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4.

A Filosofia Face a Outras Atividades Humanas: A Religião e a


Ciência.
Ser complexo e multifacetado, o homem, dispersa-se por diversas atividades,
nomeadamente, para além da filosofia a religião e a ciência. A identificação de alguns
aspetos em que estas duas atividades, que nos são mais familiares, diferem da filosofia,
ajuda-nos, certamente, a compreender um pouco melhor a especificidade e
originalidade da filosofia.

4.1 A Filosofia Face à Religião. Algumas diferenças:

• A atitude religiosa é, sobretudo, uma atitude de fé e de aceitação; a atitude


filosófica é uma atitude racional de questionamento, de autonomia, de
discussão e de crítica;
• A verdade religiosa é uma verdade revelada, é uma verdade ditada, que vem
de cima, de um ser, de uma divindade, exterior e transcendente. A verdade
filosófica supõe empenhamento e é objeto de procura, e de investigação
pessoal e racional;
• As verdades religiosas, vindas de cima, reveladas, encontram-se lavradas em
livros sagrados. Baseadas na autoridade desses livros, elas apresentam-se
como dogmas que se aceitam sem discussão. As teorias e as verdades filosóficas,
por sua vez, dado que a filosofia recusa toda a autoridade exterior à razão,
baseiam-se em argumentos racionais, sempre suscetíveis de análise, de
discussão e de crítica;
• A religião valoriza os princípios da aceitação e da obediência (o padre é o
pastor e os fieis o rebanho). Por sua vez, a filosofia recusa toda a autoridade
exterior e privilegia a autonomia crítica no pensar e no agir;
• No seu discurso a religião recorre ao uso do simbolismo, imagens, metáforas e
parábolas; o discurso filosófico é, por sua vez, um discurso puramente racional,
conceptual, abstrato e argumentativo;
• A religião admite, nas explicações que oferece, o recurso ao sobrenatural e ao
milagre; a filosofia não admite senão explicações naturais e racionais.

4.2 A Filosofia Face à Ciência. Algumas diferenças:

• Quanto à natureza e amplitude dos seus problemas, pode dizer-se que


enquanto as questões científicas são, normalmente, questões parcelares,
referentes a domínios específicos da realidade e do conhecimento (por
exemplo, à física, à biologia, à matemática ou à história), os problemas
filosóficos são, de uma maneira geral, problemas mais amplos e globais, cuja
resposta não pode ficar confinada aos limites de nenhuma ciência

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determinada, uma vez que as questões que suscitam remetem, de alguma
maneira, para o problema do sentido do ser, do mundo e da vida (por
exemplo, no âmbito da estética, as perguntas: o que é o belo? Ou, porque é que
um determinado objeto é considerado como obra de arte e outro não?, são questões
que, apesar da sua especificidade, remetem para o problema geral da nossa relação
ao mundo e ao ser);
• Distinguem-se, também, pela radicalidade ou profundidade do seu
questionamento. Enquanto a ciência parte de pressupostos que aceita sem
discutir, por exemplo, a existência do real e a certeza na possibilidade do
conhecimento, a filosofia, partindo da incerteza e da dúvida, indaga sobre os
fundamentos últimos do ser (será que o real existe, ou não passará tudo de uma
ilusão? E o conhecimento, será ele possível?);
• A ciência é um saber objetivo e impessoal; a filosofia é sempre uma pesquisa
e um saber de ordem subjetiva, individual e pessoal;
• As verdades científicas são objetivas, uma vez que podem ser comprovadas
intersubjetivamente ou por processos formais de demonstração, como nas
matemáticas, ou por processos experimentais, como na física ou na biologia.
Por sua vez, as verdades filosóficas, apesar de baseadas em argumentos racionais,
são sempre passíveis de análise, de discussão e de crítica,
• Apesar do carácter teórico de que se reveste, o saber científico liga-se, pela
técnica, ao interesse prático e utilitário; a filosofia, por sua vez, apesar da
utilidade de que se não deixa de revestir, é essencialmente uma especulação
desinteressada e pura. Desde os gregos que o que move a filosofia é o simples
gosto pelo saber.

Fernando Saldanha

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