Você está na página 1de 18

Organização Criminosa (Lei nº 12.

850/13) – Parte I

Para um estudo doutrinário mais aprofundado, indica-se a leitura das páginas 767 a 930 da obra Legislação
Especial Criminal Comentada, 2019, de Renato Brasileiro de Lima.
No estudo de lei, indicamos a leitura dos seguintes Diplomas: Lei 12.850/13, Lei 12.694/12 e Lei
13.964/2019 (art. 7º e 14º).
Jurisprudência: HC 127483/PR, Rel. Min. Dias Toffoli; Rcl 22009 AgR/PR, rel. Min. Teori Zavascki; Pet
7074/DF, Rel. Min. Edson Fachin; Inq 4435 AgR/DF, Rel. Min. Marco Aurélio; HC 138207/PR, Rel. Min.
Edson Fachin; HC 151605/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes

Sumário
1 Considerações Iniciais
3

2 Demais Possibilidades de Aplicação da Lei 12.850/13


5

3 Conceito
6

4 Crime Autônomo
6
4.1 Obstrução ou Embaraço de Investigação de Organização Criminosa
8
4.1.1 Crime de obstrução de justiça. Art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13. Possibilidade de configuração tanto na fase inquisitorial quanto no curso da ação
penal. “Embaraçar”. Crime material. STJ, REsp 1817416................................................................................................................................................................................. 8
4.2 Majorante pelo Emprego de Arma de Fogo
10
4.3 Agravante Referente ao Comando da Organização Criminosa
10
4.4 Demais Causas de Aumento de Pena
11
4.5 Afastamento Cautelar de Servidor Público de suas Funções
12
4.6 Perda do Cargo e Interdição para o Exercício de Cargo ou Função Pública
12
4.7 Investigação de Policiais Envolvidos com Organizações Criminosas
13
4.8 Início do Cumprimento da Pena em Estabelecimentos Penais de Segurança Máxima para as Lideranças de Organizações Criminosas ou que Tenham
Armas à Disposição................................................................................................................................................................................................................................................... 13
4.9 Vedação à Progressão de Regime, ao Livramento Condicional e a Outros Benefícios Prisionais em Relação a Condenados por Integrar Organização
Criminosa ou por Crime Praticado por Meio de Organização Criminosa se Acaso Mantido o Vínculo Associativo...................................................................................... 14

5 Investigação e dos Meios de Obtenção da Prova


15
5.1 Meios de Prova e Meios de Obtenção de Provas (Distinção)
15
5.2 Colaboração Premiada
16
5.2.1 Colaboração premiada como negócio jurídico
18
5.2.2 Proposta de formalização do acordo
19
5.2.3 Necessidade de procuração judicial e presença de advogado
21

1
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

1 Considerações Iniciais
Até o ano de 1995, o Brasil não contava com uma definição legal de crime organizado, tampouco com uma
legislação específica que tratasse dos meios legais de combate e essa incipiente modalidade criminosa. O primeiro
texto normativo a tratar do tema no Brasil foi a Lei nº 9.034/1995 (alterada pela Lei nº 10.217/2001), que dispôs
sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações
criminosas, sem, no entanto, defini-las e tipificá-las.

Para o STJ, o conceito de organização criminosa estava positivado no art. 2º da Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, chamada de
Convenção de Palermo, promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Esse decreto apontava como
elementos da Organização Criminosa: 1. grupo estruturado de três ou mais pessoas; 2. existente há algum tempo; 3.
propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção de Palermo; 4. intenção de obter,
direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

O STF, entretanto, em julgamento emblemático ocorrido no ano de 2012, referente aos bispos da Igreja
Renascer (HC 96.007/SP), relatado pelo ministro Marco Aurélio, acatando a tese que vinha sendo sustentada por
alguns estudiosos do tema, entendeu que não havia, no sistema jurídico brasileiro, uma lei nacional válida, que
definisse o que se deveria considerar por organização criminosa, fato que inviabilizaria a aplicação do conceito dado
pela Convenção de Palermo, para a promoção de responsabilização de acusados das práticas de crimes em
organização criminosa.

Em meio a tais discussões, no ano de 2012, entrou em vigor a Lei nº 12.694, que dispôs sobre o processo e o
julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas. Da mesma
forma que a Convenção de Palermo, esse diploma normativo conceituou, mas não tipificou as organizações
criminosas (art. 2º). Ademais, a Lei nº 12.694/2012 não revogou a Lei 9.034/1995, de maneira que a definição de
organização criminosa trazida pela primeira podia muito bem ser aplicada para os fins instrutórios da segunda.

Por fim, veio a lume a Lei nº 12.850/2013, que, além de revogar a Lei 9.034/1995 (art. 26), definiu organização
criminosa (art. 1º, § 1º), dispôs sobre investigação e procedimento criminal, meios de obtenção da prova, e,
sobretudo, tipificou as condutas de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta
pessoa, organização criminosa” (art. 2º) e outras correlatas.

Para essa lei, considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas
máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional (art. 1º, § 1º).

Entretanto, na nova conceituação de organização criminosa, fixou-se o número de integrantes em “4 (quatro)


ou mais pessoas”, ao contrário da conceituação anterior, dada pela Lei nº 12.694/2012, que exigia “3 (três) ou
mais pessoas”. Outra mudança: na nova lei, se requer “a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam
superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”; na Lei n. 12.694/2012, exige-se a “prática de

2
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.

Diante desse imbróglio legislativo, é de se indagar: qual é a definição jurídica de organização criminosa que há
de prevalecer no âmbito interno? A da Lei nº 12.694/2012 ou a da Lei nº 12.850/2013? Ou, por outro lado, teríamos
no Brasil mais de um conceito legal de organização criminosa?

Parte minoritária da doutrina sustenta que há dois conceitos distintos de organizações criminosas no
ordenamento pátrio: um para fins de formação do juízo colegiado, nos termos da Lei nº 12.694/12, outro para fins de
aplicação das técnicas especiais de investigação regulamentadas pela nova Lei das Organizações Criminosas, cuja
definição consta do art. 1°, § 1°, da Lei n° 12.850/13. Há também entendimento de que a Lei nº 12.694/12 foi
completamente revogada.

Diversamente, a maior parte da doutrina entende que a nova Lei do Crime Organizado revogou tacitamente o
art. 2º da Lei nº 12.694/2012, de maneira que há apenas um conceito legal de organização criminosa no País. Os
demais artigos permanecem em vigor, pois ambas têm objetos distintos. A lei nº 12.694/12 trata da formação dos
juízos colegiados para julgamento de crimes praticados por organizações criminosas, enquanto a Lei nº 12.850/13
traz o conceito e os meios de investigação de tais infrações penais. Assim, cada uma continua a regular os temas
que são de sua competência. É a posição de Luiz Flávio Gomes, Cezar Roberto Bitencourt, Vladimir Aras, Renato
Brasileiro de Lima, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, Fernando Rocha de Andrade, entre outros.

Organização criminosa Organização Criminosa


(Art. 2º da Lei nº 12.694/12) (Art. 1º, § 1º, c/c art. 2º, caput, ambos da Lei nº 12.850/13)

Número de integrantes: associação estável e permanente de Número de integrantes: associação estável e permanente de 4
3 (três) ou mais pessoas; (quatro) ou mais pessoas;

Finalidade: obtenção de vantagem de qualquer natureza


Finalidade: obtenção de vantagem de qualquer natureza
mediante a prática de infrações penais (crimes ou
mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou
contravenções penais) cujas penas máximas sejam superiores
superior a 4 (quatro) anos, ou de caráter transnacional;
a 4 (quatro) anos, ou de caráter transnacional;

Natureza jurídica: não era um tipo penal incriminador, já que Natureza jurídica: trata-se de tipo penal incriminador, previsto no
sequer havia cominação de pena. Funcionava apenas como art. 2º, caput, da Lei nº 12.850/13, ao qual é cominada pena de

uma forma de se praticarem crimes, sujeitando o agente a reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

certos gravames (v.g. regime disciplinar diferenciado,


formação do juízo colegiado.

Dessa forma, a Lei nº 12.850/2013 prevalece sobre a Lei nº 12.694/2012 exclusivamente no que diz respeito
ao ponto de interseção entre ambas: a definição de organização criminosa. No mais, permanece em plena vigência a
Lei nº 12.694/2012. A nova lei também definiu associação criminosa, modificando o nomen iuris do crime e dando
nova redação ao tipo penal do art. 288 do Código Penal. Assim, não mais há o crime de quadrilha ou bando, sendo
considerada associação criminosa a associação de 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer
crimes.

3
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

Em síntese, temos o seguinte:

 crime organizado: fenômeno criminal sem definição legal, que caracteriza as ações praticadas por
organização criminosa, confundindo-se com o conceito desta;

 organização criminosa para os efeitos da Lei nº 12.694/2012: associação, de 3 (três) ou mais


pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente,
com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de
crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter
transnacional;

 organização criminosa para os demais efeitos penais: a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de
infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional;

 associação criminosa: associação de 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer
crimes.

2 Demais Possibilidades de Aplicação da Lei 12.850/13


A Lei nº 12.850/13 não tem aplicação restrita às organizações criminosas. Seu art. 1°, § 2°, deixa evidente que
todos os meios de obtenção de prova e técnicas especiais de investigação por ela regulamentados também são
aplicáveis nas seguintes hipóteses, mesmo que essas infrações penais não sejam praticadas por intermédio de
organização criminosa:

(a) às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no
País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

O simples fato de o deliro estar previsto em tratado ou convenção internacional assinado pelo Brasil não
enseja, por si só, a possibilidade de aplicação da Lei n° 12.850/13. Para além disso, é imprescindível que se trate de
delito à distância, ou seja, que a infração se revista do caráter de internacionalidade, com o início da sua execução
no país, e o resultado ocorrendo ou devendo ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.

(b) às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo
legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016)

A Lei nº 13.260/2016 trata sobre crimes de terrorismo. Possibilidade de aplicação da LOC muito cobrada em
concurso, principalmente em provas objetivas.

3 Conceito

4
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova,
infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada
pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer
natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de
caráter transnacional.

Portanto, verificam-se três principais requisitos para o reconhecimento da organização criminosa:

1.º) associação de 4 (quatro) ou mais pessoas: perceba que há necessidade de uma reunião estável e
permanente de, pelo menos, 4 (quatro) indivíduos, característica que a diferencia de um mero
concurso de pessoas, que tem natureza efêmera e passageira;

2.º) estrutura ordenada que se caracteriza pela divisão de tarefas, ainda que informalmente: geralmente,
as organizações criminosas se caracterizam pela hierarquia estrutural, planejamento empresarial, uso
de meios tecnológicos avançados, recrutamento de pessoas, divisão funcional das atividades,
conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com agente do poder público, oferta de
prestações sociais, divisão territorial das atividades ilícitas, alto poder de intimidação, alta
capacitação para a prática de fraude, conexão local, regional, nacional ou internacional com outras
organizações;

3.º) finalidade de obtenção de vantagem de qualquer natureza mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional:
para a caracterização de uma organização criminosa, a associação deve ter por objetivo a obtenção
de qualquer vantagem, seja ela patrimonial ou não, mediante a prática de infrações penais com pena
máxima superior a 4 (quatro) anos, ou que tenham caráter transnacional ― nesse caso, pouco importa
o quantum de pena cominado ao delito.

4 Crime Autônomo
Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais
praticadas.

Promover (estimular a criação), constituir (formar efetivamente), financiar (custear a manutenção da


organização) e integrar (fazer parte, formal ou informalmente) são as condutas típicas previstas nesse art. 2º.

O objeto material do delito é a organização criminosa. Seu conceito mostra-se imprescindível para a aplicação
desse delito, pois deve ser interpretada de forma técnica, ou seja, todas as elementares típicas do conceito de
organização criminosa devem estar presentes.

Nos mesmos moldes que a nova figura delituosa de associação criminosa inserida no art. 288 do Código
Penal, o crime de organização criminosa é infração penal contra a paz pública, ou seja, o sentimento coletivo de
segurança e de confiança na ordem e proteção jurídica, que, pelo menos em tese, se veem atingidos pela societas
criminís.

Trata-se de crime comum e plurissubjetivo, pois é necessária a reunião de pelo menos quatro agentes. É crime

5
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

de conduta paralela.

A simples prática do verbo já consuma a infração, ou seja, trata-se de um crime de perigo abstrato,
dispensando qualquer prova em contrário para demonstrar a inexistência de risco para o bem jurídico paz pública. Aí
reside mais uma diferença da organização criminosa em relação ao concurso de pessoas, que é punido apenas se
houver a concretização do delito (consumado ou tentado), nos termos do art. 31 do CP ("O ajuste, a determinação ou
instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a
ser tentado"), ou seja, é indispensável ao menos a prática de atos executórios em relação ao crime para os quais os
agentes momentaneamente se associaram. É incompatível, portanto, com a tentativa.

Ponto de grande discussão na doutrina e na jurisprudência é a possibilidade, ou não, de punição cumulativa


entre o crime autônomo do artigo 2º dessa lei com a causa de aumento prevista no artigo 1º, § 4º, da Lei de
Lavagem de Capitais, que assim dispõe:

§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por
intermédio de organização criminosa.

Ou seja, caso uma pessoa integre uma organização criminosa por intermédio da qual oculte ou dissimule a
natureza, a origem, a localização, a disposição, a movimentação ou a propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal ― poderá ela ser punida pela prática do crime previsto no
artigo 2º da Lei nº 12.850/13 c/c artigo 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/98?

Parte da doutrina entende tratar-se de bis in idem, não sendo admissível a dupla punição. Outra corrente
entende que os delitos em análise são autônomos e independentes, podendo ser aplicada, cumulativamente, a causa
de aumento de pena prevista no artigo 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/98 e o delito autônomo do artigo 2º, da Lei nº
12.850/13.

4.1 Obstrução ou Embaraço de Investigação de Organização Criminosa


§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva
organização criminosa.

O tipo penal contém dois núcleos: impedir tem o sentido de causar obstáculo à investigação, danificando,
destruindo, estragando, inutilizando, total ou parcialmente elementos informativos ou provas; embaraçar é estorvar,
dificultar, colocar empecilhos, tornando algo mais difícil e morosa à descoberta dos fatos.

Diversamente do crime de organização criminosa constante do caput do art. 2°, que tutela a paz pública, essa
figura delituosa do § 1º tem como bem jurídico tutelado a administração da justiça.

O crime consuma-se com qualquer ação ou omissão que cause alguma perturbação em investigação alheia.

De acordo com o doutrinador Renato Brasileiro de Lima 1, se o agente embaraçar o processo judicial, é
inadmissível qualquer tipo de construção hermenêutica para que esse embaraço também tipifique essa figura
delituosa, sob pena de evidente analogia in malam partem e consequente violação ao princípio da legalidade. Frise-
se, no entanto, que o STJ tem precedente em linha diversa, como se verá no tópico seguinte.

1
Renato Brasileiro de Lima, Legislação Criminal Especial Comentada, p. 492.

6
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

4.1.1 Crime de obstrução de justiça. Art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13. Possibilidade de configuração tanto na fase
inquisitorial quanto no curso da ação penal. “Embaraçar”. Crime material. STJ, REsp 1817416

Falaremos sobre dois importantes aspectos relacionados ao chamado “crime de obstrução de justiça”,
disposto no art. 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Organizados:

Lei 12.850/13
Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais
praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva
organização criminosa.

Para fins didáticos, trabalharemos sob a forma de perguntas e respostas.

1.º) A expressão “investigação de infração penal” abarca, também, a conduta de impedir ou, de qualquer
forma, embaraçar ação penal já em curso? Sim, abarca, consoante tem decidido o STJ.

Para o Tribunal da Cidadania, caso o legislador quisesse limitar o alcance do tipo penal em foco à fase pré-
processual, teria utilizado a expressão “inquérito policial”, e não “investigação de infração penal”, que deve ser
interpretada no sentido de “persecução penal”. Ademais, as investigações prolongam-se durante toda a persecução
criminal, que abrange tanto a fase inquisitorial quanto a ação penal. Para confirmar essa afirmação, basta lembrar
que muitas diligências realizadas no âmbito policial possuem o contraditório diferido, de tal sorte que não é possível
tratar inquérito e ação penal como dois momentos absolutamente independentes da persecução penal. Não fosse o
bastante, ponderou-se que seria totalmente desarrazoado punir a obstrução das investigações do inquérito de modo
mais severo do que a obstrução da ação penal.

Logo, quem impede ou, de qualquer forma, embaraça ação penal já em curso também pode responder pelo
crime de obstrução de justiça.

2.º) O crime de obstrução de justiça, na modalidade “embaraçar”, é formal ou material?

Trata-se de crime material, segundo decidiu o STJ.

A doutrina é uniforme ao apontar que a obstrução de justiça, na modalidade “impedir”, configura crime
material. Bem controversa, no entanto, é a questão atinente à sua prática na modalidade “embaraçar”.

Cleber Masson e Vinícius Marçal, ao mesmo tempo em que defendem se estar, nessa hipótese, diante de
crime formal, expõem com precisão as correntes doutrinárias que existem acerca dessa controvérsia:

7
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

2.9 Consumação
A consumação do núcleo do tipo impedir se perfaz com a efetiva cessação da persecução penal, sendo, portanto, crime
material; por seu turno, na modalidade de embaraçar, o delito é formal (de consumação antecipada ou de resultado cortado),
porquanto restará consumado se, de qualquer modo, o sujeito atrapalhar ou perturbar o andamento normal da investigação ou
do processo, ainda que não alcance a sua interrupção propriamente dita. Mas não basta, obviamente, "a simples manifestação
de vontade ou a intenção do agente de embaraçar ou dificultar a realização da investigação, sob pena de punir simples
'intenções: aliás, de difícil comprovação'.
2.10 Tentativa
Para alguns (1.ª corrente), a tentativa é admissível em qualquer dos seus núcleos, embora seja ela mais difícil de se concretizar
no que tange ao verbo embaraçar, porquanto o elemento normativo "de qualquer forma" amplia sobremaneira a possibilidade
de consumação.
Para outros (2.ª corrente), contudo, a tentativa é admissível apenas quanto ao núcleo impedir - cuja fase executória pode ser
fracionada -, sendo impossível na conduta de unissubsistente embaraçar. Ainda, há quem entenda (3.ª corrente) que o tipo
penal em caracteriza um crime de atentado ou de empreendimento, sendo, pois, incompatível com a forma tentada. Estes
crimes são aqueles em que a lei pune de forma idêntica a consumação e a tentativa, isto é, não há diminuição pena em face do
conatus. Para esta corrente, o núcleo embaraçar constituiria, por si impedir. Portanto, se o agente tenta impedir uma
investigação infração penal que envolva organização criminosa, mas não logra êxito por circunstâncias alheias à sua vontade,
já se poderia vislumbrar uma consumada ação de embaraçamento. (in Crime Organizado, 4ª Edição revista, atualizada e
ampliada – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO. 2018. fls. 121/122)

O STJ, entrementes, entendeu que a adoção da corrente que classifica o delito como crime material se explica
porque o verbo “embaraçar” atrai um resultado, ou seja, uma alteração do seu objeto. Na hipótese normativa, o
objeto é a investigação que, como já dito, pode se dar na fase de inquérito ou na instrução da ação penal. É dizer,
haverá embaraço à investigação se algum resultado, ainda que momentâneo e reversível, for constatado.

Para reforçar o seu ponto de vista, acenou para o fato de que o STF, no Inquérito 4506, decidiu pelo
recebimento de denúncia por tentativa do crime de obstrução de justiça (embora tendo o STJ reconhecido que,
naquele caso, o delito fora praticado de outra forma). Eis o julgado do Excelso Pretório ao qual acenou o STJ:

Ementa: Direito Penal e processual penal. Ação Penal. Corrupção Passiva e Tentativa de Obstrução à Investigação de
Organização Criminosa. Materialidade e Indícios Suficientes de Autoria. Recebimento da Denúncia. (...) 9. A presença de
indícios de materialidade e autoria pela tentativa de embaraço às investigações de organização criminosa está caracterizada:
(i) pela transcrição de diálogo travado entre Aécio Neves da Cunha e Joesley Batista, em que o denunciado brada a
necessidade de anistiar o caixa dois e de substituir o então Ministro da Justiça, com o intuito de obter maior controle sobre a
Polícia Federal; (ii) ligação telefônica em que o denunciado conversa com outro Senador sobre a necessidade de substituição
do Ministro da Justiça. 10. Embora a atuação no processo legislativo seja atividade lícita, o modo de proceder do denunciado
indica que sua atuação tinha por objetivo específico embaraçar as investigações relacionadas à “Operação Lava Jato”. III.
Conclusão 11. Rejeição das preliminares e recebimento integral da denúncia. (Inq 4506, Relator(a): MARCO AURÉLIO,
Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/04/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
183 DIVULG 03-09-2018 PUBLIC 04-09-2018)

Por fim, apenas para exercer um juízo crítico sobre a posição esgrimida pelo STJ nesse julgado que ora
comentamos, registramos que, a nosso sentir, mais acertada é a corrente segundo a qual o crime de obstrução de
justiça é um crime formal ou de consumação antecipada, de modo que se mostraria desnecessária a comprovação
de que da conduta de “embaraçar, de qualquer forma, a investigação de infração penal” tenha resultado qualquer
espécie de resultado naturalístico.

4.2 Majorante pelo Emprego de Arma de Fogo


§ 2º As penas aumentam-se até a metade se, na atuação da organização criminosa, houver emprego de arma de fogo.

A majorante em questão incide tanto para a figura do caput quanto para o § 1º.

8
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

4.3 Agravante Referente ao Comando da Organização Criminosa


§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não
pratique pessoalmente atos de execução.

Para a incidência dessa circunstância agravante, é indispensável a demonstração de ajuste prévio, capaz de
identificar a subserviência de um ou mais indivíduos da organização criminosa em relação ao líder. De qualquer
sorte, a aplicação dessa agravante não pode ser feita de maneira concomitante àquela do art. 62, I, do CP, sob pena
de indesejado bis in idem.

4.4 Demais Causas de Aumento de Pena


Art. 2º (...)
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
I - se há participação de criança ou adolescente;

Crianças ou adolescentes são pessoas, respectivamente, com até 12 anos de idade incompletos, e entre 12 e
18 anos (conforme o ECA). Esse aumento se justifica quando o grupo organizado é integrado por menores ou se
“utiliza” de menores como instrumentos, que não são computados no número mínimo de quatro pessoas como
sujeitos ativos. Qualquer tipo de participação de criança ou adolescente no grupo organizado justifica o aumento da
pena. A dosagem do aumento deve levar em conta não apenas o número de menores participantes (quanto mais
menores, mais aumento), também a forma do aliciamento do menor (mais ou menos reprovável), o tipo de atuação
do menor no grupo etc.

Art. 2º (...)
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração
penal;

A legislação também penaliza, de maneira especial, a participação de funcionário público, mormente se


policial, em esquema de organização criminosa. A lei atrelou a apuração pela Corregedoria de Polícia à participação,
para acompanhamento da apuração, de membro do Ministério Público, acompanhamento que não se confunde com
direção do procedimento instaurado. Nesse caso, não basta só que haja funcionário público, deve haver o proveito das
funções públicas para a prática da infração.

Art. 2º (...)
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;

Justifica-se essa majorante em virtude da maior dificuldade em rastrear, localizar, sequestrar e confiscar o
produto direto ou indireto da infração penal destinado ao exterior.

Art. 2º (...)
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;

Objetiva de evitar disputas territoriais, o que é comum entre as organizações criminosas.

Art. 2º (...)
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

9
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

Renato Brasileiro e Bittencourt entendem que a aplicação da referida causa de aumento de pena constitui bis
in idem, pois, a transnacionalidade já é uma elementar do conceito de organização criminosa no art. 1º, § 1º.

4.5 Afastamento Cautelar de Servidor Público de suas Funções


§ 5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu
afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à
investigação ou instrução processual.

O que deve nortear o magistrado para a aplicação do afastamento cautelar do servidor público (suspensão do
exercício das funções públicas) deve ser o art. 282 do Código de Processo Penal, que incorpora o princípio da
proporcionalidade em sentido amplo e reconhece a natureza cautelar dessa medida, resultando disso a impreterível
observância aos tradicionais requisitos do fumus commissi delicti (fumus boni juris) e do periculum libertatis
(periculum in mora).

A referida medida é passível de decretação em qualquer fase da persecução penal e necessita de


determinação judicial, não havendo que se falar em afastamento automático.

4.6 Perda do Cargo e Interdição para o Exercício de Cargo ou Função Pública


§ 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato
eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento
da pena.

O efeito condenatório da perda do cargo (em sentido amplo) tem por fim extirpar da Administração Pública
aquele que revelou inidoneidade moral e grave desvio ético para o exercício da função pública, colocando-a a serviço
do crime organizado.

Como se percebe, não consta do dispositivo legal qualquer exigência quanto à quantidade de pena imposta ao
agente. Logo, independentemente da pena cominada, o trânsito em julgado de sentença condenatória irrecorrível
acarretará a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo. Por serem efeitos automáticos impostos pela lei,
independentemente da quantidade de pena cominada ou aplicada, a perda do cargo e a interdição não precisam ser
declaradas na sentença condenatória, nem sequer dependem de expresso requerimento.

4.7 Investigação de Policiais Envolvidos com Organizações Criminosas


§ 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará
inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.

O presente dispositivo dispõe de verdadeiro controle externo da atividade policial já estabelecida na Constituição
Federal (CF, art. 129, VII) pelo Ministério Público. Dessa forma, é atribuição do órgão ministerial fiscalizar a atividade
da Polícia, no que se refere à prevenção, apuração e investigação de fatos tidos como criminosos, bem como na
preservação dos direitos e garantias constitucionais dos presos que estejam sob responsabilidade das autoridades
policiais e na fiscalização do cumprimento das determinações judiciais.

Não obstante o parágrafo acima disponha que a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial, essa não
parece ser a melhor solução. Isso porque, como dito, é atribuição constitucional do Ministério Público o controle
externo da atividade policial, cabendo ao Parquet expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua

10
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, assim como requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais.

Sendo assim, o dispositivo em comento, por se tratar de legislação ordinária, não pode se sobrepor à
Constituição Federal.

4.8 Início do Cumprimento da Pena em Estabelecimentos Penais de Segurança Máxima para as


Lideranças de Organizações Criminosas ou que Tenham Armas à Disposição
§ 8º As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da
pena em estabelecimentos penais de segurança máxima.

Esse parágrafo foi acrescentado pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019). A intenção do legislador foi
evitar que líderes de organizações criminosa armada pudessem continuar, dentro do estabelecimento carcerário, a
conduzir a ação de seus grupos.

Dispõe o art. 3°, §1°, da Lei n. 11.671/08, também incluído pelo Pacote Anticrime, que a inclusão em
estabelecimento penal federal de segurança máxima, no atendimento do interesse da segurança pública, será em
regime fechado de segurança máxima, com as seguintes características:

i. recolhimento em cela individual;

ii. visita do cônjuge, do companheiro, de parentes e de amigos somente em dias determinados, por meio
virtual ou no parlatório, com o máximo de 2 (duas) pessoas por vez, além de eventuais crianças,
separados por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações;

iii. banho de sol de até 2 (duas) horas diárias; e

iv. monitoramento de todos os meios de comunicação, inclusive de correspondência escrita.

4.9 Vedação à Progressão de Regime, ao Livramento Condicional e a Outros Benefícios Prisionais em


Relação a Condenados por Integrar Organização Criminosa ou por Crime Praticado por Meio de
Organização Criminosa se Acaso Mantido o Vínculo Associativo
§ 9º O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de
organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros
benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo.

O referido parágrafo foi mais um dos acrescentados pelo Pacote Anticrime, não constando na redação original
da lei ora em comento.

Dessa forma, o §9º aplica-se tanto o agente que integrar organização criminosa em si, ou seja, condenado
pela prática do crime constante do art. 2° da Lei n. 12.850/13, como aquele condenado que, embora não tenha
praticado o crime do art. 2º mas concorreu, na condição de coautor ou partícipe, para crimes praticados por meio da
referida associação (v.g., roubos, latrocínios, tráfico de drogas, etc.). Para aplicação do §9º, é necessário, entretanto,
que na sentença condenatória conste expressamente uma dessas duas circunstâncias.

O acusado que, condenado em uma das circunstâncias anteriormente relatadas, não possuirá requisito subjetivo

11
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

para a progressão de regime previsto no art. 112, §1°, da LEP, já que não terá boa conduta carcerária.

Como bem relatado o doutrinador Renato Brasileiro de Lima2, “o fato de o condenado manter vínculos
associativos a organizações criminosas sugere periculosidade, desajuste carcerário e inadequação à terapêutica
penal aplicada, revelando que o apenado está muito distante de lograr êxito na reintegração social que se espera
com o cumprimento da pena privativa de liberdade”.

5 Investigação e dos Meios de Obtenção da Prova


De acordo com o art. 3º da LOC, em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de
outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios
de obtenção da prova:
I - colaboração premiada;
II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;
III - ação controlada;
IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou
privados e a informações eleitorais ou comerciais;
V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; VI - afastamento dos sigilos
financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;
VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;
VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de
interesse da investigação ou da instrução criminal.
§ 1º Havendo necessidade justificada de manter sigilo sobre a capacidade investigatória, poderá ser dispensada licitação para
contratação de serviços técnicos especializados, aquisição ou locação de equipamentos destinados à polícia judiciária para o
rastreamento e obtenção de provas previstas nos incisos II e V. (Incluído pela Lei nº 13.097, de 2015)
§ 2º No caso do § 1º, fica dispensada a publicação de que trata o parágrafo único do art. 61 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de
1993, devendo ser comunicado o órgão de controle interno da realização da contratação. (Incluído pela Lei nº 13.097, de
2015)

5.1 Meios de Prova e Meios de Obtenção de Provas (Distinção)

MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA MEIOS DE PROVA

- Em regra, são executados na fase preliminar de - Em regra, são realizados na fase processual da persecução
investigações, o que não afasta a possibilidade de execução penal; excepcionalmente, na fase investigatória, observado o
durante o curso do processo, de modo a permitir a contraditório, ainda que diferido (ex.: provas antecipadas).
descoberta de fontes de prova diversas das que serviram
para a formação da opinio delicti.

- São atividades extraprocessuais. - São atividades endoprocessuais.

- São executados, em regra, por policiais aos quais seja - Consistem em atividades desenvolvidas perante o juiz
outorgada a atribuição de investigação de infrações penais, competente, valendo lembrar que o juiz que presidir a
geralmente com prévia autorização e concomitante instrução deverá, pelo menos em regra, julgar o feito (CPP,
fiscalização judiciais. art. 399, § 2º).

2
Renato Brasileiro de Lima, Legislação Criminal Especial Comentada, vol. único, 2021, p. 785.

12
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

- São praticados com fundamento na surpresa, com - São produzidos sob o crivo do contraditório, com prévio
desconhecimento do(s) investigado(s). conhecimento e participação das partes.

- Se praticados em desconformidades com o modelo típico, - Se praticados em desconformidade com o modelo típico, há
de ser reconhecida sua ilicitude, com o consequente são sancionados, em regra, com a nulidade absoluta ou
desentranhamento dos autos do processo. relativa.

5.2 Colaboração Premiada


Uma das grandes mudanças trazidas pela Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime) foi em relação à Colaboração
Premiada.

A Lei nº 12.850/13 foi mais bem regulamentada com o Pacote Anticrime, e diversas foram as mudanças na
colaboração. Abordaremos sobre a Colaboração Premiada ser um negócio jurídico, os detalhes quanto à procuração,
as limitações quanto ao regime de cumprimento de pena, a possibilidade de o Ministério Público não oferecer
denúncia, a presença do advogado ou defensor, a suspensão ou não do processo, entre outras das principais
mudanças.

O instituto da colaboração ou delação premiada é um instrumento de investigação criminal que permite uma
recompensa legalmente preestabelecida a ser concedida pelo Estado ao investigado ou indiciado ou acusado (e
agora condenado) em troca da sua efetiva cooperação com os órgãos de persecução penal na elucidação das
infrações penais, podendo resultar na redução de sua pena e até na extinção da punibilidade pelo perdão judicial. Na
lição de Guilherme de Souza Nucci3:

(…) delatar significa acusar, denunciar ou revelar. Processualmente, somente tem sentido falarmos em delação, quando
alguém, admitindo a prática criminosa, revela que outra pessoa também o ajudou de qualquer forma. Esse é um testemunho
qualificado, feito pelo indiciado ou acusado.

A colaboração premiada tem natureza jurídica de "meio de obtenção de prova" (art. 3º, I, da Lei nº
12.850/2013). Atenção! Conforme explanado no quadro anterior, a colaboração premiada não é um meio de prova
propriamente dito. A colaboração premiada não prova nada (ela não é uma prova). A colaboração premiada é um
meio, uma técnica, um instrumento para se obter as provas.

Não há pacificidade de estabelecer se “delação premiada” e “colaboração premiada” são, ou não, expressões
sinônimas.

Há quem entenda que as expressões são sinônimas; não tem, assim, qualquer relevância prática a
diferenciação terminológica. Nesse sentido, por exemplo, afirmam Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto
que “o instituto da colaboração premiada, ainda que contando com nomenclatura diversa, sempre foi objeto de
análise pela doutrina, tratado que é como ‘delação premiada (ou premial)’, ‘chamamento de corréu’, ‘confissão
delatória’ ou, segundo os mais críticos, ‘extorsão premiada’ etc.” 4

Em que pese a autoridade dos citados autores, não perece correto afirmar serem as expressões sinônimas,

3
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 408.
4
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado – comentários à nova lei sobre o Crime Organizado – lei 12.850/13. Salvador: Juspodivm.
2013. p. 34

13
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

haja vista que cada uma insinua uma situação particular; merecem, portanto, a devida distinção.

Com efeito, delatar é uma forma de colaborar, mas nem sempre a colaboração advém de uma delação porque,
como bem observa Renato Brasileiro, “o imputado, no curso da persecutio criminis, pode assumir a culpa sem
incriminar terceiros, fornecendo, por exemplo, informações acerca da localização do produto do crime, caso que é
tido como mero colaborador5”.

Assim, para parcela da doutrina, a nomenclatura "colaboração premiada" é mais ampla, devendo ser
considerada como um gênero, do qual uma das suas espécies é a delação premiada. A delação premiada ocorre
quando o investigado ou acusado colabora com as autoridades delatando os comparsas, ou seja, apontando as
outras pessoas que também praticaram as infrações penais, também é denominada de “chamamento de corréu”.
Assim, toda delação premiada é uma forma de colaboração premiada, mas nem sempre a colaboração premiada
será feita por meio de uma delação premiada.

Interessante notar, sobre o ponto, que a jurisprudência do STJ tem estabelecido que a colaboração premiada
da Lei 12.850/03 e a delação premiada das demais leis são institutos de natureza jurídica distintas: a colaboração é
um negócio jurídico bilateral firmado entre as partes interessadas, enquanto a delação é ato unilateral do acusado.
Assim, ao contrário do que propõe o instituto da colaboração premiada (bilateral), como negócio jurídico, na delação
premiada (unilateral), inserta no art. 1º, §5º, da Lei n. 9.613/1998 e no art. 14 da Lei n. 9.807/99, a concessão de
benefícios não depende de prévio acordo a ser firmado entre as partes interessadas, tendo alcance, em termos de
benesse, entretanto, um pouco mais contido do que aquele firmado com o Órgão acusatório (bilateral). Sobre o tema,
confira-se:

(...) 5. Não se pode falar na violação do artigo 1º, § 5º, da Lei n.9.613/98 e do art. 14 da Lei n. 9.807/99, por conta da não
aplicação das causas legais de diminuição de pena decorrentes do acordo de colaboração celebrado entre as partes, embora
preenchidos os requisitos exigíveis. 6. A jurisprudência desta Corte Superior tem estabelecido que a colaboração
premiada da Lei n. 12.850/03 e a delação premiada das demais leis são institutos de natureza jurídica distintas: a
colaboração é um negócio jurídico bilateral firmado entre as partes interessadas, enquanto a delação é ato unilateral
do acusado. Assim, ao contrário do que propõe o instituto da colaboração premiada (bilateral), como negócio jurídico,
na delação premiada (unilateral), inserta no art. 1º, §5º, da Lei n. 9.613/1998 e no art. 14 da Lei n. 9.807/99, a
concessão de benefícios não depende de prévio acordo a ser firmado entre as partes interessadas, tendo alcance, em
termos de benesse, entretanto, um pouco mais contido do que aquele firmado com o Órgão acusatório (bilateral).
Precedentes. 7. O consectário lógico da ausência de previsão de ajuste ou de acordo prévio é a possibilidade de colaboração
premiada unilateral, ou seja, colaboração que independe de negócio jurídico prévio celebrado entre o réu e o órgão acusatório
e que, desde que efetiva, deverá ser reconhecida pelo magistrado, de forma a gerar benefícios em favor do réu (REsp
1691901/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 09/10/2017).
Assim, já tendo sido realizada a colaboração premiada com o Ministério Público, não é cabível o benefício da delação
premiada (unilateral), uma vez que implicaria aplicar duas vezes causas de redução da pena com base no mesmo fato, o que
configura bis in idem de benefícios. Até porque, no presente caso, as penas definitivas foram fixadas em 9 anos e 4 meses de
reclusão, em regime inicialmente fechado, e 231 dias-multa, e, após a implementação dos efeitos da colaboração premiada,
foram reduzidas para 4 anos de reclusão, em regime aberto, com a substituição pelas penas alternativas de prestação de
serviço à comunidade e limitação de final de semana. (...) 9) Em resumo: a) a Lei 9.807/1999 autorizava a redução da pena
em 1/3 a 2/3; b) a Lei 9.613/1998 também (1/3 a 2/3), mais alteração do regime de substituição, facultando-se a não
aplicação; c) A Lei 12.850/2013 autoriza a redução até 2/3 ou substituição ou ainda o perdão. Tendo em vista o acordo de
colaboração premiada celebrado pela condenada com o Ministério Público Federal e considerando os termos da avença, a
pena foi reduzida para 4 anos de reclusão, em regime aberto, com a substituição pelas penas alternativas de prestação de
serviços à comunidade. No decreto sentencial, o Juiz acolheu os termos acordado. Não se vislumbra, pois, ilegalidade na
atuação das instâncias ordinárias. (AgRg no REsp 1875477/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 28/06/2021)

5
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação penal especial comentada. 3. Ed. Salvador: JusPodivm, 2015. P.525.

14
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

ATENÇÃO!!! O Pacote Anticrime também criou o acordo de não persecução penal (ANPP) previsto no art. 28-A
do CPP. Por esse instituto, se o investigado tiver confessado a prática da infração penal sem violência ou grave
ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução
penal. Verifica-se que o rol dos delitos em que será possível a propositura do acordo é extensa, pois a pena mínima
inferior a 4 (quatro) anos engloba inúmeros crimes, entre eles o crime de organização criminosa. Dessa forma, é
possível a aplicação do ANPP ao crime de organização criminosa? O §2º do art. 28-A do CPP dispõe as hipóteses
em que não será cabível o acordo de não persecução penal. Entre elas figura a possibilidade de não aplicação “se
houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se
insignificantes as infrações penais pretéritas. É o justamente o caso das organizações criminosas que possuem
como característica a divisão de tarefas de forma profissional. Sendo, conclui-se que não se aplicada a ANPP ao
crime de organização criminosa.

4.9.1 Colaboração premiada como negócio jurídico


Art. 3º-A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe
utilidade e interesse públicos. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Todos os demais aspectos relevantes da colaboração premiada vêm tratados nos §§ 1º a 16 do art. 4º da lei,
aos quais remetemos o candidato, aconselhando a memorização do conteúdo dos dispositivos para o
enfrentamento das provas de concursos. O mesmo se diga quanto ao conteúdo dos arts. 5º a 7º da mesma lei

É importante destacar que os benefícios previstos na Lei em referência têm caráter pessoal e serão aplicados
tão somente àqueles que colaborarem, efetiva e voluntariamente, com as investigações na medida.

Trata-se de um negócio jurídico processual, já que deve ser acordado entre o investigador e o acusado, mas
também de um meio de obtenção de prova, já que as informações contidas em uma colaboração podem ser
utilizadas para comprovar fatos e fortalecer uma tese.

É importante enfatizar que esse instituto demanda utilidade e interesse público, por se tratar de uma
negociação que envolve o Direito Penal e a pretensão punitiva do Estado.

A condição de os acordos de delação ou colaboração serem vistos como negócio jurídico já foi inclusive
reconhecida pelo STF, por meio do HC 127.483/PR, no qual ficou assentada a condição de negócio jurídico
personalíssimo. Em linhas gerais, contrato é um acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos
(criar, conservar, modificar, extinguir relações jurídicas etc.), ou seja, de um lado o colaborador ou delator, com a
intenção de reduzir o peso penal que o Estado lhe irá impor pela sua suposta conduta criminosa, e, do outro lado, o
Estado, que busca coibir, inibir ou desmantelar a rede criminosa da organização, bem como facilitar a obtenção da
prova ou a resolução do problema criminal a ele imposto.

Assim, regras e princípios gerais de direito contratual devem ser aplicados sobre os acordos de delação ou
colaboração premiada.

A colaboração premiada precisa ser voluntária, mas não é necessário que seja espontânea. A colaboração é
considerada válida, mesmo que a proposta não tenha partido do investigado ou acusado porque não se exige que a
colaboração seja espontânea, ou seja, que tenha partido do colaborador a ideia, a iniciativa. Assim, basta que seja

15
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

voluntária (que ele aceite livremente). Se a polícia ou o MP propõem o acordo, que é aceito livremente pelo
colaborador, a colaboração é tida como voluntária.

O que se entende por “causalidade hipotética às avessas?” Um dos pressupostos para a incidência dos
prêmios da Lei do Crime Organizado é que da colaboração resulte a prevenção de infrações penais decorrentes das
atividades da organização criminosa. Nesse cenário, Vinicius Marçal e Cleber Masson (em menção à obra de
Bitencourt e Busato), destacam que: "a fim de viabilizar a aferição dessa necessária relação de causa (colaboração)
e efeito (prevenção), o ideal é que se realize um juízo de causalidade hipotética, nos mesmos padrões que se faz
com as imputações de crimes omissivos, porém às avessas. Ou seja, a verificação de que caso não houvesse
determinada intervenção derivada da colaboração, um resultado delitivo teria sido produzido" 6.

5.2.1 Proposta de formalização do acordo


Art. 3º-B. O recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e
constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação
de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial. (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º A proposta de acordo de colaboração premiada poderá ser sumariamente indeferida, com a devida justificativa,
cientificando-se o interessado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Caso não haja indeferimento sumário, as partes deverão firmar Termo de Confidencialidade para prosseguimento das
tratativas, o que vinculará os órgãos envolvidos na negociação e impedirá o indeferimento posterior sem justa causa.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º O recebimento de proposta de colaboração para análise ou o Termo de Confidencialidade não implica, por si só, a
suspensão da investigação, ressalvado acordo em contrário quanto à propositura de medidas processuais penais cautelares e
assecuratórias, bem como medidas processuais cíveis admitidas pela legislação processual civil em vigor. (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019)
§ 4º O acordo de colaboração premiada poderá ser precedido de instrução, quando houver necessidade de identificação ou
complementação de seu objeto, dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevância, utilidade e interesse público. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 5º Os termos de recebimento de proposta de colaboração e de confidencialidade serão elaborados pelo celebrante e
assinados por ele, pelo colaborador e pelo advogado ou defensor público com poderes específicos. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)
§ 6º Na hipótese de não ser celebrado o acordo por iniciativa do celebrante, esse não poderá se valer de nenhuma das
informações ou provas apresentadas pelo colaborador, de boa-fé, para qualquer outra finalidade. (Incluído pela Lei nº 13.964,
de 2019)

Levando em conta a relevância das condições que são acordadas na colaboração, a lei estabelece algumas
regras acerca do sigilo e da confidencialidade das informações durante as tratativas. Logo, o período de negociação
é um marco importante da investigação e do processo, já que pode oferecer informações essenciais para as
decisões futuras no processo.

Como é cediço, já era praxe a assinatura de termo de confidencialidade entre autoridades públicas,
colaborador e advogado, quando da celebração de acordo de colaboração premiada. Mesmo assim, muitas vezes,
ocorria o vazamento de informações logo após a assinatura do acordo — basta ver as inúmeras manchetes oriundas
da operação "lava jato”, conduzida pelo idealizador do “projeto anticrime” —, o que acabou prejudicando sobremodo

6
Masson, Cleber; Marçal, Vinicius. Crime Organizado. 2 ed. São Paulo: Método, 2016, p.164

16
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

o próprio instituto. Tais violações, não raras vezes, ocorriam por autoridades investigativas, o que já era previsto
como crime funcional no artigo 325, do Código Penal. O colaborador que violasse o acordo, divulgando dados
sigilosos, certamente seria a parte mais prejudicada, motivo pelo qual não se chegou a tributar-lhe os incontáveis
vazamentos divulgados na mídia nacional.

A confidencialidade se inicia com o recebimento da proposta de colaboração, persistindo durante toda a


negociação e podendo ser levantada somente por decisão judicial. O vazamento de informações configura violação
de sigilo e quebra de confiança ou boa-fé.

Quando do recebimento da proposta, o Poder Público tem algumas opções para agir. O indeferimento sumário
é uma das alternativas, o qual pode ocorrer mediante justificativa e ciência do interessado.

Aceitando negociar com o interessado, o Poder Público firma um termo de confidencialidade, mas não
suspende automaticamente a investigação. Portanto, é possível que as informações a serem oferecidas no acordo
sejam obtidas pela investigação comum durante o período de negociações. Entretanto, a suspensão e outras
medidas processuais penais podem ocorrer se assim for definido em acordo.

Existe a possibilidade de instrução anterior ao acordo de colaboração quando o seu objeto demandar
complementação ou constatação da relevância e do interesse público. Vale dizer também que as informações do
acordo não celebrado por iniciativa do Poder Público não podem ser utilizadas posteriormente no processo como
meio de prova.

De toda forma, pelo menos a priori, não se verifica qualquer preceito secundário no artigo 3º-B, mas apenas
“um tipo remetido”, em relação aos agentes públicos, e uma possível quebra da boa-fé, a redundar no âmbito de
eficácia do acordo, sem projeções criminais autônomas ao colaborador, senão a rescisão do pacto premial. Em
síntese: parece uma inovação simbólica, que não altera substancialmente o que já era disciplinado.

Cuida o parágrafo primeiro do artigo 3º-B da necessidade de impor uma espécie de motivação para o
indeferimento sumário da proposta de acordo de colaboração premiada. Aplaudida deve ser a referida alteração.
Nesse ponto, já se defendia que o Ministério Público não pode simplesmente dizer que não tem interesse em firmar
um acordo de colaboração e ponto. Tal fato deve ser justificado e motivado.

Deveras, num Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil, o Parquet deve explicitar as razões
pelas quais não entende viável a formalização de acordo premiada. Isso decorre, inclusive, da própria CFRB que, ao
tratar da Instituição Ministério Público (art. 129, § 4º), estabelece que ao órgão se aplica, no que couber, o artigo 93,
da Carta Magna.

Ora, é justamente o inciso IX do artigo 93, da CF88, plenamente aplicável ao Ministério Público, que assegura a
motivação de todas as decisões. Evidentemente que a motivação para a não celebração de acordo de colaboração
premiada é conditio sine qua non para o exercício de controle sobre a postura ministerial, sem o que se abre campo
para o arbítrio e seletividade, totalmente inaceitáveis num Estado Democrático de Direito.

O § 6º estabelece que, “na hipótese de não ser celebrado o acordo por iniciativa do celebrante, esse não
poderá se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo colaborador, de boa-fé, para qualquer

17
Organização Criminosa (Lei nº 12.850/13) – Parte I

outra finalidade”. Aqui, evidentemente, o celebrante poderá ser o Ministério Público ou, no curso da investigação, o
delegado de polícia.

Ao que se nota, esse dispositivo melhor delimita o que já era previsto no artigo 4º, § 10, da Lei nº 12.850/2013,
cuja redação segue valendo: “As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias
produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.”

5.2.2 Necessidade de procuração judicial e presença de advogado

Art. 3º-C. A proposta de colaboração premiada deve estar instruída com procuração do interessado com poderes específicos
para iniciar o procedimento de colaboração e suas tratativas, ou firmada pessoalmente pela parte que pretende a colaboração e
seu advogado ou defensor público. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º Nenhuma tratativa sobre colaboração premiada deve ser realizada sem a presença de advogado constituído ou defensor
público. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Em caso de eventual conflito de interesses, ou de colaborador hipossuficiente, o celebrante deverá solicitar a presença de
outro advogado ou a participação de defensor público. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º No acordo de colaboração premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que
tenham relação direta com os fatos investigados. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 4º Incumbe à defesa instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as
suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

O acordo de colaboração deve ser negociado e celebrado sempre na presença de um representante do


colaborador (advogado ou defensor público) e deve conter a narração dos fatos ilícitos imputados ao colaborador e
todos aqueles para os quais ele concorreu ― portanto qualquer participação em delitos é importante para o relato.

O advogado do acusado tem papel fundamental no instituto da colaboração premiada, uma vez que ele deve
ponderar se as concessões são realmente benéficas e, se for o caso, tentar mais benefícios em troca de demais
informações e facilitar a explicação ao colaborar.

18

Você também pode gostar