar entre si.
Por isso, revelou sentir reforçado o seu desejo de
promover a integração nacional de forma que, unido, o país
pudesse sair do “subdesenvolvimento de que
historicamente estava acometido”.
Uma vez que o próprio presidente assumia o desejo
de promover a integração nacional e, para tanto, projetava
ações visando atingir tal objetivo, recorria, assim, à condição
de principal agente da ocupação do interior, reprisando as
intenções de Vargas.
O projeto de lei redigido por Santiago Dantas e
aprovado no Congresso outorgava à Presidência da
República poderes para proceder a construção e mudança
da capital de forma autônoma, tornando ineficazes as
tentativas da oposição de influir no processo.
Guilherme Velho, quando trata deste aspecto dessa
questão, procura estabelecer vínculo entre a atuação de
Juscelino no governo e as habituais práticas autoritárias da
política brasileira inculturadas desde o Estado Novo:

“De um ponto de vista liberal Brasília e a estrada Belém-


Brasília eram totalmente injustificáveis. Não eram
‘economicamente viáveis’ e os recursos que engoliram
deveriam ter sido utilizados, de acordo com a
racionalidade liberal, nas partes já ocupadas do país. O
fato de terem sido construídas, apesar de toda a
oposição despertada e que se refletia largamente no
Congresso, é certamente um indicador forte do
124

autoritarismo subjacente a um governo considerado um


dos mais liberais (no sentido político) que o Brasil já
teve” (Guilherme Velho, 1976).

De fato, utilizando os artifícios proporcionados por


resquícios da legislação herdada da Era Vargas, o governo
de JK moldou um projeto no qual, uma vez votado e
aprovado no Congresso, dava-lhe trela para comandar não
só a construção e a mudança da capital, como também as
obras adjacentes que complementaria a ocupação do
Centro-Oeste e sua ligação definitiva com o Sudeste, no
caso as rodovias:

- Brasília-Belém;
- Brasília-Acre;
- Brasília-Manaus;
- Brasília-Belo Horizonte;
- Brasília Uberlândia; e
- Brasília-Goiânia.

É o próprio Juscelino quem relata o espanto do


renomado escritor francês André Malraux diante da
possibilidade da construção e mudança de uma capital nas
circunstâncias em que o Brasil parecia viver:

“Como o senhor conseguiu construir esta cidade em


pleno regime democrático, Presidente? Obras, como
Brasília, só são possíveis sob uma ditadura”
(Kubitschek, 1975).
125

Fonte: http://doc.brazilia.jor.br

Pista de pouso junto ao Catetinho, residência presidencial no


canteiro de obras da nova capital.
126

FUNÇÃO DA AVIAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA


E NA MUDANÇA DA CAPITAL

Para Vargas o transporte aéreo foi um instrumento


da modernidade operando no interior do país, com objetivos
múltiplos: possibilitar a autoridade do governo chegar
aquelas plagas, levantar dados sobre a situação sócio-
política do interior do país, servir de propaganda às
possibilidades da tecnologia industrial, promover junto à
gente daquela terra a idéia de que essa tecnologia que
poderia trazer comodidades estava vinculada ao poder
central e, também, auxiliar na ocupação dos espaços vazios
fazendo o transporte de carga com alto valor agregado.
Serviu-se bem desse instrumento através dos
aviadores militares do Campo dos Afonsos que, no afã de
aventura, procuravam meios de concretizar seus ideais dos
quais, um deles, dizia respeito à necessidade da unidade da
nação em torno de uma única identidade, como base
imprescindível à segurança nacional.
A posterior cisão entre tais objetivos dos militares e
os defendidos pelos segmentos liberais que apoiavam o
governo Vargas findou por reforçar no meio da caserna um
sentimento que estava se inserindo no caráter militar
brasileiro, desde a reorientação doutrinária imposta à Escola
Militar do Realengo, pelo general José Pessoa: servir à da
Pátria e não aos interesses dos políticos que transitam pelo
governo.2
2
Essa característica do militar brasileiro a partir de tal momento,
mantendo certa reserva quanto à atuação de homens da política
no desempenho de funções públicas de expressão, veio contribuir
para a constituição do que viria a ser conhecido como “Linha
Dura” no meio dos comandantes militares da década de 70, que
127

Por isso, na ocasião em que Juscelino se propôs a


construir Brasília, setores da Força Aérea viam o assunto
com reserva, pois pautavam sua participação na empreitada
por uma questão única de patriotismo, como atesta o
sucedido com a Comissão de Cooperação para a Mudança
da Capital Federal, em agosto de 1956, por ocasião da
excursão de pessoal do Instituto Eletrotécnico de Itajubá ao
sítio da futura capital para proceder aos estudos e a
elaboração do projeto hidroelétrico do aproveitamento da
cachoeira do rio Paranoá, com o fim de gerar energia para a
cidade que ali se construiria.
O deslocamento da equipe de Itajubá à São
Lourenço foi realizado de ônibus e dessa cidade para
Goiânia em três aviões, sendo dois da Força Aérea e um da
empresa aérea Nacional, cuja contratação deste último ficou
a cargo do governo goiano. Segundo relatou o presidente da
Comissão:

“Os aviões da FAB foram conseguidos, depois de muito


trabalho com o Sr. Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro
Henrique Fleiuss, graças a atuação dos srs. Deputados
Castro Costa, Emival Caiado e Dr. Ernesto Silva,
Presidente da Comissão de Localização da capital
Federal [...] ficou o pessoal à espera dos aviões da FAB
para retorno que apesar dos esforços conjuntos das
autoridades goianas e do Rio de Janeiro terem feito tudo
para com o Sr.Brigadeiro Henrique Fleiuss, Ministro da
Aeronáutica, estes, os aviões falharam, não
compareceram” (Pacheco, 1975).

Aquele trabalho de estudos para a construção de


uma usina hidroelétrica, a fim de prover a nova capital da
necessária energia elétrica, constava do projeto de
Juscelino para a consecução das obras.

não viam com bons olhos o retorno dos políticos ao poder. Jorge
Boaventura da Silva, Op. Cit.115.
128

Cabia à Força Aérea prover a equipe técnica do


Instituto de Itajubá do transporte para seu deslocamento de
ida e volta ao Planalto Central. Contudo, o retorno só foi
possível através da intervenção do governo de Goiás que
acabou por custear todas as passagens aéreas da equipe
em aviões da Nacional.
Apesar dos percalços o uso que Juscelino pretendia
para o transporte aéreo durante a construção não abrangia
toda a gama de finalidades pretendidas na Era Vargas, mas
somente que servisse de meio de transporte propriamente
dito e de forma intensa, já que todo deslocamento de
pessoas e de equipamentos, cuja presença no canteiro de
obras fosse requerida com certa urgência, precisaria ser
realizado por via aérea.
E a utilização do transporte aéreo não ficaria restrito
ao emprego de aviões cargueiros da FAB, mas durante toda
a empreitada aconteceria o uso diuturno de pequenos
aviões civis no apoio aos mais variados serviços, por serem
versáteis e pousarem em espaços curtos e mal preparados.
Assim, o governo de Goiás tornou-se o principal
provedor desses pequenos aparelhos, que passaram a atuar
tanto no canteiro de obras de Brasília, como nas frentes de
abertura das estradas que eram construídas ao mesmo
tempo.
O governador José Ludovico, os Engºs Jerônimo
Coimbra Bueno e Bernardo Sayão eram usuários assíduos
dos versáteis “teco-tecos”.
As autoridades goianas acostumaram-se ao uso
deles em suas viagens às cidades dos diversos recantos do
estado, bem como para o envio de funcionários e remessa
de correspondência oficial.
A própria Comissão de Cooperação para a
Mudança da Capital Federal, instituída pelo governo goiano,
durante seus trabalhos de levantamento e de aquisição das
terras serviu-se em várias oportunidades dos pequenos
aviões para o deslocamento de seus integrantes e para
129

obter do alto uma visão completa de terrenos em estudo.


Serviam à essa Comissão dois jipes, dois tratores,
uma motoniveladora e 20 trabalhadores cedidos pelo
Departamento de Estradas de Rodagem de Goiás –
DERGO, um avião Cessna 310 de seis lugares, fornecido
pela Presidência da República e um outro C-170 do governo
de Goiás, que eram empregados em apoio à construção de
campos de pouso em fazendas e na construção de uma
pequena rede de estradas de rodagem.
Na cidade de Planaltina o escritório da Comissão foi
abrigado na sede do Aeroclube local, cedida pelo seu
presidente, Sr. Epaminondas Lopes da Trindade.
O uso dos aviões da Comissão para o transporte de
autoridades e funcionários que se dirigiam ao Planalto
Central dava-se entre os aeroportos de Goiânia, Anápolis,
Fazenda do Gama e Vera Cruz, estes dois últimos dentro do
perímetro do sítio da nova capital.
Assim, durante o ano de 1956 esses aviões
transportaram em viagem de serviço ao Planalto Central
personagens importantes à consecução do projeto da nova
capital:
- uma caravana de técnicos do Ministério da
Agricultura, em 03 de agosto, que sobrevoaram o vale do rio
São Bartolomeu e tributários da margem direita, pousando
no campo Vera Cruz e no do Gama;
- o Ministro do Trabalho, Dr. Persival Barroso e
comitiva, em 06 de agosto, sobrevoando a cachoeira do
Paranoá, a fazenda do Gama e a cachoeira da Saia Velha;
- o Brigadeiro Jussaro e comitiva, em 23 de agosto,
que excursionou pela área onde seria construída a cidade;
- o próprio Juscelino ao realizar sua primeira visita
ao local, subiu no C-170 junto com Altamiro Pacheco para
visualizar, de cima, onde seria construído o futuro palácio do
governo, um hotel para atender aos viajantes em negócios
ou em turismo e onde seria construído o aeroporto
internacional;
130

- Israel Pinheiro, em 5 de outubro, procedente de


Goiânia, pousou em um dos aviões no Vera Cruz e de lá,
sobrevoou a estrada que liga Luziânia à Anápolis,
verificando o seu percurso;
- a equipe do Instituto Eletrotécnico de Itajubá
utilizou esses aviões várias vezes: no dia 12 de outubro no
trajeto de Goiânia para Luziânia, no dia seguinte para
sobrevoar toda a região do Planalto Central e no dia 17 para
sobrevoar do rio São Bartolomeu ao Paranoá e até o Gama.
Uma participação especial dessa Comissão, desta
feita não com seus aviões, mas utilizando-se dos serviços
aerofotogramétricos da empresa aérea Cruzeiro do Sul, foi a
definição do traçado provável do prolongamento da estrada
de ferro para o futuro Distrito Federal.
Assim, os pequenos aviões da Comissão prestaram
serviços de transporte em situações diversas durante o ano
de 1956, como verdadeiros “jipes aéreos”, sem o que,
certamente, aqueles trabalhos preliminares da construção
da nova capital demandariam anos para serem concluídos,
inviabilizando, então, o que Juscelino chamou de sua Meta-
Síntese: a mudança da capital federal para o sertão goiano
durante seu mandato.
É pertinente esclarecer que a aviação civil
brasileira, sendo subordinada ao Ministério da Aeronáutica,
estava escalonada em segmentos definidos conforme a
importância da atuação de cada no contexto político e
econômico: a Força Aérea Brasileira, destinada à segurança
do espaço aéreo e à execução dos serviços do correio
aéreo; o transporte aéreo comercial de linhas regulares,
realizado pelas empresas aéreas constituídas
exclusivamente para tal fim; e a denominada Aviação Geral,
incluindo todos os aviões não participantes dos dois
primeiros segmentos citados e, evidentemente, os pequenos
aviões civis utilizados em diversas atividades no interior do
país.
Durante a construção os aviões da FAB foram
131

muito utilizados para os deslocamentos realizados nos


trechos maiores, como Brasília-Rio de Janeiro, Brasília-São
Paulo e Brasília-Belo Horizonte.
Já os pequenos aviões da chamada Aviação Geral,
tiveram uma atuação mais intensa principalmente nos
pequenos deslocamentos de técnicos e funcionários, nos
inúmeros sobrevôos de inspeção do andamento das obras,
nos lançamentos de víveres, remédios, peças e materiais
diversos às frentes de abertura das estradas e na
evacuação de acidentados em trabalho para hospitais em
Goiânia.
Já a aviação comercial de linhas regulares somente
viria a se inserir nos projetos do governo com uma
participação mais efetiva com a inauguração de Brasília,
quando já havia condições de estabeleceram escalas no
novo aeroporto, proporcionando transporte rápido, seguro e
mais confortável para outras cidades a quem tivesse poder
aquisitivo para tal, ou para funcionários públicos do alto
escalão do governo e políticos, cujas despesas com
passagens eram arcadas pelos cofres da União.
Assim, a participação do avião na construção de
Brasília começou a acontecer através dos inúmeros
deslocamentos de autoridades e técnicos ao Rio de Janeiro,
Goiânia e Anápolis até o canteiro de obras, sobrevoarem o
sítio da nova capital procurando visualizá-lo com a finalidade
de estudar algum aspecto interessante ao andamento das
obras e ao transporte de equipamentos considerados de
presença urgente à continuidade dos trabalhos.
Um uso constante do avião se deu por parte do
presidente que, ao final, acabou por transformar um deles
em um gabinete de despachos da Presidência da República.
132

Fonte: Putkamer, J.

O recém-construído aeroporto de Brasília, ainda um canteiro de


obras, começou a receber aviões das empresas aéreas que no
início acreditaram nas possíveis potencialidades do mercado,
principalmente na rota para o Rio de Janeiro.
133

É o próprio Juscelino quem conta:

“Naquela época, eu ia a Brasília duas a três vezes por


semana. O Viscount fora adaptado para ser um
verdadeiro gabinete de trabalho. Possuía uma sala de
despachos, um compartimento para convidados e, na
cauda, um quarto, com cama, guarda-roupa e toalete. E,
além de mais conforto, o Viscount oferecia a vantagem
da velocidade: 450 quilômetros por hora, ao invés dos
200 do DC-3” (Kubitschek, 1975).3

E, mais adiante, complementa:

“Cada dois dias eu fazia uma viagem a Brasília, para


fiscalizar as obras e estimular, com minha presença, a
atividade dos candangos. Como não podia deixar o Rio
durante o dia, esperava o fim do expediente para tomar o
avião que me levaria ao Planalto. Chegava lá às 10 ou
11 horas da noite. Percorria, então, as obras até às 3
horas da madrugada, quando tomava, de novo, o avião e
vinha acordar no Rio, para o início de novo expediente.
Durante dois anos fiz 225 viagens desse gênero”
(Kubitschek, p. 81, 1975).

Portanto, percebe-se daí que se o presidente fosse


depender de transporte terrestre para administrar a
3
O Vickers Viscount era um avião de quatro motores turbohélice,
com capacidade para transportar mais de 50 passageiros, cuja
segurança era reconhecida pelas melhores empresas
internacionais de aviação e, por isso mesmo, foi a opção de JK que
precisava se deslocar constantemente à Brasília, substituindo o
velho Douglas C-47 da FAB. O Viscount foi incorporado ao Grupo
Especial de Transportes do Gabinete do Ministro da Aeronáutica e
depois foi substituído pelo birreator BAC-111 que, posteriormente,
deu lugar ao Boeing 737/200. Permaneceu fazendo verdadeira
“ponte aérea” entre Brasília e Rio de Janeiro, transportando
funcionários públicos, até o início da década de 90.
134

construção da nova capital, a quantidade de suas viagens


seria bastante reduzida e, em conseqüência, teria de deixar
o gerenciamento dos trabalhos a cargo de auxiliares.
Porém, em pelo menos quatro vezes Juscelino
repete em seu livro o temor que tinha sobre a possibilidade
da mudança da capital não acontecer, caso ele não
conseguisse concluir a construção da cidade até o final de
seu mandato, visto que sabia da tendência dos políticos
brasileiros de não dar continuidade às obras inacabadas de
gestões anteriores às suas, além da resistência existente
por parte da oposição com relação à mudança da capital.
Desta feita, sua afinidade com o transporte aéreo
se fez desde antes de se iniciarem as obras, quando da
inspeção do local onde seria construída Brasília, por todo o
período da mudança e até depois da inauguração da cidade.
Por isso, uma das primeiras providências que
tomou naquela área, foi a de mandar construir três pistas de
pouso para os aviões: a do campo Vera Cruz, no Cruzeiro; a
do Catetinho, na fazenda do Gama, onde mandou instalar
uma estação-rádio de apoio e um rádio-farol balizador para
a navegação aérea, além de uma modesta, mas confortável,
estação de passageiros e a acelerada construção do
aeroporto internacional da cidade com uma pista cujo
projeto era de 3.300 metros de comprimento.
Vieira de Sousa (1999) relata que foram
transportados em aviões do CAN, no decorrer da construção
da cidade, “milhares de toneladas de material de
construção, máquinas pesadas e milhares de passageiros
do governo”, por falta de ligações terrestres ou fluviais com
aquele canteiro de obras no Planalto Central e que distava
1.200 quilômetros da então capital Rio de Janeiro. Porém, o
autor não cita registros oficiais ou outra fonte que
contenham dados sobre a natureza e a quantidade da carga
transportada por via aérea para Brasília naquele período. É
o próprio Juscelino que em seu livro nega parte do fato,
citando que:
135

“A imprensa acusou-me acerbamente, alegando que


fazia transportar por via aérea material de construção,
destinado a Brasília. A alegação era tão inverídica
quanto maliciosa. Tratava-se de mais uma deturpação,
visando a fins políticos. O que os aviões da FAB
levaram, na realidade, foram artigos de escritórios –
papéis, pastas e arquivos, para o trabalho dos
engenheiros – e alguns itens prioritários, como pequenos
geradores, destinados a iluminar os primeiros barracões
ali construídos. Seguiram igualmente, componentes
eletrônicos, para a instalação de um primitivo sistema de
comunicações. Foi só” (Kubitschek, 1975).

A falta de registros detalhados sobre cargas


transportadas com destino àquela vultosa obra, talvez seja em
função da preocupação de se preservar somente o que
pudesse constituir a memória oficial sobre os acontecimentos
que, em geral, expressaram os acertos na conduta
governamental para o setor, como é de praxe no meio político.
Desta feita, os poucos registros encontrados versam
sobre quantidades absolutas de carga aérea transportada por
todo o país em períodos determinados.
A profusão maior de registros é sobre os feitos dos
novos “bandeirantes do ar”, sobre a constituição de empresas
de aviação e sobre a evolução da máquina aérea. Não é
comum, pois, a historiografia a respeito do setor.
JK também cita o uso do helicóptero no canteiro de
obras de Brasília, cuja aquisição desse tipo de aparelho foi
realizada pelo Ministério da Aeronáutica por sua ordem,
visando o seu próprio transporte durante as inspeções que
ali fazia e para proporcionar a visitantes ilustres, como foi o
Secretário de Estado Norte-Americano, uma visão mais
completa da sua Meta Síntese (Kubitschek, 1975).
Por todo o período da construção foram de avião ao
canteiro de obras para visitação sete chefes de diversas
nações que, dali, saíram admirados com a dinamicidade do
trabalho em andamento (Kubitschek, 1975).
136

Assim, o que se percebe é que o uso do avião na


construção da nova capital foi intenso no deslocamento de
autoridades e técnicos do governo e das empreiteiras, ou
seja, de quem dirigia os trabalhos.
A maioria dos tripulantes desses aviões que
serviam a esses dirigentes eram militares da FAB, o que
completava o sentido hierarquizante do uso da aviação
naquela circunstância.
Cada vez que o candango assentador de tijolos,
cortador de madeira ou tratorista, levantava os olhos para
cima e via passar um avião saindo ou chegando, reforçava a
assimilação do seu lugar na pirâmide dos construtores
daquele pedaço de país.
O “estar a bordo” indicava a eles um nível elevado
na escala hierárquica do poder.
O avião ali não se apresentava mais como uma
novidade da tecnologia industrial a conquistar corações
sertão adentro, nem como meio de coletar dados no interior
para subsidiar as ações de governo, menos ainda como
instrumento de convencimento aos resistentes oligarcas
regionais, como fora na Era Vargas.
Naquela grande obra ele apresentava-se mais
como um indicativo da presença da autoridade, de quem
definia ideais, os rumos para concretizá-los e qual a
participação de cada uma das células do imenso corpo
social da Pátria naquele macroprojeto de interiorização do
país.
Assim, o avião vestiu terno e gravata e passou a
fazer parte do poder político.
137

Fonte: Putkamer, J.

O “estar a bordo” indicava nível elevado na hierarquia do poder.


O simbolismo que esse fato passou a expressar acabou
incorporado à “liturgia” do cargo de presidente, com uma breve
solenidade no embarque e desembarque, ocasiões em que ele é
acompanhado pelo Vice-presidente e pelo Comandante da Base
Aérea de Brasília à porta do avião.
138

JK pretendeu o uso do avião na construção apenas


como um seu eficiente meio de transporte, para a pressa
que tinha em iniciar e concluir a obra no curto espaço de
tempo de sua gestão presidencial.
A caneta de Santiago Dantas já lhe proporcionara
meios legais suficientes para exercer autoridade à
construção e mudança da capital, mas sem dúvida que o
avião ajudava muito nesse simbolismo do poder, por já estar
no imaginário popular desde quando os Pilotos Aviadores do
Exército passaram a indicar a presença da autoridade
governamental no interior do país.
A constituição na Base Aérea de Brasília de um
Grupo Especial de Transporte, subordinado diretamente ao
Gabinete do Ministro da Aeronáutica, provido somente de
aviões executivos4, cuja finalidade foi realizar o transporte de
altas autoridades do governo, como os chefes dos poderes
executivo, legislativo e judiciário e ministros de estado,
caracterizou bem a simbologia anexada a esse tipo de
transporte.
Essa simbologia findou por ser incorporada pelo
empresariado em geral que, incluindo no acervo da direção
de suas empresas aviões executivos, não só passaram a
dispor de um rápido e eficiente meio de transporte para
atender a compromissos distantes e urgentes, mas também a
expressar a dimensão de seu poder, pois quanto mais
moderno, maior, mais potente, com maior autonomia e mais
luxuoso o avião, mais cara é a sua aquisição e a sua
manutenção, ensejando, pois, que seu proprietário disponha

4
Um avião é dito “executivo” quando seu propósito é servir ao
transporte de pessoas em cargo de alta direção de uma
organização empresarial ou governamental. São aviões
modernos, em cujo interior da cabine de passageiros é montado
um gabinete de despachos, sala de reuniões ou mesmo
acomodações para repouso. No caso dos aviões do GTE eles
dispõem de ambientes próprios a esse perfil de passageiro.
139

de polpudos recursos financeiros para mantê-lo.


A partir de então, a revoada de aviões executivos
pertencentes a empresários à Brasília passou a ser uma
demonstração do íntimo vínculo entre os poderes político e
econômico.
Os aparelhos que faziam o transporte executivo
mormente eram de fabricação norte-americana: Piper,
Cessna, Beechcraft, Curtiss e Lockheed e, evidentemente,
os helicópteros que Juscelino havia ordenado à Aeronáutica
adquirir, para seus vôos sobre o canteiro de obras e que lhe
proporcionavam pousos em meio às construções.
Já para o transporte de carga e passageiros entre a
nova capital e o Sudeste do país eram utilizados os
bimotores Douglas DC-3/C-47, Curtiss C-46 Commando,
Fairchild C-82 Packet e Beechcraft 18.
Quanto à aviação comercial somente duas
empresas passaram a fazer escala, a partir de 1957, nas
cercanias de Brasília, mais para atender as empreiteiras que
atuavam no canteiro de obras da nova capital: A Real, com
aviões DC-3 e a VASP, com aviões suecos Scandia, em
Planaltina (Pereira, 1987). Mas, elas não consideravam a
operação em Brasília viável economicamente e, assim, não
se arriscaram a estabelecer linhas aéreas regulares {a
capital em construção.

SAAB SCANDIA da VASP Fonte: :Saab world forum

Do transporte das altas autoridades do país que


140

viajavam à Brasília para conhecer ou realizar algum


trabalho, desde o início das obras, em 1956, até o ato
simbólico da inauguração, em 1960, os aviões passaram a
conduzir técnicos, engenheiros, funcionários e mesmo
trabalhadores cujas presenças no canteiro de obras requeria
certa pressa.
Decolavam dos aeroportos do Rio de Janeiro -
Santos Dumont e Galeão - lotados e, da mesma forma
retornavam, em um vai vem contínuo, realizando, o mesmo
aparelho, por vezes, até mais de um voo diário.
O esquema montado assemelhava-se muito à
logística de guerra, em que o transporte de suprimentos à
frente de combate é ininterrupto.
A via aérea oferecia a vantagem da rapidez, pois
pelas vias terrestres o tempo de viagem podia se estender a
dias. Em tal caso o melhor acesso era através da ferrovia
até Anápolis e, daí em diante, em caminhões que rodavam
em estradas de terra até o canteiro de obras e, só nesse
percurso de uns 150 km, dispendiam mais de seis horas de
viagem quando não chovia, pois, daí o leito da estrada
ficava intransitável.
Era evidente que o custo desse transporte feito por
via aérea onerava muito o produto final da construção,
porque a disponibilidade de carga de um avião quanto a
peso e volume é mais limitada que nos meios de transportes
rodoviário e ferroviário.
Porém, estes não ofereciam condições satisfatórias
para atender a urgência que Juscelino tinha em concluir sua
obra no curto espaço de tempo, como desejava. Borges
relata com propriedade a difícil situação de manter suprido o
canteiro de obras de Brasília:
141

“Com o projeto de construção de Brasília, a E.F. Goiás


deveria desempenhar um papel relevante no transporte
de materiais e de pessoal para a edificação da nova
capital. Todavia, a morosidade no reaparelhamento das
linhas e a distância entre o terminal ferroviário de
Anápolis e o canteiro de obras de Brasília limitaram a
ação da ferrovia no atendimento da demanda de
transporte da nova capital. A maior parte do pessoal e do
material de construção acabou sendo transportada em
caminhões. A precariedade do sistema ferroviário foi
denunciada pela imprensa da época. Sobre uma das
viagens de trem ao Planalto Central, ‘O Globo’ de 3 de
setembro de 1958, estampava a seguinte manchete:
‘Três dias de trem moroso separam o Rio de Brasília.’
Uma viagem para Brasília, saindo do Rio, chegava ao
terminal ferroviário de Anápolis depois de mais de
sessenta horas de viagem. Segundo o ‘Jornal de
Notícias’, de 22 de agosto de 1958, mais seis horas
percorridas em ônibus ou caminhões, e alcançava-se o
canteiro de obras da nova capital” (Borges, 2000).

Por tais condições de tráfego rodoviário e


ferroviário, o transporte aéreo deslocava pessoas e cargas
cujas presenças no local da construção garantiriam o
cumprimento do cronograma do governo.
Os aviões se revezavam no ainda acanhado pátio
de estacionamento de aeronaves do aeroporto, carregando
e descarregando grupos heterogêneos de profissionais que
participavam da construção daquela obra bem em meio ao
sertão.
Os aviões do CAN eram próprios para esse tipo de
serviço, uma vez que seus interiores eram configurados
para carga e a ampla porta de duas folhas permitia também
o embarque e desembarque de volumes de grandes
dimensões. Bancos laterais acomodavam os habituais
passageiros bem ao estilo dos que se usava para o
transporte de paraquedistas.
142

Reportou o jornal “O Estado de Minas”, em edição


de 30-04-1959, que somente em uma hora o aeroporto
recebeu nove aviões procedentes do Rio de Janeiro e de
São Paulo com passageiros e materiais.
Um DC-3 podia transportar até três toneladas mais
o peso do combustível e tripulação, o que significa ter
desembarcado naquela ocasião 27 toneladas em apenas
uma hora, procedentes de 1.000 km de distância, em um
vôo de 4 horas, o que era um fenômeno à época, pois os
transportes terrestres faziam o mesmo em dias de viagem
contínua, caso não chovesse e, então, não se formassem os
extensos atoleiros que paralisavam o fluxo do tráfego pela
estrada por dias e até semanas.
Muitas vezes o carregamento se processava nos
aeroportos do Galeão e no Santos Dumont, no Rio de
Janeiro, e no de Congonhas e na Base Aérea de Cumbica,
em São Paulo, nas altas horas da madrugada e dali os
aviões decolavam ainda antes da alvorada com destino ao
Planalto Central, que as tripulações vislumbravam ao
horizonte pela poeira avermelhada que subia e ficava
pairando nos céus daquele imenso canteiro de obras.
Contudo as decolagens de Brasília só podiam
acontecer durante o dia, pois além do aeroporto não possuir
auxílios à navegação aérea por instrumentos necessários ao
voo noturno, a limitação da visibilidade pela poeira só
possibilitava operações diurnas.
Na medida em que se aproximava a conclusão do
Plano Piloto, quando então seria inaugurada oficialmente a
nova capital e feita a transferência do governo do palácio do
Catete para o do Planalto, aceleravam-se as obras de
melhoria do aeroporto, capacitando-o a receber o fluxo de
aviões que se esperava para a inauguração, construindo-se
um terminal de passageiros que oferecesse algum conforto
aos convidados, provendo-o com um melhor sistema de
abastecimento de aeronaves e com auxílios rádio à
navegação aérea.
143

A maior parte da estação de passageiros ainda era


feita em madeira e assim permaneceria por anos, até que
fosse concluído todo o seu projeto.
O aeroporto de Brasília foi classificado como
internacional na expectativa do governo de que, sendo a
nova capital do Brasil uma cidade planejada com todas as
modernizações que a tecnologia podia proporcionar,
certamente afluiria para seu aeroporto linhas de várias
empresas aéreas internacionais, movimentando o saguão
de passageiros com personalidades de renome do mundo
inteiro, fazendo aumentar o brilho daquela meta que
sintetizaria toda a ação do governo JK, cuja pretensão era a
definitiva interiorização do Brasil.
A classificação de “aeroporto internacional” é
devida aquele que, além de pista de pouso e decolagem
com dimensões suficientes para a operação de aviões de
grande porte que cruzam longas distâncias, é equipado
também com serviços alfandegários, órgãos de saúde
pública e de imigração e, ainda, dispositivos de fiscalização
concernentes à entrada e saída de aviões estrangeiros no
país. E o aeroporto de Brasília foi preparado para tal.
Contudo, o brilho que o governo via naquela nova
cidade não atingiu as cabines de comando das empresas
aéreas estrangeiras, que preferiram continuar pousando no
aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, então o único
satisfatoriamente em condições de receber os grandes jatos
internacionais e com razoável demanda perene de
passageiros.
Lá a união com São Paulo, que já era a capital
econômica do país, se completava via ponte aérea. A norte-
americana Pan American ainda tentou manter uma linha
regular para Nova Iorque, mas ao final percebeu sua
inviabilidade econômica.
144

Fonte: Correio Brasiliense

Só as empresas domésticas passaram a operar


regularmente em Brasília, porque na sua relação de
dependência às subvenções governamentais às Rotas de
Integração Nacional – RIN não podiam se furtar a atender o
governo na composição daquele esforço de interiorização.
Como só os jatos capazes de realizar voos
intercontinentais conseguiam ligar em questão de horas
Brasília à Washington, Nova Iorque, Londres e Paris, o
governo deu então às empresas nacionais a missão de
conectar Brasília diretamente ao exterior.
145

APOIO AÉREO AO PROJETO DE CONSTRUÇÃO DA


RODOVIA DE INTEGRAÇÃO NACIONAL:
DE BRASÍLIA A BELÉM.

O Piloto Aviador do Exército Lysias Rodrigues já


comentara em sua expedição pelo rio Tocantins, em 1931,
sobre a conveniência de construir uma estrada que,
rasgando as terras goianas, alcançasse a cidade de Belém
do Pará, então considerada a “porta da Amazônia”.
O potencial econômico da região lhe causara
entusiasmo tal que chegou a denominar de “governo
patriótico” aquele que conseguisse unir o Sudeste do país à
Belém, para aproveitar as riquezas inúmeras que ele
acreditava conter no Centro-Oeste e cujo porto da capital
paraense poderia vir a ser a via de escoamento de toda
essa riqueza.
Três anos depois o Plano Geral de Viação do
governo Vargas fazia constar um projeto de ligação norte-
sul, através de uma rodovia denominada de Transbrasiliana
e codificada como BR-14 que, partindo de Belém,
atravessaria Goiás, o Triângulo Mineiro, o Noroeste Paulista
e rumaria Paraná adentro, cruzando Santa Catarina e, por
fim, chegaria ao Rio Grande do Sul, totalizando uma
extensão de quase 6.000 quilômetros.
Porém, até a construção de Brasília pouca coisa se
fizera dessa rodovia e, por isso, o desafio de construir uma
estrada daquele porte permanecia apenas nos planos
oficiais, tal como o fora o da construção e mudança da
capital federal para o Planalto Central.
146

Também o agrônomo Bernardo Sayão já sonhara


com uma rodovia que ligasse Goiás ao porto de Belém,
ainda quando da instalação da Colônia Agrícola de Ceres.
Portanto, a ideia não era nova, fosse para ligar o
cerrado goiano ao litoral norte, ou para acessar as portas
da Amazônia.
Juscelino diz ter percebido na possibilidade da
existência da estrada um meio de conectar o novo centro
das decisões nacionais a mais um dos distantes pontos
de confluência do território brasileiro.
Por isso, relatou o espanto de Bernardo Sayão ao
ser convidado por ele para dirigir as obras da construção
da estrada com início o mais rápido possível: “Sempre
sonhei com esta estrada, Presidente. Posso dizer que
este é o momento mais feliz da minha vida”.
JK considerava o agrônomo o “Fernão Dias” de
que necessitava, como ele mesmo disse: “o bandeirante
do Século XX que, ao invés de botas, usava um teco-teco”
(Kubitschek, 1975).
Essa consideração de Juscelino sobre Sayão
parece ter encontrado respaldo logo depois quando, por
ocasião de alguns vôos rasantes que este fazia sobre o
trajeto por onde estava previsto passar a estrada, área de
densa mata, seu pequeno avião foi acometido por uma
pane no motor e, em conseqüência, embicou em direção
às copas das grandes árvores, estatelando-se em uma
delas e lá ficando pendurado. Sayão não se feriu e
posteriormente revelou que o pior não havia sido o
acidente em si, mas sua descida das grimpas da árvore.
A visão de Juscelino sobre a necessidade de
ocupação da Amazônia expressou-a ele mesmo:

“Lembrava-me das muitas vezes que havia sobrevoado a


Amazônia. O avião parecia estar parado, dada a
uniformidade do grandioso cenário que o cercava. Em
cima, era o céu [...] embaixo, o oceano da floresta
tropical – cerrada, densa, ameaçadora [...] como o
147

homem branco, não afeito à agressividade da selva,


poderia conquistar aquela terra? [...] Reli a história dos
Bandeirantes [...] Fixei o argumento de Fernão Dias, ao
deixar Taubaté: ‘Um país se conquista pela posse da
terra!’ O problema que iria enfrentar era o mesmo [...] a
posse da terra e a transformação de bens geográficos
em bens econômicos” (Kubitschek, 1975).

Também durante a construção da rodovia Belém-


Brasília, com uns 2.000 km de extensão, uma obra bastante
desafiante para a época, a aviação teve papel importante.
Bernardo Sayão fez que fossem construídas pistas
de pouso para pequenos aviões a cada 100 km em média,
seguindo a picada de abertura da estrada, para que as
frentes de trabalho tivessem garantido com rapidez o
indispensável apoio logístico.

Fonte: O Popular

O Eng.º Sayão à frente de um Beechcraft de aerofotogrametria


148

JK parecia se orientar pelo que foi a ação dos


bandeirantes de outrora, procurando medir o alcance de sua
obra pelo que teria sido a deles e, assim, colocava-se como
o realizador das aspirações da nação brasileira.
E em parte o concretizador dessa sua ideia era
Sayão que, montado em seu “teco-teco”, foi vistoriar do alto
o curso por onde deveria passar a estrada, as povoações ao
longo do trajeto, as variações do relevo, as calhas dos rios,
a densidade das matas e locais prováveis para a construção
de campos de pouso de apoio, antevendo as necessidades
que, certamente, haveriam de surgir no decorrer das obras.
Era o primeiro uso do avião naquela nova
empreitada, quando ela ainda era apenas um projeto no
papel.
Aliás, a primeira participação do avião com relação
a Belém-Brasília já havia acontecido quando JK, ao
sobrevoar a região por algumas vezes, idealizou sua
construção visando a Amazônia, pois a considerava uma
fronteira de em um mundo à parte que existia nos mapas,
mas com vida independente do corpo do Brasil (Kubitschek,
1975).
Para concretizar mais essa ideia fundou-se a
Comissão Executiva da Rodovia Belém-Brasília –
RODOBRÁS, em 1958, cujo primeiro trabalho foi definir o
traçado da rodovia e abrir os primeiros campos de pouso
para que os aviões da FAB pudessem apoiar os serviços de
engenharia e de abastecimento.
A presidência da República colocou, ainda, um seu
helicóptero à disposição dos dirigentes dos trabalhos.
O trecho de Goiás, com 1.439 km, estaria a cargo
de Sayão e os trechos do Pará, com 487 km e do Maranhão,
com 258 km, ficariam a cargo do Eng.º Rui de Almeida, que
também desde o início participava das obras de Brasília.
Sayão começou do sul para o norte e Rui fez o
percurso inverso, ou seja, de norte para sul. As duas frentes
de trabalho deveriam se encontrar no quilômetro 1.439.
149

O transporte das pesadas máquinas de


terraplanagem procedentes dos Estados Unidos, do porto de
Santos para os locais de início das frentes, ficou sob
responsabilidade do 4º Batalhão de Engenharia do Exército
e levaram 60 dias para chegar aos seus destinos.
Assim, iniciava-se mais uma portentosa ação do
governo de JK para, como ele disse, “transformar a fronteira
geográfica do norte em uma fronteira econômica”.
O governo como agente do desenvolvimento
econômico e, mais uma vez, a iniciativa privada participava
apenas como coadjuvante de um processo cujos resultados,
por sinal, deveria lhe interessar sobremaneira, pois que viria
a abrir novos espaços à sua atuação.
Os primeiros campos de pouso abertos em plena
mata não passavam de curtas e estreitas faixas de terra
desbastadas e ligeiramente aplainadas, permitindo o pouso
somente de pequenos aviões Piper Cub e “Paulistinhas”,
com capacidade de carga por volta dos 160 kg, contando
com o peso do piloto. Por isso eram capazes de transportar
somente mais uma pessoa ou volumes de pequena monta.
Logo a seguir, quando o progresso dos trabalhos de
terraplanagem permitia, as pistas e suas áreas de
aproximação de pouso eram melhoradas e, então,
comportavam a chegada dos aviões Cessna de maior
capacidade de passageiros e carga.
Por fim, quando as áreas circunvizinhas aos
acampamentos eram mais desbastadas e as pistas mais
compactadas, passavam a frequentá-las os Douglas C-47
da FAB, suprindo de forma mais completa as necessidades
das frentes de trabalho.
150

Fonte: Oliveira, JK.

Trajeto da rodovia Belém - Brasília, passando por Anápolis.


Seria considerada por Juscelino a primeira via de integração com
o norte, mais especificamente, com a porta de entrada da
Amazônia, o porto de Belém.

Mateiros, topógrafos, geólogos, operadores de


máquinas e peões compunham as duas frentes que
avançavam uma na direção da outra.
Picadas eram abertas no mato permitindo fazer as
visadas do eixo do desmatamento e terraplanagem do
terreno.
151

E como no início ainda não havia campo de pouso


para os aviões de apoio, recebiam os suprimentos através
de paraquedas lançados por esses aviões.
Muitos dos volumes lançados não chegavam ao
solo, ficando presos nas copas das altas árvores, tornando
difícil sua recuperação por parte das equipes em terra.
Um recurso para solucionar tal problema de carga
enganchada na copa das árvores, foi a instalação nos
paraquedas de uma pequena bomba que podia ser
explodida, liberando assim a carga que, então, despencava
rumo ao solo.
Para tentar minimizar o problema de abastecimento
a FAB providenciou a construção de campos de pouso a
cada 100 km no eixo do traçado da rodovia, de forma que
pelo menos nesses intervalos houvesse condições de
manter o fornecimento de suprimentos com certa
regularidade.
O avanço das frentes tornava-se lento, porque além
da dificuldade de se proporcionar um regular apoio logístico,
encontraram obstáculos não percebidos durante os voos de
reconhecimento do trajeto.
Do alto a planície apresentava-se como uma
vastidão coberta de densa e plana floresta, indo de
horizonte a horizonte, mas ledo engano, pois durante a
abertura das picadas o que se encontrou sob as copas das
grandes árvores foi um terreno cheio de pequenas
ondulações e com seguidas depressões permanentemente
encharcadas.
A cobertura uniforme de uns 50 metros de altura da
floresta enganou, assim, a avaliação do relevo feita através
de voos de reconhecimento.
O calor úmido - 40 graus centígrados por 80% de
umidade relativa do ar em média - chuvas torrenciais diárias,
muita lama, tratores atolados, caminhões com pontas de
eixo quebradas, falta de combustível e comida, formavam o
quadro daquela grandiosa e difícil empreitada.
152

As operações aéreas eram arriscadíssimas, tendo


o piloto de encontrar a clareira de pouso sem nenhum
auxílio rádio à navegação aérea e com comunicação
deficiente, adivinhar a direção e a intensidade dos ventos
para não acontecer uma aproximação final com vento de
cauda, o que faria o avião “pilonar” (capotar) no pouso, e
lutar para manter o controle do aparelho enquanto
escorregava pelo piso enlameado das estreitas pistas, tendo
de fazê-lo parar ao final, antes que “varasse” aquela faixa de
terra e adentrasse no mato.
A decolagem também se fazia com alto grau de
risco, pois o piloto, por serem as pistas sempre muito curtas,
precisava frear bem o avião enquanto acelerava seu motor
ao máximo. E então repentinamente liberava-o dos freios
fazendo-o dar um salto à frente, acelerando sua velocidade
rapidamente para que adquirisse sustentação suficiente que
o tirasse do solo antes do fim da pista.
Após decolar era urgente ganhar altura o mais
breve possível, pois a barreira formada pelas copas das
altas árvores da floresta à cabeceira da pista precisava ser
transposta.
Por vezes o pequeno avião decolava com carga
máxima, abastecido de combustível o suficiente para
realizar o voo até o destino e retornar à sua base de origem.
Mas, ao sobrevoá-la no regresso percebia que as condições
meteorológicas reinantes não permitiam o pouso, tendo,
assim, de procurar algum lugar próximo dentro da
autonomia de voo que restara.
Daí começava o pior drama de um piloto: a “luz da
bruxa” acesa (indicador de combustível na reserva), sem
local apropriado para o pouso nas proximidades, potência
reduzida para economizar combustível e a velocidade
caindo até próxima ao “pré-stol”5. Situação não rara
5
Velocidade horizontal mínima para manter a sustentação do
avião, ou seja, quando a resultante do sistema de forças “tração
& sustentação” tem valor maior que a resultante do sistema
153

naquelas operações, pois as condições meteorológicas na


Amazônia variam repentinamente, principalmente no
decorrer do período vespertino.6
JK dizia que os pilotos daqueles aviões eram heróis
que, onde houvesse um claro na selva, desciam com um
“teco-teco”.

Apesar dos percalços as duas frentes, a do norte e


a do sul, foram aproximando-se, procurando cumprir o
cronograma que definia o momento em que deveriam se
encontrar, próximo à cidade de Açailândia: dia 31 de janeiro
de 1959.

No início do último mês restavam somente uns 30


km entre uma e outra frente de trabalho, indicando que a
estrada poderia ser concluída naquele prazo. O avanço,
porém, continuava a acontecer com muita dificuldade e um
dos principais problemas continuava a ser a deficiência do
“arrasto & gravidade”.
6
Esse tipo de operação aérea de alto risco sempre foi comum nas
áreas de garimpo, principalmente nas cercanias de Itaituba-PA, no
rio Madeira e Surucucu-RR. Os relatos sobre essas operações de
voo na “Belém-Brasília” foram feitos por um grupo de pilotos que
delas participaram (Aeroclube do Amazonas, 1982).
154

aprovisionamento, principalmente com relação aos gêneros


alimentícios.
Sayão, mais uma vez tentando solucionar o
problema, enviou um bilhete ao acampamento de Açailândia,
solicitando os gêneros e advertindo que se os mantimentos
não chegassem em tempo os trabalhadores não teriam mais
o que comer.
Mediante tal apelo um dos pequenos aviões
conseguiu fazer chegar até aquela frente uma carga de
víveres. Mas a capacidade de transporte desses aviões era
tão pequena, que bastava um de seus voos atrasar por um
dia para que os trabalhadores ficassem sem ter do que se
alimentar.
O último bilhete de Sayão pedindo víveres dizia:

“Desde 3ª feira, 13 p. passado, aqui estamos na


iminência de parar o serviço por falta de alimentação
para o pessoal. Amanhã não teremos recursos para o
almoço, e é estranho o silêncio, a indiferença de quem
está na retaguarda, devidamente abastecido, pelos que
aqui estão fazendo uma coisa necessária no momento: o
campo (de pouso) [...] Julgo que a única coisa
necessária é o campo, a tempo e a hora. A picada é de
relativa importância. Sem aquele, não adianta fazer esta”
(Kubitschek, 1975).

Destas poucas linhas pode-se deduzir a luta do


engenheiro contra a burocracia e, considerando-se que a
reprodução do bilhete foi realizada pelo próprio Juscelino,
em seu livro, infere-se que o presidente, à época do
acontecido, era também vítima da burocracia que não
deixava que ele soubesse a quantas estava o andamento
das obras na estrada.
O certo era que Sayão desejava completar a
abertura do último campo de pouso até o dia previsto para a
inauguração da estrada, porque nele é que desceria o avião
155

com o presidente, para participar da solenidade.


E foi justamente por essa ocasião que se deu o
acidente que vitimou Sayão, quando uma árvore derrubada
acertou a barraca de lona sob a qual ele estava.
Segundo Kubitschek, o engenheiro ferido de morte
ainda orientou os funcionários que o acompanhavam nas
providências de emergência.
Apesar do acidente ter ocorrido nas primeiras horas
da manhã somente às três horas da tarde (15 h) um avião
sobrevoou a clareira e o seu piloto viu, em voo rasante, um
homem deitado com a roupa vermelha de sangue.
Mais tarde um helicóptero desceu na clareira e nele
os companheiros da frente de construção embarcaram
Bernardo Sayão. O seu piloto, Major Tomás, foi testemunha
do último suspiro do engenheiro, ainda em voo para
Açailândia.
Uma das grandes obras que complementavam a
Meta Síntese de JK na sua investida rumo ao interior do país,
a estrada Belém-Brasília, gerou, assim, o seu mártir. A
memória de Sayão ficaria de vez vinculada à estrada.
O acontecimento não impediu que a inauguração
acontecesse dentro do previsto, ao contrário, o governo
reforçou nos trabalhadores a convicção de que o projeto
tinha de ser concluído, de acordo com a vontade anterior de
Sayão, o que realmente serviu de mola propulsora à
derrocada final do pequeno trecho de mata que ainda
separava as duas frentes.
Mas, antes de concluída a estrada cobrou mais um
sacrifício que, em verdade, viria a reforçar o simbolismo do
qual aquela obra deveria se revestir:
O chefe da frente norte, Eng.º Rui de Almeida, veio
a falecer em decorrência de uma colisão do carro que o
transportava, pouco tempo antes do final dos trabalhos.
Estranha coincidência as seguidas duas mortes,
justamente dos responsáveis pelas frentes de trabalho da
estrada e quando a obra estava sendo concluída.
156

Mas, qualquer suspeita a respeito seria suplantada


pela euforia da inauguração que se deu conforme o previsto,
com a presença do próprio JK que, devido às
comemorações relativas ao seu terceiro ano de governo, se
fez presente no local do encontro das duas frentes de
trabalho da estrada no dia 1º de fevereiro.
Alguns aviões Douglas DC-3 e uma dezena de
“teco-tecos” lotavam todo o espaço do campo de aviação de
Açailândia, indicando a presença de pelo menos uma
centena de ilustres forasteiros na inauguração da rodovia.
Assim, Juscelino hasteava o primeiro pavilhão do
moderno bandeirantismo. Antes mesmo de Brasília
concluída ele chegara às portas da Amazônia, deixando um
rastro permanente com objetivo que servisse de esteio ao
posterior avanço do desenvolvimento a partir do Sudeste
para o Centro Oeste e Norte do país.
O avião se integrou aos trabalhos de construção da
estrada desde a fase de projeto, proporcionando aos
técnicos observar o percurso pretendido para a estrada, e
integrado ficou até a sua inauguração pelo próprio JK.
São poucos os registros que atestam o volume de
trabalho realizado pelos aviões que participaram daquelas
frentes de trabalho. Essa característica de tratamento
diferenciado sobre a atuação do transporte aéreo dos
demais meios de transporte pode ter duas origens:
O avião participa como instrumento pioneiro, ou
seja, na fase da ocupação e, depois, quando os transportes
rodoviário, ferroviário e mesmo fluvial se instalam, ele passa
a ter uma participação pífia em termos de quantidade, mas
expressiva quando se considera o valor agregado à carga.
E a segunda origem diz respeito ao DAC, que se
preocupava com os registros da carga transportada pela
Aviação Comercial Regular, ficando a carga da atuante
aviação miúda fora de suas estatísticas. Já a Aviação Militar
fazia seus próprios registros.
Somente na década de 70, com a fundação da
157

INFRAERO é que o registro sistemático e atualizado da


movimentação do transporte aéreo em geral passou a ser
feita e, mesmo assim, apenas nos 62 aeroportos por ela
então administrados.
Uma conclusão, contudo, torna-se patente: o avião,
desde quando foi incorporado no governo Vargas aos
projetos de expansão da fronteira econômica, passou a ser
utilizado como instrumento desbravador à frente dos demais
meios, em face da possibilidade de saltar os obstáculos e
permitir uma antevisão da área de expansão, facilitando a
tomada de decisões estratégicas na consecução dos
objetivos pretendidos pela ação governamental.
Não foi uma utilização original, mas importada dos
campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, quando se
descobriu o potencial do avião para realizar incursões além
das linhas inimigas, captando informações que
subsidiassem a montagem dos planos de avanço das tropas
sobre o território em posse do inimigo.
E, na concepção do governo, o inimigo da
construção da nação brasileira era o vasto vazio do interior
do país, com sua estrutura sócio-política fundada no mando
do coronelismo do sertão.

APOIO AÉREO AO PROJETO DE CONSTRUÇÃO DA


RODOVIA DE INTEGRAÇÃO NACIONAL:
DE BRASÍLIA A MANAUS.
158

No projeto da construção de uma rodovia que


viesse a ligar Brasília à Manaus, através da ilha do Bananal,
a atuação da aviação seguiu o mesmo curso do que teve
por ocasião da construção da “Belém-Brasília”.
Na Marcha para o Oeste o presidente Getúlio
Vargas instituíra a Fundação Brasil Central como meio de
atingir o objetivo da interiorização, da ocupação dos ditos
espaços vazios, da transformação do grande arquipélago de
ilhas humanas em uma nacionalidade continental.
Juscelino não descartou o uso dessa Fundação, ao
contrário, percebeu que a experiência que adquirira sobre a
região nos idos da Expedição Roncador-Xingu, poderia ser
útil no seu próximo passo rumo ao hinterlands brasileiro.
Seis meses após a conclusão da “Belém-Brasília”
ele voltou seu olhar na direção da ilha do Bananal localizada
no médio Araguaia, de onde acreditava ser possível lançar
uma outra estrada, desta feita visando Manaus, no centro da
Amazônia.
E, evidentemente, a primeira ação concretizada
nesse sentido, foi a abertura de um campo de pouso em
Creputiá, às margens do rio Cururu, um dos afluentes do rio
Tapajós, no Estado do Pará, pela Fundação Brasil Central.
Já existiam campos de pouso em Xavantina, no
Xingu e na Serra do Cachimbo, no sul do Pará. Mas,
Creputiá estava distante a mais de 300 km do último campo
aberto e em um trecho de floresta densa e irrigada por uma
infinidade de igarapés, tornando aquela missão temerária.
A Fundação Brasil Central já mantinha um serviço
de assistência médica nas localidades de Garapu, Kuluene,
Javaru, na bacia do Xingu. Abrira uma estrada que ligava
Caiapônia, Aragarças, Xavantina e Xingu.
Cláudio Villas Boas, que trabalhava para a
Fundação, seguira na direção do rio Tapajós tentando
159

estabelecer uma conexão terrestre até a localidade de


Jacareacanga às margens daquele rio.
A ideia de JK era a de prolongar tal conexão, uma
vez obtida, até Manaus. Para tanto, pretendia usar a
localidade de Santa Isabel do Morro, no sul da ilha do
Bananal, como posto avançado de apoio à FBC em sua
nova empreitada rumo à Amazônia e, também, como uma
espécie de vitrine daquela arrancada para o Oeste.
O Coronel Nélio Cerqueira, diretor da FBC à época,
seguiu com sua assessoria para Santa Isabel por via aérea
ocupando o Posto “Getúlio Vargas”, do Serviço de Proteção
ao Índio - SPI, de onde passou a comandar a construção.
Em terras administradas pelo SPI erguer-se-ia um
Hotel de Turismo, com cais de atracação de embarcações e
um aeroporto que ficou a cargo do Brigadeiro Jussaro, da
Diretoria de Rotas Aéreas.
O projeto desse aeroporto previa a instalação dos
mais modernos recursos para auxílio à navegação aérea e
comunicações por rádio, para prover a devida segurança de
voo às linhas aéreas que, esperava-se, as empresas de
aviação estabelecessem na ilha.
Para a construção do aeroporto, que era estratégico
ao projeto de ocupação da ilha, havia a dificuldade de se
fazer chegar ao local 1.200 tambores de 200 kg cada de
asfalto, para a pavimentação da pista de 1.500 metros de
comprimento por 45 metros de largura, pois não havia
estrada de acesso e por via fluvial a demora seria grande,
pois o material teria de ser embarcado no porto de Santos
(SP), seguir em navio costeiro até Belém e daí ser
transferido para barcos menores que subiriam pela foz do
Amazonas até o Tocantins e, depois, para o Araguaia até
atingir o Bananal, superando uma infinidade de obstáculos
existentes nesse trajeto.
Foi o Brigadeiro Corrêa de Melo, Ministro da
Aeronáutica, quem propôs a solução mais rápida: os
tambores seriam atirados de aviões da FAB em paraquedas
160

no local da obra. Solução cara, mas vista como a única


viável no espaço de tempo pretendido pelo presidente.

Fonte: NM Leone Porto

As ACS – Airways Communication Station (Estações de


Comunicações de Aerovias) prestavam serviço de informação de
voo. A de Santa Isabel, no Bananal, apoiaria os aviões integrados
no esforço de construção da estrada com destino Manaus.

Completou-se a instalação daquela ACS no


aeroporto do Bananal só em 1960, quando JK pronunciou
um discurso dando de simbolismo aquele tento:

“Com emoção, penso no acontecimento extraordinário


que se desenrola nestas ermas paragens, até agora
161

apartadas do Brasil e do Mundo: Da lendária Ilha do


Bananal, graças aos esforços da intrépida Fôrça Aérea
Brasileira, o Presidente da República já pode comunicar-
se com os brasileiros, de Norte a Sul do país, para lhes
comunicar que, neste lugar e nêste instante, começamos
a travar uma batalha nova, cujo transcendente alcance
só os homens de amanhã poderão medir, em toda a
extensão” (Correio Brasiliense, cd 1, pág. 6, 29-06-1960).

Com essas palavras o presidente desejava


transformar aquele evento relativamente singelo em marco
memorável da arrancada rumo ao coração da Amazônia,
Manaus.
Assim, fez partir uma expedição de Santarém, no
médio Amazonas, subindo o rio Tapajós até o lugar
denominado Flexal, para ali construir um campo de pouso
com condições de ser utilizado pelos aviões do CAN que,
então, passaram a realizar linha do Rio de Janeiro, escalando
em Brasília, finalizando em Manaus e perfazendo, assim, um
trajeto quase que direto para o interior da Amazônia, sem a
necessidade de contornar o sertão pelo rio Paraguai, no Mato
Grosso, ou pela calha do rio São Francisco, atravessando
Minas e Bahia.
De todas as ações levadas a cabo para empreender
a ligação Brasília-Manaus em linha direta, somente essa rota
do CAN permaneceu ativa durante os vinte anos seguintes.
Pois, aquela área intensamente irrigada por rios e igarapés
viria a mostrar-se inviável economicamente para a
implantação de malhas rodoviárias, em todas as tentativas
subsequentes à daquele governo.
Mas, a persistência naquela obra, vista como
importante elo na interiorização do país, demonstrava que a
ilha do Bananal permaneceria como vitrine da floresta ainda
por um bom tempo.
De fato, o hotel assim serviu a muitos investidores
que o governo fazia questão de apresentar pessoalmente
aquela borda da Amazônia, para instigar-lhes o desejo sobre
162

suas potencialidades econômicas.


Contudo, o tempo cuidou de mostrar que, apesar
das visitas se sucederem, os prudentes investidores
vislumbrando a amostra da região exposta a oeste do
Bananal, preferiram apenas guardar as boas recordações da
visita, não se dignando lá sequer retornar.
Nos estertores da existência do hotel, na década de
70, apenas oficiais da FAB e alguns convidados seus
utilizavam suas instalações.
Findou de forma inglória aquela pretensão do
governo para o Bananal. O projeto da construção da
estrada para Manaus foi abandonado e a base da
Fundação Brasil Central na ilha perdeu motivo de existir.

Fonte: IBGE -1952.

Campo de Aviação na Serra do Cachimbo, no sul do Pará.


Posteriormente foi transformado no Campo de Provas “Brigadeiro
Velloso” da FAB e nele instalado importante sítio de radar do
Serviço de Tráfego Aéreo – ATS.
Contudo, foram construídos pela FAB vários
campos de aviação nessa área - do rio Araguaia passando
pelo Xingu, pelo Tapajós e até o Amazonas na direção de
Manaus. Rota usada pelo CAN conhecida por “Linha
Xavantina”, ligando o Sudeste ao Norte do país.
163

Fonte: Oliveira, JK.

Regiões da ilha do Bananal, dos rios Xingu e Tapajós, com seus


campos de pouso pioneiros: Santa Isabel, Aragarças, Kuluene,
Xingu, Cachimbo e Jacareacanga, construídos ao longo dos anos
40 e 50, e que serviriam ao projeto da estrada para Manaus.
APOIO AÉREO AO PROJETO DE CONSTRUÇÃO DA
RODOVIA DE INTEGRAÇÃO NACIONAL:
DE BRASÍLIA AO ACRE.

Com o título “Rodovia Brasília-Acre vai trazer tribos


164

selvagens para civilização brasileira”, o jornal Estado de


Minas noticiava, em 21-04-1960, que o plano elaborado para
a construção de tal rodovia previa que os trabalhos fossem
desenvolvidos ao longo de 4 anos e custaria 35 milhões de
cruzeiros, envolvendo intenso trabalho do Serviço de
Proteção ao Índio, em face do trajeto cortar as terras dos
índios Pacaás-Novos, Suruius, Nhambiquaras e Xavantes.
Não conseguindo atingir o centro da região
amazônica em linha direta a partir do Bananal, o governo
preferiu investir em um caminho mais ameno, ou seja, do
Mato Grosso, subindo para noroeste, atravessando
Rondônia e, então, chegar ao Acre.
Essa já era uma rota servida regularmente pelo
CAN, portanto factível de regular e seguro apoio logístico, e
possuía diversos trechos de estrada já em funcionamento,
faltando interligá-los e completar o que faltava para chegar a
Rio Branco.
Mesmo assim, o cronograma do projeto previa uma
duração de 4 anos, ou seja, Juscelino não concluiria a obra
no tempo que restava de seu mandato, sujeitando-se ao
drama de que tanto temia: ver uma obra sua inacabada. Por
isso, procuraria cuidar para que uma paralisação das
atividades de construção pudesse provocar transtornos
adicionais a quem assim o desejasse fazer.
O general José Guedes, diretor do Serviço de
Proteção ao Índio - SPI, elaborou o Plano de Trabalho em
que estabelecia um programa de integração daquelas tribos
preparando-os para a chegada da rodovia, promovendo sua
pacificação e, para tal, instalando por ali Postos do SPI.
Uma das primeiras medidas previstas por ocasião
da instalação dos Postos era a abertura dos campos de
pouso, para prover o necessário apoio logístico, ou seja,
quando a equipe de abertura da picada da estrada fosse
chegando, os Postos do SPI já estariam estabelecidos e
com campos de pouso para funcionando.
A seguir o mapa do percurso previsto para a
165

rodovia para o Acre unindo o sul da Amazônia à Brasília,


destacando as áreas indígenas sob a tutela do SPI:

Fonte: Correio Brasiliense

Já existiam alguns trechos de estradas


pertencentes a municípios e mesmo aos estados que seriam
aproveitados.
A cidade de Cuiabá, capital do Mato Grosso, servia-
se de precária estrada para se ligar ao sudeste do país e
outra também bastante precária que chegava às margens
do Araguaia.
166

Do lado de Goiás os trechos praticamente se


ligavam por obra da Fundação Brasil Central que abrira
diversos deles no sudoeste goiano.
Portanto, os trabalhos mais pesados seriam: a
melhoria dos trechos já existentes, suas interligações (500
km em Goiás e mais 1.200 km no Mato Grosso) e a
construção do trecho de Rondônia (700 km), pois o trecho
do Acre previsto era pequeno, pouco mais de 100 km.
Mas, a conclusão dessa estrada demoraria anos e
Juscelino, por isso, não a veria integrar-se ao complexo de
obras governamentais responsáveis pelo deslocamento do
eixo do desenvolvimento brasileiro. Lançara as bases da
empreitada e dependeria da boa vontade do sucessor para
torná-la fração dessa sua meta.
Cumpre registrar que o envolvimento da aviação
em mais essa obra daquele governo foi o de servir como
instrumento desbravador, indo à frente, possibilitando o
sobrevôo dos trechos a serem ligados e o melhor percurso
para a consecução dessas ligações, proporcionando o envio
de gêneros alimentícios, ferramentas, técnicos, peças de
reposição de maquinários, combustíveis, evacuação de
feridos e de doentes.
Vale rever que na década de 30, quando os
aviadores do Correio Aéreo Militar não conseguiram
estabelecer ligação aérea com a Amazônia via território
goiano, o governo contornou Goiás tanto pelo norte, indo por
Minas e Bahia, como pelo sul, passando por São Paulo,
Mato Grosso e seguindo para Rondônia e, depois, Acre.

Assim, quando JK se propôs a fazer a ligação


Brasília-Acre por via rodoviária o transporte aéreo já servia
regularmente cidades por onde deveria passar a estrada,
como Aragarças, em Goiás; Cuiabá e Cáceres, no Mato
Grosso; Vilhena, Cacoal, Vila Rondônia e Porto Velho, em
Rondônia; e Rio Branco, no Acre.
Brasília estava sendo concluída, mas das demais
167

ações do governo no sentido de, como disse Juscelino,


“promover o deslocamento do eixo do desenvolvimento
brasileiro para interior do país”, somente a estrada Belém-
Brasília havia sido concluída e, assim mesmo, por anos ela
permaneceu sem pavimentação asfáltica, gerando
consecutivas interdições de vários de seus trechos por
ocasião dos períodos mais chuvosos.
O único meio de transporte que permaneceu
atendendo de forma regular e segura o Centro Oeste até
acontecer o asfaltamento da Belém-Brasília nos anos 70 foi
o aéreo e, assim mesmo, com exclusividade para a carga de
alto valor agregado, funcionários do governo, políticos e
demais pessoas de posse, cujo padrão de vida permitia
arcar com o alto custo das passagens aéreas à época.
Somente a aviação militar, através do CAN,
continuava a expandir linhas aéreas e a construir campos de
pouso com vistas a implantar uma malha aeroviária que
atendesse a todo o interior e, em especial, as fronteiras da
Amazônia brasileira com os outros países, em atendimento
à política de segurança nacional.
Nessas obras de grande porte interior adentro que
o governo JK procurou levar adiante, cuja função era a de
unir esse interior à Brasília, o transporte aéreo servira como
instrumento desbravador, permitindo saltar obstáculos
rapidamente e de forma mais segura, possibilitando que os
projetistas daquelas obras pudessem fazer uso de uma
visão privilegiada, do alto, das áreas a serem ocupadas,
efetuando o aprovisionamento das equipes das frentes de
abertura e fazendo a evacuação de acidentados e doentes.
O CAN prosseguiu com suas linhas interior adentro
transportando principalmente as malas postais, pessoas
comuns e suas bagagens e pequenas cargas cuja
necessidade nas cidades do sertão tinham uma certa
urgência, como era o caso de medicamentos.
Foi o que vingara dos planos do General Leite de
Castro e dos “tenentes” do Campo dos Afonsos liderados
168

por Eduardo Gomes para levar a ação governamental ao


interior do país no intuito de promover a integração nacional.
O CAN continuava a servir de escola aos novos
pilotos militares e a atender as pequenas cidades do interior.
Na Amazônia essa sua ação foi, por vezes, o único
contato com a civilização ocidental que muitas vilas tiveram
até o início da década de 80, quando os aviões “PBY
Catalina” que, por serem anfíbios, dispensavam as pistas
terrestres e amerissavam em qualquer estirão de igarapé
daquela Região.

Fonte: CECOMSAER.

Os “Catalinas” do CAN foram por três décadas os únicos elos de


contato do governo central com vários vilarejos do interior da
bonita e difícil Amazônia.

LUZES E AVIÕES NOS CÉUS


DA INAUGURAÇÃO DE BRASÍLIA
169

O transporte aéreo continuou desempenhando seu


papel definido pelo governo na mudança da capital e até
intensificando sua atuação à medida que se avizinhava o
momento grandioso da inauguração da cidade.
A proximidade de suas tripulações com as altas
autoridades, por estarem a serviço dos escalões superiores
do governo, emprestava-lhes um trânsito nos corredores
oficiais jamais dispensado aos condutores dos demais
meios de transportes.
Essa característica ímpar passou a figurar do
acervo cultural da profissão, quer militar ou civil, ditando,
inclusive, a postura mais adequada no desempenho das
atividades profissionais, que passou a ir além do simples
manejo da máquina de voar, mas incursionando nas lides
das relações públicas, ciceroneamento e mesmo
assessoramento dos ilustres passageiros.
Da atuação dos jovens tenentistas à época do
“soldado cidadão” que os motivou na década de 20 a
participarem dos meandros da política, de que trata Siqueira
(1990), até essa então nova forma de exercer a profissão
compactuando-a com o poder, no decorrer da segunda
metade da década de 50, os aviadores também
contribuíram, assim, para que aviação tivesse significado
mais expressivo que os demais meios de transporte.
Mesmo na chamada aviação comercial, aquela
destinada a servir ao usuário em geral, o seu alto custo
definiu uma seleta clientela constituída pela elite empresarial
e pelos integrantes dos altos escalões governamentais.
Além dessas duas categorias sempre haviam
alguns passageiros menos abastados que faziam
esporádicas viagens a custo de suas economias ou de
financiamentos a logo prazo.
E, dessa forma, o transporte aéreo intensificou o
apoio já não mais à construção, mas na consecução da
mudança da capital, no deslocamento de funcionários
170

transferidos para ocuparem seus postos nos novos


escritórios em Brasília, de suas famílias que passaram a se
estabelecer nos apartamentos dos blocos residenciais das
“asas” do Plano Piloto e dos arquivos e mobiliário das várias
repartições que passariam daí em diante a funcionar na
Esplanada dos Ministérios.7
Antes, porém, da conclusão das obras de Brasília
em fins de 1959, um fato semelhante à revolta de
Jacareacanga veio inquietar os meios políticos e
evidentemente trazer um desconforto para o governo de
Juscelino, consubstanciado no que ficou conhecido pela
revolta de Aragarças que, mais uma vez patrocinada por
militares da FAB, pretendia desestabilizar o governo.
Estimulados por um grupo de políticos da União
Democrática Nacional - UDN, alguns aviadores militares
envolveram cinco aviões naquele motim: três aviões
militares e dois civis, sendo um deles um Constellation 8, da
empresa Panair do Brasil que efetuava voo de linha regular
entre o Rio de Janeiro e Belém, levando-os para a pista de
Aragarças na esperança de que o ato servisse de estopim
e provocasse adesões suficientes para, então, criar um
clima de insatisfação contra o governo. Mas, Tal não se
sucedeu e os revoltosos se asilaram desta feita na
Argentina.
A frustração dos dois intentos revelou que os

7
Tornou-se folclórico entre os funcionários transferidos a
expressão: “Brasília tem a forma de um avião voltando para o
Rio”, pois o Plano Piloto, com a forma de um avião, tem a sua
proa apontada para o leste, ou seja, na direção do litoral.

8
O avião quadrimotor “Constellatiom” L-149, fabricado pela
norte-americana “Loockeed”, era considerado um dos maiores
aviões da época e usados em voos transoceânicos devido a sua
grande autonomia de vôo. A Panair do Brasil os usava nas linhas
de longo curso, como a rota Rio-Belém.
171

rebelados se constituíam em minoria e que parte do efetivo


da FAB podia até não concordar com os rumos da conduta
política do governo, mas comportava-se de forma legalista,
acatando as decisões do governo.
O levante de Aragarças não chegou incomodar a
opinião pública então mais voltada aos acabamentos da
construção de Brasília, cujas promessas de modernização
dos vastos rincões do sertão inquietava os crédulos e, no
mínimo, despertava a curiosidade dos incrédulos.
Mas, ambos os levantes foram significativos para
expor a ânsia pelo envolvimento político por parte de
integrantes da Aviação Militar, talvez originada pela
proximidade que tinham com o poder, a ponto de se
entenderem capazes de ações de tal monta.
Assim, a preparação para o grande evento da
inauguração da cidade não foi ofuscada por mais esse
levante e prosseguiu conforme previa o governo, marcando
com ritmo acelerado a cadência dos trabalhos finais da obra.

Fonte: Lorch, C.
172

Um avião “Constellation” L-149 igual ao da figura acima,


pertencente à empresa Panair do Brasil foi seqüestrado pelos
oficiais revoltosos e desviado para o aeroporto de Aragarças. Era
um quadrimotor destinado a fazer voos de longo curso, pois tinha
grande autonomia e acomodações confortáveis aos passageiros.

Antes mesmo da inauguração de Brasília sete


chefes de estado visitaram as obras em curso no Planalto
Central – de Portugal, Paraguai, Itália, Cuba, Indonésia,
México e Estados Unidos – utilizando aviões do governo
para ali chegarem e os helicópteros, também da Presidência
da República, para sobrevoarem o canteiro de obras e a
região.
JK queria que o brilho das solenidades da
inauguração não ficasse limitado ao horizonte do sertão.
Desejava que principalmente o Sudeste do país,
considerado desenvolvido e por vezes tendo demonstrado
incredulidade à consecução daquela obra, também fosse
ofuscado pela intensa claridade que começaria a ser
emanada daquele ponto do sertão para iluminar o caminho
da integração e do desenvolvimento nacional.
Por isso, combinou com Assis Chateaubriand,
proprietário dos Diários Associados, a montagem de uma
cadeia de televisão que emitiria sinais de Brasília para Belo
Horizonte, Juiz de Fora, Rio de Janeiro, São Paulo e
Ribeirão Preto.
Um projeto viável a partir da implantação de uma
rede repetidora de sinais entre as duas primeiras cidades,
pois, no restante já existiam estações repetidoras em
condições de garantir a transmissão ao vivo das imagens
das solenidades de inauguração da nova capital.
Foram necessárias montagens de nove repetidoras
de televisão no trecho Belo Horizonte-Brasília e os trabalhos
para tanto demandaram algum tempo, já que os frágeis
equipamentos tiveram de ser transportados por terra até
173

elevações ermas entre as duas cidades, providos de fonte


de energia, instalados e testados.
Para se prevenir de possíveis atrasos que findariam
por inviabilizar a pretensão presidencial de fazer essa
retransmissão, foi preparado um esquema emergencial, no
qual seria utilizada uma espécie de “ponte aérea” entre as
duas cidades, com três aviões Douglas DC-3 sobrevoando,
cada um, as cidades de Presidente Olegário, João Pinheiro
e Paracatu.
Esses aviões foram equipados com antenas
transceptoras que repassariam o sinal de televisão de um
para o outro, a partir de Brasília, até a repetidora da Serra
do Curral, nas cercanias de Belo Horizonte.
Foram utilizadas um total de 70 horas em voos de
ensaios, com duração média de 5 horas a uma altitude entre
5.600 a 6.000 metros, exigindo, inclusive, o uso de
máscaras de oxigênio por parte dos tripulantes e dos
técnicos da emissora de televisão. Esses ensaios
demonstraram a viabilidade desse sistema emergencial.

Porém, a conclusão satisfatória dos testes com


estações terrestres recém-instaladas dispensou o uso dessa
“ponte aérea”, permanecendo os aviões em posição stand
by para a eventualidade de falha nas comunicações
proporcionadas pelas estações terrestres. Dessa forma,
ficou garantida a transmissão das solenidades pela televisão
aos mineiros, cariocas e paulistas.9
Enquanto isso, as repartições públicas
providenciavam, sob pressão do governo, a transferência de
funcionários e de seus acervos para suas novas instalações,
para que se instalassem antes mesmo da época da
inauguração.
O Senado deslocou por via aérea no dia 8 de abril
9
Publicado no jornal Correio Brasiliense, de 04/05/60, p. 7, com o
título “12 milhões de brasileiros puderam ver e ouvir Brasília pela
TV Associada.”
174

62 funcionários seus e no dia 10 foram mais 85; processos e


materiais de escritório do Supremo Tribunal e do Tribunal de
Recursos seguiram também por via aérea nos dias
subseqüentes; funcionários de escalões inferiores do
governo partiram do Rio de Janeiro para Brasília de
ônibus.10
No dia 21 de abril o aeroporto de Brasília registrou
um movimento de aviões em seu pátio que o colocou no 8º
lugar no ranking nacional, com chegadas procedentes de
diversas capitais brasileiras.11
Também o aeroporto do Catetinho foi utilizado
devido a exigüidade de espaço para o estacionamento de
aviões no pátio do Aeroporto Internacional de Brasília.
Além do transporte de pessoas para presenciar as
comemorações, a aviação também participou do evento
como um dos artistas do espetáculo, apresentando um show
da Esquadrilha da Fumaça - uma equipe de acrobatas
aéreos do Ministério da Aeronáutica, especializada em
apresentações públicas, utilizando para tal quatro aviões
monomotores North American T-6 Texan, cujo ronco do
motor acelerado, ao passar em vôo rasante sobre a
assistência, produzia sensações que iam do assombro à
admiração.

10
Publicado no jornal O Estado de Minas, de 12/04/60, p. 26, com
o título “Transferência até o dia 20 de todo o funcionalismo.”

11
Publicado no jornal O Estado de Minas, de 21/04/60, p. 27, com
o título “Presença de turistas serve de estímulo aos operários.”
175

Fonte: bernadetealves.com

Esquadrilha da Fumaça na inauguração de Brasília – 1960

Juscelino concluíra assim a sua Meta Síntese,


construíra Brasília e mudara a capital federal, a despeito de
toda a resistência que lhe fizeram seus adversários políticos,
conforme teceu considerações ao final de seu livro:

“Coube a Brasília uma tarefa bem mais profunda e de


muito maior alcance: a de puxar, para o Oeste, a massa
populacional do litoral, de forma a povoar o Brasil
igualmente e, através desse empuxo migratório interno,
realizar, quando muito no período de duas décadas, a
verdadeira integração nacional” (Kubitschek, 1975).

Foi o que ele concluiu ter realizado como ação


principal de seu governo, visto como modernizador, em
contraposição à situação de atraso mantida por seus
antecessores.
Tão logo inaugurada, Brasília passou a ser alvo das
atenções das empresas aéreas que contavam como certa a
lucratividade que a linha Brasília - Rio de Janeiro poderia vir
a oferecer, e mesmo das autoridades aeronáuticas que
176

iniciaram uma “ponte aérea” entre as duas capitais - a nova


e a antiga - já a partir do dia 25 de abril, colocando
inicialmente três aviões DC-3/C-47 do CAN para cumprirem
a rota initerruptamente.
Um decolando de Brasília e outro do Rio às 8 h da
manhã, diariamente, cruzando a meio caminho entre as
duas capitais, com reserva de dois lugares para passageiros
de cada um dos Ministérios.
O terceiro fazendo o percurso completo Brasília-
Rio-Brasília, no período vespertino, também diariamente,
dando prioridade no transporte da correspondência oficial.12
Essa “ponte aérea” seria a ligação ainda por muito
tempo entre as duas cidades, pois a mudança realizada
tinha sido somente a da cúpula da administração pública:
políticos e burocratas mais graduados.
Já a grande maioria dos escalões inferiores na
hierarquia do governo permaneceu – e muitos ainda hoje
permanecem – estabelecida no Rio de Janeiro, devido à
uma insistente resistência do funcionalismo em transferir-se
da capital carioca.
Mesmo a maioria dos Ministérios, inclusive o da
Aeronáutica, manteve no Rio réplica dos gabinetes
ministeriais e residências oficiais para seus ministros.
Até o princípio dos anos 90 o antigo avião Viscount
se prestava a esse transporte regular, com freqüência
semanal, possibilitando que dezenas de funcionários
pudessem passar seus finais de semana nas praias do Rio
de Janeiro.
Pelo lado da aviação comercial diversas empresas
realizaram estudos de viabilidade econômica de operações
em Brasília na expectativa de um substancial movimento de
passageiros e de carga na nova capital.
Diante dos resultados desses estudos algumas
12
Conforme o publicado no jornal Correio Brasiliense de 26/04/60,
p. 1, o primeiro avião a seguir viagem para o Rio foi lotado, tendo
seus 27 assentos ocupados.
177

pleitearam junto ao DAC a aprovação de linhas que


ligassem principalmente a nova capital ao Rio de Janeiro,
São Paulo e a algumas outras metrópoles do Sul-Sudeste,
contanto que fossem incluídas nas ditas Rotas de
Integração do Nacional – RIN que faziam jus aos subsídios
governamentais e que possibilitava a cobrança de
passagens a preços acessíveis aos possíveis usuários.
Conforme a autoridade aeronáutica as RIN
tornaram-se necessárias em virtude das empresas terem
abandonando suas linhas do interior, por optarem em
investir somente em aparelhos a jato, com capacidade maior
para passageiros e carga, mas cuja operação rentável
acontecia exclusivamente nos aeroportos de maior
movimento e com infraestrutura suficiente para lhes prestar
o necessário apoio (Pereira, 1987).
Porém, na expectativa de estabelecer em uma rota
promissora, a empresa NAB – Navegação Aérea Brasileira
implantou linha aérea para Brasília.
Publicou nos jornais cariocas, paulistas e no
Correio Brasiliense extensa propaganda, informando os
preços de suas passagens dos vôos semanais com origem
em Brasília:

- Belo Horizonte - Cr$1.804,00;


- Campo Grande - Cr$5.808,00;
- Cuiabá - Cr$7.810,00;
- Fortaleza - Cr$9.086,00;
- Recife - Cr$7.513,00;
- Rio de Janeiro - Cr$2.574,00 e
- São Paulo - Cr$3.454,00.
Fonte: Correio Brasiliense.

Oferecia um desconto de 10% se as passagens


fossem de ida e volta. O modelo de avião utilizado para
esses voos era o Curtiss C-46 Commando (Pereira, 1987).
Outra empresa aérea que se interessou em iniciar
suas operações na nova capital federal foi a VASP, então
178

tendo o governo paulista como seu acionista majoritário.


Essa empresa já era subsidiada para fazer a linha até
Goiânia e, doravante, começaria a voar também para
Brasília, inicialmente com aviões suecos Scandia. A sua
linha que passou a servir Brasília era a seguinte:

- Decolando às 4ªs, 6ªs feiras e nos domingos de Maceió e


escalando em Aracaju, Salvador, Brasília e chegando à São
Paulo;
- Retornava nas 3ªs, 5ªs feiras e nos sábados fazendo o
trajeto inverso.
Fonte: Correio Brasiliense.

A VASP logo a seguir iniciou uma linha pioneira


decolando de Brasília, escalando em Anápolis, Ceres,
Uruaçu, Gurupi, Porto Nacional Guará, Carolina, Estreito,
Imperatriz e com destino à Belém, ou seja, uma linha que
seguia a rodovia Belém-Brasília.
Por ser a maioria das pistas dos aeroportos do
interior feitas em piso de terra, os aviões utilizados nesta
linha de integração nacional eram os robustos DC-3,
configurados para o transporte exclusivo de passageiros,
com cabines revestidas de material acústico, poltronas com
braços e encosto alto, toaletes e galley para servir refeições.
Partia de Brasília às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras às 6 h e retornava
de Belém decolando às 7 h das 3ªs, 5ªs feiras e nos
sábados (Correio Brasiliense, p. 7, 07/06/60).
A outra empresa aérea que logo se interessou por
operar na nova capital foi a VARIG, tendo também o
governo do Rio Grande do Sul como seu maior acionista,
era subvencionada em diversas de suas rotas com destino
ao interior.
Suas operações em Brasília se iniciaram com os já
conhecidos Convair. A empresa apostando na perspectiva
de uma demanda significativa instalou agências de
passagens e carga no Plano Piloto, na Avenida W-3, e na
Avenida Central do Núcleo Bandeirante.
179

Suas linhas eram diárias e faziam o seguinte


itinerário:

- Saída de Brasília às 17:00 h com destino ao Rio, com


pouso previsto para às 20:10 h e do Rio decolando às 07:00
h e pousando em Brasília às 09:40 h e
- Para São Paulo decolava à 10:30 h, chegando às 13:10 h,
retornando às 14:00 h com pouso em Brasília às 16:40 h.
Fonte: Correio Brasiliense.

Mas, a VARIG acreditando no potencial de Brasília


para o transporte aéreo, lançou-se em uma empreitada bem
mais arrojada, evidentemente com todo o incentivo do
governo que nela tinha muito interesse. Foi a implantação
de uma linha aérea internacional diretamente de Brasília
para New York, utilizando o quadrireator Boeing 707, com
capacidade para 189 passageiros e autonomia máxima de
13.000 km ou 14 horas de voo ininterrupto.
Às 12:25 h de 27 de abril, após um voo de 01:50 h
procedente de Porto Alegre, o avião pousou pela primeira
vez no aeroporto de Brasília, com 80 passageiros.
Ali permaneceu por 10 horas exposto à visitação
pública e decolou à noite com 107 pessoas à bordo para um
voo de 08:20 h até New York.
A frequência seria semanal, com possibilidades de
aumentá-la de acordo com a demanda.
180

Fonte: Correio Brasiliense.

O avião B- 707 da VARIG deveria fazer as rotas para o exterior a


partir de Brasília. Mas, a demanda não cobriu os custos.

Caso essa primeira linha internacional obtivesse o


êxito esperado, outra empresa aérea pretendia arriscar a
implantação de outra mais ousada, ligando Brasília à
Tóquio, no Japão, via Bogotá, México, Los Angeles,
Honolulu e Wake, com aviões a jato. Era a Real Aerovias
Brasília, originária do ex-consórcio Real Aerovias Nacional.
Porém, não passou de pretensão da empresa, pois
logo a seguir se tornou patente que a demanda de
passageiros e carga de Brasília não eram suficientes para
sustentar linhas internacionais, apesar do grande interesse e
mesmo esforço do governo para que tal se concretizasse o
mais breve possível.
181

Somente a linha para o Rio de Janeiro continuaria


apresentando índices expressivos de ocupação dos
assentos dos aviões comerciais e em muito devido aos ditos
passageiros corporativos que, de fato, eram funcionários
públicos mais graduados em viagem a serviço, ou seja,
tinham suas passagens pagas pela União.
Assim, o grande aeroporto da nova capital ficou
subutilizado por muitos anos, dividindo espaço com a Base
Aérea da FAB ali instalada e aguardando tempos mais
promissores, que viriam acontecer só décadas mais tarde.
Mas, uma terceira tentativa de se estabelecer uma
ligação aérea comercial internacional a partir de Brasília,
ainda foi feita. A empresa norte-americana Pan American
Airways, utilizando também os mesmos modelos Boeing
707, com início previsto para o dia 8 de maio.
A decolagem do primeiro voo de Brasília foi
antecedida por uma solenidade que pretendia marcar como
um símbolo aquela ligação, e para tanto reuniu ilustres
personalidades, inclusive com a presença do Presidente da
República, para realizar o batismo do avião que faria aquele
primeiro voo, com o nome de “Clipper Brasília”.
O avião pousou às 19:15 h procedente de New
York, após percorrer 6.900 quilômetros, com uma escala em
Port of Spain, para complementação de combustível.
Em uma cortesia especial da direção da empresa,
que emprestaria uma conotação simbólica ao governo, o
presidente Juscelino fez um voo no aparelho até a ilha do
Bananal. A “Pan Am”, como era conhecida a empresa,
pretendia estabelecer a seguinte linha:

- Decolagem de New York às 10 horas, nas terças feiras e


pouso em Brasília às 19 horas e 15 minutos (relevando a
diferença de um fuso horário);
- Conexão em aviões “Douglas” DC-7, de motores a pistão,
com decolagem às 20 horas e 30 minutos, pousando em
São Paulo às 22 horas e 45 minutos;
182

- Conexão em aviões DC-7, com decolagem às 20 horas e


15 minutos, pousando no Rio de Janeiro às 22 horas e 45
minutos;
- Voos de conexão com o serviço jato Brasília-New York
decolando do Rio às 9 horas e 45 minutos, pousando em
Brasília às 12 horas e 15 minutos;
- Voos de conexão com o serviço jato Brasília-New York
decolando de São Paulo às 10 horas e pousando em Brasília
às 12 horas;
- Decolagem dos jatos de Brasília às 13 horas, com o pouso
em New York previsto para às 21 horas e 40 minutos.
Fonte: DAC.

Dessa forma a empresa norte-americana desejava


ligar as duas cidades com voos semanais e, conforme a
demanda, aumentar sua freqüência progressivamente.
É possível perceber que inicialmente as empresas
aéreas tinham expectativas de crescimento do tráfego aéreo
no aeroporto da nova capital, apostando no alto padrão de
vida que a cidade indicava que proporcionaria a seus
habitantes.
Mas, pelo lado do governo, a intenção era prover
Brasília, a nova expressão do poder nacional, de ligação
direta e rápida com os centros do poder internacional:
Estados Unidos e Europa.
Entretanto, as projeções dessas empresas não se
confirmaram e as linhas internacionais partindo de Brasília
em breve tornaram-se deficitárias, enquanto que o
movimento internacional do aeroporto do Rio de Janeiro não
se arrefeceu, pelo contrário, indicava um modesto, mas
contínuo crescimento.
Percebendo que o movimento de passageiros e
cargas do aeroporto de Brasília tendia a se concentrar
somente em tal rota, as empresas suspenderam as partidas
de voos internacionais do aeroporto da nova capital e se
dedicaram à lucrativa ligação com a antiga capital,
encerrando-se, dessa maneira, a curta experiência de
183

Brasília como porta aérea para o mundo.


Continuou, porém, o movimento das linhas
domésticas que garantiram a conexão entre a nova capital
do país e algumas das capitais estaduais e grandes cidades.
O estudo acurado sobre a pertinência do
estabelecimento de meios de transporte levado a efeito por
Adyr da Silva em sua tese de doutorado, adverte sobre a
necessidade de se levar em conta todas as variáveis que
podem definir o êxito, ou não, de um investimento
considerável no setor e não somente aquelas cujos
componentes são políticos:

“O planejamento dos transportes, bem como o do


transporte aéreo e da infra-estrutura aeroportuária,
devem estar em conformidade com os valores da
cultura e da sociedade” (Adyr da Silva, 1991).

Ele se refere a variáveis que os acontecimentos da


época expuseram e que não foram consideradas durante o
planejamento levado a cabo pelos responsáveis em
dinamizar o uso do transporte aéreo.
Enfim, seriam somente aquelas linhas aéreas da
RIN, que as empresas recebiam subvenções
governamentais, com chance de vingar no aeroporto de
Brasília? Pelo que se poderia aferir dessa situação o
divórcio entre as pretensões nacionalistas do governo e as
leis do mercado, no caso do uso do meio de transporte
aéreo, tornou-se inevitável.
Porém, a euforia acometida por ocasião da
inauguração impediu maiores reflexões sobre a questão e
continuou a contaminar os espíritos ainda por um bom
tempo, como bem ficou expresso na portaria baixada pelo
Brigadeiro Francisco Corrêa de Mello, então Ministro da
Aeronáutica, congratulando seus subordinados pelos
esforços dispendidos durante as obras e na mudança, em
que dizia:
184

“Congratulo-me com todo o pessoal da Aeronáutica


pelo grande apoio dado à construção da Nova Capital,
desde o início com a criação do Destacamento em
Brasília e que culminou com o excelente trabalho que
tive o prazer de assistir durante o empolgante
espetáculo da mudança no dia 21 de abril.” A seguir
citou alguns nomes de militares que se destacaram
naquele trabalho e, em tempo, lembrou que o Ministério
da Aeronáutica foi o primeiro a transferir órgãos
administrativos seus para a Esplanada dos Ministérios
(Correio Brasiliense, p. 2, 17/05/60).

A Revista dos Aviadores do mês de junho


estampava a seguinte matéria a respeito da participação da
aviação na construção da nova capital:

“A Aeronáutica foi um dos fatores para a execução de


Brasília. Perfeita, integral e oportuna, mostrou ação
destemida e aparelhamento moderno, tornando-se
eficaz em todas as ocasiões. Primeiro Ministério a
instalar-se no Planalto da Esperança, ali dando
exemplo da maior salubridade cívica, tendo à frente a
figura sempre impressionante e capacitada do
Brigadeiro Francisco de Mello” (Revista dos Aviadores,
p.5, junho de 1960).

Mas, esse insucesso com as linhas aéreas


internacionais foi visto apenas como um incidente de
percurso, pois o governo já considerara consolidada a
ocupação do Centro Oeste por suas ações de arrojo e
determinação, e acreditava haver o Estado assumido por
vontade própria, a condição de principal agente do
desenvolvimento econômico do país.
Enquanto as rodovias não formavam uma rede
capaz de atender as demandas por transporte do novo
Distrito Federal, o transporte aéreo continuou a ser o meio
utilizado tanto pelo governo como por empresários em
romaria pelos gabinetes envidraçados da Esplanada,
185

acostumados que estavam a terem o governo como seu


principal cliente.
O uso do avião em suas viagens também lhes
permitiu ver do alto as possibilidades de investimentos na
pecuária e na agricultura na região, tornando-se,
posteriormente, compradores de terras no Centro-Oeste,
quando os governos militares passaram a subsidiar as
atividades de grande porte no campo, com vistas à
exportação.
186

E ASSIM A AVIAÇÃO AJUDOU A FAZER


O CENTRO OESTE

De 1926 quando aquele pequeno biplano


Sikorsky S-31 da Força Pública do Estado de São Paulo
fez seu pouso forçado no cerrado, em Ipameri, até 1960
quando o Boeing 707 da Pan American Airways decolou
do Aeroporto Internacional de Brasília rumo a New York,
o avião esteve cada vez mais presente nos esforços do
governo brasileiro em promover a integração nacional
partindo da Região Centro Oeste.
Nela os aeroplanos do Correio Aéreo implantaram
rotas aéreas pioneiras intentando chegar à Amazônia, desde
1931; logo a seguir os Dragon’s da VASP e os Junkers F-13
da Condor esticaram as suas linhas aéreas às principais de
suas cidades; aeroportos modernos foram construídos e
serviram de bases de apoio aos aviões que passaram a voar
pelo sertão; no nascimento de Goiânia e de Brasília os
aviões prestaram-se ao diuturno apoio logístico sem o que
seria difícil concluir tais obras no tempo pretendido; e pistas
de pouso se misturaram às frentes de aberturas das
estradas que interligaram a nova capital do país ao Sudeste
e ao Norte.
Liderando esse empenho em unir o Brasil do litoral
com o Brasil do sertão estiveram nomes reconhecidos da
aviação como: Eduardo Gomes, Casemiro Montenegro
Filho, Joelmir Campos de Araripe Macedo, Nelson Freire
Lavenére-Wanderley, Lysias Augusto Rodrigues, Jerônimo
Coimbra Bueno, Hans Guzy e João Ford.
Na sua atuação no Centro Oeste a aviação mostrou
que tem seu próprio jeito de ser, pois ela vai onde tem
passageiro e carga e com avião na medida certa. Não
187

adianta tentar fazer diferente porque, com custo muito alto,


não pode se prestar somente a atender políticas públicas,
sem o devido respaldo financeiro... é quebradeira na certa.
E foi neste específico aspecto que, ao final, não
teve como cumprir a missão de imediata internacionalização
da nova capital do país, tanto pretendida pelo governo JK.
Continuou, contudo, prestando seus serviços aos
interioranos com seus “teco-tecos” que, desde então,
passaram a se meter em qualquer tipo de pista por mais
precária que fosse.
O transporte aéreo regular com seus grandes jatos,
por questão de demanda, ficaram restritos aos poucos
aeroportos de maior porte da região.
Brasília só teria suas linhas aéreas internacionais
décadas à frente, quando os efeitos econômicos dela
decorrentes no Centro Oeste já estivessem consolidados.
Só os aeroportos de Brasília, de Goiânia, de Cuiabá
(Várzea Grande) e de Caldas Novas têm mantido demanda
suficiente para operação da Aviação Comercial regular. Já
todo o restante do interior da região é mesmo por conta dos
piloteiros do sertão com seus “teco-tecos” fazendo poeira
nas pistas de terra e varando os céus do sertão.

(Figura c/ base em
topgameskids.com.br)
188

REFERÊNCIAS

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INCAER, 1991.
AMADO, J. Construindo Mitos: A Conquista do Oeste no Brasil e
nos EUA. Passando dos Limites. Goiânia: UFG, 1995.
Boletim do Ministério do Trabalho Indústria e Comércio – Notas e
Informações. Povoamento.Rio de Janeiro: MTIC, p. 330/337, 1940.
BORGES, BG. O Despertar dos Dormentes. Goiânia: UFG, 1990.
________ Goiás nos Quadros da Economia Nacional, 1930 –
1960. Goiânia: UFG, 2000.
CASTRO, C. A invenção do Exército brasileiro. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2002.
DOUHET, G. O Domínio do Ar. Rio de Janeiro: Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica, 1978.
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O autor deste livro, que aqui se apresenta, ingressou na aviação em 1970 como
telegrafista do Serviço de Proteção ao Voo – SPV.
Trabalhou nos aeroportos de Belém (PA), Tefé (AM), Uaupés (AM), Manaus (AM),
Goiânia (GO) e 1º Centro Integrado de Defesa e Controle do Tráfego Aéreo (DF).
Prestou serviços no Gabinete do Ministro da Aeronáutica (hoje Comando da
Aeronáutica) e no Estado Maior das Forças Armadas (hoje Ministério da Defesa).
Lecionou nos aeroclubes de Manaus, Brasília, Goiás e no Curso de Ciências
Aeronáuticas da PUC Goiás. É titulado Mestre em História pela UFG.
Além de vários artigos publicados sobre aviação, é autor dos livros: “Bunel, uma
tragédia amazônica” (UBE-AM, 1982), “História do Transporte Aéreo no Centro
Oeste e Norte Brasileiros” (PUC-GO, 2005), “Subindo o Solimões” (Kelps, Goiânia,
2019) e “Por um voo mais econômico” (ainda no prelo).
Goiano, casado com sua metade nipo-amazonense, Massako, há 44 anos, pai e
avô coruja de dois filhos, duas filhas, duas netas e um neto...
... e católico de nascença e de “morrença”.

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