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Coordenação
• João Ruivo
• João Carrega
Prefácio
• Luciano de Almeida
Entrevistas
• João Ruivo, João Carrega, Vitor Tomé, Jorge Azevedo e Nuno Dias da Silva
Design
• Carine Pires e Rogério Ribeiro
RVJ- Editores
Edição
• RVJ- Editores, Lda / Av. do Brasil n.º 4 r/c - Apartado 262 - 6000-909 Castelo Branco
Tel: 272 324 645 Fax: 272 324 645 www.rvj.pt Email: rvj@rvj.pt
Propriedade
• RVJ- Editores, Lda
Impressão
•
Tiragem
• 500 Exemplares
ISBN
• 978-989-8289-30-8
Depósito Legal
•
Data
• Março 2014
Índice
Nota Explicativa
João Ruivo | 9
Preâmbulo à 1ª Edição
Ensino em público, conversas em privado
João Ruivo | 13
Prefácio à 1ª Edição
Sobre a educação e o sistema de ensino em Portugal
Luciano de Almeida | 17
Entrevistas
1- Liderar, é conduzir um projecto
Eduardo Marçal Grilo | 61
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Nota Explicativa
A presente obra representa uma segunda edição, revista e aumentada, do livro
Políticas e Políticos da Educação, entretanto esgotado, editado e lançado pela RVJ,
durante a Futurália, em Lisboa, em Março de 2011, e cuja apresentação esteve a cargo
do Professor Doutor Pedro Lourtie.
No espaço de tempo que decorreu desde então, aparentemente curto, os profes-
sores e o Sistema Público de Ensino viram-se confrontados com novas alterações de
política educativa, motivadas pela mudança de governo, em Junho de 2011, o que
conduziu, também, à alteração dos protagonistas responsáveis pela pasta da educa-
ção e, logo, das práticas políticas, resultantes de novas concepções ideológicas que a
alternância governativa proporcionou.
Nos três anos que, entretanto, passaram, podemos afirmar que muito de substan-
cial se modificou na visão governativa do sistema educativo, agora encarado segundo
uma filosofia neo-liberal, elitista, ancorada numa vontade sistémica de redução de
custos, a qualquer preço, independentemente das consequências plasmadas na co-
munidade educativa.
Três anos, dizíamos, em que se assistiu à continuada devassa da escola pública,
democrática e inclusiva, e ao sistemático retrocesso do desenvolvimento da profissio-
nalidade dos docentes.
Durante esse período, o jornal Ensino Magazine continuou, como sempre, a
acompanhar a situação da educação em Portugal e realizou mais um conjunto signi-
ficativo de entrevistas a responsáveis políticos e especialistas, alguns dos quais terão
passado do governo à oposição, e vice-versa, pelo que confronto da alteração de opi-
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niões, entretanto manifestadas, constitui um novo e interessante espólio de análise
crítica. E é precisamente esse novo conjunto de entrevistas que vem dar continuidade
à 1ª edição desta obra, permitindo a sua actualização ao ano de 2014.
Entretanto, somos de opinião que vai levar algum tempo para voltar a erguer a
auto estima dos professores, para recuperar a sua imagem social, o seu estatuto re-
muneratório e para chamar novamente à profissão os melhores e os mais capazes. As
perdas são, em tempo, custo e envolvimento de recursos humanos, incalculáveis. O
tempo, a seu tempo, o dirá.
A conjuntura actual, conjugada com a herdada do anterior governo, revelou-se
propícia à alteração e aumento compulsivo de funções e tarefas cometidas aos docen-
tes, colocando-os na vertigem da desprofissionalização; à divisão da classe, através de
uma estratificação artificial da carreira; à implementação de processos de avaliação
de desempenho administrativos, burocráticos e estigmatizantes; redução artificial de
cargas horárias e alterações aos planos curriculares ao sabor das circunstâncias, pro-
vocando-se, desnecessariamente, o maior desemprego conhecido, até hoje, na classe;
à introdução de novas tecnologias na escola, sem formação antecipada dos interve-
nientes no acto educativo, no que se revelou ser uma insensatez face ao esbanjamento
de dinheiros públicos em negócios e parcerias com empresas privadas…
A escola tendeu para um espaço de desencantos e desencontros, onde os profis-
sionais da educação começaram a ser chamados para reflectirem pouco sobre o acto
educativo e, em substituição, a reunirem muito em redor da aplicação de normativos
e procedimentos de natureza burocrático-administrativa.
Neste quadro, milhares de docentes preferiram solicitar a sua aposentação anteci-
pada, com graves penalizações nas suas pensões, no que constituiu uma desnecessá-
ria sangria de quadros qualificados e experientes. Ou seja: ao abandono precoce das
escolas por parte dos alunos, temos agora que acrescentar o abandono precoce da
profissão por parte dos professores.
E isto tudo, num país que ainda precisa de muita escola e de mais e melhor qua-
lificação dos seus cidadãos. Que desperdício inqualificável formar um docente para
deixá-lo no desemprego ou vê-lo partir para uma aposentação precoce, numa etapa
da sua carreira em que revelava mais controlo, segurança e maturidade….
Mas será que, após este claustrofóbico período, a tutela pode afirmar que temos
mais escola e melhor educação?
Infelizmente a nossa resposta é: não! Nos tempos que ainda correm, as esco-
las fecharam-se num clima organizacional sufocante e megalónimo, os alunos não
melhoraram globalmente, de facto, os seus resultados escolares, os professores não
aperfeiçoaram as suas competências profissionais e a escola não se transformou numa
verdadeira comunidade educativa.
Ou seja: agora temos menos escola e menos escolas, temos menos educação e
menos professores. Entretanto, nesta encruzilhada, o país ganhou a maior taxa de
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desemprego alguma vez vista na profissão docente, e um medíocre sistema de forma-
ção de professores, incapaz de atrair os candidatos mais capazes e mais competentes.
Mas porque a educação e os professores são semente e pão de todos os futuros,
estamos em crer que, uma vez mais, os docentes portugueses irão sabiamente ultra-
passar este difícil instante da sua longa história profissional, e recuperarão o valor
e energia da sua profissionalidade, para bem do desenvolvimento social, cultural e
económico do nosso país.
É que não há Escola contra a Escola. Não há progresso que se trilhe contra os pro-
fissionais da educação. Não há políticas educativas sérias a gosto de birras e conjuntu-
ras que alimentam os pseudo protagonismos de alguns governantes. Não há medidas
que tenham futuro se não galvanizarem na sua aplicação os principais agentes das
mudanças educativas: os educadores e os professores.
O regresso a uma concepção conservadora do papel da escola e da função dos
docentes (aumento do número de alunos por turma, segregação por níveis de
aprendizagem, entre outros) colocam na ordem do dia, e uma vez mais, a defesa da
escola pública.
Todos sabemos, ou julgamos saber, como deve ser e o que deve ter uma esco-
la pública, democtática e inclusiva, que promova a aprendizagem efectiva dos seus
aprendentes e o bem-estar e a profissionalidade dos seus formadores.
Todavia, há uma questão que introduz toda a entropia nestas instituições, e esta
surge quando os governos se deitam a fazer contas sobre quanto custa garantir esses
direitos. Sobretudo, quando os políticos sabem que todo o investimento em educação
só produz efeitos a longo prazo.
Não queremos uma escola pública que seja de baixa qualidade. Pelo contrário,
desejamos uma escola que seja exigente na valorização do conhecimento, e promo-
tora da autonomia pessoal. Uma escola pública, laica e gratuita, que não desista de
uma forte cultura de motivação e de realização de todos os membros da comunidade
escolar. Uma escola pública que reconheça que os seus alunos são também o seu pri-
meiro compromisso, que seja lugar de democracia, dentro e fora da sala de aula, que
se revele enquanto espaço de aprendizagem, e que se envolva no debate, para reflectir
e participar no mundo de hoje.
Formar a geração de amanhã não é tarefa fácil. Mas será certamente inconclusiva
se escrutinarmos a escola e o trabalho dos professores apenas segundo critérios me-
ramente economicistas, baseados numa filosofia de desenvolvimento empresarial e
numa teoria de gestão neoliberal.
A reorganização neoliberal da escola, em que os alunos são vistos como “clientes”,
os professores como “colaboradores”, a aprendizagem como um “produto”, o sucesso
académico como um indicador de “qualidade total”, o planeamento pedagógico como
“acção de empreendedorismo”, a gestão escolar como “direcção corporativa” e os pais
e a comunidade como “stakeholders”, e o investimento como um “custo orçamental”,
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esta reorganização, dizíamos, tem destruído uma boa (e talvez a melhor) parte do
edifício da escola pública, enquanto escola democrática, inclusiva e meritocrática.
O pretenso ideal de fazer funcionar uma escola sem professores reflexivos, activos
e motivados, sem custos e sem autonomia, foi experimentada por todos os sistemas
mais ou menos autocráticos, mais ou menos ditatoriais.
Os resultados também estiveram sempre à vista: no Portugal do início da década
de setenta do século passado, quase metade da população era analfabeta e apenas
sete em cada cem estudantes que terminavam o secundário continuavam estudos na
universidade.
Décadas de investigação científica provaram que todo o desinvestimento na edu-
cação sempre redundou num atraso do desenvolvimento social, cultural e económico
desses países e que as posteriores tentativas de recuperação do “tempo perdido” se
revelaram demasiado lentas e de custos agravados. Portugal, infelizmente, também
conhece essa realidade: quase quarenta anos após a revolução de Abril de 1974,
o nosso país continua a ter níveis de iliteracia elevados, de insucesso e abandono
escolar preocupantes, taxas de diplomados no ensino superior das mais baixas da
comunidade europeia, e a prova é que ainda temos muitos estudantes com mais ha-
bilitações académicas que os seus pais e com avós analfabetos.
Nos últimos anos, os nossos responsáveis pela educação têm preferido a diminui-
ção forçada do défice orçamental, ao espontâneo desenvolvimento e crescimento dos
indicadores que ajudam a definir o conceito constitucional de “escola para todos”.
Mais recentemente, a actual equipa do ME tem dado claros sinais de que prefere o
elitismo à universalização do conhecimento, assim como prefere a “escola académi-
ca” à “escola do desenvolvimento integral”. Tem direito às suas opções e o dever de
aceitar as divergências.
Defender a escola pública, democrática e inclusiva, nesta conjuntura de inexpli-
cável desvario ideológico, é demasiado urgente. Para tal, revela-se necessário que
voltemos a exigir políticas públicas fortes, capazes de criar as condições para que a
escolaridade obrigatória seja, de facto, universal, inclusiva e gratuita e se assuma, sem
tibiezas, que o direito ao sucesso de todos é um direito fundador da democracia e dos
Estados democráticos.
Esperamos que a publicação desta obra abra um novo espaço de diálogo entre
toda a comunidade educativa e, sobretudo, que possa constituir uma ponte de apro-
ximação entre todos aqueles tiveram, têm ou poderão vir a ter a responsabilidade
governativa de traçar os nossos destinos.
João Ruivo
Conselho Científico do Centro de Investigação
em Políticas e Sistemas Educativos (CIPSE)
do Instituto Politécnico de Leiria
(Ex-Vice Presidente do Instituto Politécnico
de Castelo Branco)
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Preâmbulo à 1ª edição
Ensino em público, conversas em privado
João Ruivo
Conselho Científico do Centro de Investigação
em Políticas e Sistemas Educativos (CIPSE)
do Instituto Politécnico de Leiria
(Ex-Vice Presidente do Instituto Politécnico
de Castelo Branco)
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Prefácio à 1ª edição
Sobre a educação e o sistema de ensino em Portugal
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a mais antiga em que se fala de uma instituição escolar. Refere-se ao século XI,
anterior portanto à fundação da Nacionalidade, em 1143.
Ainda no século XI foi criada, junto à Sé de Coimbra uma escola, aquela que terá
sido a primeira fundada já no Reino de Portugal. Logo nos primeiros anos da funda-
ção da nação, são referenciados colégios de renome nos mosteiros de Santa Cruz, em
Coimbra e de Alcobaça. Contudo, os estudos gerais só surgiram nos finais do século
XIII, com a fundação da universidade portuguesa, então designada Estudo Geral, em
Lisboa, por D. Dinis, em 1290. No século XVI, foi fundado o Colégio das Artes, em
Coimbra, onde funcionaram, além dos estudos superiores, as escolas menores.
Outras referências surgem na segunda metade do século XVIII, com a criação das
aulas de Gramática Latina, Grego e Retórica, em 28 de Junho de 1759, destinadas
aos estudos preparatórios para os estudos maiores (que hoje corresponderá ao ensino
secundário) a que se seguiram, em 1772, a criação de escolas de ler, escrever e contar
(que hoje corresponderia ao ensino básico).
Ainda em 1772 foram criadas aulas de filosofia nos estudos preparatórios para os
estudos maiores. Aos professores destas escolas foi atribuído o estatuto de funcioná-
rios do Estado. A sua administração foi centralizada no Estado, ficando dependente
do Ministério do Reino.
Poderemos considerar que nesta segunda metade do século XVIII, ainda que dé-
bil, estaremos perante a primeira ideia de rede de ensino oficial gratuito.
Esta organização administrativa manteve-se, no essencial, até 1913, altura em que
pela 1ª República foi criado o Ministério da Instrução Pública, que em 1936 passou
a designar-se por Ministério da Educação Nacional e em 1974, após a Revolução de
Abril, por Ministério da Educação.
No que respeita à estrutura do sistema de ensino, manteve-se no essencial inal-
terado até 1836. O regime liberal aprovou, então, uma nova organização do ensino,
definindo graus ou níveis – primário, secundário liceal, superior e universitário, alar-
gada mais tarde, em 1852, para o ensino técnico-profissional3 . Estes níveis de ensino
manter-se-ão inalterados até 1974.
O ensino obrigatório surge em Portugal em 1835-1836, como afirmação do re-
gime liberal, abrangendo os três primeiros anos do então chamado ensino primário.
Em 1956, o ensino básico obrigatório é alargado para 4 anos para os alunos do sexo
masculino (Decreto-Lei n.º 40 964, de 31 de Dezembro) e em 1960, para os alunos
do sexo feminino (Decreto-Lei n.º 42 994, de 28 de Maio).
Vejamos alguns aspectos relacionados com os diferentes subsistemas e da sua evo-
lução ao longo do tempo.
O ensino pré-escolar. Em 1911, por decreto de 29 de Março, foi criado o “ensino
3 Carvalho, Rómulo. (2001). Op. cit., p. 588 e segs.
O ensino técnico-profissional foi introduzido em Portugal com a criação do Conservatório das Artes e Ofícios de Lisboa em
18 de Novembro de 1836, cujo espólio foi mais tarde integrado no Instituto Industrial de Lisboa, criado por decreto régio de
D. Maria II, em 30 de Dezembro de 1852. Reestruturado em 1869, agrega o ensino comercial e passa a designar-se Instituto
Industrial e Comercial de Lisboa. Os seus formados são designados de Engenheiros Industriais.
18 ›
infantil oficial”, hoje designado ensino pré-escolar e em 1919 passa a integrar o en-
sino primário oficial. Em 1926, o ensino infantil oficial é extinto com o fundamento
de que a sua reduzida expressão não justificava a despesa pública realizada. A política
do Estado Novo em matéria de ensino pré-escolar, passa a assentar na valorização
do papel da mãe como educadora, cabendo à Obra Social das Mães pela Educação
Nacional, o apoio às mães na tarefa de educar os filhos.
Só com a Lei n.º 5/73, de 25 de Julho, de Veiga Simão, que aprova a reforma do
sistema educativo, a educação pré-escolar passa a ser parte integrante do sistema
educativo, são definidos os objectivos do ensino pré-escolar e são criadas as Escolas
de Educadores de Infância, destinadas a preparar os respectivos profissionais.
Em 1978, são criados os primeiros jardins-de-infância oficiais do Ministério da
Educação, mas só com a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo – Lei n.º
46/86, de 14 de Outubro – a educação pré-escolar é definitivamente integrada no
sistema de ensino. Em 1995, é elaborado um plano de expansão da rede de estabele-
cimentos de educação pré-escolar e em 1995, o XIII Governo Constitucional estabe-
lece como prioridade política para o período de 1995-1999, o acesso, no ano lectivo
2000/2001, de 90% das crianças com 5 anos de idade.
Em 1997, com a publicação da Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar (Lei n.º 5/97,
de 10 de Fevereiro), é criada uma rede nacional de educação pré-escolar, integrando
a rede pública e a rede privada sem fins lucrativos.
O ensino básico. Quanto ao ensino básico, a 1ª República, instaurada a 5 de Ou-
tubro de 1910, considerou tarefa prioritária nacional a resolução do grave problema
do analfabetismo. Em consequência, em Março de 1911, procedeu-se à reforma do
ensino primário, que passou a englobar também o ensino infantil. No âmbito desta
reforma, o ensino primário desenvolvia-se em três graus: elementar, complementar e
superior, apenas sendo obrigatórios os 3 anos do ensino primário elementar.
Com a reforma de 1919, o ensino primário obrigatório passa a 5 anos (dos 5 aos
12 anos). Em 1926, com o golpe militar que marca o início da ditadura, o ensino
primário elementar foi reduzido para 4 anos, destinando-se os 3 primeiros anos a
aprender a ler, escrever e contar e o quarto ano, a transmitir conhecimentos comple-
mentares aos alunos que não prosseguissem estudos.
Em 1936 é suprimido o grau complementar, tendo sido criados nas áreas rurais
os chamados postos escolares, cujo ensino era ministrado por regentes escolares, ti-
tulares de reduzidas habilitações, em regra apenas o ensino primário e um exame de
avaliação para a função.
A superação do analfabetismo deixa de constituir uma prioridade e a taxa de
analfabetismo literal (taxa de analfabetismo de maiores de 6 anos), que em 1920 era
de 66,2%, reduzia-se lentamente para 61,8% em 1930, para 49,0% em 1940 e para
40,4 % em 19504 .
4 INE. (1976). A População de Portugal. Lisboa: INE. Caderno 2.
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Em 1950, é lançado o Plano de Educação Popular, destinado a combater o anal-
fabetismo. Mais tarde, em 1956, no âmbito da reforma do ensino primário, assinada
pelo ministro da Educação Nacional, Leite Pinto, a escolaridade obrigatória aumenta
para 4 anos, para os alunos do sexo masculino e em 1960, por decreto-lei de 28 de
Maio, assinado igualmente por Leite Pinto, alarga-se também para quatro anos para
os alunos do sexo feminino, ficando assim generalizada a obrigatoriedade escolar de
quatro anos5. Na mesma data, em 1960, a taxa de analfabetismo desce para 32,1% e
em 1970, para os 26,6 %.
A escolaridade obrigatória foi alargada para seis anos, quatro anos depois, por
decreto-lei de 9 de Julho de 1964, do então ministro da Educação Nacional, Galvão
Teles. Para os alunos que se matricularam a partir do ano lectivo 1964/65, o ensino
primário passou a ser de seis anos, dividindo-se em dois ciclos: elementar de dois
anos e complementar, com dois anos.
Na mesma altura é implementada a Telescola, destinada ao ensino nos meios ru-
rais, ensino ministrado pela televisão que mais tarde, a partir do ano lectivo 1972/73,
já com o ministro Veiga Simão, dá lugar aos postos oficiais de Telescola, então criados,
com professores monitores habilitados com o curso do ensino secundário, curso do
magistério primário ou habilitação superior.
No ano lectivo 1967/68 é criado o ciclo preparatório do ensino secundário, que
substitui os dois primeiros anos do ensino liceal e do ensino técnico-profissional.
Note-se que o ciclo preparatório do ensino secundário destina-se, essencialmente, as
zonas urbanas e o ciclo complementar do ensino primário e o ciclo preparatório da
Telescola às zonas suburbanas e rurais.
Com a aprovação da Lei n.º 5/73, de 25 de Julho, que corporizaria a Reforma Veiga
Simão, pretendia-se uma profunda alteração da estrutura do ensino básico, alargando-
se a escolaridade obrigatória para 8 anos, os 4 primeiros ministrados em escolas pri-
márias e os quatro últimos, em escolas preparatórias. Com a Lei n.º 5/73 o legislador
visava, como anteriormente se referiu, uma ambiciosa reforma do sistema de ensino
que tinha presente, pela primeira vez, o conceito de democratização do ensino6 .
O 25 de Abril de 1974 veio encontrar um processo de reforma ainda na sua fase
inicial e os tempos conturbados que se viveram, até ao 25 de Novembro, impediram
a implementação da Lei. Na sequência da revolução de 25 de Abril, é abandonado
o alargamento da escolaridade obrigatória para 8 anos, preconizado na Lei n.º 5/73,
estabelecendo-se como prioridade efectiva, assegurar a universalidade da escolarida-
de obrigatória de 6 anos, que passará a incluir o ensino primário, de quatro anos e
o ensino preparatório, de dois anos, mantendo-se as três modalidades em que já era
ministrado: ciclo complementar primário (extinto em 1979), ensino preparatório e
ensino preparatório TV.
5 Carvalho, Rómulo. (2001). Op. cit., p. 796.
6 Arroteia, Jorge. (1990). Sistema de ensino e mobilidade social: reflexões sobre o caso português. Em: A Sociologia e a Socie-
dade Portuguesa na Viragem do Século. Actas do I Congresso de Sociologia Lisboa: Fragmentos. Vol. I, pp. 67-68.
20 ›
Nos anos seguintes, entre 1979 e 1981 assistir-se-á a uma profunda reformulação
dos conteúdos e métodos pedagógicos, tendo, igualmente sido construídas cerca de
15.000 salas de aulas, até 1981.
Em 1986, com a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, é alargada a
escolaridade obrigatória para 9 anos, abrangendo as crianças que tendo completado
seis anos até 15 de Setembro, se inscreveram no primeiro ano de escolaridade a partir
do ano lectivo 1987/88.
Com a referida publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, o ensino básico
compreende três ciclos sequenciais: o primeiro de 4 anos proporciona uma aprendi-
zagem globalizante com um único professor; o segundo, com 2 anos de escolaridade,
proporciona uma aprendizagem organizada por áreas pluridisciplinares, cada uma a
cargo de um ou mais professores; o terceiro, de 3 anos de escolaridade, organizado
por disciplinas ou grupos de disciplinas, cada uma a cargo de um professor.
O ensino secundário. Em Portugal podemos situar o início da história do ensino
secundário no século XIII, altura em que o ensino era ministrado nos mosteiros, não
podendo falar-se, até à criação das escolas menores, no século XV, numa verdadeira
distinção entre o ensino secundário e o ensino superior. No século XVIII com a Refor-
ma Pombalina, e como consequência da extinção das ordens religiosas em Portugal,
que determinou igualmente a extinção dos colégios religiosos e dos seminários, foram
criadas várias escolas para substituir as extintas, ficando, então, a Universidade de
Coimbra, encarregada de ministrar os estudos menores.
A reforma de João Franco, nos finais do século XIX, alterou o até então curso se-
cundário de 6 anos, constituído por um curso geral de 4 e um curso complementar
de 2, organizado em duas áreas: letras e ciências; por um curso de sete anos, organi-
zado de modo uniforme para todos os alunos, fazendo cessar a divisão pelas áreas de
letras e ciências.
Já, através do Decreto n.º 36 507/47, de 17 de Setembro, a duração do curso
complementar, então denominado 3º ciclo, é fixada em 2 anos e visava fundamental-
mente preparar os alunos para o acesso ao ensino superior.
Paralelamente, são reorganizados os cursos de técnicos, com vários níveis de for-
mação, o mais longo de seis anos (Decreto n.º 37 029/48, de 25 de Agosto).
A organização curricular, no essencial, manter-se-ia inalterada até à Reforma
Veiga Simão.
A Revolução do 25 de Abril veio, como já se referiu, interromper um processo
de reforma que estava a dar os seus primeiros passos. O ensino era então ministrado
nos Liceus, especialmente destinados a alunos que pretendiam prosseguir estudos
superiores, e nas Escolas Comerciais e Industriais, especialmente vocacionadas para
preparar os alunos para ingressar na vida activa no domínio do comércio e da indús-
tria, embora existisse a possibilidade de permeabilidade entre os dois tipos de ensino.
O espírito igualitário que atravessou a Revolução, fundado num objectivo social de
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igualdade de oportunidades, viria a ser responsável pela extinção do ensino técnico-
profissional, até então ministrado nas Escolas Comerciais e Industriais.
Na verdade, após o 25 de Abril, as duas principais alterações verificadas no
ensino secundário foram a unificação do curso geral, correspondente ao 3º ciclo
do ensino básico e a criação de cursos complementares de via única, eliminando-
se em 1978, com a entrada em vigor da nova estrutura curricular, (Despacho Nor-
mativo n.º 140-A/78, de 22 de Junho) a distinção entre o ensino liceal e o ensino
técnico-profissional, o que foi feito através da extinção deste último.
A evolução do ensino secundário pós-25 de Abril estará intrinsecamente li-
gada à problemática do acesso ao ensino superior. Após o 25 de Abril de 1974,
as nossas universidades atravessaram uma fase de grave convulsão interna, a que
nos referiremos mais à frente, resultante em boa medida da “compressão” a que
foram sujeitas nos finais dos anos sessenta e início dos anos 70, que ficou conhe-
cida como a crise académica.
Naquelas circunstâncias, foram suspensas as matrículas no ensino superior
para o ano lectivo 1974/1975, tendo sido criado o chamado “serviço cívico” obri-
gatório, para os alunos que pretendessem ingressar no ensino superior (Decreto-
Lei n.º 363/75, de 11 de Julho), substituído mais tarde pelo chamado “ano prope-
dêutico” (Decreto-Lei n.º 491/77, de 23 de Novembro, rectificado com alterações
pela Lei n.º 33/78, de 22 de Junho), cujo curriculum, constituído por cinco dis-
ciplinas, visava uma preparação adicional para o acesso ao ensino superior, fun-
cionando por via televisiva, em regime de ensino a distância, tendo o apoio de
centros instalados em setenta escolas secundárias.
O ano propedêutico veio a desaparecer com a criação do 12º ano de esco-
laridade, em 1980, (Decreto-Lei n.º 240/80, de 19 de Julho) destinado, numa
primeira fase, apenas aos alunos que pretendessem prosseguir o ensino superior.
Com a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86), o
curso do ensino secundário passa a ter a duração de 3 anos passando a ter cursos
predominantemente orientados para o prosseguimento de estudos (os cursos ge-
rais) e cursos predominantemente orientados para a vida activa (os cursos profis-
sionais e os cursos tecnológicos), embora sendo garantida a permeabilidade entre
os cursos orientados para o prosseguimento de estudos superiores e os orientados
para a vida activa. Com a entrada em vigor dos planos curriculares aprovados
pelo Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto, que regulamenta a Lei de Bases do
Sistema Educativo, o ensino secundário é alargado para três anos, sendo, que até
então, se terminava o ensino secundário com a conclusão do 11º ano.
No ano lectivo 2004/05 entraram em vigor novos planos curriculares para o
ensino secundário, no quadro de uma reforma, que tem como objectivos anun-
ciados adequar as formações de nível secundário às mudanças sociais e às neces-
sidades de desenvolvimento de Portugal.
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O ensino superior. A universidade portuguesa, como anteriormente se referiu,
designada inicialmente por Estudos Gerais, com os cursos de Artes, Direito Canóni-
co, Direito Civil, Medicina e Teologia, foi fundada em 1290, em Lisboa, por el-rei D.
Dinis, seguindo o movimento europeu da época que dava origem às fundações de
Bolonha, Paris, Oxford e Salamanca7. Existiriam já à época, e desde o século XII em
Coimbra e Alcobaça, duas importantes escolas religiosas. A sede da primeira Univer-
sidade portuguesa foi sendo sucessivamente mudada entre Lisboa, Coimbra e Évora,
tendo-se fixado definitivamente em Coimbra, em 1537, por decisão de D. João III8 .
Em Agosto de 17729 , com a Reforma Pombalina, a Universidade sofre uma profunda
renovação, através da criação de novas estruturas de administração e gestão, do acolhi-
mento de professores estrangeiros e da ida de muitos professores portugueses que vão
ensinar para o estrangeiro.
Em 1837, no reinado de D. Maria I, são criadas as Escolas Politécnicas de Lisboa e
Porto e as Escolas Médico-Cirúrgicas, também nas mesmas cidades.
A história da Universidade Portuguesa até à 1ª República confunde-se com a história
da universidade criada por D. Dinis, já que será a única universidade pública até 1911.
Em 19 de Abril de 1911, é publicado no Diário da República um decreto com força de
Lei, que aprova as bases da Constituição Universitária que, no seu artigo 2º, determina
que “As universidades do Estado são três: a antiga Universidade de Coimbra, a nova Uni-
versidade de Lisboa e a nova Universidade do Porto”. O mesmo diploma legal procede à
reforma da Universidade de Coimbra. O país passa então a dispor de três universidades.
Segundo Vítor Crespo10, em 1910/11, frequentavam a Universidade de Coimbra
(então a única) 1 246 alunos e em 1926, frequentavam as três universidades 4 117
alunos, a que deveriam juntar-se os alunos das Escolas Médico-Cirúrgicas, das Esco-
las Politécnicas e do Curso Superior de Letras, cujo número não se conhece.
Só em 1930 a rede de universidades portuguesas é alargada com a criação da Uni-
versidade Técnica de Lisboa (Decreto-Lei n.º 19 081, de 2 de Dezembro de 1930).
Através do Decreto-Lei n.º 44 530, de 21de Agosto de 1962, por iniciativa dos
ministros da Educação Nacional, Lopes de Almeida, e do Ultramar, Adriano Moreira,
“são criados nas províncias de Angola e de Moçambique os estudos gerais universitá-
rios, integrados na Universidade Portuguesa”, ficando sujeitos à dupla tutela dos dois
ministérios. Face à dinâmica e ao sucesso dos Estudos Gerais11 , pelo Decreto-Lei n.º
47 790, de 23 de Dezembro de 1968, passaram a designar-se Universidade de Luanda
e Universidade de Lourenço Marques, respectivamente, tendo produzido, primeiro,
naquelas então colónias portuguesas e, depois, após o 25 de Abril com a vinda dos
seus professores para Portugal, um enorme impacto.
7 Ferreira, José Gomes. (2002). A Universidade portuguesa: Perspectiva, situação e prospectiva, Cartagena das Índias: Alfa-
ACRO. Policopiado.
8 Carvalho, Rómulo de. (2001). Ibidem, p. 182.
9 Ibidem, p. 453.
10 Crespo, Vítor. (1993). Uma Universidade para os Anos 2000. Lisboa: Editorial Inquérito, 1993, p. 47.
11 Crespo, Vítor. (1993). Ibidem, p. 73.
‹ 23
Nos finais da década de 60 foi produzido, por decisão de 21 de Novembro de
1959 do então Ministro Leite Pinto, um importante documento em cooperação com
a OCDE de análise ao sistema educativo português, o Projecto Regional do Mediter-
râneo, Evolução da Estrutura Escolar Portuguesa, que conjuntamente com outros
estudos produzidos no Ministério da Educação terá encontrado eco no IV Plano de
Fomento12 e segundo o referido autor13 , estará na origem da “larga expansão de es-
tabelecimentos de ensino superior, acompanhada da sua diversificação” que se seguirá.
Em 1972, através do Decreto-Lei n.º 552/72, de 15 de Dezembro, é cria-
do o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), por
reconversão do Instituto de Estudos Sociais, do Ministério das Corporações e
Previdência Social.
Em 1973 iremos assistir a um segundo momento significativo de expansão
da rede de ensino superior – o primeiro fora em 1911 com a criação das Uni-
versidades de Lisboa e Porto, passando Portugal de uma para três Universidades
– sob a égide de Veiga Simão.
O movimento de expansão da rede de ensino superior corresponde à concretiza-
ção possível, pelo ministro, da política relativa ao ensino superior que havia traçado e
fora aprovada pela Lei n.º 5/73, de 25 de Julho. Com efeito, dezassete dias depois da
publicação da Lei n.º 5/73, através do Decreto-Lei n.º 402/73, de 11 de Agosto, são
criadas a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade de Aveiro, a Universidade do
Minho e o Instituto Universitário de Évora. São, ainda, criados o Instituto Politécnico
da Covilhã, o Instituto Politécnico de Faro, o Instituto Politécnico de Leiria, o Insti-
tuto Politécnico de Setúbal, o Instituto Politécnico de Tomar e o Instituto Politécnico
de Vila Real. São, também, criadas as Escolas Normais Superiores de Beja, Bragança,
Castelo Branco, Funchal, Guarda, Lisboa, Ponta Delgada, Portalegre e Viseu. As co-
missões instaladoras das novas instituições universitárias foram nomeadas em finais
de 1973 e nos dois primeiros meses de 2004, tendo os respectivos reitores tomado
posse, nas seguintes datas: Universidade Nova de Lisboa, em 10 de Setembro de
1973, Universidade de Aveiro, em 15 de Dezembro de 1973, Instituto Universitário
de Évora, em 4 de Janeiro de 1974 e Universidade do Minho, em 17 de Fevereiro
de 1974. O mesmo havendo sucedido em alguns Institutos Politécnicos e Escolas
Normais Superiores.
A expansão da rede pública de estabelecimentos de ensino superior, iniciada nos
princípios da década de 70 conheceu um forte incremento até 2000.
Em 199414 existiam em Portugal 13 universidades públicas, com 44 Faculdades
que não correspondiam à totalidade das suas unidades orgânicas, (seis delas orga-
nizaram-se em departamentos, a Universidade Aberta (vocacionada para o ensino a
distância) e um Instituto Universitário não integrado. Existiam, ainda 14 institutos
12 Imprensa Nacional-Casa da Moeda. (1973). Projecto do IV Plano de Fomento. Lisboa: INCM.
13 Crespo, Vítor. (1993). Ibidem, p. 85.
14 Fonte: Direcção Geral do Ensino Superior. (1994). Guia de Acesso ao Ensino Superior Público. Lisboa: DGES.
24 ›
politécnicos com 47 escolas superiores neles integradas, a Universidade do Algarve
com seis escolas de ensino politécnico, e 31 escolas não integradas (das quais 22 eram
escolas superiores de enfermagem).
Na mesma data, no sector privado15, estavam em funcionamento 8 universidades
(pertencentes a 5 entidades diferentes) e 97 outros estabelecimentos.
Em 2001-200216, a rede pública de ensino superior alargara-se para 14 universi-
dades, às quais correspondem 112 unidades funcionais, com designação de faculda-
de instituto ou escola, 1 instituto universitário não integrado, 4 escolas militares ou
policiais e 4 pólos universitários; em relação ao ensino politécnico, para 15 institutos
politécnicos, 78 escolas superiores, 11 escolas superiores de enfermagem não integra-
das, 10 escolas superiores integradas em universidades e 3 pólos politécnicos.
No ensino privado 16 universidades, 16 unidades funcionais de ensino, 2 institu-
tos politécnicos, 34 escolas universitárias não integradas, 2 escolas superiores politéc-
nicas integradas em universidades e 61 unidades funcionais. Assim, entre 1994/1995
o número de estabelecimentos públicos de ensino superior subiu de 132 para 208 e
o privado de 104 para 138, representando no conjunto do ensino superior público
e privado um aumento de 236 para 346. Ou seja, entre o ano lectivo 1994/1995, o
número de estabelecimentos de ensino superior públicos cresceu 57,5 %, o privado
e cooperativo, 32,6 % e no seu conjunto 46,6 %. No período de 2002 a 2005 apenas
foi criada uma nova escola politécnica (Escola Superior de Design, Gestão e Tecnolo-
gia de Produção Aveiro - Norte, na Universidade de Aveiro). A partir de então não foi
permitido o alargamento da rede pública de instituições de ensino superior.
Comparando a rede de estabelecimentos de ensino superior portuguesa com um
grupo de países europeus com população idêntica (8 a 10,55 milhões de habitantes,
no qual se inclui Portugal, bem como a Áustria, a Bélgica, a Grécia, a Hungria, a Re-
pública Checa e a Suécia) verificamos que o número de instituições por milhão de
habitantes, excluindo Portugal, varia entre o mínimo de 3,41, na Grécia, e o máximo
8,98, na Bélgica. Portugal apresenta 17,45 instituições por milhão de habitantes.
O Sistema Educativo Português na Constituição da República Portuguesa.
Vejamos o que a Constituição da República Portuguesa (CRP) preconiza nos domí-
nios da educação. Esta garante a todos os cidadãos o direito à educação e à cultura
(artigo 73º, n.º 1), estabelecendo que incumbe ao Estado “promover a democrati-
zação da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da
escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a
superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da
personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de
responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida
colectiva” (artigo 73º, n.º 2).
15 Fonte: Direcção Geral do Ensino Superior. (1994). Guia de Acesso ao Ensino Superior Privado e Cooperativo. Lisboa:
DGES.
16 Fonte: DGES, 2005.
‹ 25
No artigo 74º, n.º1, proclama-se que “todos têm direito ao ensino com garantia do
direito à igualdade de oportunidade de acesso e êxito escolar”.
Uma pequena reflexão prévia sobre as disposições constitucionais que referimos.
Em primeiro lugar, o Estado tem a obrigação constitucional de assegurar a todos
os cidadãos o direito de acesso à educação, quer através da escola, quer de outros
meios formativos adequados para o efeito, garantindo assim, o acesso universal dos
cidadãos à educação.
Em segundo lugar, de acordo com o n.º 2 do artigo 73º, é obrigação do Estado a
promoção da democratização da educação (como garantia do direito de todos à edu-
cação – n.º 1, 1ª parte), para que a educação contribua para: a igualdade de oportuni-
dades dos cidadãos; a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais; o
desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mú-
tua de solidariedade e de responsabilidade; o progresso social e para a participação
democrática na vida colectiva.
Ou seja, através da educação, que cabe à Escola, mas também a outros meios
formativos adequados, o Estado visa criar condições para a realização integral do
cidadão, individualmente considerado e visa, simultaneamente, criar condições para
a sua plena integração e participação na vida colectiva.
A concretização do princípio da democratização da educação envolve necessaria-
mente uma dimensão de desconcentração e de descentralização territorial, levando a
todo o território os serviços educativos (artigo 267º, nºs 1 e 2 da CRP); a democratiza-
ção da educação realiza-se através da implementação dos princípios da desconcentra-
ção e da descentralização17. A descentralização de competências entre os vários níveis
da administração da educação – central, regional e local – envolvendo quatro princípios
fundamentais: autonomização institucional da função administrativa, descentralização
funcional, descentralização territorial e desconcentração territorial18, ligando-se ainda,
segundo Costa19, necessariamente à autonomia de que será óbvio pressuposto.
O n.º 1 do artigo 74º da CRP determina que “todos têm direito ao ensino com
garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”. O direito
ao ensino significa constitucionalmente, em primeiro lugar, um direito de acesso à
escola20, comportando este direito dois direitos de diferente natureza, a liberdade de
ingressar nas escolas, não podendo o Estado por restringir ou colocar obstáculos no
acesso à escola pública, e, um direito à criação de escolas públicas em número su-
ficiente para garantir a realização do direito de acesso à escola Pública. O direito ao
ensino, significa, em segundo lugar, o direito à igualdade de oportunidades de acesso
17 Costa, Jorge Adelino. (1991). Gestão Escolar. Participação. Autonomia. Projecto Educativo. Lisboa: Texto Editora, p. 42.
18 Fernandes, A. Sousa. (1988). A distribuição de competências entre a administração central, regional, local e institucional
da educação escolar segundo a Lei de Bases do Sistema Educativo. Em: Comissão da Reforma do Sistema Educativo. Lisboa:
GEP, Ministério da Educação, pp. 107-113.
19 Costa, Jorge Adelino. (1991). Op. Cit., p. 43.
20 Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital. (2007). CRP Constituição da República Portuguesa, anotada, Coimbra: Coimbra
Editora, p. 896.
26 ›
e êxito escolar, que há-de realizar-se quanto à igualdade de oportunidades de acesso
através da criação de condições efectivas, que permitam a possibilidade a cada aluno,
individualmente considerado, de frequentar a escola, e, quanto à igualdade de opor-
tunidades de êxito escolar que passa pela generalização do pré-escolar e por acções no
plano dos conteúdos do ensino e dos métodos de avaliação e do apoio escolar. Trata-
se, no domínio do ensino, de dar corpo ao princípio da democratização do ensino
(artigo 73º, n.º2).
O n.º 2 do artigo 74º da CRP comete ao Estado um conjunto de obrigações no âm-
bito da realização da política de ensino: assegurar o ensino básico universal e gratuito;
criar um sistema público e desenvolver o próprio Estado o sistema geral de educação
pré-escolar – deve notar-se que a CRP diz expressamente “o sistema” e não um sistema;
garantir a educação permanente; eliminar o analfabetismo; garantir a todos os cidadãos,
de acordo com as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da
investigação científica e da criação artística; estabelecer progressivamente a gratuitidade
de todos os graus de ensino; inserir as escolas nas comunidades que servem e estabele-
cer a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais.
A mesma disposição constitucional comete, ainda, ao Estado a obrigação de: pro-
mover e apoiar o acesso ao ensino dos cidadãos portadores de deficiência; apoiar o
ensino especial, sempre que necessário; proteger e valorizar a língua gestual portu-
guesa; assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso
à cultura portuguesa; assegurar aos filhos dos emigrantes apoio adequado para efec-
tivação do direito ao ensino.
Tendo em vista o cumprimento das obrigações constitucionais cometidas ao Es-
tado, a Constituição determina que o Estado “criará uma rede de estabelecimentos
públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população” (artigo 75º, n.º 1).
Ou seja, o direito ao ensino, com garantia do direito à igualdade de oportunidades de
acesso e êxito escolar, deve ser assegurado: por uma rede de estabelecimentos públi-
cos de ensino; por uma rede que cubra as necessidades da população.
O preceito constitucional não pode deixar de ser entendido como obrigando o
Estado em relação a todos os níveis de ensino (desde o pré-escolar ao superior), a
criar uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que seja ela própria bastante
para dar resposta às necessidades de formação de toda a população.
Tal preceito não pode deixar de entender-se como significando que a rede pública
de estabelecimentos de ensino tem que ser capaz de assegurar uma cobertura total de
tais necessidades, situando-se o ensino particular e cooperativo – que nos termos do
n.º 2 do referido artigo 75º, o Estado reconhece e fiscaliza – na esfera do direito dos
cidadãos à liberdade de escolher o estabelecimento de ensino em que desejem apren-
der, seja ele público ou privado. Ou seja, o Estado deve criar e manter uma rede de es-
tabelecimentos públicos de ensino capaz de assegurar a democratização da educação
no domínio da educação pré-escolar, básica, secundária e superior. Essa rede deve,
‹ 27
ainda, ser capaz de assegurar a educação permanente dos cidadãos e a educação de
todos os cidadãos, que em razão de deficiência física ou de qualquer outra situação,
vejam dificultado acesso ao ensino – alíneas g) a j) do n.º 2 do artigo 74º.
A dimensão territorial da rede que a CRP obriga o Estado a criar, não é limitada pelas
fronteiras nacionais, mas pelas fronteiras que resultam da diáspora portuguesa, como
não pode deixar de se concluir pela obrigação cometida ao Estado de assegurar aos
filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa,
obrigação que igualmente deve ser satisfeita através do sistema nacional de educação.
Do artigo 74º da CRP decorrem, em síntese, no que se refere à realização do di-
reito dos cidadãos ao ensino, os seguintes aspectos fundamentais que devem estar
presentes na construção e desenvolvimento do sistema educativo português: todos os
cidadãos têm direito à educação; o direito constitucional à educação abrange, nome-
adamente, a educação pré-escolar, básica, secundária, superior, a formação ao longo
da vida, a educação especial, a língua gestual portuguesa e a aprendizagem da língua
e cultura portuguesas pelos filhos dos emigrantes; o ensino básico é universal, obriga-
tório e gratuito; em relação aos demais níveis de ensino deve estabelecer-se progressi-
vamente a sua gratuitidade; a educação dos cidadãos deve ser assegurada através de
um sistema educativo assente numa rede de estabelecimentos públicos em todos os
níveis de ensino; a rede de estabelecimentos públicos de ensino deve ser adequada
de modo a assegurar a cobertura das necessidades de formação de toda a população.
A dimensão territorial da rede de estabelecimentos públicos não se mede pelo
território nacional mas pelos cidadãos que são destinatários dos serviços públicos que
essa rede deve constitucionalmente assegurar.
O sistema de ensino, no sentido específico em que é referido nos artigos 46º, n.º
1 e 164º, alínea i) da Constituição da República, abrange todas as escolas de todos os
graus, públicas, particulares e cooperativas que se integram no âmbito definido pelos
artigos 74º a 77º, servindo as finalidades integradoras de garantia da liberdade e do
direito à educação21. Neste sentido, e seguindo a classificação de Cabanas22, Portugal
tem, no domínio da sua política educativa e na perspectiva da liberdade de ensino,
um sistema de ensino misto, no sentido em que o sistema de ensino é constituído por
uma rede pública e por uma rede privada, afastando-se assim quer do monopólio
estatal, quer do liberalismo total.
Insere-se no princípio do direito ao ensino o direito de acesso ao ensino superior
consagrado no artigo 76º n.º1 da CRP, reportando-se aqui ao mais alto nível de edu-
cação – a educação superior. O direito de acesso ao ensino superior deve ser visto,
ainda, como uma concretização da igualdade de oportunidades.
O número 2 do artigo 76 consagra a autonomia da universidade. Nos termos
deste preceito constitucional, as universidades gozam de autonomia estatutária,
21 Miranda, Jorge e Medeiros, Rui. (2005). Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, pp.733-741.
22 Cabanas, J. M. Quintana. (1989). Sociologia de la Educación. Madrid: Ed. Dykinson, p. 314.
28 ›
cientifica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo, diz a Constituição,
de adequada avaliação da qualidade de ensino. O sentido e alcance da autonomia
universitária e o alargamento desta e do seu conceito às demais instituições de en-
sino superior público, nomeadamente aos institutos politécnicos, será objecto de
estudo em capítulo próprio.
O direito de participação democrática no ensino vem regulado no artigo 77º, n.º
1 da CRP. Este preceito consagra constitucionalmente o direito de participação dos
professores e alunos na gestão das escolas, e o direito à participação das associações
de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das instituições de carácter
científico na definição da política de ensino, subordinando essa participação, em am-
bos os casos aos termos que vierem a ser fixados por lei de execução. A subordinação
da participação dos professores e alunos na gestão democrática da escola aos termos
que a lei vier a fixar, não pode deixar de significar que a norma constitucional não
é directamente aplicável, carecendo de ser previamente regulamentada. Por outro
lado, o “direito de participar” na gestão democrática das escolas, não pode deixar de
ser entendido como constitucionalmente não lhes cabendo em exclusivo a gestão23.
Participam, o que significa que na gestão da escola intervêm outras entidades, além
das referidas no número 2 do referido artigo 77º, nomeadamente o Estado, através
do Governo.
O direito de participação dos alunos deve, ainda, ter em conta a sua idade. Não
faria sentido, como referem os autores que vimos citando, que nos jardins-de-infância
e nas escolas do 1º e 2º Ciclos do ensino básico, pelo menos, os alunos participassem
directamente na gestão, já fazendo sentido que participassem em sua representação
os pais; por outro lado, nas escolas universitárias, o direito de participação, conjuga-
do com o grau de autonomia de que gozam (artigo 76º, n.º 2), exige a participação
directa dos alunos.
Como referem Miranda e Medeiros, olhando especialmente para o direito de
participação de professores e alunos na gestão das escolas, “tal direito é simulta-
neamente um corolário da liberdade de aprender e de ensinar” (artigo 43º, n.º 1),
constitui um exercício de liberdade24 e é um veículo de realização do direito à edu-
cação, pois a educação deve «contribuir para a participação democrática na vida
colectiva» (artigo 73º, n.º 2) ”.
Deve assinalar-se que, enquanto direito constitucional, o direito de participação
na gestão não é extensível aos funcionários não docentes das escolas, sem prejuízo da
lei geral o poder vir a prever. Como referem, ainda, Miranda e Medeiros25 o direito
de participação das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades
e das instituições de carácter científico na definição da política de ensino é “menos
23 Miranda, Jorge e Medeiros, Rui. (2005). Op. cit.
24 Machado, J. Batista. (1982). Participação e Descentralização – Democratização e Neutralidade na Constituição de 76.
Coimbra: Livraria Almedina, p. 63.
25 Miranda, Jorge e Medeiros, Rui (2005). Op. cit.
‹ 29
intenso” que o direito de participação dos professores e dos alunos na gestão das
escolas, já que a Constituição estabelece que a lei regulará as “formas de participa-
ção”, não poderá, porém, ser de tal forma restringido que perca o significado da sua
consagração constitucional.
As afirmações anteriormente expressas realçam o que será o sistema educativo
português, tendo em conta as obrigações constitucionais do Estado em matéria da
realização do direito dos cidadãos à educação e o instrumento através do qual a deve
assegurar (uma rede de estabelecimentos públicos de ensino), que analisaremos neste
capítulo, ainda que sucintamente. Fá-lo-emos nos termos em que a CRP (artigo 73º,
n.º 2) o define, ou seja, a escola e outros meios formativos, o que só pode significar
que o sistema educativo português abrange a educação pré-escolar, a educação esco-
lar e a educação extra-escolar.
O sistema educativo português em três décadas de regime democrático. Os
dados anteriormente referidos, confirmam como a política educativa portuguesa tem
sofrido percalços sucessivos ao sabor das alternâncias partidárias no poder.
No Relatório da OCDE, sobre “Exame das Políticas Nacionais de Educação”26, re-
flectindo esta tendência portuguesa nas vicissitudes da evolução da política educativa
portuguesa, no período de 1794 a 1984, escrevia: a “última década caracterizou-se,
em Portugal, por muitas iniciativas educativas incompletas. É como se arquitectos com
concepções radicalmente diferentes tivessem sido nomeados, em sucessão rápida, para
um mesmo projecto. Cada arquitecto, antes de ser substituído, teria tido o tempo exac-
tamente suficiente para apresentar um projecto de grande envergadura (e, por vezes,
para derrubar, ou pelo menos, minar, qualquer estrutura já existente que lhe fizesse
obstáculo). Os projectos assim concebidos escapam ao peso da responsabilidade seja de
quem for (…). Para o sistema educativo português, o resultado tem sido uma dispari-
dade notória entre as intenções e a sua realização, assim como a acumulação de graves
problemas de ordem prática (…)”.
Assim continuou a suceder desde então. Iniciam-se “reformas” que o Governo
subsequente interrompe sem avaliação, lançando a sua “reforma” que virá a ser in-
terrompida por uma nova “reforma”, igualmente interrompida sem avaliação pelo
Governo que se lhe seguir e, assim, sucessivamente. Veio a suceder com a Lei n.º
26/2000, aprovada na Assembleia da República pelo Partido Socialista, que foi revo-
gada pela Lei n.º 1/2003, aprovada na Assembleia pela maioria PSD/PP. Por sua vez
revogada pela Lei n.º 49/2005, aprovada agora no Parlamento, pela maioria socialista.
Esta prática pode, ainda, ser ilustrada com o XV Governo Constitucional, de Du-
rão Barroso, que logo anunciou no seu Programa a intenção de suspender e sem pre-
via avaliação a “reforma” então em curso promovida pelo anterior Governo.
A política educativa portuguesa não se libertou, ainda, como vimos, dessa ca-
racterística que a OCDE de forma exemplar denunciou. A estabilidade tem, no es-
26 OCDE. (1984). Exame da política educativa de Portugal pela OCDE. Lisboa: GEP/ME, p. 26.
30 ›
sencial, coincidido com os períodos de Governos que vão para além da duração de
uma legislatura, como sucedeu com os Governos de Cavaco Silva e de António Gu-
terres, períodos em que é possível assinalar progressos notórios na consolidação e
desenvolvimento do sistema educativo, como de algum modo se conclui pela análise
que fizemos anteriormente. Não deixa, aliás, de ser curioso assinalar que os grandes
movimentos de expansão do sistema público de ensino superior precederam ou se
sucederam imediatamente a períodos eleitorais. Foi assim em 1979, com as eleições
intercalares para a Assembleia da Republica, em 1985 e 1986, com as eleições legisla-
tivas e autárquicas, em 1994 e mais tarde 1999, de novo com as eleições legislativas.
Esta situação pode, também, ajudar a explicar, por exemplo, a razão porque a
expansão da rede de estabelecimentos de ensino superior prosseguiu mesmo quando
já não era possível ignorar a redução, a muito curto prazo, do número de alunos.
Estrutura geral do sistema educativo na Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com
as alterações introduzidas em 1997, pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro e
em 2005, pela Lei n.º 49/2005. O sistema público. Como vimos, o sistema educa-
tivo em Portugal em geral está marcado desde a década de 70 por três documentos
legislativos fundamentais: a Lei n.º 5/73, de 25 de Julho, a Constituição da República
Portuguesa, e a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações que lhe foram
introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro e, mais recentemente, pela Lei
n.º 49/2005, de 30 de Agosto.
Ao debruçarmo-nos sobre o sistema educativo português e alguns dos aspectos
mais significativos da sua evolução nos últimos 30 anos, não podemos deixar de
ter presente alguns dos princípios fundamentais que o enformam, consequência do
regime democrático instaurado após o 25 de Abril e consagrados pelos normativos
constitucionais a que se subordinou a LBSE e demais legislação complementar.
Logo a partir de 1980 foram várias as iniciativas e tentativas dos Governos para
aprovar uma Lei de Bases da Educação que sucedesse à Lei n.º 5/73 de Veiga Simão27,
nunca regulamentada, mas que de algum modo serviu de referência à política edu-
cativa portuguesa nos anos subsequentes à revolução. Tal resultava do imperativo
constitucional mas também, como refere Campos28 da necessidade de clarificar a
organização do sistema de ensino português.
A LBSE, que estabeleceu o quadro geral do sistema educativo (artigo 1º, n.º 1)
obedece a uma sistemática rigorosa, enunciando: no Capítulo I, o seu âmbito de apli-
cação e os princípios a que obedece o sistema educativo; o Capítulo II, dedicado à
organização do sistema; o Capítulo III, aos apoios e complementos educativos; o Ca-
pítulo IV, aos recursos humanos; o Capítulo V, aos recursos materiais; o Capítulo VI,
à administração do sistema educativo, o Capítulo VII ao desenvolvimento e avaliação
do sistema educativo; o Capítulo VIII, ao ensino particular e cooperativo.
27 Matias, José. (2006). Lei de Bases do Sistema Educativo 1986-2006. Lisboa: CNE. Policopiado.
28 Campos, Bártolo Paiva. (1987). Prefácio a Lei de Bases do Sistema educativo – Apresentação e Comentários. Porto: Edições
ASA, p.6
‹ 31
Façamos uma breve análise do texto legal, dando particular importância aos temas
estruturantes que foram determinantes para a clara definição da reforma educativa
que impulsionaram, como lhes chamou Pires29, referindo-se à estrutura geral do sis-
tema educativo, à estrutura e definição do ensino básico, à organização do ensino
superior, à formação de professores para o ensino básico, à administração do sistema
escolar e ao ensino particular e cooperativo.
No que se reporta aos princípios, eles vêm enunciados no artigo 2º, sob a epígrafe
“Princípios gerais”, e no artigo 3º, sob a epígrafe “Princípios organizativos”. Eles resul-
tam, como já referimos, da própria Constituição da República e poderemos referi-los
sucintamente: a formação integral dos cidadãos; a descentralização e desconcentração
do sistema educativo; o direito de participação; a correcção de assimetrias; a criação
de condições para uma segunda oportunidade educativa; a unidade do sistema (uni-
dade territorial, vertical e horizontal); a organização sequencial progressiva; ou seja,
cada nível de ensino é terminal; a liberdade de ensinar e aprender; a democratização
do acesso ao ensino; sucesso e d ocupação profissional; a coabitação e empregabilida-
de dos saberes e a inserção e integração comunitária.
Como metas fundamentais no horizonte do ano 2000, tendo em vista o desenvol-
vimento da LBSE a médio prazo, Campos30 identificou as seguintes: escolarização de
9 anos, gratuita e universalmente conseguida precedida de oportunidades intencio-
nais de educação de infância; educação tecnológica de base e formação de todos os
jovens para a vida activa; generalização de segundas oportunidades educativas (atra-
vés do ensino recorrente, ensino a distância, formação profissional, ou de quaisquer
outros meios aptos para o efeito); formação de especialistas e investigadores de alto
nível e elevação dos níveis educativos de toda a população.
Num balanço dos efeitos positivos e negativos da aplicação da LBSE, refere Ma-
tias31, como positivos: a clareza do quadro normativo; a sua estabilidade e coerên-
cia organizacional; a escolarização progressiva, tendencialmente universal do ensino
básico, triplicando no ensino secundário e duplicando no superior; o aumento dos
níveis de qualificação dos professores; uma redução significativa do abandono escolar
no ensino básico e uma grande expansão dos equipamentos educativos. Persiste, ne-
gativamente, a manutenção do atraso quantitativo e qualitativo dos índices de quali-
ficação dos portugueses em relação à média da EU-15 e mantêm-se níveis igualmente
preocupantes de insucesso escolar, a que se juntam níveis igualmente elevados de
abandono escolar da população entre os 18 e os 24 anos. O abandono escolar na
população com idade entre os 18 e os 24 anos era em 2006 em Portugal de 40%, se-
gundo dados do EUROSTAT 2006, quando a média da União Europeia era de 17,0%.
Persiste, também, a desigualdade de oportunidades na medida em que o factor
económico e social continua a ser condicionante do sucesso; a “licealização” do cur-
29 Pires, Eurico Lemos. (1987). Lei de Bases do Sistema Educativo – Apresentação e comentários. Porto, ASA.
30 Campos, Bártolo Paiva. (1987). Op. Cit. p. 10 e segs.
31 Matias, José. (2006). Op. Cit. p. 10 e segs.
32 ›
rículo, em prejuízo da formação de componente técnica; a escassa valorização social
e empresarial dos saberes escolares, e a centralização, burocracia e ineficácia da acção
governativa/educativa: a falência dos modos de governação das escolas.
Será importante dedicarmos algumas linhas à problemática da governação das
escolas, já que na sua autonomia residia a confiança de soluções criativas e projectos
próprios que seriam fundamentais para a sua inserção no desenvolvimento das re-
giões em que estavam inseridas e do País (artigo 45º da LBSE). O balanço, porém, é
profundamente crítico e corresponde à continuação de um percurso atribulado que
vem desde os primórdios da revolução de Abril.
A este respeito, Licínio C. Lima32, num balanço sobre a administração da educação
e a autonomia das escolas no pós-25 de Abril, identifica um primeiro período entre
1974 e 1976 (I Governo Constitucional), que denomina de autogestionário, e que
caracteriza por uma autonomia de facto e não de direito, “através de processos de
mobilização e de activismo que afrontaram os poderes centrais”. Este movimento com
origem no afastamento de reitores e directores das escolas, não foi estancado pelo
Decreto-Lei n.º 221/74, de 27 de Maio, que reconheceu os órgãos escolares eleitos
ou a eleger, nem pelo Decreto-lei n.º 735-A/74, de 21 de Dezembro, que tenta travar
as práticas autonómicas e conduzir à normalização do governo das escolas através
de um modelo de gestão único, de três órgãos de gestão eleitos (conselho directivo,
conselho pedagógico e conselho administrativo).
Este processo autogestionário conduziu à situação que o I Governo Constitucional
no seu Programa chamou de “caos total”, contra o qual se propunha reagir.
Em 1976, o Governo procurou pôr termo a esta fase autogestionária através da pu-
blicação do Decreto-Lei n.º 769-A/76, de 23 de Outubro. Permitiu este diploma legal
institucionalizar nas Escolas o princípio da gestão democrática, através da eleição dos seus
órgãos e da criação de um sistema centralizado de administração e governo das escolas33.
Como já foi assinalado, em 1986, Cavaco Silva nomeia a Comissão de Reforma
do Sistema Educativo (CRSE). Esta Comissão, na Proposta Global de Reforma34, que
apresenta em 1988, admitindo a falência do “modelo centralizador” e fundada no
artigo 44º da LBSE, propôs ao Governo que consagrasse na lei uma ampla autonomia
das escolas, nos domínios administrativo e financeiro e da organização e funciona-
mento pedagógico.
O Governo não viria, porém, a seguir no essencial as propostas de descentraliza-
ção defendidas pela Comissão de Reforma, embora o Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 de
Fevereiro, (que estabelece o regime jurídico da autonomia da escola), tivesse anuncia-
do como procurando inverter a centralização tradicional da educação através de uma
transferência dos poderes de decisão para os planos regional e local, mantendo-se
32 Lima, Licínio C. (2006). A Educação em Portugal (1986-2006). Lisboa: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação.
Policopiado.
33 Formosinho, João. (1988). Princípios para organização e administração da escola portuguesa. Em: CRSE, A gestão do
sistema escolar. Lisboa: Ministério da Educação. pp. 53-102.
34 CRSE (1988), Lisboa: Ministério da Educação.
‹ 33
em vigor a legislação de 1987 (Decreto-Lei n.º 3/87, de 3 de Janeiro), que limitava
fortemente a capacidade de decisão por parte das escolas.
A autonomia das escolas virá a conhecer novo impulso, mais de formulação do
que de práticas, com a publicação do Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio, alte-
rado pela Lei n.º 24/99, de 22 de Abril, que aprova o regime de autonomia, adminis-
tração e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básicos e
secundário e que, finalmente, procura romper com o modelo de 1976. No artigo 3º,
n.º 1 do Regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 115-A/89, a autonomia das escolas é
definida “como o poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar
decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organiza-
cional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios
que lhe estão consignados”. O “poder reconhecido à escola pela administração edu-
cativa (…) em função dos meios que lhe estão consignados”, meios dependentes das
novas prerrogativas concedidas às escolas que venham a assinar contratos de autono-
mia de primeira fase e, após avaliação, a celebrar contratos de segunda fase, com um
aprofundamento das competências e alargamento dos meios que tinham sido postos
à sua disposição na fase anterior (Decreto-lei n.º 43/89, de 3 de Fevereiro, aplicável
até então apenas às escolas oficiais dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e às escolas
secundárias, nos termos do artigo 1º). Infelizmente, até à data, a autonomia continua
por cumprir e não foi ainda celebrado nenhum contrato, pese embora o facto de o
actual Governo defender a transferência de poderes para as escolas e decorrerem ne-
gociações nesse sentido há já dois anos.
Segundo Licínio C. Lima35 (2006, p. 51), a acção do XVII Governo não produ-
ziu até ao momento qualquer ruptura significativa em relação ao ensino pré-escolar,
básico e secundário, prosseguindo no essencial a orientação “racionalista e moder-
nizadora”, em particular no que se refere à extinção de escolas do ensino básico e à
não assinatura de contratos de autonomia, assinalando o reforço pontual do apoio à
construção e adaptação de instalações do ensino básico e da educação de infância,
tendo em vista responder às consequências do encerramento de escolas (despacho
Conjunto n.º 200/2005, de 7 de Março).
O movimento de reorganização da rede escolar, sobretudo do 1.º ciclo do ensino
básico, visa criar uma nova racionalidade na distribuição das escolas pelo país e um
melhor aproveitamento dos recursos docentes e materiais, o que na lógica da cons-
tituição de agrupamentos, adiante referenciados de forma mais detalhada, origina
economias de escala na gestão dos estabelecimentos de ensino e permite romper o
espartilho em que o sistema tem funcionado até agora, visto a competência em maté-
ria de edifícios e equipamentos no 1.º ciclo ser das autarquias e nos restantes ciclos,
caber ao Ministério da Educação. Doravante o que se pretende é uma melhor gestão
do sistema e não qual o agente a quem compete exercê-la, autarquias ou Ministério.
35 Lima, Licínio C. (2006). Op. Cit., p. 51.
34 ›
Já no que se reporta ao ensino superior, uma profunda reforma legislativa do sis-
tema de ensino superior público e privado. O primeiro passo foi dado com a revisão
da LBSE, pela Lei n.º 49/05, de 30 de Agosto, que procedeu e está a permitir proceder
a profundas alterações ao regime jurídico do ensino superior.
No ano lectivo 2006/2007, encontravam-se matriculados no ensino não superior
1.669.470 alunos, dos quais 247.244 na educação pré-escolar, 1.084.800 no ensino
básico, 337.446 no ensino secundário.
A educação pré-escolar. O sistema público de educação pré-escolar, previsto na
Constituição da República Portuguesa, foi criado pela Lei n.º 5/77, de 1 de Fevereiro,
que veio revogar expressamente o n.º 2 da base IV e a base V da Lei n.º 5/73, de 25
de Julho, que aprovou a chamada reforma Veiga Simão de 1973, que reintegrara a
educação de infância no sistema educativo, depois de ter sido extinta como ensino
oficial pelo Estado Novo.
Na mesma data, a Lei n.º 6/79, de 1 de Fevereiro, cria as escolas normais de edu-
cadores de infância destinadas a formar os educadores de infância necessários à im-
plementação e desenvolvimento do sistema público de educação pré-escolar, acabado
de criar, entretanto extintas quando em cada distrito entraram em funcionamento as
Escolas Superiores de Educação (Decreto-Lei n.º 101/86, de 17 de Maio).
Porém, como refere Medina Carreira36 se é verdade que o zelo legislativo de que a
educação pré-escolar foi alvo produziu alguns efeitos imediatos – em 1975/76 havia
3 956 crianças no ensino pré-escolar oficial e em 1980/81, 69 016 – depressa se esgo-
taram pois que em 1985/86 havia decrescido para 54 320, recuperando em 1990/91
para os níveis da década anterior, com 69 541 crianças.
O desenvolvimento da educação pré-escolar foi assumido em 1995 como uma
prioridade pelo XIII Governo Constitucional. Em resultado da situação a nível na-
cional e para a inverter, o Ministério da Educação elaborou, em 1995, um Plano de
Expansão da Rede de Estabelecimentos de Educação Pré-Escolar37, assistindo-se des-
de então ao alargamento da rede do sistema público de educação pré-escolar e a um
crescimento constante do número de crianças no sistema.
Um trabalho desenvolvido por Vilarinho38 analisa o papel do Estado na defini-
ção e desenvolvimento da Educação Pré-Escolar, tendo por base o discurso oficial
produzido nos últimos vinte anos (1977/1997), e identifica três períodos: Criação,
Normalização e Expansão (1977-1986) / Retracção (1986-1995) / Revitalização?
(1995-1997). Aquele trabalho permitiu-lhe concluir que, nas décadas de 80 e 90,
o Estado tem reservado para si os papéis de “mobilizador” de diversas iniciativas da
Sociedade Civil e de regulador, desvalorizando o papel de “promotor” directo de jar-
dins-de-infância públicos. Para Vilarinho, a publicação da Lei-Quadro da Educação
36 Carreira, Medina. (1996). O Estado e a Educação. Lisboa: Edições Jornal Público.
37 Ministério da Educação. (2000). A Educação Pré-Escolar e os Cuidados de Infância em Portugal, Relatório Preparatório
para a OCDE. Lisboa: Ministério da Educação.
38 Vilarinho, Mª Emília. (2000). Políticas de Educação Pré-Escolar em Portugal (1977/1997). Lisboa: Instituto de Inovação
Educacional.
‹ 35
Pré-Escolar Lei n.º5/97 de 10 de Fevereiro), reforçou essa perspectiva ao redefinir o
conceito de rede de educação pré-escolar e ao integrar nele os jardins-de-infância das
redes pública e privada, numa relação de complementaridade entre si e ao introduzir
as condições para a intervenção estatal nos estabelecimentos pré-escolares, nomea-
damente através da assunção da tutela pedagógica pelo Ministério da Educação e de
novos mecanismos de avaliação e supervisão.
É no período que Vilarinho denominou de Revitalização? (1995-1997), no
início de 1997, que é aprovada a Lei Quadro da Educação Pré-Escolar, Lei n.º
5/97, de 10 de Fevereiro. De acordo com a Lei a “educação pré-escolar é a pri-
meira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo
complementar da família” (artigo 2º) e “destina-se às crianças com idades compre-
endidas entre os três anos e a idade de ingresso no ensino básico” (artigo 3º), sendo
“ministrada em estabelecimentos de educação pré-escolar” (artigo 3º, in fine) e é
gratuita (artigo 16º, n.º 1).
A educação pré-escolar tem por objectivo estimular as capacidades da criança;
favorecer a sua formação, o desenvolvimento equilibrado de todas as suas potencia-
lidades, a integração e participação da criança no meio natural através da sua obser-
vação e compreensão; contribuir para a sua estabilidade e segurança afectivas; desen-
volver a formação moral da criança e o sentido da responsabilidade, associado ao da
liberdade, o desenvolvimento da sua sociabilidade através da integração em grupos
sociais diversos, complementares da família, desenvolver as capacidades de expressão
e comunicação da criança, assim como a imaginação criativa, e estimular a actividade
lúdica; incutir hábitos de higiene e de defesa da saúde pessoal e colectiva; permitir
a despistagem de inadaptações, deficiências ou precocidades, e, promover a melhor
orientação e encaminhamento da criança (artigo 5º, n.º 1 da LBSE).
A educação pré-escolar, conforme estabelece a Lei n.º 5/97,seria assegurada pela
rede de educação pré-escolar, constituída por uma rede pública e uma rede privada,
complementares entre si, (artigo 9º). A complementaridade recíproca das redes (a lei
refere que são “complementares entre si”), visava assegurar a universalidade da oferta
(artigo 9º), o que pressupunha que quer o Estado, quer a iniciativa privada, tenham
o dever de articular, entre si, as suas iniciativas neste domínio.
A Rede Nacional de Educação Pré-Escolar é constituída, assim, por uma rede
pública (49%), que compreendendo os estabelecimentos na dependência directa da
administração pública central e local e uma rede privada (18%), constituída pelos
estabelecimentos particulares e cooperativos e os estabelecimentos sem fins lucrativos
(33%) (rede solidária).
A lei assume, de modo claro, que a educação pré-escolar é complementar da acção
educativa da família, o que significa que reconhece à família o papel principal, acei-
tando o Estado para si uma relação de subsidiariedade em relação à família (artigo 2º).
Em consequência deste princípio a educação pré-escolar é facultativa (artigo 3º, n.º 2).
36 ›
Nos termos do artigo 15º da Lei-Quadro a educação pré-escolar reveste, além de
outras, as modalidades de educação de infância itinerante e animação infantil comuni-
tária, consistindo a primeira na prestação de serviços de educação pré-escolar através
da deslocação regular de um educador a zonas de difícil acesso ou a zonas de reduzido
número de crianças e, a segunda, na realização de actividades adequadas ao desenvol-
vimento de crianças, durante um determinado período do dia, em instalações cedidas
pela comunidade local, residentes em zonas urbanas ou suburbanas carenciadas.
A gratuitidade da educação pré-escolar, garantida pela Lei n.º 5/97, de 10 de Feve-
reiro, teve início no ano lectivo 1997/1998 para as crianças que haviam completado
5 anos de idade, tendo-se alargado progressivamente às demais crianças, até ao ano
lectivo 2000/2001.
A aprovação e publicação do regime jurídico do desenvolvimento e expansão da
educação pré-escolar, através do Decreto-lei n.º 147/97, de 11 de Junho, que defi-
niu, igualmente, o respectivo sistema de organização e financiamento, tinha em vista,
como se refere no respectivo preâmbulo, o objectivo fixado pelo Governo em 1995
de, até ao final do século, elevar a oferta global de educação pré-escolar para 90% das
crianças de 5 anos de idade, 75% das crianças, de 4 anos de idade e 60 % das crianças,
de 3 anos de idade. A taxa de cobertura no continente subiu de 55,5% em 1994 para
71,2% em 200039. Em relação ao mesmo período, regista-se um forte crescimento
do número de crianças em idade pré-escolar que já se encontravam matriculados na
rede nacional, que passou de 172.582 para 219.042, ou seja, no período em análise
o número de crianças em idade pré-escolar que entraram no sistema, cresceu 26,9%.
Parece-nos importante salientar agora que, na educação pré-escolar, segundo o
Ministério da Educação, a taxa de escolarização (alunos com idade própria para fre-
quentar o nível de ensino em que estão matriculados), mais do que sextuplicou,
subindo de 12,6 %, em 1977/1978, para 77,4 % em 2004/2005.
A educação escolar. O ensino básico. Em Portugal, nos termos da LBSE, o en-
sino básico é universal, obrigatório e gratuito e tem a duração de nove anos, nele
ingressando as crianças que completem os 6 anos de idade até 15 de Setembro.
A obrigatoriedade só termina aos 18 anos de idade (os alunos que tenham atingi-
do a idade limite da escolaridade obrigatória sem terem concluído o 3.º ciclo podem
prosseguir estudos, através de diversas modalidades de educação de jovens e adultos).
A gratuitidade abrange as propinas, taxas e emolumentos relacionados com a ma-
trícula, frequência e certificação (artigo 6º). Os alunos podem, ainda, quando neces-
sário, dispor gratuitamente do uso de livros e material escolar, bem como de trans-
porte, alimentação e alojamento.
De acordo com o artigo 8º da LBSE, os três ciclos sequenciais do ensino básico
(vide quadros seguintes), são organizados da seguinte forma: no 1.º ciclo, o ensino
é globalizante, em regime de mono docência, podendo o professor ser apoiado em
39 DAPP, 2000.
‹ 37
áreas especializadas (n.º1/a); no 2.º ciclo, o ensino é organizado por disciplinas e
áreas de estudo de carácter pluridisciplinar de formação básica desenvolvendo-se, em
regra, em regime de professor por área (n.º 2/ b); no 3.º ciclo, o ensino é organizado
segundo um plano curricular unificado, integrando áreas vocacionais diversificadas,
organizado por disciplinas e desenvolvido em regime de um professor por disciplina
ou grupo de disciplinas (n.º 3/c).
Para cada ciclo de estudos, a LBSE estabelece um conjunto de objectivos es-
pecíficos que regula no n.º 2 do artigo 8º: para o 1º ciclo, o desenvolvimento da
linguagem oral, a iniciação e progressivo domínio da leitura e da escrita, a aquisição
das noções essenciais de aritmética e cálculo, do meio físico e social, das expressões
plásticas, dramática, musical e motora (alínea a)); para o 2º ciclo, a formação hu-
manística, artística, física e desportiva, científica e tecnológica, visando desenvol-
ver nos alunos competências para a interpretação critica e criativa da informação,
criando condições para a aquisição de por estes de métodos e instrumentos de tra-
balho e de conhecimento que permitam o prosseguimento da sua formação numa
perspectiva de compreensão e de capacidade de actuar perante a comunidade e os
seus problemas fundamentais (alínea b)); para o 3.º ciclo, aquisição sistemática e
diferenciada da cultura moderna, nas suas mais diversas dimensões, desde a huma-
nística, à literária, artística e física e desportiva, científica e tecnológica, indispensá-
vel ao ingresso na vida activa e ao prosseguimento de estudos (alínea c)).
No que se reporta à avaliação, no ensino básico os alunos são sujeitos à avaliação
sumativa interna. Para conclusão do 3.º ciclo, os alunos são submetidos a uma ava-
liação sumativa externa, através de exames nacionais, nas disciplinas de Português
e Matemática. Aos alunos que completam com sucesso o 3.º ciclo, é atribuído o
diploma do ensino básico.
O ensino básico é assegurado por escolas públicas, particulares e cooperativas.
As escolas públicas estão tipificadas pelo Despacho Normativo n.º 33/ME/91, de
26 de Março, nos termos seguintes: escola do 1.º ciclo do ensino básico (dos 6
aos 10 anos de idade); escola do 1.º ciclo com jardim-de-infância (dos 3 aos 10
anos); escola do 2.º e 3.º Ciclos do ensino básico (dos 10 aos 15 anos); escola
básica integrada – 1.º, 2.º e 3.º Ciclos (dos 6 aos 15 anos); escola básica integrada
com jardim-de-infância (dos 3 aos 15 anos) e escola secundária com o 3.º ciclo
(dos 12 aos 18 anos).
O reordenamento da rede educativa, iniciada em 2000 com a aprovação do
Decreto Regulamentar n.º 12/2000, de 29 de Agosto, veio iniciar um processo de
agrupamento de escolas de educação pré-escolar e do ensino básico, com base em
dinâmicas locais e com o objectivo de anular situações de isolamento e de dispersão
de escolas de pequena dimensão, prevenir a exclusão social e favorecer os alunos
abrangidos pela escolaridade obrigatória, garantindo em simultâneo um percurso
sequencial e articulado entre os vários ciclos de ensino.
38 ›
O reordenamento então iniciado conduziu à constituição de agrupamentos de
escola, que poderemos definir como uma nova unidade organizacional, dotada de
órgãos próprios, que pode agrupar estabelecimentos de educação pré-escolar e de
um ou mais ciclos do ensino básico, numa relação de articulação vertical ou ho-
rizontal, geograficamente próximos e dotados de projectos comuns e articulados.
Segundo dados do Ministério da Educação, no ano lectivo 2005/2006, esta-
vam constituídos 847 agrupamentos de escolas ao nível do continente nacional,
97 dos quais horizontais (constituído por escolas do mesmo ciclo de ensino) e
750 verticais (constituído por jardins de infância e escolas do ensino básico de
diversos ciclos do ensino básico).
A rede educativa, enquanto configuração da organização territorial dos edifícios es-
colares afectos aos estabelecimentos de educação pré-escolar e do ensino básico e se-
cundário, integra 10 092 estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino básico
e secundário, assegurando a cobertura nacional destes níveis de educação e ensino.
Duas notas finais que nos parecem importantes: uma para o insucesso escolar
e outra para as taxas de escolarização do ensino básico.
As elevadas taxas de insucesso escolar são um dos problemas mais preocu-
pantes no que respeita ao ensino básico. Segundo o Gabinete de Informação e
Avaliação do Sistema Educativo (GIASE) do Ministério da Educação, os dados
recolhidos permitem estabelecer uma forte relação entre a dimensão das escolas e
o sucesso escolar: quanto menores e mais isoladas são as escolas, maiores são as
taxas de insucesso escolar, de acordo com este serviço do Ministério.
Foi com base neste estudo que o Ministério da Educação decidiu implementar
a política de encerramento de escolas sem o número de alunos considerado mini-
mamente desejável, com base em dois critérios: as escolas terem um número de
alunos inferior a 10 ou terem um número de alunos inferior a 20 e uma taxa de
aproveitamento inferior à média nacional.
A opção de encerramento visa transferir as crianças para escolas maiores e ir
construindo Centros Escolares, cuja competência cabe às autarquias, onde pos-
sam ser asseguradas melhores condições de acolhimento e de ensino e onde exis-
tam, ou venham a ser construídas, infra-estruturas consideradas indispensáveis,
como sejam cantinas, bibliotecas, pavilhões desportivos e tecnologia multimédia.
De acordo com o Ministério da Educação, este movimento de reorganização da
rede permite a concretização da escola a tempo inteiro, através da criação de con-
dições adequadas para manter o funcionamento do estabelecimento em regime
normal, com aulas de manhã e de tarde, o fornecimento de almoço, o transporte
escolar e a organização de actividades de enriquecimento curricular, facilitando
a socialização entre as crianças, ao mesmo tempo que assegura o acesso a mais e
melhores recursos e contribui para a concretização do princípio constitucional da
igualdade de oportunidades.
‹ 39
Em 2005/2006, de acordo com dados do Ministério da Educação, o processo de
reordenamento da rede do 1.º ciclo levou ao encerramento de 1500 estabelecimentos
em 212 concelhos, tendo sido assegurada a transferência dos cerca de 11 mil alunos
(uma média de 7,3 alunos por escola) para 847 escolas acolhedoras. Até ao fim de
2007, o ME tenciona encerrar, de acordo com os critérios estabelecidos e já anterior-
mente mencionados, pelo menos, mais 900 escolas.
Por último, quanto à taxa de escolarização, de referir que a taxa de escolariza-
ção no 1.º ciclo atingiu os 100%, em 1980/1981, tendo estabilizado neste nível
percentual. No 2.º ciclo, esta taxa praticamente triplicou desde então, registando-
se um aumento de 34,4 % para 86,4%. No 3.º ciclo, a taxa de escolarização efec-
tivamente triplicou, verificando-se uma subida de 27 % para 82,5%. No entanto,
apesar destes consideráveis progressos, a convergência com os níveis europeus
está longe de ser alcançada e nos 2.º e 3.º Ciclos do ensino básico este indicador
estagnou desde 199640.
A educação escolar. O ensino secundário. O Ensino Secundário, tal como é defi-
nido na LBSE, constitui a escolaridade pós-obrigatória e compreende um ciclo único
de três anos (10.º, 11.º e 12.º anos), posterior à conclusão do ensino básico.
Com o ensino secundário, o sistema educativo visa assegurar os seguintes objecti-
vos (artigo 9º da LBSE): assegurar o desenvolvimento do raciocínio, da reflexão e da
curiosidade científica e o aprofundamento dos elementos fundamentais de uma cultura
humanista, artística, cultural, científica e técnica e a sua compreensão de modo que
garantam a adequada preparação do aluno para a inserção na vida activa e para o pros-
seguimento de estudos; formar jovens interessados na resolução dos problemas do país
e sensibilizados para a problemática da comunidade internacional, a partir da realidade
concreta regional e nacional e da assimilação e compreensão dos valores permanentes
da sociedade em geral e da cultura portuguesa em particular; estabelecer um relacio-
namento saudável e natural com a sociedade e favorecer a formação profissional dos
jovens com vista à sua preparação para a vida activa e para a cidadania.
Conforme determina o n.º 3 do artigo 10º, o ensino secundário está organizado
segundo formas diversificadas, contemplando cursos predominantemente orientados
para a inserção na vida activa ou para o prosseguimento de estudos.
As aprendizagens a desenvolver pelos alunos de cada curso de nível secundário têm
como referência os programas das respectivas disciplinas, homologados por despacho do
Ministro da Educação, bem como as orientações fixadas para as áreas não disciplinares.
A evolução do ensino secundário em Portugal, medida pela sua taxa de frequên-
cia, mostra uma evolução positiva da taxa real de escolarização que, em 1985/1986
era de 17, 8%, em 2000/01 se situava em 62,5%, embora a partir deste ano se tenha
verificado uma tendência para a descida embora não acentuada41.
40 GIASE – Direcção de Serviço de Estatísticas, 2006.
41 Números da Educação. GIASE. Ministério da Educação. 2006.
40 ›
No entanto, as taxas de insucesso escolar mantêm-se preocupantes e tornam di-
fícil atingir as metas para a educação incluídas pela União Europeia na sua estratégia
para a educação (Commission of de European Communities, 2006 Report)42, que se
situam na redução para números não superiores a 10% das taxas de abandono escolar
e alcançar uma taxa no ensino secundário de diplomados de 85%, dos cidadãos até
aos 22 anos.
A taxa de transição/conclusão sofre um agravamento significativo quando deixa-
mos de considerar os cursos gerais e os cursos tecnológicos no seu conjunto, para
considerarmos apenas estes. Com efeito, a taxa de transição / conclusão dos cursos
tecnológicos do ensino secundário, apresenta tendências acentuadas de quebra desde
o ano lectivo 1996/1997, em que desceu dos 50%, tendo-se situado em 43%, no ano
lectivo 2004/2005.
A este resultado encontrar-se-á associada a desvalorização social anterior ao 25 de
Abril que recaía sobre o ensino técnico-profissional e conduziu ao desaparecimento
das Escolas Comerciais e Industriais, em nome da igualdade de oportunidades, que
se julgou apenas realizável através de uma via única de que se afastaria uma lógica
discriminatória e que levou praticamente ao desaparecimento do ensino técnico-pro-
fissional em Portugal.
A título comparativo refira-se que em 1994, de acordo com dados da OCDE, a
distribuição dos alunos do ensino secundário entre os cursos gerais e o ensino técnico
profissional, na Alemanha, era de 77,5% para o ensino técnico e de 22,5% para o en-
sino geral (na Áustria, de 77,8% e 22,2%, respectivamente, no Reino Unido de 57,7%
e 42,3%, na vizinha Espanha de 40,9% e 59,1%) e em Portugal, segundo dados do
Ministério da Educação, de 21,5% no ensino técnico-profissional e de 78,5% nos
cursos gerais. Esta era a taxa mais elevada registada em países da UE-15.
Estes dados apontam para o facto de que um dos desafios de Portugal para os pró-
ximos anos se situa no domínio da valorização social do ensino técnico-profissional e
do reforço do seu investimento43. É este o sentido do programa Novas Oportunidades
que aposta no ensino secundário como objectivo de referência para a qualificação
dos jovens e adultos portugueses, considerado como o patamar mínimo para dotar
os cidadãos das competências essenciais à economia do conhecimento, fazendo da
formação inicial apenas o patamar primeiro de uma formação ao longo de toda a vida.
De acordo com os objectivos do Governo pretende-se envolver, nos próximos anos,
mais de 650 mil jovens em cursos técnicos e profissionalizantes, procurando-se que
até 2010 metade do total de vagas ao nível do ensino secundário sejam destinadas a
cursos desta natureza.
42 Em: http : // www.miur.it / Miur / UserFiles / Dossier / Apprendimento % 20 Permanente / CEC-%202006%20-%20PRO-
GRESS%20TOWARDS%20THE%20LISBON%20OBJECTIVES%20IN%20EDUCATION%20AND%20TRAINING%20(Estrat-
ti).pdf
43 Cardim, José Eduardo de Vasconcelos Casqueiro. (2005). Do ensino industrial à formação profissional – as políticas públi-
cas de qualificação em Portugal. Lisboa: UTL- ISCSP, pp. 990 e segs.
‹ 41
A educação escolar. O ensino superior. Os cursos de ensino superior estão organi-
zados de acordo com o processo de Bolonha, nos termos do Decreto-Lei n.º 74/2006
e visam assegurar uma sólida preparação científica, cultural e tecnológica que habilite
para o exercício de actividades profissionais e culturais e o desenvolvimento das ca-
pacidades de concepção, de inovação e de análise crítica.
O ensino superior em Portugal está organizado segundo um modelo binário, ou
seja, em razão da diferente natureza das suas formações, em ensino universitário e
ensino politécnico (artigo 11º da LBSE).
As instituições de ensino superior universitárias e politécnicas, conforme o sector
de propriedade em que se inserem (artigo 82º da Constituição da República Portu-
guesa) podem ser públicas, privadas ou cooperativas44, existindo, ainda, uma univer-
sidade (que se integra no sector privado) instituída ao abrigo da Concordata com a
Santa Sé (artigo 1º da LBSE).
Para se candidatarem ao ensino superior através do concurso nacional, os estudan-
tes devem possuir curso de ensino secundário ou habilitação equivalente, ter realiza-
do as provas de ingresso exigidas para cada par estabelecimento/curso e satisfazer os
pré-requisitos exigidos, quando aplicável. O ingresso em cada instituição de ensino
superior está sujeito a numerus clausus (Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro).
Têm ainda acesso ao ensino superior, os indivíduos maiores de 23 anos que, não
sendo titulares da habilitação de acesso ao ensino superior, façam prova perante o
estabelecimento em que desejem ingressar, através da realização de provas organi-
zadas pelos respectivos estabelecimentos de ensino superior, que possuem capaci-
dade para a sua frequência, (Decreto-Lei n.º 64/2006, de 21 de Março).
No ensino superior são conferidos os graus académicos de licenciatura, mes-
trado e doutoramento. As universidades podem conferir o grau de licenciado,
mestre e doutor e os institutos politécnicos o grau de licenciado e mestre. É
permitida a atribuição de graus conjuntos ou em associação entre duas ou mais
instituições de ensino superior, nos termos da LBSE. No ensino politécnico, o
ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado tem, em regra, uma duração
de seis semestres curriculares, correspondentes a 180 créditos, enquanto no en-
sino universitário a sua duração varia entre seis e oito semestres curriculares,
correspondentes a 180 ou 240 créditos. O ciclo de estudos conducente ao grau
de mestre tem uma duração compreendida entre três e quatro semestres curricu-
lares, correspondentes a 90 ou 120 créditos.
A LBSE prevê ainda a possibilidade de serem criados cursos de 1º e 2º Ciclos in-
tegrados (os mestrados integrados), correspondendo o 1º ciclo a 180 créditos e o 2º
a 120 créditos. O grau de doutor é atribuído aos que tenham obtido aprovação nas
unidades curriculares do curso de doutoramento, quando exista, e no acto público de
44 Falarmos do ensino superior privado quando referimos o ensino superior não público, salvo quando fizermos distinção
expressa aos sectores de propriedade privado e ao cooperativo.
42 ›
defesa da tese. Os estabelecimentos de ensino superior podem ainda criar e ministrar
cursos de especialização tecnológica, de ensino pós-secundário não superior.
A democratização do acesso ao ensino superior a que assistimos desde 1974 é
bem visível quando comparamos a evolução do número de alunos matriculados no
ensino superior, desde 1973/1974 até 2003/2004, como demonstram o quadro e
gráfico seguintes. No ano lectivo 1973/1974, estavam matriculados no ensino su-
perior 53.201 alunos número que em 2003/2004 se cifrava em 385.631, já então
em fase se redução45.
O número de alunos inscritos registou uma tendência de crescimento até ao lecti-
vo 2002/2003, ano em que atinge o número máximo, com 395 478, tendo-se inicia-
do a partir de então a redução do número de alunos, que num período de três anos
(2002/03 para 2005/06), foi de 7,1%.
A redução do número de alunos no ensino superior terá tendência para se agravar,
se tivermos em conta a previsão da evolução demográfica para Portugal efectuada
pelo Instituto Nacional de Estatística, que prevê uma redução de 21,7% da popula-
ção, entre 2005 e 2020, no escalão etário dos 20 aos 24 anos.
A educação extra-escolar. Educação e formação de jovens e adultos. A edu-
cação e formação de jovens e adultos é uma via de segunda oportunidade destinada
a indivíduos que não tiveram oportunidade de frequentar a escola na idade normal
ou que a abandonaram precocemente ou que estão em risco de a abandonar. É,
ainda, uma via de formação para todos os que procuram a escola por questões de
natureza profissional ou valorização pessoal, numa perspectiva de aprendizagem
ao longo da vida.
Foi no sentido de proporcionar novas vias para a aprendizagem que foi aprovado
e está em desenvolvimento o programa “Novas Oportunidades” que tem como objec-
tivo alargar ao 12.º ano o referencial mínimo de formação de escolaridade.
O programa “Novas Oportunidades” assenta a sua filosofia no princípio de que
o ensino profissionalizante constitui uma opção efectiva para os jovens, capaz de os
qualificar para o ingresso na vida activa e, ainda na elevação da formação de base da
população activa, contribuindo para que esta adquira novos conhecimentos e com-
petências, alargando a sua empregabilidade. As diferentes modalidades de educação
não só conferem uma certificação escolar e/ou uma qualificação profissional, como
constituem uma outra via de acesso ao ensino pós-secundário não superior e/ou ao
ensino superior.
Estas são, em suma, as características essenciais do sistema educativo português,
bem como da sua evolução temporal. A referência às datas e aos acontecimentos mais
marcantes da sua evolução, sobretudo em data próxima, não esquece muitos outros
contributos, individuais e políticos, que marcaram a sua evolução e que, por não
serem referidos, não devem, no entanto, ser esquecidos.
45 OCES, 2004.
‹ 43
Breve quadro da qualificação da população portuguesa em relação aos obje-
tivos da EU 202046. Neste ponto procuraremos apenas sinalizar os últimos dados
disponíveis de referência relativos à qualificação dos portugueses.
Assim, em 2007 apenas 27% da população portuguesa dos 25 aos 64 anos havia
completado pelo menos o 12o ano, quando a média dos países da OCDE era de 70%.
No que respeita aos cuidados para a primeira infância a taxa de cobertura em Por-
tugal em 2009 é de 34,9%, superior à meta europeia que havia fixado em 33 a percen-
tagem de crianças a acolher em estabelecimentos de cuidados para a primeira infância.
Em contrapartida no que respeita à pré-escolarização dos 4 e 5 anos Portugal tinha
uma taxa de 86,7% em 2010, ainda distante da fixada pela EU 2020, que é de 95%.
No ensino básico as taxas reais de escolarização têm mantido um continuo cres-
cimento, tendo atingido os 100% no 1o ciclo, 90% no 2 o e estando muito próximo
deste valor no 3 o ciclo. A evolução das taxas de transição revela-se globalmente
positiva, situando-se na ordem dos 92% no ensino básico.
Quanto ao ensino secundário embora Portugal apresente uma evolução positiva
no que respeita à percentagem da população que entre os 18 e 0a 24 anos abandona
o sistema educativo e a que na mesma faixa etária conclui, pelo menos, o nível secun-
dário, como referimos anteriormente o afastamento em relação aos países da OCDE é
ainda muito elevado, com reflexos naturais no ensino superior.
No que respeita ao ensino superior a meta da EU 2010 é a de que, pelo menos,
40% da população na faixa etária dos 30 aos 34 anos tenham completado o ensino
superior. Em Portugal em 2008 apenas 21,6% da população desta faixa etária tinha
concluído um grau superior.
Um apontamento sobre os desafios que se colocam às instituições de ensino
superior no decurso desta década. Cremos que se justificará uma nota especial re-
lativa aos desafios que se colocam ao ensino superior na presente década, se tivermos
em conta a importância que é dada pelos entrevistados e o espaço que nas entrevistas
é ocupado pela problemática do ensino superior.
Acompanhando a reflexão que os autores vêm fazendo sobre o papel e evolução do
ensino superior na Europa, entendemos que a transformação mais importante a que as-
sistimos desde o princípio do século XIX nas universidades europeias é provavelmente
aquela que foi desencadeada pelo Processo de Bolonha47. Como refere Mora o modelo
de universidade actual corresponde ao da Universidade Universal, marcada pela uni-
versalização da sua procura (passagem de uma universidade de elites para uma univer-
sidade democratizada) e da sua nova missão (responder aos desafios e necessidades de
uma sociedade globalizada, ao serviço de uma nova sociedade, a do conhecimento).48
46 Conselho Nacional de Educação. (2010). Estado da Educação 2010. Percursos Escolares. Lisboa: Editorial do Ministério da
Educação.
47 European University Association (EUA), Trends IV – European Universities – Implementing Bologna, pag. 8, em: http://
www.crue.org/espaeuro/lastdocs/TrendsIV.pdf.
48 Mora, José-Ginés. (2001). Governance and management in the new university. Tertiary Education and Management, 7, pp.
95-110.
44 ›
Tendo presente a evolução das universidades, antes e depois do Processo de Bolo-
nha, parece-nos ser importante salientar alguns dos traços evolutivos mais relevantes
das instituições de ensino superior europeias.
A universidade medieval, constituída por uma comunidade de professores e alu-
nos, ainda que sob a protecção da Igreja ou dos reis, era uma universidade inde-
pendente. Vivia dos recursos financeiros provenientes dos bens que possuía e dos
pagamentos dos seus alunos. Eram instituições pequenas, de natureza privada e ad-
ministradas pelos próprios membros da comunidade49. Este modelo persistiu até
finais do século XVIII sem alterações significativas.
Com o nascimento do Estado-Nação, no início do século XIX, verifica-se uma
profunda mudança nas Universidades as quais sendo até então privadas, passam para
o domínio do Estado e são obrigadas a enfrentar os novos desafios impostos pela
revolução industrial. De duas tendências diferentes surgem dois novos modelos de
universidades: o alemão (modelo humboldtiano) e o francês (napoleónico).
Em 1808, na Universidade de Berlim, Von Humboldt instituiu os princípios que
vieram a caracterizar o chamado “modelo humboldtiano”, marcado por considerar a
pesquisa a par com o ensino como o objectivo básico da universidade. No modelo
“humboldtiano” as universidades convertem-se em centros de desenvolvimento cien-
tífico, sujeitas ao controlo e financiamento do Estado, dotadas de um grau elevado
de liberdade académica e de um espírito nacionalista acentuado (Magalhães, 2004,
pp. 51 e segs.).
Já o chamado “modelo napoleónico”50, caracterizou-se por uma perca progressiva
do sentido unitário da alta cultura, substituído pela crescente aquisição do conhe-
cimento de carácter profissional, profissionalizante, na linha do espírito positivista
pragmático e utilitarista do Iluminismo. A “universidade napoleónica”, desenvolve-se
em função das necessidades profissionais, assenta numa estrutura fragmentada em
escolas superiores, isoladas entre si e nos seus objectivos práticos. Cumpre a função
de criar a elite necessária ao funcionamento do Estado, não tem autonomia e os
seus docentes são funcionários públicos. O modelo francês de universidade dá clara
primazia ao ensino, embora não negligenciando a investigação (Caraça, Conceição,
Heitor, 1996, p. 31)51.
No Reino Unido, que no início do século XIX tinha seis universidades, o Esta-
do não interveio nas universidades, respeitando as suas características medievais,
e mantendo a natureza privada da sua propriedade. Isso poderá, segundo Mora52
(2004: 939), explicar o facto das universidades “públicas” britânicas, irlandesas e ca-
nadenses continuarem sendo “privadas” do ponto de vista jurídico”. As universidades
49 Magalhães, António M. (2004). A Identidade do Ensino Superior – Política, Conhecimento e Educação Numa Época de
Transição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para Ciência e a Tecnologia, p. 46 e segs.
50 Mora, José-Ginés. (2004). Op. cit., p. 939. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br.
51 Caraça, P. Conceição, M. V. Heitor. (1996). Uma perspectiva sobre a missão das universidades. Análise Social. Lisboa: Insti-
tuto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Vol. XXXI (139), p. 31.
52 Mora, José-Ginés. (2004), Op. cit.
‹ 45
existentes mostravam-se, porém, incapazes de responder às necessidades colocadas
pelo desenvolvimento industrial. Reagindo a essa incapacidade para responder à ne-
cessidade de formação de indivíduos mais qualificados para a indústria, a nobreza e
as autoridades locais de diversas cidades, criaram as chamadas universidades civis
que se expandiram por todo o Reino Unido durante o século XIX. No entanto, a tra-
dição das antigas universidades, possibilitou, que desde o início, nela se instaurassem
Conselhos de Administração formados por não académicos (os cidadãos que haviam
organizados as universidades53). Tais conselhos presididos por um chanceler, nomea-
vam um vice-chanceler, que exercia por delegação todas as decisões de gestão directa
da universidade. A autonomia das universidades britânicas face ao Estado foi sem-
pre muito grande dada a sua natureza privada, ao contrário do que sucedia com as
universidades do continente europeu tradicionalmente dependentes do Estado que
suportava os seus custos.
Outro exemplo, da Irlanda, assenta na iniciativa do Cardeal Newman, fundador
da Universidade de Dublin, que concebeu a sua Universidade como o local do en-
sino do saber universal. Para Newman, a universidade enquanto centro de criação
e difusão do saber e da cultura54 assenta num paradigma da personalidade, ou seja,
mais do que a transmissão do conhecimento, interessa-lhe a formação do carácter e
da personalidade, numa perspectiva que, de acordo com os conceitos contemporâneos,
se pode apelidar de educação liberal55.
A estrutura deste tipo de universidade, segundo os mesmos autores, “é reconhecí-
vel na Universidade de Oxford e na Universidade de Cambridge e corresponde a uma
organização segundo ‘colleges’, onde os estudantes vivem em comunidade uns com os
outros e em convívio com os docentes”.
Os exemplos anteriores pretendem sublinhar que não há, assim, um modelo de
universidade europeia. Existem vários desenvolvimentos dos modelos referidos, com
níveis diversos de autonomia, seja no que concerne ao modelo de organização, de
governo, de financiamento e de autonomia académica.
Esta diversidade mostra, contudo, que a universidade europeia pré-Bolonha pode
ser caracterizada, sucintamente, do seguinte modo: em regra a universidade é pública
(Portugal é segundo dados da OCDE o país europeu com maior número de alunos
no ensino superior privado) na maioria dos países, com excepção para os do modelo
anglo-saxónico, os docentes têm uma relação jurídica de emprego público, embora
no modelo germânico o vínculo se estabeleça directamente entre o professor e a uni-
versidade e no modelo napoleónico entre o Estado e o professor; o financiamento da
educação superior é essencialmente público, seja porque as instituições são públicas,
seja pela reduzida interacção com o tecido produtivo; a autonomia das Universidades
53 Ibidem.
54 Magalhães, António M. (2004) A identidade do Ensino Superior – Política, Conhecimento e Educação Numa Época de Tran-
sição. Lisboa: Fundação Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia, p. 51.
55 Caraça, P. Conceição, M. V. Heitor (1996). Uma perspectiva sobre a missão das universidades. Análise Social. Lisboa: Insti-
tuto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Vol. XXXI (139), p.31.Op. cit.
46 ›
encontra-se definida na Lei (em Portugal consagrada na Constituição da República,
embora em termos a definir na Lei); em regra as instituições de ensino superior são
dirigidas por professores, alunos e funcionários da instituição; nos países que se-
guem o modelo napoleónico (principalmente os do sul da Europa, com excepção de
Portugal) os cursos são relativamente homogéneos, regulados e de carácter nacional,
dificultando a diferenciação das instituições; em regra os cursos de graduação, até
à implementação do Processo de Bolonha, estavam organizados em ciclos de longa
duração (4 a 5 anos) com forte componente académica, com níveis de abandono e
de insucesso muito elevados; a diversidade de modelos dentro de um mesmo sistema
de ensino superior que se encontra em alguns países (países com sistema de ensino
superior binário) nem sempre se traduz em diferente natureza das formações, uma
vez que os objectivos dos cursos e os planos de estudo são idênticos.
Este modelo de instituição de ensino superior que vimos a referir tem vindo a
ser questionado persistentemente pelo poder político europeu e pela sociedade civil
que considera que ele se tem mostrado incapaz de dar resposta aos novos desafios
económicos e sociais que se colocam a uma sociedade, cada vez mais globalizada e
interdependente. As universidades são vistas como instituições que tendem a manter-
se isoladas do contexto externo, tendem a uma rigidez de estrutura, sofrem graves
problemas de eficácia e eficiência externa, tendem a confundir os interesses dos que
nelas trabalham com o interesse público da instituição que a instituição prossegue56.
Este quadro, aos olhos dos responsáveis europeus, parece ser responsável pela per-
ca de competitividade da educação superior europeia no plano internacional e pela
diminuição da sua capacidade para atrair estudantes estrangeiros em relação aos Es-
tados Unidos57.
Os sistemas de educação superior na Europa assentam, também, em modelos
diversificados: alguns países têm sistemas unitários (as instituições têm o mesmo es-
tatuto e missão) e outros países têm sistemas binários (as instituições são classificadas
em universitárias e não universitárias, ou, como em Portugal universitárias e politéc-
nicas) competindo-lhes diferentes missões58, por razões que se prendem mais com as
guerras internas de poder e influência entre as instituições do que com critérios de
racionalidade do sistema59.
Em Portugal, o modelo dominante até ao princípio da década de 70 era o modelo
francês, seguindo a tendência da Península Ibérica; as quatro universidades portu-
guesas então existentes eram, essencialmente, instituições de ensino. A afirmação em
Portugal da universidade de investigação surge a partir do início dos anos 80, tendo-
56 González Ramírez, Teresa. (2005). El Espacio Europeu de Educación Superior: Una Nueva Oportunidad para la Univer-
sidad, In: La Universidad en la Unión Europea – El Espacio Europeo de Educación Superior y su impacto en la docencia, Pilar
Colás Bravo – Juan de Pablos Pons (coords). Málaga: Ediciones ALJIBE.
57 Amaral, Alberto. (2002). Diversificação e Diversidade dos Sistemas de Ensino Superior – O caso português. Lisboa: Conse-
lho Nacional de Educação, p. 85 e segs.
58 Amaral, Alberto. (2002). Op. cit.
59 Dame, Dirke, et al (2004) Qualité et reconnaissance des diplômes de l’ensegnement supérieur – un défi international. Paris:
OCDE, pp. 90 -91.
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se reforçado essa tendência nos anos 9060. Contudo, a partir dos anos 80, registam-se
movimentos de abertura progressiva da universidade portuguesa ao mundo exterior
permitindo a criação de ligações, que se foram gradualmente intensificando, à socie-
dade em geral e, em particular, ao tecido produtivo61.
A discussão actual em torno da missão da universidade tem assumido um ca-
rácter de procura da utilidade da instituição62, ou seja do seu contributo social e
económico para o desenvolvimento da sociedade, perspectiva considerada irrelevante
por alguns autores que consideram que a universidade não necessita de objectivos
explícitos para justificar as suas actividades63.
Para a OCDE64, a universidade abarca uma pluralidade de funções: assegurar
educação pós-secundária, desenvolvimento de investigação e de novo conhecimen-
to, garantir as qualificações de que a sociedade careça, desenvolver actividades de
formação altamente especializadas, contribuir para a competitividade da economia,
contribuir para a mobilidade social, prestar serviços à comunidade, funcionar como
modelo de políticas de igualdade, preparar os cidadãos para a vida activa e funcionar
como filtro para empregos altamente exigentes.
Um olhar cuidado sobre as funções referidas permitir-nos-á concluir que é clara
a existência de alguma sobreposição entre as funções enunciadas permitindo-nos,
como refere Ruivo65, sintetizá-las da seguinte forma: uma função de ensino, uma
função de investigação e uma função de prestação de serviços à sociedade, correspon-
dendo a primeira à função essencial da universidade enquanto instituição66.
Em Portugal, a Universidade foi definida pelo Conselho de Reitores como “órgão
fundamental da Cultura e da Sociedade, estando-lhe acometida uma tripla missão de:
a) a enriquecer as universidades, por meio da investigação, como mais rigoroso, amplo
e profundo conhecimento científico; b) de formar os seus cidadãos enquanto quadros
altamente qualificados e c) como resultado natural de todo o seu processo vital, propor-
cionar à Sociedade os profissionais de alto nível de que ela necessita, preparados com
radicalidade científica e, por conseguinte, preparados tecnologicamente, e não apenas
técnica e politecnicamente”67.
A missão da Universidade portuguesa nos termos em que é definida pelo CRUP
parece assim assentar apenas nos dois pilares tradicionais, a investigação e o ensino
60 Ralha, A. (1968). As Universidades Portuguesas, em Face dos Diferentes Tipos Institucionais de Universidade. Análise
Social. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 6 (20-21). pp. 99-126.
61 Ruivo, B. (1995). Evolução Institucional e Organizativa do Ensino Superior em Portugal. Em: Gago, J. M. (coord.).
Prospectiva do Ensino Superior em Portugal. Lisboa: Departamento de Programação e Gestão Financeira do Ministério da
Educação.
62 OCDE.(1987). Universities Under Scrutiny. Paris: OCDE. p. 16.
63 Oakeshot, M. (1993) A ideia de Universidade. Colóquio Educação e Sociedade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3,
pp. 21-34.
64 OCDE (1987): Ibidem, pp. 16-19.
65 Ruivo (1995). Evolução Institucional e Organizativa do Ensino superior em Portugal. Em: Gago, J.M. (coord.) Prospectiva
do Ensino Superior em Portugal. Lisboa: Departamento de Programação e Gestão Financeira do Ministério da Educação., pp.
215-143.
66 Caraça, J. M. G. (1993). Do Saber ao Fazer: Porquê Organizar a Ciência. Lisboa: Edições Gradiva, p. 143.
67 Em: www.crup.pt.
48 ›
e na necessidade de afirmar a sua diferenciação em relação ao subsistema politécnico
(preparados tecnologicamente, e não apenas técnica e politecnicamente), esquecendo
que a missão não pode deixar de se articular em torno das três funções que carac-
terizam actualmente o conceito de universidade: Ensino, Investigação e Desenvolvi-
mento e Ligação à Sociedade68, como forma de estimular a criação, disseminação e
aplicação de conhecimento.
No que concerne ao ensino e formação as instituições de ensino superior não po-
dem esquecer a sua missão no domínio da formação de adultos, o que significa aceitar
um conceito distinto de universidade assente no pressuposto de que se pode apren-
der em qualquer altura, que a universidade também deve procurar tornar a sociedade
mais culta e que a educação é um processo que dura toda a vida69.
As instituições de ensino superior portuguesas, universidades e politécnicos70,
têm-se mostrado incapazes de ultrapassar a discussão em torno da diferente missão
das instituições, o que tem constituído entrave, entre outros aspectos, ao estabeleci-
mento de formas de cooperação entre os dois subsistemas e contribuiu para a desca-
racterização de umas e outras. À chamada deriva académica dos institutos politécni-
cos tem correspondido a deriva profissionalizante das universidades71 num exercício
motivado antes de mais pela necessidade de umas e outras crescerem em número de
alunos, num tempo em que o número de candidatos ao ensino superior diminuiu.
Bolonha surge, aqui, como um desafio e como uma oportunidade72. Essa opor-
tunidade assentará numa plataforma criativa e inovadora que se deverá traduzir por
uma estratégia global para a educação e formação e que em Portugal passará necessa-
riamente pelo aprofundamento da reforma do ensino superior.
Esse aprofundamento não pode deixar de produzir uma verdadeira clarificação do
conceito de instituição de ensino superior, baseado na sua missão, definida de acordo
com as reais necessidades do País e as efectivas competências científicas e pedagógi-
cas de cada instituição, assente num sistema binário de competências que substitua o
sistema binário de designações.
Para que melhor se entenda o que digo, permitam-me uma referência ao apareci-
mento e evolução do sistema binário em Portugal.
Em 15 de Janeiro de 1970, Veiga Simão, no seu discurso de tomada de posse como
Ministro da Educação, apontou como tarefa principal do seu ministério a reforma do
sistema educativo enumerando, entre outras, um conjunto de ideias inovadoras, que
não é demais recordar: institucionalização da educação pré-escolar, extensão da esco-
laridade obrigatória de 6 para 8 anos, polivalência do ensino secundário e acréscimo
68 Dominguez Rodriguez, Emília. (1998). Impacto de la UEX sobre la Comunidad Autónoma de Extremadura (1973 –1994).
Cáceres: Universidad de Extremadura, pp. 26-32.
69 Blázquez Entonado, Florentino. (2002). Los mayores, nuevos alumnos de la universidad. En: Revista Interuniversitaria de
Formación del Profesorado, 95, pp. 89-105.
70 Veja-se a este propósito o documento Parecer do CCISP Sobre as alterações a introduzir na legislação do ensino superior
(Tomando por base o documento do CIPES), em www.ccisp.pt.
71 Simão, José Veiga, Santos, Sérgio Machado dos, Costa, António de Almeida. (2005). Op. cit., pp. 33-36.
72 Ibidem, p. 20.
‹ 49
de um ano na sua duração, expansão e diversificação do ensino superior, criação de
cursos de pós-graduação.
No quadro que então traçou, o Ministro da Educação, afirmou que o nível de
ensino mais carecido de reforma era o universitário porque “o sistema vigente atin-
giu o ponto de ruptura, e não queremos assistir, como principal responsável, à sua
total desagregação”. Como refere Rómulo de Carvalho73 “considerava o ministro
que a Universidade Portuguesa estava reduzida a desempenhar o papel de uma esco-
la cuja missão era, quase exclusivamente, a de preparar, e mal, professores do ensino
secundário. A sua existência, tal como se apresentava, afigurava-se-lhe inútil, pois
para o ministro, a missão da Universidade é a formação de cientistas e de técnicos”.
Foi a convicção de que as Universidades seriam incapazes de dar resposta às ne-
cessidades do país que criou as condições para o aparecimento do Ensino Superior
Politécnico. Com efeito, foi neste quadro que um ano mais tarde, em 16 de Janeiro
de 1971, Veiga Simão apresentou ao país dois projectos de reforma: o Projecto do
Sistema Escolar e Linhas Gerais da Reforma do Ensino Superior e que em 1973,
com a Lei n.º 5/73, de 25 de Julho, foram aprovadas as bases do sistema educativo
português. Na BASE.XIII.3 determina-se que “o ensino superior é assegurado por
Universidades, Institutos Politécnicos, Escolas Normais Superiores e outros estabe-
lecimentos equiparados.”
Não procurou o legislador distinguir de forma explícita os quatro diferentes
tipos de instituições. Em qualquer caso, como refere Arroteia74, será possível assen-
tar a distinção entre universidades e institutos politécnicos e demais instituições
através da diferente competência para conferir os graus académicos e da diferente
natureza das formações. Os pilares fundamentais de tal distinção, seriam pois: a
duração de 3 anos do ciclo de estudos e o grau que o mesmo conferia: bacharel
nos Institutos Politécnicos, Escolas Normais Superiores e outros estabelecimentos
equiparados, versus a reserva reconhecida às universidades para conferir o grau de
licenciado e de doutor; a natureza da formação que no caso dos bacharelatos devia
proporcionar as “condições necessárias para o exercício de determinadas actividades
profissionais” (Base XVI, n.º 1), tal não podendo deixar de significar que os cur-
sos de bacharelato, nos institutos politécnicos – a eles se refere apenas o n.º 1 da
Base XVI – deviam necessariamente conferir os conhecimentos e as competências
necessárias para o exercício de determinadas actividades profissionais, o que não
poderá deixar de conduzir à conclusão de que aos institutos politécnicos estaria
vedada a organização de ciclos de estudos que não habilitassem para o exercício de
actividades profissionais.
Aliás, a norma que regulava a concessão do grau de bacharel pelas universidades
que era substancialmente diversa (n.º 2, da Base XVI) determinava que nos estabele-
73 Carvalho, Rómulo de (2001). História do Ensino em Portugal desde a Fundação da Nacionalidade até ao fim do Regime de
Salazar. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 808.
74 Arroteia, Jorge (1996). O ensino Superior em Portugal, Aveiro: Universidade Aveiro, p. 21-22.
50 ›
cimentos universitários o grau de bacharel corresponderia a um período normal de
3 anos dos cursos de licenciatura e seria “atribuído quando os conhecimentos assim
obtidos possam habilitar para o exercício de actividades profissionais”. Fora de tais
casos a universidade poderia conferir o grau de bacharel quando razões especiais o
aconselhassem e desde que a organização e o plano de estudos não afectassem o curso
de licenciatura o qual deveria “proporcionar o aprofundamento das matérias, de modo
a assegurarem uma sólida preparação científica e cultural, a par de uma formação
técnica e profissional mais completa” (n.º 3, da Base XVI).
Era por isso, clara a intenção do legislador de fazer assentar a reforma do ensi-
no superior através da criação de um novo subsistema de ensino capaz de, através
de formações de 3 anos, qualificar os recursos humanos de que o tecido social e
económico carecia para se desenvolver75. Subsistema que não seria estanque76 por-
quanto nos termos do n.º 1, da Base XVII a Lei determinava que seriam concedidas
as devidas equiparações aos alunos que pretendessem a transferência dos estabe-
lecimentos universitários para outros cursos superiores e, o n.º 2 da mesma Base,
determinava que o grau de bacharel obtido nos institutos politécnicos permitia a
continuação de estudos em cursos professados nas universidades para a obtenção
do grau de licenciado.
O Decreto-Lei n.º 427-B/77, de 14 de Outubro, que instituiu o ensino de curta
duração, foi ratificado pela Assembleia da República, através da Lei n.º 61/78, de
28 de Julho, a qual lhe introduziu importantes alterações. Desde logo foi alterada
a redacção do artigo 1º que passou a ser a seguinte: “é instituído o ensino superior
de curta duração tendente à formação de técnicos e de profissionais de educação su-
perior”. Esta não é uma questão de semântica, é uma alteração de fundo: o ensino
superior de curta duração, através das Escolas Superiores Técnicas, deixa de formar
técnicos especialistas, para passar a formar técnicos superiores e o diploma que lhes
é conferido deixa de ser o diploma de técnico especialista para ser o diploma de
técnico superior, cujo valor para efeitos de função pública não pode ser inferior ao
de bacharelato (artigo 6º).
Por outro lado, com as alterações ao artigo 3º as Escolas Superiores Técnicas pas-
sam a ter por finalidade “formar técnicos qualificados de nível superior” e “desenvol-
ver a investigação científica e tecnológica dentro do seu âmbito”, finalidades que lhe
não eram reconhecidas pelo diploma ratificado, deixando os cursos de ter obrigato-
riamente a tal componente prática ou pedagógica especializada que deveria “permitir
o ingresso imediato dos respectivos diplomados na actividade para que foram forma-
dos, através da eliminação do n.º 2 do artigo 5º do Decreto-Lei.
Dir-se-ia que o legislador Assembleia da República foi bem mais lúcido e corrigiu o
legislador Governo. A Assembleia da República percebeu que as instituições de ensino
75 Cardim, José Eduardo de Vasconcelos Casqueiro. (2005). Do ensino industrial à formação profissional – as políticas públi-
cas de qualificação em Portugal. Lisboa: UTL - ISCSP, p. 733-755.
76 Arroteia, Jorge. (1996). Op. cit., p.21.
‹ 51
superior, logo também o ensino superior politécnico, devem formar para a empregabi-
lidade o que não significa exactamente o mesmo que formar para o emprego77.
Um ano mais tarde, em 1979, através do Decreto-Lei n.º 513-T/79, de 26 de De-
zembro, o governo vem definir a rede de ensino superior politécnico e seu calendário
de instalação, em substituição do ensino superior de curta duração. Com efeito, nos
termos do disposto no seu artigo 1º “o ensino superior politécnico – designação que
doravante passa a ser a do ensino superior de curta duração instituído pelo Decreto-Lei
n.º 427-B/77, de 14 de Outubro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 61/78, de 28
de Julho – é assegurado por escolas superiores, de educação e técnicas, agrupadas ou
não em Institutos Politécnicos”, competindo-lhe, entre outras, prosseguir as seguintes
finalidades: fazer formação de nível superior, promover a investigação e o desenvolvi-
mento experimental, colaborar no desenvolvimento cultural das regiões em que estão
inseridos e prestar serviços à comunidade (artigo 2º).
Vale a pena referir aqui, em jeito de nota de rodapé, que desde a sua con-
cepção aos nossos dias, mesmo quando foi suspensa a instalação dos Institutos
Politécnicos criados em 1973 e instituído o ensino superior de curta duração, as
condições de acesso aos cursos do ensino superior politécnicos foram iguais às
do ensino universitário.
Poderíamos dizer que naquele momento (em Dezembro de 1979) o ensino
superior politécnico recuperou, de algum modo e de novo, a filosofia com que
fora concebido e criado por Veiga Simão e a distinção entre o ensino superior uni-
versitário e o ensino superior politécnico assentaria, então, de essencialmente em
dois pilares fundamentais78: na diferente competência legal para conferir os graus
académicos – as universidades podem conferir o grau de bacharel, licenciado,
mestre e doutor; os institutos só podem conferir o grau de bacharel; na diferente
natureza legal da investigação – fundamental nas universidades, aplicada nos
institutos politécnicos.
Um terceiro pilar se poderá acrescentar-lhe resultante, não tanto do regime legal,
e muito mais da génese do próprio processo de criação e implementação do ensino
politécnico em Portugal79: a diferente natureza da formação – de natureza mais con-
ceptual nas universidades (acento tónico no saber), mais teórico-prática nos institu-
tos politécnicos (no saber e no saber fazer)80.
Nestes três pilares assenta, ainda hoje, a distinção legal entre o ensino univer-
sitário e o ensino politécnico, assim estabelecida com a aprovação em 1986 da Lei
de Bases do Sistema Educativo (n.os3 e 4 do artigo 11º), com as alterações que lhe
77 Carneiro, Roberto. (2003). Aprender e trabalhar no século XXI. Em: Fundamentos da Educação e da Aprendizagem, 21
ensaios para o século 21. Vila Nova de Gaia: Edição Fundação Manuel Leão, pp 329 a 344.
78 Simão, José Veiga. Costa, António de Almeida. (2000). O Ensino Politécnico em Portugal. Braga: Conselho Coordenador
dos Institutos Superiores Politécnicos, p.33-41.
79 Ibidem, p. 33-41.
80 Pedrosa, Júlio e Queiró, João Filipe. (2005). Governar a Universidade Portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp.
46-53.
52 ›
foram introduzidas em 1997 (Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro), e em 2005 (Lei n.º
49/2005, de 30 de Agosto) e que estenderam ao ensino superior politécnico a com-
petência para conferir o grau de licenciado (1997) e de mestre (2005)81.
Dissemos distinção legal, porque a distinção de facto (a real, a resultante da evo-
lução dos dois subsistemas) não corresponde à distinção legal mercê de um processo
gradual de aproximação entre os subsistemas.
Na verdade, se reflectirmos um pouco sobre os pilares de distinção que atrás refe-
rimos podemos constatar: que tem havido uma gradual aproximação nos graus que
cada subsistema pode conferir (o ensino superior politécnico, também, ganhou com-
petência para conferir os graus de licenciado e mestre – competência legal – sendo o
doutoramento o único grau que lhe está vedado); que as universidades e os institutos
hoje fazem, de igual modo, investigação fundamental e aplicada (a diferença quali-
tativa e quantitativa existente – que não se ignora, nem se nega - é, essencialmente,
consequência da diferente disponibilização de recursos humanos e financeiros que
os sucessivos governos têm colocado à disposição dos dois subsistemas, da descri-
minação negativa dos Institutos Politécnicos para a qualificação do corpo docente e
da ausência de financiamento da investigação nos Institutos); que também no que se
refere à natureza das formações a aproximação é evidente, na medida em que hoje as
universidades nas suas formações não podem deixar de ter em conta a empregabilida-
de dos seus diplomados82. Aliás, convém recordar, porque frequentemente esquecida,
de acordo com os princípios da Declaração de Bolonha o 1º ciclo, no Espaço Europeu
de Ensino Superior deve ser relevante para o mercado de trabalho, seja ministrado
numa universidade ou num politécnico.
Esta aproximação resultou em boa parte da dinâmica do próprio processo e da
necessidade de dar resposta aos atrasos de décadas na qualificação dos portugueses83.
Com efeito, se tivermos em conta que, de acordo com o Censo 2001 (Instituto Na-
cional de Estatística [INE], 2002), em 1981, apenas 2,6 % da população portuguesa
tinha formação de nível superior, valor que subiu para 4,9 %, em 1991 e 10,6 %,
em 2001, é fácil entendermos que havia um forte espaço para crescimento no ensino
superior, espaço de crescimento que em boa verdade se perceberá que continua a
existir, se tivermos em conta a distância que nos separa da média dos 25 países da
União Europeia (24,3% na EU 25, 12,9% em Portugal, dados de 2005) e que se torna
ainda bem mais preocupante se analisarmos os dados relativos aos níveis de ensino
que antecedem o ensino superior.
Em Maio de 2005 o XVII Governo constitucional apresenta na Assembleia da
República uma proposta de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo. Com ela o
Governo pretendia proceder às alterações necessárias à implementação do Processo
de Bolonha, nomeadamente através da definição dos ciclos e da sua duração, quer
81 Simão, José Veiga, Costa, António de Almeida. (2000). Op. cit., p.33-41.
82 Malcata, F. X. (2001). A universidade e a Empresa. Cascais: Principia, pp. 44-66.
83 Arroteia, Jorge. (1996). Ibidem.,pp. 43-61.
‹ 53
dar início a um processo de “clarificação” dos campos de actuação do subsistema
universitário e do subsistema politécnico.
Nessa oportunidade, também o Bloco de Esquerda (BE), o Centro Democrático
Social/Partido Popular (CDS/PP) e o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido
Social Democrata (PSD) apresentaram Projectos de Lei ao Parlamento. Ao mesmo
tempo que a Proposta de Lei do Governo foram discutidos na Assembleia da Repú-
blica os Projectos de Lei n.º 52/X, do BE, 54/X, do CDS/PP, 55/X e 59/X, do PCP, que
no essencial, reflectiam as posições defendidas pelos Partidos proponentes na fase
de discussão da então Proposta de Lei de Bases da Educação, na anterior legislatura,
nomeadamente no concerne ao afastamento da lei das limitações administrativas à
concessão do grau de doutor pelos Institutos Politécnicos.
Por sua vez, o Projecto de Lei n.º 55/X, do PSD mantinha a reserva da concessão
do grau de doutor às universidades em coerência com a Proposta de Lei de Bases da
Educação apresentada pelo então Governo PSD/CDS/PP na anterior legislatura. A
surpresa, confessa-se, veio do lado da Proposta de Lei n.º 7/X, apresentada pelo Go-
verno à Assembleia da República, que não só contradiz em aspectos essenciais (vide,
a questão da competência para conferir o grau de doutor) o Projecto de Lei então
apresentado pelo Partido Socialista na anterior legislatura, como contradiz o próprio
Programa do Governo.
Com efeito, na Proposta de Lei n.º 7/X, “ Segunda alteração da lei n.º 46/86, de 14
de Outubro, que estabelece a Lei de Bases do Sistema Educativo, regulando a organização
de Graus e Diplomas do Ensino Superior, na sequência do processo Europeu de Bolonha”,
entrada na Assembleia da República a 3 do corrente mês de Maio de 2005, o Governo
mantinha exclusivamente reservada às universidades a concessão do grau de doutor.
Face à redacção proposta para o ponto 9 do artigo 13º- A, propõe-se expressamente:
“o grau de doutor é conferido no ensino universitário”, excluindo-se o ensino politécnico.
Ora, na anterior legislatura e apenas alguns meses antes, o Partido Socialista, en-
tão na oposição, fazia depender a competência para conferir o grau de doutor da
verificação prévia de requisitos de natureza científica e pedagógica, comuns a todas as
instituições, reconhecendo àquelas que os reunissem a possibilidade de o conferir e
negando-o às instituições que deixassem de os reunir os reunir – independentemente
da designação universidades ou politécnicos.
Este fora o compromisso assumido inequivocamente no Programa Eleitoral84
apresentado aos portugueses nas eleições de 20 de Fevereiro último. Este era o com-
promisso assumido pelo Governo no Programa85 que apresentou à Assembleia da
República. Nele se escreve “Em particular, a possibilidade de concessão de graus aca-
démicos deixará de estar fixada por critérios unicamente administrativos, para passar
a depender da satisfação de requisitos exigentes e comuns, de qualidade”.
84 Partido Socialista, Programa Eleitoral, em http://www.ps.pt.
85 Governo, Programa de Governo, em http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT.
54 ›
Procurou o Conselho de Ministros quando anunciou as matérias inovadoras da Pro-
posta de Lei suavizar a violação do Programa salientando que a Lei vira consagrar “a
adopção do modelo de três ciclos de estudos conducentes aos graus de licenciado, mestre
e doutor, alargando ao ensino politécnico a possibilidade de conferir o grau de Mestre,
sem prejuízo de, na regulamentação do sistema de graus, se vir a prever a cooperação
entre universidades e politécnicos no ciclo de estudos conducente ao grau de Doutor.”86.
As propostas do Governo foram aprovadas na Assembleia da República e tornadas
força de lei com a publicação da Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto. O Governo com o seu
primeiro diploma para o ensino superior deixou claro que, não obstante o seu Programa
de Governo, iria desenvolver uma política de aprofundamento da diferenciação dos dois
subsistemas de ensino.
Posteriormente, com a publicação do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, a
política de diferenciação dos dois subsistemas de ensino superior que a revisão da Lei
de Bases do Sistema Educativo já revelara acentuou-se. Com efeito, o Decreto-Lei n.º
74/2006, de 24 de Março que aprova o regime dos graus académicos e diplomas do
ensino superior, acentua em relação à Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, a diferenciação
entre ambos os subsistemas (estendendo-a aos graus em que a própria Lei de Bases o
não fazia) não só ao introduzir a distinção entre mestrados académicos e profissionais
restringindo a estes a competência dos Institutos Politécnicos, como quando a alarga
à própria duração do 1º ciclo (licenciatura) que fixa como regra em 180 créditos (seis
semestres) para o ensino politécnico e entre 180 a 240 créditos (seis a oito semestres)
no ensino universitário.
A principal inovação, porém, no sentido da diferenciação da natureza das formações
universitárias e politécnicas resulta do artigo 7º, no que concerne ao grau de licenciado
e dos n.ºs 3 e 4 do artigo 18º no que concerne ao grau de mestre. Em relação ao grau de
licenciado determina o n.º 3 do artigo 7º que “no ensino politécnico, o ciclo de estudos con-
ducente ao grau de licenciado deve valorizar especialmente a formação que visa o exercício
de uma actividade de carácter profissional, assegurando aos estudantes uma componente
de aplicação dos conhecimentos e saberes adquiridos às actividades concretas do respectivo
perfil profissional”. E quanto ao grau de mestre, estabelece o n.º 3 do artigo 18º, que “no
ensino universitário, o ciclo de estudos conducente ao grau de mestre deve assegurar que o
estudante adquira uma especialização de natureza académica com recurso à actividade de
investigação, inovação ou de aprofundamento de competências profissionais”, enquanto,
em relação ao ensino politécnico, dispõe o n.º 4 do mesmo artigo “no ensino politécnico,
o ciclo de estudos conducente ao grau de mestre deve assegurar, predominantemente a aqui-
sição pelo estudante de uma especialização de natureza profissional”.
Por outro lado, são estabelecidos critérios comuns de exigência de qualificação do
corpo docente para que uma instituição de ensino superior, independentemente da
natureza da sua formação, possa conferir um determinado grau académico.
86 Comunicado do Conselho de Ministros de 28 de Abril de 2005. Em http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT.
‹ 55
A diferente missão das instituições universitárias e politécnicas irá, ainda, ser
aprofundada na lei, com a publicação do novo Regime Jurídico das Instituições de
Ensino Superior (RJIES), aprovado pela Lei nº 67/2007, de 10 de Agosto, que procura
criar as condições legais objetivas para impor o sistema binário, nomeadamente ao
acentuar a caracterização do corpo docente universitário do corpo docente politécni-
co, em razão da designação das instituições e não da natureza das formações.
Para os Institutos Politécnicos o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Supe-
rior constitui, porém, e apesar disso, um marco importante do seu desenvolvimento.
Os Institutos Politécnicos, ao aceitarem contribuir crítica e construtivamente para a
revisão das Leis de Autonomia das Universidades e dos Institutos Politécnicos, que de
há muito se impunha, e ao empenhar-se na sua aprovação viram consagrado na Lei
um Regime de Autonomia que no essencial é comum a ambos os subsistemas e que
constituiu um ponto de viragem do seu estatuto perante o poder político.
O poder político passou a reconhecer ao ensino superior politécnico, por inteiro
mérito dos Institutos, o estatuto de parceiro de pleno de direito na definição das po-
líticas para o ensino superior, estatuto que até então apenas reconhecia às universida-
des Dir-se-ia que os Institutos impuseram ao poder político o pleno reconhecimento
da sua maioridade. Mas deve recordar-se que, tal como a liberdade para os cidadãos
se constrói e consolida todos os dias, também o estatuto de parceiro de pleno direito
dos Institutos não é um dado adquirido, ele constrói-se e consolida-se em cada dia.
O principal reflexo desse reconhecimento estará, sem dúvida, na ampla revisão
do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, aprova-
da pelo DL 207/2009, de 31 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei nº
7/2010, de 13 de Maio. Com a aprovação da revisão do Estatuto da Carreira Docente
deu-se um passo de gigante para a qualificação das instituições de ensino superior,
universidades e politécnicos, públicos e privados, através da qualificação do seu cor-
po docente, tornada agora num objectivo comum de curto prazo para as instituições
e os seus docentes.
A qualificação das instituições num horizonte temporal de cinco ou seis anos
colocará de novo na ordem do dia a discussão em torno da missão das instituições
de ensino superior, universitárias e politécnicas, das suas competências e dos seus
objectivos e creio, tornará cada vez mais difícil tentar persistir em diferenciações que
são puramente artificiais.
Com isto desejamos retomar a reflexão em torno da missão das instituições de
ensino superior, universidades e institutos politécnicos. Aceita-se, consensualmente,
como missão das universidades e dos institutos politécnicos: o ensino/aprendizagem,
a investigação e as actividades de extensão, entendendo-se estas como actividades
de inovação, transferência e valorização e económica do conhecimento. O que dis-
tinguirá as instituições quanto à missão será o grau e a natureza de cada uma destas
dimensões da missão, sustentado, de algum modo, de um discurso de nova tonali-
56 ›
dade segundo o qual a distinção dos subsistemas não assenta na qualidade mas na
diferente missão das instituições e na natureza da formação. E assim, a missão ensi-
no/aprendizagem terá no ensino politécnico uma matriz mais profissionalizante por
contraposição a uma matriz mais conceptual do ensino universitário, a investigação
será no ensino politécnico uma investigação mais aplicada por contraposição a uma
investigação mais fundamental no ensino universitário e as actividades de extensão
será no ensino politécnico uma actividade mais centrada nas regiões por contraposi-
ção a uma actividade visando o todo nacional das universidades.
Esta construção é a artificial e é feita com base numa limitação legal da actividade
das instituições e não numa limitação real de competências científicas e pedagógicas.
É artificial no quadro do EEES a distinção do ensino/aprendizagem pela natureza da
formação, pelo menos no quadro do Processo de Bolonha. O 1º ciclo (licenciatura)
nas universidades ou nos institutos politécnicos tem que ser relevante para o mer-
cado de trabalho, o que significa que não poderão deixar ambos de qualificar para a
entrada na vida activa. A distinção nos segundos ciclos não resulta de uma limitação
baseada em critérios de natureza científica ou pedagógica mas apenas de disposições
limitativas legais, o mesmo sucedendo quanto ao 3º ciclo.
Também no que concerne à investigação a distinção é artificial e não tem qual-
quer correspondência com a realidade. Indistintamente em universidades e institutos
faz-se investigação fundamental e aplicada e as diferenças quantitativas e qualitativas
resultam essencialmente dos diferentes níveis de qualificação e financiamento das
instituições e não de quaisquer outras razões ou factores.
Por último, no que concerne à contribuição para o desenvolvimento das regiões
e do País, todas as instituições de ensino superior contribuem, desde a sua criação
para o desenvolvimento económico e social de um local, uma região e um país.
Todas as instituições de ensino superior geraram desde sempre benefícios econó-
micos para as comunidades em que se inserem, quer através das despesas directas
com a aquisição dos bens e serviços necessários ao seu funcionamento, quer das
despesas efectuadas pelos seus alunos, professores e demais funcionários e dos seus
efeitos multiplicadores sobre o emprego e o rendimento, embora este seja, talvez,
o aspecto menos importante do impacto do ensino superior no desenvolvimento
local, das regiões e do país.
O impacto maior será o efeito multiplicador que exercem sobre a economia e a
sociedade em resultado da criação, transmissão e fixação do conhecimento, da trans-
ferência e valorização económica, cultural e social do conhecimento, que constitui
o núcleo central da missão das instituições de ensino superior. E este é tanto maior
quanto mais qualificadas forem as instituições.
A missão das instituições de ensino superior é hoje, como referimos, muito clara:
ensino e formação, investigação, transferência e valorização económica do conhe-
cimento., competindo às instituições aceitar o desafio enorme que os objectivos da
‹ 57
Estratégia de Lisboa, o quadro comparado entre Portugal e os países que integram a
União Europeia e os demais mercados com os quais competimos nos colocam.
É público que se tem vindo a proceder, desde 2005, a uma ampla reforma da
legislação que regulava o sistema de ensino superior Foi publicada legislação que
abriu o ensino superior a novos públicos através de vias alternativas de acesso,
como o M-23, os Cursos de Especialização Tecnológica e que permitiu recuperar
para o ensino superior públicos que o sistema já havia perdido ou a que dificultava
a mobilidade, como os regimes de reingresso, transferência e mudança de curso.
Foi publicado o novo regime de avaliação, o novo regime de graus e diplomas,
o RJIES, as alterações ao ECPDESP, em boa verdade mexeu-se em todo o edifí-
cio legislativo que regula o ensino superior, com excepção em parte do regime de
financiamento (quanto a este algumas alterações avulsas em diplomas dispersos
longe de contribuírem para a estabilidade do sistema agravaram a debilidade do
financiamento das instituições).
É neste quadro que o País e as instituições são confrontados com um conjunto
de desafios que o País terá de vencer: o primeiro é o da “resistência à mudança” que
tem caracterizado o ensino superior em Portugal; o segundo é a adopção de um sis-
tema de ensino superior de competências em vez do sistema binário de instituições
assente nas designações; o terceiro é o reforço do sistema binário de formações dentro
de um sistema unitário assente nas competências; o quarto é a definição de toda a
educação pós-secundária como formação superior; o quinto é a alteração do modelo
de financiamento, substituindo o actual modelo por um modelo de financiamento
por objectivos; o sexto é o risco de se ceder à tentação de fazer crescer o número de
diplomados administrativamente; o sétimo é a reforma da rede de estabelecimentos
de ensino superior, para que partindo de uma rede frágil, se possa construir uma rede
forte, com recursos financeiros adequados ao desempenho da missão das instituições,
com massa crítica de professores e alunos.
Algumas notas, apenas, sobre cada uma delas: em relação ao primeiro, a adopção
de um sistema de ensino superior de competências em vez do sistema binário de ins-
tituições assente nas designações. O sistema binário de instituições (universidades e
politécnicos) surgiu em Portugal nas condições que anteriormente referimos e, como
todos sabemos, inspirado no modelo criado no Reino Unido em 1968 e que o Reino
Unido abandonou em 1993, depois de fortemente questionado desde, pelo menos,
1988. Alguma doutrina nacional tem justificado a manutenção do sistema binário
português com o argumento de que o exemplo inglês deu maus resultados, o que,
pensamos, só alguma desatenção continua a permitir. Na verdade, se é possível en-
contrar alguns autores vindos das universidades tradicionais que inicialmente mani-
festaram reservas ao regresso do Reino Unido a um sistema unitário, essas referências
foram desaparecendo à medida que alguns dos anteriores institutos politécnicos se
transformaram em algumas das mais prestigiadas universidades inglesas de hoje.
58 ›
Referimos que é necessário o reforço do sistema binário de formações dentro de um
sistema unitário assente nas competências. As instituições devem poder ministrar as
formações necessárias ao desenvolvimento das regiões e do País, desde que possuam as
competências científicas e pedagógicas exigíveis para o efeito, sem limitações de natu-
reza administrativa e ou legal, que mais não são de que um exemplo acabado da cultura
do desperdício de recursos que tem caracterizado o País nas últimas décadas e que nos
conduziu à situação económica e social difícil em que hoje nos encontramos.
Referimos, também, que é indispensável definir toda a educação pós secundária
como educação superior, reequacionando o sistema de formação e o sistema de graus
académicos. Assinalamos como fortemente positivos os Cursos de Especialização Tec-
nológica. O Curso de Especialização Tecnológica (CET) é legalmente definido como
uma formação pós-secundária não superior que visa conferir qualificação profissional
do nível 4. Esta definição pela negativa, situando-o algures num limbo entre o ensino
secundário e o ensino superior deve ser claramente repensada. Pensamos que a dura-
ção mais adequada da formação, segundo a avaliação que fazemos, seria de dois anos,
dos quais, seis meses deveriam decorrer em ambiente de trabalho e que esta formação
devia ser considerada, sem equívocos, formação superior de curta duração.
Quanto ao modelo de financiamento do ensino superior. O actual modelo, assente
essencialmente em valores quantitativos (número de alunos, número de professores,
remunerações efectivas) é, na nossa opinião, um dos responsáveis pelas dificuldades
do desempenho do sistema de ensino superior. As instituições, para assegurarem o
seu financiamento seguiram uma política de crescimento de cursos e de alunos inde-
pendentemente de disporem ou não dos recursos humanos e materiais adequados.
Adoptaram-se as designações mais apelativas independentemente de se mostrarem
as mais adequadas face ao núcleo central de formação. Criaram-se cursos só porque
noutras instituições revelavam capacidade para atrair alunos. Entendemos que o ac-
tual modelo deve ser substituído por um modelo de financiamento por objectivos,
plurianual e contratualizado, adequado aos objectivos fixados por cada e para cada
instituição e aos recursos adequados para os concretizar.
Referimos, ainda, a necessidade de prevenir o risco de se ceder à tentação de fazer
crescer o número de diplomados administrativamente. O processo de ensino/apren-
dizagem, de acordo com o paradigma de Bolonha é um processo de co-produção em
que o actor principal é o aluno (um processo cooperativo entre o aluno, o docente e a
instituição enquanto organização). As instituições não podem deixar de ser responsa-
bilizadas pelos resultados, mas as instituições não podem assumir compromissos de
resultados quantitativos independentemente dos meios e recursos que sejam postos
à sua disposição. Por outro lado, é fundamental que o ensino a distância seja im-
plementado de acordo com os conhecimentos e as metodologias que as instituições
internacionais mais bem-sucedidas já comprovaram, sabendo resistir á cultura de
improvisação que em matéria de ensino não dá reconhecidamente bons resultados.
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Também no alargamento do ensino pós-laboral não poderá deixar de ser tido em
conta os públicos a que se destina, adequando os métodos pedagógicos.
Por último, uma breve reflexão sobre a reforma da rede de ensino superior. A
expansão da rede de estabelecimentos de ensino superior, como todos sabemos, não
obedeceu a critérios de adequabilidade e de necessidade do sistema de ensino supe-
rior, mas essencialmente a critérios de oportunidade eleitoral, como facilmente se
percebe pelos momentos em que as últimas fases de expansão ocorreram. O resultado
foi a criação de uma rede dispersa, frágil e sem massa crítica. A reforma da rede de
estabelecimentos de ensino superior é essencial se não se quiser pôr em causa todo o
sistema de ensino superior. Não só por razões de recursos financeiros, que o Estado
poderia suprir se dispusesse de meios para o efeito, mas essencialmente por razões de
qualidade. Um excelente contributo para a reforma da rede de estabelecimentos será
permitir que as instituições livremente se articulem entre si, eliminando as barreiras
administrativas a quaisquer formas voluntárias de associação, seja no domínio da
oferta formativa, seja no domínio dos modelos institucionais.
60 ›
Eduardo Marçal Grilo 87
Chegou à Avenida 5 de Outubro por acaso. É assim que Eduardo Marçal Grilo,
explica a sua viagem desde a Avenida Nuno Álvares, em Castelo Branco, até ao Mi-
nistério da Educação. “Nunca tive ambições profissionais em chegar a ministro”, diz.
Aos 56 anos, aquele albicastrense que por aqui viveu a sua juventude, acrescenta que
está ligado aos problemas educativos desde 1976. “Nessa altura fui Director Geral do
Ensino Superior. A partir dessa data realizei trabalhos na área da educação, quer em
Portugal, quer no estrangeiro. Tive também alguma intervenção como cidadão. Gosto
de fazer coisas que beneficiem as pessoas e a educação enquadra-se nesse contexto.
Talvez tenham sido esses alguns dos factores de ter sido o escolhido pelo Eng. Antó-
nio Guterres”.
Admirador de Mário Soares e António Guterres, Marçal Grilo acabou por sair do
Partido Socialista em 1981, numa altura em que havia uma grande luta política entre
o antigo Presidente da República e o Grupo do Secretariado, que integrava o actual
Primeiro-ministro. “Senti que tinha que fazer uma escolha que não queria fazer. Tinha
e tenho uma grande admiração pelo Dr. Mário Soares, pelo Eng. António Guterres e
por outras pessoas que pertenciam ao Grupo do Secretariado. Optei por aquela posi-
87 Ministro da Educação do XIII Governo Constitucional (1995-1999). Governo do PS, de maioria relativa, liderado por
António Guterres, após 10 anos de Governos do PSD, liderados por Cavaco Silva. Cumpriu o objectivo inédito de se manter
à frente do Ministério da Educação durante toda uma legislatura. Reconhecido internacionalmente como um dos maiores
peritos em políticas educativas é, actualmente, administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, lugar que ocupa desde
Outubro de 2000.
Entrevista realizada por João Ruivo, João Carrega e Vítor Tomé, em Outubro de1998.
‹ 61
ção e o tempo deu-me razão. O Dr. Mário Soares, depois disso, foi Primeiro-ministro
e Presidente da República. Um presidente inesquecível e uma pessoa inesquecível da
vida política portuguesa e incontornável no século XX. O Eng. António Guterres, do
meu ponto de vista, para lá caminha”.
Sportinguista assumido, Eduardo Marçal Grilo considera-se uma pessoa bem-dis-
posta. Com dois filhos, garante que enquanto Ministro nunca fez nenhuma noitada
com estudantes, numa discoteca. “Raramente faço noitadas. Tenho uma vida muito
regrada. Mas tinha muito gosto em fazer uma noitada com eles. Era capaz de o fazer,
até porque sou mais divertido do que as pessoas pensam. Há muita gente que tem
uma imagem de mim como pessoa muito séria, mas eu gosto muito de me divertir.
Sou uma pessoa que cultivo o humor e que gosto imenso de me divertir e de criar
situações para que isso aconteça”, explica. Para o Ministro da Educação “a vida não
se resume só à sua parte séria. Há uma parte que está relacionada com as emoções, o
divertimento, sentimentos e encanto”.
Embora não tenha uma cultura musical de base, o que o entristece de certa forma,
Eduardo Marçal Grilo é um apaixonado pela música clássica. Entre Miles Davis e
Chopin, não hesitou em optar pelo compositor de música clássica. Embora realce que
também gosta muito de ouvir Miles Davis. “Sou um grande apreciador de música. O
meu pai era um grande admirador de ópera e operetas. Esse gosto cresceu também
comigo. Hoje, sempre que posso, assisto a óperas e gosto muito dos grandes compo-
sitores, como Mozart, Bethoveen, Sibelius ou Mahler”. Na literatura, prefere José Sa-
ramago. “Soube que tinha ganho o Prémio Nobel, quando eu estava em Moçambique,
com o Primeiro-ministro. Fiquei bastante satisfeito e durante a homenagem que lhe
foi feita, no Centro Cultural de Belém, disse-lhe quanto aprecio a sua obra”.
Da cidade que o viu nascer recorda os anos 50, em que Castelo Branco era um
centro urbano amável, com características rurais. “Tinha os mercados às segundas-
feiras, onde iam muitas pessoas das aldeias em volta. O tráfego era nulo. Nós co-
nhecíamos todos os carros da cidade. Estavam sempre parados no mesmo sítio”,
lembra. Para Marçal Grilo, hoje Castelo Branco é muito turbulenta, “com muitos
dos inconvenientes da vida moderna, e sem muitas das vantagens que daí poderiam
resultar. No entanto, continua a ser uma cidade com uma componente educativa
muito forte”.
Há 30 anos, Eduardo Marçal Grilo conhecia a cidade como os dedos das suas
mãos. “Agora há uma parte que me é familiar e outra em que me sinto estranho”.
E acrescenta: “Castelo Branco é uma cidade com futuro que se desordenou, numa
determinada altura, penso que de forma involuntária. Cresceu muito, tornou-se um
bocadinho anárquica, mas continua a ter zonas muito acolhedoras e simpáticas”.
As férias, essas, não as passa em Castelo Branco. “Faço três semanas de férias por ano.
Numa delas aproveito para passear em Portugal, ou no estrangeiro. Este ano fui à Escócia.
As outras duas passo-as numa casa que possuo, junto à Praia das Maçãs”, conclui.
62 ›
Pré-Escolar
Um desafio ganho
Para o ministro Marçal Grilo, o pré-escolar, a sua grande aposta, está ganha. O nú-
mero de alunos aumentou e situa-se hoje nos 70 mil. Mas o ministro ressalta também
o papel fundamental das instituições particulares de solidariedade social que, segun-
do diz, deixaram de ser instituições de guarda de crianças para se transformarem em
instituições educativas.
É um regionalista convicto?
Eu não sou um regionalista no sentido da regionalização política. Diria mesmo
que sou frontalmente contra a regionalização política. Mas sou um regionalista no
que se refere à regionalização administrativa. O País não foi capaz de resolver nunca,
o problema da inexistência de uma entidade intermédia entre os municípios e o Go-
verno. Essa entidade deve ter três funções essenciais, a coordenação, o ordenamento
e a planificação. No Ministério da Educação sentimos isso. Quando vamos transferir
para os municípios as funções ao nível do investimento em edifícios escolares da es-
colaridade obrigatória, perguntamo-nos que tipo de distribuição se faz quando temos
306 municípios. Dispomos por exemplo de 40 milhões de contos. Dividimos 40
milhões por 306 e cada município recebe uma migalha, ou fazemos uma distribuição
estratégica por cinco, seis, sete ou oito regiões e cada região decide depois onde é
que aplica esse dinheiro. É fazer uma escola no Concelho de Belmonte ou fazer uma
escola no Concelho de Castelo Branco ou no Concelho da Sertã? Esta é uma decisão
que deve ser tomada ao nível regional.
Não pensa que poderá haver alguma colisão entre a presumível autonomia
das escolas e a intervenção dessas estruturas?
Não. São linhas que vão em paralelo. Não há nenhuma incompatibilidade entre o
que é um processo que valoriza o papel do município e o papel da região, se houver
regiões, bem como o papel da escola e da sua autonomia.
Se umas escolas já têm autonomia e outras não, não haverá aí um efeito jacu-
zzi em relação às outras que não estão nessa situação?
Neste momento, 85 por cento das escolas estão a caminhar para a autonomia. As
outras, se não estão, é devido a problemas meramente conjunturais.
‹ 63
A ligação directa da escola com outras instituições como câmaras e Governo
não poderá gerar entropias no processo?
A gestão está directamente relacionada com os agrupamentos criados em Maio
passado. Há uma perfeita compatibilidade entre projecto de escola ou de agrupa-
mentos de escolas e autonomia de escola ou de agrupamentos de escolas e a admi-
nistração onde estão, autarquias, regiões, ou Governo central. Esta compatibilidade
faz-se através de uma contratualização que o próprio diploma prevê. A escola, ou
o agrupamento de escolas, pode fazer um acordo e um contrato de autonomia em
que entra, por um lado, a autarquia e, por outro, o Governo Central. Um contrato
a três em que não há nenhuma sobreposição de funções. Quem conduz o projecto
é a escola, com os seus órgãos próprios, como o conselho directivo, a assembleia
da escola, o conselho pedagógico, que se organizaram e definiram um projecto. A
autarquia e o Governo central são as outras partes do contrato no sentido de assu-
mirem determinados compromissos que viabilizam o projecto que a escola tem e
quer executar.
Da parte das famílias, houve uma mudança de cultura que propicie o enten-
dimento do Jardim de Infância como uma necessidade para o filho?
A mentalidade não se altera por decreto. O que temos feito, e penso que já conse-
guimos, foi transformar o pré-escolar numa necessidade sentida da sociedade. Penso
que o êxito é absoluto. Fizemos algumas campanhas no sentido de sensibilizar as
famílias para a importância do pré-escolar. Mas, sobretudo, criámos as condições
para que as instituições que tinham como objectivo o apoio social às famílias se trans-
formassem. Eram vistas como locais de guarda dos filhos enquanto os pais trabalha-
vam, e agora são instituições educativas. Porque passámos a suportar integralmente
a componente educativa nessas instituições. Hoje, estas instituições têm cerca de 70
mil crianças, o que é um universo razoável, mas o gradualismo da solução implica
que só consigamos atingir o patamar que pretendíamos, sobretudo para o estatuto
dos educadores, no ano 2000 a 2001. A discrepância entre os educadores que esta-
vam no sistema privado e no sistema público era tal , que tivemos que encontrar um
mecanismo de nivelamento através de uma escala que em três anos faz a actualização.
64 ›
Ensino Superior
UBI e IPCB sabem o que querem
O ministro da Educação, Eduardo Marçal Grilo, considera que a Universidade
da Beira Interior e o Politécnico de Castelo Branco estão na trajectória certa, sabem
o que querem e têm uma boa liderança. Ainda assim, o curso de medicina e a escola
superior de artes são questões que continuam a ser analisadas, esperando-se, para
breve, uma decisão final.
A integração das escolas de enfermagem em instituições do ensino superior está a
ser analisada neste momento e Marçal Grilo não exclui a integração dessas escolas nos
politécnicos. Tem é a certeza que não pode ser tomada uma decisão igual para todas
as escolas. Quer ver a integração analisada caso a caso.
Caso é também o afastamento dos jovens dos cursos das áreas das tecnologias,
quando as tecnologias são cada vez mais importantes e necessárias à vida do cidadão
comum. O afastamento é um facto atribuído às dificuldades na matemática, que se-
gundo afirma o ministro, deve ter um papel central na formação dos jovens. Ainda
mais numa altura em que a formação ao longo da vida assume uma importância cres-
cente, porque acabou o tempo em que a vida se dividia nas três fases, a de estudar, a
de trabalhar e a da reforma.
Para ajudar a consolidar, já se poderá dizer que a UBI terá o curso de medicina e
o Politécnico terá a escola superior de artes?
A consolidação de uma instituição pode não passar pelo seu alargamento. É per-
feitamente possível que estas instituições se consolidem sem serem alargadas, sem
serem expandidas, sem terem mais escolas ou mais cursos.
Pelas colocações deste ano no ensino superior, verifica-se que cursos das
áreas de saúde, ensino e artísticos têm mais procura relativa do que os de
engenharia e tecnologia. Porque continua o Ministério a insistir no alarga-
mento dos números clausus destes últimos em detrimento dos primeiros?
Essa é uma questão que me preocupa muito. Em Portugal, tal como em grande
parte dos países europeus, está a haver um efeito de certo modo paradoxal. As pes-
soas estão cientes da importância das tecnologias, da criação de necessidades à volta
das tecnologias, de técnicos que dominem as tecnologias, mas isso não se repercute
na capacidade de atracção das áreas de formação por parte dos estudantes. Este
facto poderá estar relacionado com alguma dificuldade na área das matemáticas.
Pensa que é por isso que alguns governos não apostam muito, em termos
orçamentais na educação, porque acreditam que as medidas só têm efeitos a
68 ›
longo prazo e não tiram dividendos em termos eleitorais?
Nunca estive em nenhum governo em que essa fosse a filosofia.
No próximo ano será previsível que algumas das ESES já possam formar
professores para o 3º Ciclo?
Compete às escolas superiores de educação apetrecharem-se para tal, fazerem
propostas credíveis e serem acreditadas pelo órgão de acreditação. Penso que as es-
colas superiores de educação têm um papel enorme a desempenhar no País. Não é o
formarem os professores para o 3º Ciclo que é a chave do problema.
Mas para algumas ESES pode ser uma questão fundamental em termos de
gestão de recursos humanos e materiais...
Se o for, cada escola terá o seu problema e os seus objectivos, porque as escolas
não têm que ser todas iguais. Mas o grande problema do País não está só no 3º Ciclo.
Está também no princípio da escolaridade obrigatória. Há que fazer um enorme es-
forço a nível da preparação do 1º Ciclo, do 2º e do 3º.
Não considera que neste momento existe um abismo muito grande entre os
quadros de docência herdados dos anos 60 e a nova rede escolar do sistema
educativo, com escolas básicas integradas, escolas do 2º e do 3º ciclo?
Fizemos um grande esforço este ano. Criámos 15 mil novas vagas, desde o pré-
escolar até ao final do Secundário, o que permitiu uma grande estabilidade do corpo
docente. Criámos também quadros de zona distrital, o que permite que hoje os pro-
fessores não sejam colocados numa escola mas num conjunto de escolas.
Esta medida dá uma flexibilidade muito grande ao corpo docente. Estamos a ten-
tar criar os meios para estabilizar o corpo docente.
Mas dentro de determinados parâmetros, porque não se pode impedir a mobilida-
de, porque esse é um direito dos professores.
70 ›
Até agora tem sido mais um dever...
Neste momento, estamos a contrariar isso. Se criamos 15 mil novas vagas, o objec-
tivo é que as pessoas estabilizem. A colocação num conjunto de escolas, e não numa
escola, contraria a ideia do professor agarrado a uma escola. O professor tem de estar
consciente de que há uma área de influência, e isto é sobretudo muita verdade no
pré-escolar, no 1º e no 2º Ciclo. Temos privilegiado a estabilidade do corpo docente,
não em função da escola, mas em função de um determinado território. Até porque
há uma questão complexa e que se coloca quando as escolas são muito pequeninas,
têm poucos alunos, e aí a questão não está em fechar pura e simplesmente a escola
quando tem menos de X alunos. Está em fazer agrupamentos de escolas. É no fundo
criar territórios educativos em que se faz a gestão dos professores e dos estudantes,
de forma a optimizar os recursos de que dispomos. É que não há recursos ilimitados.
E não pode haver desperdício de formação se quatro anos depois é que vai
ser aproveitada?
Desperdício nunca há. Um docente que é professor e faz um curso valoriza-se
sempre. Queremos que essa valorização possa ter maior impacto. Por exemplo, um
professor de Matemática ou um professor de Física podem-se valorizar de muita for-
ma. Podem fazer uma formação acrescida na área científica, mas também o pode fazer
na área pedagógica ou na área da administração escolar. Não se podem é criar auto-
matismos e apenas porque se faz um curso, automaticamente tem-se uma compensa-
ção. É preciso agir com muita cautela, porque não se podem colocar os professores na
corrida às formações apenas para terem um benefício, muitas vezes de ordem salarial.
Isso exige um grande esforço, a fim de criar uma cultura profissional que permita
essa sensibilidade...
E tem-se feito. A regulamentação que se fez da carreira vai nesse sentido.
Porque a formação era vista como uma corrida por causa da progressão...
Por causa dos créditos. Aí houve enormes perversões. Chegou a haver a perversão
da pessoa se inscrever no curso e se não tivesse lugar tinha direito ao crédito.
‹ 73
Marcelo Rebelo de Sousa 88
‹ 75
na preparação de docentes e no tipo de estudo e investigação que se faz em muitos
politécnicos relativamente ao que se passa nas universidades”.
Nesse sentido, Marcelo Rebelo de Sousa afirma hoje que “a Lei de Bases do En-
sino Superior deveria tratar globalmente quer o ensino universitário, quer o ensino
politécnico. Porque há exemplos de menor e de maior qualidade em ambos eles. Não
se pode dizer que o ensino universitário seja o ensino de primeira e o politécnico de
segunda. Isso não corresponde à realidade”.
É por essa razão que aquele professor universitário pensa que nos últimos anos
aconteceu uma convergência natural em ambos os sistemas de ensino superior. Uma
convergência que considera irreversível. Por isso, considera que o superior deverá
passar a ser visto de uma forma diferente, separado em ensino superior curto e ensino
superior longo à semelhança de outros países.
“O ensino politécnico, para todos os efeitos, tem valências universitárias. As univer-
sidades, para muitos efeitos, acabam por não ter a qualidade de sectores significativos do
ensino politécnico. O que se passou em Portugal pertence ao passado. Hoje deu-se uma
convergência que não pode ser negada nem ignorada. Tem é que se tirar proveito dela”.
Exige-se então que se altere o estatuto de cada um dos sistemas de ensino. “É
preciso dar um estatuto ao politécnico que reconheça a possibilidade de ter ensino
superior de primeira e não um ensino superior tolerado, marginalizado, secundari-
zado. Também os professores universitários, meus colegas, que muitas vezes têm um
complexo de superioridade que não tem razão de ser, assumam com humildade a
ideia de haver uma grande circulação entre politécnico e universidades”.
Marcelo Rebelo de Sousa entende que os professores universitários devem ter um
papel importante na vida dos politécnicos e que os professores que se formaram nos
politécnicos têm um papel importante a desempenhar na universidade. “Numa pala-
vra: que não seja o nome, o rótulo, a definir a qualidade, mas que seja a qualidade a
definir o estatuto do ensino superior em Portugal”.
Para que esta meta seja uma realidade, aquele professor afirma que é preciso ter
uma visão global do ensino superior. “É preciso tratar com igualdade aquilo que, por
razões históricas, foi tratado de modo diferenciado, quer em termos financeiros, quer
em termos do próprio estatuto de funcionamento. E se for possível aos politécnicos
evitarem alguns erros que as universidades clássicas, e algumas mais recentes, come-
teram, melhor será”.
Um dos aspectos a corrigir, diz, será a grande rigidez das universidades clás-
sicas na forma de organização interna, de estruturamento. A solução é optar por
uma flexibilidade sem nunca perder o que chama de objectivo primeiro da qua-
lidade. “Esse é um desafio fundamental para o nosso sistema educativo. Precisa-
mos de ter essa flexibilidade. Não só na mudança de cursos e na possibilidade de
reorientação pedagógica, mas nas relações curriculares entre os vários ramos do
ensino superior”.
76 ›
É que, afirma, não faz sentido haver disciplinas de Direito em cursos dos politéc-
nicos que estejam divorciadas do ensino do Direito nas universidades. “Há uma circu-
lação de ideias e de pessoas que tem de se implementar. E sem complexos. Ainda há
pouco tempo proferi a oração de sapiência na abertura do ano lectivo do Politécnico de
Viseu. Esse foi um pequeno exemplo de como os professores universitários devem estar
associados ao dia a dia da vida dos politécnicos. É bom para uns e bom para outros”.
Já em relação ao ensino superior no Interior e no Litoral do País, Marcelo Rebelo
de Sousa não tem dúvidas que não se pode fazer uma clivagem geográfica analisando a
qualidade. “Temos exemplos, em todo o País, de excepcional qualidade, de muita qua-
lidade e de menor qualidade. Isso acontece também nas ilhas. Não se pode dizer que a
excelência se concentrou numa só área”.
A qualidade, assevera, depende do trabalho desenvolvido pelas pessoas nas insti-
tuições onde se encontram. “Todas as instituições, e as de ensino não são excepção,
têm um traço humano. Há pessoas que estudam, que emprestam qualidade e outras
que facilitam, que preferem alguma permissividade, que preferem o imediato ao longo
prazo e a quantidade à qualidade”.
Atendendo assim a que a realidade é complexa, Marcelo Rebelo de Sousa diz que
não quer entrar em análises simplistas. Um modo que utiliza também quando analisa a
questão da empregabilidade após a conclusão dos cursos superiores.
“Com os politécnicos sucede o mesmo que acontece nas universidades. O mundo
do trabalho, muda. Não é uma realidade estática. Por isso, os cursos também têm que
mudar. A ideia que os cursos se criam porque há especialistas que se formaram numa
certa matéria (e que entendem ter direito a uma disciplina ou a uma especialização ou
até um determinado plano curricular), é uma ideia errada”.
A escola não se poderá alhear da sociedade, mas deve manter, com essa mesma so-
ciedade, uma relação estreita em todo o momento. E isso consegue-se com a existência
de verdadeiros conselhos gerais que liguem a gestão da escola às forças vivas da socie-
dade. Embora fale assim, deixa no entanto alguns avisos.
“A escola não pode ficar apenas subjugada a uma lógica economicista do emprego.
Há muita coisa que pode ser prospectiva e a escola poderá, pelos seus meios, deter-
minar a mudança na sociedade. Tem é de haver um mínimo de ajustamento, o qual
contra-indica muitas vezes a criação de disciplinas, de especializações ou de cursos
que não têm que ver com a realidade social portuguesa, seja com a actual, seja com a
futuramente desejável”.
Além disso, e numa outra vertente, o ajustamento reclamado por Marcelo Rebelo de
Sousa impõe “um permanente repensar daquilo que é ensinado na universidade e no
politécnico. Porque aquilo que pode ser importante numa década já não é necessaria-
mente importante na década seguinte, ou daí a 20 anos”.
Marcelo Rebelo de Sousa não tem dúvidas que o percurso não será fácil, pois,
“as pessoas, devido ao fenómeno da inércia, habituam-se a uma realidade e gostam
‹ 77
de viver com ela. Mas o desafio deste novo século é o desafio da mudança. O que a
escola tem de dar são quadros mentais e a possibilidade da formação de princípios
livremente assumidos por cada qual”.
Resta então saber o que tem de mudar na escola. “Não tem que dar uma mesma
formação para um mesmo tipo de emprego, que entretanto mudou. Precisa por isso
da humildade e da capacidade de adaptação para encarar a realidade e se ajustar
a ela. O emprego mudou. Há novos desafios de emprego, novas tecnologias que
impõem novas saídas profissionais. Há a própria mudança social que impõe essas
novas saídas profissionais”.
A lógica terá de ser a de um desenvolvimento da escola que acompanhe o desen-
volvimento social, o que se pode fazer ao nível do ensino superior. “Sendo um ensino
mais leve e recente, o politécnico deve fazer aquilo que um ensino mais antigo e mais
pesado não pode fazer com tanta facilidade: adapte-se e ajuste-se. Porque esta é, em
princípio, uma vantagem comparativa que tem, ou seja, a sua flexibilidade”.
78 ›
Odete Santos 89
‹ 79
Hoje, o ensino superior continua a marcar o progresso do País. Os subsistemas do
universitário e do politécnico tentam afirmar-se pela diferença. A saúde tenta formar mais
médicos e enfermeiros. O País continua a importá-los de Espanha. Pior que isso, deixa ir
jovens candidatos ao curso de medicina estudar para o País vizinho. Até porque, como
lembra Odete Santos, algumas universidades espanholas vêm a Portugal fazer os testes de
admissão. Depois há toda uma alteração de valores, e o aparecimento de novas gerações,
a que Odete Santos não chama de rasca, mas considera que estão à rasca.
No ensino superior há muita oferta de cursos, mas nem sempre eles correspon-
dem às expectativas de quem os frequenta...
Há uma proliferação muito grande de estabelecimentos do ensino privado, muitas
vezes com um sistema que eu já senti na pele, que é uma espécie de caça ao dinheiro,
pois as notas para o ensino oficial saíam depois das matrículas para o ensino privado.
Ora isto fez com que muita gente se matriculasse no privado, por não saber a nota que
iria obter. Depois tinham acesso ao oficial e perdiam o dinheiro pago na inscrição nas
instituições privadas.
Com essa míngua a que se refere, teme que o sistema de Segurança Social entre
em derrapagem?
Creio que a situação não é tão alarmante como se dizia. Na base do alarme que se fez
em volta da Segurança Social estava um objectivo, que era a privatização da parte mais
rentável desse sistema e deixar o regime existente, com pouco dinheiro, para os pobrezi-
nhos. É muito demagógico dizer que há pessoas que recebem pensões elevadas, mas não
se diz que essas pessoas descontaram do seu vencimento, que era alto, e esse dinheiro ser-
viu para pagar subsídios de doença, etc. Tirando da Segurança Social pública pessoas com
ordenados elevados, deixariam de entrar na Segurança Social importantes contribuições
para manter outros que ganham menos e que também vão recorrer ao sistema. O sistema
da Segurança Social rege-se pelo princípio da solidariedade. Os que ganham mais des-
contam em proporção ao seu vencimento e esse desconto vai servir para os outros que ga-
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nham menos. É certo que o sistema atravessou alguns problemas, mas porque não entrou,
durante muitos anos, do Orçamento de Estado, qualquer verba para a Segurança Social.
Hoje em dia exige-se um pouco mais aos professores. O aluno está mais entregue
à escola...
Antigamente os professores eram mais pais do que agora. Quando eu andava na escola
primária, os professores eram dedicados, até mesmo no que respeitava à alimentação e ao
material escolar. Os meus pais eram professores e levavam, muitas vezes, alunos a almoçar
lá a casa. Agora, a ideia que eu tenho é que o professor está mais desligado e começam a
formular-se exigências à família que ela não consegue responder. Assiste-se, muitas vezes,
a um passar “de bola” da escola para a família e da família para a escola. A escola diz: os
pais têm que acompanhar mais os filhos. E os pais dantes acompanhavam-nos mais. E
os pais dizem o contrário. Daí que atirem para cima dos professores alguns problemas, a
que estes não podem responder como se lhes exige. Assim, a escola e a família entram em
conflito. Seria bom que conseguissem, em conjunto, fazer um trabalho que permitisse ao
aluno ter melhores condições.
84 ›
Augusto Santos Silva 90
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as autarquias, entre outros. Ou seja, temos sempre que combinar os objectivos que
queremos atingir e que estão inscritos no Programa do Governo, com as condições
e as propostas dos vários parceiros com quem trabalhamos”.
Doutorado em Sociologia, na especialidade de Sociologia da Cultura e da Co-
municação, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Augusto
Santos Silva exerceu ainda o cargo de Secretário de Estado da Administração Edu-
cativa em 1999 e 2000. Foi também pró-reitor da Universidade do Porto, entre
1998-1999, e pertenceu ao Conselho Nacional de Educação até ter entrado para o
Governo. Entre 1998 e 1999 coordenou o grupo de contacto entre os Ministérios
da Educação e o ensino artístico, e foi o representante de Portugal no Projecto de
Educação para a cidadania democrática, no Conselho da Europa.
Cargos que lhe permitiram obter conclusões precisas acerca da educação no
nosso País. Sobre os sistemas de ensino superior, Santos Silva sublinha que “a me-
lhor contribuição que o ensino superior pode dar à economia e à sociedade e,
em particular, à competitividade, para os próximos anos, é garantir uma formação
inicial geral e sólida. Quanto mais sólida e geral for a formação no ensino superior,
mais bem apetrechados ficam os diplomados para a multiplicidade de profissões e
para o dinamismo das carreiras profissionais, que vão ser as suas, e que serão exi-
gidas pela sociedade e economia do conhecimento”.
É dentro daquela perspectiva que o ministro da Educação considera que há
necessidade de se “fazerem duas prevenções. A primeira, passa por, em sede
de pós graduação, o ensino superior oferecer formações mais especializadas. A
segunda passa por ter em linha de conta que o ensino superior politécnico se
distingue do ensino universitário. Isto porque está mais próximo do mundo do
trabalho e das profissões, por um lado e, por outro, porque se aproxima mais
das necessidades e das oportunidades de desenvolvimento regional. O que sig-
nifica que a ligação entre o ensino superior e o tecido regional é mais evidente
no ensino politécnico. Daí que a malha do ensino superior politécnico seja mais
distendida do que a do universitário”.
INVESTIGAÇÃO. Casado, pai de três filhos, adepto do Salgueiros, Augusto
Santos Silva esteve também ligado à comunicação social. Foi colunista do jornal
«Público», entre 1992 e 1999, e cronista da TSF-Rádio Jornal, de 1997 a 1999.
Ainda na Imprensa colaborou com o Jornal de Notícias, de 1978 a 1986. Recente-
mente, foi membro do Conselho de Administração da Sociedade Porto 2001.
Santos Silva dedicou parte da sua vida académica à investigação, tendo publi-
cado já mais de 12 obras. Daí que a investigação e o facto dos melhores investiga-
dores portugueses residirem e trabalharem no estrangeiro fosse analisada na longa
conversa que travámos com o Ministro da Educação.
“Como português sinto muito orgulho por uma parte considerável dos inves-
tigadores portugueses estarem a trabalhar no estrangeiro, porque a ciência faz-se
86 ›
em todo o mundo”, começa por explicar Santos Silva. Mas o mais importante,
para aquele responsável, é que “há muitos investigadores portugueses que fazem
percursos em zig-zag. Por exemplo, o professor Lobo Antunes, um dos nossos
melhores neurocirurgiões, fez uma brilhante carreira nos Estados Unidos e re-
gressou. O professor Alexandre Quintanilha, director do Instituto de Biologia Ce-
lular, veio da Universidade de Standford para a Universidade do Porto, o mesmo
sucedeu com o professor António Coutinho, que veio do Laboratório Pasteur, em
Paris, para a Gulbenkian”.
São aquelas carreiras em zig-zag que Augusto Santos Silva classifica como im-
portantes para a ciência. “A ciência não tem adjectivo nacional. Não há uma mate-
mática portuguesa, uma física portuguesa, nem uma sociologia portuguesa, embora
exista uma sociologia sobre Portugal”.
ENSINO SUPERIOR
Pedagogia é necessária
MESTRADOS E DOUTORAMENTOS
Critérios de Ministro
A Lei de Bases do Sistema Educativo aponta para que a formação dos pro-
fessores do 3º ciclo possa ser feita nas Escolas Superiores de Educação. Três
anos depois da sua publicação, essa formação ainda não está regulamentada...
Esse avanço, que foi conseguido na revisão da Lei de Bases, está dependente
apenas de uma decisão fundamental sobre os grupos de docência no ensino. Hoje,
há diversos factores no ensino não superior, que ainda estão calibrados pela lógica
anterior à Lei de Bases de 1986. O sistema de colocação de professores é uma delas,
pois distingue ainda professores de 2º ciclo, de 3º ciclo e secundário. Por isso, não
faz nenhum sentido que nós avancemos em formações para o 2º e 3º ciclos, sem
antes resolvermos esses problemas.
CONVERGÊNCIA EUROPEIA
A caminho da Europa
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Júlio Pedrosa 91
91 Ocupou o cargo de Ministro da Educação no XIV Governo Constitucional, de 3 de Julho de 2001 a 5 de Abril de 2002, de
maioria relativa do PS, liderado António Guterres. Nesta legislatura sucede no cargo a Augusto Santos Silva e precede David
Justino, ministro da educação do futuro governo do PSD, liderado por Durão Barroso. Foi Reitor da Universidade de Aveiro,
Presidente do Conselho Nacional de Educação e membro da equipa de avaliadores da EUA - Associação de Universidades
Europeias.
Entrevista realizada por Jorge Azevedo, em Fevereiro de 2002.
‹ 97
Que balanço faz do exercício das suas funções enquanto Ministro da Educação?
Ainda é um pouco cedo para fazer um balanço. Continuamos a trabalhar com
intensidade. Em relação a muitos aspectos da nossa agenda de trabalhos, que têm
tido continuidade, consideramos que há uma evolução favorável. Temos prestado
uma atenção muito grande a duas áreas de intervenção: a modificação curricular do
Ensino Básico e a mudança curricular do Secundário. Trata-se de iniciativas cujos re-
sultados ainda não são visíveis, no curto prazo, mas é indispensável que sejam efectu-
adas com grande prudência e um acompanhamento próximo, para que os resultados
possam ser aqueles para os quais as reformas estão pensadas.
No caso da mudança no Ensino Secundário, estamos a criar todas as condições
para que possa arrancar em Outubro próximo. Isso vai ter, certamente, impacto tam-
bém no Superior. Estamos a realizar todos os esforços no sentido de que as modifi-
cações no Secundário potenciem a qualidade, para além de se criarem condições de
efectiva afirmação dos ramos tecnológico e artístico e sejam objecto de um reconhe-
cimento social.
Neste momento, decorre um trabalho bastante importante de preparação da rede
de escolas do Ensino Secundário e de oferta de cursos que irão funcionar no próxi-
mo ano lectivo. É um esforço que não se vê, mas que envolveu os departamentos do
Ministério da Educação que têm responsabilidade nessa área. É uma acção de planea-
mento de grande alcance e preparada de uma forma que não é habitual em Portugal.
Trata-se de uma operação de enorme impacto que será visível quando se lançar o
novo Ensino Secundário.
Também na Educação Básica e tal como estava planeado, o Governo está a realizar
um esforço significativo de modo que a atenção ao 1º Ciclo seja efectiva. Gostaria de
referir, a propósito, que decorreram em Trás-os-Montes e Alto Douro, uma região
com as dificuldades conhecidas, reuniões entre o secretário de Estado da Adminis-
tração Educativa, os autarcas, responsáveis das escolas e professores para analisar
esta questão. É um trabalho que tem de ser realizado em parceria com os actores
no terreno para se saber quais as formas mais adequadas para termos naquela zona,
como noutras, estabelecimentos do 1º Ciclo de elevada qualidade; com grupos de
alunos que possam trabalhar o novo currículo em boas condições e uma oferta de
professores adequada que permita que as áreas disciplinares mais conhecidas, mas
também a Educação Física e a Artística sejam leccionadas em boas condições. Que-
remos também que os estudantes mantenham uma relação com as comunidades em
que se inserem, com vista a que as respectivas escolas do 1º Ciclo sejam elementos
importantes de animação cultural, nomeadamente em zonas rurais onde é relevante
que tal suceda.
A equipa governativa com responsabilidades no Ensino Básico e Secundário está
a manter as reuniões que referi praticamente todas as semanas. Estamos a trabalhar
com as escolas e as autarquias, para que a mudança do Secundário se concretize com
98 ›
o arranque no ano lectivo de 2002/2003 e no Básico consigamos assegurar que os
grandes objectivos traçados sejam concretizados no terreno.
Entende, então, que há, ainda, uma falta de clarificação do papel de cada um?
Para muitos actores educativos, não está adquirida essa clarificação. Há, portan-
to, aí trabalho a realizar...Um segundo elemento que auxiliará a que se disponha de
um quadro mais claro é o dos resultados obtidos por cada instituição. Na medida
em que se forem avaliando as diferenças entre os licenciados formados por um e
outro subsistema e se reconheçam o valor das respectivas formações, então será
mais fácil proceder às distinções. Outro factor marcante é a forma como os estabele-
cimentos se relacionam com as regiões em que estão inseridos, assumindo-se como
actores do desenvolvimento.
102 ›
Pedro Lynce 92
92 Ministro da Ciência e Ensino Superior no XV Governo Constitucional, de maioria do PSD, liderado por Durão Barroso, na
base de um acordo de incidência parlamentar com o CDS/PP. Repartiu a governação da educação com David Justino, devido à
separação, em dois, do antigo Ministério da Educação. Já desempenhara as funções de Secretário de Estado do Ensino Supe-
rior, entre 1991 e 1995, num governo de Cavaco Silva. Após quase ano e meio, a 3 de Outubro de 2003, Pedro Lynce pediria
a demissão do cargo, tendo sido substituído por Maria da Graça Carvalho.
Entrevista realizada por Jorge Azevedo, em Janeiro de 2003.
‹ 103
Ciência e Tecnologia, o aumento cifra-se em 0,7 por cento. Poderá perguntar-se: como
foi possível este milagre? É que todas as outras instituições, nomeadamente os serviços
de apoio, registaram uma quebra. Vou-lhe dar um exemplo apenas: no meu gabinete
verificou-se uma redução entre 20 e 25 por cento. Se alguma crítica há a formular é
que as instituições de Ensino Superior e a Ciência foram beneficiadas neste orçamento.
Foi divulgada uma notícia, segundo a qual, e para que o Governo pudesse
baixar o défice, entre as diversas medidas previstas, se contaria com o aumento
das propinas. Confirma a medida?
Não. No Programa de Estabilidade e Crescimento não consta tal medida. O que
está definido é a necessidade aumentar as receitas próprias. Vamos colocar à discus-
são correcções de algumas leis em vigor, nomeadamente a de financiamento. Para
manter ou melhorar a qualidade, é preciso aumentar as receitas próprias.
110 ›
Vítor Melícias 93
‹ 111
diz que a sociedade não é neutra. Razão que o leva a avisar contra os efeitos
do neo-liberalismo, e a a defender a globalização, mas numa lógica humana e
solidária, à semelhança do que acontece com as relações entre Portugal e Timor,
o novo país onde também existem misericórdias, as quais, “são das instituições
que, vindo do passado, têm mais características de modernidade”
Mas a evolução do mundo não assenta muito numa cultura imposta pe-
los países mais desenvolvidos aos menos desenvolvidos, gerando uma cul-
tura global que levará à perda da história, de valores próprios de cada país?
A globalização ou mundialização é um fenómeno positivo, embora seja negativa a
forma como se está a processar, ou seja, motivada por interesses. É uma globalização
económica, financeira, comercial ou até cultural, mas não uma globalização do homem
enquanto ser universal, enquanto cidadão com direitos e deveres iguais, independente-
mente das circunstâncias em que se encontra no mundo. A verdade é que, se proclama-
mos direitos humanos universais, não praticamos direitos humanos universais.
Como é que se pode agir para evitar que a lógica neo-liberal se afirme
por essa lógica de dominadores e dominados?
É necessário encontrar aquilo que o Papa João Paulo II diz e muito bem, ou
seja, uma nova forma de civilização, uma civilização de amor, não conduzida
por interesses, mas por afectos, pelo respeito por todos os cidadãos, indepen-
dentemente da sua cultura ou país. Todo o ser humano deve ter condições de
se realizar na liberdade, na igualdade e na fraternidade, que não é apenas um
desejo, mas também um direito.
‹ 117
Guilherme de Oliveira Martins 94
O ensino politécnico não tem recebido a valorização que deveria. Foi o que de-
fendeu Guilherme de Oliveira Martins, ex-ministro da Educação e das Finanças de
António Guterres, numa entrevista ao Ensino Magazine. O agora deputado socialista
quer maior investimento no sector educativo e manifesta-se contrário a alterações na
Lei de Bases de cada vez que muda o Governo. Sobre o processo de Bolonha, não tem
dúvidas de que não significa harmonização. Há que respeitar especificidades, afirma,
apontando como exemplos disso o que se passa na Medicina e no Direito.
‹ 119
que devemos obter um grande acordo político envolvendo os diferentes partidos com
assento parlamentar e os principais parceiros sociais. Não faz sentido legislar nesta
área sem um amplo consenso.
‹ 123
Sérgio Godinho 95
É terça-feira. Não na Feira da Ladra, mas nas instalações da Praça das Flores, a
empresa que produz os espectáculos de Sérgio Godinho. O cantor recebe o Ensi-
no Magazine com o habitual «Brilhozinho nos olhos» para uma entrevista em que
fala de tudo: das suas músicas, do Estado da Nação, da Educação, da juventude,
e dos falhanços dos sucessivos governos na definição de prioridades e na gestão
dos recursos.
Com mais de três dezenas de anos de carreira e mais de duas dezenas de dis-
cos gravados, continua a ser uma referência musical para todos os níveis etários.
Qual é o segredo para este sucesso e também para a longevidade?
Não há segredo nenhum procurado, nem truques na manga. Há, por um lado,
a vontade de criar e de transmitir o produto final aos destinatários. Depois de criar,
gravam-se os discos e, só depois, mostram-se as canções, transformando-as ou revita-
lizando-as em palco. Tenho tido a preocupação de recuperar de forma activa e natural
certas canções, nomeadamente através de «trocas» com músicos. Claro que nada dis-
to seria possível sem a consonância feliz de as pessoas se referenciarem não só quanto
ao conteúdo, mas à forma das minhas canções. A forma é que faz o conteúdo: falar
95 Fazedor de músicas e opiniões, Sérgio Godinho (Porto, 1945) é um poeta, compositor e intérprete. Multifacetado,
representou já em filmes, séries televisivas e peças teatrais. A dramaturgia surge com a assinatura de algumas peças de teatro,
assumindo-se também como realizador. É considerado como um dos representantes mais populares da cultura democrática
após o 25 de Abril de 1974.
Entrevista realizada por Nuno Dias da Silva, em Maio de 2004.
‹ 125
de amor, de injustiça ou de guerra numa canção pode ser perfeitamente banal se um
artista não apresentar bem o seu caso a quem o vai ouvir.
De uma forma global pode dizer-se que valeu a pena ter feito a revolução?
Claro. Longe das paixões políticas não é difícil concluir que foi um momento da His-
tória que mudou Portugal. O que os sucessivos governos vão fazendo já é outra questão...
Que radiografia é que o artista Sérgio Godinho, que cria muitas das suas
composições com base na reflexão sobre Portugal, faz do estado da nação?
O que é terrível é que se comece a interiorizar a crise. Somos um País que
alterna ciclos de euforia e depressão rapidamente - temos tendência para ser ci-
clotímidos. Em todas as gerações há coisas boas e más. Se olhar para a juventude
de hoje em dia em alguns sectores das artes, vai reparar que se fazem coisas inte-
ressantes e descomplexadas.
128 ›
A geração rasca, uma designação da autoria de Vicente Jorge Silva no Públi-
co, tem alguma razão de ser?
Acho que sempre houve muita rasquice e boçalidade, mas também creio que foi
uma declaração igualmente sobrevalorizada.
‹ 129
Vasco Graça Moura 96
Vasco Graça Moura não tem dúvidas quando afirma que «a crise muito gran-
de» que atravessamos reside na escola e na formação. O poeta, romancista e
eurodeputado, acrescenta que as lacunas na educação e na cultura contribuem
para um «défice democrático» na sociedade portuguesa e critica as televisões
por serem «agentes de imbecilização colectiva» Graça Moura traça um quadro
negro do estado da nação, salientando que os portugueses pouco ou nada sabem
da sua História, da Língua e do património cultural.
‹ 131
Entendo que a cultura é uma dimensão essencial, quer para o pleno e harmonioso
desenvolvimento da pessoa humana, quer para a vida dos homens em sociedade. É a
cultura que permite conhecer o mundo e encontrar soluções para os problemas que ele
coloca sucessivamente à existência dos seres humanos. Por isso a cultura é uma dimensão
essencial da democracia e todos devemos ter condições de igualdade de acesso a ela. Já
a Igreja dizia que «nem só de pão vive o homem». A educação é uma via para a cultura.
Pelo que tenho lido dos seus artigos no DN, sei que é um crítico da «fu-
tebolização» da política e de uma certa cultura nacional. Em que medida
132 ›
é que esse crescente recurso às metáforas do futebol tem contribuído para
desvirtuar a política, a cultura e outras vertentes da sociedade?
O recurso às metáforas do futebol tem dois aspectos: o crítico e o «adesivo».
Tornou-se um código facilmente utilizável pelos que discordam do que se passa
e pelos que se sentem muito satisfeitos com essa concentração dos espíritos e
das energias naquilo a que chamam o «desporto-rei».
Alguns intelectuais proeminentes têm afirmado que o País vive uma das
suas maiores crises de sempre. Pergunto-lhe se está de acordo e, já agora,
que me diga em que pontos-chave se centra a depressão colectiva que, di-
zem, Portugal atravessa?
Não sei se a crise é uma das maiores de sempre. Mas sem dúvida é muito
grande. E tudo vai dar à escola e à formação. As crises de valores não se com-
batem indo à bruxa. A depressão tem causas várias, umas ligadas a questões de
bem-estar e qualidade de vida e que dão pelos nomes de défice, desemprego,
quebra de produtividade, baixa competitividade, etc. Outras que decorrem da
educação, a nível familiar e escolar, e vão do culto dos valores cívicos à impor-
tância da aquisição de conhecimentos num mundo em que cada um necessita
cada vez mais de qualificações.
134 ›
António Mega Ferreira 97
Conjuntamente com Vasco Graça Moura idealizou a «Expo 98». Diz que o sistema
educativo tem estado sujeito a demasiada «experimentação pedagógica» e que devia
ser urgentemente «simplificado». António Mega Ferreira, afirma ainda que Portugal
«é mais um país de festivais do que de obras duradouras», que «falta visão estratégica
nacional desde o século XVI» e que os portugueses têm a tendência para a «auto-
flagelação».
‹ 135
reencontrar o seu lugar no mundo no concerto das nações. Um evento com 150 paí-
ses presentes, teria sido impossível sem a democracia.
O mote da «Expo 98» foi os oceanos. Pensa que os portugueses ficaram mais
despertos para essa temática?
Na altura sim — existiu uma sensibilização pública que teve uma boa recepti-
vidade. Agora, não tenho a certeza. Penso que não houve uma refocagem do país
relativamente à temática dos oceanos. Portugal e os portugueses têm um problema
de falta de continuidade no esforço. Embora tenhamos medalhas na prova mais dura
dos Jogos Olímpicos, somos maus corredores da maratona.
De que modo é que o sistema de ensino sai beliscado com essa experimentação?
Tanta experimentação, tanta inovação, tanta alteração dos curricula, de sistemas, de ho-
rários e de colocação de professores, necessariamente criou um ensino marcado pela des-
continuidade. É impensável para mim que um aluno ou uma pessoa aprenda uma língua
durante cinco anos, com cinco professores diferentes. O sistema educativo em Portugal é
extremamente confuso. Uma tarefa importante seria nomear uma comissão que se encarre-
gasse de simplificar o sistema.
Está de acordo com os que dizem que se formam pessoas para o desemprego?
Em parte, isso é verdade. Estamos a formar licenciados gerando um certo desemprego.
Portugal ainda vive de uma concepção relativamente arcaica que é a cultura do «canudo».
Aqui, ainda se acha, e até em meios urbanos isso acontece, que ter um «canudo» devia dar
acesso a um estatuto de privilégio social.
140 ›
Francisco José Viegas 98
Pelas entrevistas que tem concedido, emerge que a escrita, as viagens e a gas-
tronomia, compõem o triângulo de prazeres da sua vida. Como os definiria, isola-
damente, utilizando uma escala própria de satisfação pessoal e explicando como
estas actividades se podem fundir? Sente-se um privilegiado por ter prazer mesmo
quando está a trabalhar?
Sinto-me um privilegiado por poder trabalhar. Essa é a primeira condição. Depois, por
poder trabalhar em áreas que aprecio, que mobilizam mais energias pessoais, que me dão
prazer. Não nego que houve, ao longo de vinte anos, uma certa insistência, uma teimosia
– nem sempre foi fácil conseguir escrever sobre coisas que me dessem assim tanto prazer.
98 Escritor e jornalista. Formou-se em Letras na Universidade Nova de Lisboa, tendo exercido funções de docência na Univer-
sidade de Évora (1983-1987). Foi director, durante mais de uma década, da revista Ler do Círculo de Leitores e director da
revista Grande Reportagem. Participou nalgumas séries televisivas sobre literatura e sobre viagens. É autor de romance, conto,
teatro, poesia e texto de viagem. É comentador da vida social e cultural portuguesa.
Entrevista realizada por Nuno Dias da Silva, em Setembro de 2006.
‹ 141
Mas é preciso ser teimoso e insistente, foi uma das coisas que aprendi. De alguma
maneira, o romance, ou seja, o tipo de ficção que escrevo, permite-me juntar algumas
dessas áreas, como a viagem, alguma gastronomia – e um olhar mais prazenteiro
sobre a vida. Geralmente, tenho receio de que as pessoas confundam aquilo que eu
chamo «o lado prazenteiro» com uma busca do prazer a todo o custo, porque não é
nada disso que se trata.
O prazer de viver, o prazer em si, retira-se de coisas que não são excepcionais
nem mobilizam grandes meios ou artifícios: uma pequena viagem, uma tarde, um
livro, uma bebida, um fragmento da nossa vida. Nesse sentido não me considerarei
nunca, por exemplo no campo da gastronomia, um gourmet. Um gourmet necessita
de tempo, de dinheiro e de muitos conhecimentos – e de alguma abnegação. Eu gosto
de ser uma pessoa assim, como sou, normal. Retirando prazer do que a vida me dá.
Assume ter uma «relação conflituosa» com Portugal, mas regressa sempre à
pátria natal. Ouvimos falar em défice económico e de alma e o futebol é o único
paliativo para a depressão. Acha que a identidade nacional tem sido beliscada
pela conjuntura negativa? Resta-nos algo para além do futebol? Quando é que
acha que a «poeira», uma das suas palavras favoritas, vai assentar?
Eu acho que os portugueses têm uma relação difícil com a pátria, em tempos nor-
mais, quer dizer, em tempo de existência vulgar. A verdade é que ainda não perdemos
várias ideias de grandeza e de excepcionalidade. Sentimo-nos bem em festa, durante
as euforias do futebol, das exposições universais, por exemplo – mas achamos que o
resto, o que vem a seguir, é triste e humilhante. Não devia ser assim. Devíamos, pro-
vavelmente, reconhecer que há uma certa grandeza na «aurea mediocritas», na vida
de todos os dias – isso significa respeitar a vida quotidiana, enchê-la de referências
de qualidade: bons transportes públicos (a questão dos transportes, da mobilidade,
142 ›
é essencial nas grandes cidades), honestidade na administração pública, critérios de
exigência e de qualidade em tudo o que é serviço público, exemplos de poupança
e de economia real na vida pública, prémios para a invenção e para a criatividade,
severidade e muita disciplina em tudo o que é exemplo público.
As pessoas gostavam de viver “como na Europa do Norte”, mas ignoram a outra
face da moeda, ou seja, o que custa ser cidadão na Europa do Norte. Lá, e eu conheço
relativamente esse mundo, as pessoas não vão jantar fora tão frequentemente como
em Portugal, não faltam ao trabalho, não se queixam dos impostos, trabalham muito,
os estudantes não têm a vida facilitada como aqui, há demasiada exigência. Ganham
mais do que aqui. Mas não sei se as pessoas estão dispostas a pagar esse preço.
Na nossa Europa do sul há uma maior informalidade, que não existe no norte da
Europa; há mais liberdade e menos politicamente correcto. As pessoas têm de optar.
Não podem querer o modelo de vida do sul e a remuneração do norte. São estilos de
vida diferentes. São modelos económicos diferentes. E depois, deixe-me dizer isto,
acho que a questão da auto-estima é falsa. Nós precisamos de esquecer essa coisa
ridícula. E precisamos de deixar de nos mortificar, de obedecer ao temperamento
oficial… Devemos viver a nossa vida como ela é. Enquanto não dermos a volta a isso,
não teremos respeito pela nossa alegria. Nenhuma engenharia financeira nos ajudará
a sermos mais felizes. E precisamos de deixar de ser tão mesquinhos uns com os ou-
tros, tão invejosos. Precisamos de ser mais livres, mais soltos.
Ser blogger, é outra das suas facetas. Que virtudes e perigos encontra na
blogosfera?
As mesmas da vida em geral. A blogosfera mudou a nossa forma de comunicar, de
nos informarmos e de participarmos na discussão sobre a vida, a política e a cultura.
Acho estranho que haja ainda receios da blogosfera, porque os blogues são funda-
‹ 143
mentais, hoje em dia, para perceber como pensam os portugueses que pensam. Além
do mais, os fazedores de opinião dos jornais e das revistas são quase todos herdeiros
do actual regime – a blogosfera revelou gente que pensava de outra maneira, que
escrevia melhor, que pensava melhor. E mostrou que o reino da opinião nos jornais,
estava muito pobre.
A Ministra da Educação tem sido atacada por todos os lados. Concorda que
quando alguém é impiedosamente criticado por tudo e por todos, é porque está
a reformar conceitos e mentalidades e a mexer com os interesses instalados?
Acho que o princípio pode ser válido neste caso e acho que a ministra tem conse-
guido mexer com o que chama «interesses instalados». Falta agora melhorar a qua-
lidade do ensino e a qualidade de vida dos professores, dignificar a profissão, incen-
tivar a formação profissional, deixar de tratar os professores como profissionais de
uma profissão qualquer. Mas é preciso que eles se comportem como tal. E não, não
concordo em absoluto com a interferência dos pais no sistema de ensino e na avalia-
ção dos professores. A escola pública deve ser, para os alunos, também um espaço de
liberdade em relação à família e à sua intimidação. Na escola devem ser avaliados se-
gundo os critérios da escola. Misturar escola e família deu sempre resultados pobres e
acabou com a independência de critérios da escola e dos professores. Uma balbúrdia.
Aliás, os pais nem sequer devem partilhar o mesmo espaço dos alunos na escola. É
bom para os alunos e bom para os pais. Mas os critérios terão de ser mais exigentes.
‹ 145
Bagão Félix 99
É, pública e notória, a defesa que tem feito dos valores cristãos. Pensa que a
voragem consumista, que tem o seu expoente máximo no Natal, acaba por en-
fraquecer o alcance da mensagem subjacente a esta quadra?
Vivemos num mundo muito utilitarista e orientado para o consumo. Isso faz com
que o que é fundamental passe para um plano secundário, pelo menos para aqueles
que acreditam (os cristãos), no Natal, como data do nascimento de Jesus Cristo. Não
sou daqueles que nega a importância dos presentes, sempre e quando, estes sejam
99 Economista e comentador político-económico. Ocupou os cargos de secretário de Estado da Segurança Social dos VI, VII
e VIII Governos Constitucionais (Sá Carneiro e Pinto Balsemão); de secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional
do XI Governo (Cavaco Silva); ministro da Segurança Social e do Trabalho no XV Governo (Durão Barroso); ministro das
Finanças e da Administração Pública no XVI Governo (Santana Lopes). Foi também deputado à Assembleia da República
(eleito pelo CDS/PP), membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e da sua Comissão de Assuntos Sociais e
Saúde, de 1983 a 1985.
Entrevista realizada por Nuno Dias da Silva, em Dezembro de 2006.
‹ 147
uma forma de saber dar e receber e que se tenha em mente a ideia da família, dos
amigos e das pessoas mais próximas e queridas.
Como defensor das posições anti-aborto pensa que esta consulta popular não
vai resolver um problema que se arrasta há décadas?
Para começar, este referendo encerra um aspecto bastante criticável: a pergunta não
tem a ver com o que está em causa, porque fala em despenalização, mas do que estamos
148 ›
a tratar, efectivamente, é de uma liberalização. Quando se diz que o aborto pode ser
feito por opção da mulher com a condição de ser realizado num estabelecimento de
saúde devidamente autorizado, não se está a despenalizar, está a dizer-se que é comple-
tamente livre até às dez semanas. É um autêntico referendo do dia seguinte.
Porquê?
Imagine o cenário se o «sim» tivesse ganho em 1998, certamente tinham aca-
bado os referendos sobre a questão do aborto. O objectivo é fazer referendos até
que o «sim» ganhe. Se não ganhar desta vez, tentar-se-á uma terceira ou quarta vez.
Se o referendo não for, uma vez mais, vinculativo, será a sentença de mor-
te dos referendos em Portugal?
A Assembleia da República é politicamente soberana para, bem ou mal, legis-
lar sobre esta matéria. Ou seja, o referendo não é uma obrigação para alterar a
legislação sobre o aborto. Sou da opinião que a elevada dose de abstenção regista-
da em 1998, e que agora se poderá repetir, é uma abstenção activa, passe o para-
doxo. Há quem se abstenha porque, pura e simplesmente, tem dúvidas sobre um
problema tão melindroso e complexo para as pessoas simples deste nosso país.
Lidou de perto com o problema do défice quando foi ministro das Finanças.
Como se controla o «monstro» da despesa pública?
É muito difícil enunciar panaceias para o actual estado de coisas. Repare que cerca
de 95 por cento dos impostos vão para salários, pensões e juros – ou seja, uma parte
da despesa, por ser tão rígida, é muito difícil de mudar no curto prazo. É um autênti-
co rolo compressor. Por isso é que os governos, especialmente este, quando pretende
reduzir as despesas, socorre-se das despesas não rígidas, as de investimento. O que,
a meu ver, é um erro. A despesa tem de ser reduzida em termos reais, mas é preciso
perceber que isso não se pode fazer de um dia para o outro.
Este Governo entrou em funções com muita arrogância e uma perspectiva exces-
sivamente voluntarista, avançado com soluções sem resultados a curto prazo. O PRA-
CE para reformar a administração pública e outros programas semelhantes, tardam
em implantar-se ou estão ainda longe de gerarem frutos.
Reduzir uma parte substancial dos 700 mil funcionários públicos seria uma
solução acertada?
O Governo nunca disse que ia tomar essa medida. O que anunciou, e mal, foi uma
fórmula falaciosa que se traduz em que cada dois funcionários que saem, entra um,
mas esqueceu-se que os dois que se retiram vão directamente para a aposentação e
como tal continuam a absorver prestações sociais do Estado. Fazendo as contas, o Es-
tado, em vez de aliviar o peso de funcionários, acaba por ficar com três a seu encargo.
Que balanço faz deste ano e meio de Maria de Lurdes Rodrigues como mi-
nistra da Educação?
Penso que comete um erro fatal quando vê o problema da Educação apenas do
lado dos professores, ao mesmo tempo que procura incutir na opinião pública a ideia
que os professores são todos maus profissionais, quando, como em todas as profis-
sões, há bons e menos bons. Com as medidas que tem adoptado, a ministra retirou
aos professores a já pouca autoridade que lhes restava nas escolas. Os professores não
são respeitados, quer pelos alunos, quer pelos encarregados de Educação, muito por
culpa da política educativa em curso. Uma escola sem autoridade e sem professores
que se dêem ao respeito, não tem futuro.
A violência nas escolas tem sido um tema na ordem do dia. Como se recupera
a autoridade nas salas de aula?
Em primeiro lugar, com equipas de gestão. Depois, é preciso voltar a prestigiar
os professores que têm de deixar de ser rotulados com a etiqueta de «maus profis-
sionais». Por outro lado, é necessário estabilizar os quadros de professores nas aulas,
com o reforço dos vínculos plurianuais.
Marçal Grilo disse num seminário que procurou fazer pactos de regime
quando foi ministro da Educação, mas que não o deixaram, argumentando que
os interesses partidários se sobrepõem, quase sempre, aos interesses nacionais.
Faria sentido um consenso alargado para o sector?
O consenso quando é total e generalizado peca por ineficaz. Geralmente, todos
estão de acordo sobre nada. O que eu defendo é que as reformas levadas a cabo sejam
inteligentes no sentido de agregar o mais possível as vontades comuns dos vários
agentes em jogo e essa é uma questão cívica, geracional e civilizacional, que trans-
cende os interesses partidários. Infelizmente, vezes de mais, os interesses partidários
inquinam as soluções, porque estão orientados para uma lógica de poder, sublinhe-
se, perfeitamente normal em democracia.
Pelo que diz, depreendo que é céptico em relação à boa vontade dos maiores
partidos políticos?
As reformas na Educação, Segurança Social e Saúde, são de âmbito geracional:
como têm custos imediatos e proveitos a longo prazo não são benquistas pelos par-
tidos, porque contribuem para estes perderem parte da «clientela» eleitoral. Nessa
perspectiva, alguns consensos que possam ser idealizados pelas grandes forças e ins-
tâncias, parecem condenados ao insucesso.
‹ 155
Maria de Lurdes Rodrigues 100
O novo Estatuto da Carreira Docente traz mais justiça para a carreira dos profes-
sores, promovendo os melhores e permitindo excluir do sistema os que não revelam
competência. A regulamentação vai agora ser iniciada, mas já é certo que só alguns
professores podem assumir a gestão das escolas. Certo também é que o novo regime
de habilitação para a docência está aprovado e dá tempo a universidades e politécnicos
para adaptarem os seus cursos ao regime e a Bolonha.
Estas afirmações são da responsabilidade da Ministra da Educação, Maria de Lurdes
Rodrigues, em entrevista ao Ensino Magazine. Neste encontro, a ministra explica as al-
terações que quer introduzir no sistema, nos dois anos que lhe faltam de mandato, no-
meadamente ao nível da gestão e da modernização das escolas. Diz que os professores
exercem a sua função com competência, apesar da contestação, e justifica o incremento
dado ao crescimento dos cursos de matriz profissional, ao nível do Secundário.
Maria de Lurdes Rodrigues garante que, dentro de dois anos, a cultura do furo ou
do feriado desaparecerá, e ninguém vai contestar as aulas de substituição. Explica por
que razão Portugal é pioneiro ao nível da certificação de competências até ao 12º Ano e
afirma preferir a política de inclusão à da segregação dos alunos com necessidades edu-
100 Professora Associada do ISCTE-IUL, onde lecciona desde 1986. Entre 2005 e 2009, foi Ministra da Educação do XVII
Governo Constitucional, liderado por José Sócrates, tendo lançado e realizado diversas reformas. Particularmente controversas
foram as da carreira docente e da avaliação de desempenho dos docentes, as quais foram alvo de contestação interna por pro-
fessores e sindicatos, pelos partidos da oposição e por alguns sectores do Partido Socialista. Actualmente preside à Fundação
Luso-Americana para o Desenvolvimento, por nomeação do primeiro-ministro.
Entrevista realizada por João Carrega e Vítor Tomé, em Fevereiro de 2007.
‹ 157
cativas especiais. Mostra-se ainda muito satisfeita pelo facto do Ministério ter instituído
o prémio de professor do ano.
De que forma é que o papel dessa comunidade pode ser mais activo nas
escolas?
Isso pode passar por alterações ao nível das assembleias de representantes, no
sentido de que a participação seja efectiva e consequente. Vamos levar a escola a
abrir à comunidade, para não ficar exclusivamente entregue ao grupo de professo-
res que estão lá.
Será possível, até ao final da legislatura, ter metade dos alunos do Secun-
dário em cursos de cariz profissional?
Este ano abriram 500 novos cursos. Mas é o ano da entrada. Temos de esperar
pelo próximo ano e ver qual é a adesão dos alunos aos primeiros anos destes cursos.
Mas se tudo correr como até aqui, poderemos dizer que, dentro de quatro
anos, estaremos muito perto de ter metade dos alunos do Secundário em cursos
de cariz profissional.
Considera que houve muito ruído na transmissão, aos professores, das medi-
das tomadas pelo Ministério da Educação?
Talvez. Houve sobretudo muita contestação. Normalmente, a contestação surge
associada à distorção, ao exagero, à caricatura. E isso é que faz o ruído.
‹ 163
Sobrinho Simões 101
‹ 165
Que motivos invoca para dizer que 2006 foi positivo para a ciência nacional?
O ano de 2006 trouxe frutos palpáveis do investimento feito em ciência em Portu-
gal ao demonstrar a enorme importância dos Laboratórios Associados e dos Centros
de Investigação na produção científica. O problema é que estas instituições ainda não
influenciaram suficientemente a universidade. É esta a limitação.
Mas não pensa que subsiste um défice nos cuidados de saúde ministrados
aos utentes?
Existe. Mas o défice nos cuidados de Saúde é muito menor do que o défice
nos Transportes. A TAP e os comboios, são muito piores que o Serviço Nacional
de Saúde (SNS). E, então a Justiça é horrorosamente pior que o SNS. Se anali-
sarmos os vários sistemas portugueses, provavelmente chegaremos à conclusão
que o menos mau é o da Saúde. E se não conseguimos resolver os problemas nos
Transportes, como é que julgam que vamos resolver os que existem na Saúde?
O Processo de Bolonha é o chamado «euro do ensino». Crê que vai ser uma
«prova de fogo» à capacidade competitiva das universidades, professores e alu-
nos portugueses?
Gostava que fosse, mas não tenho a certeza disso. Receio que tenhamos uma
resposta burocrática semelhante à que tivemos há alguns anos quando começámos
a fazer cursos superiores de papel e lápis por tudo quanto era sítio e quando, de-
pois, inventámos dezenas e dezenas de mestrados, na sua maioria sem qualidade.
O Processo de Bolonha só valerá a pena se contribuir para aumentar a qualidade do
processo educativo a todos os níveis, com ênfase, no que diz respeito à Universidade,
no 3.º ciclo, isto é, nos Programas Doutorais. Tal, subentende uma aposta consistente
em avaliação externa independente que obrigue a recompensar o mérito, “force” a
entrada massiva da investigação científica no Ensino Superior e estimule a interna-
cionalização.
Nos últimos anos houve projectos que mobilizaram milhões de euros dos
cofres do Estado. Ao esquecer, por exemplo, a criação de laboratórios, acha
que os políticos têm errado na definição das prioridades nacionais devido a
uma visão de curto prazo? Considera que existe uma política de ciência em
Portugal?
As prioridades têm variado um pouco ao longo dos últimos anos embora a aposta
no betão se tenha mantido sempre dominante. Para sermos justos é preciso reco-
nhecer que alguns governos têm dado uns bons empurrões à ciência sem terem, no
entanto, conseguido modificar substancialmente o ensino experimental nas escolas,
nem a atitude da grande maioria das instituições de Ensino Superior face à investi-
gação científica e à inovação. Para complicar as coisas os tais empurrões têm sido,
como o próprio nome indica, descontínuos. E sem uma política sustentada de longo
prazo – que não se compadece com os curtíssimos ciclos eleitorais – não vamos lá…
A polémica sobre as faculdades de Medicina e o número de admissões é um tema
recorrente. O número de diplomados aptos que saem das universidades chega para as
168 ›
necessidades? Como vê o fenómeno da integração dos médicos estrangeiros, nomea-
damente espanhóis e de Leste, nos estabelecimentos hospitalares nacionais?
Temos, nesta altura, médicos suficientes para as necessidades do País desde que a
sua distribuição e a sua integração institucional sejam adequadas. Temos também um
número suficiente de estudantes de Medicina para assegurar o futuro, isto é, não pre-
cisamos de mais Faculdades de Medicina. Precisamos sim de melhorar a qualidade
do ensino médico, tanto pré como pós-graduado, e de assegurar a formação contínua
dos médicos de todas as idades. Precisamos também de começar a pagar decente-
mente aos médicos que trabalham seriamente nos hospitais públicos e nos centros
de saúde. Dito isto, vejo com simpatia o recrutamento de médicos competentes de
outros países em condições idênticas às que devemos exigir aos médicos nacionais.
‹ 169
José Barata Moura 102
É um “eurocéptico”?
Não. Recuso a dicotomia entre os parolos do deslumbramento e os “eurocépticos”.
O problema, neste momento, está em saber qual é a Europa que nos querem impingir...
Esteve como eurodeputado durante dois anos, no início da década 90. Como
classifica essa experiência?
Foi bastante enriquecedora e permitiu-me somar um conjunto de experiências re-
lacionadas com instituições, pessoas e problemas, que eu considero tiveram um papel
decisivo, inclusive na minha própria formação.
Um dos temas recorrentes é a qualidade dos políticos que nos governam. Concor-
da que a lógica dos aparelhos partidários evita que os melhores cheguem e se mante-
nham na política?
Não considero justas certas observações ao desempenho dos partidos. Há críticas que
visam atirar pela borda fora a possibilidade de os cidadãos livremente se organizarem e ac-
tuarem no quadro de um associativismo em que possam integrar os partidos. Dispenso-me
de comentar os “fait-divers” e se fulano é competente ou aldrabão, mas considero que numa
democracia madura, informada e participada é extremamente importante uma actividade
política com profissionalidade, mas que seja também assumida, por pessoas que tenham
experiência, enraizamento e compromisso com os diversos sectores da vida social.
Numa das raras entrevistas que deu ao “Expresso”, em 2005, afirmou, en-
quanto Reitor da UL, que «temos dinheiro a menos há anos». Havendo dinheiro
para tantos projectos nacionais, sejam eles de âmbito desportivo, aeroportuário
ou turístico, entende que o poder político secundariza o ensino superior?
É preciso perspectivar o debate a partir deste princípio basilar: compreender o
ensino superior público e contribuir para promover uma formação qualificada dos
174 ›
membros que integram a colectividade politicamente organizada, é uma responsabi-
lidade do Estado.
176 ›
Eduardo Lourenço 103
‹ 177
Esta integração europeia consegue atenuar o sentimento de crise latente?
Portugal é um dos espaços públicos menos problemáticos na cena europeia,
mas está acometido por uma sensação de espera directamente decorrente do im-
passe em que se encontra o projecto europeu. A Europa está politicamente sus-
pensa e seria desejável que retomasse rapidamente a sua marcha. Espero fran-
camente que os 6 meses da presidência portuguesa da União Europeia sejam
profícuos, para evitar este estado de imobilismo do processo europeu, orientado
o rumo no sentido da construção.
O poder político tem feito tudo o que está ao seu alcance para inverter a
tendência de crise?
O programa deste governo foi alicerçado na preocupação de Portugal não se
atrasar relativamente aos parceiros europeus. O problema do défice é um tremendo
“handicap” que não é de agora, é de sempre.
Quer dizer que o fim do império não foi psicologicamente ultrapassado pelo
colectivo?
O fim do império significou um traumatismo natural. Fizemos luto, embora silen-
cioso, durante a própria guerra colonial, que foi, em si mesma, um absurdo. Ficar livre
desse pesadelo histórico, que foi a guerra, não deixou ninguém indiferente. Quando
os colonizados tomaram consciência da sua situação e reivindicaram a sua autonomia,
Portugal entrou em contradição profunda consigo próprio. Mas é bom notar que não
fomos o único país da Europa que não resolveu positivamente o seu trauma colonial.
Estamos a pagar as contas normais de todas as colonizações que, ao contrário do que se
possa pensar, não são eternas. O caso da França relativamente à Argélia, por exemplo,
e comparativamente com Portugal, foi extremamente traumático, pois os gauleses sem-
pre pensaram que esta colónia lhes iria pertencer para sempre.
Encontra explicação para o facto de o seu amigo Mário Soares não figurar nos 10
primeiros lugares?
Os portugueses não têm perspectiva histórica temporal vivida para estar a julgar perso-
nagens de época distintas e recuadas no tempo e mesmo outras que lhes são mais familiares,
por estarem mais próximas cronologicamente. A Cultura, a Literatura e o Ensino português,
não dão uma atenção tão forte às personalidades mais antigas da nossa História.
Salazar, quer se simpatize com ele ou o odeie, é uma personalidade conhecida, mas
beneficiou de estar próximo da memória dos portugueses. Os que votaram em Salazar con-
sideram um acto de justiça para o esquecimento a que votaram o ditador. Por seu turno,
os adversários do Estado Novo — não se deram por vencidos e desvalorizaram uma vitória
póstuma do salazarismo. Nesta perspectiva, o país dividiu-se.
Acredita, como o escritor francês Vítor Hugo pressagiou, que teremos algum
dia «os Estados Unidos da Europa que coroarão o Velho Mundo da mesma for-
ma que os EUA coroam o mundo novo»?
Possível é, mas só ao fim de muitos anos. Nem daqui a 100 anos teremos uma
Europa federal, os tais Estados Unidos da Europa. A menos que estale um grande
conflito no “Velho Continente”. A Europa inventou um conceito muito particular
180 ›
de nação e essa dimensão que fala é um cenário limite, já que não há, até ver, outra
expressão política tão auto-reguladora e tão eficaz. Como a Europa é um conjunto de
nações, não sente qualquer necessidade de ultrapassar a dimensão que tem, ou seja
ser uma super-nação.
Como será o futuro da Europa, partindo do princípio que não haverá ne-
nhum conflito fracturante?
Um processo longo e uma coexistência de nações, salvaguardando as identida-
des culturais.
Uma vitória do partido democrata nas presidenciais de 2008 nos EUA pode
significar um novo relacionamento entre Washington e a Europa?
Cada vez que a presidência da Casa Branca muda, a relação com o “Velho Conti-
nente” também se altera, ganhe o partido republicano ou democrata.
‹ 183
Nuno Crato 104
Difícil é educá-los
É uma espécie de iconoclasta das teses oficiais veiculadas pelos teóricos do sistema
educativo. Nuno Crato defende um investimento mais eficiente no sector, a redução do
peso do Ministério da Educação e o reforço da avaliação de professores e alunos. O presi-
dente da Sociedade Portuguesa de Matemática é da opinião que a calamidade a que che-
gou o ensino no nosso País radica nas “falhas” que ocorrem desde o início da escolaridade.
Quais os erros mais graves que foram cometidos no ensino nos últimos 30 anos?
Há várias décadas que se cometem erros, mas creio que os mais graves ocorre-
ram na década de 80. A formação de professores não foi suficientemente cuidada,
desleixou-se a qualidade dos manuais, os programas começaram a ser facilitados, as
orientações pedagógicas não foram as adequadas. Creio que os aspectos de orientação
pedagógica são dos mais importantes no ensino, mas há outros assuntos como a or-
ganização, horários, promoção de professores, etc., em que se falhou redondamente.
‹ 185
É claro que disciplinar uma turma não é condição suficiente para que os estudan-
tes aprendam, mas é, certamente, uma condição necessária. Se a turma tiver discipli-
na e houver respeito pelo professor é possível trabalhar e aprender. Caso contrário,
tudo isto deixa de ser exequível.
Já aqui falámos que falta uma cultura de rigor e avaliação permanente. Pensa
que deve ser aplicada a alunos e extensível aos professores?
Faltam mais momentos de verdade para os alunos e professores. Para os alunos,
praticamente não há exames. Ao longo dos 9 anos têm lugar, apenas, dois exames
nacionais, num universo de dezenas de disciplinas. E esses dois exames apenas valem
para a nota final cerca de 30 por cento. Esta é uma das causas do abandono escolar.
Os jovens arrastam-se durante 9 anos pelos bancos da escola, sem nunca enfrentarem
provas de fogo, e quando finalmente aparecem os verdadeiros testes, muitos desistem.
Esteve 12 anos nos Estados Unidos, em Delaware e New Jersey, tendo co-
nhecido de perto as universidades norte-americanas. Se pudesse, o que é que
“importava” do sistema americano?
A flexibilidade, a concorrência e a avaliação constante de professores e alunos no
sistema de ensino, por exemplo. O trabalho sério. Também seria bom transportar as
condições das universidades privadas e escolas básicas americanas para o nosso País.
190 ›
Assiste com apreensão à “fuga de cérebros” e investigadores nacionais para
o estrangeiro?
A internacionalização é positiva. A ciência é global. Creio que os jovens portu-
gueses que emigram e se fixam no estrangeiro constituem uma oportunidade para o
País. Mas mais do que estarmos preocupados com a fuga de cérebros, devíamos criar
condições para que os nossos compatriotas e os estrangeiros desenvolvessem ciência
em Portugal.
Se fosse ministro da Educação por um dia qual a primeira medida que tomava?
Abrir as janelas da 5 de Outubro, para entrar ar fresco...
‹ 191
Carlos do Carmo 105
Carlos do Carmo diz que já não tem idade para ser destrutivo, mas recusa
calar-se perante o que os seus olhos vêem. A referência maior do fado português
aponta uma boa quota-parte das falhas do País às elites e aos políticos, afirma que
a concentração de riqueza está a ficar desumana e refere que não há professor que
resista à desagregação da instituição familiar e dos valores que esta transmite. O
fadista, que eternizou «Lisboa Menina e Moça» lamenta ainda que os desígnios da
felicidade moderna sejam canalizados para a compulsão consumista, sublinhando
que existe nesta sociedade «faz de conta» em que vivemos, muita modernice a
disfarçar a crueldade.
105 É uma figura incontornável da cultura portuguesa. Comentador, crítico, cantor e intérprete de fado. É cidadão honorário
do Rio de Janeiro, membro de honra do Claustro Ibero-Americano das Artes, e recebeu um diploma do Senado de Rhode
Island (Estados Unidos) pelo seu contributo para a divulgação da música portuguesa. Foi-lhe atribuído o Globo de Ouro de
Mérito e da Excelência, o Prémio Consagração de Carreira, da Sociedade Portuguesa de Autores, a Comenda da Ordem do
Infante D. Henrique e o Prémio Goya, em Espanha.
Entrevista realizada por Nuno Dias da Silva, em Julho de 2008.
‹ 193
Sente que existe qualidade, mas o país está paralisado?
Vou dar-lhe (mais) um exemplo prático. No passado dia 25 de Abril actuei na Guarda,
num teatro de grande qualidade, com uma excelente acústica. Estas coisas estão a acon-
tecer. Mas é preciso programar teatros, fidelizar públicos, a concertação dos agentes do
sector, subordinando a actuação a uma estratégia. A cultura é como o ar que respiramos.
Porque é que diz que Portugal é um país que ainda está em amadurecimento
democrático?
Não se esqueça que não há muito tempo Salazar ganhou um concurso televisivo.
Isto só é possível porque a democracia está carente. Há muitos saudosos da fome,
da guerra, da ignorância, da PIDE, da censura e das terras sem luz e água. É uma
minoria, é certo, mas não deixa de ser pouco lúcido. As pessoas esquecem-se que a
democracia dá muito trabalho e responsabiliza. Na ditadura há alguém que pensa por
nós, enquanto na democracia temos de pensar todos e nunca ver como inimigo os
que não pensam como nós. Infelizmente, nalguns casos, na sociedade actual, quem
decide são os «filhotes» do Salazar que ocupam lugares de decisão.
Pensa que alguns pais, por falta de apoio que dão aos filhos no dia-a-dia, se
sentem na obrigação de «comprar» os jovens?
Assistimos a isso. Vive-se naquele terror que se não lhes dermos o que eles pedem,
as crianças podem ficar mais debilitadas e expostas face a situações sociais problemá-
ticas. A família dá mostras de uma terrível desagregação, o que me preocupa imenso.
Eu não conseguia viver sem família. Aliás, trocava 5 carreiras pela minha família.
‹ 197
Campos e Cunha 106
‹ 199
cambial sem precedentes com o fim de Bretton-Woods. O dia-a-dia das pessoas foi
muito afectado e quem viveu esse período, lembra-se bem.
Reafirma que trocava o projecto do TGV por uma boa reforma da Justiça?
Trocava todos os TGV previstos por uma Justiça a funcionar, da mesma forma que
trocava as restantes auto-estradas planeadas por uma boa universidade.
Não servirá de consolo, mas temos algumas boas universidades, bem reputa-
das internacionalmente, como é o caso da Católica e desta onde estamos a fazer
a entrevista, a Faculdade de Economia da Universidade Nova...
Esta é a melhor Escola de Economia e Gestão de Portugal, por todas as avaliações
nacionais e internacionais que tem tido, mas continua muito longe do ranking das 20
melhores europeias. Dou-lhe este dado: pese embora sermos a melhor escola neste
segmento, não recebemos um tostão do Estado para investimento nos últimos 10
anos. Não se percebe como é que havendo tanto investimento no ensino superior,
a melhor escola de Economia e Gestão não é contemplada. A culpa é da tutela mas
também das autoridades dentro da universidade...
206 ›
Carlos Fiolhais 107
‹ 207
participei significa que o nosso atraso nessa área está a ser vencido. O atraso
resultava em boa parte de isolamento. Era um atraso grave, pois, como mostra
este caso de multiplicação de aplicações, a tecnologia que ajuda ao desenvol-
vimento tem hoje uma forte base na ciência fundamental. Devo acrescentar
que outros cientistas portugueses têm produzido artigos com muito impacte e
alguns deles têm, integrando as suas várias publicações, um currículo bem me-
lhor do que o meu. São esses colegas, trabalhando lá fora e aqui, que mais têm
feito para quebrar o nosso atraso e alicerçar uma nova tradição.
Um dos relatórios do Eurostat refere que apenas 24 por cento dos portu-
gueses visitaram um museu ou galeria de arte no último ano. Para além dis-
so, somos dos que menos lêem. Como inculcar hábitos culturais, especial-
mente de leitura, num povo que continua a preferir o consumo televisivo?
‹ 209
As estatísticas europeias informam-nos periodicamente que o nosso lugar
continua a ser na cauda da Europa. A frequência a museus e a leitura são índices
reveladores, embora haja outros. Em contrapartida, como lembra, investimos
demasiado do nosso tempo na televisão, essa grande “ladra” de tempo. Estamos
condenados ao atraso cultural? Não, não estamos. Mas, além do investimento
acrescido na cultura (nomeadamente nas bibliotecas públicas, que são lugares
de civilização, e na protecção do nosso património histórico), julgo que o maior
esforço que tem de ser feito será no domínio da educação. A educação é, tem
sido, o nosso calcanhar de Aquiles. Olhe que eu nem sei se os miúdos agora sa-
bem o que é um calcanhar de Aquiles... Pergunte numa escola ao acaso e talvez
só saibam do calcanhar do C. Ronaldo. Na minha opinião, e não esquecendo o
papel da família, é na escola que a cultura deve começar. Para as crianças mais
pobres, a escola representa a oportunidade de sair da pobreza.
Fica-se com a ideia que a instituição escolar está “sem rei nem roque”.
Os professores perderam o poder que tinham e distanciaram-se do centro
do sistema. Quem manda na escola?
Boa pergunta, quem manda na escola? Acho que ninguém manda. Os profes-
sores não mandam, o governo não manda, as autarquias e as famílias também
não. Julgo que era tempo de responder à questão. Poder-se-ia pensar – se no
estado actual de confusão se pudesse pensar alguma coisa – que às escolas fosse
dada suficiente autonomia para se organizarem da maneira que os professores
(os professores são centrais na escola!), em colaboração com as autarquias, as
famílias, etc. e que o governo se limitasse, em vez de querer ser o “rei” absoluto,
que tudo estabelece e determina, a definir regras claras, incentivando as escolas
mais bem organizadas e desincentivando as outras.
214 ›
Mariano Gago 108
‹ 215
ropeias. Aquilo que também se verifica é que esse número tem vindo a subir e é muito
superior, nalguns pequenos países europeus - como os nórdicos - em que apostaram há
vários anos no ensino superior para as suas populações. Penso que Portugal deve seguir
essa via, ou seja, tem que ter um número muito superior de jovens no ensino superior,
e não me espantaria que, dentro de algumas décadas, tivéssemos cerca de 60 por cento
dos jovens a frequentar o ensino superior. Claro que, neste caso, pouco importa se os
jovens têm 20 ou 30 anos, pois muitos deles entram na vida activa e depois decidem
continuar os seus estudos. O que importa é que no total da população activa tenhamos
cerca de 50 por cento dessa mesma população tenha formação superior. Nos Estados
Unidos da América esse número é de 60 por cento.
Uma das questões que afirma querer ver resolvida, diz respeito aos Estatutos
das Carreiras Docentes do Ensino Superior. Já há datas para que eles venham a
ser aprovados?
Estamos a fazer a revisão dos estatutos da carreira docente universitária, politécnica
e de investigação. Neste momento foram aprovados, em Conselho de Ministros, os
documentos de revisão dos estatutos da carreira docente para a universidade e para
os politécnicos, no sentido de se aumentar os níveis de qualificação dos docentes, de
rejuvenescer o corpo docente e de consolidar as instituições, sobretudo aquelas que
têm muito pessoal precário. Iniciámos o período de negociação com as várias estruturas
sindicais e esperamos que esse período fique concluído este mês.
A aposta, ao nível dos politécnicos, passa pela abertura das instituições aos
profissionais que se encontram no activo, os quais podem desempenhar uma
função docente?
Essa é já uma intenção dos próprios politécnicos. O Conselho Coordenador dos
‹ 217
Institutos Superiores Politécnicos propôs que esse número fosse da ordem dos 25 por
cento do total do número de docentes. Uma percentagem que seria ocupada por pro-
fissionais que, em tempo parcial, procedessem à leccionação nos politécnicos, e desse
modo contribuíssem para melhorar a relação dos estudantes com a vida activa e pro-
fissional. Penso que essa meta é razoável e será incorporada nos estatutos de carreira.
218 ›
Eduardo Catroga 109
Porque é que diz que entre 1995 e 2001 perdeu-se uma oportunidade de ouro
para estabilizar o país do ponto de vista económico?
Se fizermos uma breve resenha histórica, concluímos que os portugueses são espe-
cialistas em dar tiros nos pés e em desperdiçar oportunidades soberanas. Não soubemos
fazer a transição da ditadura para a democracia, acompanhada pela descolonização, o que
nos custou uma estagnação de 10 anos em termos de nível de vida. Por outro lado, de-
saproveitámos o contexto económico e financeiro internacional de entrada no euro para
aprofundarmos um conjunto de reformas estruturais. Ao invés, num período de alguma
prosperidade, entre 1995 e 2001, engordámos desmesuradamente o sector público e cri-
ámos um «monstro» de despesa pública, aumentando a carga fiscal sobre as famílias e as
empresas. Isto para além de termos falhado a reforma de sistemas públicos fundamentais,
como são os da educação e formação profissional, justiça, concorrência e regulação dos
mercados. Estamos a pagar uma elevada factura resultante da inacção estrutural.
Este ano aumentaram as vagas para o ensino superior. Por exemplo, na advo-
cacia, o Bastonário assegura que seria possível prescindir de aproximadamente
metade dos 26 mil advogados inscritos na Ordem. Não é um contra-senso?
Em Portugal, somos especialistas em perpetuar ideias que estão ultrapassadas.
Repare: o facto de um indivíduo tirar um curso de Direito, não quer dizer que siga
esta área. A formação de base é que é fundamental. A formação universitária tem que
ser entendida, sobretudo nos três primeiros anos, como de banda larga, permitindo
uma adaptação posterior ao projecto de vida profissional.
Quer dizer o universo educativo está autista perante a realidade que o rodeia?
Essa realidade deriva de juízos errados formulados pelas famílias e pelas pessoas e
reside em factores sociológicos e culturais. Felizmente, vai-se reagindo e hoje em dia
temos mais jovens à procura do ensino técnico-profissional, de ramos tecnológicos e
até de profissões que há duas décadas eram rejeitadas.
É comum ouvir-se que muitos jovens recusam empregos dignos como tra-
balhar num café ou num restaurante. É um preconceito trabalhar nessas áreas?
Essa relutância explica-se pelos tais preconceitos de natureza cultural e sociológi-
ca. No estrangeiro, é banal os universitários trabalharem na área da restauração para
angariarem dinheiro para fazer face aos encargos dos estudos. Estas experiências são,
aliás, muito importantes em termos de preparação para a vida. A reforma das men-
talidades é um processo lento. Não há milagres de curto prazo. Por vezes, é preciso
cometer erros para reencontrar novos caminhos. O que é preciso é que, todos juntos,
pessoas, famílias, empresas, governos e elites, interiorizem que o nível de emprego, a
qualidade de iniciativa empresarial e dos sistemas públicos só melhora se todos fize-
rem por isso. Não é em 2 ou 3 anos que se faz uma reforma da administração pública,
da Segurança Social ou do sistema educativo. São processos contínuos. Nada está
concluído e, para além disso, as políticas devem adaptar-se à evolução do contexto.
‹ 223
Valter Lemos 110
A actual equipa do Ministério da Educação foi uma das que mais altera-
ções tentou introduzir no sector da educação básica e secundária. Os objec-
tivos foram atingidos?
Na sua esmagadora maioria foram atingidos. Esta foi uma das épocas em que
se cumpriu, de forma mais exaustiva, um programa do Governo. Isso é muito
satisfatório para uma equipa política, que se comprometeu com um conjunto de
medidas e promessas, sobre as quais, no final, deve apresentar contas. Nós pode-
mos apresentá-las de cara levantada, já que cumprimos, na íntegra, o programa
do Governo.
110 Foi Presidente do Instituto Politécnico de Castelo Branco e membro da Comissão Instaladora da respectiva Escola
Superior de Educação. Eleito deputado, pelo PS, nas IX, X e XI legislaturas. No XVII Governo Constitucional, de maioria PS,
liderado por José Sócrates, foi chamado a desempenhar o cargo de Secretário de Estado da Educação, sendo Ministra Maria de
Lurdes Rodrigues. Actualmente, é Secretário de Estado Secretário do Emprego e da Formação Profissional, do XVIII Governo
Constitucional, liderado por José Sócrates.
Entrevista realizada por João Carrega, em Setembro 2009.
‹ 225
Hoje pode dizer-se que a escola pública é igual para todos?
É mais igual, sem dúvida. Não é totalmente igual para todos, mas isso, provavel-
mente nunca o será, pois os sistemas sociais não se conseguem desenhar de uma forma
perfeita. Mas não tenho dúvida nenhuma, que a escola pública é mais igual para todos.
E essa é uma das questões centrais da política do Ministério da Educação, durante
este mandato. Requalificámos a escola em todos os sentidos, quer nos termos físico e
material, quer da sua missão. Havia um desgaste dessa missão e a ideia de que a escola
pública não servia para alguns. E o nosso objectivo foi o de garantir um princípio es-
sencial das democracias europeias e modernas, que passam por a escola pública servir a
todos. E hoje estamos muito melhor do que há quatro ou cinco anos atrás. Não só para
aqueles que lá andavam, mas para aqueles que regressaram à escola.
E isso significa…
Significa ter mais alunos na escola, durante mais tempo e a aprender mais. Não
vejo outra forma de estruturar as políticas com outro objectivo. E todas as políticas
sectoriais devem centrar-se nesse objectivo global.
Mas também é importante que os jovens não estejam apenas na escola, é relevante
que obtenham outros resultados...
Conseguido o objectivo de ter os jovens na escola, importava atingir outro que passava
por fazer com que o percurso escolar deles seja bem sucedido, em que aprendam e se pos-
226 ›
sam qualificar, de modo a que a escola promova a igualdade de oportunidades. Não nos
podemos esquecer que a desigualdade de oportunidades está relacionada com a desigualda-
de escolar. O horizonte civilizacional do nosso país, como refere o Primeiro-ministro, deve
ser o ensino secundário como referencial de qualificação para todos os portugueses. E junto
das novas gerações estamos prestes a atingi-lo. Todos os números mostram que o progresso
desde 2005 foi extraordinário.
O principal problema que afectava o país neste domínio era o abandono escolar?
Eram as taxas de insucesso e abandono escolar, pelo que importava melhorar isso para
atingirmos um dos nossos primeiros objectivos. Objectivos que passavam por os alunos
permanecerem mais tempo na escola, e que estando lá adquirissem mais qualificações. Por
isso implementámos medidas, que passavam pelos planos de recuperação para os alunos
que começam a ter problemas de aproveitamento, para depois passar pelos planos de acom-
panhamento, ou pelos percursos alternativos ou os cursos de educação formação. Isto para
garantir que em cada momento do percurso há uma resposta adequada ao aluno. E este era
um problema que existia no sistema de ensino, pois a única resposta que ele tinha quando
o aluno falhava era não fazer nada e reprová-lo. Estas medidas conseguiram recuperar o
ensino básico, pelo que hoje nenhum aluno está fora dessa escolaridade.
E no ensino secundário?
Tivemos que enfrentar um problema que todos os estudos indicavam: em Portugal ape-
nas existia uma via de estudo para os alunos. Ora nenhum país do mundo fazia isto! Nem
mesmo os menos desenvolvidos. Permitir que os alunos façam os seus estudos com êxito
passa por lhes dar diferentes opções. Mas a nossa escola pública só tinha o ensino geral.
Houve uma ou duas tentativas de resolver o problema, como demonstra a criação das esco-
las profissionais, pelo ministro Roberto Carneiro, numa medida que se revelou insuficiente.
Mas que demonstrou que aquele modelo de ensino funcionava. Contudo, importava que
a escola secundária pública respondesse a todos, e não apenas a alguns alunos. Por isso,
essas escolas tinham que ter disponíveis diferentes vias de ensino. E isso foi feito com muito
sucesso o que surpreendeu muita gente. Primeiro porque ninguém estava à espera que a
medida fosse tão acertiva, depois porque as pessoas não acreditavam que a escola pública
fosse capaz de responder eficazmente, e por fim porque Portugal tem a tradição de não
acreditar em si próprio.
Esse sucesso deve-se também a uma mudança de estilo governativo por parte do
Ministério da Educação?
Há uma mudança de estilo desta equipa ministerial, sem dúvida. E não estou a falar nas
ideias ou das estratégias de política, porque anteriores equipas também o tiveram. Refiro-me
à questão da realização: ou seja garantir que a política acontece e que as coisas se fazem. Nin-
guém nos vai tirar o mérito, por exemplo, por nos cursos profissionais termos mais 100 mil
alunos no sistema. E isso foi feito com a legislação que já estava em vigor. Apenas adoptámos
medidas de organização e gestão com as escolas.
Isso demonstra que a escola pública estava preparada para responder aos desafios?
Demonstrou que estava melhor preparada do que aquilo que se dizia. É importante
recuperar as afirmações de muita gente, nessa altura, em que não houve ninguém que dis-
sesse que a escola tinha condições para avançar nesse sentido. Sofremos logo críticas dos
sindicatos afirmando que não havia condições. Os comentadores disseram que éramos vo-
luntaristas. Ora a nossa convicção é de que se arriscássemos a ideia de que a escola não
conseguiria dar resposta aos problemas da qualificação dos jovens, teríamos que por em
causa a natureza da escola. A escola é uma das maiores realizações da civilização humana
e que permitiu os níveis de bem estar da sociedade. Nesse sentido, não estaria disponível
trocar isso por nada. Estamos muito satisfeitos de ter sido possível provar, no terreno, que
a escola pública está em condições de cumprir as suas funções. E esse é um dos principais
resultados destas medidas.
A morte e o envelhecimento são temas dos seus livros. Os idosos são despre-
zados pela sociedade?
Antes de mais, creio que a sociedade tomou consciência de que está envelhecida.
Por duas razões: devido ao aumento da esperança média de vida e pelo facto de a
natalidade ter diminuído substantivamente. Consequência disso é a inversão da pi-
râmide etária. Há localidades, nomeadamente na Beira, em que há mais pessoas com
65 anos, do que com menos de 15. Isto é um problema muito grave ao nível da saúde
- Há que procurar preservar uma boa qualidade de vida até mais tarde. Ou seja, dar
vida aos anos e não dar anos à vida; ao nível económico – com o aumento das presta-
111 Neurocirurgião e Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Entre 1971 e 1984 viveu
em Nova Iorque, onde foi bolseiro da Comissão Fullbright e professor associado no Departamento de Neurocirurgia da Uni-
versidade de Columbia. Presidiu à Sociedade Europeia de Neurocirurgia. Foi também professor convidado da Universidade de
Pequim. Actualmente dirige o Serviço de Neurocirurgia do Hospital de Santa Maria,
Entrevista realizada por Nuno Dias da Silva, em Novembro 2009.
‹ 231
ções sociais para segurança social e as reformas; e no domínio da solidariedade social,
segurança, solidão e risco de violência contra idosos fruto da sua vulnerabilidade, já
para não falar do facto de as cidades não estarem preparadas para acolher idosos. O
envelhecimento da população será certamente um dos grandes problemas sociais das
próximas décadas.
Continua a entender que o universo de médicos está mal distribuído pelo País?
Isso é uma evidência constatada pela realidade. Portugal hoje está próximo de si próprio.
Já não existem distâncias intransponíveis. Estou convicto que se pode ter uma vida muito
agradável e de satisfação profissional seguindo esta carreira, o que é preciso é garantir os
meios e criar atractivos para que as pessoas se desloquem para fora dos centros urbanos.
Reconhecer e retribuir o esforço e o mérito é fundamental, especialmente nesta profissão.
«Conheço muitos professores, e nos últimos meses, ainda não vi nenhum feliz»,
afirmou numa entrevista no auge do «braço de ferro» entre os docentes e a tutela.
Que estados de alma partilharam consigo os professores que passaram aqui pelo
seu consultório no Hospital de Santa Maria?
Digamos que a mensagem fundamental se pode resumir a isto: não fazem aquilo para
que foram treinados. Existe uma desadequação entre aquilo que sabem fazer e as funções
que lhes foram distribuídas.
Hoje em dia abusa-se das receitas educativas mais fáceis e de resultados rápidos?
Abusa-se. Outro disparate é a tentativa de aniquilar o livro.
O seu pai trabalhou de perto com Egas Moniz. Já confidenciou que o Prémio
Nobel da Medicina, em 1949, foi uma das pessoas que o influenciou a seguir
esta carreira e está, neste momento, a trabalhar na biografia de Egas Moniz, a
lançar no próximo ano durante as comemorações do Centenário da República.
‹ 235
Quer falar-nos um pouco desse projecto?
É uma empresa demorada, custosa e difícil, mas muito gratificante. Não sei se será
possível ter a obra pronta a tempo das comemorações do Centenário da República,
mas pela investigação que tenho feito já percebi a dificuldade de compilar a vida
de uma pessoa que viveu tanto tempo e que deixa um legado tão rico. Eu gostaria
muito, de acordo com as minhas possibilidades, que esta fosse a obra mais perfeita
que consegui fazer com aquilo que tenho. No fundo, pretendo, em colaboração com
outros «egófilos» que existem neste País, chamar a atenção para o significado que este
português teve na história das neurociências a nível mundial.
Sem ser político, tem estado perto deles e merecido a sua confiança para
funções de destaque. Foi mandatário nacional das candidaturas presidenciais
de Sampaio e Cavaco e, actualmente, é Conselheiro de Estado. Os políticos e as
políticas não têm dado resposta para os problemas do País. Acha que os políti-
cos são incompetentes ou incompreendidos?
Se calhar é um pequenino componente de ambas as coisas. A minha primeira
palavra é de respeito para os que conseguem ser políticos. Qualquer cargo desta na-
tureza é de uma enorme delicadeza e complexidade. Tenho encontrado muitos com
sentido de Estado e do dever. Nutro uma enorme admiração pelo poder autárquico,
tendo-me cruzado, ao longo destes anos, com gente admirável e empenhada. Inde-
pendentemente dos pecadilhos que possam ter, seja de ambição pessoal, vaidade, etc.
Isso a mim não me interessa. Um político vale basicamente pela obra, o que não quer
dizer que aprove todas as maneiras de a colocar em prática.
Define-se como um «médico que escreve». Os seus irmãos, Nuno e António, tam-
bém são escritores de sucesso. Lê o que eles escrevem? Trocam críticas literárias?
Temos uma enorme independência, mas alguns dos assuntos que se encontram
nos livros são temas das nossas conversas. O António refere-se, uma vez por outra,
àquilo que eu escrevo. Reconheço uma autoridade em relação à minha escrita que eu
não tenho em relação à escrita dele. Mas aprecio quando há uma palavra de elogio.
Não posso deixar de o confessar. Quanto ao Nuno, escreve também muito bem. Nou-
tro registo. Ambos merecem o meu respeito e aplauso.
‹ 237
Garcia Pereira 112
Fiel ao seu estilo frontal e polémico, Garcia Pereira afirma que o contínuo des-
prestígio da Justiça mais não é do que o requiem do Estado de Direito e condena a
impunidade das violações do segredo judicial, apontando que as fugas partem do in-
terior do próprio sistema. O Professor e advogado lança um aviso à navegação: é nos
momentos de convulsões sociais e desconfiança na Justiça que pescam os Bonapartes.
Critica ainda a falta de pensamento estratégico para a educação e denuncia que se
estão a formar cidadãos «amorfos e pouco conhecedores». Em entrevista ao Ensino
Magazine recorda ainda o dia 12 de Outubro de 1972, quando presenciou a morte
do dirigente estudantil Ribeiro dos Santos, às mãos da PIDE.
‹ 243
Mira Amaral 113
Portugal não sairá da crise tão cedo. Palavra de economista. Luís Mira Amaral
afirma que o país desaproveitou o período de vacas gordas e. de aluno aplicado. ra-
pidamente reprovou no controle da despesa pública. O resto já se sabe. A receita do
ex-ministro é simples e radical: cortes no número de deputados, câmaras municipais,
freguesias e na composição dos governos. Sobre o sector do ensino diz que a situa-
ção é dramática e diagnostica os problemas: sobra em dinheiro, o que falta em rigor
e competência e critica sem piedade as teorias modernas dos “sinistros” pedagogos
do ensino. Mira Amaral conclui com uma nova pista para debate: as universidades
devem reciclar jovens já formados, reorientando as suas qualificações para suprir
necessidades do mercado laboral.
‹ 245
E no nosso caso?
De uma forma clara a objectiva, afirmo que Portugal não vai sair da crise. Porque
antes desta tormenta financeira que assolou o mundo, o país já vivia numa crise
estrutural muito séria, desde os tempos do governo Guterres. Simplesmente a con-
juntura tornou mais explícitas as nossas fragilidades estruturais. Eu previ que em
2013 ou 2014 estaríamos na situação actual, mas a nossa impreparação acelerou o
processo. Nós antes da crise já estávamos em péssima forma física, só que em tempo
de vacas gordas não fizemos o trabalho de casa e o resultado está à vista.
É dos que partilha a ideia que o Parlamento também devia ser alvo de um
emagrecimento?
Temos deputados, câmaras municipais e freguesias a mais. E, claro, elencos go-
vernamentais excessivos. Um governo mais pequeno gasta necessariamente menos.
Quanto mais secretários de estado existirem, mais eles têm que justificar a sua im-
portância política, logo, é mais um acréscimo de gastos. Isto seria um bom sinal em
termos de despesa pública.
246 ›
E no que diz respeito às sempre tão tíbias ou adiadas reformas estruturais. O que
foi feito ficou aquém do esperado?
Os engenheiros civis sabem que um edifício aparentemente muito sólido é o primeiro
a ceder a um tremor de terra. Os edifícios que resistem são os que mexem, abanam, mas
não quebram. Esta imagem quer dizer que os sistemas abertos ao exterior têm de ter graus
de liberdade que se acomodem aos choques externos. No tempo do escudo tínhamos
instrumentos que permitiam controlar as crises. Quando entrámos na moeda única per-
demos esse instrumento e devíamos ter começado a flexibilizar os mercados de trabalho
e emprego, apostar na educação e na qualificação, de modo a aumentar a produtividade,
etc. O desemprego galopante e o desequilíbrio das finanças públicas são apenas duas
consequências por nada ter sido feito.
Já foi Ministro do Trabalho. Quem são os mais lesados por uma taxa de desem-
prego a roçar os 11 por cento?
Os mais prejudicados vão ser os jovens e os desempregados de longa duração. Aos
248 ›
primeiros o ensino não lhes deu skills para o mercado de trabalho. Dou-lhe um exemplo:
Em Maio de 2008, quando arranquei com o projecto do banco BIC, tinha dezenas de
pedidos de “cunhas” para empregar amigos e conhecidos licenciados em cursos que eu
chamo de ensino livresco. Realmente na altura do que eu precisava era de um engenheiro
informático, um técnico de operações ou um gestor financeiro, que são profissões onde é
difícil recrutar recursos humanos. Depois há o caso preocupante dos desempregados de
longa duração, com 40/50 anos, e porque não se actualizaram, são autênticos analfabetos
tecnológicos. Essa gente só volta ao mercado de trabalho com salários 30 a 40% inferiores
ao que auferiam. Os sindicatos deviam pressionar o patronato a dar formação contínua às
pessoas para terem skills de empregabilidade.
250 ›
David Justino 114
David Justino quebra o silêncio ao lançar a obra «Difícil é Educá-los», um ensaio que
classifica como um «contributo pedagógico» para uma discussão informada sobre o sistema
educativo. Em entrevista ao Ensino Magazine o ex-ministro lamenta que se discuta a educa-
ção como se discute futebol e considera não existir visão estratégica sobre o que se quer para
o sector para os próximos 15/20 anos.
David Justino acrescenta que a Lei de Bases em vigor está parcialmente ultrapassada e
que o sistema educativo tem de, rapidamente, recuperar o tempo perdido e defende que o
reforço das qualificações é o melhor antídoto para combater as desigualdades e a pobreza.
‹ 251
demonstrar o progresso verificado relativamente à educação na vertente quantidade. É uma
evolução assinalável, mas não tão rápida quanto seria de desejar. Há países do mundo que
já ultrapassámos, no que diz respeito à adaptação à rapidez da mudança, mas em relação a
outros ainda estamos atrás.
Depois do recato auto imposto pela sua função de assessor em Belém, quebrou o
silêncio sobre o estado da educação, em Março de 2008, no blogue Quarta República,
relembrando opiniões sobre a necessidade de reformas no ensino. Depois de citar
252 ›
textos de Oliveira Martins sobre o estado da Educação, publicados em 1888, diz que
temos problemas no sector com um século. Quer concretizar?
Existem duas perspectivas: ou os problemas têm um século, ou a forma como eles
são encarados é que tem um século. Ou seja, o discurso sobre educação tende a repro-
duzir estereótipos e alguns deles têm mais de cem anos. Quando citei Oliveira Martins
era para chamar a atenção que o discurso utilizado no século XIX, em alguns aspectos,
não mudou nada. Insiste-se muito no registo de insatisfação, mas as críticas não são ne-
cessariamente fundamentadas. Hoje toda a gente discute educação como quem discute
futebol. Na verdade, não discutem, porque falam sem saber. As pessoas não estudam,
não analisam e reproduzem o que lêem nos jornais e ouvem na televisão. Seria preciso
debater sobre dados concretos e o meu ensaio é um contributo pedagógico para isso,
procurando transmitir que certos problemas só se resolvem num contexto mais alarga-
do, distanciado da agitação do dia-a-dia.
O tempo tem feito a selecção natural das universidades, as mais e as menos capa-
zes, mas a imagem da fábrica de produção em série de diplomados pode ainda aplicar-
se com propriedade às nossas faculdades?
Houve um fenómeno previsível de massificação do ensino superior. Se alguém tiver
vontade e condições para frequentar o ensino superior deve fazê-lo. O problema é outro:
estão a oferecer cursos onde à partida não há saída profissional. Por vezes os cursos servem
254 ›
mais para justificar a existência de professores do que propriamente a existência de alunos.
Creio que o ensino superior tem margem de progressão, mas é preciso tratar com especial
atenção a colocação dos alunos em certos cursos, adequando-a em função dos objectivos.
Não fica incomodado quando vê pessoas que passaram uma vida a estudar a traba-
lhar num call center ou a conduzir um táxi?
Não me incomoda. Se o trabalho for digno merece todo o meu respeito. Se há uma
situação de desemprego, é natural que transitoriamente as pessoas circulem por outras ocu-
pações. Isso acontece em qualquer país da Europa. Habituámo-nos a pensar que o curso
na mão era uma garantia de emprego para a vida. Isso acabou. As oportunidades são cada
vez menores. Por isso recuso-me a falar de «geração rasca» porque estes jovens têm menos
oportunidades do que a minha geração. Vão ter de competir e de se sacrificar mais e, como
se está a ver, terão de aprender a viver com menos dinheiro.
Foi ministro da educação entre 2002 e 2004. Desde 1987 passaram 12 ministros
diferentes pelo edifício da 5 de Outubro. Não é demasiado, inviabilizando qualquer
política coerente para o sector e em que cada um tem a tentação de deixar a sua marca?
Essa é outra ideia feita. A mediatização tende a fulanizar demasiado este cargo político.
Em determinadas situações o importante não é o ministro, mas a política. Não me importo
nada se os ministros mudam e as politicas estruturantes se mantiverem, com os ajustamen-
tos necessários. Se houver uma consensualização sobre onde queremos chegar, nomeada-
mente em termos da avaliação em todo o sistema e a aposta na qualidade (em que creio
todos estão de acordo), é obvio que todos compreenderão que há politicas que têm de ser
‹ 255
tomadas. Um ministro, seja de esquerda ou de direita, terá de adoptar as medidas próprias
em função de um objectivo que todos querem atingir. Infelizmente, dá-se prioridade a ou-
tros valores, assentes em histórias passadas e em preconceitos, impedindo a definição clara
desses objectivos. Sou daqueles que pensam que é mais fácil unir as pessoas pelo futuro do
que pelo passado.
Defende uma menor exposição pública e mediática dos titulares dos car-
gos políticos?
Não. A lógica é essa, não é possível contorná-la. O governante não pode é deixar
de fazer o fundamental do seu trabalho, sacrificando as políticas à dinâmica do dia-
a-dia. Esta mensagem é valida para a administração pública em geral, para as escolas,
para os cidadãos.
‹ 259
Em 2005 se continuássemos a trabalhar ao mesmo ritmo, as contas demonstravam
que nós demoraríamos 70 anos para poder alcançar a média europeia. Se nós uti-
lizarmos os dados do progresso feito entre 2006 e 2008, verificamos que Portugal
reduziu para 30 anos esse período. É evidente que ainda é preciso acelerar tudo isto.
Os nossos atrasos eram de tal forma grandes que é necessário colocar mais velocidade
neste processo, formando e qualificando mais gente.
Não há nada de paralelo na história portuguesa, não só para com os adultos, mas
também para a formação dos jovens.
262 ›
Pedro Lourtie 116
Pedro Lourtie assegura que o maior problema do ensino superior é a falta de di-
nheiro e, a prazo, podem estar seriamente comprometidos os padrões de qualidade.
O ex-governante aborda o tema das fusões e reestruturações, o financiamento, a rede
de ensino superior e os défices de interpretação dos seus alunos, em consequência do
que chama a «cultura do computador e das SMS»
Concorda com os que afirmam que esta geração de alunos, apesar de possuir
acesso a um manancial de informação, demonstra uma fraca preparação para
responder às solicitações?
Não se pode generalizar. Se comparar os jovens do meu tempo e estes, digo sem
reservas que esta geração está, globalmente, muito melhor preparada. Contudo, admito
que existem défices significativos, nomeadamente ao nível da interpretação de textos.
Quais são as suas expectativas para a tutela conjunta, educação e ensino su-
perior, no ministério da 5 de Outubro?
Não muda tanto quanto se possa pensar. Devido a razões orçamentais este go-
verno decidiu ter menos ministros, concentrando num núcleo duro mais restrito
os titulares das pastas, enquanto os secretários de Estado se ocupam do despacho
corrente. Provavelmente, até à data, não se tem ouvido falar muito dos secretários
de Estado e do próprio ensino superior porque o ministro Nuno Crato está muito
associado às universidades.
‹ 269
D. Manuel Clemente 117
‹ 271
lidade) é liberal - hoje quase libertária - e desconfia de unanimismos que ponham
em causa a decisão individual. Tem algumas razões para isso, mas, no caso da nossa
auto-imagem colectiva, resvala facilmente para o decadentismo ou o confronto e
não valoriza suficientemente os sinais positivos e consensuais, que de facto existem.
No sector do ensino, o contacto com escolas estatais ou não-estatais demonstra-me
muita vontade de progredir, integrar e inovar, por parte de vários elementos da
comunidade pedagógica. E bons exemplos não faltam.
Solidariedade social é uma palavra que faz cada vez mais sentido numa
sociedade crescentemente dual e em que os valores do individualismo ga-
nham terreno?
A solidariedade significa que não existo sem os outros e vivo para o bem
comum. Creio que a actual situação, tanto local como internacional, não deixa
margem para dúvidas nem atrasos neste ponto. Cabe à cultura e à pedagogia em
geral tirarem daqui a devida conclusão e consequência.
272 ›
Revolta, medo e insegurança são sentimentos que se apoderam das pessoas.
Até à data não temos registado convulsões sociais nas ruas, ao contrário, por
exemplo, do que sucede na Grécia. Teme que o clima de contestação social ad-
quira uma agressividade ainda não vista depois do Verão?
O medo e a incerteza aumentam a agressividade. É absolutamente necessário que
os responsáveis políticos e sociais dêem informações claras e constantes do que se faz
e pode fazer para superar positivamente as actuais dificuldades.
Admite que a perda de solidez do tridente: família, Igreja e escola, pode ser
responsável pelo aumento dos casos de indisciplina e comportamentos desvian-
tes que se assiste em alguns sectores da juventude?
A indisciplina é outro nome da irresponsabilidade. Quando os vínculos sociais
se afrouxam - famílias, comunidades religiosas, escolas, etc. - é mais fácil que cada
um se sinta menos responsável (= devedor de resposta) em relação aos outros. Urge
uma educação personalista, em que cada um se descubra e revele na relação com os
outros; todos como “pessoas” insubstituíveis, muito além das abstracções opostas do
individualismo ou da massificação.
‹ 273
Marques Mendes 118
Mesmo estando afastado da política activa, Marques Mendes é uma das vozes
mais respeitadas sempre que se faz ouvir. O ex-ministro de Cavaco Silva defende uma
«profundíssima descentralização» no Ministério da Educação, delegando competên-
cias da 5 de Outubro para as autarquias locais, bem como a reabilitação da fragiliza-
da autoridade da classe docente, tendo em vista melhorar a preparação dos alunos.
Sobre os que tempos que aí vêm, regulados pela receita da troika, Marques Mendes
afirma que os portugueses vão ter de fazer coisas muito simples de dizer, mas difíceis
de fazer: «poupar mais, trabalhar mais, produzir mais».
‹ 275
nóstico da situação, mas sobretudo, para o encontrar de soluções para o futuro. Numa
palavra, eu creio, que pese embora a encruzilhada em que estamos, Portugal tem solu-
ção. Tenho para mim que os portugueses merecem voltar a ter confiança e esperança.
Para isso é preciso desenvolver um debate sério e aprofundado, com conhecimento de
causa. Que o meu exemplo, através desta edição, seja seguido por outros, igualmente
com um capital de conhecimentos muito proveitoso.
No seu livro traça uma análise transversal a toda a sociedade. Se lhe pedissem para
sintetizar numa palavra que ideia defenderia como urgente e prioritária para Portugal
e os portugueses?
Competitividade. Acho que essa é a ideia nuclear. Voltar a ser um País competitivo é
a chave do nosso sucesso. Já o fomos, no passado. Particularmente entre 1985 e 1995.
Deixámos de ser nos últimos anos. Com isso estamos a baixar de divisão na Europa.
A perder sistematicamente poder de compra. A ver o desemprego atingir proporções
alarmantes. E até, mais recentemente, atingimos o limite dos limites de praticamente
termos chegado à bancarrota.
Quer concretizar de que forma e que em áreas é que a dimensão competitiva na-
cional deve imperar?
Para começar, é preciso ser competitivo na economia, ter empresas competitivas, ter
uma educação que favoreça a competitividade, e uma justiça que incentive um país compe-
titivo. E, inclusive, precisamos de ser competitivos no plano político de forma a termos um
sistema que favoreça a estabilidade e a governabilidade. Em suma, a ideia central deve mo-
bilizar todos: políticos, não políticos, Estado e cidadãos. Até podemos divergir relativamente
às políticas para atingir este objectivo, mas o que devia estar na cabeça de todos, da direita à
esquerda do espectro político, era fazer de Portugal um país competitivo.
Quando foi presidente do PSD tomou uma decisão que lhe causou dissabores jun-
to dos seus próprios colegas de partido, ao não incluir nas listas de deputados pelos
sociais-democratas candidatos com problemas com a justiça. A vida política precisa
de ser como a mulher de César, «não basta ser é preciso parecer»?
Sem dúvida. É preciso credibilizar e moralizar a vida política. Os políticos são muito me-
diáticos, logo estão muito expostos. Tornam-se muito conhecidos e estão permanentemente
nas páginas dos jornais ou nos ecrãs de televisão. Como diz o ditado popular, «o exemplo
vem de cima», e se de cima, dos políticos, não vem um bom exemplo, isso contamina ne-
gativamente a sociedade. Por isso, de um político exige-se, não apenas que seja competente,
dedicado, trabalhador, mas também que seja um exemplo em termos de seriedade, credibi-
lidade e respeito por princípios éticos que são hoje absolutamente incontornáveis. Ninguém
é hoje obrigado a fazer política. Mas quem a faz, terá de ter preocupações inerentes. Se não
as tiver, descredibiliza-se a si próprio e descredibiliza a vida política em geral.
276 ›
A política é vista por muitos como um terreno pouco recomendável. É isso que
leva os mais competentes a manterem-se à margem das tarefas políticas?
A política é um bocadinho o reflexo de toda a sociedade. Se a política tem qualidades
e defeitos, julgo que, em grande medida, é o espelho das qualidades e defeitos da socie-
dade, em todos os sectores e segmentos de vida. O que eu creio é que tem que haver um
esforço de moralização, os maiores sacrifícios têm de vir de cima. E hoje existe um pro-
blema adicional: há pessoas de muita qualidade no meio empresarial, na gestão, etc, mas
que de um modo geral recusam fazer política. O caso mais paradigmático e preocupante
é o dos jovens. Convivo muito com eles, e devo dizer que temos jovens de grande com-
petência, mérito e talento. Comparado com os jovens do meu tempo, arrisco dizer que os
desta geração são melhores.
Por aquilo que descreve, na sua opinião o Ministério obeso e o anacronismo dos
sindicatos impedem que o sistema de educação evolua?
Há uma coligação profundamente negativa entre sindicatos e a estrutura macrocéfala do
Ministério da Educação. Enquanto não houver um governo capaz de cortar a direito, temo
que a situação não possa melhorar substancialmente.
É esta estratégia desfocada da realidade que tem sido seguida que tem alimentan-
do os casos de laxismo e indisciplina dentro das salas de aula?
Se o professor não tem prestigio, não pode ter autoridade. Se não tem autoridade, a
tendência é o facilitismo, a indisciplina, a violência até. Ou seja, tudo factores que devem
ser urgentemente erradicados do meio escolar. Chamo a atenção que ainda hoje os países
278 ›
mais desenvolvidos do mundo não são aqueles que têm mais reservas de petróleo, porque
se assim fosse os países árabes eram os mais desenvolvidos do mundo e não são. Os países
mais desenvolvidos do mundo são aqueles que apostam muito forte na educação, no conhe-
cimento e na inovação. Ou seja, na economia do conhecimento. Neste campo a ferramenta
das qualificações e da educação é essencial.
Como é que caracterizaria a aposta que temos feito neste campo. Insuficiente
ou esforçada?
Nós em Portugal temos insistido em apostar noutras coisas, que não nos nossos recursos
humanos. Penso que tem que existir uma inversão de prioridades.
O Governo que cessa funções foi acusado de ter seguido uma lógica estatística em
detrimento da evolução qualitativa dos nossos alunos. Subscreve?
Este Governo foi o mais incompetente e irresponsável que tivemos depois do 25 de
Abril de 1974. Em todas as áreas. Admito que tenham existido aspectos positivos, aliás era
difícil em seis anos fazer tudo errado. Mas globalmente falando o executivo foi politicamente
criminoso e desde logo no domínio da educação. Criou um mau ambiente e um mau estar
neste sector verdadeiramente insuportáveis, apresentou a questão da avaliação dos professo-
res em tom persecutório e quase punitivo, procurando virar docentes contra docentes. Estes
seis anos de desordem vão levar muito tempo até ser reposta a normalidade e retomar-se um
caminho sadio e saudável.
«Acabou o emprego único para a vida» é o tema de mais um capítulo do seu livro.
Os jovens, motores de desenvolvimento e sangue novo nas organizações estão emi-
grar. Como vê esta situação?
Sinto um misto de satisfação e preocupação. Esse é o sinal exterior de mais um falhanço
deste governo. Ver jovens aos milhares, que estudam no exterior e por lá ficam, ou que
estudam cá e vão embora, é a prova de duas coisas: primeiro, o fracasso político de um exe-
cutivo que aposta nas qualificações, no ensino superior e depois não lhes dá oportunidades
para cá dentro desenvolverem as suas competências. Em segundo lugar, é também a prova
da grande qualidade dos nossos jovens. Lá fora têm sucesso. Isto reforça a ideia que o que
está errado é o País e as políticas que conduziram a esta situação. E nós, agora mais do que
nunca, precisávamos de investir nos nossos talentos ou pelo menos criar condições para os
que saíram possam em breve regressar.
280 ›
Silva Lopes 119
Colhe o argumento que se ouve da vox populi que são sempre os mais desfavore-
cidos a sofrerem a maior fatia dos sacrifícios?
Quem sofre verdadeiramente com as restrições orçamentais são os desempregados e a
parcela mais pobre da população que perde os apoios sociais que tinha. Disso não tenha-
mos dúvidas. Se compararmos com as pessoas que mantiveram o seu emprego, constata-
se que estas até não sofrerem um abalo tão forte. Os grandes protestos estão a vir de gru-
pos bem organizados, que estão longe de ser os mais necessitados, mas que não querem
abdicar de ceder o seu bocadinho. Hoje em dia ninguém quer perder direitos adquiridos,
toda a gente acha que deve ganhar mais. Os polícias, os professores, etc. Quando devia
acontecer o contrário, deviam ganhar menos.
Subscreve que pagamos muitos impostos, mas ao contrário de outros países não
temos contrapartidas reflectidas, por exemplo, na Saúde, Justiça ou Educação?
A carga fiscal em Portugal não é excessiva em relação à média europeia. Não é isto que
surpreende. Chocante é a ineficiência dos serviços públicos. No domínio da educação de-
víamos se calhar investir ainda mais dinheiro, e melhor, devido às tais razões de natureza
social que atrás referi. O sistema de Saúde é bem melhor que o da Educação e da Justiça.
Existe uma clara ineficiência, mas não é dos piores no contexto europeu. Mas isto explica-
se pelo paradigma cultural: Aqui, à mínima dor de cabeça, corre-se para as urgências. Em
Inglaterra, sistema que conheço bem porque a minha filha trabalha lá, os médicos dão
aos doentes apenas aquilo que devem dar e não tudo aquilo que eles lhe pedem. Aqui os
médicos não têm autoridade suficiente para se impor. Neste sector como na educação os
lóbis são ainda mais diversificados e quiçá mais poderosos, mas não vejo outra alternativa
que não seja racionar os medicamentos.
A culpa é do sistema?
O sistema de ensino é ineficiente, mas a principal responsabilidade reside nas famílias.
Os filhos de pais analfabetos têm menos possibilidade de sucesso escolar do que os filhos de
pais com um nível de instrução médio ou alto. O Banco de Portugal fez um estudo recente
que demonstra que a ineficiência do ensino é atribuída ao facto de termos um sistema social
‹ 283
em que a ignorância e pobreza familiar ainda dominam. Por estes factores até admito que
Portugal invista mais que os outros países europeus, visto que o Estado tem de fazer o esfor-
ço que a família não faz por falta de condições.
Relembro uma frase sua: «Há qualquer coisa de atávico de não valorizar em Por-
tugal o conhecimento e a formação». O ensino juntamente com a Justiça são duas
marcas do desastre do Portugal moderno?
O ensino português é um desastre. O analfabetismo decaiu, mas o nível de literacia
nacional é provavelmente o mais baixo de toda a Europa. Um escândalo. Sem mão-de-obra
284 ›
qualificada não se pode ir a parte nenhuma e não temos oportunidade de concorrer com
países que possuem sistemas educativos muito mais evoluídos. O crescimento económico
depende, fundamentalmente, da qualidade profissional dos recursos humanos. Empresas
eficientes e competitivas precisam de gente capaz. No que diz respeito à Justiça, temos uma
legislação excessivamente “garantística”. Os exemplos estão aí. O caso BPN que envolve o
Oliveira e Costa tem 800 testemunhas! Qual é o sistema que permite isto? Dentro de 10
anos prescreve. O Maddof foi condenado em 6 meses.
‹ 285
Leopoldo Guimarães 120
A qualificação dos portugueses é apontada como uma das soluções para tor-
nar o país mais competitivo. Isso está a ser conseguido?
Num mundo que pensávamos estar organizado, ou seja, o mundo tecnologica-
mente avançado não tem tido capacidade de resolver os problemas mais candentes
das nossas sociedades contemporâneas, que se tornaram reféns do império da tecno-
logia. No seu crescimento hegemónico, a tecnologia vai condicionando a trajectória
civilizacional, num mundo de enormes desequilíbrios, potencialmente gerador de
conflitos multilaterais que por vezes são disfarçados por razões de natureza étnica,
religiosa ou outra. Constituem exemplos flagrantes da preponderância argumentativa
da intervenção da tecnologia na problemática da segurança das nações, consumir
menos energia na produção de bens transaccionáveis, contrariar o espectro da degra-
120 Professor Universitário. Foi Director da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e Reitor da
Universidade Nova de Lisboa. Actualmente preside à Comissão Consultiva da Futurália.
Entrevista realizada por João Carrega, em Janeiro de 2012.
‹ 287
dação do ambiente, ou ainda equilibrar tecnologicamente o avanço do terrorismo,
especialmente por parte dos países detentores de tecnologia avançada.
‹ 289
Fernando Rosas 121
A oposição tem defendido que o governo tem ido para lá da troika. Trata-se
de mera submissão ou é calculismo eleitoral?
Não é o facto de se ter ido além da troika que está mal, o problema começa logo na
aprovação do memorando. O PS está numa espécie de esquizofrenia política: aprovou
um documento que é um instrumento central de aplicação da estratégia de austerida-
de, mas condena o excesso de austeridade.
Faço parte de uma corrente de opinião que entende que o memorando de enten-
dimento não devia ter sido aprovado. O documento assinado pelo governo de Só-
crates tem na sua génese a destruição da nossa economia, mergulhando o país numa
recessão cumulativa, da qual não se sai num estalar de dedos.
Nuno Crato está a fazer tudo para «fumar o cachimbo da paz» com os
docentes?
O governo está a ser cuidadoso, mas repare que a concentração dos grupos esco-
lares e a reorganização curricular vai levar ao despedimento, sem dor e sem dar por
isso, de milhares de professores. O aumento das turmas também - Estivemos anos a
lutar por um limite para as turmas, e agora…
O fosso social cava-se ainda mais e a classe média está esfrangalhada. Será
inexorável pensar que os ricos serão mais ricos e os pobres mais pobres?
As estatísticas demonstram que à medida que aumentam as curvas ascen-
dentes da crise, são absolutamente paralelas com as curvas ascendentes de en-
riquecimento das classes superiores e com o declínio das camadas intermédias
e inferiores. O agravamento da crise acentua o ângulo de distância entre ricos
e pobres. Há um processo de concentração de riqueza nas mãos de uns, e um
processo de depauperização nos outros. Na crise de 1929 passou-se isto e na
actual crise, desde 2008 a esta parte, está-se a passar rigorosamente o mesmo. O
que significa que se cria um ambiente de polarização social sem solução à vista.
Um cenário de pré-guerra. Estou em crer que a Europa, sobretudo a periférica,
pode estar nas vésperas de grandes convulsões sociais e políticas.
296 ›
Esteve três legislaturas na Assembleia da República como deputado.
Como explica que o nível de credibilidade dos parlamentares tenha descido
tão baixo?
O discurso medíocre e oportunista contra os políticos, a política e o Parlamento
em geral, é protofascista e contra a democracia. Há deputados bons e maus, como em
tudo. Também aqui a solução para o problema reside na política, nos partidos e nos
protagonistas políticos. As diatribes contra as políticas e os políticos, em geral, são
anti-democráticas e populistas. É uma crítica fácil.
‹ 297
Isabel Moreira 122
302 ›
Luís Nazaré 123
123 Gestor, Professor Universitário (ISEG) e político. Colunista económico do Jornal de Negócios. Assessor do Primeiro-
Ministro para a Indústria, Comércio e Turismo no XIII Governo Constitucional.
Entrevista realizada por Nuno Dias da Silva em Setembro de 2012
‹ 303
Na última década têm aumentado as desigualdades e o fosso entre ricos e pobres?
Eu diria que nos últimos 25 anos esse fosso tem vindo a acentuar-se. Os ricos são
mais ricos e os seus rendimentos têm vindo a acelerar, cavando assimetrias ainda mais
profundas em comparação com as classes intermédias e os mais desfavorecidos. Portu-
gal, no quadro europeu, é um dos países onde o indicador de Gini é mais acentuado.
306 ›
José Medeiros Ferreira 124
Já passaram quase 30 anos desde que esteve no Palácio das Necessidades, mas
a sua voz é respeitada e a sua opinião pesa. Apesar de afastado da política activa, é
uma espécie de «senador» da nação que conhece os protagonistas de ontem e de hoje
como ninguém. Sem ruturas, mas com muito espírito crítico, - precisamente o que
falta ao país - Medeiros Ferreira falou sobre o processo europeu, a troika, os políticos
e a importância da escola como «amortecedor das tensões sociais»
‹ 307
mesma mentalidade dogmática que fomos colonialistas. Depois, faltou sentido críti-
co, faltou estudo sobre a situação internacional e faltou estratégia própria dentro da
União Europeia.
Tem uma larga experiência como docente e foi até recentemente presidente
do conselho geral da Universidade Aberta. A educação é um sector atreito a
transformações e convulsões, e as mais recentes vieram do anunciado aumento
nas propinas e no corte dos recursos das faculdades. Há o risco de uma elitiza-
ção do ensino?
Sempre houve uma tendência para a criação de dois sistemas de ensino superior.
Há até uma universidade, da qual eu me vou abster de dizer o nome, que admite que
está a trabalhar para criar uma elite de excelência. Creio, contudo, que de uma forma
geral, a universidade portuguesa correspondeu razoavelmente ao desafio que lhe foi
colocado nos anos 80 e 90. Depois, com Bolonha, desorientou-se um pouco. E por-
308 ›
quê? Porque a maior parte das universidades adaptou-se a Bolonha com um espírito
acrítico. Nesse sentido, creio que se perdeu alguma da independência das universi-
dades. Como defensor que sou da independência, penso que existiu um retrocesso.
310 ›
Adriano Moreira 125
Memórias de Adriano
‹ 311
sultou de alguns factores, a começar pela minha visita a África e posteriormente pelo
tempo que acumulei como membro da delegação portuguesa nas Nações Unidas.
Foram experiências que me deram uma visão que o ensino teria, necessariamente,
que acompanhar a perspectiva de mudança que se desenhava.
Mais tarde chegou a ministro e o seu ímpeto reformista não foi bem visto
pelo poder político de então…
Quando fui ministro pude transformar essa minha ideia em realidade, com a
concordância dos reitores da Universidade Técnica de Lisboa e da Universidade de
Coimbra, os professores Moisés Amzlak e Braga da Cruz, respectivamente, bem como
da Universidade do Porto. A este processo opôs-se o reitor da Universidade de Lis-
boa, o prof. Marcello Caetano. Apesar disso, a universidade foi reconhecida e o currí-
culo reorganizado. As ciências que me pareciam necessárias eram em primeiro lugar
as relações internacionais (que sempre condicionaram - e; muitas vezes severamente
- Portugal), a ciência política (o império euromundista estava em busca de uma for-
mulação de governo) e, só mais tarde, a estratégia. Foram essas três áreas de que me
ocupei. Posteriormente, fundei as duas primeiras universidades do Ultramar Portu-
guês: os Estudos Gerais Universitários de Angola e Moçambique - um nome que não
considero feliz, porque foi adoptado para dar ideia que era o mesmo espírito europeu
que levava a utilizar esta designação. Por grandes resistências que se verificaram na
área política em Lisboa estas instituições ficaram condicionadas a uma experiência de
3 anos. Se a experiência fosse bem-sucedida ficaria com o currículo completo e foi
isso que se verificou.
De que forma esse novo «xadrez» universitário vai ter consequências sociais?
Primeiro ponto: A Europa procura, entre outras coisas, evitar o conflito de ge-
rações em matéria de saberes. Por isso, começam a aparecer tantos cursos para a
terceira idade, para minimizar o corte de saber entre gerações. Segunda perspectiva:
depois de se ter ultrapassado a separação entre disciplinas, com a reiterada insis-
tência na interdisciplina, o desafio actual que se coloca estou em crer que é mais
severo: a transdisciplina. Por isso, é enriquecedor que esta fusão tenha unidades
que sejam possuidoras de todas as valências. A fusão da Técnica com a Clássica cria
uma universidade com todas as valências, como já existe na do Porto.
O processo está a correr com plena concordância, com fácil adesão dos interve-
nientes e imagino que vamos ter o projecto concluído em breve.
‹ 315
Qual a relevância de esta vir a ser a quarta maior universidade da Península
Ibérica em número de alunos, com 48 mil?
É relevante, mas o fundamental é o facto de todas as valências estarem agre-
gadas. Parece-me uma plataforma indispensável e que se espera seja de utilidade,
especialmente no que diz respeito à «quarta missão», no aspeto em que a univer-
sidade precisa de dar uma contribuição determinante para que Portugal saia da
fronteira da pobreza.
O aumento da carga fiscal para níveis nunca visto é a redução dos objectivos
a números?
Não é possível dizer que é possível aumentar os impostos até onde for necessário.
Eu entendo que há um limite para a carga fiscal. Numa entrevista televisiva pergun-
318 ›
taram-me se eu achava que este aparente pacifismo da população que protestava não
podia, um dia, descambar para a violência? A minha resposta foi esta, que mantenho: a
fome não é um dever constitucional. Portanto, há um limite, que é a fadiga tributária.
320 ›
Augusto Santos Silva 126
Augusto Santos Silva já chefiou vários ministérios. Em entrevista diz que a escola
pública pode não resistir aos cortes previstos para o setor da educação.
Defensor do sistema binário no ensino superior, Augusto Santos Silva avisa que se
está a preparar o encerramento de instituições no interior do país. De caminho acusa
o Ministério da Educação e os sindicatos de terem um pacto e diz que na escola há
desesperança e medo.
A criação dos mega agrupamentos de escolas está a avançar no país, criando or-
ganismos com mais de três mil alunos com escolas, muitas vezes, afastadas. Isso
é governável? Há vantagens pedagógicas nessas estruturas, ou lógica é reduzir?
Isso é muito desaconselhável. Eu defendo os agrupamentos. Estava no Ministério da
Educação quando eles se iniciaram. Mas os agrupamentos eram constituídos por razões
de ordem pedagógica e organizativa. Tratava-se de por em comum e em articulação as
escolas pelas quais passavam sucessivamente ao longo da sua escolaridade o aluno. E
Portugal era um caso muito estranho nessa matéria, pois havia poucos países em que
uma criança entrava para um jardim-de-infância, saía para uma escola para fazer o 1º
ciclo, voltava a sair para o 2º ciclo e ainda voltava a sair para concluir o 3º ciclo. Por isso,
o agrupamento que ligue entre si escolas do 1º ciclo e jardins-de-infância, ou escolas de
1º, 2º e 3º ciclo, garante que a mesma direcção, o mesmo corpo de docentes e a mesma
instituição acompanhe a criança/jovem ao longo da sua escolaridade básica.
Essa sempre foi uma medida defendida pelo ministro Mariano Gago, o certo
é que as instituições nunca se entenderam nessa matéria…
Eu não gosto de assumir o papel daquela personagem de banda desenhada, o Calime-
ro, que estava sempre a queixar-se de o tratarem mal. Espero que as instituições, as forças
vivas ou os grupos que resistiram tanto a medidas que os governos do Partido Socialista
tomaram para racionalizar as coisas sem ofender os direitos, tenham aprendido a lição.
Essa reordenação pode ser feita também com uma mais justa distribuição das
vagas no ensino superior?
Defendo uma lógica de competição entre as escolas do ensino superior. O Minis-
tério da Educação deve acompanhar a própria dinâmica da demografia escolar. O que
324 ›
já não faz sentido é instituições universitárias canibalizarem formações tipicamente
politécnicas, como acontece na área do turismo, por exemplo. O contrário já não é
possível, pois nenhum politécnico poderá dar um curso de medicina.
‹ 325
José Gomes Ferreira 127
Depois de uma longa apresentação do seu livro, num centro comercial de Lisboa,
e uma não menos prolongada sessão de autógrafos, José Gomes Ferreira falou em
exclusivo ao Ensino Magazine.
Durante uma hora deu autógrafos e conversou com dezenas de pessoas. Qual
é o segredo para a admiração que nutrem por si?
Acredito que é o melhor prémio que eu posso ter. Todos nós profissionais, de
qualquer área de actividade, a maior gratificação que podemos ter acontece quando
127 José Gomes Ferreira é jornalista de economia. Em 1988, foi co-autor do livro Os Informadores Passivos, um estudo sobre
a dependência informativa em Portugal. Mais tarde, assumiu funções de jornalista da revista de economia Classe e da TSF
Rádio Jornal, onde também foi sub-editor. Foi sub-editor de economia no diário Público. A partir de 1992 foi jornalista da
SIC, onde foi editor de economia entre 1998 e 2001. A partir de 2001, desempenha a função de sub-director de informação,
na SIC.
Entrevista realizada por Nuno Dias da Silva, em Agosto 2013
‹ 327
temos o reconhecimento público. É óptimo estar a trocar ideias e interagir com pes-
soas sobre assuntos que dizem respeito à vida de todos nós. Vale muito mais do que
muitos prémios oficiais e até monetários.
Entrando propriamente nas questões concretas que mexem com o nosso bol-
so. Tem-se tentado «vender» a ideia de que todos os portugueses, sem excepção,
contribuíram para o caos financeiro a que chegámos. Esta perspectiva é a que
está mais próxima da realidade?
Ainda bem que me faz essa pergunta, porque é muito pertinente. Mas, se me
permite, deixe-me reformular a sua pergunta: «Vivemos acima das nossas possi-
bilidades?». Eu respondo-lhe, vivemos. E você vai ripostar dizendo que eu estou
como os políticos que são hipócritas e querem colocar tudo no mesmo saco, para
dizer que somos todos culpados. Não, não é isso. O facto incontornável é este: nós
vivemos acima das nossas possibilidades. Nós quem? Nós, 10 milhões de pessoas,
cidadãos portugueses, porque nos endividámos colectivamente. Mas tivemos todos
o mesmo grau de culpa? Não. Pelo contrário. A nossa culpa de cidadãos é incom-
paravelmente menor.
Discorda?
Claro que discordo. Desculpem lá - com toda a expressão popular portuguesa - por
uma vez usem um critério e não arranjem desculpas para nunca aplicarem esse critério.
Isso é como a avaliação dos professores. Respeito muito esta classe, mas de uma vez
têm de ser avaliados e responsabilizados. Eu também sou avaliado no meu trabalho, nas
conversas, nos comentários que faço, etc. Se eu falhar, toda a gente me cobra.
Cita, na página 421 do seu livro, a crítica que no século XIX Eça de Queiroz
fazia ao «País dos doutores, dos letrados e dos intelectuais». Trata-se de uma
mentalidade, com cerca de dois séculos, que se mantém viva?
Ainda existe. Tudo o que tem a ver com Humanidades e cursos relacionados com
Ciências Sociais, Direito e até Gestão é o querer, através do diploma, ter um estatuto
que o próprio curso já não dá e a economia não remunera e, pior do que isso, não
absorve. É uma ilusão. Eu ainda hoje vejo neste Portugal em que vivemos institutos
politécnicos e universidades com laboratórios que são autênticas televisões monta-
das, apetrechadas com equipamentos muito caros, muitos deles pagos pela União
Europeia, que continuam a investir nessa área, quando essa área, manifestamente,
não faz falta à economia. Dou outro exemplo. Os advogados. Continuam a formar-se
em excesso.
A propalada reforma do Estado ainda não viu a luz do dia. Será mais de cor-
tes e menos de reorganização?
Os funcionários não devem ser perseguidos, até porque há gente muito capaz e
que trabalha bem e acima do horário das 35 horas, mas é preciso reduzir em muitas
áreas. Há muitos sectores do Estado (na administração central, local e regional)
com excesso de oferta de mão-de-obra. Institutos e departamentos que prestam
um serviço que não é útil. Pode traduzir-se em estudos, pareceres, análises, plane-
amento, processos de licenciamento, etc. Conheço o caso de câmaras municipais,
na área da Grande Lisboa, com 600 pessoas no departamento de urbanismo onde
entram um ou dois projectos por semana. O que é que está lá tanta gente a fazer?
Das duas uma: ou mandem-nas para outros departamentos do Estado onde ainda
há falta de gente ou convidem-nas a ir embora ou a ficar em casa - que é uma ideia
que pode ser seguida.
Falou do modo de vida. Esta crise vai tornar os portugueses mais frugais,
nomeadamente nos actos de consumo?
Já tornou. E ainda bem. Sabe o que lhe digo? Não era só a nossa dívida pública
e a nossa dependência externa, através da importação de tudo e mais alguma coi-
sa, que começou a mudar o nosso rumo para um plano inclinado. Foram também
as chamadas «lojas gourmet», os ginásios para pura ostentação, as refeições de
cozinha de autor, sofisticada e caríssima. Estes negócios não têm que existir. Cor-
respondem a um gasto de recursos que nós não temos para sustentar esse nível de
vida. E quem abandonar este negócio não tem outra solução que não seja procurar
empregos mais sustentáveis.
332 ›
Paulo Morais 128
128 Professor Universitário nas áreas da Estatística e Matemática e diretor do Instituto de Estudos Eleitorais da Universidade
Lusófona do Porto. Foi vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, de 2002 a 2005, tendo sido responsável pelos pelou-
ros do Urbanismo, Ação Social e Habitação. É vice-presidente da Direção da Associação Cívica Transparência e Integridade.
Entrevista realizada por Nuno Dias da Silva, em Setembro de 2013
‹ 333
No livro que escreveu «Da corrupção à crise - que fazer?» sustenta a tese de
que a principal causa da crise em que Portugal está mergulhado se deve à cor-
rupção. Importa-se de concretizar?
A corrupção está largamente à frente de todas as outras, representando cerca de
80 por cento da causa da crise, logo seguida pelo desperdício. Os restantes factores
são manifestamente residuais.
A corrupção nas suas mais diversas modalidades é uma das faces do «pânta-
no» em que diz que vivemos?
Absolutamente. Atente que o caso concreto do domínio exercido pelos grandes
promotores imobiliários junto das câmaras municipais faz com que o poder local
fique refém e depois os próprios agentes das autarquias só têm que ter a preocupação
única de arranjar negócios para os promotores imobiliários e, simultaneamente, ar-
ranjar empregos para os apaniguados do partido para garantirem a próxima eleição.
Como? Com o financiamento que resulta dos negócios com os promotores imobiliá-
rios e com os negócios que resultam a nível intra-partidário de estarem a dar emprego
a toda a gente que é dos partidos. Neste momento, a estrutura de recursos humanos
das câmaras e das empresas municipais é praticamente coincidente com a estrutura
dos partidos a nível local. Assim, compram votos dentro dos partidos e compram
financiamento através de negócios imobiliários.
334 ›
Chama a «central de negócios» ao Parlamento, a casa da democracia, que é
entendida por outros como o «bloco central dos interesses», pela sucessiva co-
nivência entre PS e PSD, os dois partidos que se vão revezando no poder. O bem
comum está a ser ultrapassado pelos interesses particulares?
O Parlamento tornou-se o símbolo máximo desta conivência e promiscuidade
entre os negócios e a política. Mas especialmente relevante tornou-se o facto de ser
na casa da democracia que vão sendo construídos os mecanismos legislativos e de
articulação política que permitem que os grandes negócios se façam com a conivên-
cia de PS e PSD. Veja o que acontece em várias comissões parlamentares em que a
promiscuidade atinge o seu cúmulo. As comissões de maior relevância económica
são constituídas por deputados afectos aos grandes grupos económicos. Cerca de 60
deputados, ou seja, quase um terço do Parlamento, são ao mesmo tempo deputados
e administradores, consultores, directores ou delegados de grandes empresas ou gru-
pos que mantêm negócios com o Estado.
Quer concretizar?
Há heranças catastróficas e danosas por muito tempo em termos orçamentais, não
tanto pelas obras, mas pelos custos incomportáveis. Estou-me a lembrar dos candeeiros
336 ›
de autor e de arquitectos famosos na Parque Escolar, que podem revelar um apura-
do gosto estético, mas que estão distanciados daquilo que se pretende para uma rede
escolar. No âmbito do Parque Escolar, temos rendas de parcerias público-privadas ca-
ríssimas que vão comprometer os orçamentos da educação nos próximos anos e os
custos de funcionamento elevadíssimos, etc. O essencial, como por exemplo a criação
de gabinetes para os professores atenderem os alunos e os encarregados de educação,
ficou por fazer. Pior, é hoje em dia, não termos claramente definido qual é a função de
um professor. Um docente na Finlândia ou na Suécia tem a sua actividade previamente
estruturada, sistematizada e prevista.
338 ›
David Justino 129
‹ 339
avançados e tem contribuído para uma indução da qualificação da população que de
outra forma não teria sido atingida. O argumento do abandono e do insucesso esco-
lares, resultante de obrigar os alunos a frequentarem a escola contra a sua vontade, é
um mau argumento, porque em alternativa continuaríamos a ter alguns sectores da
população que nem sequer concluiriam o primeiro ciclo.
‹ 343
Maria de Lurdes Rodrigues 130
Maria de Lurdes Rodrigues defende uma nova geração de políticas públicas educativas
assentes em quatro planos de intervenção. A ex-ministra da Educação fala dos eixos da
confiança, do conhecimento, da governabilidade e da afetação de recursos. Destaca, ainda,
a importância da escola a tempo inteiro e sublinha os resultados do PISA.
Sobre o ensino superior, diz que as únicas instituições a mais no país são as más,
e defende o fator qualidade como a condição fundamental para a reorganização da
rede de ensino superior.
‹ 345
É um plano em que todos partilhamos a convicção de que é possível todas as crian-
ças e jovens aprenderem as competências básicas e desenvolverem os seus percursos a
partir daí. Isto porque se uma parte de nós não acredita que é possível que os jovens
aprendam até ao 12º ano e que há obstáculos que são inultrapassáveis, isso é meio
caminho andado para não se concretizar esse desafio. Então mas o que é que nos pode
inspirar? É uma fé cega na educação? Não, o que nos pode inspirar é o exemplo de ou-
tros países, em que 70 ou 80 por cento dos jovens concluem com êxito níveis de esco-
laridade equivalentes ao 12º ano. E portanto, se noutros países esse desafio é encarado
e concretizado, não há razões para em Portugal não o concretizarmos.
A escola a tempo inteiro foi uma das suas apostas e bandeiras. Essa escola
pública a tempo inteiro está hoje em risco?
Tudo está sempre em risco. A escola a tempo inteiro está em risco sobretudo desde
o momento que se desvirtuou o princípio de organização. A escola a tempo inteiro é
simultaneamente um espaço de apoio à família em que o serviço público de educação
é alargado no tempo – ou seja, durante mais tempo a escola presta um serviço de aco-
lhimento e de integração das crianças, tendo em conta a realidade das famílias em que
a maior parte das mães trabalha – e de enriquecimento curricular do ensino básico.
Desde 2001 que se previa a possibilidade de se introduzir as línguas estrangeiras, mas
nada tinha sido possível fazer. Portanto, a escola a tempo inteiro foi implementada
com o objetivo de adequar a escola às necessidades das famílias e ao mesmo tempo
enriquecer os currículos do 1º ciclo, proporcionando às crianças todas – e não apenas
a algumas – o acesso às línguas e às artes mais performativas.
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