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Governo do Distrito Federal

Secretaria de Estado de Saúde


Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde

ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE (ESCS)


RESIDÊNCIA MÉDICA EM ÁREA CIRÚRGICA BÁSICA

TRATAMENTO DA GANGRENA DE FOURNIER E O USO DE DISPOSITIVOS DE


PRESSÃO SUBATMOSFÉRICA DE BAIXO CUSTO EM CONTEXTO HOSPITALAR
- 5 ANOS DE AVALIAÇÃO

Autora: Cecília Salazar Ulacia

Orientador: Paulo Victor Tubino

Corientador; Ely José Aguiar

Brasília, DF
2022
Autora: Cecília Salazar Ulacia

TRATAMENTO DA GANGRENA DE FOURNIER E O USO DISPOSITIVOS DE


PRESSÃO SUBATMOSFÉRICA DE BAIXO CUSTO EM CONTEXTO HOSPITALAR
- 5 ANOS DE AVALIAÇÃO

Trabalho de Conclusão de curso de graduação em Área Básica em Cirurgia Geral

pela Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS)

Orientador: Paulo Victor Tubino

Coorientador; Ely José Aguiar


SUMÁRIO

I. RESUMO ------------------------------------------------------ 04

II. INTRODUÇÃO --------------------------------------------- 05

III. METODOLOGIA ----------------------------------------- 06

IV. RESULTADOS --------------------------------------------- 08

V. DISCUSSÃO-------------------------------------------------- 12

VI. CONCLUSÃO ---------------------------------------------- 16

VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS --------------- 17


I. RESUMO

Introdução: A Gangrena de Fournier (GF) é uma emergência cirúrgica rara, representando em


torno de 0,02% das admissões hospitalares, com mortalidade alta de até 40% e tipicamente não
diagnosticada antes do desenvolvimento de sintomas severos. Avanços no tratamento desta
patologia tem ocorrido às custas de antibióticoterapia de amplo espectro e dispositivos
comumente de alto custo associado, ainda muitas vezes infactíveis para o Sistema Único de
Saúde (SUS). Assim, o presente estudo apresenta uma nova opção de terapia por pressão
subatmosférica com baixos custos, factíveis de serem realizados no SUS. Método: Trata-se de
um estudo retrospectivo, observacional, abrangendo 16 pacientes acometidos pela GF no período
de janeiro de 2017 a janeiro de 2022 no Hospital Regional do Paranoá no Distrito Federal tratados
por meio de curativos convencionais ou pelo uso de um novo dispositivo de pressão
subatmoférica de baixo custo denominado ELY-C. Resultados: A maior parte dos pacientes
avaliados fizeram o uso do ELY-C, com mortalidade de apenas 9%, contrastando com 40% de
morbimortalidade dentre aqueles que fizeram uso de curativos convencionais. Não houve
diferença significativa entre o tempo de internação nos dois grupos (p = 0,832), considerando um
intervalo de confiança de 95%. Conclusão: A Gangrena de Fournier é uma emergência cirúrgica
com alta morbimortalidade. Nesse sentido, o uso da terapia por pressão subatmosférica tem se
mostrado promissora no tratamento destes doentes após debridamento cirúrgico amplo da
gangrena que tende a ser mutilante, reduzindo a morbimortalidade do tratamento. Assim, terapias
de pressão subatmosférica de baixo ganham alta relevância ao permitir uma terapia de alta
eficácia e eficiência também aos usuários do SUS.

Palavras-chaves: Tratamento de ferimentos por pressão negativa, Gangrena de Fournier,


Fasciite necrosante
II. INTRODUÇÃO

A Gangrena de Fournier (GF) é uma emergência cirúrgica rara, representando em torno


de 0,02% das admissões hospitalares1, com mortalidade alta de até 40%2, tipicamente não
diagnosticada antes do desenvolvimento de sintomas severos1. Trata-se de uma fasciite
necrosante caracterizada por infecção predominantemente polimicrobiana da região perineal,
genital ou perianal que pode progredir rapidamente para sepse, choque séptico, disfunção
múltipla de órgãos e morte3.
A incidência da doença é de 1,6/100.000 pacientes ao ano, com predominância no gênero
masculino (10 homens: uma mulher) e pico de incidência entre 50 - 79 anos, podendo ocorrer,
em menor incidência, em crianças e mulheres4.
A fisiopatologia da doença parte da resposta inflamatória intensa ocasionada pelas
bactérias evoluindo com uma endarterite obliterante seguida de trombose e subsequente redução
do fluxo sanguíneo, isquemia tecidual, proliferação de bactérias anaeróbicas e necrose local5.
Patologias como imunodeficiências, diabetes, etilismo, Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida, doenças linfoproliferativas, trauma local, intervenções cirúrgicas perirretais ou
perianais, uso de esteroides e de drogas citotóxicas e, as baixas condições socioeconômicas são
fatores de risco para a GF, dentre outros2,3.
Dessa forma, o manejo apropriado da GF é semelhante ao tratamento de quadros sépticos,
incluindo estabilização hemodinâmica, debridamento cirúrgico, antibioticoterapia de largo
espectro e controle de patologias de base visando redução da toxicidade sistêmica e limitação de
progressão da infecção2,5.
O debridamento cirúrgico é o fator de risco de mortalidade modificável com maior nível
de significância6, sendo a intervenção precoce capaz de reduzir a mortalidade pela metade 7 já
que o processo infeccioso evolui rapidamente para necrose com uma grande quantidade de
tecidos desvitalizados que podem tornar o debridamento mutilante.
Nesse contexto, a realização de curativos adequados é fundamental, visto que a ferida
pode permanecer aberta por longos períodos. Os dispositivos de pressão subatmosférica vem
ganhando espaço no processo terapêutico já que comprovadamente produzem um potente
estímulo a angiogênese, formação de tecido de granulação, redução da resposta inflamatória
local, redução do edema, controle do exsudato, redução da dimensão da ferida e depuração da
carga bacteriana3, tendendo a reduzir a morbimortalidade associada a GF.

No Brasil existem diversos modelos e marcas de curativos comerciais e dispositivos


baseados na terapia de pressão subatmosférica, com diferenças entre si, mas todas possuindo
elevado custo - sendo ainda infactível para os diversos serviços de saúde componentes do Sistema
único de Saúde Brasileiro.

Assim, foi desenvolvido no Hospital Regional Leste do Distrito Federal (HRL) um


modelo de dispositivo para terapia por pressão negativa com baixos custos associados
denominado ELY-C, sendo assim factível de aplicação na rede pública de saúde para o
tratamento de feridas complexas, incluindo aquelas causadas pela GF.

III. METODOLOGIA

Foi realizado um estudo observacional, retrospectivo, baseado na análise de prontuários


médicos de 16 pacientes portadores de GF, tratados em regime de internação hospitalar,
abrangendo o período de janeiro de 2017 a janeiro de 2022, no serviço de cirurgia geral do
Hospital Regional Leste do Distrito Federal (HRL). O estudo foi previamente aprovado pelo comitê
de ética da Escola Superior de Ciências da Saúde sob número CAAE 62957422.7.0000.5553
Extraiu-se os dados sociodemográficos, perfil de microbiota, antimicrobianos, tempo de
internação, utilização ou não de dispositivo de pressão subatmosférica de baixo custo, tempo para
o fechamento final, tempo de internação, complicações, realização de técnicas de desvio de
trânsito ou não, técnicas de reparação cutânea finais e a morbidade pós tratamento – sequelas
físicas como cicatrizes e perdas funcionais.

Critérios de Inclusão: pacientes admitidos via pronto atendimento na cirurgia geral do


Hospital da Região Leste de Brasília com o diagnóstico de entrada de GF com idade mínima de
18 anos. Critérios de Exclusão: Pacientes com outros tipos de feridas complexas que não GF ou
com outros diagnósticos diferenciais confirmados para a doença.

O dispositivo de pressão subatmosférica de baixo custo utilizado no tratamento de feridas


complexas no HRL foi denominado de ELY-C. Este é aplicado a partir da colocação de esponjas
de poliuretano estéreis em quantidade suficiente para a cobertura completa do leito da ferida.
Conecta-se a essas esponjas um dreno tubular multiperfurado (Hemovac® - 6,4 ou 4,8). Sobre
esse sistema, utiliza-se um curativo tipo filme plástico transparente iodoforado (Ioban®),
também utilizado como campo cirúrgico incisional antimicrobiano, com o intuito de vedar o
curativo. O dreno multiperfurado é então ligado a um frasco coletor de secreções, comumente
associados a sistemas de aspirações, funcionando como um filtro para as secreções advindas do
curativo vedado. Por fim, o frasco coletor é ligado aos vacuômetros hospitalares ajustados a uma
pressão subatmosférica entre 5 cmhg (escala interna) e 10 cmhg (escala externa), que
correspondem aos 120 mmhg das máquinas do mercado, sob aspiração contínua.

O ELY-C propõe ainda a utilização de pomadas coloides para auxílio da vedação de áreas
perineais perianais (além do plástico transparente iodoforado).

As trocas dos curativos foram feitas em centro cirúrgico, a cada 48 - 72 horas. Quando o
leito dessas feridas apresentou tecido de granulação em condições adequadas, esses pacientes
foram submetidos a fechamentos terciários envolvendo suturas ou rotação de retalhos. O
dispositivo de ELY- C também foi utilizado como gerenciador de feridas em pacientes
selecionados após o fechamento terciário, retirados após 5-7 dias.

O armazenamento e análise dos dados coletados realizou-se a partir do programa


Microsoft Excell 2016. Para a variável ‘Tempo de fechamento da lesão’, considerou-se apenas
os pacientes que fizeram uso do dispositivo de ELY-C desde o primeiro debridamento em centro
cirúrgico, com fechamento terciário após. Para a variável ‘tempo de internação’, utilizou-se t-
test para comparação dos grupos que fizeram uso do dispositivo, com aqueles que não fizeram o
uso, considerando-se para isto de um intervalo de confiança de 95% e uma distribuição normal
pelo teste de Shapiro Wilk.
IV. RESULTADOS

Foram encontrados nos bancos de dados do HRL 16 pacientes com diagnóstico de GF,
maiores de 18 anos, em 5 anos de avaliação. A média de idade foi de 54 anos, sendo a mínima
de 29 e a máxima de 89 anos; 87,5% eram homens; 94% apresentavam algum tipo de
comorbidade pré-existente como; hipertensão (31%), Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(19%), tabagismo (19%), etilismo (12%), sendo a diabetes mais prevalente (44%). Todos os
pacientes apresentavam baixo nível socioeconômico.

Apenas 37,5% dos pacientes apresentaram material proveniente de debridamento


culturado, sendo as infecções monomicrobianas mais prevalentes (66%) que as Polimicrobianas;
Escherichia coli (50%), Streptococcus sp. (33%). Múltiplos esquemas antimicrobianos diferentes
foram utilizados (tabela 1).

A maior parte dos pacientes com GF fez uso do dispositivo de pressão subatmosférica
ELY-C (69%), com mortalidade de apenas 9%, sendo observadas maiores frequências de
morbimortalidade no grupo que realizou tratamento com curativos convencionais (40%),
(Figuras 1 e 2).

O tempo médio de internação dos pacientes que fizeram uso do ELY-C foi de 23 dias em
contraste com 25 dias no grupo com curativos convencionais. Não foi observada associação
estatisticamente significante na redução do tempo de internação comparativo quando em uso do
dispositivo ELY-C (p = 0,832).

O tempo médio de fechamento das feridas no grupo de pacientes que fez uso do ELY-C
desde o primeiro debridamento cirúrgico foi de 15 dias, sendo a média de 2 trocas por paciente.
As técnicas de reparação cutânea utilizadas no fechamento terciário foram eficientes e efetivas
em todos os casos, obtendo-se bons resultados estéticos, com declaração de satisfação dos
pacientes nos retornos ambulatoriais descritos nos prontuários. Foram observadas algumas
pequenas complicações que não comprometeram o resultado final em apenas 27% dos pacientes
incluindo seroma e pequenas deiscências de sutura secundária.
Tabela 1 – Perfil microbiológico e de antimicrobianos utilizados no tratamento da GF em
porcentagem

Microbiota Porcentagem em Tratamento Porcentagem de


pacientes antimicrobiano uso
culturados

Escherichia coli 50,0 % Ciprofloxacino 50,0%

Streptococcus sp. 33,3% Metronidazol 50,0%

Staphylococcus sp. 16,6% Ceftriaxona 31,25%

Enterococcus sp 16,6% Clindamicina 31,25%

Acinetobacter sp 16,6% Meropenem 25,0%

Tazocin 25,0%

Linezulida 18,75%

Bactrim 18,75%

Vancomicina 12,5%

Azitromicina 06,25%

Cefepime 06,25%

Nota: A porcentagem de microbiota baseou-se apenas no grupo de pacientes que realizaram a


cultura de fragmento após debridamento cirúrgico, ou seja, apenas 37,5% do total de pacientes.

Figura 1 – Em A e B – exposição de áreas necróticas em paciente com gangrena de Fournier


durante debridamento em centro cirúrgico

A B
Figura 2 – Em A; esponjas de poliuretano sendo aplicadas em ferida após debridamento; Em B,
ferida recoberta por filme de Ioban®, sendo possível visualização também de dreno
multiperfurado e uso da pomada colóide para melhor vedação perianal.

A B

Figura 3 – Em A,B e C; pré- operatório de reconstrução de bolsa escrotal após uso de ELY-C

A B C
Figura 4 – Em A e B – reconstrução de vulva com sutura direta de pele sobressalente após uso
de terapia por pressão negativa; C e D – reconstrução de bolsa escrotal com retalho fasciocutaneo
da face medial da coxa.

A B

C D
V. DISCUSSÃO

A Gangrena de Fournier (GF), embora considerada rara, tende a ser fatal se não
diagnosticada precocemente e tratada de maneira adequada8.

O diagnóstico deve ser idealmente clínico, podendo ser dificultado por sinais e sintomas
muitas vezes inespecíficos9. Dor na região genital ou perianal, sem alterações cutâneas visíveis,
é um dos sintomas mais precoces10. Sinais e sintomas mais evidentes aparecem à medida que a
infecção avança pelas fáscias profundas do períneo como o edema escrotal, odor fétido,
crepitação de subcutâneo, necrose e a gangrena propriamente. Em um estudo de revisão recente,
edema escrotal, febre, dor e necrose aparecem como os sintomas mais comuns9. Fadiga é
considerado um sintoma raro reportado apenas em casos severos11. Neste estudo, dor, edema e
sinais de necrose já estavam presentes em todos os pacientes já na avaliação inicial em nível de
atenção hospitalar terciário, o que pode ser atribuído à dificuldade de acesso a saúde
especializada durante a progressão da doença.

Exames de imagem como ultrassonografia e tomografia computadorizada podem ser


realizadas em casos de dúvidas diagnósticas9 como por exemplo: orquiepididimite, torção
testicular12 e abscesso anal, ou para avaliação da extensão do processo necrótico, entretanto, não
devem atrasar a intervenção cirúrgica9. Devido ao estágio avançado de doença que os pacientes
apresentavam já na entrada do pronto atendimento do HRL, nenhum exame de imagem foi
realizado previamente ao debridamento cirúrgico.

No que concerne ao tratamento antimicrobiano, antibióticos de largo espectro são


recomendados de maneira empírica devido ao comum perfil polimicrobiano e de
imunossupressão destes doentes9, sendo necessária cobertura de gram positivos, gram negativos
e anaeróbios 13. Recomenda-se ainda que hemoculturas e uroculturas sejam coletas na ocasião da
internação e que o antibiótico seja iniciado imediatamente após empiricamente9. Vancomicina e
Daptomicina podem ser iniciadas associadas a Carbapenens ou Tazocin14. Durante o
debridamento cirúrgico, a cultura dos fragmentos deve ser coletada e, após o resultado, os
antibióticos podem ser revisados conforme o perfil de sensibilidade encontrado 15. Neste estudo
observou-se predominantemente infecções monomicrobianas, com antibióticos de amplo
espectro empregados apenas para casos mais severos da doença e uma reduzida taxa de cultura
de fragmentos (37,5%), impossibilitando a correta adequação antimicrobiana ao perfil de
sensibilidade dos pacientes.
A gangrena tecidual em pacientes com GF tende a evoluir 2,5 cm²/h se não intervenção16.
Assim, o debridamento cirúrgico precoce torna-se o fator de risco de mortalidade modificável
com maior nível de significância6. Nesse sentido, centros cirúrgicos de baixa capacidade, equipes
de cirurgia ou anestesiologia reduzidas e falta de equipamentos e materiais para a execução do
procedimento podem contribuir com o aumento da mortalidade destes doentes ao atrasar o
principal procedimento a ser realizado.

Em relação a utilização de dispositivos de pressão subatmosférica de baixo custo, estudos


recentes realizados pela Universidade de São Paulo17,18 já haviam demonstrado a experiência
com o denominado curativo de pressão negativa tópico (CPNT - USP)17para o tratamento de
feridas complexas, demonstrando sua eficácia comparativa ao sistema convencional vacum-
assisted closure (VAC)18, com custos tão baixos quanto 2% do custo do VAC18,4.

Uma vez demonstrada a eficácia deste tipo de dispositivo de baixo custo é importante
ressaltar que o ELY-C contrasta-se com CPNT-USP por empregar dreno multiperfurado e filme
de vedação diferentes, utilizar-se de frasco coletor de secreções antecedendo a ligação ao sistema
de aspiração hospitalar - não descrito pelo CPNT –USP17 e por não dispor da válvula reguladora
de pressão patenteada pela USP - Ventrix®17. O ELY-C conecta o seu sistema coletor de
secreções diretamente no vacuômetro hospitalar de parede em aspiração contínua, o que é capaz
de reduzir ainda mais os custos associados ao dispositivo de pressão subatmosférica – estimados
neste estudo em apenas 1% do custo do VAC.

O Vacuômetro utiliza a pressão negativa gerada pela rede para aspirar e coletar as
secreções em um frasco. A pressão de vácuo é controlada através da agulha. O Vácuo é fechado
pela boia quando a secreção dentro do frasco aciona a mesma, para evitar que a secreção vá para
a rede de vácuo do hospital. A correspondência de valores pressóricos para uso do ELY-C foi
gerada a partir de manômetros conectados diretamente às máquinas de vácuo mais comuns do
mercado obtendo-se os mesmos valores em todas elas – 120 mmhg correspondiam a pressão
subatmosférica entre 5 cmhg (escala interna) e 10 cmhg (escala externa) do vacuômetro. Embora
existam oscilações na pressão negativa gerada pela rede, tal fato não interfere no uso do
dispositivo de baixo custo pois, uma vez visualizando que a agulha está fora da faixa apontada -
5-10 cmhg - o seu ajuste é fácil e praticável até mesmo pelos acompanhantes dos pacientes após
orientação médica.
Um dos desafios da terapia por pressão subatmosférica no tratamento da GF se deve ao
envolvimento do orifício anal na ferida19. A proposta do ELY-C em acrescentar a pomada coloide
para vedação de áreas perianais advém da dificuldade do correto acoplamento do dispositivo na
região pelo constante contato com fezes e relevo irregular. Assim, ao realizar-se um orifício no
plástico de vedação no ânus, envolto pela pomada, permite-se a evacuação sem o contato das
fezes com a ferida, bem como melhor vedação. Não obstante, tal procedimento proposto por
ELY-C, permite a redução da realização de cirurgias de desvio de trânsito utilizadas com
frequência em casos de proximidade com o orifício anal para prevenir a contaminação da ferida
com fezes20, mas que aumentavam a mortalidade comparativamente à sua não realização 21. No
presente estudo, apenas 18,75% dos pacientes foram submetidos a colostomia, com 66% de
óbitos associados -sendo que destes, apenas um fez uso do dispositivo de ELY-C, instalado já
tardiamente.

A escolha da reparação cutânea final depende das características da ferida como tamanho,
localização e profundidade2. Caso a ferida não apresente a quantidade de pele necessária para o
fechamento terciário por sutura, retalhos e enxertos são necessários para preservação da
funcionalidade e estética, apresentando ainda baixos índices de complicações pós-operatórias e
morbimortalidade. De forma geral, para perdas acima de 50% de pele escrotal, há indicação de
enxertia ou retalhos locorregionais ou até mesmo à distância22. Neste estudo, além de suturas
secundárias, realizou-se reconstruções a partir de retalhos fasciocutâneos da face medial da coxa
obtendo-se bons resultados estéticos (Figuras 4,5 e 6).

A ausência de significância estatística entre os tempos de internação dos pacientes que


fizeram uso da terapia por pressão subatmosférica com aqueles que não a fizeram é compatível
com o que está relatado hoje nas literaturas mais recentes. Tal fato pode estar relacionado com o
tempo necessário para a realização das trocas e também para o fechamento terciário final.
Michalczyk et al.23, embora não tenha encontrado diferença significativa entre o tempo de
hospitalização nos grupos com terapia subatmosférica comparativamente aos com curativos
convencionais, mostrou correlação significativa com a redução das áreas de ressecção. Isso
sugere que a terapia por pressão subatmosférica tende a ser benéfica para pacientes com grandes
áreas de ferida pós debridamento.

Uma limitação deste estudo e também frequentemente encontrada em outras avaliações


do tratamento da GF com pressão subatmosférica, consiste na grande maioria de estudos
retrospectivos, observacionais, com um baixo número de pacientes na amostra9, o que está
fortemente associado a raridade da patologia. Assim, estudos futuros e prospectivos são
necessários para a melhor determinação dos demais benefícios que podem ser alcançados com
este tipo de tratamento.

Figura 5 – Em A e B – resultado de reconstrução de bolsa escrotal com retalho fasciocutaneo da


face medial da coxa com 30 e 60 dias respectivamente.

A B

Figura 6 – Em A – ferida granulada após uso de ELY-C. Em B, fechamento terciário por sutura
secundária

A B
VI. CONCLUSÃO

Desde a sua introdução, a terapia por pressão subatmosférica tem se tornado um método
adjuvante bem estabelecido no tratamento da Gangrena de Fournier, entretanto, ainda pouco
acessível para grande maioria populacional brasileira que depende do Sistema Único de Saúde
devido aos altos custo associados. Nasce assim a importância de novos dispositivos de pressão
subatmosférica de baixo custo, como o ELY-C aqui apresentando, tornando possível um
tratamento de eficácia similar com redução da morbimortalidade deste grupo de pacientes.

Embora a aplicação deste tipo de dispositivos não seja complexa, o conhecimento


adequado do seu mecanismo de ação e confecção leva a resultados mais efetivos na resolução da
ferida originada pelo processo de gangrena. As demais medidas terapêuticas associadas ao
tratamento da Gangrena de Fournier como a rápida intervenção, debridamento precoce e
antibióticoterapia de amplo espectro também ocupam papéis de fundamental importância para a
boa evolução. Assim, protocolos hospitalares de tratamento para esta patologia devem ser
considerados para redução da morbimortalidade da doença na medida que sistematizam o
atendimento, tendendo a torná-lo mais eficiente e eficaz.
VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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