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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.

826/03)

Para um estudo doutrinário mais aprofundado, indica-se a leitura das páginas 409 a 482 da obra Legislação
Especial Criminal Comentada, 2020, de Renato Brasileiro de Lima.

No estudo de lei, indicamos a leitura da Lei 10.826/2003.

Jurisprudência: STJ - AgRg no REsp: 1362124 MG 2013/0005972-6; STJ - AgRg no REsp: 1341025 MG
2012/0182786-9; STJ - AgRg no REsp: 1604100 RS 2016/0147267-3; STF - HC: 131943 RS - RIO
GRANDE DO SUL 9037738-52.2015.1.00.0000; STJ - AgRg no AREsp: 1646265 MG 2020/0006758-8;
AgRg no
AREsp 1388977/SE; Jurisprudência em Tese – STJ – Edição 102 e 108.

Sumário
1 Evolução Legislativa................................................................................................................................................................................................................ 3

2 Do Sistema Nacional de Armas.............................................................................................................................................................................................. 3

3 Do Registro............................................................................................................................................................................................................................... 4

4 Do Porte................................................................................................................................................................................................................................... 7

5 Dos Crimes e das Penas....................................................................................................................................................................................................... 11


5.1 Bem Jurídico Tutelado.........................................................................................................................................................................................................................................11
5.2 Crimes de Perigo Abstrato e sua (In)Constitucionalidade...............................................................................................................................................................................12
5.3 Competência Para Processo e Julgamento......................................................................................................................................................................................................13
5.4 Posse Irregular de Arma de Fogo de Uso Permitido........................................................................................................................................................................................14
5.4.1 Aplicação da lei penal no tempo..............................................................................................................................................................................................................14
5.4.2 Crime de perigo abstrato...........................................................................................................................................................................................................................15
5.4.3 Sujeitos do crime........................................................................................................................................................................................................................................15
5.4.4 Tipo objetivo...............................................................................................................................................................................................................................................15
5.4.5 Norma penal em branco: em desacordo com determinação legal ou regulamentar.........................................................................................................................15
5.4.6 Elementos especiais do tipo.....................................................................................................................................................................................................................16
5.4.7 Objeto material...........................................................................................................................................................................................................................................18
5.4.8 Questões controversas..............................................................................................................................................................................................................................18
5.4.8.1 Arma de Fogo Desmuniciada..........................................................................................................................................................................................................18
5.4.8.2 Arma de Fogo Defeituosa................................................................................................................................................................................................................19
5.4.8.3 Arma de Fogo Desmontada............................................................................................................................................................................................................19
5.4.8.4 Arma de Brinquedo (De Fantasia ou Arma Finta).........................................................................................................................................................................19
5.4.8.5 Arma de Pressão (Ar Comprimido)................................................................................................................................................................................................20
5.4.8.6 Posse de um Cartucho de Munição e (Im)Possibilidade de Aplicação do Princípio da Insignificância.................................................................................20
5.4.8.7 (Des)Necessidade de Apreensão e Ulterior Realização de Exame Pericial de Eficiência de Arma de Fogo (Ou Munição).................................................22
5.4.9 Tipo subjetivo.............................................................................................................................................................................................................................................23
5.4.10 Consumação e tentativa.........................................................................................................................................................................................................................23
5.4.11 Classificação doutrinária.........................................................................................................................................................................................................................23
5.4.12 Concurso de crimes.................................................................................................................................................................................................................................24

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

1 Evolução Legislativa
O porte ilegal de arma de fogo foi, por muito tempo, considerado somente contravenção penal, prevista no art.
19 da Lei das Contravenções Penais. Entretanto, diante da crescente violência, foi promulgada a Lei Nº 9.437/97,
também conhecida como Lei de Armas de Fogo. Desse modo, as condutas envolvendo armas de fogo deixaram de
ser contravenção e passaram a ser crime. Todos os crimes estavam concentrados no art. 10 dessa lei.

A Lei de Armas de Fogo, além de conter vários defeitos redacionais, não colaborou muito na diminuição da
criminalidade, obrigando o legislador a redigir uma nova lei ainda mais rigorosa. Surgiu, então, a Lei n. 10.826/2003,
conhecida como Estatuto do Desarmamento.

Nosso atual Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03) manteve as condutas envolvendo armas de fogo
como crimes, porém aplicou penas rigorosas para os crimes de posse e porte de arma de fogo de uso permitido e
proibido ou restrito e trouxe várias outras providências importantes, como a restrição à venda, registro e autorização
para o porte de arma de fogo, a tipificação dos crimes de posse e porte de munição, tráfico internacional de armas
de fogo, dentre outras.

2 Do Sistema Nacional de Armas


Art. 1º O Sistema Nacional de Armas – Sinarm, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, tem
circunscrição em todo o território nacional.

Art. 2º Ao Sinarm compete:


I – identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro;
II – cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País;
III – cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela Polícia Federal;
IV – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, furto, roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados
cadastrais, inclusive as decorrentes de fechamento de empresas de segurança privada e de transporte de valores;
V – identificar as modificações que alterem as características ou o funcionamento de arma de fogo;
VI – integrar no cadastro os acervos policiais já existentes;
VII – cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais;
VIII – cadastrar os armeiros em atividade no País, bem como conceder licença para exercer a atividade;
IX – cadastrar mediante registro os produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores autorizados de armas de
fogo, acessórios e munições;
X – cadastrar a identificação do cano da arma, as características das impressões de raiamento e de microestriamento de
projétil disparado, conforme marcação e testes obrigatoriamente realizados pelo fabricante;
XI – informar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal os registros e autorizações de porte de
armas de fogo nos respectivos territórios, bem como manter o cadastro atualizado para consulta.
Parágrafo único. As disposições deste artigo não alcançam as armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as
demais que constem dos seus registros próprios.

Os dois primeiros artigos do Estatuto do Desarmamento tratam do Sistema Nacional de Armas — SINARM, o
qual é instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em todo o território
nacional. Sem mais delongas, basta uma breve leitura dos dois dispositivos, sendo desnecessário maiores
comentários.

Em razão do disposto no parágrafo único do art. 2° da Lei n. 10.826/03, estão expressamente excluídas das
atribuições do SINARM as armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as demais que constem dos

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

seus registros próprios. Há, portanto, um outro sistema para registro de arma de fogo no âmbito Forçar Armadas, em
particular para o Exército Brasileiro, que é o SIGMA — Gerenciamento Militar de Armas, instituído no Ministério da
Defesa.

3 Do Registro
Art. 3º É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente.
Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na forma do regulamento desta
Lei.

O órgão competente para registrar a arma de fogo é a Polícia Federal, por meio de suas unidades policiais
instaladas em todos os estados, Distrito federal e Territórios. É necessário registrar qualquer arma de fogo com
autorização do SINARM.

As armas de uso restrito, ou seja, aquelas de maior poder de fogo, como pistolas automáticas de grosso
calibre, metralhadoras e fuzis, por exemplo, deverão ser registradas no Comando do Exército, com o fim de coibir o
contrabando, por meio do sistema SIGMA.

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Art. 4º Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos
seguintes requisitos:
I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça
Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser
fornecidas por meios eletrônicos;
II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma
disposta no regulamento desta Lei.
§ 1º O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em
nome do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização.
§ 2º A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada e na quantidade
estabelecida no regulamento desta Lei.
§ 3º A empresa que comercializar arma de fogo em território nacional é obrigada a comunicar a venda à autoridade
competente, como também a manter banco de dados com todas as características da arma e cópia dos documentos previstos
neste artigo.
§ 4º A empresa que comercializa armas de fogo, acessórios e munições responde legalmente por essas mercadorias, ficando
registradas como de sua propriedade enquanto não forem vendidas.
§ 5º A comercialização de armas de fogo, acessórios e munições entre pessoas físicas somente será efetivada mediante
autorização do Sinarm.
§ 6º A expedição da autorização a que se refere o § 1º será concedida, ou recusada com a devida fundamentação, no prazo de
30 (trinta) dias úteis, a contar da data do requerimento do interessado.
§ 7º O registro precário a que se refere o § 4o prescinde do cumprimento dos requisitos dos incisos I, II e III deste artigo.
§ 8º Estará dispensado das exigências constantes do inciso III do caput deste artigo, na forma do regulamento, o interessado
em adquirir arma de fogo de uso permitido que comprove estar autorizado a portar arma com as mesmas características
daquela a ser adquirida.
Art. 5º O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a
manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu
local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.
§ 1º O certificado de registro de arma de fogo será expedido pela Polícia Federal e será precedido de autorização do Sinarm.
§ 2º Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4o deverão ser comprovados periodicamente, em período não
inferior a 3 (três) anos, na conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação do Certificado de
Registro de Arma de Fogo.
§ 3º O proprietário de arma de fogo com certificados de registro de propriedade expedido por órgão estadual ou do Distrito
Federal até a data da publicação desta Lei que não optar pela entrega espontânea prevista no art. 32 desta Lei deverá renová-
lo mediante o pertinente registro federal, até o dia 31 de dezembro de 2008, ante a apresentação de documento de
identificação pessoal e comprovante de residência fixa, ficando dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das
demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º desta Lei.
§ 4º Para fins do cumprimento do disposto no § 3º deste artigo, o proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento
de Polícia Federal, certificado de registro provisório, expedido na rede mundial de computadores - internet, na forma do
regulamento e obedecidos os procedimentos a seguir:
I - emissão de certificado de registro provisório pela internet, com validade inicial de 90 (noventa) dias; e
II - revalidação pela unidade do Departamento de Polícia Federal do certificado de registro provisório pelo prazo que estimar
como necessário para a emissão definitiva do certificado de registro de propriedade.
§ 5º Aos residentes em área rural, para os fins do disposto no caput deste artigo, considera-se residência ou domicílio toda a
extensão do respectivo imóvel rural. (Incluído pela Lei nº 13.870, de 2019).

Uma arma de fogo somente será adquirida mediante prévia autorização da Policial Federal. E quais requisitos
necessários para adquirir uma arma de fogo de uso permitido?

O interessado precisará comparecer a uma loja especializada em venda de armas e munições e escolher em
qual tem interesse, anotar as características no pedido e informá-las no requerimento. O vendedor então solicitará
autorização à Polícia Federal, que verificará os antecedentes do comprador. Se não houver antecedentes criminais, o
pedido de compra será encaminhado ao SINARM, devendo, de acordo com o art. 4º, o interessado declarar a efetiva
necessidade e comprovar periodicamente, no período não inferior a 3 (três) anos: a) comprovação de idoneidade,
com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual,

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas
por meios eletrônicos; b) apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; c)
comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma
disposta no regulamento da Lei nº 10.826/03.

Satisfeito esses requisitos, o SINARM expedirá autorização para compra da arma com base nas informações
apresentadas no requerimento, devendo então o interessado comparecer à loja e efetivar a compra. A autorização é
pessoal e intransferível, não podendo o requerente transferi-la para outra pessoa, sob pena de responsabilidade
criminal. A Polícia Federal confirmará a venda depois de emitida a nota fiscal e expedirá o registro. A loja só liberará
a arma com registro.

Registro de Arma de Fogo é a autorização para o proprietário manter a arma de fogo exclusivamente no
interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele
o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. Para os residentes em área rural, considera-se
residência ou domicílio toda a extensão do respectivo imóvel rural (Lei n. 10.926/03, art. 5°, § 5°, incluído pela Lei n.
13.870/19)1.

De acordo com o § 2°, a aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma
adquirida e na quantidade estabelecida no regulamento dessa Lei. Assim, se a pessoa possuir um revólver calibre 38,
não poderá comprar munição calibre 45.

As empresas que comercializam armas de fogo possuem registro precário dessas mercadorias, desde a
venda pela fábrica, sendo responsável pela segurança e proteção das armas que estejam em seu estoque. A partir
do momento da venda da arma de fogo, essas responsabilidades são transferidas ao adquirente mediante emissão
de nota fiscal, cuja cópia da documentação será anexada ao requerimento de autorização de compra e porte de
arma.

Pode haver comercialização de arma de fogo entre pessoas físicas? Sim, conforme disposto no § 5º, desde
que haja prévia autorização do SINARM por meio da Polícia Federal. Autorizada a transação, a arma será registrada
em nome do novo proprietário.

4 Do Porte

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Renato Brasileiro de Lima. Legislação Criminal Especial Comentada, 2020, p.405.

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e
para:
I – os integrantes das Forças Armadas;
II - os integrantes de órgãos referidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 144 da Constituição Federal e os da Força
Nacional de Segurança Pública (FNSP);
III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de
500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei; (Vide ADIN 5538) (Vide ADIN
5948)
IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000
(quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; (Vide ADIN 5538 e 5948)
V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República; (Vide Decreto nº 9.685, de 2019)
VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;
VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas
portuárias;
VIII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei;
IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de
armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.
X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-
Fiscal e Analista Tributário.
XI - os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos
Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de
segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do
Ministério Público - CNMP. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)
§ 1º As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade
particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta
Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI.
§ 1º-B. Os integrantes do quadro efetivo de agentes e guardas prisionais poderão portar arma de fogo de propriedade
particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, desde que estejam:
I - submetidos a regime de dedicação exclusiva;
II - sujeitos à formação funcional, nos termos do regulamento; e
III - subordinados a mecanismos de fiscalização e de controle interno.
§ 1º-C. (VETADO).
§ 2º A autorização para o porte de arma de fogo aos integrantes das instituições descritas nos incisos V, VI, VII e X do caput
deste artigo está condicionada à comprovação do requisito a que se refere o inciso III do caput do art. 4o desta Lei nas
condições estabelecidas no regulamento desta Lei.
§ 3º A autorização para o porte de arma de fogo das guardas municipais está condicionada à formação funcional de seus
integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial, à existência de mecanismos de fiscalização e de controle
interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei, observada a supervisão do Ministério da Justiça.
§ 4º Os integrantes das Forças Armadas, das polícias federais e estaduais e do Distrito Federal, bem como os militares dos
Estados e do Distrito Federal, ao exercerem o direito descrito no art. 4o, ficam dispensados do cumprimento do disposto nos
incisos I, II e III do mesmo artigo, na forma do regulamento desta Lei.
§ 5o Aos residentes em áreas rurais, maiores de 25 (vinte e cinco) anos que comprovem depender do emprego de arma de
fogo para prover sua subsistência alimentar familiar será concedido pela Polícia Federal o porte de arma de fogo, na categoria
caçador para subsistência, de uma arma de uso permitido, de tiro simples, com 1 (um) ou 2 (dois) canos, de alma lisa e de
calibre igual ou inferior a 16 (dezesseis), desde que o interessado comprove a efetiva necessidade em requerimento ao qual
deverão ser anexados os seguintes documentos:
I - documento de identificação pessoal;
II - comprovante de residência em área rural; e III - atestado de bons antecedentes.
§ 6º O caçador para subsistência que der outro uso à sua arma de fogo, independentemente de outras tipificações penais,
responderá, conforme o caso, por porte ilegal ou por disparo de arma de fogo de uso permitido.
§ 7º Aos integrantes das guardas municipais dos Municípios que integram regiões metropolitanas será autorizado porte de
arma de fogo, quando em serviço.

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Art. 7º As armas de fogo utilizadas pelos empregados das empresas de segurança privada e de transporte de valores,
constituídas na forma da lei, serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas empresas, somente podendo ser
utilizadas quando em serviço, devendo essas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão
competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da empresa.
§ 1º O proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança privada e de transporte de valores responderá pelo crime
previsto no parágrafo único do art. 13 desta Lei, sem prejuízo das demais sanções administrativas e civis, se deixar de
registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de
fogo, acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato.
§ 2º A empresa de segurança e de transporte de valores deverá apresentar documentação comprobatória do preenchimento dos
requisitos constantes do art. 4o desta Lei quanto aos empregados que portarão arma de fogo.
§ 3o A listagem dos empregados das empresas referidas neste artigo deverá ser atualizada semestralmente junto ao Sinarm.

Art. 7º-A. As armas de fogo utilizadas pelos servidores das instituições descritas no inciso XI do art. 6º serão de propriedade,
responsabilidade e guarda das respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo estas
observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de registro e a
autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da instituição.
§ 1º A autorização para o porte de arma de fogo de que trata este artigo independe do pagamento de taxa.
§ 2º O presidente do tribunal ou o chefe do Ministério Público designará os servidores de seus quadros pessoais no exercício
de funções de segurança que poderão portar arma de fogo, respeitado o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do
número de servidores que exerçam funções de segurança.
§ 3º O porte de arma pelos servidores das instituições de que trata este artigo fica condicionado à apresentação de
documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o desta Lei, bem como à formação
funcional em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de controle
interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei.
§4º A listagem dos servidores das instituições de que trata este artigo deverá ser atualizada semestralmente no Sinarm.
§ 5º As instituições de que trata este artigo são obrigadas a registrar ocorrência policial e a comunicar à Polícia Federal
eventual perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob sua
guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato.

Art. 8º As armas de fogo utilizadas em entidades desportivas legalmente constituídas devem obedecer às condições de uso e
de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, respondendo o possuidor ou o autorizado a portar a arma pela sua
guarda na forma do regulamento desta Lei.

Art. 9º Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos
estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a
concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros
em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional.

Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da
Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm.
§ 1º A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos
regulamentares, e dependerá de o requerente:
I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física;
II – atender às exigências previstas no art. 4o desta Lei;
III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente.
§ 2º A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela
seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Art. 11. Fica instituída a cobrança de taxas, nos valores constantes do Anexo desta Lei, pela prestação de serviços relativos:
I – ao registro de arma de fogo;
II – à renovação de registro de arma de fogo;
III – à expedição de segunda via de registro de arma de fogo;
IV – à expedição de porte federal de arma de fogo;
V – à renovação de porte de arma de fogo;
VI – à expedição de segunda via de porte federal de arma de fogo.
§ 1º Os valores arrecadados destinam-se ao custeio e à manutenção das atividades do Sinarm, da Polícia Federal e do
Comando do Exército, no âmbito de suas respectivas responsabilidades.
§ 2º São isentas do pagamento das taxas previstas neste artigo as pessoas e as instituições a que se referem os incisos I a VII e
X e o § 5o do art. 6o desta Lei.

Art. 11-A. O Ministério da Justiça disciplinará a forma e as condições do credenciamento de profissionais pela Polícia Federal
para comprovação da aptidão psicológica e da capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo.
§ 1º Na comprovação da aptidão psicológica, o valor cobrado pelo psicólogo não poderá exceder ao valor médio dos
honorários profissionais para realização de avaliação psicológica constante do item
1.16 da tabela do Conselho Federal de Psicologia.
§ 2º Na comprovação da capacidade técnica, o valor cobrado pelo instrutor de armamento e tiro não poderá exceder R$ 80,00
(oitenta reais), acrescido do custo da munição.
§ 3º A cobrança de valores superiores aos previstos nos §§ 1º e 2º deste artigo implicará o descredenciamento do profissional
pela Polícia Federal.

O registro de arma de fogo autoriza o agente a possuir arma de fogo, acessório ou munição, exclusivamente
em sua residência ou local de trabalho, desde que seja o proprietário ou o responsável legal pelo estabelecimento.
Por outro lado, o porte de arma de fogo autoriza a autoridade a carregar consigo uma arma registrada. Dessa forma,
apenas o registro não autoriza o porte, o qual tem requisitos mais rigorosos para sua concessão, devido ao maior
grau de risco.

A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência
da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm. Essa autorização é precária (art. 17 do
Decreto n. 9.847/19) e tem prazo temporal determinado, restando sua renovação a critério da administração para
que possa novamente aferir a continuidade da capacidade do sujeito em portar arma de fogo. Territorialmente
também é limitado, porém os limites constarão do próprio documento (inciso I do art. 16 do Decreto n. 9.847/19).

O porte de arma de fogo — que é pessoal, intransferível e revogável a qualquer tempo — é o documento
necessário para que alguém possa conduzir uma arma. Em se tratando de portes funcionais (v.g., juízes e
promotores), o documento não indica qual a arma que poderá ser portada, mas exige-se que o portador da arma
tenha consigo sua carteira funcional e que a arma seja registrada.

Em relação às empresas de segurança privada e às de transporte de valores, seus agentes, desde que em
serviço, podem portar arma de fogo, devido ao risco que correm nas suas atividades. As armas que utilizam
pertencem exclusivamente às empresas, e todas são registradas em nome delas. O extravio e a perda de arma da
empresa devem ser comunicados pela diretoria ou gerência das empresas à Polícia Federal, que enviará as
informações ao SINARM a fim que sejam tomadas as providências cabíveis. A omissão na comunicação lhes
acarretará responsabilidade penal (parágrafo único do art. 13 do Estatuto do Desarmamento).

O porte de trânsito para desportistas, colecionadores e caçadores será concedido pelo Comando do Exército
(Decreto nº 5.123/2004, art. 32) — exemplo: competidor de tiro.

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

O porte na categoria de “caçador de subsistência” poderá ser concedido pela Polícia Federal aos residentes
em áreas rurais que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover a subsistência alimentar
familiar, desde que se trate de arma portátil, de uso permitido, de tiro simples, com um ou dois canos, de alma lisa e
de calibre igual ou inferior a 16 (§ 5° do art. 6° do Estatuto c.c. art. 17 do Decreto nº 5.123/2004).

Quanto à classificação as armas de fogo, podem ser:

Classificação Arma de Fogo de Uso Permitido Arma de Fogo de Uso Restrito Arma de Fogo de Uso Proibido

São as de uso exclusivo das Forças


Acessíveis tanto às pessoas físicas
Armadas, de instituições de segurança São aquelas a cujo uso há vedação
quanto às pessoas jurídicas que
Definição pública e de pessoas físicas ou total, por exemplo, armas químicas
preencherem os requisitos necessários,
jurídicas habilitadas, devidamente e nucleares.
exigidos no Estatuto do Desarmamento.
autorizadas pelo Comando do Exército.

A ausência de registro ou porte implica responsabilização criminal de forma diversa, dependendo do tipo de
arma de fogo, conforme disciplinado no Estatuto do Desarmamento.

No caso de arma de fogo de uso permitido, a ausência de registro tipifica o crime do art. 12 (posse ilegal de
arma de fogo); caso o agente não tenha autorização para portar arma de fogo, comete o delito do art. 14 (porte ilegal
de arma de fogo). Se a arma de fogo for de uso restrito e não houver autorização para porte ou registro, agente
comete o crime do art. 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito).

5 Dos Crimes e das Penas


5.1 Bem Jurídico Tutelado
Os bens jurídicos tutelados são a segurança pública, direito fundamental de todos, conforme previsto no caput

do art. 5° da Constituição Federal, e a incolumidade pública, ou seja, a garantia e a preservação do


estado de segurança, integridade corporal, vida, saúde e patrimônio dos cidadãos indefinidamente considerados
contra possíveis atos que os exponham a perigo.

A lei que instituiu o Estatuto do Desarmamento busca punir todo e qualquer comportamento irregular
relacionado à arma de fogo, acessório ou munição, como a venda, o transporte, a fabricação, o porte etc., uma vez
que quase todos os crimes violentos são cometidos com armas sem autorização do Poder Público. Ex.: homicídio,
roubo, latrocínio, extorsão mediante sequestro etc.

5.2 Crimes de Perigo Abstrato e sua (In)Constitucionalidade


Quanto ao grau de intensidade do resultado desejado pelo agente, os crimes podem ser classificados da
seguinte forma:

(a) crime de dano ou de lesão: é aquele cuja consumação está condicionada à efetiva lesão ao bem
jurídico tutelado, a exemplo do que ocorre com o crime de homicídio;

9
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

(b) crime de perigo: é aquele que não há necessidade de lesão ao bem jurídico tutelado para que o crime
reste configurado, ou seja, a lei pune o agente antes mesmo que sua conduta cause alguma lesão.
Trata-se de crime de natureza subsidiária, pois em regra são absorvidos pelo crime de dano. O crime
de perigo abstrato é subdividido em:

 crime de perigo abstrato: é aquele em que há uma presunção absoluta de que a prática de uma
determinada conduta representa um risco ao bem jurídico. Assim, a consumação não depende da
demonstração de que tenha colocado o bem jurídico em risco. A própria conduta já se encarrega
disso. É o caso da posse irregular de munição (art. 12 da Lei nº 10.826/03).

 crime de perigo concreto: é aquele cuja consumação depende da demonstração de que o bem
jurídico efetivamente foi posto em perigo, sob pena de atipicidade da conduta. É o que ocorre, a
título de exemplo, com o crime do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro ("Dirigir veículo
automotor, em via pública, sem a devida permissão para dirigir ou habilitação ou, ainda, se
cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano"), cujo juízo de tipicidade demanda a
comprovação, no caso concreto, que a condução de veículo automotor pelo agente trouxe risco à
vida ou à saúde de outrem (v.g., motorista em zigue-zague, na contramão, em alta velocidade
etc.).

A despeito da divergência doutrinária quanto à existência de crimes de perigo abstrato, à luz do princípio da
ofensividade (ou lesividade), tais crimes são amplamente admitidos pela jurisprudência pátria, pois as condutas
relativas a posse (ou porte) ilegal de arma de fogo representam risco excessivo aos bens jurídicos fundamentais,
como a vida e a integridade física. Ademais, o porte ilegal de arma de fogo constitui ato preparatório para crimes
graves contra o patrimônio envolvendo violência contra a pessoa.

5.3 Competência Para Processo e Julgamento


Com a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, surgiu a dúvida sobre a competência para julgamento
dos delitos nele previstos em razão da instituição do SINARM, no âmbito do Ministério da Justiça e da Polícia
Federal. À primeira vista, pensou-se ser da competência da Justiça Federal, já que os órgãos da União seriam
afetados, como por exemplo, a Polícia Federal, que, após prévia autorização do SINARM, expede certificado de
registro e porte de arma de fogo, o qual autoriza o proprietário a possuir arma de fogo em sua residência ou local de
trabalho ou portar arma de fogo, respectivamente.

Entretanto, após análise mais apurada, denota-se que o bem jurídico tutelado pelo Estatuto não é o regular
funcionamento ou atuação da Administração Pública Federal, mas, sim, a segurança e a paz pública. Assim, o
simples porte de arma de fogo não induz a competência da Justiça Federal, pois a sociedade é a vítima direta do uso
irregular de arma de fogo, não havendo que se falar em violação direta aos interesses da União; é, pois, da
competência da Justiça Estadual, em regra, julgar os crimes previstos na Lei nº 10.826/03.

Dessa forma, o simples fato de haver o controle de armas pelo SINARM, órgão pertencente ao Ministério da
Justiça, Poder Executivo Federal, não justifica, por si só, a competência da Justiça Federal para o processo e para o
julgamento.

10
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Entretanto, em algumas hipóteses, a competência será da Justiça Federal quando a infração penal for
praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União e suas entidades autárquicas ou empresas
públicas, na forma do inciso IV do art. 109 da CRFB/88, como o crime de disparo de arma de fogo (Lei n. 10.826/03,
art. 15) cometido por funcionário público federal em razão das funções (súmula n. 147 do STJ), conforme disposto
no inciso IV do art. 109 da CF e delitos previstos na Lei de Armas cometido a bordo de navio ou aeronave (CF, art.
109, IX).

A Justiça Militar da União (ou dos estados) não tinha competência para o processo e o julgamento dos crimes
previstos no Estatuto do Desarmamento, pois a competência da Justiça Castrense estava restrita ao processo e
julgamento dos crimes militares, ou seja, àqueles previstos exclusivamente no Código Penal Militar.

Porém, com o advento da Lei n. 13.491/17, a Justiça Militar da União e dos estados passou a ter competência
para julgar não apenas os crimes previstos no referido Codex, mas também aqueles previstos na legislação penal,
desde que praticados por militar da ativa em um dos contextos ali elencados. Assim, caso um Policial Militar do
Estado do Piauí, no exercício da função, for flagrado portando arma de fogo de uso restrito sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, caberá à Justiça Militar do Estado do Piauí o processo e
julgamento do crime militar previsto no caput do art. 16 da Lei n. 10.826/03, a teor da alínea "c" do inciso II do art. 9°
do Código Penal Militar, com redação dada pela Lei n. 13.491/17.

5.4 Posse Irregular de Arma de Fogo de Uso Permitido

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho,
desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

A lei de armas anterior, Lei nº 9.437/97, em seu art. 10, aplicava a mesma pena para as condutas de possuir e
portar arma de fogo. O legislador, como se vê, previu, no mesmo dispositivo legal, condutas diferentes envolvendo
arma de fogo, dispensando idêntico tratamento a situações diferentes, provocando grave ofensa ao princípio da
proporcionalidade das penas. Entretanto, com a entrada em vigor da Lei nº 10.826/03, o legislador houve por bem
incriminar tais condutas em tipos penais diversos, haja vista ofenderem o bem jurídico segurança e incolumidade
pública de maneira absolutamente distinta.

5.4.1 Aplicação da lei penal no tempo


É inegável que o agente que, sob o pálio da Lei n. 9.437/97, mantinha dentro de seu domicílio arma de fogo
sem registro e, mesmo após a entrada em vigor da Lei n. 10.826/ 2003, continuou mantendo-a ilegalmente, deverá
responder pelo crime mais grave previsto na atual legislação porque as condutas de possuir e manter sob guarda
são permanentes e se protraem no tempo. Aplica-se, a esse caso, o disposto na Súmula 711 do STF, segundo a qual
“a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à
cessação da continuidade ou da permanência”.

Até aí tudo bem! O problema ocorre com a exigência de regulamentação pela nova Lei, para a eficácia de
alguns dispositivos, como o próprio art. 12, que pune a posse de arma de fogo sem registro em casa. Tal dispositivo
só teria vigência após o decurso do prazo de 180 dias da publicação do Estatuto, pois foi justamente o prazo

11
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

concedido para regularização da lei, presumindo-se, antes de seu decurso, a boa-fé do proprietário ou possuidor.

Esse prazo de 180 dias foi prorrogado por diversas vezes, de modo que houve um período de temporária
atipicidade, presumiu-se a ausência de dolo, ou seja, a boa-fé, considerando-se o fato atípico que detinha arma em
sua residência sem o devido registro.

Como ficaria a situação daquele sujeito que, ainda durante a vigência da Lei nº 9.437/97, manteve arma de
fogo em sua residência de forma ilegal e já estava sendo processo por esse crime? Com a reabertura do prazo para
regularização, pode beneficia-se pela aplicação retroativa de uma suposta abolitio criminis? Não, pois não há que se
falar em boa-fé, já que o delito não ocorreu durante o período de regulamentação, mas, sim, durante a vigência da lei
anterior que punia tal conduta, de modo que já estava consumado ao tempo da entrada em vigor da nova lei.

Ao contrário, a nova lei puniu com mais veemência a conduta do art. 12 e, em momento algum, deixou de
considerar a posse ilegal como crime, mesmo diante do vácuo legislativo, não se podendo falar em abolitio criminis.
É importante saber que condutas consistentes em possuir ou manter sob sua guarda acessório ou munição de uso
permitido constituem novas figuras incriminadoras, de forma que, nesse aspecto, a Lei n. 10.826/2003 é considerada
novatio legis incriminadora, não podendo retroagir para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência.

5.4.2 Crime de perigo abstrato


O crime de posse irregular de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido (art. 12 da Lei n.
10.826/03) é de perigo abstrato, não necessitando de demonstração de efetiva situação de perigo, já que o objeto
jurídico tutelado não é a incolumidade física, e, sim, a segurança pública (incolumidade pública) e a paz social.

5.4.3 Sujeitos do crime


É crime comum que pode ser praticado por qualquer pessoa, não exigindo qualquer característica especial em
relação ao sujeito ativo.

Trata-se de crime vago, pois o sujeito passivo é a coletividade. Crime vago é aquele que tem como sujeito
passivo um ente destituído de personalidade jurídica.

5.4.4 Tipo objetivo


Duas são as ações nucleares típicas: (a) possuir: significa ter em seu poder, fruir a posse de algo, no caso, da
arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, independentemente de ser proprietário ou não; (b) manter
sob sua guarda: significa ter sob seu cuidado, preservar, no caso, o artefato, em nome de terceiro. Não há grande
diferença para a ação de possuir, pois também prescinde da característica de propriedade.

5.4.5 Norma penal em branco: em desacordo com determinação legal ou regulamentar


Trata-se de elemento normativo jurídico do tipo, pois, para a caracterização do delito, é necessário que o
agente mantenha a guarda arma de fogo, acessório ou munição sem o respectivo registro, conforme dispõe o caput
do art. 5° da Lei nº 10.826/03. Assim, se o agente possuir o registro e estiver vencido, não haverá crime, mas mera
irregularidade administrativa. Esse é o entendimento do STJ:

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DO PROCESSO. POSSE DE ARMA DE FOGO DE


USO PERMITIDO. REGISTRO VENCIDO. MERO ILÍCITO ADMINISTRATIVO. ATIPICIDADE PENAL.
PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. RECURSO PROVIDO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1.
O trancamento do processo no âmbito de habeas corpus é medida excepcional, somente cabível quando demonstrada a falta de
justa causa, a atipicidade da conduta ou a existência de causa extintiva da punibilidade. 2. Na hipótese, impõe-se o
reconhecimento da atipicidade da conduta descrita na denúncia, relacionada a posse de arma de fogo de uso permitido com
registro vencido, pois a Corte Especial deste Superior Tribunal, no julgamento da Ação Penal n. 686/AP, decidiu que, "se o
agente já procedeu ao registro da arma, a expiração do prazo é mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do
artefato e aplicação de multa. A conduta, no entanto, não caracteriza ilícito penal". Ressalva de entendimento pessoal. 3.
Recurso ordinário provido para trancar o processo. (STJ - RHC: 73548 MG 2016/0191366-8, Relator: Ministro ROGERIO
SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 25/10/2016, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/11/2016).

Dessa forma, se o agente mantém a arma em sua residência com o registro vencido, ele não tem o dolo de
manter consigo uma arma de forma ilegal. A arma está registrada em seu nome, mas o prazo do registro expirou.
Trata-se de mera infração administrativa, autorizando a apreensão do artefato e aplicação de multa.

5.4.6 Elementos especiais do tipo


O tipo penal do art. 12 condiciona a prática do delito a determinados locais:

no interior de sua residência ou dependência desta: residência deve ser compreendida como casa, cujo
conceito é tradicionalmente extraído pela doutrina e pela jurisprudência do § 4° do art. 150 do Código Penal, não
havendo necessidade de ser domicílio (conceito de direito civil que exige ânimo definitivo). Assim, são exemplos
casa de campo e de praia, fazenda e até trailer residencial. Em relação à dependência da casa, entende-se como
toda a área próxima como quintal, garagem, jardim, celeiro. Se o agente estiver com arma registrada em outra
residência, que não a sua, deve responder pelo crime de porte ilegal de arma de fogo.

no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
diante da omissão da lei, não importa se o ambiente de trabalho é aberto ao público ou não. Quando se fala em local
de trabalho, deve-se ter a ideia de local fixo, de um imóvel, e tais conceitos devem ser interpretados restritivamente.
Logo, a regra não alcança, por exemplo, vendedores ambulantes, motoristas profissionais, viajantes etc. Será, pois,
considerado crime possuir sem registro a arma de fogo, o acessório ou a munição, no local de trabalho do agente,
desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa. Nessa última hipótese, não sendo o
titular do local de trabalho, responderá pelo crime mais grave de porte ilegal, e, não, pela mera posse. Dessa forma,
se o proprietário de um restaurante possuir uma arma sem registro no estabelecimento comercial, responderá pelo
crime do art. 12. Por outro lado, o garçom, desse mesmo restaurante, que leva sua arma de fogo sem registro e porte
para o ambiente de trabalho, comete a infração descrita no art. 14, e, não, no art. 12 da Lei.

Atenção!!! Para o STJ, caminhão não é extensão de trabalho, tampouco residência. Dessa forma, apreensão de
arma de fogo em veículo automotor utilizado como meio de trabalho tipifica o crime de porte ilegal de arma de fogo
(art. 14 da Lei nº 10.826 /2003).

13
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ESTATUTO DODESARMAMENTO. ART. 14 DA


LEI N. 10.826/2003. APREENSÃO DE ARMA DEFOGO NO INTERIOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR UTILIZADO
COMO MEIO DETRABALHO. CAMINHÃO NÃO É EXTENSÃO DE LOCAL DE TRABALHO. TIPIFICAÇÃODO
PORTE ILEGAL DE ARTEFATO BÉLICO. ABOLITIO CRIMINIS NÃO ALCANÇA ODELITO DE PORTE ILEGAL DE
ARMA DE FOGO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF. 1. O
caminhão é instrumento de trabalho do motorista, assim como, mutatis mutandis, a espátula serve ao artesão. Portanto, não
pode ser considerado extensão de sua residência, nem local de seu trabalho, mas apenas um meio físico para se chegar ao fim
laboral. 2. Arma de fogo apreendida no interior da boleia do caminhão tipifica o delito de porte ilegal de arma (art. 14 da Lei
n.10.826/2003). 3. Ante a impossibilidade de desclassificação do crime de porte de arma para o delito de posse, faz-se
superada a irresignação no tocante à incidência de abolitio criminis temporária, situação que ocorre exclusivamente na
hipótese de conduta relacionada ao crime de posse de arma de fogo, acessórios e munição. 4. A violação de preceitos, de
dispositivos ou de princípios constitucionais revela-se quaestio afeta à competência do Supremo Tribunal Federal, provocado
pela via do extraordinário; motivo pelo qual não se pode conhecer do recurso especial nesse aspecto, em função do disposto
no art. 105, III, da Constituição Federal. 5. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na
insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.
6. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1362124 MG 2013/0005972-6, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS
JÚNIOR, Data de Julgamento: 19/03/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/04/2013)

O mesmo raciocínio se aplica ao taxi. Vejamos:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 14 DA LEI 10.826/2003.
PORTE ILEGAL DE ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO. ARMA DE FOGO ENCONTRADA DENTRO DO
VEÍCULO DO RÉU - TAXISTA. PLEITO DE EXTENSÃO DO CONCEITO DE LOCAL DE TRABALHO.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART.
12 DA LEI 10.826/2003. IMPOSSIBILIDADE. CONFIGURAÇÃO DO DELITO DO ART. 14 DA LEI 10.826/2003.
DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. ART. 557, § 1º-A, DO CPC.
ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. REVALORAÇÃO DO CONTEXTO
FÁTICO-PROBATÓRIO INCONTROVERSO NOS AUTOS. POSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. NÃO
OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. A
possibilidade de dar-se provimento ao Recurso Especial, por decisão monocrática do Relator, encontra apoio quando "a
decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal
Federal, ou de Tribunal Superior" (art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil), pelo que não há que se falar em ofensa ao
princípio da colegialidade, na espécie. II. Ademais, a reapreciação da matéria, quando do julgamento colegiado do Agravo
Regimental, torna superada a alegação de ofensa ao princípio da colegialidade. III. A decisão impugnada não reexaminou o
contexto fático- probatório da causa - providência vedada, em sede de Recurso Especial, pela Súmula 7/STJ -, tendo realizado
apenas a sua revaloração, na análise de fatos incontroversos nos autos, julgados pela instância ordinária. IV. Consoante a
jurisprudência do STJ, "não se trata, portanto, de reexame do conjunto probatório, que encontra óbice no enunciado nº 7 da
Súmula desta Corte, mas, sim, de revaloração dos critérios jurídicos utilizados na apreciação dos fatos incontroversos" (STJ,
AgRg no REsp 902.486/RS, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, DJe de 30/06/2008). V. A conduta fática
incontroversa do agente taxista que transporta, no veículo de sua propriedade (táxi), arma de fogo de uso permitido, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, é suficiente para caracterizar o delito de porte ilegal de
arma de fogo de uso permitido, previsto no art. 14 da Lei 10.826/2003, afastando-se o reconhecimento do crime de posse
irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei 10.826/2003), uma vez que o táxi, ainda que seja instrumento de
trabalho, não pode ser equiparável a seu local de trabalho. Precedentes do STJ.
VI. Agravo Regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1341025 MG 2012/0182786-9, Relator: Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, Data de Julgamento: 06/08/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2014).

De acordo com Renato Brasileiro de Lima 2, o responsável legal pelo estabelecimento, com arma devidamente
registrada no SINARM, possui o direito apenas de mantê-la nesse local, mas não tem o direito de circular com ela em
suas vestes:

2
Renato Brasileiro de Lima. Legislação Criminal Especial Comentada, 2020, p.423

14
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Por fim, discute-se acerca da (im) possibilidade de o proprietário da arma de fogo registrada portá-la no interior de sua
residência ou local de trabalho, sendo ele o titular ou responsável legal do estabelecimento ou empresa. Em outras palavras,
supondo que o gerente de uma mercearia seja o proprietário de uma arma de fogo de uso permitido devidamente cadastrada
no SINARM e registrada pela Polícia Federal, seria possível que ele circulasse livremente pela empresa com a arma oculta,
por exemplo, em suas vestes? Sem embargo de opiniões em sentido contrário, é de rigor a conclusão no sentido de que o
registro autoriza o proprietário da arma de fogo tão somente a mantê-la nesses locais, guardando-a a sua disposição, mas
jamais lhe confere o direito de circular com tal artefato, sob pena de configuração do crime do art. 14 da Lei de Armas.

5.4.7 Objeto material


Três são os objetos materiais do crime, os quais já foram examinados: arma de fogo, acessórios ou munições:

(a) arma de fogo são os instrumentos que, mediante a utilização da energia proveniente da pólvora,
lançam a distância e com grande velocidade os projéteis. Há várias espécies, como, por exemplo,
revólveres, pistolas, garruchas, espingardas, metralhadoras, granadas. Observe que, em relação ao
tipo específico do art. 12, a arma de fogo deve ser de uso permitido, pois a posse de arma de fogo de
uso proibido ou restrito, na própria residência ou estabelecimento comercial, constitui crime mais
grave previsto no art. 16 da mesma Lei;

(b) acessório: o anexo III do Decreto nº 10.030/19 define acessório de arma de fogo como "artefato que,
acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito
secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma";

(c) munição é tudo quanto dê capacidade de funcionamento à arma, para carga ou disparo (projéteis,
cartuchos, chumbo etc.). Para a configuração do delito, basta a apreensão da munição, sendo
desnecessária a concomitante apreensão da arma de fogo.

5.4.8 Questões controversas


5.4.8.1 Arma de Fogo Desmuniciada
Ainda que a arma de fogo esteja sem munição ou fora do alcance do agente, ainda assim estará configurado o
delito do art. 12 porque a redação desse dispositivo não exige a munição para a consumação do crime, o que só
demonstra a preocupação do legislador com a potencialidade lesiva de tal artefato, mesmo que não esteja em
condição de pronto uso. Se assim não fosse, bastaria que o agente portasse (ou possuísse) arma de fogo em um
bolso e as munições em outro, estimulando a prática crime.

Ademais, embora a arma de fogo esteja desmuniciada, o agente, a qualquer momento, poderá carregá-la e
utilizá-la em sequência, não havendo que se falar em crime impossível, já que se trata de meio relativamente ineficaz.

É o entendimento atual do STJ:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO


DESMUNICIADA. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. PERIGO ABSTRATO. TIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO
DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior firmou seu entendimento no sentido de que a posse de munição é delito de perigo
abstrato, cujo bem jurídico é a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante a destinação da arma. 2. Inaplicável o
princípio da insignificância. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 1604100 RS 2016/0147267-3, Relator:
Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 15/12/2016, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
10/02/2017).

15
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Em recente decisão monocrática, o Ministro Ribeiro Santas 3 afirmou que “o crime é de perigo abstrato, sendo
desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a
incolumidade física, e sim a segurança pública e a paz social, colocadas em risco com a posse da arma de fogo,
ainda que desprovida de munição, revelando-se despicienda a comprovação do potencial ofensivo do artefato
através de laudo pericial”.

5.4.8.2 Arma de Fogo Defeituosa


A despeito de tratar-se de crime de perigo abstrato, caso a arma de fogo apresente defeito que a torne
absolutamente ineficaz, atestada por meio de exame pericial, é de se reconhecer a atipicidade da conduta. Perigo
presumido não é sinônimo de perigo impossível (ineficácia absolta do meio). Com efeito, se a arma é incapaz de
disparar, esta não pode ser considerada arma nos termos da definição do Decreto nº 10.030/19. O mesmo raciocínio
se aplica em relação à munição em caso de defeito.

5.4.8.3 Arma de Fogo Desmontada


Parte da doutrina defende que, em se tratando de arma desmontada, a caracterização do crime está
diretamente condicionada à facilidade com que a arma pode ser montada. Se a montagem puder ser feita de forma
rápida, colocando o agente na posição de realizar disparos, o crime estará tipificado; se, entretanto, a montagem se
revelar uma operação complexa, demandando tempo e instrumentos especiais, não haverá crime.

Por outro lado, os tribunais superiores não levam em consideração a operação da montagem, qualquer que
seja o grau de dificuldade, entendendo ser irrelevante o fato de a arma estar desmontada. Logo, o simples fato de se
tratar de arma de fogo desmontada não tem o condão de afastar a tipicidade da conduta.

5.4.8.4 Arma de Brinquedo (De Fantasia ou Arma Finta)


O inciso II do § 1º do art. 10 da revogada Lei de Armas (Lei nº 9.437/97) tipificava o crime quanto à utilização
de armas de brinquedo. O Estatuto do Desarmamento, por outro lado, não manteve a tipificação; ocorre, portanto, a
abolitio criminis. A nova lei de armas, em seu art. 26, apenas proibiu a fabricação, a venda, a comercialização e a
importação de brinquedos réplicas e simulacros que possam se confundir com armas de fogo. Como se vê, o
comércio de arma de brinquedo é proibido pelo Estatuto do Desarmamento.

A arma de brinquedo não é arma de fogo capaz de realizar disparos, sendo, desse, modo, um meio
absolutamente ineficaz para expor em perigo os bens jurídicos tutelados pelo Estatuto do Desarmamento. É
reconhecer-se, desse modo, a atipicidade da conduta de quem porta arma de brinquedo.

Nada impede, entretanto, que a arma de brinquedo seja utilizada para a prática de crimes, como roubo, por
exemplo, configurando a elementar da grave ameaça. O que não pode ocorrer é o reconhecimento do brinquedo para
a caracterização do roubo circunstanciado.

5.4.8.5 Arma de Pressão (Ar Comprimido)


A importação de armas de pressão, mesmo que por ação de mola e com calibre inferior a 6mm (uso
permitido), depende de autorização do Comando do Exército Brasileiro, a teor do Decreto n.º 3.665 /2000 e da
3
STJ - REsp: 1868267 SP 2020/0068998-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 06/04/2020

16
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Portaria nº 002- Colog/2010, do Ministério da Defesa.

De acordo com a referida Portaria, as armas de pressão ou por ação de gás comprimido, de uso permitido ou
restrito, bem como as armas de pressão por ação de mola de uso restrito, somente poderão ser adquiridas por
pessoas naturais ou jurídicas registradas no Exército e com a devida autorização pela RM responsável pelo registro
do Requerente.

Dessa forma, as armas de pressão podem ser rotuladas como produtos controlados, cuja aquisição ou
importação dependem de prévia autorização do órgão competente, o que significa dizer que estamos diante de uma
mercadoria cuja venda é relativamente proibida, podendo, a depender do caso, ocorrer a tipificação do crime de
contrabando. Veja recente julgado do STF sobre o assunto:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. IMPORTAÇÃO DE ARMA DE PRESSÃO DE USO PERMITIDO. CALIBRE
IGUAL OU INFERIOR A 6 MILÍMETROS. PRODUTO CONTROLADO PELO EXÉRCITO. CRIME DE
CONTRABANDO. PROIBIÇÃO RELATIVA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A importação de arma de pressão por ação de gás comprimido, de calibre igual
ou inferior a 6mm, de uso permitido, submete-se a uma proibição relativa, por se tratar de produto controlado pelo Exército.
2. A importação, sem autorização prévia do Exército, de arma de pressão por ação de gás comprimido, de calibre igual ou
inferior a 6mm, de uso permitido, tipifica o crime de contrabando. 3. O princípio da insignificância não se aplica ao crime de
contrabando. Precedentes. 4. Ordem denegada. (STF - HC: 131943 RS - RIO GRANDE DO SUL 9037738-
52.2015.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 07/05/2019, Segunda Turma, Data de
Publicação: DJe-051 10-03-2020).

Nesse caso, é incabível a aplicação do princípio da insignificância em contrabando de armas de pressão, haja
vista que o bem jurídico tutelado envolve o controle da entrada de determinado produto em prol da segurança e da
saúde pública.

5.4.8.6 Posse de um Cartucho de Munição e (Im)Possibilidade de Aplicação do Princípio da


Insignificância
Há controvérsias quanto à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, mormente quando o
agente é surpreendido na posse (ou porte) de um único cartucho de munição desacompanhado de uma arma de
fogo. O próprio STJ vacila sobre o tema, variando sobre o entendendo quando da aplicação do princípio da bagatela.
Dessa forma, existem duas correntes sobre o assunto:

primeira corrente: é impossível a aplicação do princípio da insignificância (posição majoritária). O Estatuto do


Desarmamento utiliza a palavra “munição” no singular, de modo que a apreensão de um único cartucho é suficiente
para caracterizar o crime de posse ou porte de munição, independe de estar ou não acompanhada de arma de fogo
para sua efetiva utilização. Não é possível a aplicação do princípio da insignificância, principalmente por estarmos
diante de um crime de perigo abstrato. É o entendimento mais recente do STJ, vejamos:

17
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 16 DA LEI N.º 10.826/2003. PORTE
ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. POSSE DE QUATRO CARTUCHOS DE ARMA DE FOGO DE USO
RESTRITO (CALIBRE .40). PLEITO DE RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE.
ACUSADO SURPREENDIDO NA POSSE DE CONSIDERÁVEL QUANTIDADE DE DROGAS (41,2G DE MACONHA,
105,9G DE COCAÍNA e 3,8G DE CRACK). CIRCUNSTÂNCIA REVELADORA DO MAIOR DESVALOR DA
CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A conduta do
Agravante - posse de 1 (um) cartucho 9mm, de uso restrito - amolda-se perfeitamente ao tipo penal previsto no art. 16 da Lei
n.º 10.826/2003, sendo desnecessário indagar acerca da periculosidade concreta deste ato, pois se trata de crime de mera
conduta e de perigo abstrato. 2. Considerando o contexto em que se deu a prisão do Acusado, surpreendido na posse e guarda
de considerável quantidade de drogas - 41,2g de maconha, 105,9g de cocaína e 3,8g de crack -, não se pode dizer que a
conduta é atípica por ausência de tipicidade material. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 1646265
MG 2020/0006758-8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 19/05/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 02/06/2020).

segunda corrente: é a posição de Renato Brasileiro de Lima, e há vários julgados do STJ nesse sentido.
Entende-se que a prisão de alguém, no interior de sua residência, com um simples cartucho de munição
desacompanhado da arma de fogo, é situação apta a ensejar a aplicação do princípio da insignificância, pois
presentes todos os pressupostos para a aplicação, quais sejam, mínima ofensividade da conduta, nenhuma
periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão
jurídica provocada.

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO.
CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. PEQUENA QUANTIDADE
DE MUNIÇÃO (1 CARTUCHO). AUSÊNCIA DE ARTEFATO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO
AGRAVADA QUE SE IMPÕE. 1. A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se ao Supremo Tribunal
Federal, tem entendido pela incidência do princípio da insignificância aos crimes previstos na Lei n. 10.826/2003, afastando a
tipicidade material da conduta, quando evidenciada flagrante desproporcionalidade da resposta penal. Ainda que formalmente
típica, a apreensão de 1 cartucho não é capaz de lesionar ou mesmo ameaçar o bem jurídico tutelado, mormente porque
ausente armamento capaz de deflagrar o projétil encontrado em poder do agente (AgRg no REsp n. 1.721.334/PR, Ministro
Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 4/10/2018). 2. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC: 541867 ES
2019/0320041-2, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de
Julgamento: 05/12/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/12/2019).

5.4.8.7 (Des)Necessidade de Apreensão e Ulterior Realização de Exame Pericial de Eficiência de Arma de


Fogo (Ou Munição)
A realização de prova pericial é imprescindível para aferir sua potencialidade lesiva, pois sem ela não será
tecnicamente possível saber se se tratava ou não arma de fogo.

Conforme já abordado, arma totalmente inapta a disparar não é arma, caracterizando-se a hipótese de crime
impossível pela ineficácia absoluta do meio; é, portanto, fato atípico, nos termos do art. 17 do CP.

Se se trata de crime que deixa vestígios, é indispensável a realização do exame de corpo de delito direto, seja
por força do art. 158 do CPP, seja pelo fato de o próprio Estatuto do Desarmamento assim o determinar no caput do
art. 25, vejamos:

Art. 25. As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quando não mais
interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo de até 48
(quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na forma do
regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.886, de 2019)

O exame pericial deverá ser por um perito oficial (CPP, art. 159, caput) ou, não havendo perito oficial, o exame

18
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

poderá ser feito por 2 (dois) peritos leigos (CPP, art. 159, § 1 °).

Para o STF, não se exige que a arma de fogo seja periciada ou apreendida, desde que, por outros meios de
prova, reste demonstrado o seu potencial lesivo. Se, por qualquer meio de prova — em especial pela palavra de
testemunhas presenciais — ficar comprovado o simples emprego de arma de fogo, pouco importando a
demonstração de que disparos teriam sido efetuados, essa circunstância já basta para o reconhecimento de crime
previsto no Estatuto do Desarmamento.

Agravo regimental em habeas corpus. 2. Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. 3. Desnecessidade de realização
de perícia para comprovar a potencialidade lesiva da arma de fogo como pressuposto à configuração do delito do art. 16 da
Lei 10.826/2003. 4. Crime de mera conduta, suficiente aposse ou o porte ilegal. 5. Precedentes. 6. Agravo regimental a que se
nega provimento. (HC 147566 AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 23/03/2018,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 06-04-2018 PUBLIC 09-04-2018) (STF - AgR HC: 147566 RS - RIO
GRANDE DO SUL 0009867-35.2017.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento:
23/03/2018, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-066 09-04-2018).

No mesmo sentido, para o STJ, mostra-se prescindível a apreensão e a perícia da arma de fogo para a
configuração do delito de porte ilegal de arma.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PORTE DE


ARMA DE FOGO. PERÍCIA. PRESCINDIBILIDADE. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. JUSTA CAUSA. INDÍCIOS
MÍNIMOS. AUSÊNCIA DE APREENSÃO DO OBJETO. OUTROS ELEMENTOS INDICIÁRIOS.
POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Tratando-se de crime de perigo abstrato, é prescindível a
realização de laudo pericial para atestar a potencialidade da arma apreendida e, por conseguinte, caracterizar o crime de porte
ilegal de arma de fogo. 2. Apesar de não haver sido possível a apreensão da arma alegadamente portada pelas Agravantes, a
Corte local concluiu que há indícios mínimos de materialidade e autoria, especialmente em razão das informações prestadas
pelas Acusadas e da existência de imagens nas quais estas empunham objetos que são, no mínimo, muitos similares a armas
de fogo. 3. Ante existência de lastro probatório mínimo, mostra-se adequada a instauração da ação penal, no curso da qual
poderão ser discutidos a credibilidade destes indícios iniciais, bem como produzidas outras provas destinadas a localizar o
armamento alegadamente portado ou a melhor identificá-lo mediante exame das imagens presentes nos autos. 4. Agravo
regimental desprovido (AgRg no AREsp 1388977/SE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em
25/06/2019, DJe 02/08/2019).

A despeito da posição dos Tribunais Superiores, parte da doutrina entende que, nas hipóteses em que a arma
(ou munição) não for apreendida inviabilizando a realização do exame pericial direto, é plenamente possível que sua
ausência seja suprida por um exame de corpo de delito indireto, nos termos do art. 167 do CPP. Nesse caso, para
que a prova testemunhal possa suprir a ausência do exame direto, não basta que as testemunhas se limitem a dizer
que o acusado estaria portando uma arma de fogo (ou munição). Devem afirmar, de forma coerente, por exemplo,
que houve disparo com a arma de fogo, pois somente assim restará provado que não se tratava de arma de
brinquedo ou defeituosa, uma vez que sua eficácia se mostrou evidente, denotando sua maior potencialidade lesiva4.

5.4.9 Tipo subjetivo


É o dolo (direto ou eventual). Não estão previstas formas culposas. O tipo penal não faz qualquer referência a
um especial fim de agir relacionado à ofensa à vida ou à integridade corporal de outrem.

5.4.10 Consumação e tentativa


A consumação ocorre no exato momento em que a arma entra na residência ou estabelecimento comercial.

4
Renato Brasileiro de Lima, Op. cit., p. 429.

19
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

Trata-se de crime permanente, em que a prisão em flagrante é possível enquanto não cessada a conduta.

Embora de difícil constatação, tratando-se de crime plurissubsistente, a tentativa é possível. Diante da


dificuldade, parte da doutrina prefere afirmar que não se revela possível a tentativa.

5.4.11 Classificação doutrinária


(a) comum: pode ser praticado por qualquer pessoa. Especificamente em relação à parte final do
dispositivo, que faz referência à posse de arma de fogo em seu local de trabalho pelo titular ou
responsável legal pelo estabelecimento, parte da doutrina sustenta que se trata de crime próprio, visto
que somente tais pessoas responderiam pelo crime do art. 12;

(b) de mera conduta: é aquele em que o tipo penal se limita a descrever uma conduta, ou seja, não
contém resultado naturalístico, razão pela qual ele jamais poderá ser verificado;

(c) de forma livre: é aquele que admite qualquer meio de execução;

(d) comissivo (ou de ação): é praticado mediante uma conduta positiva, um fazer;

(e) permanente: é aquele cuja consumação, pela natureza do bem jurídico ofendido, pode protrair-se no
tempo, detendo o agente o poder de fazer cessar a prática delituosa a qualquer momento. Como se vê,
uma das principais características do crime permanente consiste em o agente poder fazer cessar a
perturbação do bem jurídico a qualquer momento: ele tem o domínio do fato, da conduta e do
resultado. Por isso, enquanto não cessar a permanência, é perfeitamente possível a prisão em
flagrante (CPP, art. 303), inclusive com violação de domicílio sem prévia autorização judicial, já que a
própria Constituição Federal aponta o flagrante delito como uma das exceções à cláusula de reserva
de jurisdição (CP, art. 5°, XI);

(f) de perigo abstrato: a probabilidade de dano é presumida pelo tipo penal;

(g) unissubjetivo (ou de concurso eventual): é aquele que pode ser praticado por um único agente; admite,
entretanto, o concurso de pessoas (CP, art. 29);

(h) plurissubsistente: é aquele cuja conduta se exterioriza por meio de dois ou mais atos, os quais se
devem somar para produzir a consumação. É possível a tentativa justamente em virtude da
pluralidade de atos executórias.

5.4.12 Concurso de crimes


(a) posse (ou porte) de mais de uma arma de fogo (munição ou acessório) em um único contexto : se o
crime ocorrer no mesmo contexto, ou seja, se forem apreendidas, por exemplo, na mesma residência, três armas e
dez cartuchos de munição, o crime será único, pois o bem jurídico — segurança e paz pública — foi atingido uma
única vez. Por outro lado, se o crime ocorrer em contextos diferentes, por exemplo, se a polícia encontrar, na casa e
na fazenda do agente, armas e munições, ele deverá responder por dois crimes em continuidade delitiva.

(b) posse e porte de armas de fogo (munição e acessório): se o agente for preso na rua portando arma de

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

fogo de uso restrito e revelar para a autoridade policial que possui, na sua residência, arma de fogo de uso permitido,
como os contextos fáticos são absolutamente diversos, deverá responder pelos crimes do dos arts. 12 e 16, em
concurso material. Caso as duas armas sejam encontradas na residência do agente, ou seja, no mesmo contexto
fático, deverá responder pelo crime mais grave, qual seja, posse de arma de fogo de uso restrito (art. 16), o qual
absorverá o crime do art. 12.

(c) receptação de arma de fogo que sabe ser produto de crime: a receptação e o porte ilegal de arma de
fogo configuram crimes de natureza autônoma e atentam contra bens jurídicos de natureza diversa: a receptação —
contra o patrimônio, e o porte ilegal — contra a segurança e a paz públicas. Diante dessa incompatibilidade, torna-se
inviável a aplicação do princípio da consunção. Esse é o entendimento do STJ:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DELITOS DE RECEPTAÇÃO E DE


PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA CONSUNÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. 1. A Corte de origem decidiu em conformidade com a jurisprudência desta Superior Casa de Justiça,
"consolidada no sentido da inaplicabilidade da consunção, pois 'a receptação e o porte ilegal de arma de fogo configuram
crimes de natureza autônoma, com objetividade jurídica e momento consumativo diversos' (HC 284.503/RS, Rel. Ministro
NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 27/04/2016)" (AgRg no REsp n. 1623534/RS, relator Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/4/2018, DJe 23/4/2018). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no
AREsp: 1275549 TO 2018/0081897-9, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO,
Data de Julgamento: 25/06/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2019).

Os crimes acontecem, também, em contextos absolutamente diversos. A receptação ocorre em um primeiro


momento, quando o agente recebe a arma sabendo tratar-se de produto de crime; ao permanecer com essa arma em
seu poder, pratica o crime de posse ilegal de arma de fogo, crime permanente.

(d) porte ilegal de arma de fogo e roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (CP, art. 157, § 2°-
A, I, incluído pela Lei n. 13.654/18): não se aplica o princípio da consunção, de forma que a conduta de portar
ilegalmente arma de fogo não pode ser absorvida pelo crime de roubo, na medida em que se trata de crimes
autônomos e independentes, cujos objetos jurídicos são distintos — quanto ao crime de roubo: o patrimônio, a
integridade jurídica e a liberdade do indivíduo e, quanto ao crime de porte ilegal de arma de fogo: a segurança pública
e a paz social, com diferenças quanto à natureza jurídica de cada um, sendo o primeiro material, de perigo concreto,
e o segundo formal, de perigo abstrato. É o caso do agente, por exemplo, que compra e a utiliza em um crime de
roubo no ano seguinte. Nesse sentido, já decidiu o STJ:

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA. ROUBO MAJORADO E


ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PLEITO DE REDIMENSIONAMENTO DA FRAÇÃO DE AUMENTO DO PARÁGRAFO
ÚNICO DO ART. 288 DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PARTICULARIDADES CONCRETAS DO CRIME.
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA FORTEMENTE ARMADA E COM PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTES.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS DELITOS DE ROUBO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE
FOGO. DESCABIMENTO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. PROVIDÊNCIA QUE NÃO SE ADEQUA À
VIA ESTREITA DO MANDAMUS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A
DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - É assente nesta Corte Superior de Justiça que o
agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser
mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. II - Quanto a fração de aumento pelas majorantes, nos termos do
Enunciado n. 443 da Súmula/STJ, "O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige
fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes." Nesse
compasso, entendo que a retificação promovida pelo v. acórdão impugnado, para fixar a fração de 1/2 (metade), está
adequada, haja vista que estamos diante de associação criminosa fortemente armada e com a participação de adolescentes.
Assim, as particularidades concretas do crime justificam a adoção da fração retificado pelo v. acórdão impugnado na
dosimetria da pena. III - No tocante a aplicação do princípio da consunção, reconhecida a autonomia dos desígnios do
paciente e a distinção dos bens jurídicos tutelados pelas normas penais, evidencia-se, no caso, a inaplicabilidade do referido
princípio, dada a ocorrência isolada dos crimes de roubo e porte ilegal de arma de fogo, o que denota a impossibilidade da
absorção de um delito pelo outro. Ademais, para infirmar as conclusões das instâncias ordinárias seria necessário revolver o
contexto fático-probatório dos autos, providência que não se adequa à via estreita do habeas corpus. Confira-se, nesse sentido,
os seguintes precedentes: Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 522861 MA 2019/0213972-0, Relator:
Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), Data de Julgamento:
07/11/2019, T5 - QUINTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 19/11/2019).

(e) porte ilegal de arma de fogo e associação criminosa armada: aqui aplica-se o mesmo raciocínio da
hipótese anterior: se os crimes ocorreram no mesmo contexto fático, aplica-se o princípio da consunção; caso
contrário, deverá o agente responder a ambos os delitos em concurso material.

(f) posse (ou porte) de arma de fogo e homicídio: se as condutas tiverem sido praticadas de forma
independentes, em momentos consumativos diversos, tornar-se inviável a aplicação do princípio da consunção.
Assim, se o agente, antes do delito de homicídio, já mantinha a arma em sua residência, sem licença das
autoridades, em ação autônoma e desvinculada do crime contra a vida, encontrou a vítima acidentalmente, é inviável
a consunção entre as condutas.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MOTIVO
TORPE. VINGANÇA. CIÚMES. EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA. TEMA NÃO ENFRENTADO PELO TRIBUNAL
A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ABSORÇÃO DO CRIME
DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO PELO CRIME DE HOMICÍDIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO. PORTE
DO ARTEFATO PELO RÉU EM OUTRAS OCASIÕES QUE NÃO A PRÁTICA DO CRIME CONTRA A VIDA.
ORDEM DENEGADA. 1. O tema atinente à exclusão da qualificadora de motivo torpe não foi apreciado pelo Tribunal a
quo, a caracterizar indevida supressão de instância, impossibilitando a análise da matéria, diretamente, por esta Corte. 2. A
relação consuntiva é aferida por intermédio de uma análise entre continente e conteúdo, é dizer, deve haver um crime fim
dentro de um contexto fático uno a indicar a prática de um crime meio como graduação necessária ao cometimento daquele.
3. No caso dos autos, não restou demonstrada a vinculação exclusiva entre o delito de porte de arma de fogo e o crime de
homicídio, de maneira que aquele pudesse ser considerado crime meio e, portanto, ante factum impunível. Ao contrário, o
Sodalício estadual apontou o porte do artefato pelo réu em outras ocasiões que não a prática do crime de homicídio, tornando
inviável a aplicação da regra da consunção, haja vista a existência de crimes autônomos e independentes. 4. Ordem denegada.
(STJ - HC: 395268 SP 2017/0079412-8, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento:
12/12/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2017).

Diferente é o caso do indivíduo que, após brigar em um bar, vai até a casa de um amigo, pega uma arma e
volta para matar seu desafeto. Nesse caso, o porte foi praticado no mesmo contexto fático que o homicídio, com ele
guardando uma relação de dependência ou subordinação. Com efeito, o porte teve como único fim a prática daquele

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Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03)

homicídio, daí por que deve ser absorvido como verdadeiro ante factum impunível.

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