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1. O sintoma como patológico

Minha referência para falar do sintoma em medicina é o


livro de Michel Foucault () Nascimento da Cínica, aonde ele vai
mostrar o que é o nascimento da clínica, que corresponde ao nascimento
da medicina, e podemos dizer, da qual a clínica psicanalítica é, de
uma certa forma, derivada. Deriva da clínica médica ao mesmo tempo
que rorn pe com e Ia.
Então, o conceito de sintoma é fundamental para
acompanharmos o que, de um lado faz com que a psicanálise esteja
CONFERÊNCIA: O SINTOMA DA MEDICINA Á PSICANÁLISE, 05, em continuidade com a medicina, e por outro lado, tenha uma ruptura
1998, Campo Grande. com ela.
Eu queria fazer primeiro alguns comentários com vocês
sobre a abordagem de Foucuult sobre o sintoma, que eu já vou
adiantando que é uma abordagem estruturalista. Lacan também vai
abordar o sintoma, de início, de urna forma estruturalista. O que é o

o SINTOMA DA
sintoma para a medicina a partir de Foucault? Quando eu digo que
Foucault vai fazer uma abordagem estruturalista da medicina e do
sintoma, isto sign ifica que a referência dele é a linguagem. A linguagem,

MEDICINA A que para os estruturalistas é a estrutura. Ele vai partir para uma análise'
Iingü ística do sintoma, definindo-o como a forma pela qual se apresenta

PSICANÁLISE a doença. De tudo o que é v isíve I. diz ele, o sintoma é o que está ma is
próximo do essencial e da inacessível
\ transcrição
natureza da doença. Ele é a
primeira. Exemplo de sintoma: tosse, dor lateral. febre,
dificuldades para respirar. Essa série de sintomas não é a pleurisia,
não é a própria doença, mas o sintoma é essencial, é aquilo que faz a
doença ser transparente, visível.
A doença como algo da órbita do invisível é tornada
I transparente pelo sintoma. Assim os sintomas deixam transparecer
algo que é inaparente, que é um estado patológico. No exemplo, o
estado patológico é a pleurisia. O que é um estado patológico? Diferente
do estado da saúde!
Todos esses termos são importantes nós retermos, porque
29 de maio de 1998 o que vai ser considerado pela psicanálise vai colocar em questão
vários desses termos que estão inclu idos nessa defin ição. Dito isso.
qual é a função do método clínico? Diz-nos ele que a formação do

RI
método clínico está ligado a emergência do olhar do médico no campo vado ela anatomopatologia. e vai dar a sua bas~
\\dos sintomas. Ele vai falar dos sinais e dos sintomas. ;~~I.PC~~~c~:t~.P~~el1tífic~ da doença. Dessa rel~ç~o. a p.siel~~~I:;~l:~~
, Então, o sintoma é inteiramente transparente à doença. ostrar ue o sintoma não remete a uma doença. ou seja. . _
Eu queria fazer uma relação entre sintoma e doença. O sintoma é um m . nifi .ado que lhe sej a próprio. Primeira coisa: não ha revelaçao.
a um srgru 1(;, . d d O
.' - I a verdade de uma determllla u oença,
significante que remete a um significado, que é a doença. Para quem pOIS o sllltoma nao reve a. . .·.·fi· do
" dizer que ele não revele urna verdade. ASSIl11. o Slglll rca
não conhece a divisão entre significante e significado eu remeto a que nuo quer I . d i r: t da
Saussure. do sintomu de um sujcito. por exemplo. a to se ",vat ser I er.en e
Para Foucault o sintoma é um significante. Só que para tCls~e de outro. Pela psicanúlise lemos que conSiderar cs e sll~to.ma
. . .'. _I' a verdade de uma doença orgalllca.
que haja essa relação entre o sintoma e a doença - por exemplo, eu não como algo que vai leve nr .
digo tosse e faz vocês pensarem em problema pulmonar - para que lasque vai , reve,.lur ,,~,
a •.··I·do,le do sujeito
'. do inconscrcnte- . d ..
n , Lnlüo. a primeira coisu é que o signi~i~t\(.Io vanu. e SUJ~lto
haja o estabelecimento do significante tosse com o significado
," . "1 Segunda coisa é 4uC nós vumos verlllcur.na P,SIC~II~állse.
pneumonia, é necessário a intervenção do olhar médico - o que faz para su~el °f~' do não é a úh imu puluvru do !:>l.Ijcilo, Esse Slgnlflcanle
com que, a partir de Foucault, se designasse a medicina como a clínica que o srgru ica . 1\' rtar
é. na real idade, outro sign ificantc que. por as 'l)CIUÇ: o. vai se repo •
do olhar e a psicanálise, a clínica da escuta - que transforma o sintoma
em um significante que significa imediatamente a doença como a a outro e a outro. numa asslll:iaçllo de idéias,
verdade desse sintoma. É essa a operação clínica fundamental para
Foucault. 2. O sintoma como verdade
Todos esses termos, vão ser manejados de outra forma na
psicanálise, mas por enquanto tomemos essa definição do sintoma
Em psicanálise. o s intrrma não remete 11 UIllU ~ocnça.
como signo. O que é o signo para a lingüística? Temos duas referências
" ente falando. que não seja da ordem da lingua rem. O sllltoma.
de signo que é importante pensar. Para Pierce, o signo é aquilo que
proPrl~I,ll, ' sempre da ordem' do palológico. remete 11 ul1:a doença.
representa alguma coisa para alguém. O exemplo mais típico é aquele na me rema. e, : I'. das histéricus é que o slIltoma se
que "onde há fumaça, há fogo". Uma fumacinha no horizonte é um O l ue rreud descobre na anu isc or .' . .
f 1 , . 1) os processoS ditos normais. do sonho, do chlst~ e dos
sinal de que há fogo. Só que para ele dizer que aquela fumaça é o orl11.1 COIl l ., . O uc faz com
es têm eX'Italllenle a mesma estrutura. q
signo de que tem fogo, precisa de alguém. O sintoma é signo, então, lapsos. porqu e el ' ' , I' " .
' a hal'I,,.ira entre o normul e o puro og rco.
porque representa algo para alguém: tosse-doença-médico. que se romp..· a ai ~ . 'r '
. Podemos dizer 411C o sinloma ptlr~ ~ pSICUl1a ISC: na
Mas há também a definição de Saussure, o sintoma é um
. ' , ue se refere ao pathos . a paixão do sujcitu. se trat~ de sua
significante que remete a um significado. O significado é patológico. Illedldaemq ' .. 'I' e osenlidodetodnsil110lllaesexual.
O sintoma médico é um significante que vem representar um , i:-;'io pelo sexo, Para a psrcana IS . .' .,
pa .. , or outro lado. há ullljwlho.l' do padecimcnto do sU.le.lto. Ja que
significado, que é a doença. Esse significante vai desvelar a verdade Mas. Pd d recndidl) preso pela própria estrutura da linguagem.
daquela doença. ele pa cce e ser ap. .'
, _ _I dece e que \ ai ter que SC virar com ISSO,
Isso é importante e vai ser diferente para a psicanálise. Prisão essa que c e pa 'I' - d
. Sendo o sintoma uma manciru de m~nl est~çao e~se
O que nós vamos encontrar na operação realizada por Freud? Pegando p'ldecilllenlo do sujeilo. podemos nos perguntar se e paIOIOgIC~):d:l~n,
) uma tosse, a tosse histérica como sintoma, ela não remete a uma doença Mas n50 é patológico em contra posição a uma suposta nO~llla I a e,
que poderíamos encontrar uma comprovação patológica na autopsia. <. I" o qual o su',cito padece da estrutura da linguagem.
E um pato ogico 11 , .
Foucault nos mostra, no capítulo famoso chamado Abrem-se
Cadáveres essa relação em que o sintoma mostra a verdade da doença,
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ele padece do sexo, já que Freud vai ~ostrar que o sintoma é um~ o método estatístico ser totalmente excluído da psicanálise. O que faz
forma de satisfação sexual do sujeito. E surpreendente que Freud vai com que se questione muito a psicanál ise: como vocês não têm nenhum
pegar uma tosse, uma paralisia, uma idéia .pa~~sitár!a, obsessiva, e método estatístico para comprovar a veracidade e eficácia da atuação
dizer "eis aí a maneira de gozar do neurótico . O smtorna, por ele do psicanalista? Ora, o que a psicanálise vai mostrar é que o significado
remeter em última instância a esse sentido sexual, ou sentido de gozo, de cada sintoma, o sentido do sintoma, é sempre sexual. Vai ser
é um destino polsional que remete ao próprio padecimento do sujeito necessário construir um saber para dar conta daquele sintoma.
em relação ao sexo. Esse saber é o saber construído numa análise. Será que
Pode parecer um pouco abstrato para quem não tem é possível encontrar o mesmo sintoma neurótico em várias pessoas?
acesso à clínica psicanalítica, e para quem não faz análise, mas se Como isso pode acontecer? Freud dá um exemplo. Ele vai mostrar. a
tomarmos o sintoma de uma histérica que tem uma tosse e que remete partir do conceito de identificação, como é possível várias pessoas
a uma fantasia sexual, na qual ela imaginava que seu pai, que tinha terem o mesmo sintoma sim. É o que ele descreve na Psicologia das
uma amante, ela achava que o pai era impotente, porque tinha ouvido Massas quando a jovem que está num pensionato, recebe a carta de
um namorado, rompendo com ela e ela tem um ataque histérico e cai
a mãe dizer alguma coisa. Então, era uma relação apenas oral. Ela faz
dura no chão. E daí a pouco vamos ver várias jovens pensionistas
um sintoma, e pela análise desse sintoma que foi decifrado, remete a
tendo um ataque e caindo no chão. Ocorre uma espécie de contágio do
um sentido. que é onde ela faz existir uma relação sexual oral entre o
sintoma? Freud vai mostrar que o sintoma pode se formar a partir da
pai e a amante do pai. a Sra. K. Assim, o sintoma da afonia de Dora
identificação; identificação pelo desejo das jovens, querendo, também,
mostra uma satisfação oral, ao imaginar o pai neste tipo de relação
terem um namorado que lhes enviem cartas.
sexual. O sintoma vem no lugar de um dizer sobre algo da
Podemos dizer que essa fantasia, ou esse significado relação sexual. No caso das jovens do pensionato, elas, ao fazerem o.
sexual, é o patológico, na medida em que o sujeito está padecendo do mesmo tipo de sintoma daquela que efetivamente recebeu a carta, é
sexo. O padecimento do sexo, que o sintoma expressa, mostra a como se elas também tivessem uma relação com um homem mandando
patologia do sexual e o padecimento do sujeito da estrutura da uma carta para elas. Qual a verdade desse sintoma? A verdade é do
linguagem, que constitui o sintoma. sujeito como. um ser sexuado.
Se, por um lado, o sintoma na medicina é sempre O que dá autoridade à medicina para se passar como
patológico, se opondo ao que é considerado saúde, isso deve ser uma ciência - e isso cada vez mais hoje em dia - são as provas, as
relativizado com relação à psicanálise. Se para a medicina o sintoma provas anatomopatológicas. químicas e neuronais. Se encontra cada
revela a verdade da doença, para a psicanálise, ele revela a verdade do vez mais aparelhos para comprovarem essa relação do sintoma com a
sujeito. Que verdade é essa? Posso dizer, por enquanto, que é a verdade doença e, cada vez mais, vocês vêem pílulas para a potência, remédios
sobre o sexo do sujeito. contra a depressão, que tentam fazer passar aquilo que é do âmbito
O sintoma na medicina tem relação com o estatístico. psíquico para esse tipo.de relação. de estabelecimento do sintoma com
Toda vez que se encontrava uma pessoa que morria, que tinha um a doença. Com um pequeno parênteses, o que se chama doença
sintoma tal e morria, se fazia uma autópsia e se descobria uma depressiva, nesses últimos anos, passou a designar o.estado triste, de
determinada lesão. Assim, Foucault mostra bem a relação entre sintoma desânimo. ou até mesmo de mau humor.
e doença. Vemos o desenvolvimento da ciência tentando encontrar,
Freud vai romper com a questão da estatística, já que cada vez mais, provas químicas para estabelecer essa relação. no qual
nós podemos encontrar várias pessoas tossindo ou com determinada o sintoma remete a um significado. único e encontramos a sua fórmula.
paralisia e não encontrar um fator em comum entre os sintomas. Daí
É, digamos, o que dá cientificidade da medicina, aonde vamos falar sobre a verdade do sujeito. Há ai Uma diferença muito grande da
encontrar, do lado do sintoma da medicina, esse real. Pois bem. temos interpretação dessa verdade. se o sujeito tem um sintoma. isso que o
ai a prova de que o sintoma remete a um determinado significado. a faz sofrer. ele é definido por Lacan, como se fosse uma cruz na estrada.
tal da prova anatomopatológica que não se encontra. que você esbarra e não consegue ultrapassar. É aquilo que faz com
Freud, de uma certa forma, tentou ir atrás desse real que as coisas não funcionem. Para o sujeito. o sintoma é como odugar
último que dêa veracidade do sintoma, dentro do ideal de ciência. Isso do sofrimento. esse lugar paradoxal aonde o sujeito, por um lado tem
quando ele vai encontrar a prova do trauma, ou seja. que a partir dos a sua satisfação sexual. e • por outro lado, é aonde ele sofre. É um
sintomas de um paciente. o homem dos lobos. Freud vai atrás até lugar de verdade para o sujeito. e ele vai procurar um médico ou um
encontrar o dia. a hora exata aonde o sujeito se confrontou com a analista. dependendo da interpretação que ele der.
castração, ou então, se confrontou com a diferença dos sexos; provar Se o sujeito interpreta esse sintoma como algo da ordem
que aquilo foi um trauma. que aconteceu naquele dia, naquela hora. orgânica, é claro que ele vai procurar um médico. mas se ele interpreta
Nós vimos uma busca de Freud para encontrar o ponto traumático do aquilo como algo de uma verdade dele. que o questiona e do qual ele
sujeito. de uma cena que ele realmente tenha vivido e que seria a base gostaria de saber, ele vai procurar um analista. Nesse segundo caso,
real do sintoma. Ora, essa teoria do trauma seria o equivalente da seu sintoma tem algo dessa verdade que a psicanálise pretende resgatar.
medicina do tal do real, real do cadáver. O sintoma aparece. então, como esse monumento da verdade que o
Freud acabou vendo que esse trauma. nós só poderlamos sujeito deve interpretar.
inferi-Io ou supô-Io e que ele acabou desenvolvendo a teoria da fantasia.
Essas cenas traumáticas não deixam de ser traumáticas porque são da
ordem da fantasia, pois fazem parte da realidade psíquica do sujeito. 3. O sintoma como símbolo
Então, por aí Freud abandonou essa busca de um real. digamos.
histórico, que pudesse realmente mostrar "eis aí donde tudo vem".
Mas, por outro lado, Freud, dentro do ideal cientificista da sua época. Para a psicanálise, o sintoma é um significante que
mantém urn ideal de "quem sabe um dia, as neurociências vão descobrir remete a outro significante e que Lacan vai chamar essa relação de
uma base, um substrato anatomofisiológico para as teorias que eu metáfora. Ele diz o seguinte: o sintoma é o significante de um
estou desenvolvendo". Poderíamos dizer, interpretar inclusive, a partir significado recalcado da consciência do sujeito. Ele continua dizendo
de Lacan, que. na verdade, Freud sempre guardou uma referência "que o sintoma é o símbolo escrito na areia da carne e no véu de ma ia.
dentro da sua teoria do sintoma, algo realmente de um real traumático, Ele participa da linguagem pela ambigüidade semântica de sua
inapreensível, cuja decifração do sintoma não dá conta, por mais que constituição."
se decifre e que podemos encontrar apontado numa fantasia. Numa O que é um sintoma como um símbolo? Ele diz "escrito
fantasia, por exemplo, de um encontro traumático do sujeito. tem algo na areia da carne e no véu de maia" como uma metáfora. Maia é a
que aponta um real, e que o sujeito vai ter que se virar com aquilo. O representação da ilusão para os hindus. Schopenhauer vai mostrar
sujeito vai ter que se virar com o real do sexo e, porque não quer saber essa concepção do véu de maia fazendo uma oposição: nós temos o
disso, faz o sintoma. mundo coberto pelo véu de maia. O véu de maia são os fenômenos que
Lacan vai mostrar que a psicanálise é um método da aparecem, que emergem, o mundo das aparências. diferente do que
verdade. E podemos encontrar ao longo de todo o ens ino de Lacan estaria por trás, que seria algo da essência. O véu de maia acabou
essa referência à verdade como algo essencial. Se o sintoma não fala sendo uma expressão - pelo menos na França - que entrou para a
sobre a verdade da doença, como para a medicina, ele não deixa de língua e que se refere aquilo que é enganador. que é aparente e que não

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fala do essencial. verdade habita o mesrno lugar COIll o qual é feito tanto o sintoma
Quando Lacan nos aponta que o sintoma é o símbolo quanto a fala. é a linguagem.
escrito no véu de rnaia, ele nos diz que o sintoma é aquilo que está na É esse habita! da verdade que Lacan, em 1974 num texto
cara. Ele é aquilo que está mais aparente para o sujeito, não remetendo chamado Televisão, diz que a verdade é não-toda. porque as palavras
a alguma coisa que está escondida. O sintoma é uma verdade que está faltam. Há sempre uma falta de palavras para se dizer tuda a verdade.
na cara. É interessante pensarmos assim, pois essa é a concepção E o interessante é que Heidegger não Fala da mentira. ele fala do não
heideggeriana da verdade. Lacan utiliza essa concepção na psicanálise. dcsvelamento, que está implicado no próprio conceito de verdade. Isso
O sintoma desvela a verdade, não da doença, mas do quer dizer que a verdade derradeira é sempre velada. Aquilo que a
sujeito. Será que o sintoma tem uma verdade que poderíamos dissecar verdade última de cada sujeito. que para usar um termo frcudiano, um
e que ela então apareceria? Não é essa a concepção de Lacan. Sua rochedo que o sujeito esbarra. um rochedo. que podemos com Freud
concepção é de que a verdade é construída a posteriori. Nós podemos chamar de castração. É uma impossibilidade que o sujeito encontra e
inferir que existe uma verdade nesse sintoma e o sujeito até sabe sobre é por isso que Lacan vai chamar de "sua verdade ú 11ima ". A castração
isso, como num lapso. por exemplo. Mas a verdade do sintoma só vai pode aparecer figurada como a impossibilidade de se manter uma
aparecer quando ele for desdobrado. Eu remeto vocês a dois artigos relação de complementariedade entre os sexos, de que o sexo é sempre
de He.idegger, um se chama A essência da Verdade e o outro, que têm da ordem da contingência. assim como a felicidade é o que não impede
o próprio nome da verdade em grego. se chama Aleté ia. que exista efeitos de verdade para o sujeito.
Heidegger faz um trabalho sobre a verdade a partir da Efeito de verdade no sintoma, no chiste. nos sonhos e na
análise etimológica dessa palavra: Aletéia. Desdobrando A Lethos, rala. Lacan tem urna citação que está nos Escritos na página 377.
ele vai dizer que a verdade, em grego, significa desvelamento. A onde vai falar que "a verdade tem estrutura da liuguagem ". Ele diz
verdade em grego tem esse A privativo, que comporta o des e temos o que o efeito da verdade se desdobra no inconsciente e no sintoma -
velamento que o Lethos significa. somos contra o termo heideggeriano desvel a - e que no inconsciente'
Isso significa que a verdade só aparece ao ser desvelada do sintoma exige do saber uma disciplina inflcx ívct para seguir seu
no processo e, segundo, ela mesma comporta ainda algo de um contorno. Essa Frase eu gostaria de comentar: que a verdade não se
velamento. Daí Heidegger dizer que a verdade sempre participa do apega dessa forma. mas podemos seguir o contorno. Podemos seguir
enigma. A verdade participa do enigma, da dissimulação, da esquiva o contorno da verdade. mas para isso nós precisamos do saber. no
e que, nesses termos que ele usa, Lacan vai dizer que a verdade é caso. o saber da psicanál ise. saber que é construido em cada anál isc,
como um pássaro que tentamos pegar com sal e que está sem pre voando, para seguir os contornos da verdade de cada sujeito.
fugindo, escapando. A verdade do sintoma tem algo que, ao mesmo Saber que exige uma disciplina inflexível. que exige lima
tempo, revela, desvela, não vela. E quando algo dessa verdade vai ser consistência lógica para poder apreender essa verdade. que é a verdade
produzida, passada no seu deciframento, ou seja, na própria linguagem. do sujeito do inconsciente e que está cumpletamente excluída do saber
nós não vamos apreendê-Ia toda. O que faz Abel dizer que a verdade da ciência. que não se interessa pela verdade do sujeito. O que nos
tem uma estrutura de ficção. O sintoma também é urn a ficção para o
remete a outra definição do sintoma, que eu gosto muito e acho bastante
sujeito. operatória em Lacan, quando ele define o sintoma corno a emergêucia
Podemos até jogar com as palavras e falar de ficção como
da verdade na falha de um saber. Ilá alguns anos at rás foi publicado
Lacan o faz: ficção no sentido de ficcional e fixão com um x, como
um pequeno livro sobre o inconsciente, chamado () Inconxcicnte, onde
lima fixação de um gozo. São dois aspectos do sintoma. porque a
eu relato UI11 caso - só para dar uma ilustração do que é UIll sintoma
verdade do inconsciente se situa nas entrelinhas da linguagem. A
corno a emergênc ia da verdade - de uma garoti n ho he m ofil ico que

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VIvia se arrebentando de forma sintomática, colocando em risco a suprir a falência do pai de barrar o gozo da mãe. Nesse caso, o
sua própria vida, ele mesmo sabendo. a partir do saber médico. que significantepresa,longe de vir barrara fúria materna, ao mesmo tempo,
por ter dificuldades de coagulação do sangue, podia morrer. Ent~o. o ajustifica. É o que lhe faz semelhante fisicamente ao pai, aos olhos da
garoto. completamente enquadrado no saber médico. não podia se mãe, porque ela se sente parecida com ele. Ela mesma se sentindo
machucar. não podia sangrar senão morria. O que apareceu é um parecida com o pai, o pai não conseguindo barrar a fúria materna, o
s in torn a que é c o rn p le t arn e rit e contra isso, esse sintoma de ficar se sujeito recorre ao significante, ao sintoma de evitação, ela se sente
arrebentando. ele passava através de portas de vidros. br iuca va de presa, como meio físico de escapar à mãe-monstro que aparece num
Tarzã em árvores e caia. sonho.
Eu fiz uma análise e demonstrei nessa conferência que Interessante, como vocês podem ver, a ambigüidade do
saiu publicada como esse sintoma se referia, para ele. a uma questão significantepre ..•.
a: a pessoa está presa, do verbo prender, mas ao mesmo
sobre o sexo. Ele estava encenando a castração, ao mesmo tempo cm tempo, é ser a presa. Ela é a presa da mãe. Com esse significante.da
que fazia um apelo ao pai para salvá-Io dessas quedas. Então. esse fobia, ela se protege contra aquilo que vem lhe representar a fúria
sintoma nos indica, a partir de sua emergência como verdade. que o materna, a ventania da angústia. Na entrevista psiquiátrica, a própria
passadoé algo atual. O sintoma atualiza o passado e faz do infantil paciente associa o medo de ficar presa com o medo do monstro que a
lima atualidade. Ele é como uma significação, é história também. por prend ia num sonho da infância. Vocês vêem como o significante presa
isso digo que o sintoma se remete a algo do infantil. Podemos dizer como sintoma, une aquilo que é atual, com aquilo que é o passado.
que há um encontro do sujeito com o sexo na sua história. e esse Isso é uma das coisas que Freud chamou muito a atenção:
trauma vai ser atualizado. No sintoma, ao ser desdobrado. é encontrado como o sintoma é um elemento mnemônico que une duas situações
a articulação do desejo com a lei. Nssa articulação vamos encontrar condensando-as. Temos o Caso Ema do Projeto de uma Psicologia
aquilo que Frcud chamou de Édipo. O Édipo é a articulação da lei que para Neurálogos em que uma moça não consegu ia entrar em lojas. O
proíbe o gozo. que o interdita e por intcrditá-Io. libcra o desejo. E o que foi decifrado, através da associação, é que ela' foi uma vez numa·
desejo é aquilo que o sujeito tem de inesgotável. loja e que os vendedores tinham rido dela. Mas será que isso é suficiente
O sintoma expressa essa articulação do desejo com a lei. para causar um sintoma? Freud diz que não. Essa cena evoca outra
O homem dos Ratos. por exemplo, tinha a idéia obsessiva - para cena, uma cena na qual ela, efetivamente, quando pequena foi em
vocês ve rern COITlO isso se articula - "se eu vir urna mu lher nua, nleu outra loja na qual um vendedor lhe passava a mão. O que não a impediu
pai deve morrer". Mulher nua denota um gozo proibido. que tem a de voltar lá várias vezes. Esse vendedor tinha um determ inado sorriso.
condição de que o pai morra. Temos aí uma articulação da lei colocando É esse traço do sorriso que fez com que essa primeira cena se vinculasse
um desejo na trilha do impossível. O sintoma aparece, então, como a outra e, atualmente, causasse a fobia. Sorriso e loja deu em fobia de
uma metáfora da estrutura edipiana. entrar em lojas.
Um exemplo de minha clínica: uma mulher que não podia
ficar num recinto fechado, porque sentia-se presa, tinha crises de
angústia, fobia. A cada vez que ela se sente presa. a angústia é 4.0 sintoma como parceiro sexual
desencadeada. Nesse caso presa é o significante fób ico , é o sintoma
como significante ao qual se agarra o sujeito para traçar sua geografia
Aí vamos encontrar o sentido sexual do sintoma, algo
de confinamento - vocês sabem que o fóbico tem vias por onde ele
da verdade do sujeito, na própria constituição do sintoma como esse
passa e vias onde ele não passa, e acaba fazendo urn a geografia. que
elemento mnernônico, diria Freud, de ligação entre as várias cenas. O
é traçada em função do significante - esse significante é o que vem

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co
sintoma é algo que condensa essas cenas todas. Por isso Lacan vai cena, mas de uma forma corrigida, de sua noite de núpcias, na qual
definir-Io como um nó de sign ificação, que deve ser desatado. seu marido tinha ficado impotente. E por ele ficar com vergonha da
A atividade do desejo, que é sempre uma constante, como empregada que viria arrumar a cama. queria dar uma prova de seu
Freud assinalou, fez uma analisante sonhar, quando chegava ao analista dese.mpenh~ viril, arranjando um tinta vermelha para jogar no lençol e
- uma paciente minha - não só o analista era urna mulher que a fingir que tinha deflorado a jovem esposa. Com essa mancha' falsa
atendia, mas que sua linha não era lacaniana, mas godivana. Aí me queria mascarar sua impotência. No sintoma, a paciente repetia isso,
explica que godivana é derivado de Lady Godiva, cuja lenda sua porque se colocava na frente da mesa, onde tinha uma mancha que ela
professora de inglês adorava contar. Ela lembra-se de uma parte do escondia da empregada. A mancha é o elemento significante quejunta
sonho que havia uma mulher muito branca e muito linda, montada uma cena com a outra. Essa mancha falsa denota que não houve a
não num cavalo, como Lady Godiva, mas num ônibus e para a qual a relação sexual, só que a maneira corno essa paciente agia era como se
paciente ficava olhando admirativa. "Tem a coisa do olhar", diz ela. ela qu isesse esconder isso e fazer crer que houve. .
apontando para o objeto olhar da pulsão. Ela fala, então. que costuma Estou chamando a atenção para este sintoma, porque uma
olhar muito para as outras mulheres e que tem mania de ficar das funções do sintoma, além dessas que estou enumerando, é fazer
detidamente olhando para suas mãos, para ver se encontra sinais de existir a relação sexual. Nesse caso é evidente, de fazer existir a relação
envelhecimento e as compara com as suas. "Minha vontade é que sexual que não houve da paciente com o marido. O sintoma, portanto
todas as mulheres fossem mais velhas do que eu". diz ela. Isso a faz aí, mentindo, fazendo crer que o marido não tinha sido impotente e
sempre estar insatisfeita com a sua aparência. Isso também é uma qu~ ela teria acesso a um gozo. Nesse caso o sintoma mente, porque
forma de sintoma: essa mania de ficar olhando sempre para as mãos vai mostrar algo que não teria acontecido. Mas mostra, também, a
das outras mulheres. verdade de um gozo, ao fazer existir aquilo que não existiu, ela tenta
O que nós vemos nesses exemplos. é que o sintoma. refazer a história com esse pequeno sintoma. Mas ela repete a sua
articulando o desejo com a lei, é uma manifestação subjetiva da verdade insatisfação, mostrando o paradoxo que tem nesse gozo. Esse gozo,
do desejo do sujeito. Para tcrrn inar, eu gostaria de comentar um caso por um lado, é uma forma de satisfação sexual; por outro, é uma
de Freud, no capítulo XVII das Conferé ncias Introdut árias, aonde forma de mostrar que não há satisfação sexual.
ele fala do sintoma. e que se chama justamente do Sentido dos Sintomas, A conjunção desse paradoxo leva ao sofrimento. É o
Ele vai dizer que o sentido é sempre da ordem do gozo. Ele comenta próprio conceito de gozo em Lacan, que é um conceito que une o
dois casos interessantes de mulheres obsessivas. Um deles. um caso princípio ~o prazer, mas também o para além do princípio do prazer.
muito estranho. era uma mulher que apresentava a seguinte ação E~tre ~qullo que causa prazer e o que causa desprazer para um sujeito,
obsedante, que ele considerava que era um sintoma. Vou ler para vocês: nao ha uma separação, mas uma continuidade. O sintoma mostra isso
"(1 paciente se pr ecip itctvcr de seu quarto para um outro (luar/o pois se é uma forma de satisfação sexual, ele é uma forma de satisfação
contigo. aí ela se colocava em determinado lugar. diante da 111e.\·a e dolor.osa para o sujeito, por ele impl icar esse sentido de gozo que faz
chamava a empregada e lhe dava uma ordem qualquer. ou nrandava- repetir o real do desencontro que aconteceu. O real do desencontro no
a sinrplesnre nte embora e voltava correndo para o outro q uarto ". E nível do sexo, que é uma modalidade de encontro, esbarrão, trornpada,
ficava fazendo isso o dia inteiro, chamando a empregada. correndo de com o real. Pode se chamar esse real de castração. Onde há uma não-
um quarto para outro e mandando a empregada em bora. inscrição, que é traumática para o sujeito e que o sintoma vai expressar,
É interessante ver como Freud pega essa ação - lima velando e desvelando, esquivando, causando enigma e situando ai a
ação iterativa Freud considera um sintoma e deve ser analisado como verdade. '
tal, tendo um sentido - e acaba descobrindo que ela acaba repetindo a

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o que nós vemos. então. para concluir. e tom ando esse
caso, é que o sintoma vem no lugar lá onde o parceiro sexual faltou.
Ele vem como um próprio parceiro sexual do sujeito. Ele aparece ANOTAÇÕES
como um parceiro que sabemos que. muitas vezes, compete com os
parceiros sexuais e amorosos do sujeito neurótico. Não é toa que Freud
dizia que uma dos objetivos da análise da neurose, é do sujeito poder
amar e trabalhar. Vocês devem se lembrar dessa indicação. Nesse
sentido, o deslocamento da libido do sintoma para o parceiro sexual,
nos mostra que esse sintoma é um parceiro sexual par ao sujeito. um
parceiro de gozo e. exatamente, por ser um parceiro de gozo, é tão
difícil para ele abrir mão. Termino. Obrigado.

Andréa Carta De un er Brunetto


Se você diz que o sintoma é a verdade de um sujeito, sua
forma de gozar, será que nós poderíamos dizer "novas formas do
sintoma"? Então, nós poderíamos dizer novas formas de gozo?

Anlonio Quinet
Acho que não. O sintoma - aí entraríamos numa nova
dimensão que posso falar rapidamente - não é autista, digamos assim.
Ele faz o sujeito entrar em relação com o outro. Ele tem o seu aspecto
de laço social. Tem um endereçamento a um Outro que está implicado
no próprio sintoma. Sendo assim, o sintoma, claro que vai responder
a contemporaneidade onde o sujeito se encontra. Daí. por exemplo.
vermos menos paralisias como no tempo de Charcot, e mais outros
tipos de fenômenos mais condizentes com o desenvolvimento da ciência.
Se tomarmos a histeria, veremos que ela acompanha a ciência. Então,
as novas formas de sintoma, eu as colocaria no sentido formal. como
Lacan fala do "envelope formal do sintoma", mas como modalidade
de gozo é sempre absolutamente individual. É uma modalidade do
sujeito, então uma modalidade particular.

Fábio Paes Bcsrr et o


Considerando que você comentou que o sintoma é uma
metáfora do Complexo de Édipo, e nele está implicado o desejo e a lei,

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