PLANO DE AULA: David Émile, dito Durkheim: um clássico do humanismo
sociológico. INTRODUÇÃO.
-Trajetória de relação pessoal com o legado de Durkheim: tripla classificação
pejorativa (positivista, funcionalista, conservador) X percepção de afinidades Marx/Durkheim sobre divisão do trabalho/modernidade = dissertação orientada por abordagem dialógica entre os clássicos, contextual da sociologia clássica e “garimpeira’ das tensões internas do aparato teórico de Durkheim. -Balanço da trajetória: do estranhamento à desnaturalização da tripla classificação pejorativa de Durkheim (citar parágrafo final). 1-UM CERTO HUMANISMO SOCIOLÓGICO OU: O INDIVIDUALISMO SEGUNDO A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA CLÁSSICA. -Imaginação sociológica ou humanismo sociológico: abordagem por traços comuns de uma tradição largamente reconhecida da sociologia clássica (devedora e crítica da modernidade – Meucci; conhecimento entre ciência e arte – Lahire, Nisbet e Mills = tipo de conhecimento comprometido com as relações entre problemas pessoais e estruturas/dinâmicas societárias modernas – Mills, Lahire, Nisbet, Meucci. -Sentidos da dívida e da crítica à modernidade: inserção na pretensão moderna de conhecimento racional da realidade (ou “dimensão cognitiva” das ciências sociais: A. Caillé) – suposição do caráter histórico da realidade social (ou suposição da construção dialética entre subjetividade/objetividade: Berger/Luckmann) – compromisso com a preservação de laços sociais não-economicistas (ou “dimensão prescritiva” das ciências sociais: A. Caillé). -Não exclusividade da tradição crítica da modernidade da sociologia: caráter teórico- metodológico multiparadigmático e ideologicamente heterogêneo da sociologia. -Tensão substantiva da consolidação da sociologia: legitimação da realidade social enquanto “objeto” científico sob contexto hostil de concepção individualista do humano/exclusão da sociedade das ciências X motivação de conhecimento prático sobre a “questão social” das relações indivíduos/sociedade da 1ª modernidade = interpretações contrastantes de sentidos críticos da modernidade da sociologia clássica. Interpretação negativa ou “competitiva”: adoção da identificação moderna natureza/razão/progresso – distinção radical entre teoria e prática (fatos e valores) = sociologia como conhecimento neutro de leis objetivas da sociedade – ser humano (indivíduos) como objeto de estruturas sociais evolutivas. Ex.: Carlos Moya; Adorno/Horkheimer: autores vinculados à nebulosa marxista do pós-segunda guerra. Interpretação dialógica sustentada: centralidade da concepção individualista do humano como duplo problema para legitimação de uma ciência da sociedade (teórico e prático) – sistematização da crítica ao individualismo moderno como contribuição genuinamente sociológica ao resgate da dimensão irremediavelmente social da vida humana. Ex.: reconhecimento dessa contribuição pelos severos e reducionistas críticos Adorno e Horkheimer (citar). -Argumentação sobre essa contribuição da imaginação sociológica clássica: ascensão onto-epistemológica e normativa do indivíduo como ser em si e par si X dominação mercantil e estatal sobre os indivíduos = conceito de comunidade (sentimento de pertencimento a um todo como fundamento da sociedade – Nisbet) ou renascimento do princípio universitas (concepção holística da vida coletiva – Dumont) como traços comuns de uma guinada sociológica anti-individualista. -Diálogo com interpretação negativa da contribuição sociológica: tensão constitutiva original (modelo objetivista dominante da ciência moderna X motivação de explicação/solução dos problemas modernos da relação indivíduo/sociedade) = potencial relativo de sociologismo. -O calcanhar sociologista de Durkheim: definição do objeto da sociologia explicitamente tributária do objetivismo das ciências naturais da 1ª modernidade X imaginação sociológica genuína a se revelar por garimpo dialógico de suas tensões teóricas e conceituais. 2-A TENSA IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA DE DURKHEIM EM TORNO DO INDIVIDUALISMO. -Interpretação pertinentemente crítica, mas linear e classificatória da sociologia durkheimiana (referência: Carlos Moya). .os 3 problemas da teoria durkheimiana de sociedade: caráter estrutural-funcional (positivismo comteano; natureza observável exterior e autofundada; messianismo científico antipolítico); distinção sociologia/biologia/psicologia (sociedade como síntese de dois reinos = duplo modelo de explicação sociológica, o estrutural e o psíquico); radical distinção indivíduo/sociedade (indivíduo como ente metafísico inconsistente; fechamento à liberdade individual; conceito de indivíduo demasiadamente próximo ao de papel social). -Construção de uma interpretação não-classificatória da sociologia durkheimiana: um garimpo dialógico de suas tensões teórico-conceituais. a)duplo modelo explicativo – uma armadilha de coerência linear: realidade exterior/coercitiva ou unidade moral superior, mesmo sociologismo aparente X sustentação das consciências e autonomia (relativa) individuais como evolução normal das sociedades. Referências: Filloux; Aron. b)exterioridade e solidariedade: aporia durkheimiana na relação indivíduo/sociedade: objeto sem vontade em si, humanizado por coerção exterior/receptor inconsistente da vida social X sujeito do sentimento de pertencimento à sociedade/condição fundamental e evolutiva de sobrevivência da sociedade = superioridade material e moral de uma realidade (social) substantivamente dependente de realidade inferior (individual). c)uma especulação metafísica “cientificamente inconveniente” (o medo da face antissocial do ser humano) : duplicidade essencialista da natureza humana (egoísmo/altruísmo) – modelo objetivista da coerção social = fundamento do conceito de solidariedade social e da crítica ao liberalismo econômico e à filosofia utilitarista d)exterioridade e solidariedade: uma relação teórica problemática, mas contrapontual: equilíbrio entre exterioridade (coerção) e solidariedade (coesão) na relação indivíduo/sociedade = tensão teórica durkheimiana entre pretensão à objetividade científica e motivação crítica da modernidade/tendência à supervalorização da realidade social como misto de repressão e amor. e)conclusões da interpretação compreensiva: fragilidade epistemo- metodológica e politicamente (“messianismo científico”) problemáticas do modelo teórico estruturalista e homogeneizante de sociedade (objetivista ou espiritualista) – defesa de uma ética comum a pensadores sociais fundadores da sociologia em torno da solidariedade social como condição necessária da liberdade humana = Durkheim como membro genuíno da imaginação sociológica clássica (crítica ao individualismo e à economia desregulamentada de mercado como expressões do caráter ao mesmo tempo tributário e crítico da relação da sociologia durkheimiana com as sociedades modernas). CONCLUSÕES OU: A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA COMO RESISTÊNCIA CONTEMPORÂNEA. -Pertinência contemporânea do misto crítica/compromisso da Sociologia com a nebulosa múltipla e complexa da(s) modernidade(s) entre bandeiras liberais e bandeiras socialistas. a)Do laissez-faire individualista e neocolonialista resultando em duas grandes guerras mundiais à orientação societária do “compromisso social”: Estado do bem- estar social central – desenvolvimentismo periférico instável = equilíbrio relativo entre democracia político-econômica e democracia social (mercado capitalista regulamentado por Estados economicamente relevantes e políticas de distribuição social das riquezas) + barreira involuntária do “socialismo real”. b)Dos sinais de crise e acontecimento dos anos 1960 à construção de novo regime societário de alcance global: desarticulação entre valor do trabalho e solidariedade social – liberalização/globalização dos mercados = relegitimação do laço liberdade-competição como princípio da ordem social – ethos particularista + enfraquecimento da identidade de classe social – articulação entre políticas públicas e interesses/lógica do mundo das empresas (lucro/mérito individual competitivo). c)Traços aproximativos entre contexto dos clássicos e contexto dos contemporâneos: valores de competição e liberdade ilimitadas – mercados vorazmente desregulados (desigualdades, segregações, desastres ambientais e sanitários) – estruturas sociais e individualidades aceleradas, cronicamente instáveis, amplificadoras do medo do(s) outro(s) e do fracasso = enfraquecimento disruptivo do laço de solidariedade como condição da sobrevivência individual e coletiva humanas. d)Alianças políticas ameaçadoras: neoliberalismo – neoconservadorismo = articulação entre empresa e família como compensação atraente e violenta dos medos e frustrações de individualidades frustradas e ressentidas. Comentário (professora): pensar na fecundidade interpretativa da noção weberiana de afinidades eletivas para abordar sociologicamente essas alianças políticas antidemocráticas/ “fascistóides”. e)Durkheim e “escola sem partido”: ataques à herança de Durkheim nos catastróficos anos 1930 – ataques contemporâneos ao ensino da sociologia e às ciências em geral = a continuidade da utilidade da imaginação sociológica na resistência contemporânea a um contexto societário destrutivo. Comentário(professora): “C’est l’essence de la pensée libertarienne, forme d’extrême droite néolibérale : chacun pour soi et mort aux faibles” - Jacques Caplat, agrônomo e etnólogo francês, em fevereiro de 2022, sobre a supressão de uso de máscaras em transportes públicos e ambientes fechados na França.