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GRADUAÇÃO
2023.1
1
Sumário
Economia
Sumário
PLANO DE ENSINO ............................................................................................................................................ 4
Aula 1- POR QUE ESTUDAR ECONOMIA EM UM CURSO DE DIREITO?............................................................. 7
Aula 2 - PRÉ-COMPRRENSÃO DO TEMA: A DUPLA FACE DA ECONOMIA ...................................................... 27
Aula 3 – OS MERCADOS DE FATORES DE PRODUÇÃO E DE BENS E SERVIÇOS... Erro! Indicador não definido.
Aula 4 - OS DEZ PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E A RACIONALIDADE ECONÔMICA. A SUSTENTABILIDADE
MULTIDIMENSIONAL: A NATUREZA E OS LIMITES DA ECONOMIA. ................... Erro! Indicador não definido.
Aula 5 - A MOEDA E NOÇÕES BÁSICAS DE POLÍTICA MONETÁRIA: O MONETARISMO E TEORIA MONETÁRIA
MODERNA (TMM). O ESCAMBO; MERCADORIAS-MOEDA; METALISMO; CUNHAGEM; PAPEL-MOEDA;
MOEDA FIDUCIÁRIA (MOEDA SEM VALOR INTRÍNSECO); MOEDA BANCÁRIA-CHEQUES; MOEDA ESCRITURAL;
CARTÕES DE PLÁSTICO, AS CRIPTOMOEDAS E NOVOS MEIOS DE PAGAMENTO E TRANSFERÊNCIA DE
RECURSOS. A POLÍTICA MONETÁRIA EM TEMPOS DE PANDEMIA. ................... Erro! Indicador não definido.
Aula 6 – AS CRIPTOMOEDAS: o bitcoin e a Libra ................................................ Erro! Indicador não definido.
Aula 7- O SER ECONÔMICO E A ATIVIDADE EMPRESARIAL: O BALANÇO PATRIMONIAL E O RESULTADO DO
EXERCÍCIO. VALOR DOS BENS E SERVIÇOS. VALOR DO DINHEIRO NO TEMPO E O PODER DE COMPRA: JUROS
SIMPLES E JUROS COMPOSTOS. VALOR PRESENTE DO FLUXO DE CAIXA. ......... Erro! Indicador não definido.
Aula 8- SOLUÇÃO DE EXERCÍCIOS: VALOR DO DINHEIRO NO TEMPO E O PODER DE COMPRA: JUROS SIMPLES
E JUROS COMPOSTOS. VALOR PRESENTE DO FLUXO DE CAIXA. ........................ Erro! Indicador não definido.
Aula 9- AS FORÇAS DE MERCADO: A OFERTA E A DEMANDA. ELASTICIDADE E SUAS APLICAÇÕES. ........ Erro!
Indicador não definido.
Aula 10- AS FORÇAS DE MERCADO: A OFERTA E A DEMANDA. ELASTICIDADE E SUAS APLICAÇÕES. ...... Erro!
Indicador não definido.
Aula 11- A OFERTA, A DEMANDA E POLÍTICAS DO GOVERNO: O CUSTO DA TRIBUTAÇÃO E O PESO MORTO
DOS TRIBUTOS. A CURVA DE LAFER. .................................................................. Erro! Indicador não definido.
AULA 12 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE MICROECONOMIA. A TEORIA DA ESCOLHA DO CONSUMIDOR:
UTILIDADE E CURVAS DE INDIFERENÇA; RESTRIÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E DECISÃO ÓTIMA DO CONSUMIDOR
............................................................................................................................ Erro! Indicador não definido.
AULA 13 BENS PÚBLICOS E RECURSOS COMUNS. A CONTRIBUIÇÃO DE PIGOU. OS TRIBUTOS PIGOUVIANOS
............................................................................................................................ Erro! Indicador não definido.
AULA 14 EXTERNALIDADES NEGATIVAS E O TEOREMA DE COASE .................... Erro! Indicador não definido.
AULA 15 A TEORIA DA EMPRESA: RECEITAS, CUSTOS, LUCROS E DECISÕES ÓTIMAS DA EMPRESA. ........ Erro!
Indicador não definido.
AULA 16 ESTRUTURA E EQUILÍBRIO DE MERCADO: MERCADO COMPETITIVO, MONOPÓLIO E OLIGOPÓLIO,
CONCORRÊNCIA MONOPOLÍSTICA. EFEITOS DO MERCADO COMPETITIVO, DO MONOPÓLIO E DO
OLIGOPÓLIO. ...................................................................................................... Erro! Indicador não definido.
AULA 17 INTRODUÇÃO À TEORIA DOS JOGOS. .................................................. Erro! Indicador não definido.
2
AULAS 18, 19 E 20: APRESENTAÇÕES DE TRABALHOS EM SALA. ....................... Erro! Indicador não definido.
AULA 21 ECONOMIA INTERNACIONAL. .............................................................. Erro! Indicador não definido.
ANEXO I DA AULA 3 ........................................................................................... Erro! Indicador não definido.
ANEXO II DA AULA 3 .......................................................................................... Erro! Indicador não definido.
ANEXO III DA AULA 3 ......................................................................................... Erro! Indicador não definido.
3
ECONOMIA
PLANO DE ENSINO
DISCIPLINA ECONOMIA
DOCENTE LEONARDO DE ANDRADE COSTA
GRDDIR002 PERÍODO 1º NATUREZA OBRIGATÓRIA CARGA 60h
CÓDIGO
HORÁRIA
A economia em sua dupla face: (1) estudo da alocação dos recursos escassos para produção,
distribuição e consumo de bens e serviços nos mercados e as funções dos governos no plano nacional
e internacional; e (2) instrumento analítico do processo decisório humano racional.
O fluxo circular representativo da organização econômica clássica e da economia digital. A
macroeconomia e a microeconomia: crescimento econômico e distribuição de riqueza. Os dez
princípios e a racionalidade econômica. A sustentabilidade multidimensional: a natureza e os limites
da economia.
A moeda e noções básicas de política monetária: o monetarismo e teoria monetária moderna (TMM).
O escambo; mercadorias-moeda; metalismo; cunhagem; papel-moeda; moeda fiduciária (moeda sem
valor intrínseco); moeda bancária-cheques; moeda escritural; cartões de plástico e as criptomoedas (o
bitcoin e a Libra). O ser econômico e a atividade empresarial: o balanço patrimonial e o resultado do
exercício. Valor dos bens e serviços. Valor do dinheiro no tempo e o poder de compra: juros simples
e juros compostos. Valor presente do fluxo de caixa. O mercado de capitais brasileiro e o investimento
EMENTA
em valor (value investing): pensando no longo prazo.
As forças de mercado: a oferta e a demanda. Elasticidade e suas aplicações. A oferta, a demanda e
políticas do governo. O custo da tributação e o peso morto dos tributos. A curva de Lafer.
Conceitos fundamentais de microeconomia. A teoria das escolhas do consumidor: utilidade e curvas
de indiferença; restrições orçamentárias e decisão ótima do consumidor. Bens públicos e recursos
comuns. Externalidades. A contribuição de Pigou: os tributos pigouvianos. Externalidades negativas
e o teorema de Coase. A teoria da empresa: receitas, custos, lucros e decisões ótimas da empresa.
Estrutura e equilíbrio de mercado: mercado competitivo, monopólio e oligopólio, concorrência
monopolística. Efeitos do Mercado Competitivo e do Monopólio. Efeitos do Mercado Competitivo
e do Oligopólio. Excedente Total e Bem Estar. Excedente do consumidor, da empresa e a eficiência
do mercado. O teorema do bem-estar e a eficiência de Pareto. Fundamentos econômicos da integração
econômica internacional. A utilização do instrumental analítico microeconômico para compreensão
do processo decisório não comercial. Introdução à Teoria dos Jogos.
A disciplina tem como objetivo apresentar os conceitos elementares de macroeconomia e de
microeconomia para que o aluno possa entender o ambiente econômico no qual as pessoas físicas e
jurídicas interagem, além de aprender o instrumental analítico básico do economista, a partir de
premissas e concepções distintas. Compreender o comportamento de consumidores, das empresas, dos
OBJETIVOS
mercados e dos governos, no plano nacional e internacional.
Construir estratégias de gestão de problemas e de recursos frente à concorrência do mercado, ao
comportamento do consumidor e à estruturação das instituições e regulação dos mercados. Apresentar
aspectos básicos da Teoria dos Jogos.
A metodologia proposta é híbrida, na medida em que compreende aulas expositivas e dialogadas, o
METODOLOGIA estudo participativo de casos e a solução de exercícios práticos. Os exercícios serão escolhidos de
maneira a exemplificar a utilização dos conceitos estudados no dia a dia profissional.
Interpretar/aplicar as normas (princípios e regras) do sistema jurídico nacional, observando a
experiência estrangeira comparada, quando couber, articulando o conhecimento teórico com a
resolução de problemas.
HABILIDADE Demonstrar competência na leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos
jurídicos, de caráter negocial, processual ou normativo, bem como a devida utilização das normas
Exigência MEC técnico-jurídicas.
Demonstrar capacidade para comunicar-se com precisão.
RESOLUÇÃO nº Dominar instrumentos da metodologia jurídica, sendo capaz de compreender e aplicar conceitos,
5, 18 de estruturas e racionalidades fundamentais ao exercício do Direito.
dezembro de Adquirir capacidade para desenvolver técnicas de raciocínio e de argumentação jurídicos com
2018 objetivo de propor soluções e decidir questões no âmbito do Direito.
Desenvolver a cultura do diálogo e o uso de meios consensuais de solução de conflitos.
Compreender a hermenêutica e os métodos interpretativos, com a necessária capacidade de pesquisa
e de utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito.
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ECONOMIA
Ter competências para atuar em diferentes instâncias extrajudiciais, administrativas ou judiciais, com
a devida utilização de processos, atos e procedimentos.
Utilizar corretamente a terminologia e as categorias jurídicas.
Aceitar a diversidade e o pluralismo cultural.
Compreender o impacto da inteligência artificial e das novas tecnologias na área jurídica.
X Possuir o domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
Desenvolver a capacidade de trabalhar em grupos formados por profissionais do Direito ou de
caráter interdisciplinar.
Apreender conceitos deontológico-profissionais e desenvolver perspectivas transversais sobre
direitos humanos.
Outras: Compreender a racionalidade econômica como instrumento analítico adicional à solução de
X
problemas jurídicos
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
AULA TEMA
Apresentação do Curso: Por que estudar economia em um curso de Direito? Os casos (1) das drogas
1 (28/02) ilícitas; (2) dos cigarros e bebidas alcóolicas e não alcóolicas; (3) o controle dos preços de aluguéis
de imóveis e a proteção do consumidor; e (4) das alternativas profissionais: o custo contábil vs. custo
econômico (custo de oportunidade).
Introdução à dupla face da economia: (1) estudo no plano nacional e internacional dos mercados - de
2 (02/03) fatores de produção, de bens e serviços e financeiro (monetário e de capitais) - em sua interação com
os governos e organizações supranacionais; (2) análise do modo como pessoas físicas e jurídicas
realizam escolhas (o processo decisório).
O fluxo circular representativo da organização econômica clássica e da crescente economia digital
3 (07/03)
(multi-sided platforms - MSP). A macroeconomia e a microeconomia: crescimento econômico
(produtividade e rendimentos marginais decrescentes) e distribuição de riqueza.
4 (09/03) Os dez princípios da economia e a racionalidade econômica. A sustentabilidade multidimensional: a
natureza e os limites da economia.
A moeda e noções básicas de política monetária: o monetarismo e teoria monetária moderna (TMM).
5 (14/03) O escambo; mercadorias-moeda; metalismo; cunhagem; papel-moeda; moeda fiduciária (moeda sem
valor intrínseco); moeda bancária-cheques; moeda escritural; cartões de plástico e as criptomoedas.
A política monetária em tempos de pandemia.
6 (16/03) As criptomoedas: o bitcoin e a Libra.
O ser econômico e a atividade empresarial: o balanço patrimonial e o resultado do exercício. Valor
7 (21/03)
dos bens e serviços. Valor do dinheiro no tempo e o poder de compra: Juros simples e juros
compostos. Valor presente do fluxo de caixa.
Solução de exercícios: Valor do dinheiro no tempo e o poder de compra: juros simples e juros
8 (23/03) compostos. Valor presente do fluxo de caixa. O mercado de capitais brasileiro e o investimento em
valor (value investing): pensando no longo prazo
9 (28/03) As forças de mercado: a oferta e a demanda. Elasticidade e suas aplicações
25/04 Revisão da P1
Conceitos fundamentais de microeconomia. A teoria da escolha do consumidor: utilidade e curvas de
12 (27/04)
indiferença; restrições orçamentárias e decisão ótima do consumidor
13 (02/05) Bens públicos e recursos comuns. Externalidades. A contribuição de Pigou: os tributos pigouvianos.
No primeiro contato do estudante da graduação em direito com esta disciplina é natural surgir um
questionamento: por que estudar economia em um curso de direito?
O direito tem como objetivos primordiais a garantia das liberdades fundamentais e a disciplina do
comportamento dos indivíduos para o convívio social. As normas jurídicas impõem deveres, consagram
direitos, constituem e regulam a criação de instituições públicas e privadas, atribuem efeitos a determinados
acontecimentos (e.g. maioridade) e fixam sanções pelo descumprimento das condutas exigíveis.
A matéria prima do trabalho do jurista são as leis em sentido amplo, o que inclui a norma fundamental,
que é a Constituição, a jurisprudência, os costumes e as fontes negociais 1. A Constituição da República
Federativa do Brasil (CRFB/88) estabelece a estrutura básica para o exercício da atividade econômica,
estabelecendo um modelo bipartido quanto à titularidade primária da atividade econômica, do qual decorrem
o domínio público e o âmbito privado de atuação. O campo de execução reservado ao Estado na realização de
atividade econômica em sentido lato, que não se confunde com a função estatal fiscalizadora e de regulação,
é delimitado de forma exaustiva (art. 21, XI, XII e XXIII, da CRFB/88), ao passo que é livre o exercício de
qualquer atividade privada, independentemente de autorização de órgãos públicos, ressalvados os casos
previstos em lei (artigo 170, CRFB/88). A partir desse modelo dual de titularidade da atividade econômica,
surgem três regimes jurídicos distintos: o estritamente público, o exclusivamente privado e o misto ou
compartilhado (parcerias público-privada e etc.). Essa pluralidade de disciplinas jurídicas decorre da faculdade
conferida ao poder público para exercer algumas atividades econômicas de seu domínio primário por meio de
concessionárias, permissionárias ou autorizatárias, não obstante o relevante interesse coletivo existente. Nessa
hipótese, o Estado presta o serviço de forma indireta, por meio de delegação a outra pessoa, de direito público
ou privado, mantendo, no entanto, a titularidade da atividade.
O economista, por sua vez, a partir da concepção de modelos de fenômenos sociais que simplificam a
realidade2, dispõe de instrumental analítico adequado ao exame da eficiência3 ou ineficiência das regras
jurídicas propostas e/ou adotadas. Ainda, é capaz de indicar alternativas dotadas de estimativas de custos,
financeiros ou não, inclusive com estudos empíricos acerca das causas e consequências previsíveis em face
da complexidade que envolve a análise do comportamento e escolhas humanas4.
1
Para Miguel Reale, as fontes do direito são a lei, a jurisprudência, os costumes e o ato negocial. Portanto, de acordo com o jurista a
doutrina é apenas um instrumento de complementação das fontes do direito. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª
Edição. São Paulo: Saraiva: 200,3. p.176-178.
2
VARIAN, Hal R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9ª ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. p.1. “Por modelo
entendemos uma representação simplificada da realidade. A ênfase aqui está na palavra ‘simplificada’. Imagine como seria inútil um
mapa em escala 1:1. O mesmo é válido para um modelo econômico que tente descrever todos os aspectos da realidade. A importância
do modelo provém da eliminação dos detalhes irrelevantes, o que permite ao economista concentrar-se nas características essenciais
da realidade econômica que procura compreender”.
3
O conceito econômico de eficiência será introduzido ao longo da primeira parte do curso e examinado de forma específica
apresentado na aula 20. A escassez é elemento fundante do raciocínio econômico. As escolhas se impõem diante da escassez de
tempo, de recursos e da tecnologia disponível em dado momento de tempo.
4
A doutrina utilitarista, de Jeremy Bentham (1748-1832) e de John Stuart Mill (1806-1876), consagrou o ser econômico (homo
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ECONOMIA
Além de introduzir o estudo da economia em sua interligação com a disciplina jurídica, o exame de
alguns casos permite iniciar o exame dos possíveis impactos das diferentes alternativas decisórias sobre a
oferta e demanda de bens e serviços, assim como as flutuações dos preços diante da diversidade de
comportamentos disponíveis, tanto para os indivíduos como a sociedade de forma agregada.
Nesse sentido, foram escolhidos 4 (quatro) exemplos, os quais têm como objetivo demonstrar a
relevância do instrumental analítico e da racionalidade econômica para o estudo do direito, especialmente no
que se refere às possíveis consequências, incentivos e desincentivos decorrentes das variadas escolhas
possíveis por parte dos agentes econômicos e governos.
economicus) como maximizador de utilidade pessoal, o que servia como um critério para a organização moral da sociedade. Nesses
termos, o comportamento humano seria sempre racional com o objetivo de extrair o máximo de bem-estar pessoal. Por sua vez, o
psicólogo Daniel Kahneman, ganhador do prêmio Nobel em economia em 2002, demonstrou em seus estudos que em situações
envolvendo incertezas, o julgamento humano normalmente explora princípios genéricos, que sistematicamente contradizem
propostas da teoria da probabilidade. Assim, nem sempre as pessoas são capazes de analisar perfeitamente as situações cujas
consequências futuras são incertas. A partir dessas conclusões, os modelos econômicos têm sido adaptados, além de criado um novo
campo de estudo: a economia comportamental (behavioral economics). É a área da economia que objetiva avaliar a influência da
impulsividade humana, que pode prevalecer diante de certas circunstâncias. Saliente-se que Richard H. Thaler também foi ganhador
do prêmio Nobel de economia, de 2017, “for his contributions to behavioural economics”. Disponível em:
https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2002/kahneman/facts/. Acesso em 23.01.2020.
5
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9761.htm. Acesso em 03.02.2023.
6
Disponível em: https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/dependencia-quimica/iniciativas-do-governo-
no-combate-as-drogas/historia-do-combate-as-drogas-no-brasil.aspx. Acesso em 21.01.2020.
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ECONOMIA
democráticas, aos movimentos contestatórios, à contracultura, especialmente as drogas psicodélicas,
como maconha e LSD”, analisa.
Passeata estudantil no Rio, em 1968: a contracultura da época também associou consumo de drogas à luta pela liberdade. Foto: Evandro Teixeira /CPDOC JB
Em 1973, o Brasil aderiu ao Acordo Sul-Americano sobre Estupefacientes e Psicotrópicos e, com base
nele, baixou a Lei 6.368/1976, que separou as figuras penais do traficante e do usuário. Além disso,
a lei fixou a necessidade do laudo toxicológico para comprovar o uso.
Finalmente, a Constituição de 1988 determinou que o tráfico de drogas é crime inafiançável e sem
anistia. Em seguida, a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) proibiu o indulto e a liberdade
provisória e dobrou os prazos processuais, com o objetivo de aumentar a duração da prisão
provisória.
Já a Lei de Drogas (Lei 11.343/06) eliminou a pena de prisão para o usuário e o dependente, ou seja,
para aquele que tem droga ou a planta para consumo pessoal. A legislação também passou a distinguir
o traficante profissional do eventual, que trafica pela necessidade de obter a droga para consumo
próprio e que passou a ter direito a uma sensível redução de pena.
Já a criação da Força Nacional de Segurança e as operações nas favelas do Rio de Janeiro, iniciadas em
2007 e apoiadas pelas Forças Armadas, seguidas da implantação das unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs), reforçaram a repressão e levaram a presença do Estado a regiões antes entregues ao tráfico,
não apenas atendendo às críticas internacionais, como também como preparação para a Copa do
Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
As discussões em torno das leis que tratam do tráfico e dependência de drogas continuam a ser feitas
no Congresso, envolvendo ainda aspectos como o aumento de impostos e o controle do álcool e do
cigarro”.
“1. INTRODUÇÃO: PELA MIRA DO FUZIL A guerra às drogas afeta diretamente o nosso dia a dia. Para
nós, significa escolas fechadas, mudança na rotina, medo de sair de casa, preocupação extrema com o
nosso bem-estar e o da nossa família. Em nome dessa guerra, o Estado justifica uma série de
violações de direitos contra nós, jovens de favelas e periferias. Mas essa guerra não é nossa. Não
fomos nós que declaramos a guerra às drogas. Não fomos nós que decidimos que algumas drogas
seriam consideradas legais e outras, ilegais. Mas somos nós que morremos por conta dela
(Movimentos, 2017).
No Brasil, a política da guerra às drogas afeta desproporcionalmente as regiões periféricas dos
centros urbanos. Não é novidade que as favelas são vistas por parte da sociedade brasileira como
territórios da precariedade e da carência, caóticos, violentos, que precisam ser controlados e
reprimidos. Nas últimas décadas, a figura do “traficante”, diretamente associada à imagem já
estigmatizada das periferias, passou a representar o inimigo número um do país no imaginário
popular, acentuando ainda mais o caráter repressivo das políticas públicas que chegam aos
territórios favelados. É pela mira do fuzil que o Estado brasileiro olha para as favelas e
periferias. E, no que se refere à política de drogas, a estratégia prioritária adotada pelos governos é
a do confronto e a da guerra. As táticas para combater o mercado ilegal de drogas são bem conhecidas
por todos: incursões policiais frequentes, fazendo uso irrestrito de armamento pesado, com o objetivo
declarado de desmantelar organizações criminosas e apreender substâncias ilícitas. Colocados na
linha de frente, os moradores das periferias ficam expostos à violência cotidiana derivada de
operações “antidrogas” e de disputas territoriais pelo controle do mercado ilegal. Nesse contexto, seus
7
Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8886/1/bapi_18_cap_12.pdf . Acesso em 02.03.2023.
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direitos mais básicos são sistematicamente violados: aulas são canceladas, trabalhadores ficam com
medo de sair de casa, comércios e equipamentos públicos fecham as portas. E, o que é pior: centenas
de vidas, a maioria delas de jovens negros, são perdidas. O coletivo Movimentos nasce com o propósito
de debater alternativas à atual política da guerra às drogas a partir da perspectiva de quem é mais
afetado por ela: a juventude favelada e periférica. Construído a partir de um modelo institucional
híbrido, o coletivo foi concebido por jovens ativistas, comunicadores e artistas de diferentes favelas
da região metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) com apoio do Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania (Cesec), da Universidade Cândido Mendes (Ucam). Desde sua criação, o Movimentos
persegue um objetivo duplo: por um lado, levar o debate sobre política de drogas para dentro das
favelas e periferias brasileiras; por outro, trazer as vozes, os rostos e os corpos favelados e periféricos
para o centro do debate que já está sendo feito em outros espaços. O objetivo deste artigo é delinear
a conjuntura que está por trás da criação do Movimentos; a experiência do coletivo na construção de
novos entendimentos sobre política de drogas a partir da perspectiva das favelas e das periferias; e
os princípios que acreditamos que devem guiar a busca por políticas mais justas e eficazes no combate
ao racismo e às desigualdades que alimentam a guerra às drogas.
2 GUERRA ÀS DROGAS, GUERRA ÀS FAVELAS Nos últimos anos, o debate sobre política de drogas no
Brasil passou por importantes mudanças, ainda que modestas. Dois movimentos destacam-se na
história recente do campo antiproibicionista: a articulação entre líderes políticos e personalidades
mundiais capitaneada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que culmina na criação da
Comissão Global sobre Política de Drogas e no lançamento do documentário Quebrando o Tabu, de
2011; e a mobilização de pacientes de maconha medicinal e de seus familiares na luta pela
regulamentação do acesso à medicação adequada, processo bem retratado no filme Ilegal, de 2014.
Sem dúvida, esses movimentos foram cruciais para fazer avançar o debate e para dar fôlego a
mudanças na política de drogas. Em janeiro de 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) retirou o canabidiol, princípio ativo da maconha, da lista de substâncias proibidas, empecilho
crucial para a importação de medicamentos derivados da cannabis. Em agosto do mesmo ano, o
Supremo Tribunal Federal (STF) começou a discutir a descriminalização do porte de drogas para
consumo próprio. Especialmente no que se refere à maconha medicinal, importantes avanços foram
conquistados desde então, a começar pela concessão de habeas corpus para que treze famílias possam
plantar e produzir o óleo de cannabis para finalidades terapêuticas, e pela permissão de registro, junto
à Anvisa, do primeiro medicamento à base de derivados da cannabis. Mais recentemente, a Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou um plano de pesquisa para a produção de cannabis para uso
medicinal. No entanto, a despeito desse cenário timidamente animador, no que diz respeito à guerra
às drogas e a seus impactos na população pobre e periférica, testemunhamos o retrocesso. Os últimos
dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que o Brasil atingiu a marca
das 60 mil mortes em 2016. No país com o maior número absoluto de homicídios no mundo, a taxa
mais alta de mortes violentas concentra-se na faixa dos 21 anos (Cerqueira et al., 2017). Entre 2005 e
2015, a taxa de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos aumentou 17% – isso significa que, nesse
mesmo período, 318 mil jovens foram assassinados no país (ibidem). Embora não seja possível
estimar quantas dessas mortes estão relacionadas às drogas, sabemos que boa parte delas é
provocada pela violência causada pelo combate militarizado ao “narcotráfico”. Só que a guerra às
drogas não atinge a juventude de forma homogênea: hoje, no país, os jovens negros têm mais chance
de serem assassinados do que os jovens não negros. De cada cem pessoas que sofrem homicídio no
país, 71 delas são negras (Cerqueira et al., 2017). E os dados mostram que, em vez de melhorar, essa
situação tem se agravado: na última década, a taxa de homicídios da população negra aumentou 18%,
enquanto a mesma taxa entre as pessoas de outras raças e etnias diminuiu 12% (ibidem). Os custos
da guerra às drogas recaem desproporcionalmente sobre os jovens negros, a maioria do sexo
masculino. Olhar para o número de homicídios é apenas uma forma de tentar entender o impacto da
“guerra às drogas” na sociedade. Quando consideramos as taxas de encarceramento, o quadro de
violência e desigualdade permanece o mesmo. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do
mundo, sendo o crime de tráfico de drogas a causa mais recorrente das prisões. Desde a nova Lei de
Drogas (Lei no 11.343, de 2006), o número de presos por tráfico aumentou 339% (D’Agostino, 2015).
Assim como no caso dos homicídios, as pessoas negras são impactadas em proporção maior do que o
restante da população: ainda que os negros representem pouco mais de 53% da sociedade brasileira,
64% das pessoas presas no país são negras (Brasil, 2016). E onde a guerra às drogas é travada?
Embora as drogas circulem por toda a cidade, somente as favelas e as periferias sentem os impactos
violentos do combate ao mercado ilícito dessas substâncias. Dados recentes divulgados pela
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro mostram que a maior parte das prisões em flagrante
pelo crime de tráfico de drogas acontece nas periferias da região metropolitana (RM) (Haber, 2018).
No Complexo da Maré, conjunto de favelas localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, 41 operações
policiais foram realizadas em 2017; em média, uma operação a cada nove dias (Redes da Maré, 2017).
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ECONOMIA
Nesse mesmo ano, os confrontos armados vitimaram 42 pessoas na Maré e deixaram mais 57 feridos;
ao todo, foram 45 dias sem atividades nos postos de saúde da região e 35 dias em que as aulas foram
suspensas. E o que aconteceu no Complexo da Maré em 2017 não é a exceção, mas a regra: dados
similares foram coletados pelo coletivo Papo Reto para a região do Complexo do Alemão, também na
Zona Norte.4 Nessa mesma linha, estatísticas sistematizadas pelo Observatório da Intervenção, do
Cesec, mostram que a recente intervenção decretada pelo governo federal na área de segurança
pública do estado do Rio de Janeiro investe prioritariamente nas operações policiais em favelas e
periferias, com recorde no número de mortes.5 Não à toa, nos últimos anos, popularizou-se, nas redes
sociais, a hashtag #vidasnasfavelasimportam, com o objetivo de dar visibilidade às violações
cometidas no contexto da militarização cotidiana das periferias em nome do “combate às drogas”.
Tudo isso mostra que os impactos da guerra às drogas recaem sobre a sociedade de maneira seletiva
e desigual. Embora as drogas sejam ilegais para todos, escolhemos prender e matar os jovens negros
e moradores das favelas e das periferias das nossas cidades. A raiz desse problema está na própria
forma como construímos nossas políticas de drogas: apostando na repressão ao varejo do tráfico e na
violência contra a população pobre, negra e periférica como forma de lidar com o uso dessas
substâncias. Por isso mesmo, faz-se necessário aprofundar o debate sobre as consequências da guerra
às drogas nos territórios periféricos e favelados. Mas, ainda mais importante, é preciso abrir espaço
para que aqueles e aquelas que mais sofrem os impactos da guerra às drogas tomem a frente no
debate sobre mudanças nas políticas de drogas, tornando-se os seus protagonistas” (...)8.
8
A íntegra do texto pode ser lida em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8886/1/bapi_18_cap_12.pdf. Acesso em
02.02.2023.
9
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9761.htm . Acesso em 02.02.2023.
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ECONOMIA
1,6% da população adolescente referem ter feito uso. Destaca-se que a experimentação da cocaína,
em 62% das situações, ocorreu antes dos 18 anos. O uso de crack, na vida, foi apontado por 1,3% dos
adultos e 0,8% dos adolescentes. O uso nos últimos 12 meses foi verificado em 0,7% da população
adulta e 0,1% dos adolescentes. É necessário compreender a limitação de tal pesquisa, por ser uma
amostra domiciliar, que não considera a população em situação de rua, sendo que tal grupo possui
suas especificidades, com uma tendência de maior de consumo de tais substâncias.
(...)
É evidente com as informações trazidas em relação ao consumo de drogas, lícitas e
ilícitas e seu contexto social, que há necessidade de atualizar a legislação da política pública sobre
drogas, considerada a dinamicidade deste problema de ordem social, econômica e principalmente de
saúde pública.
2. PRESSUPOSTOS DA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS
2.1. Buscar incessantemente atingir o ideal de construção de uma sociedade protegida
do uso de drogas lícitas e ilícitas e da dependência de tais drogas.
2.2. A orientação central da Política Nacional sobre Drogas considera aspectos legais,
culturais e científicos, especialmente, a posição majoritariamente contrária da população brasileira
quanto às iniciativas de legalização de drogas.
2.3. Reconhecer as diferenças entre o usuário, o dependente e o traficante de drogas e
tratá-los de forma diferenciada, considerada a natureza, a quantidade da substância apreendida, o
local e as condições em que se desenvolveu a ação de apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais
e a conduta e os antecedentes do agente, considerados obrigatoriamente em conjunto pelos agentes
públicos incumbidos dessa tarefa, de acordo com a legislação.
2.4. O plantio, o cultivo, a importação e a exportação, não autorizados pela União, de
plantas de drogas ilícitas, tais como a cannabis, não serão admitidos no território nacional.
2.5. Tratar sem discriminação as pessoas usuárias ou dependentes de drogas lícitas ou
ilícitas.
2.6. Conscientizar o usuário e a sociedade de que o uso de drogas ilícitas financia
atividades e organizações criminosas, cuja principal fonte de recursos financeiros é o narcotráfico.
2.7. Garantir o direito à assistência intersetorial, interdisciplinar e transversal, a partir
da visão holística do ser humano, com tratamento, acolhimento, acompanhamento e outros serviços,
às pessoas com problemas decorrentes do uso, do uso indevido ou da dependência do álcool e de
outras drogas.
2.8. As ações, os programas, os projetos, as atividades de atenção, o cuidado, a
assistência, a prevenção, o tratamento, o acolhimento, o apoio, a mútua ajuda, a reinserção social, os
estudos, a pesquisa, a avaliação, as formações e as capacitações objetivarão que as pessoas
mantenham-se abstinentes em relação ao uso de drogas.
2.9. Buscar o equilíbrio entre as diversas diretrizes, que compõem de forma
intersistêmica a Política Nacional sobre Drogas e a Política Nacional sobre o Álcool, nas diversas
esferas da federação, classificadas, de forma não exaustiva, em:
a) ações de redução da demanda, incluídas as ações de prevenção, promoção à saúde,
cuidado, tratamento, acolhimento, apoio, mútua ajuda e reinserção social;
b) ações de gestão da política, incluídas as ações de estudo, pesquisa, avaliação,
formação e capacitação; e
c) ações de redução da oferta, incluídas as ações de segurança pública, defesa,
inteligência, regulação de substâncias precursoras, de substâncias controladas e de drogas
lícitas, repressão da produção não autorizada, de combate ao tráfico de drogas, à lavagem de
dinheiro e crimes conexos, inclusive por meio da recuperação de ativos que financiem ou
sejam resultados dessas atividades criminosas.
2.10. Buscar, de forma ampla, a cooperação nacional e internacional, pública e privada,
por meio da participação de fóruns sobre o tabaco e seus derivados, álcool e outras drogas e do
estreitamento das relações de colaboração técnica, científica, tecnológica e financeira multilateral,
respeitada a soberania nacional.
2.11. Reconhecer a corrupção, a lavagem de dinheiro e o crime organizado
vinculado ao narcotráfico como as principais vulnerabilidades a serem alvo das ações de
redução da oferta de drogas.
2.12. Reconhecer a necessidade de elaboração de planos que permitam a
realização de ações coordenadas dos órgãos vinculados à redução da oferta de drogas ilícitas,
a fim de impedir a utilização do território nacional para o cultivo, a produção, a armazenagem,
o trânsito e o tráfico de tais drogas.
Sob o ponto de vista econômico, quais são, ao seu ver, as características relevantes do “mercado” de drogas
FGV DIREITO RIO 14
ECONOMIA
ilícitas que afetam ou deveriam nortear a política estatal a ser adotada? O Estado deveria atuar mais fortemente
no combate à oferta das drogas, na prevenção e tratamento do usuário ou integrar a sua política de forma a
conjugar ações sobre a procura e a disponibilidade do produto, simultaneamente?
Questões preliminares relevantes:
i. Como você caracteriza a procura (a “demanda”) pela droga ilícita? Quais são os elementos
relevantes para identificar como o usuário reage às alterações do preço da droga? O usuário de
droga ilícita tende a alterar o seu hábito de consumo em razão de alterações no preço da droga?
Como regra geral, modifica o seu hábito substancialmente ou de forma insignificante?
ii. Qual o efeito imediato da forte repressão estatal ao tráfico sobre a oferta de drogas ilícitas no
“mercado”? Qual o impacto sobre a situação econômica dos traficantes que continuam a
oferecer o produto após forte intervenção estatal? Pode haver efeitos reflexos sobre o
comportamento do usuário após a forte repressão estatal?
iii. Qual é o provável efeito líquido sobre o “mercado” de drogas ilícitas, considerando as
alterações na “demanda” e na “oferta” do produto, se grande parte do esforço estatal se
concentrar do lado da oferta do produto?
iv. Seriam diferentes as mudanças no “mercado” causada por uma forte política educacional e de
sanção social aos usuários de drogas ilícitas?
A função precípua da tributação é arrecadar receita para financiar as despesas públicas10. No entanto,
os tributos também podem ser utilizados para outros fins, além de abastecer os cofres públicos11. É a chamada
extrafiscalidade.
Por meio da política extrafiscal, o Estado pode: (1) induzir o comportamento das pessoas, estimulando
ou desincentivando práticas sociais, como o consumo de cigarros e bebidas alcóolicas; (2) redistribuir renda e
riqueza; e (2) regular a atividade econômica, oferecendo incentivos ou desestímulos aos agentes econômicos.
O professor Reuven Avi-Yonah sintetiza a questão nos seguintes termos12:
To answer these puzzles, it is necessary to resurrect a question that has not been considered recently
in the tax policy literature: What are taxes for? The obvious answer is that taxes are needed to raise
revenue for necessary governmental functions, such as the provision of public goods. And, indeed,
10
O Estado pode financiar as despesas públicas por meio: (1) da emissão de moeda, hipótese em que não assume qualquer ônus ou
comprometimento de pagar qualquer encargo (e.g: juros), (2) da exploração do próprio patrimônio estatal para auferir renda, como,
por exemplo, locando ou cedendo a título oneroso as suas propriedades ou explorando a atividade econômica por intermédio de
empresas por ele controladas, (3) contraindo empréstimos, voluntários ou não, (4) exigindo o pagamento de tributos, (5) cobrando
multas, e etc. Na aula 4 será mencionada a possiblidade de a tributação ser apenas instrumento de retirada de moeda de circulação.
11
GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p.
16. Apontam os autores que “o governo pode se financiar ‘de graça’ – sem assumir o ônus associado ao pagamento de juros de sua
dívida-, de duas formas. A primeira é emitindo moeda para acompanhar a maior demanda por esta, em termos reais. A segunda é
através da corrosão do valor real da base monetária existente, o que lhe permite imprimir moeda, apenas para conservar o valor real
da moeda previamente impressa.”
12
AVI-YONAH, Reuven S. The three goals of Taxation. 60 Tax Law Review 01, 2006.
FGV DIREITO RIO 15
ECONOMIA
all taxes have to fulfill this function to be effective; as the Russian government discovered in the
1990's [FN10] (following many others in history), a government that cannot tax cannot survive. And
there is widespread ideological agreement that this function is needed, even while people
vehemently disagree about what functions of government are truly necessary, and what size of
government is required. [FN11] But taxation also has two other functions, which are more
controversial, but which modern states also widely employ. Taxation can have a redistributive
function, aimed at reducing the unequal distribution of income and wealth that results from the
normal operation of a market-based economy. This function of taxation has been hotly debated over
time, and different theories of distributive justice can be used to affirm or deny its legitimacy. What
cannot be denied, however, is that many developed nations in fact have sought to use taxation for
redistributive purposes, although it also is debated how effective taxation was (or can be) in
redistribution. [FN12] Taxation also has a regulatory component: It can be used to steer private
sector activity in the directions desired by governments. This function is also controversial, as
shown by the debate around tax expenditures. [FN13] But it is hard to deny that taxation has been
and still is used widely for this purpose, as shown inter alia by the spread of the tax expenditure
budget around the world following its introduction in the United States in the 1970's [FN14]” (grifo
nosso).
13
Dispõe o inciso IV e inciso I do § 3º, ambos do art. 153 da CRFB/88: “Compete à União instituir impostos sobre: I – (...); IV-
produtos industrializados; (...) § 1º (…) § 3º O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do
produto; (...)”.
14
Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/com-reducao-de-40-no-numero-de-fumantes-brasil-alcanca-metas-da-
oms/. Acesso em 03.02.2023. Com redução de 40% no número de fumantes, Brasil alcança metas da OMS. Em 2006, 15,7% dos
brasileiros eram fumantes; em 2018, número caiu para 9,3%. “O Brasil se tornou o segundo país do mundo a cumprir as medidas
indicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a redução do fumo. A informação está no relatório da OMS divulgado
nesta sexta-feira, 26, e corrobora a posição do país como referência mundial no combate ao tabagismo. Na última década, o número
de fumantes no país foi reduzido em 40%. O relatório revela que dentre os 171 países que aderiram às medidas globais da OMS
apenas o Brasil e a Turquia implementaram as ações com sucesso.”
15
Não é necessário que o aluno se preocupe nesse momento com os cálculos apresentados na matéria abaixo, tema que será
objeto de estudo após o 4º período, depois da disciplina Sistema Tributário Nacional. Em suma, é importante no momento
apenas identificar a complexidade para o cálculo e apuração dos tributos devidos. Disponível em:
https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/precos-e-impostos. Acesso em
21.01.2020.
FGV DIREITO RIO 16
ECONOMIA
políticas de preços para contribuir com a consecução dos objetivos de saúde tendentes a reduzir o
consumo do tabaco1".
Para auxiliar as Partes na concretização de seus objetivos e obrigações nos termos do artigo 6º da
Convenção-Quadro, foram aprovadas pela Conferência das Partes em sua Sexta Sessão (COP6),
realizada entre os dias 13 e 18 de outubro de 2014 em Moscou (Rússia), as "Diretrizes para
Implementação do Artigo 6º da Convenção-Quadro da Organização Mundial da Saúde para o
Controle do Tabaco". Tais diretrizes têm como base as melhores evidências disponíveis, as
melhores práticas e experiências das Partes que executaram com sucesso as medidas relacionadas a
preços e impostos para reduzir o consumo do tabaco. O documento pode ser acessado, por meio
dos links a seguir, em diferentes idiomas:
• Versão em português: aqui
• Versão em inglês: aqui
• Versão em espanhol: aqui
Enquanto membro da CONICQ, o Ministério da Fazenda, por intermédio da Secretaria da Receita
Federal, tem procurado alinhar a política de preços e impostos aos objetivos de saúde pública da
Convenção-Quadro da OMS, elevando sucessivamente os tributos incidentes sobre cigarros (Imposto
sobre Produtos Industrializados – IPI e PIS/COFINS), o que tem gerado um aumento dos preços
desses produtos.
O histórico das informações referentes à legislação aplicada à tributação de cigarros e as respectivas
alíquotas estão disponíveis na página da Receita Federal.
Em dezembro de 2011, a política nacional de preços e impostos obteve um importante avanço com
a sanção da Lei 12.546, que altera a sistemática de tributação do IPI e institui uma política de preços
mínimos para os cigarros.
Em 29 de janeiro de 2016, o Art.7º do Decreto nº 8.656 alterou os Art. 5º e 7º do Decreto 7.555 de
19 de agosto de 2011, que regulamenta a Lei 12.546, definindo nova alíquota ad valorem para os
pacotes com 20 cigarros a partir de 1º de Maio de 2016 (63,3%), e novo aumento após 1º de
dezembro de 2016 (66,7%). O decreto também elevou o preço mínimo do pacote com 20 cigarros
para R$ 5,00 após 1º de maio de 2016.
O aumento dos impostos e preços dos cigarros é a medida mais efetiva - especialmente entre jovens
e populações de camadas mais pobres - para reduzir o consumo. Estudos indicam que um aumento
de preços na ordem 10% é capaz de reduzir o consumo de produtos derivados do tabaco em cerca
de 8% em países de baixa e média renda, como o Brasil2,3. As evidências científicas demonstram
ainda que o aumento dos preços contribui para estimular os fumantes a deixarem de fumar, assim
como para inibir a iniciação de crianças e adolescentes4.
O aumento dos impostos também amplia a arrecadação dos governos, que arcam com os ônus
econômicos e sociais decorrentes do tabagismo, como programas de prevenção e tratamento de
doenças, aposentadorias precoces e pensões e danos ao meio ambiente decorrentes do cultivo da
folha de tabaco.
Novo sistema de tributação do IPI
A Lei 12.546 estabelece dois regimes de tributação: geral e especial.
A regra geral de tributação do IPI estabelece que o mesmo será calculado utilizando-se de uma
alíquota ad valorem de 300% aplicada sobre 15% do preço de venda a varejo dos cigarros,
resultando em uma alíquota efetiva de 45% sobre o preço de venda 16.
Caso o fabricante ou importador de cigarros opte pelo regime especial de apuração e recolhimento
do IPI, o valor do imposto será obtido pelo somatório de 2 (duas) parcelas, sendo um ad valorem,
calculada da mesma forma que o regime geral, e outra específica.
Com base na marca atual mais vendida e a alíquota do ICMS do Estado onde está sendo
comercializada em maior volume, calculamos a carga total de impostos sob o regime especial
resultando em uma alíquota de 79% (Figura 1):
16
Regra Geral: alíquota de 300% = 300/100 =3; 15% = 15/100 = 0,15; 3*0,15 = 0,45 → 45% sobre o preço de venda.
FGV DIREITO RIO 17
ECONOMIA
A evolução da carga tributária total sob o regime especial (misto) desde a reforma do sistema de
tributação está ilustrada na Tabela 1. Neste regime a carga tributária em 2017 variou de 69% a 83%,
em função do preço da marca comercializada. Quanto mais caro, menor a carga tributária, como
efeito da parcela específica do cálculo do IPI.
17
O artigo 334 do Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848/1940, com a sua redação conferida pela Lei nº 13.008/2014, estabelece
condutas relativas à prática do descaminho, enquanto o artigo 334-A, prevê as condutas caracterizadas como contrabando.
18
Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2019/03/26/interna_nacional,1041136/moro-cria-grupo-
estudar-reducao-de-tributos-sobre-cigarro-brasileiro.shtml. Acesso em 03.02.2023.
FGV DIREITO RIO 19
ECONOMIA
poderá convidar pesquisadores e especialistas para participarem ou assessorarem o grupo, quando
necessários para o cumprimento de sua finalidade", cita a portaria. "O GT será provisoriamente
presidido pelo representante da Polícia Federal e, depois de completo, pelo membro escolhido pelo
próprio grupo de trabalho", acrescenta. O grupo produzirá estudos sobre a tributação
de cigarros fabricados no Brasil e propostas de melhorias à política fiscal e tributária do setor,
incluindo medidas para a redução do consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade e
contrabandeados, que, segundo a pasta, já ocupam ilegalmente parte significativa do mercado
brasileiro, com danos à arrecadação tributária e à saúde pública. Também faz parte do material a ser
elaborado proposta de alterações ou edição de normas necessárias para a efetiva aplicação das ações
sugeridas. O relatório final dos trabalhos deverá ser entregue ao ministro Moro no prazo de 90 dias.
Apesar de ter tido audiências com representantes da indústria de cigarro, o Ministério da Justiça
deixou de informar sobre esses encontros em resposta a questionamento do PSOL sobre o que levou
a pasta a criar um grupo de trabalho que analisa uma redução de imposto sobre cigarros.
A bancada da Câmara perguntou no início de maio, por meio de requerimento de informação
parlamentar protocolado na Casa, se empresas do setor ou entidades por elas fundadas ou
financiadas haviam sido recebidas pelo ministério. Em seguida, o documento pedia datas e registros
dos momentos em que isso ocorreu.
A resposta foi apenas de que algumas das entidades fazem parte do Conselho Nacional de Combate
à Pirataria, sediado na pasta.
Nos três primeiros meses do ano, no entanto, houve ao menos três encontros com entidades ligadas
ao setor. Em janeiro, o ministro Sergio Moro recebeu representantes do ETCO e do Fórum Nacional
de Combate a Pirataria e Ilegalidade, entidades associadas a empresas.
Na agenda oficial, porém, consta apenas encontro com o deputado Efraim Filho, que é presidente da
frente parlamentar mista de combate ao contrabando, sem descrição da pauta.
Já no dia 25 de fevereiro, o secretário nacional do Consumidor, Luciano Timm, teve reunião com a
Souza Cruz e com a Japan Tobacco International para falar sobre "visão propositiva para reduzir o
contrabando", conforme informado em agenda.
Em 25 de março, dois dias antes da publicação da portaria, o secretário-adjunto de Operações
Integradas do ministério, José Washington Luiz Santos, também se reuniu com entidades do setor.
Questionado pela reportagem, o ministério inicialmente negou que Moro tivesse tido encontros com
as instituições, confirmando apenas a audiência da Secretaria Nacional do Consumidor.
Indagado novamente, confirmou a reunião ocorrida em janeiro, dizendo que as entidades foram
levadas pelo deputado, mas não informou o motivo das agendas não terem sido citadas na resposta
ao PSOL.
Procuradas pela reportagem, entidades e empresas confirmaram os encontros, mas negaram ter
influenciado na proposta de criação do grupo de trabalho lançado por Moro no fim de março.
Segundo o ETCO, os encontros com o ministério tiveram como tema a questão do contrabando e
combate ao crime organizado. Já a Souza Cruz disse que "sempre dialoga com autoridades públicas
para apresentar o setor e sua relevância para o país, como também para discutir caminhos
necessários ao combate do mercado ilegal".
A Japan Tobacco informou que a reunião foi solicitada pelas empresas "para levar proposta de
redução do contrabando por meio do envolvimento dos Procons nos estados".
Em resposta ao requerimento enviado ao PSOL, o ministério diz que a necessidade de criar o grupo
de trabalho decorreu "do grande volume de apreensões de cigarro contrabandeados e vendidos no
Brasil, sendo importante avaliar os mecanismos de tributação que, eventualmente, incentivam a
entrada e o consumo desses produtos ilegais".
Segundo o ministério, a questão tributária foi debatida na primeira reunião realizada neste ano pelo
Conselho Nacional de Combate à Pirataria, que criou uma "comissão especial de cigarros" -
transformada dias depois em "comissão especial do contrabando" a pedido de entidades.
"Estima-se que a maior parte do mercado de cigarros no Brasil pertence ao mercado ilegal, sem
pagamento de tributos, de modo que a recente evasão fiscal justifica preocupação dos órgãos de
fiscalização", informou a pasta, que encaminhou junto da resposta cópia de um estudo sobre o tema.
19
Disponível em: https://www.otempo.com.br/politica/ministerio-evita-responder-sobre-encontro-com-industria-do-
cigarro-1.2193463. Acesso em 03.02.2023.
FGV DIREITO RIO 20
ECONOMIA
Chamado de "Uma alternativa de combate ao contrabando a partir da estimativa da curva de Laffer
e da discussão sobre a política de preço mínimo", o documento prevê aumento de R$ 7,5 bilhões no
faturamento da indústria por meio da eliminação do preço mínimo para os cigarros, conforme a
Folha de S.Paulo mostrou em maio.
O ministério diz que, apesar de considerar o estudo "interessante", as conclusões do grupo
não devem ser baseadas apenas no aspecto econômico e "levarão em conta as políticas
públicas de saúde e prevenção ao uso do tabaco."
20
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/12/lobby-paraguaio-contra-tributo-de-cigarro-favorece-
contrabando.shtml. Acesso em 03.02.2023.
21
Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2019/06/03/grupos-criminosos-montam-fabricas-
clandestinas-de-cigarros-paraguaios-no-rs.ghtml. Acesso em 03.02.2023.
FGV DIREITO RIO 21
ECONOMIA
carteira - é a causa maior do sucesso do contrabando. E favorece a fabricação de cigarros
falsificados no país, já que no Paraguai a carga tributária sobre essa mercadoria é de 18%.
“O esquema permitiu à organização criminosa a venda com carga tributária zero, o que torna
tudo muito lucrativo para eles. Há um consórcio por trás desse crime, feito para evitar o risco do
crime de contrabando. Geram alta lucratividade para o esquema criminoso. Eles se consorciaram e
concluíram que não precisam levar tabaco ao Paraguai para fabricar cigarro com marca de lá. Fazem
aqui mesmo e não pagam a taxa tributária paraguaia, nem a brasileira. Têm 0% de imposto pago.”
A polícia ainda investiga se as indústrias de cigarros instaladas legalmente no Paraguai estão
envolvidas na montagem de fábricas clandestinas no Brasil ou são vítimas de pirataria de marca.
Documentos fiscais paraguaios e selos daquele país, aparentemente autênticos, foram encontrados
em fábricas no Brasil.
“Isso indica possível participação de empresários do Paraguai nesse esquema de venda no varejo
brasileiro. Ao fazer isso, o empresário estaria escapando do crime de contrabando, sendo
enquadrado apenas por sonegação e falsificação, mas não comete crime federal (contrabando), cuja
pena é bem maior”, ressalta o delegado.
A escolha pelo Rio Grande do Sul se dá pela oferta de matéria-prima - 80% da produção de tabaco
processado (pronto para fazer cigarro) no Brasil acontece no estado, estima o delegado federal
Gustavo Schneider, lotado em Santa Cruz do Sul.
O Brasil é o maior exportador mundial de tabaco, na maior parte oriundo do território gaúcho.
“Parte desse tabaco é desviado para cigarro clandestino, por empregados ou até pelos donos das
indústrias”, afirma Schneider.
Luciano Stremel Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de
Fronteiras (Idesf), estima que o cigarro clandestino no Brasil movimenta de R$ 10 bilhões a R$ 12
bilhões por ano. “E desde que fabricantes transferiram indústrias para o Brasil, o risco é menor e o
lucro é maior. Há uma estreita ligação entre as fábricas paraguaias legais e as ilegais, que usam mão
de obra paraguaia em território brasileiro”, assegura. Barros ressalta que vários crimes são
cometidos na montagem de uma fábrica clandestina de cigarros: sonegação, escravidão, crimes
sanitários (tanto nos locais de trabalho, insalubres, quanto na montagem do cigarro com produtos
proibidos e/ou sem condições sanitárias, incluindo insetos e fumo mofado). O diretor do Idesf diz
que a mão de obra paraguaia tem sido exportada para a América Central e a Europa, já que muitas
das 60 indústrias tabaqueiras do Paraguai faliram, deixando máquinas e pessoas na ociosidade.
Barros afirma que um "buraco" fatura, em média, R$ 1,5 milhão por dia. No Brasil, calcula que existam
30 fábricas desse tipo. Na última sexta-feira (31), a Polícia Civil cumpriu mandado de busca e
apreensão na Botucaraí Tabacos. Foram apreendidos R$ 40 mil sem procedência, três armas
(espingarda calibre 12, pistola e revólver) e um segurança foi preso em flagrante, por porte ilegal de
arma. O inquérito vai investigar uso de insumos para fabricação de cigarros ilegais. (...)
Números da pirataria
• 54% dos cigarros consumidos no Brasil em 2018 eram piratas.
• R$ 11,5 bilhões em impostos deixaram de ser arrecadados no Brasil em decorrência da pirataria de cigarros.
• 82% é a tributação sobre o cigarro no Brasil: 45% de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), 11% de
PIS/Cofins e 26% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
• 18% é a tributação sobre o cigarro no Paraguai.
• No Paraguai, um dos cigarros mais baratos custa o equivalente a R$ 0,50, enquanto o mesmo produto no Brasil
sai por R$ 3.
• Conforme o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), a evasão fiscal gerada pelo comércio clandestino
de cigarros chegou a R$ 11,5 bilhões no Brasil e a arrecadação com cigarros legais foi de R$ 11,4 bilhões.
22
Disponível em: https://www.huffpostbrasil.com/entry/vai-ou-fica-o-que-dizem-as-tubainas-sobre-a-bolsa-refrigerante-
da-coca-
cola_br_5c334ebbe4b0aa31d4804125?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce
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cBRbZqxikDCRJh9IWfcAslUL9Yq_y7DGmlZ40e_OAiNTBo1Ol5KwsI55cIN9mfggNb40v_NqFmWl3cRARMtxPB
XbHgua609Il4K2BLx5Q9hRGyRxkF5dF3jyURGJH2Uwx6WPVSnKSB5lMNsIXfAu6. Acesso em 22.01.2020.
23
Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/01/23/decisao-sobre-incentivo-na-zfm-causa-insatisfacao-
generalizada.ghtml. Acesso em 23.01.2020.
24
Nos termos do art. 2° do CDC: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final”. O parágrafo único do mesmo dispositivo do CDC equipara “a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
25
As “falhas de mercado” são situações ou características que ensejam disfuncionalidades que dificilmente podem ser solucionadas
ou corretamente resolvidas sem a interveniência de terceiros, em geral o Estado. Os economistas apontam como falhas de mercado
as externalidades, a assimetria de informação, bens públicos e o poder de mercado, como os monopólios e oligopólios. A matéria
será examinada com mais detalhes ao longo do curso. Relativamente à “assimetria de informações”, salientam Cooter e Ulen, “quando
os vendedores sabem mais a respeito de um produto do que os compradores, ou vice-versa, diz-se que as informações estão
distribuídas assimetricamente no mercado”. COOTER, R.; ULEN, T. Direito & economia. 5 ed. Trad. Luiz Marcos Sander e
Francisco Araújo da Costa. Porto Alegre: Bookman, 2010., p. 64.
FGV DIREITO RIO 23
ECONOMIA
(assimetria informacional) assim como o exercício do poder econômico26, o que ocasiona desequilíbrio na
relação e, portanto, legitima a intervenção estatal.
A premissa é por vezes contestada diante da aplicação prática do CDC, em que casos de abusos são
identificados, como descrito por Charles Martins Muniz27:
Na prática, a operacionalização do CDC tem exigido dos Juízes o cuidado de identificar, em cada caso,
se o consumidor é verdadeiramente vulnerável, ou se não se encontra em litigância de má-fé. A rotina
processual tem encontrado consumidores nada vulneráveis, que operam o CDC de forma distorcida,
objetivando o enriquecimento ilícito à custa do prejuízo dos fornecedores.
Além dos casos de possíveis abusos ou litigância de má-fé, a lógica que privilegia o consumidor é
também contestada em suas premissas e, ainda, em razão das possíveis consequências e incentivos associados.
Bruno Bodart, a partir de pesquisas empíricas, sustenta que o sistema de proteção ao consumidor centralizado
na legislação brasileira atual, além de ser fator de concentração de mercado, que afasta a desejável livre
concorrência, não atende aos interesses dos consumidores mais pobres em muitas circunstâncias28:
O Direito do Consumidor, especialmente no Brasil, é um ambiente farto em regras disfuncionais, o
que se deve, em grande parte, ao fato de ser dominado pela retórica sem análise empírica ou
raciocínio econômico, no que diz respeito a parte substancial dos seus intérpretes e aplicadores.
Uma decisão de outubro de 2015 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode ser tomada como
exemplo. Decidiu a Corte que a concessão de desconto para pagamento em dinheiro ou cheque
e a cobrança de preço diferente a clientes com cartão de crédito pelo mesmo produto ou
serviço constitui prática abusiva. O fundamento para a decisão foi o art. 39 do CDC, que qualifica
como práticas abusivas “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva” e “elevar sem
justa causa o preço de produtos ou serviços”. O acórdão, imbuído da legítima intenção de proteção
do consumidor, na realidade cria um benefício para alguns consumidores cujos custos serão
suportados por todos os outros. Afinal, se as operadoras de cartão de crédito cobram um percentual
sobre a transação, é natural que ele seja embutido no preço. Com a vedação ao repasse dessa taxa
apenas aos usuários de cartão de crédito, o efeito esperado, naturalmente, é que todos os clientes
sejam onerados. Nesse cenário, os maiores prejudicados certamente são os mais pobres: quatro em
cada dez brasileiros não têm conta bancária, e, por isso, têm dificuldade de acesso ao crédito. Ao
retirar o dinheiro debaixo do colchão para comprar o produto desejado, esse brasileiro
desfavorecido terá também de desembolsar um valor para custear o uso do cartão de crédito
por outros consumidores mais bem aquinhoados. A lei e o Judiciário não fizeram sumir a
conta – apenas a repassaram para quem possui menos recursos para reclamar por pagá-la.
Assim como essa medida, diversas outras regras que se propõem a beneficiar ou proteger o
consumidor produzem uma conta oculta, em relação à qual pouca atenção costuma ser despertada.
Pior: algumas delas sequer atingem o objetivo de realmente favorecer os consumidores. Por vezes
são inócuas, em outros casos causam prejuízo aos consumidores e noutras hipóteses beneficiam
apenas uma parcela de privilegiados, geralmente mais ricos. (...) Ao experimentar maiores custos
com o cumprimento das determinações governamentais, o fornecedor repassará, em alguma medida,
aquele valor aos seus clientes. Dessa maneira, apenas haverá “benefício líquido” aos consumidores
se, mesmo após o pagamento de preços mais altos, a regra for capaz de melhorar a situação deles
como um todo. O que ainda assim é problemático, já que alguns não poderão arcar com os preços
mais altos, enquanto outros tantos que possam pagar prefeririam preços reduzidos. Noutras
palavras, ainda que se entenda existente um “princípio de justiça” para que normas jurídicas
favoreçam consumidores em suas relações com fornecedores, frequentemente o resultado de sua
aplicação será injusto com os consumidores em geral, dado que vendedores adotarão medidas
26
As hipóteses de mercados não concorrenciais, como o monopólio e o oligopólio, serão examinadas nas aulas 17 a 20.
27
Disponível em: https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43581/abuso-do-direito-pelo-consumidor.
Acesso em 22.01.2020.
28
BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Uma análise econômica do Direito do Consumidor: como leis consumeristas prejudicam
os mais pobres sem beneficiar consumidores. Economic Analysis of Law Review - ISSN 2178-0587. Vol 8, No 1 (2017): Economic
Analysis of Law Review. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/EALR/article/view/7523. Acesso em:
22.01.2020.
FGV DIREITO RIO 24
ECONOMIA
compensatórias no mercado de consumo. Não faz sentido ignorar os efeitos das leis, em nome da
justiça, quando esses efeitos promovem a incidência de injustiça por si. O Direito do Consumidor,
desse modo, atua em um sensível campo de tensão entre proteção legal e aumento de preços
aos consumidores. Partindo da premissa de que regras obrigatórias pró-consumidor podem ser
benéficas à sociedade, é relevante identificar em quais casos elas aproveitam apenas a um grupo ou
mesmo a ninguém, enquanto causam prejuízos a muitos. Esse é o objeto do presente ensaio: avaliar
algumas técnicas de proteção ao consumidor cuja aplicação gera problemas normalmente
desconsiderados e pensar em novas propostas para o alcance de resultados que, indo além das boas
intenções, efetivamente aumentem o bem-estar da sociedade em geral
Amanda Flávio de Oliveira, após ressaltar a controvérsia quanto ao tema, indica no sentido da
necessidade de regras protetivas, nos seguintes termos: 29
Volta e meia retornam aos fóruns acadêmicos as discussões acerca das resistências recíprocas entre
estudiosos do Direito do Consumidor e estudiosos da Law & Economics. Da parte dos primeiros, salvo
exceções, é comum verificar as alegações de que a Law & Economics seria necessariamente
contaminada por uma ideologia de livre mercado em seu aspecto mais radical, assim como que ela
importaria uma submissão do Direito à Economia, à Matemática ou à Estatística, com prejuízo da
dogmática e dos valores resguardados na lei. Da parte dos segundos, alguns deles realmente
imbuídos de uma concepção de Estado mínimo, questionam-se as bases da própria disciplina
consumerista desenvolvida no Brasil, pondo em dúvida valores escolhidos pelo legislador e, em
alguns casos, condenando o próprio sistema protetivo, que considera um sujeito vulnerável digno de
maior proteção em suas relações jurídicas. Essas posturas demonstram desconhecimento de parte a
parte, com prejuízo ao desenvolvimento da política consumerista nacional (o que, supõe-se, seja o
objetivo dos estudiosos desse campo) e, ao fim e ao cabo, à própria solidez do mercado nacional (o
que, supõe-se, interessa aos estudiosos de Law & Economics). (...) Ademais, sob o aspecto econômico,
a tutela do consumidor surge, de forma geral, como um necessário subproduto do próprio capitalismo,
na medida em que são identificáveis práticas predatórias no jogo de mercado e que conduzem a
distorções indesejáveis para a sua própria subsistência ou para a manutenção do melhor nível possível
de competição (grifos da autora). Países como os Estados Unidos optam por enfrentar esses
problemas prioritariamente por meio de normas antitruste. Outros, alinhando-se, sobretudo, ao
desenvolvimento dos direitos humanos, fazem-no de forma dual, por meio de normas concorrenciais
e de normas consumeristas, como é o caso do Brasil. Portanto, para além das razões de ordem
humanista que motivaram o reconhecimento de direitos econômicos e sociais nas Constituições
contemporâneas, como é o caso brasileiro, a disciplina consumerista apresenta-se como um
necessário instrumento de manutenção do próprio sistema econômico.
Constata-se, portanto, distintas visões quanto ao tema, o que demanda a avaliação da matéria diante de
cada caso concreto, à luz dos parâmetros jurídicos e econômicos, simultaneamente.
Nesse sentido, alguns questionamentos facilitam a percepção da complexidade do problema, e
permitem iniciar a análise da contraposição entre ganhos e perdas inerentes às escolhas eventualmente
adotadas (chamados de trade-offs pelos economistas). Com efeito, a maioria das decisões que envolvem
múltiplos interesses contrapostos, e de elevado grau de complexidade, apresentam um conjunto de alternativas
decisórias possíveis, havendo, invariavelmente, aspectos positivos e negativos a serem sopesados em cada
opção disponível30.
Qual o modelo jurídico adequado para disciplinar a relação entre fornecedores e consumidores? Deve-
se adotar maior peso à proteção do consumidor, haja vista a sua vulnerabilidade? Considerando a possibilidade
29
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jan-18/garantias-consumo-law-economics-direito-consumidor-nao-
sao-incompativeis. Acesso em 22.01.2020.
30
Conforme constata Messere, relativamente à política tributária, “tax policy is about trade-offs, not truths”. MESSERE, Ken. Half
Century of Changes in Taxation. 53 Bulletin for International Fiscal Documentation 340. 1999. p. 343-344.
FGV DIREITO RIO 25
ECONOMIA
de repasse aos preços, dos custos da regulação protetiva aos consumidores, quais deveriam ser os cuidados a
serem adotados pelo legislador? Esse repasse dos custos adicionais aos preços sempre ocorrerá? Em quaisquer
circunstâncias? O direito possui instrumental analítico necessário à análise e propostas de solução adequadas
para essas questões? Além dessas indagações, imagine a seguinte situação: considerando os elevados valores
dos alugueis em determinado município turístico, as autoridades locais decidem impor um valor máximo para
alugueis de imóveis (um teto), de acordo com as características de cada bem.
Suponha que o preço tabelado seja inferior àquele que seria solicitado pelos proprietários dos imóveis
em um mercado livre. Nessa hipótese, provavelmente haveria mais pessoas desejando alugar imóveis ao preço
máximo (teto) do que aqueles disponíveis. Quem seriam os prováveis locatários? 31
4. CASO 4: DAS ALTERNATIVAS PROFISSIONAIS: O CUSTO CONTÁBIL VS. CUSTO
ECONÔMICO (CUSTO DE OPORTUNIDADE)
Imagine a seguinte situação hipotética: Dr. Marcio Fictício era um médico anestesista, que trabalhava desde
1990 no hospital da polícia militar, além de realizar trabalhos para um grupo de cirurgiões, privadamente. A
média mensal de sua remuneração, somando o salário como servidor e as anestesias privadas giravam em torno
de R$ 23.000 mil reais ao mês. Além da remuneração pelo trabalho médico, também recebia aluguel de uma
casa, no valor de R$ 10.000 mil reais ao mês. Auferia também renda de juros e dividendos decorrentes de
aplicações no mercado financeiro, no montante de R$ 3.000 mil reais em média, ao mês.
✓ Não obstante a boa remuneração o médico não estava feliz com sua atividade profissional. Após a saída
da locatária, decidiu largar a atividade como anestesista e montar um restaurante no seu imóvel
anteriormente alugado, investindo, ainda, o total do capital aplicado no mercado financeiro.
✓ No final do primeiro ano como empresário, a contabilidade apontava:
1) Receita Bruta total das vendas do restaurante: ..................... R$ 1.800.000
2) Custos Totais:
a) Custo da Comida ............................. R$ 1.140.000
b) Salários e encargos trabalhistas ........ R$ 240.000
c) Água, luz, gás, telefone etc .............. R$ 60.000
d) Tributos e custos de contabilidade.....R$ 60.000
e) Total dos Custos no ano R$ 1.500.000
3) Lucro = Receita Total – Custos Totais = ...................................R$ 300.000 lucro/ano
O contador estava feliz com o resultado positivo (um lucro contábil de R$ 300.000) já no primeiro ano de
atividade. Você concorda ou discorda do contador?
Sabe qual é o conceito de “custo de oportunidade”32? Como medir felicidade adequadamente?
Por fim, após o estudo desses 4 (quatro) casos, responda: por que estudar economia em um curso de direito?
31
VARIAN, Hal R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9ª ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. p.13.
32
O conceito econômico de custo e de lucro é distinto do conceito contábil. O lucro contábil é a receita total menos custos explícitos.
O lucro econômico é a receita total diminuída de todos os custos de oportunidade da produção dos bens e serviços vendidos. Sob o
ponto de vista econômico, a receita total deve cobrir todos os custos de oportunidade, explícitos e implícitos, os quais incluem o lucro
normal da economia. Os lucros econômicos extraordinários superam o lucro normal obtido em um ambiente de concorrência, no qual
nenhum agente exerce poder de mercado, matéria a ser examinada ao longo do curso.
FGV DIREITO RIO 26
ECONOMIA
O estudo da economia se projeta em dois âmbitos indissociáveis: um de natureza material (que se refere
ao conteúdo) e outro de cunho procedimental (que diz respeito ao método ou modo de fazer algo).
Economia, sob o ponto de vista material, é a ciência que tem como objeto de observação - e
preocupação - a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços para satisfazer as necessidades básicas
e os desejos das pessoas e da sociedade como um todo 34.
Nesse aspecto substantivo, a análise econômica tradicional35 procura responder a uma pergunta central:
A indagação nesses termos parte de quatro premissas que se interligam, sem ordem de precedência.
A primeira, no sentido de que o objetivo de maximizar a produção decorre de uma correlação positiva
entre renda/riqueza e bem-estar individual. O segundo postulado é que o ser humano é racional, razão pela qual
atua para maximizar sua utilidade e bem-estar. A terceira premissa subjacente à mencionada questão central
diz respeito à escassez, a qual pode ser considerada em termos absolutos ou relativos. A quarta premissa
concerne à influência que a tecnologia exerce sobre o modelo de produção, distribuição e consumo de bens e
serviços, estabelecendo limites à capacidade produtiva em dado momento do tempo.
Vamos examinar cada uma dessas premissas separadamente a seguir.
33
Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/blog/dicas-de-portugues/post/voce-sabe-qual-e-a-origem-da-palavra-
economia.html. Acesso em 06.12.2019.
34
Importante salientar a distinção entre os desejos humanos e as necessidades básicas para sobrevivência. Os desejos humanos são
fortemente influenciados pela propaganda e o marketing, os quais também criam demanda e conformam o status social do indivíduo.
Na atual economia digital, as plataformas que utilizam a internet se apropriam de dados pessoais coletados para obtenção de lucro.
A virtualização e a deslocalização geográfica da atividade econômica, associada com a captura e venda de dados pessoais, permitem
não apenas a sua monetização, mas também a utilização das informações obtidas para previsão do comportamento individual. Esse
aspecto do tema será retomado na próxima aula.
35
Os limites que a natureza impõe à economia serão introduzidos na Aula 4.
FGV DIREITO RIO 27
ECONOMIA
Premissa 1: A maximização da produção e a relação entre renda e bem-estar
A primeira premissa subjacente à questão acima sugerida é no sentido de que o objetivo de maximizar
a produção decorre da correspondência positiva entre a renda e o bem-estar individual e, por conseguinte, social,
tendo em vista que o bem-estar coletivo é resultado da agregação das partes36. Assim, quanto maior a produção,
renda e riqueza maior será o bem-estar pessoal e coletivo.
Para a teoria econômica, o trabalho produtivo cria utilidade37, a qual também é, ao mesmo tempo, a
medida do bem-estar38. A atividade produtiva nesses termos compreende tanto o trabalho que cria um objeto
material palpável, apto a ser fisicamente transferido, como a prestação de serviço que cria benefício imaterial
ou que acresce valor a um bem.
A riqueza proveniente do trabalho produtivo viabiliza o consumo das utilidades dos bens produzidos
e dos serviços prestados, e não propriamente os objetos ou os serviços em si39. O bem-estar usufruído é
quantificado de acordo com a utilidade desfrutada.
Nesses termos, duas conclusões podem ser extraídas até o momento: a) os indivíduos intencionam
aumentar a produção, suas rendas e riquezas para maximizar o seu bem-estar, reflexo do racionalismo utilitário,
característico do comportamento individual maximizador; e b) a regulação estatal40, no que for pertinente, deve
36
Para a microeconomia a soma dos comportamentos individuais explica os movimentos da sociedade como um todo. Apenas
recentemente por meio da chamada “teoria dos jogos” tem sido construído modelos envolvendo coalizões supra-individuais. A
matéria será examinada especialmente na Aula 23.
37
MILL, John Stuart. Princípios de economia política: com algumas aplicações à filosofia social; introdução de W.J.Aschley;
apresentação Raul Ekerman; tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os economistas). p.61/62. “Em
primeiro lugar, mesmo no que se chama produção de objetos materiais, importa lembrar que o que é produzido não é a matéria que
os compõe. Nem mesmo todo o trabalho de todos os seres humanos do mundo seria capaz de produzir uma única partícula de matéria.
Fazer tecido inglês não é outra coisa senão dispor de forma peculiar, as partículas da lã; cultivar trigo não é outra coisa senão colocar
porção de matéria, denominada semente, em um local que ela possa coletar e combinar partículas da matéria da terra e do ar, para
formar nova combinação denominada planta. Ainda que não tenhamos condições de criar matéria, podemos fazer com que ela assuma
propriedades, em virtude das quais transforma de inútil em útil para nós”.
38
O termo “utilidade” foi indicado por Jeremy Bentham (1748-1832) como uma medida aproximada da sensação de dor e de prazer,
o que seria o móvel da ação humana. A doutrina utilitarista, de Bentham e de John Stuart Mill (1806-1876), consagrou o ser
econômico (homo economicus) como maximizador de utilidade pessoal. Mas qual o parâmetro para medir a utilidade? Considerando
a dificuldade de aferir e comparar a utilidade entre as pessoas, que possuem percepções distintas, utiliza-se uma escala de valor
alternativa, que é o dinheiro ou unidade monetária (a moeda), matéria a ser introduzida nas Aulas 5 e 6. Dessa vinculação da medição
da utilidade à moeda decorrem algumas consequências. O mais importante é que as pessoas podem ter preferências distintas em
relação ao próprio dinheiro, que é utilizado como parâmetro para medição da utilidade. As consequências desse aspecto serão
relevantes para o estudo das diferentes concepções e critérios de eficiência, a ser introduzido na Aula 9 e aprofundado na Aula 22.
39
MILL, John Stuart. Princípios de economia política: com algumas aplicações à filosofia social; introdução de W.J.Aschley;
apresentação Raul Ekerman; tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os economistas). p.62. “O que
produzimos, ou desejamos produzir, é sempre, como diz com razão o Sr. Say, uma utilidade. O trabalho não cria objetos, mas
utilidades. Tampouco consumimos ou destruímos os objetos como tais; a matéria que os compõe permanece, mais ou menos alterada
na forma; o que foi realmente consumido são apenas as qualidades em virtude das quais esses objetos foram adequados ao fim para
o qual foram aplicados. É, portanto, pertinente a questão colocada pelo Sr. Say e por outros: visto que, quando se diz que produzimos
objetos, só produzimos utilidades, por que não considerar produtivo todo trabalho que produza utilidade? Por que recusar esse título
ao cirurgião que conserta um membro, ao juiz e ao legislador que proporcionam segurança, e atribuí-lo a um lapidador que corta o
diamante e lhe dá polimento? Por que negá-lo ao instrutor do qual aprendo uma arte – pelo qual posso ganhar meu pão – e atribuí-lo
ao confeiteiro que faz bombons em função de um prazer momentâneo de um paladar?”.
40
O termo “regulação” tem sido utilizado em diversos sentidos. Em sentido amplo, designa as diferentes formas de influência do
Estado sobre ações privadas ou sociais, ao passo que em seu sentido restrito se refere ao conjunto específico de comandos que obrigam
e são aplicados por uma agência estatal dotada de autonomia para disciplina de determinada atividade econômica. BALDWIN,
Robert, CAVE, Martin e LODGE, Martin. Understanding Regulation: Theory, Strategy, and Practice. Oxford University Press
Inc., New York, 2012, p.2/3.
FGV DIREITO RIO 28
ECONOMIA
ser direcionada ao aumento da produção e ao crescimento da economia.
O bem-estar máximo possível, de acordo com essa concepção, é função da capacidade de combinar e
utilizar de forma eficiente os fatores de produção (trabalho, capital físico e financeiro, empreendedorismo e
tecnologia), objetivando-se alcançar a mais alta taxa de produtividade total de fatores (TPTF). Afinal, se é
possível atingir maior produção com a mesma quantidade de capital e trabalho, com o mínimo de desperdício,
o volume produzido por pessoa (produção per capita) aumenta, elevando-se o conforto material de toda a
sociedade. A eficiência do processo produtivo, portanto, é objetivo crucial para o economista.
Apesar da mencionada correlação positiva entre renda/riqueza e o bem-estar, esta correspondência não
é necessariamente linear e infinita. Isto é, pesquisas empíricas sugerem que a utilidade não cresce na mesma
proporção a partir de determinado nível de renda, além de existir um limite, a partir do qual o seu aumento não
gera acréscimo de bem-estar. Estudos do ano de 2010 da Princeton University's Woodrow Wilson School 41 e
outro mais recentemente elaborado com base em ampla pesquisa realizadas pela Gallup World Poll, e publicado
na revista Nature Human Behaviour,42 indicam no sentido de que a partir da renda familiar de US$ 75 mil
dólares ao ano, aproximadamente, não há mais aumento proporcional de bem-estar quando a renda cresce,
havendo, ainda, um limite para o acréscimo de satisfação.
Além disso, controvérsia também existe quanto ao grau de influência, sobre o bem-estar individual, do
grau de desigualdade na sociedade em que se vive. Há estudos empíricos sugerindo que países que apresentam
grandes desigualdades entre ricos e pobres têm mais chance de apresentar problemas sociais mais agudos do
que em sociedades mais igualitárias (de saúde, homicídios, etc.)43.
41
Disponível em: http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,2019628,00.html. Acesso em 24.01.2020.
42
“Income is known to be associated with happiness1, but debates persist about the exact nature of this relationship2,3. Does
happiness rise indefinitely with income, or is there a point at which higher incomes no longer lead to greater well-being? We examine
this question using data from the Gallup World Poll, a representative sample of over 1.7 million individuals worldwide. Controlling
for demographic factors, we use spline regression models to statistically identify points of ‘income satiation’. Globally, we find that
satiation occurs at $95,000 for life evaluation and $60,000 to $75,000 for emotional well-being. However, there is substantial variation
across world regions, with satiation occurring later in wealthier regions. We also find that in certain parts of the world, incomes
beyond satiation are associated with lower life evaluations. These findings on income and happiness have practical and theoretical
significance at the individual, institutional and national levels. They point to a degree of happiness adaptation 4,5 and that money
influences happiness through the fulfilment of both needs and increasing material desires”. JEBB Andrew T., TAY, Louis, DIENER,
Ed & OISHI, Shigehiro. Happiness, income satiation and turning points around the world. Published: 08 January 2018.
Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41562-017-0277-0. Acesso em 25.01.2020.
43
WILKINSON, Richard; PICKETT, Kate. The Spirit Level: why equality is better for everyone. Penguin Books, 2010. O estudo
limita-se aos países mais ricos, nos quais a discrepância entre o Produto Nacional Bruto (PNB) per capta é baixa. Entretanto, apesar
da menor disponibilidade de dados, segundo os autores “está claro que grandes desigualdades de renda apresentam resultados muito
semelhantes entre os países mais ricos e os mais pobres. A diferença é que, nos países menos desenvolvidos, é necessário levar em
conta as diferenças no PNB per capta antes de analisar os efeitos da desigualdade, Embora a disponibilidade de dados que podem ser
comparados em nível internacional seja menor para a maioria dos países em desenvolvimento, os dados disponíveis em relação à
saúde e às taxas de homicídio indicam que a desigualdade produz efeitos parecidos em qualquer lugar. Em todos os lugares em que
existem dados disponíveis para outros resultados, e em que esses dados foram incluídos por pesquisadores em seus estudos, a
conclusão tende a ser a mesma”. Vide prefácio à edição brasileira do mesmo livro: WILKINSON, Richard; PICKETT, Kate. O Nível.
Por que uma sociedade mais igualitária é melhor para todos. Tradução Marilene Tombini. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2015, p.15/17.
FGV DIREITO RIO 29
ECONOMIA
Assim sendo, inicialmente, sem levar em consideração outras restrições, e limitações ao crescimento44,
parece não bastar o aumento do “bolo”, devendo-se levar em consideração, também, como serão repartidas as
“fatias do bolo” para o alcance maior bem-estar individual, e coletivo. No entanto, não há consenso quanto à
necessidade e adequação de interveniência estatal nesse sentido. Tampouco há unanimidade em relação aos
mecanismos e instrumentos adequados para reduzir as diferenças existentes, e bem assim qual seria o grau de
interferência pertinente para tornar o sistema econômico mais inclusivo. Sobre o tema, aponta Thomas
Philippon45:
The big debates in economics are about growth and inequality. As economists, we seek to understand
how and why countries grow and how they divide income among their citzens. In other words, we
are concerned with two fundamental issues. The first issue is how to make the pie as large as possible.
The second issue is how to divide the pie.
Economists study those choices because they want to understand the factors that foster growth and
the factors that influence the distribution of income among individuals. At least since Adam Smith,
we have understood that one of those factors is competition.
Adam Smith (1723 – 1790) é considerado o pai da economia clássica. Após publicar a obra “A Riqueza
das Nações”,46 um dos textos fundantes do liberalismo econômico 47, tornou-se precursor da economia
moderna48. Considerando a “natural” atuação das leis da oferta e da demanda, Smith defende que o Estado deve
realizar apenas funções que visem à proteção da propriedade privada, do livre comércio e da segurança,
realizando ações positivas apenas em três áreas: a defesa da sociedade contra os inimigos externos, a proteção
dos indivíduos contra as ofensas mútuas e a realização de obras públicas que não possam ser realizadas pela
iniciativa privada49. Smith aponta no sentido da autocorreção em mercados competitivos, em razão das
variações dos preços livres, os quais equilibram a oferta e a demanda (“a mão invisível do mercado”)50. Indica,
ainda, que a riqueza das nações decorre do aumento da produtividade da mão de obra, ou seja, da capacidade
do trabalhador aumentar a produção de bens ao longo de determinado período de tempo. A partir da divisão do
44
Há limites ao crescimento econômico decorrentes de diversas causas, como, o estágio tecnológico, a capacidade de empreender e
organizar o sistema produtivo bem como aproveitar as potencialidades locais (as vantagens comparativas - de extrair o máximo das
características do local onde atua, como os recursos naturais, do clima, de aspectos culturais), etc. O meio ambiente natural (a
natureza) também impõe limites ao crescimento econômico, matéria a ser explorada na Aula 4, como já destacado (nota 35).
45
PHILIPPON, Thomas. The Great Reversal. How America gave up on free markets. Cambridge, Massachussetts: Thre Belknap
of Harvard University Press, 2019. p. 13.p. 13.
46
A obra foi publicada pela primeira vez em março de 1776, em Londres. Uma segunda edição foi lançada em fevereiro de 1778,
seguida por três edições antes da morte de Smith: em 1784, 1786 e 1780. SMITH, Adams. A riqueza das nações, volumes 1 e 2;
tradução Alexandre Amaral Rodrigues, Eunice Ostrensky - 3ª e 4ª ed e. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2016.
47
O Liberalismo, em suas diversas projeções, defende a liberdade e a intervenção mínima do Estado, seja nas relações econômicas
(liberalismo econômico), seja na vida pessoal (liberalismo político ou social).
48
A história do pensamento econômico é usualmente subdividida em três períodos: pré-moderno, moderno e contemporâneo. O
pensamento clássico inicia a fase moderna e sistemática do estudo econômico, e tem como marco a obra “A Riqueza das Nações” do
filósofo e economista escocês Adam Smith. O período da Revolução Francesa (1789-1799) marcou o fim da idade moderna e início
da contemporaneidade. Essas classificações são apenas ilustrativas, em especial se o parâmetro analítico for o Século XXI.
49
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 1992.
50
Como regra geral, a tendência é no sentido do preço de equilíbrio, situação que iguala a oferta e a demanda nos mercados. Se há
excesso de demanda de determinado bem, por exemplo, o preço sobre, atraindo novos agentes econômicos para produzir no setor
específico que se torna mais atraente. Com novos produtores, haverá maior oferta para atender a demanda e o preço entrará em
equilíbrio novamente. Por outro lado, se há excesso de oferta, alguns produtores deixarão o mercado, motivo pelo qual o mercado
tenderá novamente ao preço de equilíbrio. Essa questão no mercado em concorrência perfeita será retomada nas Aulas 10 a 12.
FGV DIREITO RIO 30
ECONOMIA
trabalho e expansão dos mercados (para ganhar maior escala) as nações poderiam enriquecer. Assim, quanto
maior o tamanho do mercado e mais sofisticada a especialização na execução das tarefas (maior eficiência),
maior seria a produtividade e riqueza das nações51.
Ainda no contexto da economia clássica, também se destaca a obra de David Ricardo (1772- 1823)52,
o qual impulsionou o estudo da teoria do valor trabalho incorporado 53, a teoria da renda fundiária e a teoria das
vantagens comparativas54. Ricardo também tratou de aspectos de política monetária no artigo “O preço do ouro:
uma prova da depreciação do papel moeda”, no periódico Morning Chronicle. A partir de uma visão
quantitativista, justificava a inflação da época ao descontrole das emissões de moeda, em contraposição à tese
então dominante, segundo a qual o problema se devia ao aumento dos preços dos cereais 55.
Os neoclássicos56, a partir dos fundamentos do livre mercado formulados pelos economistas clássicos,
incluíram novas concepções, como a mencionada maximização da utilidade do consumidor e do lucro do
produtor, a teoria da escolha racional (a ser introduzida quando do exame da segunda premissa) e a análise
marginal, que estuda como os indivíduos decidem para maximizar seu bem-estar (escolha racional pela melhor
opção disponível).
Merece destaque a contribuição do austríaco Ludwig von Mises (1881-1973)57 para a criação da
chamada escola austríaca, tendo como seu principal sucessor Friedrich August von Hayek (1899-1992),
laureado com prêmio Nobel de Economia em 1974. Mises, defensor intransigente das liberdades individuais e
do livre mercado, “desafiou as experiências totalitárias do comunismo soviético, do fascismo e do nazismo,
assim como o crescente intervencionismo estatal dos regimes democráticos”58. Os seguintes trechos são
esclarecedores do posicionamento de Mises em defesa do livre mercado59:
Diz uma frase famosa, muito citada ‘O melhor governo é o que menos governa’. Esta não me parece
uma caracterização adequada das funções de um bom governo. Compete a ele fazer todas as coisas
para as quais necessário e para as quais foi instituído. Tem dever de proteger as pessoas dentro do
país contra as investidas violenta e fraudulentas de bandidos, bem como defender o país contra os
51
Em período anterior, os fisiocratas, grupo de economistas franceses do século XVIII desenvolveram a teoria econômica no sentido
de que a riqueza das nações era derivada unicamente do valor de "terras agrícolas" ou do "desenvolvimento da terra" e que produtos
agrícolas deveriam ter preços elevados (já que para eles a agricultura tinha um valor muito grande).
52
David Ricardo, em conjunto com Adam Smith, Thomas Malthus (1776-1834), Jean-Baptiste Say (1768-1832) e John Stuart Mill
(1806-1873) constituem os principais autores da escola clássica da economia política. Sem considerar os impactos dos avanços
tecnológicos na agricultura, Malthus indicou que enquanto a população crescia em progressão geométrica, a produção de alimentos
crescia progressão aritmética. Por sua vez, Say popularizou a chamada “lei de Say”, segundo a qual “a oferta cria a sua própria
demanda”. Já Stuart Mill, além de consolidar os trabalhos dos clássicos, incorporou elementos institucionais em sua análise. MILL,
John Stuart. Princípios de economia política: com algumas aplicações à filosofia social; introdução de W.J.Aschley; apresentação
Raul Ekerman; tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os economistas).
53
Matéria a ser introduzida na Aula 7.
54
Matéria a ser examinada na Aula 23.
55
A questão monetária da economia será examinada nas Aulas 5 e 6.
56
Os principais nomes da escola neoclássica são Leon Walras (1834-1910), Alfred Marshall (1842-1924), Willian Jevons (1834-
1882), John Hicks (1904-1989) e George Stigler (1911-1991).
57
Mises nasceu na cidade de Lviv, na época, território do Império Austro-Húngaro. Estudou e obteve o doutorado em Direito na
Universidade de Viena, onde lecionou entre 1913 e 1934. Entre 1934 e 1940 foi professor em Genebra até a sua fuga para os Estados
Unidos. Na New York University (NYU), lecionou de 1945 a 1969. MISES, Ludwig von. As seis lições. Tradução de Maria Luiza
X. de A. Borges -9ª ed. revista- São Pulo: LVM, 2018.
58
MISES, Ludwig von. As seis lições. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges -9ª ed. revista- São Pulo: LVM, 2018, p.2/3.
59
Idem. p.81/82 e 84/85.
FGV DIREITO RIO 31
ECONOMIA
inimigos externos. São essas funções do governo num sistema livre, no sistema de economia de
mercado. No socialismo, obviamente, o governo é totalitário, nada escapando à sua esfera e sua
jurisdição. Mas na economia de mercado, a principal incumbência do governo é proteger o
funcionamento harmônico dessa economia contra a fraude ou a violência originada dentro ou fora
do país. Os que discordam dessa definição das funções do governo poderão dizer: ‘Este homem
abomina o governo’. Nada poderia estar mais longe da verdade. Se digo que a gasolina é um líquido
de grande serventia, útil para muitos propósitos, mas que, apesar disso, não a beberia, por não me
parecer esse o uso próprio para o produto, não me converto por isso num inimigo da gasolina. Digo
apenas que ela é muito útil para determinados fins, mas inadequada para outros. Se digo que é dever
do governo prender assassinos e demais criminosos, mas que não é seu dever abrir estradas ou
gastar dinheiro em inutilidades, não quer dizer que odeie o governo apenas por afirmar que ele está
qualificado para fazer determinadas coisas, mas não o está para outras. Já se disse que nas condições
atuais, não temos mais uma economia de livre mercado. O que temos nas condições presentes é algo
a que se dá o nome de ‘economia mista’. E como provas da efetividade dessa nossa ‘economia mista’,
apontam-se muitas empresas de que o governo é proprietário e gestor. A economia é mista, diz-se,
porque, em muitos países, determinadas instituições – como companhias de telefone e telégrafo, as
estradas de ferro – são de posse do governo e administradas por ele. Não há dúvidas de que algumas
dessas instituições são geridas pelo governo.
(...)
Que é intervencionismo?
O intervencionismo significa que o governo não se restringe à atividade de preservação da ordem, ou
– como se costumava dizer cem anos atrás – da ‘produção da segurança’. O intervencionismo revela
um governo desejoso de fazer mais. Desejoso de interferir nos fenômenos de mercado. Alguém que
discorde, afirmando que o governo deveria intervir nos negócios, poderá ouvir, com muita
frequência, a seguinte resposta: ‘Mas o governo sempre interfere, necessariamente. Se há policiais
nas ruas, o governo está interferindo. Interfere quando um assaltante rouba uma loja ou quando evita
que alguém furte um automóvel’. Mas quando falamos de intervencionismo, e definimos o significado
do termo, referimo-nos à interferência governamental no mercado. (Que o governo e a polícia se
encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles os homens de negócio, e, evidentemente, seus
empregados, contra ataques de bandidos nacionais ou do exterior, é efetivamente uma expectativa
normal e necessária, algo por esperar de qualquer governo. Essa proteção não constitui uma
intervenção, pois a única função legítima do governo é, precisamente, produzir segurança). Quando
falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo que experimenta o governo de fazer mais que
impedir assaltos e fraudes. O intervencionismo significa que o governo não somente fracassa em
proteger o funcionamento harmonioso da economia de mercado, como também interfere em vários
fenômenos de mercado: interfere nos preços, nos padrões salariais, nas taxas de juros e nos lucros.
Portanto, o liberalismo econômico, a partir da garantia da propriedade privada dos meios de produção
e da prevalência da segurança60, estimula a concorrência, a eficiência produtiva e a intervenção estatal mínima.
Concentra a sua atenção, portanto, no lado do crescimento do “bolo”.
É, sem dúvida, um sistema extremamente eficiente para criação de riqueza, fundamentado na inovação,
competição e liberdade.
Nesse contexto, merece realce a fase inicial do capitalismo com a Primeira Revolução Industrial (1760-
1830), primeiramente na Inglaterra, o que conferiu um novo perfil à anterior economia eminente agrícola e
extrativista. As mudanças foram de diversas ordens, com a aristocracia rural perdendo força diante do novo
sistema de produção nas fábricas e deslocamento de parte da população rural para as indústrias capitalistas em
áreas urbanas, conforme salienta Mises61:
Oitenta anos depois (do início da revolução industrial), após a expansão do capitalismo da Inglaterra
para a Europa Continental, mais uma vez verificou-se a reação da aristocracia rural contra o novo
sistema de produção. Na Alemanha, os aristocratas prussianos – tendo perdido muitos trabalhadores
60
Segurança aqui inclui também a segurança jurídica, de cumprimento dos contratos e negócios privados.
61
MISES, Ludwig von. As seis lições. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges -9ª ed. revista- São Pulo: LVM, 2018, p. 44.
FGV DIREITO RIO 32
ECONOMIA
para as indústrias capitalistas, que ofereciam melhor remuneração – cunharam a expressão para
designar o problema: ‘fuga do campo’ – Landflucht. Discutiu-se, então, no parlamento alemão, que
tipo de medida se poderia tomar contra aquele mal – e tratava-se indiscutivelmente de um mal, do
ponto de vista da aristocracia rural.
Dessa forma, de acordo com Mises, diante das melhores remunerações oferecidas pelas indústrias, as
condições de vida melhoraram com o comércio capitalista. Nesse sentido, considerando a ampla difusão de
informações acerca de péssimas condições de vida e de baixíssima remuneração dos trabalhadores à época62,
sustenta o austríaco que “os primeiros historiadores do capitalismo falsearam – é difícil usar uma palavra mais
branda – a história”63.
Em contraponto aos economistas neoclássicos, em diversos aspectos, a partir da percepção que a
sociedade se transformava quando se alterava o modo de produção, Karl Marx (1818 -1883) subdivide a história
em 5 (cinco) fases consecutivas: modo de produção primitivo; modo de produção escravista; modo de
produção asiático; modo de produção feudal e o modo de produção capitalista64.
Na fase capitalista, com a nobreza e a aristocracia rural perdendo o protagonismo, surge, para Marx,
duas classes com interesses antagônicos: a burguesia e o proletariado. É a ideia de luta de classes. No manifesto
comunista,65 salienta que embora os trabalhadores produzam a maior parte da riqueza, são excluídos da maior
parte dos benefícios dessa produção, que fica nas mãos da minoria burguesa (decorrência da mais valia
expropriada)66. Nesse sentido, propõe uma sociedade igualitária, com o “fim do trabalho infantil” (divulgado
62
Com base na “sinistra” descrição de Alexis de Tocqueville (1805-1859), sobre sua viajem pela Inglaterra no Século XIX, José
Jobson de Andrade Arruda, indica: “nada mais lúgubre, nada mais desumano. Eis o novo habitat do proletariado nascente. A fase
idílica do trabalho no campo, da dualidade camponesa, havia passado. O ritmo inesperado e impetuoso da expansão urbana não fora
acompanhado por adequados serviços urbanos. A produção e o transporte de alimentos certamente declinou em muitas grandes
cidades até o advento das estradas de ferro. A emergência do sistema fabril revoluciona completamente as estruturas de produção que
permaneciam na sua retaguarda: a manufatura se transforma e constantemente em fábrica, o artesanato m manufatura e, finalmente,
os resquícios do artesanato e do trabalho doméstico transformam-se, rapidamente, em antros de miséria onde campeia livremente a
exploração capitalista. Esta tendência foi o que Marx designou ‘a generalização da lei fabril’ para toda produção social” (...) A vida
nas fábricas era odiosa. A disciplina intolerável. (...) Na medida em que a mecanização nivela por baixo a habilidade necessária dos
trabalhadores, tornava-se possível incorporar, com facilidade, trabalho feminino e infantil. Isto significava baixar o custo de
remuneração do trabalho”. ARRUDA, José Jobson de Andrade. Revolução Industrial e Capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1984,
p.74/76. A aludida descrição de Tocqueville está disponível em:
https://www.dhr.history.vt.edu/modules/eu/mod01_nature/evidence_detail_05.html. Acesso em 29.01.2020.
63
MISES, Ludwig von. As seis lições. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges -9ª ed. revista- São Pulo: LVM, 2018, p. 42/44.
64
Disponível em: https://medium.com/paiol/o-pensamento-sociol%C3%B3gico-de-karl-marx-parte-ii-df89b0ba3fca.
Acesso em 27.01.2020.
65
O manifesto comunista escrito por Karl Marx em conjunto com Friedrich Engels (1820-1895) foi editado em 1948. Segundo Eric
Hobsbawm “nunca houve uma [revolução] que se tivesse espalhado tão rápida e amplamente, alastrando-se como fogo na palha por
sobre fronteiras, países e mesmo oceanos” (HOBSBAWN, Eric. A era do capital: 1848-1875, 1996, p. 28).
66
Em seu livro O Capital (Crítica a Economia Política), Marx afirma “Que o trabalhador, com o aumento da força produtiva de seu
trabalho, produza em 1 hora, digamos, 10 vezes mais mercadorias do que antes, e, consequentemente, precise de 10 vezes menos
tempo de trabalho para cada artigo, não o impede em absoluto de trabalhar as mesmas 12 horas de antes, tampouco de produzir,
nessas 12 horas, 1.200 artigos em vez de 120. Mais ainda, sua jornada de trabalho pode ser prolongada, ao mesmo tempo, de modo
que ele passe a produzir 1.400 artigos em 14 horas etc. Por essa razão, em economistas do calibre de MacCulloch, Ure, Senior e tutti
quanti, podemos ler, numa página, que o trabalhador tem uma dívida de gratidão ao capital pelo desenvolvimento das forças
produtivas, pois este reduz o tempo de trabalho necessário, e, na página seguinte, que ele tem de dar provas dessa gratidão trabalhando,
doravante, 15 horas em vez de 10. O desenvolvimento da força produtiva do trabalho no interior da produção capitalista visa encurtar
a parte da jornada de trabalho que o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo precisamente para prolongar a parte da jornada de
trabalho durante a qual ele pode trabalhar gratuitamente para o capitalista”. (grifo não existente no original) Disponível em:
http://www.gepec.ufscar.br/publicacoes/livros-e-colecoes/marx-e-engels/o-capital-livro-1.pdf/at_download/file. Acesso
FGV DIREITO RIO 33
ECONOMIA
como muito comum à época, “principalmente nas fábricas”67), razão pela qual defende que a propriedade dos
meios de produção deveria ser do Estado. Segundo a tese marxista, a dinâmica de acumulação do capital
privado redundaria na “autodestruição” e “apocalipse” do próprio capitalismo, pois a sua inerente instabilidade
e excessiva concentração de riqueza (e poder) nas mãos de poucos burgueses conduziria à revolução popular,
para dar origem ao sistema comunista.
Ainda que a maior parte dos países ocidentais nunca tenham aderido à tese da propriedade pública dos
meios de produção, e também não tenha ainda ocorrido o mencionado “apocalipse”68 do capitalismo, alguns
fatos ocorridos no final do Século XIX e início do Século XX colocaram em xeque a tese do não
intervencionismo estatal na ordem econômica e social como propugnado pelo liberalismo econômico. Sobre o
tema, assevera Luiz Emygdio69 que o Estado passou a intervir no funcionamento dos mercados – e na iniciativa
privada - especialmente pelas seguintes razões:
a) grandes oscilações porque passavam as economias (...); b) crises provocadas pelo desemprego
que ocorria em larga escala nas etapas de depressão, gerando grandes tensões sociais; c) efeitos cada
vez mais intensos das descobertas científicas e de suas aplicações; e d) dos efeitos originados da
Revolução Industrial com o surgimento de empresas fabris de grande porte, com o consequente
agravamento das condições materiais dos trabalhadores.
Ainda, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) exigiu grande esforço dos governos, inclusive na
atividade produtiva, o que foi ainda mais agudo durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Antes mesmo da Segunda Guerra, a crise de 1929, conhecida como a grande depressão 70, já havia
marcado substancial enfraquecimento da tese do liberalismo econômico naquele momento, tendo como
principais causas a especulação financeira e a superprodução, o que culminou com a quebra da bolsa nos
Estados Unidos71.
Surge então, no início do século XX, com grande força, o keynesianismo, o qual compreende um
conjunto de teorias e propostas formuladas pelo economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) e
seus seguidores. De acordo com a tese keynesiana, ainda que dentro dos parâmetros do mercado livre capitalista,
há necessidade de uma intervenção do Estado na economia, com o objetivo principal de garantir nível de
em 29.01.2020. p.492.
67
Disponível em: Disponível em: https://medium.com/paiol/o-pensamento-sociol%C3%B3gico-de-karl-marx-parte-ii-
df89b0ba3fca. Acesso em 27.01.2020. Acesso em 27.01.2020.
68
Em sentido diverso à tese marxista, Joseph A. Schumpeter (1883-1950), em seu livro Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942)
sustenta que “O processo de destruição criadora”, é o fato essencial do capitalismo, tendo como seu protagonista central o empresário
inovador. “Este processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele
deve se adaptar toda a empresa capitalista para sobreviver.” (Capítulo 7). Disponível em:
http://uenf.br/cch/lesce/files/2013/08/Texto-3.pdf. Acesso em 29.01.2020.
69
ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar,
2001, p. 5-6.
70
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a grande crise econômica e financeira ocorrida entre os anos de 2007 e 2010 foi
a mais grave desde a depressão de 1929. Box 1.1 (page 11-14). IMF. April 24, 2009. Retrieved September 17, 2013. "World Economic
Outlook — April 2009: Crisis and Recovery". “The global economy is experiencing its deepest downturn in 50 years. Many observers
have argued that this downturn has all the features of a global recession”. Disponível em:
http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2009/01/pdf/text.pdf. Acesso em 29.01.2020.
71
Disponível em: https://www.britannica.com/event/stock-market-crash-of-1929. Acesso em 27.01.2020.
FGV DIREITO RIO 34
ECONOMIA
emprego elevado e manter o controle da inflação. Nesse sentido, considerando os agudos prejuízos sociais
ocasionados pelas grandes oscilações econômicas, que deixam a maior parcela da população desprotegida,
justifica-se a intervenção contracíclica para aumentar a produção, com estímulos fiscais – gastos públicos –
para estimular a demanda quando ocorrem momentos de depressão. Nos termos do pensamento keynesiano o
nível de emprego em uma economia tem como um dos seus principais fatores de impulsão o nível de produção
nacional, o que é determinado pela demanda agregada. Assim, inverte a chamada lei de Say, segundo a qual a
oferta cria a sua própria demanda (vide nota 53)
Analisando as finanças funcionais, contraposta à tese do laissez-faire, por meio da utilização dos
impostos alfandegários com fins extrafiscais em períodos remotos, Aliomar Baleeiro72 pontua:
Os progressos das ciências econômicas, sobretudo depois do impulso que lhes imprimiu a teoria
geral de Keynes, refletiram-se na Política Fiscal e esta, por sua vez, revolucionou a concepção da
atividade financeira, segundo os preceitos dos financistas clássicos. Ao invés das ‘finanças neutras’
da tradição, com seu código de omissão e parcimônia tão ao gosto das opiniões individualistas,
entendem hoje alguns que maiores benefícios a coletividade colhera de ‘finanças funcionais’, isto é,
a atividade financeira orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica. Destarte, o setor
público – ‘a economia pública’ não se encolhe numa vizinhança pacífica e tímida junto às lindes da
economia privada. A benefício desta é que deve invadi-la, para modificá-la, como elemento
compensador nos desequilíbrios cíclicos. Em verdade, a despeito das novidades terminológicas, a
´Política Fiscal´ é apenas nova aplicação dos instrumentos financeiros para fins ´extrafiscais´. A
Política Fiscal, no campo econômico, era bem conhecida dos clássicos para o protecionismo por meio
de impostos alfandegários. Alguns advogam para fins “sócio-políticos”, como preferia dizer Seligman
referindo-se às tendências de reforma social pelo tributo, defendidas por Wagner. Hoje a política
anticíclica de modificação da conjuntura e da estrutura atrai as atenções em finanças extrafiscais.
De acordo com Keynes, em diversas circunstâncias, os mercados não são capazes de se autocorrigirem,
razão pela qual sustenta ser imprescindível uma política governamental ativa de gastos públicos para estímulo
do fluxo real e monetário da economia – designada como princípio da demanda efetiva.
Além do problema dos ciclos econômicos, das guerras e pandemias, a discussão acerca da desigualdade
sempre foi objeto de muita controvérsia, o que coloca em evidência o debate sobre a necessidade – ou não – da
intervenção estatal também na ordem social, além da ordem econômica, visando uma economia inclusiva.
Nos últimos anos, muitos trabalhos têm sido produzidos sobre as causas e efeitos da desigualdade, indicando
substancial concentração de renda e riqueza em grande parte do mundo. Destaca-se nesse sentido a obra de
Thomas Piketty, intitulada “O Capital no Século XXI”73. Com efeito, saliente-se que o prêmio Nobel de
economia do ano de 2019 foi dividido entre Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer pelos trabalhos
72
BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 30-31.
73
O livro é fruto de quinze anos de pesquisa (1998-2013) dedicadas à dinâmica histórica das rendas e patrimônios, contendo dados
“históricos e comparativos mais extensos que os de todas as pesquisas anteriores – abrangendo três séculos e mais de vinte países”.
Conclui no sentido de que o “crescimento econômico moderno e a difusão do conhecimento tornaram possível evitar o apocalipse
marxista, mas não modificaram as estruturas profundas do capital e da desigualdade – ou pelo menos não tanto quanto se imaginava
nas décadas otimistas pós-Segunda Guerra Mundial. Quando as taxas de remuneração do capital ultrapassa a taxa de crescimento da
produção e da renda, como ocorreu no século XIX e parece provável que volte a ocorrer no século XXI, o capitalismo produz
automaticamente desigualdades insustentáveis, arbitrárias, que ameaçam de maneira radical os valores de meritocracia sobre os quais
se fundam nossas sociedades democráticas”. PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Tradução Monica Baumgarten de Bolle.
– I. ed- Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 9.
FGV DIREITO RIO 35
ECONOMIA
e pesquisas voltadas para o combate à pobreza74.
Sobre a questão da desigualdade, a partir dos dados coletados na economia dos Estados Unidos e da
Europa, aponta Thomas Philippon75:
In addition to a slowdown in growth, inequality has risen over the past forty years. Broadly speaking,
income inequality can grow between middle class and the poor, or between the rich and the middle
class. Or both, as it turns out, but not always at the same time. In the 1970s and 1980s, we observe
mostly an increase in inequality between the middle class and the poor. This inequality goes hand in
hand with the wage gap between college graduates and those without post-secondary degrees, a
factor known college premium. (…) Inequality and growth are best discussed together, for various
reasons. First, and most obviously, we want to know if everyone benefits from growth. When growth
is slow and inequality is rising, it is possible for the standard of living of the lower middle class to
stagnate or even decline in real terms. This has happened in the US in recent years. Table 1.2 shows
that the real income of workers without much education has barely improved over the past forty
years, For some, it has decreased. But the most important reason to analyze growth and inequality
together is that they are not independent and unrelated phenomena. They interact, sometimes
feeding on each other, sometimes canceling each other out. Growth can reduce inequality, inequality
can be necessary for growth, or inequality can hinder it. The debate on growth versus inequality
hinges on the idea of incentives. When economists talk about incentives, they mean a motivation for
material (monetary) gains. People work hard because they expect that their efforts (their
investment) will increase their income. For the economic system to work, there needs to be a
connection between (ex-ante) effort and (ex-post) income. Does that mean that some degree of
inequality is necessary? Does that mean that more inequality always creates better incentive? The
answers are probably yes and no, but the link between incentives and inequality can be subtle. The
children’s story of Goldilocks can figure in the theory of incentives. Money needs to be hard to get,
but not too hard. If money is too easy to get, people become lazy. If you earn a lot without working
hard, you may not bother to try harder. But if money is too hard to get, people become discouraged.
If we apply this idea to workers within a firm, we see that it justifies performance-based
compensation. And as long as performance varies across workers, this will lead to inequality. But it
does not necessarily justify high degrees of inequality. Even if we take for granted that people work
for money, this does not mean that more money always means more effort. What matters is the
correct balance of incentives. But how do we know that a given degree of inequality is justified? How
do we know that is not excessive? The answer, of course, is that we can never know for sure.
Understanding incentives in a modern economic system is quite complicates. The is however, one
critical factor that can give us some confidence, and that factor is competition. (grifos inexistentes no
original).
Portanto, Thomas Philippon identifica forte influência das diferenças salariais, em razão do grau de
escolaridade (college premium), para a elevação do nível de desigualdade na economia americana, e
74
“Despite recent dramatic improvements, one of humanity’s most urgent issues is the reduction of global poverty, in all its forms.
More than 700 million people still subsist on extremely low incomes. Every year, around five million children under the age of five
still die of diseases that could often have been prevented or cured with inexpensive treatments. Half of the world’s children still leave
school without basic literacy and numeracy skills. This year’s Laureates have introduced a new approach to obtaining reliable answers
about the best ways to fight global poverty. In brief, it involves dividing this issue into smaller, more manageable, questions – for
example, the most effective interventions for improving educational outcomes or child health. They have shown that these smaller,
more precise, questions are often best answered via carefully designed experiments among the people who are most affected. In the
mid-1990s, Michael Kremer and his colleagues demonstrated how powerful this approach can be, using field experiments to test a
range of interventions that could improve school results in western Kenya. Abhijit Banerjee and Esther Duflo, often with Michael
Kremer, soon performed similar studies of other issues and in other countries. Their experimental research methods now entirely
dominate development economics. The Laureates’ research findings – and those of the researchers following in their footsteps – have
dramatically improved our ability to fight poverty in practice. As a direct result of one of their studies, more than five million Indian
children have benefitted from effective programmes of remedial tutoring in schools. Another example is the heavy subsidies for
preventive healthcare that have been introduced in many countries. These are just two examples of how this new research has already
helped to alleviate global poverty. It also has great potential to further improve the lives of the worst-off people around the world.
Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2019/press-release/. Acesso em 29.01.2020.
75
PHILIPPON, Thomas. The Great Reversal. How America gave up on free markets. Cambridge, Massachussetts: Thre Belknap
of Harvard University Press, 2019. p. 13.
FGV DIREITO RIO 36
ECONOMIA
compreende ser necessário tratar do crescimento econômico em conjunto com o estudo da concentração de
renda e riqueza.
O primeiro estudo de grande relevância direcionado à análise da distribuição de renda e o crescimento
econômico foi realizado por Simon Kuznets (1901-1985), vencedor do prêmio Nobel em economia em 197176.
Em seu artigo seminal sobre o tema em 1955, formulou a famosa "curva de Kuznets", que procura correlacionar
a ‘desigualdade de renda’ ao ‘crescimento do produto’ de uma economia. De acordo com a tese, quando os
países se industrializam, inicialmente a renda média cresce e a desigualdade aumenta, mas, depois, a
desigualdade diminui conjuntamente com o acréscimo da riqueza (pode ser representada por uma curva em “U”
invertida). Nesse sentido aponta estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA):77
Em um sistema de produção simples, com apenas os setores agrícola e industrial, Kuznets observou
que quando a economia iniciava seu processo de expansão, a partir de um nível inicial de
desenvolvimento, existia uma intensa migração da mão de obra mais habilidosa de setores menos
dinâmicos − tradicionais e com baixo retorno − para setores mais dinâmicos, com alto retorno,
gerando uma crescente desigualdade na distribuição de renda entre os indivíduos. Após a economia
alcançar um determinado patamar, haveria um processo gradual de homogeneização na
produtividade dessa mão de obra, resultando em uma redução da desigualdade de renda na medida
em que a economia continuava crescendo. Desta maneira, em estágios iniciais da formação
econômica de uma sociedade, a relação entre desigualdade e crescimento de renda é positiva, e torna-
se negativa a partir de um ponto crítico de maturidade deste processo de formação, configurando o
que ficou conhecido na literatura como a hipótese do “U” invertido, ou simplesmente a hipótese de
Kuznets. Na época em que a teoria foi divulgada, esse aumento presente da desigualdade e a
promessa de sua redução futura causaram muita apreensão entre os governantes, principalmente
por passar a ideia de que os mais pobres tendem a perder no curto prazo com o desenvolvimento.
A hipótese de Kuznets tem sido amplamente questionada recentemente, em razão de sua incapacidade
de explicar a desigualdade crescente nos Estados Unidos e outros países ricos no final do século XX e início
do século XXI, conforme aponta Branko Milanovic78:
The Kuznets hypothesis has recently been found wanting because of its inability to explain a new
phenomenon in the United States and other rich countries: income inequality, which had been
decreasing through much of the twentieth century, has recently been on an upswing. This is difficult
to reconcile with the Kuznets hypothesis as originally defined: the increase of inequality in the rich
world should not have happened.
To explain this recent upswing in inequality, as well as shifts in inequality in the past, going back to
the period before the Industrial Revolution, I introduce the concept of Kuznet waves or cycles.
Kuznets waves can not only satisfactorily explain the most recent spell of increasing inequality but
also be used to predict inequality´s futures course in rich countries like United States or in middle-
income countries like China and Brazil.
Relativamente ao Brasil, conforme revela estudo intitulado “Qual foi o impacto da crise na pobreza e
na distribuição de renda?”, publicado pelo FGV Social - Centro de Políticas Sociais79, a pobreza e a
76
Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1971/ceremony-speech/. Acesso em 29.01.2020.
77
LINHARES, Fabricio; FERREIRA; Roberto Tatiwa; IRFF, Guilherme Diniz e MACEDO, Cecília Maria Bortolassi. A hipótese
de Kuznets e mudanças na relação entre desigualdade e crescimento de renda no Brasil. Disponível em:
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3333/4/PPE_v42_n03_Hip%C3%B3tese.pdf. Acesso em 28.01.2020.
78
MILANOVIC, Branko. Global Inequality: a new approach for the age of globalization. Cambrige, Massachussetts: The
Belknap Press of Harvard University Press, 2016, p.4.
79
Disponível em: https://portal.fgv.br/en/news/study-reveals-rising-poverty-and-inequality-brazil-over-last-four-years.
Acesso em 29.01.2020.
FGV DIREITO RIO 37
ECONOMIA
desigualdade, que vinham caindo substancialmente desde 1994, até 2014, iniciaram uma rota ascendente até o
segundo trimestre de 2018:
Entre o final de 2014 e junho deste ano, o coeficiente de Gini80 aumentou 50% a mais em comparação
com a tendência decrescente observada em 2001, quando a desigualdade no Brasil estava caindo,
marcando quase quatro anos consecutivos um aumento constante da desigualdade de renda. A
última vez que isso aconteceu foi durante a queda do Plano Cruzado, entre 1986 e 1989, que ainda
detém o recorde de maior taxa de desigualdade no Brasil, de acordo com Marcelo Neri , diretor da
FGV Social e coordenador da pesquisa. A nova Pesquisa Contínua por Amostra de Domicílios
Contínua no Brasil (PNAD Contínua) revelou uma renda per capita média em queda entre os
trabalhadores empregados, entre o pico no final de 2014 e meados de 2016, quando a taxa retornou
aos mesmos níveis de 2012. Desde então, 40% dessa perda média foi recuperada. O bem-estar social,
por sua vez, caiu 10,6% entre 2014 e meados de 2016, quase voltando aos níveis de 2012 mais uma
vez. Ao contrário da renda per capita média, no entanto, as taxas de bem-estar permaneceram
estáveis desde então. Isso significa que não houve recuperação - nem mesmo a menor recuperação -
quando se trata do bem-estar geral do país. A razão por trás dessa aparente contradição é que o
progresso na renda média foi compensado pela crescente desigualdade.
A pesquisa da PNAD revelou uma queda de 7% na renda em 2015. A nova PNAD contínua revelou
uma queda na renda individual do trabalho, se espalhando além dos trabalhadores empregados. A
renda média caiu 3,44% entre 2015 e 2018. Essa desaceleração afetou particularmente homens e
mulheres jovens (-20,1% entre os 15 e 19 anos e -13,94% entre os 20 e 24 anos), pessoas com ensino
médio incompleto ( -11,65%), chefes de família (-10,38%) e residentes das regiões Norte (-6,08%)
e Nordeste (-6,43%).
A desigualdade ajuda a cavar um buraco mais profundo para a recessão, uma vez que os cidadãos
pobres consomem uma fatia maior de sua renda. O aumento da pobreza foi impulsionado pela forte
recessão, que, por sua vez, também é alimentada por uma maior desigualdade. Enquanto todo mundo
está lutando com uma renda mais baixa, esse problema é o maior entre os mais pobres. O
desemprego é a única razão por trás da menor renda dos brasileiros.
A taxa de pobreza voltou ao mesmo nível de 2011, apagando praticamente todos os resultados
positivos alcançados ao longo da década. A crescente desigualdade se traduz em um retorno ainda
maior - a desigualdade não havia aumentado consecutivamente há mais de três anos no Brasil desde
1989. O desempenho social piorado do Brasil também explica a economia avassaladora .
A FGV Social tem uma longa tradição de previsão de tendências em indicadores sociais. O centro é
conhecido por sua eficiência no processamento de microdados públicos. Foi a primeira equipe a
identificar a queda nas taxas de pobreza após o Plano Real. O centro também previu a recuperação
da pobreza após o primeiro ano do governo Lula e quedas subsequentes. Por fim, a FGV Social
também revelou que o Brasil alcançou as metas de redução da pobreza dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio da ONU antes do prazo.
80
Coeficiente de Gini, também chamado índice de Gini ou razão de Gini, é uma medida de desigualdade: “O Índice de Gini, criado
pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele
aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de
zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo
oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o Índice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20%
mais ricos. No Relatório de Desenvolvimento Humano 2004, elaborado pelo Pnud, o Brasil aparece com Índice de 0,591, quase no
final da lista de 127 países. Apenas sete nações apresentam maior concentração de renda”. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2048:catid=28. Acesso em 29.01.2020.
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ECONOMIA
Para além da análise quanto ao grau de desigualdade no plano interno de um país, entre pobres, classe
média, ricos e/ou super-ricos, ou a comparação entre dois países81, importante ressaltar a contribuição de
Branko Milanovic ao exame da questão sob a perspectiva global. Milanovic compara o grau de concentração
de renda e riqueza mundial, em conjunto com a perspectiva exclusivamente interna de uma nação, o que requer
grande esforço de compilação de dados82.
Além do parâmetro de comparação (nacional ou global), e, também, aqueles relacionados à dificuldade
de se identificar e aplicar os corretos incentivos para fomentar a produção e o crescimento em um ambiente de
competição, visando aumento de bem-estar, conforme já salientado, há estudos sugerindo que níveis elevados
de desigualdade impactam negativamente tanto pobres como ricos 83. Richard Wilkinson e Kate Pickett indicam
que a expectativa de vida, doenças mentais e violência não são determinados pela riqueza de uma sociedade,
mas sim pela desigualdade, a qual impacta decisivamente o grau de confiança e bem-estar social. Apontam ser
81
Thomas Philippon (vide notas de rodapé 45 e 75) circunscreve sua análise sobre a desigualdade nos Estados Unidos em comparação
com a Europa, suas possíveis causas e estratificações. Conclui no sentido da fragilidade do livre mercado, e que este deve ser protegido
dos próprios capitalistas. Aponta no sentido de que o crescimento da desigualdade americana decorre de vários fatores, como as
diferenças salariais dependendo do grau de escolaridade, e, em especial, a queda de competitividade em alguns setores da economia.
Vários setores são dominados por um pequeno grupo de grandes empresas, com baixíssima entrada de novos concorrentes, como é o
caso, por exemplo, das “estrelas da economia da internet”: Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft. Essa concentração tem
sido negativa para consumidores, que tem que pagar preços excessivos, tendo em vista o grande poder de mercado de gigantes
empresariais que exercem forte lobby político para redução da regulação e garantia de barreiras à entrada de novos competidores.
PHILIPPON, Thomas. The Great Reversal. How America gave up on free markets. Cambridge, Massachussetts: Thre Belknap
of Harvard University Press, 2019.
82
MILANOVIC, Branko. Global Inequality: a new approach for the age of globalization. Cambrige, Massachussetts: The
Belknap Press of Harvard University Press, 2016, p.12/18.
83
Kate Pickett e Richard Wilkinson ressalvam aspectos importantes do estudo realizado em relação aos países em desenvolvimento,
em especial em razão dos efeitos que o status social exerce em uma sociedade cujas necessidades básicas já foram supridas. Nesse
sentido, apontam: “Before leaving this topic, we should emphasize that although inequality also matters in developing countries, it
may do so for different mix of reasons. In the rich countries, it is now the symbolic importance of wealth and possessions that matters.
What purchases say about status and identity is often more important than the goods themselves. Put crudely, second-rate goods are
assumed to reflect second-rate people. Possessions ate markers of status everywhere, but in poorer societies, where necessities ate a
much larger part of consumption, the reasons why more equal societies do better may have less to do with status issues and more to
do with fewer people being denied access to food, clean water and shelter. It is only among very richest countries that health and
wellbeing are no longer related do Gross National Income per person. In poorer countries it is still essential to raise living standards
and it is most important among the poorest. In those societies a more equal distribution of resources will mean fewer people will be
living in shanty towns, with dirty water and food insecurity, or trying to scrape a living from inadequate land-holdings”.
WILKINSON, Richard; PICKETT, Kate. The Spirit Level: why equality is better for everyone. Penguin Books, 2010.
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ECONOMIA
nocivo a todos os abismos sócio econômicos, atingindo, inclusive, os mais abastados84:
As pessoas às vezes ficam perplexas diante do fato de que problemas tão diferentes entre si, como a
violência, as doenças mentais e a obesidade, podem ser afetados apenas pela dimensão da
desigualdade de renda entre ricos e pobres. A explicação é que são problemas que sabemos serem
afetados pelo status social. Ainda que a violência, os problemas de saúde, a obesidade e as doenças
mentais sejam problemas também encontrados no topo da sociedade, todos são muito mais comuns
quanto mais baixa for a classe social. O que as evidências mostram é, portanto, muito simples: os
problemas que todos sabem estarem relacionados a um status social baixo pioram com o aumento
das diferenças nesse status. Isso não surpreende. Surpreendente é o que mostraremos no Capítulo
13: que, em vez de provocar efeitos restritos aos pobres, a desigualdade afeta a grande maioria da
população. Isso acontece porque ela torna a hierarquia e o status social – além da insegurança em
relação ao status social – forças maiores em toda a sociedade. A visão ingênua da desigualdade é a de
que ela só importa quando causa pobreza ou é considerada muito injusta, Mas a verdade é que temos
reações psicológicas arraigadas aos graus de desigualdade social. Nossa tendência de relacionar a
riqueza externa ao valor interior permite que a desigualdade altere, influencie nossa percepção
social. Ela invoca reações psicológicas profundas – sensações de domínio e subordinação,
superioridade e inferioridade – e afeta o modo como vemos e tratamos uns aos outros.
Pelo exposto, constata-se que a primeira premissa subjacente à questão econômica central acima
indicada, no sentido da correlação positiva entre produção e bem-estar, deve ser compreendida dentro desse
contexto mais amplo e complexo.
Ainda, o senso comum e alguns estudos indicam no sentido de que não basta aumentar o “bolo”, há
que se levar em consideração, em alguma medida, como serão repartidas as “fatias do bolo” para o alcance do
bem-estar individual e coletivo.
Assim, as duas questões devem ser examinadas em conjunto, conforme adverte Thomas Philippon87.
84
WILKINSON, Richard; PICKETT, Kate. O Nível. Por que uma sociedade mais igualitária é melhor para todos. Tradução
Marilene Tombini. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p.15/17.
85
SNOWDON, Christopher. The Spirit Level Delusion. Democracy Institute/Little Dice; Edição: New, 2010.
86
Disponível em: https://www.holyrood.com/inside-politics/view,interview-spirit-level-delusion-author-christopher-
snowdon-on-separating-po_9559.htm. Acesso em 01.02.2020.
87
PHILIPPON, Thomas. The Great Reversal. How America gave up on free markets. Cambridge, Massachussetts: Thre Belknap
of Harvard University Press, 2019. “Inequality and growth are best discussed together, for various reasons.” p. 13 (vide nota
71 acima)
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ECONOMIA
No entanto essa abordagem conjunta eleva substancialmente o grau de complexidade da matéria, pois
evidencia-se o inevitável trade-off entre eficiência econômica e liberdade de um lado e, de outro, a equidade/
igualdade material, assim entendida como o tratamento desigual na medida das diferenças, para o alcance de
uma sociedade mais igualitária.
Conforme será visto abaixo, quando do exame da quarta premissa (vinculada ao estágio tecnológico),
os incentivos à inovação e, por conseguinte, ao progresso tecnológico, são fortemente influenciados pela
competição por maior eficiência, e consequente aumento da taxa de produtividade dos fatores de produção, o
que se contrapõe ao interesse da maximização da equidade/igualdade material.
88
POSNER, Richard A. Economic analysis of law / Richard A. Posner, Judge, U.S. Court of Appeals for the Seventh Circuit, Senior
Lecturer, University of Chicago Law School. — Ninth Edition. 2014, p. 3.
89
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar. Duas formas de pensar, tradução Cássio de Arantes Leite, 1ª ed. -Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012. Apêndice A: Julgamento sob Incerteza: heurística e vieses. p.524/539.
90
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar. Duas formas de pensar, tradução Cássio de Arantes Leite, 1ª ed. -Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012. p.513/514.
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ECONOMIA
as escolhas humanas são irracionais, quando na verdade nossa pesquisa apenas mostrou que
Humanos não são bem descritos pelo modelo de agente racional. Embora Humanos não seja
irracionais, eles com frequência necessitam de ajuda para fazer julgamentos mais precisos e tomar
decisões melhores, e em alguns casos as políticas públicas e as instituições podem fornecer essa
ajuda.
Ainda, nem sempre as pessoas são capazes de analisar perfeitamente as situações que demandam
atividades mentais laboriosas, que exigem conhecimento de lógica e estatística, ou quando as consequências
futuras são incertas e dependem de cálculos probabilísticos e das expectativas.
São também apontadas como hipóteses de falhas na premissa das escolhas racionais individuais: a) a
indeterminação, quando há múltiplas alternativas, entre equivalentes, (“equi-optimal alternatives”) e b) a
irracionalidade, mais grave na hipótese de “failure to recognize the failure of rational choice theory to yield
unique prescriptions or predictions” (hyperrationality) 91.
Considerando, no entanto, a “vontade humana de ser racional”, enquanto as alternativas à teoria das
escolhas racionais não a suplantarem, ela “permanecerá privilegiada, tendo em vista, em especial, a sua
simplicidade e o poder da premissa da maximização”.92
91
ELSTER, Jon. When Rationality fails. In: COOK, Karen Schweers; LEVI, Margaret (Editors). The Limits of Rationality. The
Universtiy of Chicago Press. 1990, p. 21.
92
Idem, p. 47.
93
Há exceção quando o acesso ao bem demandado é livre, e a disponibilidade superior à demanda, como é o caso do ar, ainda que
haja custo para mantê-lo limpo. POSNER, Richard A. Economic analysis of law / Richard A. Posner, Judge, U.S. Court of Appeals
for the Seventh Circuit, Senior Lecturer, University of Chicago Law School. — Ninth Edition. 2014, p. 3.
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ECONOMIA
Sobre o tema interessante a análise a seguir94:
Economics is the scientific study of how people and institutions make decisions about producing
and consuming goods and services and how they face the problem of scarcity. It is essentially a study
of the ways in which human kind provides for its well-being. Economists are concerned with the ways
in which people apply their knowledge, skills and efforts to the gifts of nature in order to satisfy their
material wants. Economics limits itself to the study of material aspects of life. The starting point of
any economic analysis is the existence of human wants. Human wants are unlimited, but human
capacity to satisfy the wants is limited. This is the ‘economic problem’ – unlimited wants, very limited
means. And we cannot overcome this problem completely. All we can do is to make the most of what
we have, by exercising our choice. In other words we seek to overcome the problem of scarcity by
exercising our choice. We economise, make a careful use of our resources (means) or cut our unnec-
essary expenditure. The choice problem has to be faced by an individual or by a family firm or even
by a government. A household has to decide what to buy with limited income in order to satisfy the
needs of its members. A business firm having limited resources, has to decide what to do to produce
and how much of each commodity to produce. A government has to decide whether to build schools,
roads or hospitals with its limited revenue All these activities are competing for the limited revenue
it can raise by taxation Extra houses power plants, stadiums and new roads – all are claiming a share
of the limited land available. In these and many other instances, the government has to face the task
of making the most of the nation’s resources. The Science of Choice: Thus, it is quite clear that
economics is really concerned with the problem of choice — the decisions forced upon us by
smallness of our resources compared to our unlimited wants (Fig.1). So economics is the science
of choice.
A economia como ciência da decisão será examinada ao longo do curso e, finalmente, na aula 24,
momento em que serão introduzidas as características essenciais da Teoria dos Jogos.
Pelo exposto até o momento surge uma indagação: a análise econômica assume que o homem é um
maximizador racional egoístico, em um mundo onde os recursos são limitados relativamente aos seus desejos
e necessidades? É o ser humano um agente desprovido de altruísmo?
Sobre o tema Gary Becker (Nobel 1993), em seu Nobel Lecture em 9 de Dezembro de 1992, ensina95:
Unlike Marxian analysis, the economic approach I refer to does not assume that individuals are
motivated solely by selfishness or gain. It is a method of analysis, not an assumption about particular
motivations. Along with others, I have tried to pry economists away from narrow assumptions about
self interest. Behavior is driven by a much richer set of values and preferences. (…)
The analysis assumes that individuals maximize welfare as they conceive it, whether they be
selfish, altruistic, loyal, spiteful, or masochistic. Their behavior is forward-looking, and it is also
consistent over time. In particular, they try as best they can to anticipate the uncertain consequences
of their actions. Forward-looking behavior, however, may still be rooted in the past, for the past can
exert a long shadow on attitudes and values.
(…)
Actions are constrained by income, time, imperfect memory and calculating capacities, and
94
Disponível em: http://www.economicsdiscussion.net/economics-2/economics-is-the-science-of-choice-with-
diagram/25116. Acesso em 24.01.2020.
95
BECKER, Gary S.. Prize Lecture: The Economic Way of Looking at Life. Disponível
em: http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/1992/becker-lecture.html. Acesso em 05.02.2020.
FGV DIREITO RIO 43
ECONOMIA
other limited resources, and also by the available opportunities in the economy and
elsewhere. These opportunities are largely determined by the private and collective actions of other
individuals and organizations.
(…)
Utility maximization is of no relevance in a Utopia where everyone’s needs are fully satisfied,
but the constant flow of time makes such a Utopia impossible. These are some of the issues
analyzed in Becker [1965], and Linder [1970]. (grifos inexistentes no original).
96
DYER, Jeff, GREGERSEN, Hal e CHRISTENSEN, Clayton M. DNA do Inovador. Dominando as 5 habilidades dos inovadores
de ruptura. Tradução Esníder Pizzo e Mario Fernandes. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019. p.7.
97
Disponível em: https://medium.com/@dangalveas/os-10-princ%C3%ADpios-da-economia-revisados-e-comentados-
179c252ab33. Acesso em 01.01.2020.
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ECONOMIA
Assim, bom ambiente institucional que favoreça a competição, com normas adequadas à segurança
jurídica e atração de investidores são essenciais ao desenvolvimento econômico.
Pelo exposto até o momento, constata-se que o economista tem como objeto de estudo, além da análise
do processo decisório humano, a dinâmica da oferta e da demanda nos mercados, objetivando a melhor alocação
dos recursos escassos, o que suscita a interação entre os agentes econômicos racionais maximizadores de
utilidade com os governos e as organizações multilaterais, tanto no plano nacional como internacional. Nesses
termos, algumas indagações se apresentam como essenciais à compreensão do tema:
1. Você concorda que a economia possui dupla face? Por que?
2. A racionalidade maximizadora do bem estar é sinônimo de egoísmo?
3. Diante da atual realidade, para a correta compreensão do sistema econômico, é possível desconsiderar
o grau de desigualdade no plano interno de um país e entre nações?
4. É adequada a política econômica voltada exclusivamente à redução das desigualdades?
5. É adequada a política econômica direcionada somente para o aumento da produção e riqueza?
FICHA TÉCNICA