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TEOLOGIA BÍBLICA DO ANTIGO TESTAMENTO

por Isaltino13 de fevereiro de 2001

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INSTITUTO BATISTA BÍBLICO DE CAMPINAS

CURSO DE APERFEIÇOAMENTO PASTORAL

Material preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

Proibido seu uso fora das dependências do Instituto Batista Bíblico de Campinas, sem
autorização por escrito do autor.

TEOLOGIA BÍBLICA DO ANTIGO TESTAMENTO

Prof. Isaltino Gomes Coelho Filho

MATÉRIA 1: UMA TEOLOGIA DA HISTÓRIA

1 -O problema para uma filosofia da história –Existe uma filosofia da história? Todo historiador
secular negará. Porque reconhecer isto implicaria em dar ligação ou conexão estreita entre
eventos sucedidos em épocas e lugares diferentes. Mas, o que para eles seria pior: implicaria
em dar moralidade a esses eventos. Ou reconhecer uma direção extra-humana a eles. Tal
relutância pode ser compreendida citando-se o filósofo Vico:

A natureza das coisas não é mais do que virem elas a ser em determinados momentos e de
determinadas maneiras. Onde quer que as mesmas circunstâncias estejam presentes, surgirão
os mesmos fenômenos e não quaisquer outros (…) refiro-me a esta verdade incontestável: o
mundo social é certamente obra do homem; e daí se segue que se podem e devem encontrar
os princípios deste mundo nas modificações da própria inteligência humana (citado em Rumo
à Estação Finlândia, p. 12).

Ou seja, a história é uma sucessão de fatos previsíveis, mecânicos, sem uma direção extra-
humana. Em alguns momentos, apenas uma combinação de circunstâncias, mas nada mais do
que isso. Isto, evidentemente, leva a um mecanicismo histórico, sem qualquer pessoalidade
sobre-humana. Leva também a um mecanicismo cultural, porque aplica a todas as culturas
humanas os mesmos princípios, ignorando-se a rica diversidade da cultura humana. Também a
pessoalidade se esvai, neste caso. Mas o principal é o fato de que a história é toda ela produto
humano, no pensamento de Vico.

Li, de um autor marxista, esta declaração: “a história é cega e o seu rumo é impossível de se
determinar”. Tal idéia também refuta a possibilidade de uma direção à história. Mas apesar de
tal declaração, o conceito marxista aceita que determinados indícios mostrem o rumo futuro.
Alguns fenômenos podem indicar o rumo que a história tomará, como se presumia nas
declarações de vitória final do comunismo. Marx, inclusive, à luz de tais fenômenos que
vislumbrava, esperava que a Inglaterra viesse a ser a primeira nação a abraçar

o comunismo. O fato de ter sido a Rússia foi surpreendente: os fenômenos que produziriam o
marxismo ainda não estavam na Rússia. Realmente, o mecanicismo de Vico não se cumpriu
aqui: a presença de fenômenos não produzem o resultado final presumido. E sua ausência não
impede o surgimento de um resultado que não deveria acontecer. A imprevisibilidade da vida
humana e da história dos homens é enorme.

2 -Os conceitos pagão e cristão da história –O conceito pagão é este: a história é cíclica. Por
exemplo: no Egito, as cheias do Nilo faziam recomeçar a história. Era a morte e o renascimento
de uma divindade. Neste conceito, a história se repete, é cíclica, não vai a ponto algum. O
conceito cristão é que a história é linear. Não se repete e caminha para um ponto
determinado. A Bíblia começa com “no princípio” (Gn 1.1) e termina com “venho” (Apocalipse
22.20), que deve ser conferido com 1 Coríntios 15.24. Há um princípio e há um fim. No
conceito pagão, os deuses entravam na história para diversão. No conceito judaico-cristão,
Deus entrou na história para redenção. Veja-se o texto de Úxodo 3.18. Os profetas usaram a
história. Suas mensagens não tratavam de conceitos ou de adivinhação, mas da revelação do
próprio Deus. E isto ele fez na história. Um dos melhores livros sobre o assunto é O Deus Que
Age, de Wright, editado pela ASTE. A linha teológica do livro é esta: mais do que Palavra de
Deus, a Bíblia é o livro dos atos de Deus. Ele não apenas falou. Ele agiu e a história é o seu
palco de ação. No Novo Testamento, as parábolas de Jesus sobre o reino estão impregnadas
de senso histórico: haverá um fim. Ou seja, a história é não apenas linear, mas também
pontilear. Haverá um ponto final. E isto, não no sentido do livro de Fukyama, O Fim da História.
Trata-se aqui de fim mesmo, de consumação de todas as coisas. Para o pagão, não há sentido
na história. Para o hebreu e para o cristão, há. Nós podemos enumerar o calendário. Nós
podemos contar o tempo. E, exatamente porque contamos o tempo, podemos pensar no seu
fim. Eis uma observação, sobre a religiosidade pagã e seu conceito de tempo sem história, do
teólogo judeu Friedman:

Os efeitos do sol sobre a terra nunca se ausentam por um período muito longo de tempo e,
portanto, um desaparecimento do Deus sol seria algo inconcebível no mito pagão. A natureza
é cíclica. As estações vêm e vão segundo uma ordem. Os rios se enchem em seus deltas
anualmente. O sol, a lua e as estrelas atravessam as suas fases regularmente. Na visão religiosa
pagã do universo, a percepção básica do tempo era a cíclica e eternamente recorrente
realidade da natureza. Um indício de como a religião pagã era centrada no tempo cíclico de
natureza e não no tempo linear da História é o fato de os pagãos não escreverem registros
históricos. Durante mais de dois milênios antes do nascimento de Israel, o mundo pagão não
produziu uma só obra de História (O Desaparecimento de Deus, p. 102).

3 -Uma teologia da história –Um historiador também negará esta possibilidade. Na sua ótica,
não se pode dar moralidade à história. Não há, para ele, um sentido objetivo nos fenômenos.
Para o cristão, não é a questão dos fenômenos o mais importante. É a de direção aos
fenômenos. Veja-se a interpretação bíblica de Daniel 2.21. No passado remoto, Deus moveu
impérios. No passado mais recente, Deus tem movido civilizações. Presentemente, culturas.
Em alguns casos, ainda impérios, como no caso do grande império soviético, que foi o maior da
história em todos os tempos, e que desmoronou rapidamente. Leiamos Gálatas 4.4-5. O que
significa? Lembremos as contribuições judaica, grego e romana para a vinda de Cristo. Cada
civilização entrou com uma contribuição valiosa para que o cristianismo se estabelecesse. O
mecanicismo de Vico não considera a imprevisibilidade e muito menos uma direção divina ao
mundo. Mas a história não é previsível! Na sua peça “O Procurador da Judéia”, Anatole France
narra o incidente de Paulo diante de Gálio. Renan notou a ironia na peça de France: Gálio, bem
vestido, em sua pompa de representante do glorioso império romano, tem diante de si o
maltrapilho e joão-ninguém Paulo. Qualquer pessoa que olhasse a cena, naquele momento,
veria o contraste: quem era o insignificante Paulo diante do poderoso Gálio? Que era a
inexpressiva seita de Paulo diante do poderoso império romano? Mas o futuro era de Paulo e
sua inexpressiva seita. O império romano estava com os seus dias contados. Que imprevisível!
Os sinais não indicavam nada disto! Havia um elemento divino na história que não foi contado,
na época. Por isso que Hegel afirmou que “a história é a autobiografia de Deus”.

4 -Improbabilidades –Algumas questões devem ser levantadas aqui, se pensarmos numa


teologia da história ou que ela tem uma direção divina: 1ª) Os atos de barbárie estão nos
planos de Deus? Como entender que Auschwitz, Treblinka e outros estejam dentro dos planos
de Deus? 2ª) Há, nesta teoria, um superdimensionamento de fatos pouco relevantes. Que
sentido teria para a história uma luta entre tribos amazônicas ou do deserto australiano? Em
que isto afetaria o mundo?
5 -Respostas às improbabilidades

1ª) Deus não é responsável pelas barbáries, mas elas não frustram seus planos. Temos, como
cristãos, o conceito limitado de que Deus só usa pessoas boas e circunstâncias boas. Mas ele
usa pagãos e ímpios, também: Isaías 10.5-6, 41.2, 44.28, 45.1 e Habacuque 1.6. O texto de
Isaías 41.2 traz o desafio de Iahweh: quem foi capaz de conduzir a história? Só ele podia dizer
que Ciro foi seu instrumento. Ele usa também eventos maus e os torna em resultados que ele
usa. Gênesis 50.20, por exemplo, é usado para mostrar a doutrina da providência divina: “Vós,
na verdade, intentastes o mal contra mim; Deus, porém, o intentou para o bem, para fazer o
que se vê neste dia, isto é, conservar muita gente com vida”. O mal foi tornado em bem. Se
não tivesse sucedido com José o que aconteceu, a família eleita teria perecido de fome.
Lembre-se, ainda, que Miquéias 5.2 diz que o messias nasceria em Belém, mas poucas
semanas antes de seu nascimento, Maria, a mãe do messias, estava a dezenas de quilômetros
de Belém e não iria para lá, sem um motivo muito forte. O decreto de um pagão (Lc 2.1-7) a fez
deslocar-se para Belém. Um ímpio fez cumprir a Escritura e o querer de Deus. O que era um
transtorno para Maria tornou-se o meio usado por Deus para cumprir seu propósito histórico.

2a) Temos um conceito fragmentado do homem e, consequentemente, da história. O budismo


tem um curioso conceito, o da pedra no lago, para mostrar a interação dos homens. A pedra
cai num lugar determinado, mas vai fazendo círculos, a partir de onde caiu. Cada vez maiores
em circunferência, embora menores em intensidade. À medida em que o círculo está mais
distante do centro, sua altura é menor. Mas a pequena pedra alterou a superfície do lago. O
fundo não pode ser visto, mas ao descer, ela mexeu com o lodo e mudou sua posição.
Podemos não ver, mas aconteceu alguma coisa. Nada é irrelevante, portanto, e nada é feito
sem desdobramentos. Tenho dificuldades com o conceito budista, muito mais com seu
conceito de interação humana, mas mesmo assim não podemos considerar que o
superdimensionamento dos fatos invalide a possibilidade de uma direção da história. Seriam
eventos isolados que não prejudicariam o todo. O superdimensionamento de eventos isolados
não impede a possibilidade que eventos maiores e concatenados tenham sentido e lugar
dentro do propósito divino. E os eventos isolados sempre modificam uma parte.

6 -Uma consideração a ser levada em conta , ou: o desafio cristão –Negar uma direção à
história é negar a existência de uma Mente Inteligente no universo, negar a moralidade do
mundo e mergulhar no escuro. “Se Deus não existe, tudo é permitido” (Dostoiévisky, em Os
Irmãos Karamazovi). Uma teologia da história produz um senso de moralidade no mundo. Esta
é a alternativa cristã: há uma direção no mundo. Sem esta alternativa, além de não haver
moralidade, não há escatologia. Sem esta não há cristianismo: 1Coríntios
15.19. Um alerta: assim como há um reducionismo espiritualizante, há, também, um
reducionismo secularizante. O primeiro aliena o homem e apequena o evangelho. O segundo
aniquila o homem como um ser com dignidade intrínseca. Uma visão da teologia da história é
indispensável na formação de uma cosmovisão cristã que nos permita entender o mundo. O
cristianismo não é um amontoado de regrinhas, mas uma cosmovisão, uma compreensão do
mundo, a única compreensão do mundo lógica e possível.

Para entendermos mais isto, fiquemos com uma citação de Sayão:

Os eruditos geralmente concordam que a concepção cíclica da história dos gregos impediu-os
de uma grandiosidade ainda maior. A noção de história como uma linha reta, constituída de
significado e que caminha teleologicamente, ou seja, para um determinado fim é proveniente
do cristianismo. De certa forma, a ciência história surge no Ocidente como secularização da
escatologia cristã. Um dos motivos do grande apelo do marxismo na história recente é
exatamente seu fator histórico. Filho do hegelianismo e uma espécie de heresia cristã, o
marxismo apresenta uma idéia de que o homem é um ser essencialmente histórico envolvido
numa luta econômica, cujo fim será de felicidade, quando os dominados conseguirem
estabelecer uma sociedade igualitária, sem classes (Cabeças Feitas, Filosofia Prática Para
Cristãos, ps. 25-26)

7 -O valor da teologia da história para a teologia bíblica do Velho Testamento -Deus invadiu a
história: Úxodo 3.18 é texto chave para mostrar isso. O VT mostra Deus ordenando a história.
Não há ação que não seja vinda do querer ou do permitir de Deus. Como entender 1Crônicas
21.1 e 2Samuel 24.1? No primeiro texto, lemos que Satanás incitou Davi a fazer o censo. No
segundo, lemos que foi Iahweh. Afinal, quem foi? Para o hebreu do Antigo Testamento, isso
não faz diferença. Foi Satanás, mas foi Iahweh. Por quê? Porque se foi Satanás, foi Iahweh,
porque nada acontece sem que ele queira. Se Satanás pôde fazer, foi porque Iahweh quis.
Então, Deus faz o mal? Leiamos os textos de 1Reis 11.29-32 e 12.15. O que temos aqui? Quem
dividiu o reino foram Roboão, com sua insensatez, e Jeroboão, com seu oportunismo. Mas por
trás de tudo estava Deus. Isso não significa que ele está atrelado aos homens, mas que tem
planos e propósitos e estes se cumprem no tempo e no lugar determinados. Então, as pessoas
são joguetes ou inocentes? Também não. Elas são moralmente responsáveis. Podemos pensar
que, na sua onisciência, Deus se valeu desses atos dessas pessoas, e estabeleceu seu plano.
No fundo, a dúvida aqui é a velha questão: se Deus sabia que o homem ia pecar, por que não o
fez à prova de pecado? A resposta é tríplice: 1a) Sabia, mas se fizesse um homem à prova de
erro criaria um autômato e não um ente moral; 2ª ) Sabia, mas se não o fizesse, por medo da
consequências, seria limitado. Quis fazer algo e não fez por temer os resultados; 3) Sabia e
antecipou-se à queda. Efésios 1.4 e Apocalipse 13.8 são a melhor resposta a esta questão. Ou
seja, Deus conhece a história, não a impede, mas se vale dela.
Parece que fugimos do assunto, mas estamos nele: a história é o palco das ações de Deus. Os
eventos podem não expressar sua vontade direta e expressa, mas são usados por ele. E aqui,
embora alguns torçam o nariz, faço distinção entre vontade expressa e vontade permissiva. Ele
transforma o mal em bem. E os homens que fazem o mal que ele transforma em bem não são
inocentados, por isso. Reflitamos, neste contexto, sobre o caso de José, novamente. O grande
valor da teologia da história, neste ponto, é este: Deus não perdeu o controle do mundo.

7.1) É possível crer numa revelação que se processa na história e não na forma de conceitos. O
oposto é o espiritismo, que só tem conceitos, mas não tem história. Não há evidências
históricas e arqueológicas do espiritismo. É possível, também, crer num sentido para o mundo.
Cremos no triunfo do Bem, na vitória final de Jesus Cristo, num rumo que os eventos tomarão.
Aliás, só há um resultado possível: a vitória final do reino de Cristo. Este é o sentido ulterior de
Apocalipse 11.15: a história terminará nas mãos e sob o domínio de Jesus Cristo. Sem um
conceito de que Deus dirige a história, não há em que crer. A fé cristã se torna, apenas, um
monte de conceitos piegas.

7.2) É possível entender o porquê da sobrevivência de Israel e da fé cristã. Por que, ao longo da
história, tantos povos mais fortes desapareceram e Israel, uma nação fraca, militarmente,
sobreviveu? Por que, nascendo como uma seita judaica ( chamada de Caminho), o cristianismo
superou seu ambiente e sob as mais cruéis perseguições e mesmo com as falhas tão grosseiras
de seus líderes, têm sobrevivido? Dadas como agonizantes num mundo científico, a fé cristã e
a Igreja de Jesus entram o século XXI exibindo um vigor poucas vezes mostrado ao longo da
história. Há um sentido em tudo isto.

7.3) É possível utilizar a Escritura como chave de interpretação do mundo. Por isso temos
necessidade e a possibilidade de uma cosmovisão bíblica, de uma interpretação do mundo à
luz da Bíblia. A Bíblia deixa de ser um livro com regras religiosas e promessas para ficar rico e
ser feliz e se torna a Palavra de Deus que explica o mundo e o homem. Uma teologia da
história engrandece o valor da Bíblia e a mostra como a chave para compreensão da vida.

7.4) É possível crer. Sem o sentido da história, a fé cristã se inviabiliza. O que seria da segunda
vinda de Cristo? Reflitamos sobre a mensagem de 1 Coríntios

15.24. Não há como e em que crer. Em As Brumas de Avalon, no terceiro volume, Lancelote diz
a Morgana, sacerdotisa de Avalon, que gostaria de ter um Deus para crer. Ele não aceita o
Deus dos cristãos, e não aceita também a religião dos druidas. Num momento de crise
emocional e existencial, não tem onde se apegar. É ateu tanto para com os cristãos como para
com o paganismo.
Mas isto não o torna feliz. Traz-lhe angústia. Vê a vida e a história

correrem, mas não consegue entendê-las. Marion Bradley, a autora da obra, não é cristã e, nos
quatro volumes, combate o cristianismo. Mas deixou bem claro a situação do homem que não
tem em que crer: a história não tem sentido, a vida é absurda e ele necessita de uma
experiência com o Infinito. Eis um trecho da fala de Lancelote: “E mesmo assim, como desejo
que houvesse um Deus que me pudesse perdoar, e me fizesse saber que estou perdoado” (p.
43). Este tema da vida ser um absurdo quando não há o que crer é muito nítido nas obras de
fundo existencialista. As palavras de Sartre mostram isso: “o homem é uma bolha vazia no mar
da nada”. Ou, então, as palavras de Ernest Hemingway, em Morte na Tarde: ” Não há remédio
para coisa alguma na vida… a morte é remédio soberano para todos os infortúnios”. Talvez por
isso Hemingway tenha se suicidado. Um homem que não crê em nada dificilmente encontrará
uma razão plausível para a existência humana. Mas a fé cristã traz sentido para a vida e para a
história. Por isso, aquele que crê tem esperança e encontra sentido para seu viver. Por isso,
mais uma vez voltamos a Sayão:

A visão cristã, sem dúvida, é realista e não-determinista. Defende um plano teleológico da


história, sob direção divina, tendo o centro na pessoa de Jesus Cristo. A história é construída
também pela ação do homem no uso da sua liberdade. Assim, podemos explicar

o mal na história, a realidade da liberdade humana, mas continuamos com um senso de plano
ordenado com significado, sob a direção de Deus e que caminho para o triunfo do bem. Essa
concepção histórico-escatológica é magnífica, pois estabelece a possibilidade do sujeito livre
que age e constrói a história, mas também possui a base metafísica, que é o fundamento do
significado e da esperança, motor da civilização. Sem esperança, ninguém planeja nem
constrói (p. 27).

8 -Uma teologia da história em Daniel –Daniel é o livro que mais elementos fornece para uma
teologia da história. Mais do que biografia, visões e precárias bases para uma teologia de
batalha espiritual, o livro é um descortínio da história. Podemos fazer uma síntese do seu
conteúdo em uma sentença, bem curta: o mal cresce e Iahweh o freia. Ele dirige a história
(2.20-21) e protege o seu povo. No capítulo 2 vemos os quatro grandes impérios mundiais, um
sucedendo ao outro, até o surgimento do reino que não passará nunca, o de Jesus Cristo. Os
reinos humanos têm seu fim, quando ele decide que chegou o tempo. Mas ele estabelece o do
seu Filho, um reino eterno, que destrói todos os outros e se impõe para sempre. A lição é bem
clara: os homens pensam que têm o domínio como querem, mas embora dominem, todos eles
estão debaixo do poder de Iahweh. Todos têm e terão seu fim, mas o reino dele nunca terá
fim. É eterno e tudo se encaminha para a sua concretização. Ele é ápice da história.
Em 1.9 e 1.17 é ele quem age. Os impérios sobem e descem, alternando-se na gangorra do
poder, como no capítulo 2, mas não se perpetuam nem se salvam. Nem mesmo o próprio povo
de Deus, quando fere a moralidade de Iahweh. No Velho Testamento, esta sucessão é de
impérios. Mais tarde, na história, são civilizações. Hoje, a sucessão é de culturas que sucedem
uma após a outra. A história humana é uma história de sucessões. Também não é fixista, mas
caminha para um ponto no futuro. Iahweh entrou na história, como já lemos em Úxodo 3.18, e
a direciona para o ponto por ele determinado. Ela não é determinada pelos homens, mas sim
por ele. Eles são atores, e ele, o autor da peça. Não que lhes tire a moralidade dos atos, mas
eles não evitam o rumo. Deus não pode ser frustrado. O poder foi dado aos homens, mas os
seus reinos não são justos. O reino de Iahweh será de justiça e se estabelecerá no fim da
história. A estátua do capítulo 2 mostra as nações se rivalizando pelo poder. É um cenário de
luta, de violência e de tirania. Mas o poder de Deus triunfará, no fim. Por obra sua, não de
decretos humanos, pois estes são inúteis e nada levam. Veja-se, por exemplo, os textos de
3.29 e 4.2-8, principalmente o versículo 7. A vitória final do Eterno é a consumação da história.
Os eventos encaminham o rumo da humanidade nesta direção. Parte da nossa dificuldade em
entender isto se dá porque visualizamos a salvação em termos individuais. Mas, como diz
Francis Schaeffer, “a salvação é individual, mas não individualista”. E estamos massificados
pela teologia da prosperidade que, entre muitos equívocos, comete mais um ao individualizar
a fé cristã, isolando o fiel dos contextos comunitários e históricos. Nesta teologia, só existe a
pessoa e seu momento, nada mais. Ela e seu mundinho. Mas no Velho Testamento, a vida é
sempre comunitária. A ênfase excessiva na individualização do Novo Testamento leva a esta
situação imaginada por Marrou, em sua obra Teologia da História, do homem que raciocina
consigo mesmo: “Deus está no seu céu: tudo vai bem na terra: cada um deve cultivar com
atenção o seu próprio jardinzinho. Daí a experiência privilegiada que é a das grandes
catástrofes, quando o sangue dos inocentes e o sangue dos mártires clamam ao céu: ´˜Até
quando?´”. Este é um dos mais sérios problemas da igreja evangélica hoje: superdimensionar a
individualidade e levar cada um a se preocupar apenas com seu mundinho, esquecido de que,
como disse Billy Graham, “o coração de Deus bate por todo o mundo”. Neste sentido, a
teologia da prosperidade é altamente infeliz porque reduz a fé cristã a um hedonismo cristão,
à busca da felicidade e da riqueza materiais, aumentando a individualização contemporânea e
abafando mais a noção de solidariedade, já tão escassa numa sociedade materialista.

BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR 1 -FORTE, Bruno, Teologia da História, Paulus 2 -MARROU,


Henry, Teologia da História, Vozes 3 -COELHO FILHO, Isaltino Gomes, Obadias e Sofonias,
Nossos

Contemporâneos, JUERP (principalmente o comentário sobre Obadias, pp.


9-43). 4 -RUST, Eric, El Significado de la Historia, Casa Bautista de Publicaciones 5 -WILSON,
Edmond, Rumo à Estação Finlândia, Círculo do Livro 6 -BRADLEY, Marion, As Brumas de
Avalon , 4 volumes, Record 7 -SAYÃO, Luís. Cabeças Feitas -Filosofia Prática para Cristãos, GIC

MATÉRIA 2: A CRIAÇÃO, PORTA DE ENTRADA NO ANTIGO TESTAMENTO

1 -O começo do começo –O fato da Bíblia começar pela criação é tão óbvio que não nos damos
conta do que está sendo dito. Achamos tão normal que deixamos de ver o que isto significa. É
preciso compreender a estrutura de Gênesis, o primeiro livro do Antigo Testamento, o prólogo
das Escrituras. Há nele três grandes divisões:

1 a 11 -a história da criação

12 a 36 -a história dos patriarcas

37 a 50 -a família eleita.

Observa-se que o livro apresenta as origens remotas de Israel e termina com o povo no Egito,
preparando o cenário para o êxodo, que marca a aliança entre Iahweh e Israel, evento que
passa a ser o eixo ao redor do qual o Antigo Testamento gira. Mas antes de explicar o
surgimento de Israel, o livro explica o surgimento do universo. O céu, a terra, o homem e tudo
que há no mundo devem sua existência a Deus. Tudo remonta a ele. Citando Van Den Born:

O AT lança mão de muitos termos que designam a atividade produtiva do homem: Deus funda
(yâsad), consolida (kônên), constrói (banah), modela (yasar), gera (hôlid), produz (´˜asâh) o
mundo. A origem destes termos relaciona-se com a idéia que tinham os autores bíblicos da
estrutura do cosmo (fundar, construir, consolidar, gerar, esticar o céu como uma tenda, etc.).

Nesta citação de Van Den Born, se vê que Deus é o responsável pelo surgimento de tudo. Ele é
o construtor.
O termo mais comum que os escritores bíblicos usam para a criação como ato divino é o verbo
barah, que não significa “criar do nada”, como se diz, mas só se usa para ação divina. No árabe
antigo designava “construir”. Parece ser este o sentido: Deus é o construtor. O verbo aparece
sete vezes em Gênesis 1.1 a 2.4, três vezes em Gênesis 5.1-2, em outros livros, mas na maior
parte das vezes na segunda parte de Isaías, que confronta Iahweh com os falsos deuses da
Babilônia (vinte vezes, ao todo). O AT quer deixar bem claro a ação divina na criação. O mundo
não é produto do acaso. Nem obra de outros deuses, mas de Iahweh somente. O chamado
Dêutero-Isaías retomará esta idéia com um vigor poético extraordinário.

2 -A moralidade do mundo –Fica bem claro no pensamento hebreu a perenidade da matéria.


Houve um momento em que tudo foi chamado à luz. Não havia nada e passou a haver algo. A
matéria não é eterna. Fica bem claro a ação ordenada de uma mente inteligente. Não é obra
do acaso. Isto abre espaço para a base da teologia do Velho Testamento: se o mundo tem uma
Mente Inteligente como ordenadora da criação, deve haver um propósito moral na vida. Um
ser inteligente é um ser moral. Poderia um mundo produto de uma mente inteligente e moral
não ter sentido moral? Este é o grande problema do materialista: achar um sentido para a
vida. Para quem crê na criação por Deus, este é um problema resolvido. Esta é uma questão
que merece mais reflexão. Recomendo a leitura de “Uma cosmovisão trinitariana”, de Scott
Horrel, em Vox Scripturae, vol. IV, no. 1 (na Biblioteca). Mas a moralidade do mundo é um
postulado centrado no fato de que há um Deus por trás de tudo. Por isto a criação
desencadeia a revelação. Um ser inteligente como Criador seria impessoal? Temos uma força
cósmica ou um Ser? O Criador vai se revelar e escolher um homem, um povo, vai se revelar,
por fim, em Cristo, e virá para o ponto final da história. A Bíblia começa com um “no princípio”
e vai terminar com um “Amém; vem, Senhor Jesus” (Ap 22.20, lembrando que

o versículo 21 é a bênção costumeiramente encontrada nos escritos antigos). Voltando à


matéria anterior: há um princípio e um fim, um conceito linear de história, na Bíblia. E tudo
comandado por uma Vontade Pessoal.

3 -A palavra que cria –Desde o início, o Antigo Testamento vai mostrar a palavra de Deus como
fonte de vida. “Disse Deus: haja luz. E houve luz”(Gn 1.3) põe o desenrolar da criação numa
palavra de Deus. Nada havia antes dele falar. Ele fala, passa a haver. É a palavra divina que
cria. É verdade que o Espírito pairava sobre as águas (Gn 1.2) precedendo a criação. Alguns
querem ver a trindade neste versículo, aludindo ao Espírito Santo. A Bíblia de Jerusalém
traduziu como “um vento de Deus pairava sobre as águas”, o que me parece mais correto.
Bonora diz sobre este texto: “Certamente não é o Espírito Santo. É o sopro de Deus, seu hálito
portador de vida. Deus que vivifica, que cria com sua palavra. É interessante esta relação entre
ruah e dabar que encontramos muitas vezes também nos Salmos”. É a palavra que cria, como
se lê no Salmo 33:6 Desde o início vai ficar claro que é a palavra falada por Deus que comanda
todo o processo, da criação, da revelação e da consumação. Jesus é também a “palavra” (Jo
1.3, 14, Hb 1.3 e 1Jo 1.1). É ele quem faz a segunda criação (2Co 5.17). A segunda criação é
obra da Palavra, do Logos encarnado.

4 -Uma recusa ao panteísmo –Diferentemente do ambiente cultural em que os hebreus


residiam, há uma diferença entre o Criador e a criação. Ele não se confunde com ela. Está
acima dela. Ele não faz parte dela. Ela não é emanação dele. A matéria também não é divina.
Criador e criatura, Criador e criação são distintos.

O ponto alto da criação reside na criação do homem. Ele é o clímax. Tudo é feito em função
dele. Disse alguém que Deus primeiro criou o cenário e depois pôs em cena o ator principal.
Tudo foi criado para ser por ele administrado. A moderna ecologia resvala para a ecolatria ao
não entender que a natureza não é divina e que deve ser administrada (não predada, mas
administrada) pelo homem. O mundo é hostil, por causa da queda (Gn 3.17-18). A natureza
não produz trigo, mas tiririca. Enchentes e secas, terremotos e furacões mostram que o
homem vive num ambiente hostil que ele precisa administrar. Não predar destrutivamente,
mas cuidar. O homem está acima do ambiente, embora, o relato bíblico deixe isso bem claro,
não pode viver sem o ambiente. Só foi posto no mundo depois que o ambiente foi criado.

Diferentemente dos relatos das religiões orientais, o homem é distinto da criação. Em forte
contraste, ele é mostrado mais como semelhante a Deus do que semelhante a ela (Gn 1.26-
27). O panteísmo oriental não só é refutado, como o homem é elevado sobre a criação. O
relato bíblico dá valor ao homem. Enquanto que no panteísmo, o homem e um feixe de capim
e um monte de excremento de vaca tem o mesmo valor, na Bíblia, ele é o ápice de um
processo criativo. A singularidade do homem reside no fato de ser ele, da criação, o único
“alma vivente” e o único que pode relacionar-se com Deus. Conforme Eclesiastes 3.11, ele é o
único a ter a noção de eternidade.

O relato da criação, no entanto, repita-se, faz parte de um todo. Ele introduz o tema do
surgimento do universo. Segue-se o surgimento da terra e da vida. Vem o surgimento da
humanidade (lembrando que adam é um termo coletivo). O livro de Gênesis desemboca
depois em Abraão e na família eleita. A criação é a introdução do propósito de Deus para o
homem. Este se consuma na salvação, que expressa o desejo de Deus de viver com o homem.
No Éden, Deus e o homem estavam juntos. Em João, Deus vem habitar com os homens
(primeiro em Jesus, depois pelo E. Santo). No Apocalipse, temos a cidade de Deus onde os
homens morarão. Mais que mostrar como as coisas surgiram, a criação mostra o propósito de
Deus: ter comunhão com o homem.
Agora, sete perguntas para você. Elas se baseiam em Gênesis I, nos quatro primeiros estudos.
Responda-as, em folha à parte, em letra legível. Elas fazem parte da matéria presente e você
receberá pontos por ela. É evidente que a apresentação do seu trabalho também conta. Um
trabalho execrável e repelente não merece boa avaliação. Seja caprichoso.

1 Qual a coincidência entre Gênesis e a moderna geologia, no tocante à criação?

2 Existe uma diferença no relato da criação dos animais e a criação do homem. Para os
animais, Deus disse “produzam as águas” e “produza a terra”. Para o homem, a linguagem é
diferente. Qual é e o que significa?

3 Que se pode pensar da expressão “imagem e semelhança” usada para o homem? 4 A


sexualidade é natural no homem? O que pensar da idéia de que o fruto da queda foi o sexo? 5
Na lição 3 de Gênesis I, se fala do tetragrama sagrado. Pesquise além e diga algo sobre o nome
de Deus. 6 Qual a relação entre o homem e o seu ambiente? 7 Os termos hebraicos para
homem e mulher designam uma relação ideal entre os dois. Qual é?

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

1. DEN BORN, A. Dicionário Enciclopédico da Bíblia, tópico “Criação”

2. COELHO FILHO, Isaltino Gomes, Gênesis I

3. BONORA, Antonio, Gênesis 1-11, a Humanidade em Sua Origem

CRABTREE, Asa, Teologia do Velho Testamento (o cap. 3 trata do nome de Deus).

KAISER, Walter, Teologia do Antigo Testamento (o cap. 5 trata da era prépatriarcal)

HORREL, Scott, “Uma Cosmovisão Trinitariana”, Vox Scripturae, vol. IV, n. 1

MATÉRIA 3: A QUEDA E COMO ELA CORROMPEU O PLANO DE DEUS


A queda é um elemento perturbador na ordem divina. Na realidade, ela é a negação ou a
antítese da criação. Na criação, o caos se torna em ordem. Com a queda, a ordem se torna em
caos. De “eis que era muito bom” (Gn 1.31) para “maldita é a terra” ( Gn 3.17). De ezer
kenegdô, a mulher passa a ser dominada. É a consequência do pecado: a desordem e a
maldade nas relações.

Ao pecar, o homem esperava subir (Gn 3.5). Em vez de subida, vem a queda. O pecado tem um
elemento ilusório: traz o oposto do que oferece. Faça agora a leitura de Gênesis 3. Mas o que
o texto relata sobre a queda levanta uma questão de ordem temporal: quando isto aconteceu?
Eis algumas das respostas que são dadas:

-Não aconteceu. Alguns: o relato é mera crendice. Para Alan Richardson, por exemplo, o relato
é apenas uma parábola. Outros entendem ser um mito , não necessariamente uma mentira ou
invencionice, mas uma linguagem simbólica. Aliás, no relato de religiões, “mito” não é mentira,
mas uma explicação de uma verdade teológica em linguagem da época.

-Na supra-história (Karl Barth). Não se pode pensar em historicidade. O relato é apenas uma
ilustração do colapso moral do homem.

-No tempo e no espaço, em tempo indeterminável. A queda é, portanto, algo histórico, não
mitológico, no sentido de fábula, nem supra-histórico. Mas a linguagem é da época e muito do
seu sentido nos escapa pelo distanciamento cultural e linguístico.

2 -Historicidade –Não é um relato histórico, nem filosófico nem especulativo, mas teológico,
na cultura e linguagem da época. É preciso entendê-las. A historicidade é improvável. Não há
evidências que tornem provável o acontecimento. Não há argumentos objetivos contra. Toda a
objeção é feita em termos de possibilidade ou não. A questão é esta: a queda não foi subjetiva.
Veio de fora e se desenvolveu na mente. Acentua-se o livre-arbítrio humano. A essência da
queda consiste nisto: a mulher creu na serpente em vez de crer em Deus. A queda foi a
transferência de fé. Deixou de se crer em Deus e se creu no inimigo. Da parte da serpente, ela
acusou Deus de não ser bom. A partir daqui, temos o homem em oposição a Deus. Segundo o
teólogo Manson, “a essência do pecado é o egoísmo” (O Ensino de Jesus, p. 301). O pecado é a
rejeição dos dez mandamentos e a instituição do 11o. mandamento: “Tu te amarás a ti mesmo
sobre todas as coisas”. Neste entendimento, o pecado é ato do homem em colocar-se em
primeiro lugar, acima de Deus, não apenas na sua vida, mas na história. Conforme S. de
Diétrich: “Na realidade, o que nos revela essa narrativa é a tragicidade de nossa condição de
homens criados para a vida e colocados sob o signo da morte. A verdadeira tentação a que
sucumbem Adão e Eva é a de Prometeu, a tentação de transpor os limites da criatura e se
tornar igual a Deus” (O Desígnio de Deus).

3 -O que foi a queda –Foi um ato de desobediência a uma ordem expressa de Deus. A ênfase,
na interpretação correta do acontecido, deve ser na proibição e não na árvore ou fruto. Este é
circunstancial. Nas culturas antigas encontra-se também a idéia de um fruto proibido.
Provavelmente, memória da raça.

Seria o inconsciente coletivo ou seriam os arquétipos de Jung? No texto de 3.6, se vê que o


pecado faz um apelo aos sentidos: gustação, vista e tato. “Desejável para dar entendimento”
mostra a singularidade do homem: ele quer entendimento. Difere da criação que quer
subsistência, somente. Entenda-se, porém, que o pecado não é buscar entendimento.
Provérbios exorta o homem a ter entendimento. O pecado é buscá-lo em Satanás. Na
mitologia grega, Prometeu foi acorrentado no monte Cáucaso, por ordem de Júpiter, onde um
abutre lhe comia o fígado. Seu pecado foi roubar o fogo do céu para animar a vida humana. A
Bíblia não mostra Adão como um Prometeu buscando progresso ou conhecimento vedado por
Deus, mas como alguém que ouve a orientação do Maligno para obter conhecimento.

4 -O que é o fruto? –As idéias populares interpretam o fruto proibido figurado por uma maçã,
significando o uso do sexo. Tal interpretação se torna absurda: a sexualidade é divina. E, afinal,
os dois eram marido e mulher, não pecariam. E como se multiplicariam, a não ser pelo sexo? A
expressão “conhecimento do bem e do mal” fica melhor entendida como sendo o
conhecimento experiencial do mal. Eles o conheciam pelo falar divino. Agora, conheciam na
experiência. Ao desobedecer, praticaram o mal. Neste sentido, o mal é ausência de bem, a não
obediência. Citemos, neste contexto, as palavras do pensador cristão Francis Schaeffer, em
Genesis en el Tiempo y en el Espacio

Em Gênesis 3, o amor e a obediência se encontram no contexto de um mandamento


relacionado com uma árvore, a árvore do conhecimento do bem e do mal. É importante notar
que a prova com que Adão se defrontou não implica uma escolha entre uma árvore do mal
que Deus fizera e outra árvore do bem também feita por ele. Porque Deus não criou o mal. Se
o tivesse feito ou se Deus houvesse programado o homem de maneira tal que este devesse
desobedecê-lo, então teríamos aqui um conceito semelhante à idéia hindu de que tanto o bem
como o mal, a crueldade e a não crueldade, surgiram de Deus e em consequência são
finalmente iguais. Na realidade, Deus não fez uma árvore má. Apenas fez uma árvore. E nada
há nesta árvore que seja intrinsecamente diferente, de qualquer maneira, das demais árvores.
Deus apenas confrontou o homem com uma escolha. Da mesma maneira poderia ter dito: ‘não
cruzeis este rio; não subais a esta montanha’. Está dizendo: “Creiam em mim e amem-me,
como uma criatura ao seu Criador, e tudo estará bem. Este é o lugar para o qual fiz vocês” (p.
71).

Também devem ser pensadas as palavras de Cimosa, sobre este assunto, em Gênesis 1 a 11 -A
Humanidade em suas Origens. Apresenta ele três possibilidades para esta árvore do
conhecimento do bem e do mal:
1a) A árvore do conhecimento absoluto. Seria a busca de onisciência pelo homem, um
conhecimento que só Deus pode ter. 2a) A árvore do conhecimento da prosperidade e da
desgraça. Na interpretação de Cimosa, seria a capacidade de discernir tudo, entender tudo,
julgar tudo. A idéia se baseia na interpretação da Tradução Ecumênica da Bíblia, que diz, em
nota de rodapé: “Diferente das outras árvores do jardim, esta dá acesso a uma perspicácia
extraordinária que garante o sucesso”. Seria a busca de sucesso à parte de Deus.

Veja-se, ainda, que a árvore da vida só foi proibida após a queda. Foi vedada aos homens a
possibilidade da eternidade. Veja 2.16-17 e 3.22. Foi dito que eles morreriam, mas
continuaram vivos. Fisicamente vivos, mas espiritualmente mortos. A comunhão com Deus foi
interrompida. Sucumbir ao pecado é morrer espiritualmente. No Apocalipse, a árvore é
liberada para os que vencem o mal, não para os que sucumbem (2.7 e 22.2). A árvore da vida é
dada não aos que caem, mas aos que vencem.

5 -Os passos na queda -Há quatro passos na queda: 1°) Dúvida –“É assim que Deus disse?”.
Satanás foi o primeiro a fazer exegese da palavra de Deus. Citar a Bíblia não é certeza de se
estar correto. Há muita exegese por aí que parece ter sido forjada no Éden. 2°) Levar ao
descrédito –“É certo que não morrereis”. Satanás foi o primeiro a negar a moralidade e o juízo
de Deus. O orientalismo moderno nega a moralidade de Deus e a existência de um juízo. Isso
permeia nossa sociedade. É importante observar isto. Sem dúvida que o desejo do Maligno é
que os homens não creiam na moralidade e juízo divinos. Muito da pregação contemporânea
fala de sucesso, riqueza, prosperidade, mas não fala de pecado, juízo, necessidade de
arrependimento. É a voz da serpente, oferecendo coisas e esquecendo a moralidade de Deus.
3°) O ato concreto: “comeu”. Depois de se ouvir o que não presta, peca-se. Normalmente, o
pecado é gerado, acalentado dentro do homem. Uma boa exegese disto está nas palavras de
Tiago 1.14-15, que devemos ler, agora. Vemos assim o relacionamento entre os dois
Testamentos. 4°) O ato social: “deu”. O pecado transcende os limites da individualidade e tem
aspectos sociais. Não se pode pensar que o pecado afeta somente o relacionamento pessoal
entre o pecador e seu Deus. Há aspectos sociais, mesmo que não haja culpa de terceiros.

6 -Os erros de Eva -Há três erros de Eva:

1°) Colocou a árvore do conhecimento do bem e do mal no centro do jardim: 3.3 e 2.9. O
objeto da cobiça é sempre superestimado. É uma característica do pecado: supervalorizar o
objeto. O proibido desperta a cobiça. 2°) Exagerou a ordem de Deus: “nem tocareis” (3.3 e
2.17). Uma característica do pecado é considerar as exigências de Deus como pesadas. Para o
fiel, eis como elas são: 1João 5.3. Aumentar a palavra de Deus é tão pecado quanto diminui-la.
Foi a crítica de Jesus aos fariseus (Mt 23.4) por aumentarem as exigências de Deus. Esta
atitude leva a dois opostos: ou à negligência (“é difícil demais”) ou ao legalismo (por fardos
sobre os ombros das pessoas). 3°) Minimizou o juízo: 3.6 e 2.17. “Certamente” torna bem
enfática a ordem divina. A idéia do hebraico é “morrereis morrendo”. Ela não levou a sério.
Outra característica do pecado é minimizar o juízo, vendo Deus como um perdoador
compulsivo, mesmo que não haja arrependimento.

7 -As consequências da queda -As consequências do pecado extrapolam o nível de vida


temporal de Adão e Eva. Afetam para sempre a estrutura da raça humana: 1ª) Consciência de
culpa -vv. 7 e 8. Esta traz o medo: v. 10. Pela primeira vez o homem experimenta medo. Neste
contexto, lembremos que o mandamento mais repetido de Jesus, de 487 ordens suas no Novo
Testamento, é “não temais”. Por quê? 1João 3.8 e 4.18-19 dão a resposta. O medo é obra do
Diabo. Quem crê não teme.

2a) Separação -v. 8. Não há mais comunhão. O pecado produz separação de Deus, como lemos
em Isaías 59.2. Houve “queda” e não elevação. O pecado derruba e não ergue. “Nu” é eirum, a
mesma palavra para “serpente”. Em vez de ser Deus, o homem passa a ser serpente. Foi
enganado por Satanás. 3ª) Condenação -3.14ss. A moralidade de Deus produz condenações.
Deus não é apático. A propósito, leiamos Sofonias 1.12. A transgressão recebe castigo. Não
passa em branco.

8 -As condenações -Há quatro, ao todo.

1ª) Ao homem -dureza no trabalho e aspereza da vida: 3.17-18. Não é o trabalho em si. “Quem
inventou o trabalho?”. Foi Deus: 2.15. O trabalho é pedagógico e permite realização pela
criação. A palavra “trabalho” vem do latim tripalium, um instrumento usado para tortura. A
semântica não é feliz, neste caso. 2ª) À mulher -dor no parto e submissão ao marido. O texto é
constatador e não determinador. Deus não está mandando o marido dominar a mulher, mas
dizendo que a relação entre os dois será diferente agora. “A mulher é castigada como esposa
(atraída pelo marido, mas por ele dominada), e como mãe (dá à luz com dores e com risco).
Deus quer a mulher semelhante ao homem, mas em vez disso, o homem fez dela sua escrava”
(Cimosa, p. 53). 3ª) À natureza -“espinhos e cardos”. Por quê? Ela existe em função do homem.
É a dimensão cósmica do pecado que é mostrada agora. Leiamos Romanos 8.19-22 e
Apocalipse 22.2. Por isso, 2Coríntios 5.17 declara que em Cristo somos “nova criação”. Deus
está criando um mundo novo, em Cristo. Ele é o segundo Adão, como lemos em Romanos
5.12-21. Vejamos também Apocalipse 21.5. Este não é o mundo ideal de Deus. Por isso, a
criação está sendo refeita. Uma observação: há ecologia e ecolatria. A primeira é salutar,
reconhecendo que homem e natureza vieram da mesma vontade, a divina, e que o homem
veio da natureza. A segunda é a divinização da natureza, comum no orientalismo e
popularizado pelos conceitos do movimento nova era, uma frente ampla ocultista-orientalista
contra o cristianismo. 4ª) À serpente -era real ou linguagem simbólica? Se Satanás usou um
animal, este seria moralmente responsável? Há um conceito de socialidade no VT: o homem
não existe isolado. A natureza recebe culpa pelo seu pecado. O animal usado por Satanás
também. Os parentes de Noé, em contrapartida, foram salvos por sua fé. Como os familiares
de Acã pagaram o preço de seu pecado. Outra questão a ser abordada aqui: a maldição foi à
serpente como animal ou a quem estava nela?

9 -Quem é a serpente? –No zoroastrismo encontramos o ensino de que Asmuz, o deus do bem,
colocou o homem num paraíso. Arimã, deus do mal, encarnou-se numa serpente, e o tentou.
O relato zoroastrista é dualista, apesar de seu ensino global ser monoteísta. Em várias religiões
há, também, o relato de uma serpente. Como foi dito, isto pode ser explicado como sendo
uma memória da raça. Veja-se, também, neste contexto, as passagens de João 8.44, 2Coríntios
11.3 e 14, Apocalipse 12.9 e 20.2. Observe-se que o relato bíblico é bem claro: não há
dualismo. Não há um deus do bem e um deus do mal. O tentador é criatura e não criador. Não
é coexistente com Deus. Foi criado por ele, é temporal e finito.

10 -O proto-evangelho –A idéia está em 3.15. O termo “semente” é masculino, no hebraico. O


descendente da serpente (demônios) e o descendente da mulher (a humanidade) estariam, a
partir de agora, em luta constante. Mais tarde, o texto foi singularizado: um descendente
específico, o messias, esmagaria o poder de Satanás. Tomou um sentido escatológico. Paulo
incorporou isto ao cristianismo, como lemos em Romanos 16.20.

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA:

SCHAEFFER, Francis, Genesis en el Tiempo y en el Espacio, Ediciones Evangelicas Europeas

COELHO FILHO, Isaltino Gomes, Gênesis I, JUERP

CRABTREE, Asa, Teologia do Velho Testamento, cap. 8, Crabtree

DIÉTRICH, S. ,O Desígnio de Deus, Loyola

KIDNER, Derek, Gênesis -Introdução e Comentário, M. Cristão/V. Nova

MESQUITA, Antônio Neves, Estudo no Livro de Gênesis, JUERP

MATÉRIA 4: A ALIANÇA COM NOÉ

1 -O ponto inicial – É o texto de 8.20 a 9.17. Façamos sua leitura. A aliança vem logo após o
dilúvio. A criação fizera do caos um cosmos. O dilúvio faz do cosmos um caos. A primeira foi
ação divina. A segunda é ocasionada pelo pecado (6.13). Em 6.18 temos a primeira menção
bíblica a pacto. É o hebraico berith. É traduzido por aliança, pacto, concerto, etc. Kaiser, Von
Rad e Baxter preferem “aliança”. Crabtree, por sua vez, “concerto”, e dá uma excelente
explicação em sua Teologia Bíblica do Velho Testamento. (na 4a. ed., p. 192). A VR traduz por
“pacto”. Segundo Weinfeld, “o sentido original do hebraico berith não é um acordo ou
estabelecimento entre duas partes, como costumeiramente se declara. Berith implica
primeiro, e acima de tudo, na noção de imposição, sujeição ou obrigação”. É algo que é trazido
unilateralmente e não comporta discussões. Não é para sentar-se à mesa e discutir cláusulas.
Por aquilo que Deus fez, ele tem o direito de dizer o que é e o que deve ser feito, sem discutir
termos. Esta noção de berith deve ser guardada. Ela vai servir de fio de prumo para toda a
nossa abordagem do Antigo Testamento. Concordo in totum com as palavras dor abino
Kashner, no livro Quem Precisa de Deus?: “Para mim (e, afirmarei, para a Bíblia, a essência de
um relacionamento religioso com Deus está na idéia contida na Aliança” (p. 67).

2 -O ato de culto –Nosso texto inicia com um ato de culto. No entanto, não é este que motiva a
aliança. Esta começa na graça de Deus (6.8). O caráter de Noé agradou a Deus (6.9). A
obediência é mostrada como um traço do seu caráter (6.22, 7.5, 7.9 e 7.16). A moralidade de
Deus o leva ao desgosto (6.11-13) e, também, à eleição que produz o pacto (6.18). Um
princípio se estabelece, o da obediência: 6.22. O ato de culto de nosso texto é resposta de
gratidão à salvação. “Holocaustos” (Gn 8.20) é o hebraico ´˜olah, que significa “oferta
inteiramente queimada”, a mais expressiva no AT. É uma oferta de gratidão e não o motivo da
aliança. Alguns vêem uma aliança pré-diluviana e uma pós-diluviana, com Noé. É melhor ver
uma só, que antes se expressa em termos de salvação temporal e depois, em termos de
bênçãos futuras. A aliança com a Igreja é de uma salvação imediata e uma futura, sem ser
duas. A analogia pode ser feita. A Igreja adora não para fazer a aliança, mas porque ela foi feita
por Cristo, com seu sangue.

3 -As bases da aliança –Não é um contrato bilateral, conforme já dissemos, com as partes
firmando o acordo, após discussão e acerto de cláusulas. Uma tradução literal de 9.9 nos dá:
“Eu, eu mesmo, estabeleço o meu pacto convosco”. A ênfase é na ação divina, mostrando o
pacto como algo unilateral. Há três características a notar nesta aliança: 1ª) Foi concebida e
firmada pelo próprio Deus. Ele é o agente. Noé providencia a arca, mas a revelação vem de
Deus e a orientação também. Deus é o sujeito das ações. Julga, mas é longânimo, dando prazo
para que a pregação de Noé fosse ouvida. Independente do que seja a interpretação do texto,
1Pedro 3.20 nos diz que a “longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé”. O juízo é por
causa da moralidade divina, mas houve espera e pregação. 2Pedro 2.5 fala de Noé como
“pregador da justiça”. Houve graça, também.

2ª) A aliança era universal em seu alcance. Gênesis 9.9 fala de “vossa descendência”, mas 9.16
fala de “todo ser vivente de toda a carne”. A graça é manifestada mesmo sem haver
compreensão dela. A graça tem uma dimensão universal e é sobre toda a criação. 3ª) A aliança
era incondicional. Não há nenhum “se”. Cumprindo o homem o que se espera dele ou não,
não haveria mais juízo por água. Haveria um dilúvio só em toda a história. Nada há que o
homem faça que possa provocar novo dilúvio. Nada há que o homem faça que possa invalidar
o juízo. Até o sinal da graça independe de ação humana nem pode ele exercer qualquer
controle sobre ele. É dada, independente de aceitação.

Isto nos ajuda a entender que a aliança com Noé foi produto de uma administração soberana
da graça e da magnanimidade divinas, em sua origem, manifestação e cumprimento. O sinal
dado aos homens, o arco-íris, recebeu uma boa interpretação de Von Rad: Deus pôs de lado
seu arco de guerra. A convexidade do arco-íris, diferentemente da do arco de guerra, está
voltada para o céu e não para a terra. É uma oferta de paz. Trata os homens, na sua aliança,
como amigo e não como guerreiro. A aliança é uma promessa de bênção, de segurança e uma
oferta de paz. Cabe ao homem aceitar ou rejeitar. Discutir termos ou impor posições não é
possível. A aliança não é dialogável, passível de acertos e negociações. É uma oferta de amor,
mas firme e decidida.

O contexto da aliança é, pois, uma oferta de paz, uma promessa de bênção, e é assegurado à
descendência. Assim como o coração de todo homem é pecador (8.21), a aliança é ofertada a
todos. Deus deseja se relacionar bem com todos os pecadores e lhes estende a sua graça. É a
mensagem da aliança. É um ato soberano de sua vontade e não mérito humano.

Uma boa observação de S. de Diétrich, mais uma vez:

A arca de Noé, sacudida e levada pelas águas do dilúvio, é um sinal da salvação futura, sinal da
Igreja arrebatada à perdição do mundo (1Pe 3.21). Talvez possamos ver nela um prenúncio da
Nova Criação. Deus faz com Noé um pacto de aliança: compromete-se a não destruir mais a
humanidade… O pacto com Noé é uma promessa de conservação, de manutenção da vida,
feita à humanidade inteira ( p.25).

A arca é vista por Diétrich como um símbolo da Igreja: tomada do mundo, guardada por Deus,
conservando o povo em si e preparando para um novo tempo.

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

KIDNER, Derek, Gênesis -Introdução e Comentário, Paulinas


CIMOSA, Antonio, Gênesis 1-11, a Humanidade na Sua Origem, Paulinas

DIÉTRICH¸ S., O Desígnio de Deus, Loyola

MESQUITA, Antônio Neves, Estudo no Livro de Gênesis, JUERP

MATÉRIA 5: A ALIANÇA COM ABRAÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS

A salvação foi idealizada na eternidade (Ef 1.4), mas entrou na história em Gênesis 12. Temos,
a partir daqui, “a história da salvação”. Ela sai da mente de Deus e entra na experiência dos
homens. Um descendente de Sem (11.10-32) é o homem escolhido. Avraham é seu nome. O
nome significa “pai elevado”. É de linhagem nobre. Deus escolhe um homem. Dele faz uma
família. Depois, um clã. No livro de Úxodo, já é um povo, o povo de Israel. Depois de um
cativeiro, de uma purificação (uma passagem pelo funil), sobra um “resto”, que dará origem ao
messias. No Novo Testamento, esse povo é multirracial, multi-étnico, a Igreja de Cristo.

Guardemos bem isto: a Igreja era o projeto final, à luz de Efésios

1.4. Israel era um estágio. A Igreja é o definitivo e Israel, transitório. Apesar de Calvino dizer
que a Igreja começou no Éden (havia gente criada para viver com Deus, um símbolo da Igreja)
as raízes teológicas da Igreja têm que ser buscadas em Abraão. Isso deduzimos de Gálatas 3.6-
9. Somos, como Igreja de Cristo, descendentes deste homem. É nele que se localiza, teológica
e historicamente, a nossa origem.

1 -A chamada –Façamos a leitura de Gênesis 12.1-3. Veja-se o paralelo da história da salvação


com a história da criação. Esta começa com Deus falando (Gn 1.3). Aquela também (Gn 12.1). É
a palavra de Iahweh que comanda a história. A aliança com Abraão é exigente. É um berith,
como já vimos, sem espaço para diálogo. Há uma ordem (v. 1) e uma promessa (vv.2-3). A
ordem traz os verbos no presente (v. 1 e 2b). As promessas trazem os verbos no futuro (vv. 2-
3). Nada de concreto, a não a ser a palavra divina empenhada. Observe-se, na chamada, o
fundamento da aliança de Deus com os homens: a ruptura com o passado e a proposta de uma
nova vida. A resposta de Abraão foi a obediência (v. 4) a adoração (vv. 7-8: edificou altares).
Em Gênesis 13.14-18, a promessa da aliança é ratificada. Mais uma vez, a resposta é um ato de
culto (v. 18). Eis uma síntese de toda a aliança proposta por Deus aos homens: uma nova vida,
promessas, obediência e atitude de culto.

2 -A reafirmação da promessa ou “a conversão” de Abraão –A aliança é ratificada, de modo


espetacular, em Gênesis 15. Talvez seja o momento climáxico da aliança abraâmica. O NT dirá
que Abraão creu e se tornou o pai dos crentes (Gl 3.6-9). A alusão é com este momento. É o
instante em que ele teve a justiça imputada (Gn 15.6). O momento assume grandeza a partir
do versículo 9, quando a aliança é selada, juridicamente. O ato é jurídico e mostra Deus se
obrigando a Abraão. Transcrevo aqui um trecho um pouco longo de S. de Diétrich. Longo mas
proveitoso, como todo o seu livro. Atente-se para ele:

O capítulo 15 relata um episódio mais misterioso ainda. Deus conclui com Abraão um
verdadeiro pacto, segundo o costume do tempo; era preciso que os dois contratantes
passassem entre os animais esquartejados; aceitavam assim serem eles mesmos dilacerados
como as vítimas, se infringissem seus compromissos. Aves de rapina, símbolo das forças
malignas tentam se apoderar dos animais divididos. Abraão as afugenta. Angústia e trevas
espessas o envolvem. Deus lhe revela os sofrimentos que se

abaterão sobre sua posteridade. Depois, o próprio Deus passa entre os animais partidos sob a
forma de uma chama (…) Deus somente é o fiador do Pacto firmado. Sua honra está engajada.
E, quando a posteridade de Abraão romper o pacto, será o próprio Deus que, em Jesus Cristo,
virá substituir a parte faltosa e pagar-lhe

o preço da infidelidade. É já a sombra da cruz que desce sobre Abraão nessa noite de angústia
(p. 38).

É fundamental saber que Iahweh é o fiador do pacto, ele só. Abraão não pode passar entre os
animais partidos. Ele representa a humanidade que não tem como firmar nada com Deus. É
Deus quem firma. Ele é o fiador. Declara, ao passar entre as partes, que aceita morrer se falhar
com o homem. Quando o homem falha, ele se torna homem e morre no lugar dele. Esta é a
mensagem de Gênesis 15, antecipando a obra da cruz. Deus dá a sua palavra e dá a palavra
pelo homem.

3 -A aliança num contexto de juízo –Gênesis 18 é um texto impressionante. Iahweh, em forma


humana, dialoga com Abraão. Discutir se é uma préencarnação de Jesus, aqui, é ocioso. É
funcionalizar as pessoas da trindade. São três anjos (v. 2) que Abraão hospeda. Dois vão para
Sodoma (19.1) e o terceiro voltou ao seu lugar (18.33). Era o próprio Iahweh. Ele repreende a
dúvida de Sara (v. 13) e reafirma a promessa de um filho (vv. 13-14). O contexto é de juízo, a
partir do versículo 17. Deus não oculta o juízo. Pela primeira vez a aliança está associada com
destruição e punição dos pecadores. Este tema estará bem presente na aliança do Novo
Testamento. O Deus que pactua e se submete a atos jurídicos é, também, Juiz (18.25). Há
promessas, na aliança, para a descendência de Abraão (que somos nós, à luz de Gálatas 3.29).
Mas há juízo para os de fora. Os que não se submetem à aliança serão julgados (Jo 3.18).
4 -Uma síntese da aliança –A aliança repousa sobre três pilastras: Deus, o homem, a graça. Há
um Deus vivo, que se comunica, que se revela a si mesmo. Os muitos antropomorfismos de
Gênesis têm um sentido mais amplo do que um estilo antigo de linguagem. Pelo estilo se
mostra a pessoalidade de Deus. Deus é pessoal, comunicativo e auto-revelador. Não revela
conceitos, mas sua pessoa (15.1 e 17.1), pactua com os homens, ou seja, relaciona-se com eles
em amor (17.5-8). O homem é pecador e nada faz pelo pacto. Em 15.17, é Deus quem afiança
o pacto. É ele quem o faz (15.18) e não os dois. O homem é pecador e não pode oferecer nada
como fiança. Nada tem. É fraco e não dita os termos. É um berith. Aceita ou recusa, sempre é
bom reafirmar. A ação de Deus é ação da graça. Ele escolhe e não é o homem quem se
capacita. A melhor exegese dos sentimentos de Deus quando do pacto está em Deuteronômio
7.7-

8. Diz respeito a Israel, mas é óbvio que a origem está em Abraão. É o amor eletivo de Deus, a
base da aliança. Entre os muitos termos hebraicos para amor, encontramos ´˜ahab, que
designa o “amor eletivo”. É diferente de hesedh, o amor eterno e imutável. Hesedh é
geralmente o amor do pacto, o amor fiel e que permanece. Mas ´˜ahab é o amor eletivo, o
amor que se lê em Oséias 11.1. A aliança ou pacto tem seu ponto de partida no ´˜ahab e se
estabelece porque Deus tem amor eterno e imutável. Todo o relacionamento de Deus com o
seu povo, seja na eleição, seja na continuidade do trato, é devido ao seu amor. Para mais
informações sobre ´˜ahab e hesedh , leia Crabtree, em Teologia do Velho Testamento, nos
tópicos “O amor de Deus” e “O amor eletivo de Deus” (p. 114-117, na 4a. edição).

Mas a síntese da aliança precisa ser entendida num contexto de composição literária. Eis uma
citação da apostila de Landon Jones, “O Kerygma do Pentateuco”, usada no mestrado da
FTBSP:

A consequência da maldição em Gn 2-11 foi a perda de liberdade: a serpente foi condenada a


viver no chão e foi alienada da humanidade. A terra foi amaldiçoada e só produzia espinhos. O
homem e a mulher foram expulsos do jardim. Caim foi condenado a vaguear pela terra e
Canaã seria o escravo de Sem. A torre de Babel foi vista como uma tentativa frustrada da
humanidade de fazer um nome para si mesma. O resultado foi uma comunidade confusa e
desunida. À luz desta situação, a promessa de bênção em Gênesis 12.1-3 deve ser vista como a
promessa de “entrar numa vida livre e frutífera, sair da escravidão, do esforço vão e da
peregrinação sem destino, da hybris e do temor da morte. Para Wolff a chamada de Abraão foi
o início da história da reposição da maldição pela bênção (p. 22).

5 -Abraão, o modelo para o cristão –Abraão, com sua fé e com seu testemunho, se torna o
modelo para o cristão. Valham-nos aqui as palavras de Baxter:
Em Abraão vemos a vida de fé. Ele se destaca como o exemplo supremo da vida de fé. É o
homem fiel que avança, confiante na orientação divina, crendo nas promessas divinas,
recebendo as confirmações divinas, herdando a bênção divina, submetendo-se a grandes
provações e, apesar de falhas ocasionais, sendo ´˜justificado´ pela fé e chamado “amigo de
Deus” ( Examinai as Escrituras, vol. I, p. 66).

É em Gênesis 22 que a fé de Abraão alcança o apogeu. O texto nada tem a ver com a
crucificação de Cristo. Isaque não é um tipo de Cristo, porque Cristo foi sacrificado e Isaque,
não. Na realidade, o cordeiro emaranhado pelos chifres e que morre no lugar de Isaque tem
mais a ver com Cristo do que o próprio Isaque. O capítulo mostra que Abraão alcançou a
maturidade da fé. Houve altos e baixos em sua carreira. Mentiu para Abimeleque (e em vez de
ser bênção, foi uma maldição para este -como lemos em 20.2-3, 17-18), desceu para o Egito
(12.10), tomou Agar como reprodutora (16.4). Em Gênesis 22 ele aceita matar Isaque porque
crê que Deus pode cumprir sua palavra. Não tenta “ajudar” a Deus, como fez no caso de Agar,
nem teme, como no caso de Abimeleque. Apenas crê. Por isso a declaração do anjo em 22.12:
“agora sei que temes a Deus”. Aliás, segundo estudiosos, esta expressão é a chave para se
entender o documento E (o eloísta): o temor de Deus. É a essência do episódio, que não deve
ser cristianizado para se ver a cruz no livro de Gênesis. O episódio tem a ver com Abraão e não
com Jesus.

Devemos ter em mente que, no pensamento de Paulo, o pacto de Iahweh com Abraão é
fundamental para a fé cristã. É, inclusive, a principal base para a teologia paulina. Veja-se esta
citação de Juan Stam:

A teologia abrâmica é a principal base bíblica (do Antigo Testamento) para Paulo. Uma vez que
Abraão foi justificado pela fé, torna-se compreensível que nós também somos justificados pela
fé (Rm 4.1-25, Gl 3.6-18, cf. Tg. 2.21-24). Os crentes, sejam judeus ou gentios, são agora
verdadeiros filhos de Abraão (Rm 4.12, 9.68). Os gentios crentes são enxertados na oliveira de
Israel, enquanto que os judeus incrédulos são arrancados da árvore (Rm 11.16-22). Tudo isto
se deve a Cristo. (Steuerunagel, A Missão da Igreja, p. 24)b

6 -A aliança ratificada: Isaque e não Ismael –Sara e Abraão desejaram “ajudar” a Deus no seu
plano. Assim nasceu Ismael (Gn 16.1-3, 11). A história das tensões entre Sara, Agar, Isaque e
Ismael dizem respeito mais à disciplina Velho Testamento. Nossa linha aqui é mais teológica.
Pelo costume da época, sendo o escravo uma coisa, o filho de Agar seria de Sara. Abraão tinha
85 anos (Ismael nasceu quando ele tinha 86 -cf. 16.16). Ismael é ação de homens e não de
Deus. A ação de Deus é Isaque (18.11-15 e 21.1-3). Há pouca exegese do VT sobre o caso, mas
Paulo a fez muito bem, na sua alegoria sobre os dois pactos (Gl 4. 21-28). É a linhagem fiel e
não a linhagem acidental (Agar era uma estranha). A aliança é depois ratificada em Jacó e não
em Esaú, o primogênito. A explicação é dada em Gênesis 27.5-44. A história nos é estranha
porque tem nuanças culturais que desconhecemos. Mas o NT dirá que Esaú foi leviano (Hb
12.16) por ter trocado a bênção de Deus por ninharia. Desprezou a eleição. Jacó a buscou. Por
isso, a declaração de Deus em Malaquias 1.1-2. O verbo “amei” em Malaquias 1.2 é ´˜ahab,
usado para eleição. O amor eletivo de Deus está na base da aliança. Não é apenas uma
questão de filiação, mas de eleição, da escolha soberana de Deus. É o seu querer que
determina a aliança, isso deve ser repetido e bem gravado.

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

1. KIDNER, Derek. Gênesis -Introdução e Comentário, Vida Nova

DATLER, Frederico. Gênesis , Paulinas

DIÉTRICH, S. O Desígnio de Deus, Loyola

4. CRABTREE, Asa. Teologia do Velho Testamento, JUERP

COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Gênesis II, JUERP

BAXTER, Slidow. Examinai as Escrituras, vol. 1, Vida Nova

MATÉRIA 6: ALIANÇA MOSAICA

A aliança mosaica foi firmada com as tribos de Israel, por ato de escolha divina, em amor. A
eleição não foi um mérito de Israel, mas ato soberano de Deus, como podemos verificar em
Úxodo 2.24-25, Deuteronômio 4.37, Oséias 13.5 e Amós 3.2. Israel foi redimido e adotado por
Deus. Veja-se Úxodo 4.22 e Oséias 11.1. É importante considerar que a aliança mosaica é a
sequência e ampliação da aliança abraâmica. Buscar contrastes ou diferenças é ignorar o
seguimento da história bíblica: um homem, uma família, um clã, um povo. Há uma aliança que
se aprofunda. O berith se amplia, agora com Moisés. Alguns aspectos devem ser considerados
sobre a aliança mosaica.

Em primeiro lugar, ela continua o pacto com Abraão. Isto é bem entendido em Úxodo 2.23-25,
texto que deve ser lido. Tem-se a continuidade da história da salvação, cuja culminância se
dará em Cristo. Não se tem uma história nova, mas um capítulo novo de uma história antiga.
Em segundo lugar, ela marca uma nova e mais profunda etapa no relacionamento de Deus
com os homens. Os antropomorfismos de Gênesis cedem lugar a uma noção mais
espiritualizada de Deus. Basta comparar Gênesis 18 com Úxodo 33.22-23. Mas a mais
significativa mudança é no nome de Deus. “Apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó, como El
Shadday; mas pelo meu nome Iahweh, não lhes fui conhecido” (Úx 6.2-3). Seu propósito era
ser reconhecido como Iahweh (veja Úxodo 7.5). A leitura de Úxodo 3.14-15 mostra que este
nome é fundamental para a aliança mosaica. EU SOU O QUE SOU, EU SEREI O QUE SEREI, EU
ESTOU SENDO O QUE ESTOU SENDO, é o significado do nome, que é a contração de ´˜eyehyeh
asher ´˜eyehyeh. É o nome pessoal de Deus, o nome do pacto, o nome com que ele se
relaciona com seu povo. É Iahweh quem tira Israel do Egito (Úx 20.2), quem o introduz em
Canaã (Dt 26.9), quem levanta juízes (Jz 2.16). Este nome é o memorial divino (Úx 3.15) e a tal
ponto de, mais tarde, basear a doutrina do Ha Shem (a propósito da questão do Ha Shem, leia
o capítulo sobre o nome de Deus, em meu livro A Atualidade dos Dez Mandamentos). A
compreensão do significado do nome, no pensamento hebreu, é necessária para se ter uma
idéia do que está sendo dito. Para mais conhecimento, leia Cole, em Úxodo -Introdução e
Comentário, Edições Vida Nova, na página 20 até a 22, no tópico “Eu Sou YHWH”.

Em terceiro lugar, a necessidade de se observar termos impostos (lembre-se que é berith)


também está presente aqui. Os dez mandamentos surgem como imposição natural da aliança.
Os capítulos 19 a 23 de Úxodo são chamados de “Livro do Pacto”. Porque o povo pactua com
Iahweh, o Eterno, que é Santo, o povo deve ser santo (Lv 11.44-45). A aliança é eleição, é
redenção (como a páscoa mostra), mas é compromisso. É chamada à santificação. Passa a
haver uma responsabilidade muito grande na aliança: viver à altura dela. Ela não é ocasionada
pelas obras, mas ela implica na prática de obras santas. É o mesmo padrão para a salvação
cristã. Obras não produzem a salvação cristã, mas quem tem esta apresenta boas obras na sua
vida. A salvação de Israel é um ato da graça de Deus, mas ela demandará uma conduta elevada
de Israel. Seu posterior envolvimento com a idolatria, cujo início se dá no desastrado reinado
de Salomão, leva a nação a sofrer o juízo.

Em quarto lugar, observe-se a importância dada à figura do juízo sobre os adversários. Não se
pode separar a saída dos israelitas do Egito do juízo sobre o Egito. Fica bem claro aqui e na
caminhada pelo deserto, até a instalação na Terra Prometida, que há juízo divino sobre os
inimigos do seu povo. Há eleição e juízo; há salvação e condenação na aliança. Úxodo 11.7
mostra que há distinção entre os eleitos e os não eleitos. O trato é igual no amor e na
dispensação da graça, mas é diferente conforme a resposta à graça dispensada.

Em quinto lugar, Iahweh é o Deus que faz as coisas acontecerem. A base para os dez
mandamentos reside exatamente aqui: ele fez algo pelo povo (Úx 20.2). Os antropomorfismos
de Gênesis cedem espaço à ação de Deus. Na criação, ele falou. No êxodo, ele falou, mas mais
que isso, ele agiu. A propósito, volto a recomendar o excelente livro sobre isso, que é O Deus
que Age, de Wright, editado pela ASTE. Esta é, repito, a sua linha: mais que Palavra de Deus, a
Bíblia é o livro dos atos de Deus. Ele não é um discursador, mas um agente. Suas exigências se
baseiam no seu caráter e na sua ação. E seu caráter fica bem claro pela sua ação. O que ele faz
mostra o que ele é. Isto é fundamental para uma boa teologia do Antigo Testamento. O Deus
de Israel entrou na história dos homens, como Úxodo 3.18 nos mostra, e a marcou para
sempre. Há evidências históricas do judaísmo e do cristianismo, mas não há evidências
históricas do budismo ou do xintoísmo. Isto torna a nossa fgé algo singular, também: ela está
enraizada na história.

Como síntese, pensemos nos efeitos da aliança mosaica:

1°) Iahweh resgata Israel da escravidão do Egito e o constitui como seu povo. Isto é necessário
de se considerar, lembrando-nos que o êxodo, mais que a criação ou pacto com Abraão, se
torna o eixo hermenêutico de toda a Bíblia e se constitui numa amostra magnífica da unidade
da mensagem bíblica.

2°) Iahweh pune o opressor do seu povo. A segurança dos seus é uma responsabilidade divina.

3°) Iahweh adota seu povo como seu filho. A doutrina da paternidade de Deus, embora esteja
bem presente no AT (veja Oséias 11), será mais reforçada por Jesus. Sobre isto, leia A
Mensagem Central do Novo Testamento, do teólogo luterano alemão Joachim Jeremias,
editado pela Paulinas. É um desses extraordinários livros que merecem ser lidos. Mas Israel é
filho, agora. A aliança muda a situação: da escravidão aos homens à filiação divina.

4°) Israel tem privilégios dentro da aliança, mas tem responsabilidades. Deve ser santo e deve
ser testemunha de Iahweh. Não lhe é permitido viver como as outras nações, mas deve ter um
padrão superior e deve representar seu Deus onde estiver. Santidade de vida é exigência
fundamental para o povo de Deus.

5°) Israel passa a se relacionar com Iahweh através do culto (Úx 3.18) e deve ensinar a seus
filhos, perpetuamente, sobre Iahweh (Dt 6.6-9). O êxodo é um evento marcante a ser
repassado. As gerações posteriores deviam saber dos atos de Deus por Israel.

6°) A exigência fundamental para Israel é amar a Iahweh, conforme lemos em Deuteronômio
6.5. O relacionamento com Deus não pode ser legalístico nem ritualístico. Os sacrifícios não
podem ser atos mecânicos e impessoais, mas devem ser amorosos atos de culto. O amor para
com Iahweh deve reger toda a vida da nação.

7°) O grande tesouro teológico para os hebreus é a unicidade de Iahweh, conforme se vê em


Deuteronômio 6.4. São apenas quatro palavras , em hebraico, mas de uma profundidade
ímpar: Iahweh Eloheinu Iahweh Ehâd, “Iahweh Nosso Deus, Iahweh Um”. O Deus de Israel é
único, singular, e não pode ser confundido com nenhum outro. Israel não pode ter nenhum
outro deus. Isto implicará em adultério. A aliança é um pacto como os do casamento oriental.
O adultério implica no cancelamento dos votos. A parte ofendida poderia cancelar os votos.
Deus não cancela os votos, mas usa de correção (o cativeiro será corretivo) para atrair o povo
desviado de volta. Após a infidelidade de Israel, Iahweh mostra que quer reatar o “namoro” do
passado e refazer o casamento: como lemos em Oséias 2.14-20. Ele não é apenas o UM ou o
ÚNICO existente, mas deve ser o UM na vida do seu povo. O ponto central da responsabilidade
de Israel residia aqui: em ter Iahweh como o Único.

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

1. COLE, Alan, Úxodo -Introdução e Comentário, Vida Nova

SHEDD, Russel, (ed.) O Novo Dicionário da Bíblia, vol. 1, tópico “Aliança”

DIÉTRICH, S., O Desígnio de Deus, Loyola

COELHO FILHO, Isaltino Gomes, A Atualidade dos Dez Mandamentos, Exodus

JONES, Landon, O Kerygma do Pentateuco, apostila de AT, no mestrado da FTBSP

MATÉRIA 7: DEUTERONÔMIO, A REITERAÇÃO DA PROMESSA

1 -O título –O título de Deuteronômio, na Bíblia hebraica, é Ha Dabarym, que, ao pé da letra,


significa “As Palavras”, extraído do primeiro versículo do livro. A LXX deu-lhe o título de
Deuteronomion, “outra lei”. Não significa que se passou a ter uma nova lei, mas que a lei foi
reafirmada. O que fora dito em Úxodo e Levítico é reforçado aqui. Antes de sair de cena,
Moisés reaviva na mente do povo a lei de Deus. Consequentemente, a idéia da aliança está
presente. Deuteronômio é o livro da reafirmação da aliança.
2 -Um esboço do livro –O livro tem três divisões que podem ser notadas pelos verbos no
imperativo: “recordai”, “obedecei” e “cuidai”. Para se visualizar seu conteúdo, apresentemos
aqui uma visão do esboço.

I RECORDAI! Revisão da história das peregrinações -1.1 a 4.43 ( o passado ) II OBEDECEI!


Exposição da lei -4.44 a 26 (o presente) III CUIDAI! Previsão do futuro de Israel -27 a 34 (o
futuro)

Neste esboço se verifica o valor da aliança. Ela está subjacente a todo o livro. A revisão das
peregrinações é feita para mostrar sua outorga. O chamado à obediência é seu reavivamento
na mente do povo. E a mostra do futuro é bem claro: ele depende da lealdade de Israel à
aliança. No capítulo 27.11-26 se vêem as maldições pela quebra da aliança. No 28.1-14, se
vêem as bênçãos pela observância. O capítulo 28 ainda mostra castigos pela desobediência (vv.
15 a 68) e o 29 traz a renovação da aliança. O ponto central é o versículo 9. Além da
intervenção por ocasião do êxodo, há mais um fator para Israel guardar a aliança: o cuidado
durante a peregrinação (veja, particularmente, o versículo 5).

Deuteronômio é, portanto, a reafirmação da aliança. Prestes a entrar em Canaã, o povo é


chamado a renovar os votos com Iahweh. Neste sentido, é oportuno um relance pelo livro para
ver como o conceito de um pacto foi assimilado na história.

3 -O fundamento do livro –Toda a teologia do livro repousa sobre a shemá, título que se dá
para a declaração contida em 6.4. As famosas quatro palavras em hebraico, Iahweh Eloheinu
Iahweh Ehâd (Iahweh Nosso Deus Iahweh Um), já devidamente comentadas. A unicidade de
Deus é o eixo central do ensino do livro. Por causa da shemá vem o mandamento de 6.5.
Preste-se atenção que a motivação para se cumprir a lei, que é o título do capítulo 6, é o amor
a Iahweh. Recorde-se que a lei é consequência do pacto ou aliança. A aliança é aqui
reafirmada. Não se trata de uma nova, mas de uma antiga. Vejase 4.27-31 e 30.20. O ensino de
Scofield de que temos uma nova aliança a partir do capítulo 29, e que foi sob esta aliança que
Israel entrou em Canaã é uma incongruência. Por que uma aliança diferente da do Sinai? Se
assim fosse, quando Jesus institui a sua aliança e a declara como “nova”, é nova em relação a
qual das duas? Para conhecer mais detalhes sobre isto, leia Examinai as Escrituras, vol. I, p.
222-224, tópico “A chamada aliança palestina”. O

fundamento é a singularidade do Deus que entrou na experiência de Israel e que pactuou com
a nação.
4 -Pontos principais da aliança mostrados em Deuteronômio –Não é uma aliança nova, como
dito e repetido, mas novos aspectos aparecem aqui. Na medida em que a revelação vai se
desdobrando, mais aspectos da aliança aparecem. Ajuntando-os com os vistos anteriormente,
podemos ter uma visão mais ampla do propósito divino para com Israel. Para este fim,
relacionamos alguns dos pontos principais da aliança mostrados em Deuteronômio.

-Quem é Iahweh? –Em Deuteronômio se aprende mais de Iahweh. Ele é o único Deus (6.4),
sendo também Senhor absoluto do universo (10.14) e da natureza (11.10-15) e dos povos (9.1-
3). É o Deus dos patriarcas (9.27) que redimiu Israel da escravidão (6.21-23) e com ele firmou
uma aliança (5.2-3) e se comprometeu a lhe dar uma terra (11.9). Ele tem um propósito:
instalar seu povo na terra prometida. Este propósito é o início de um projeto maior: disseminar
seu nome entre todos os povos, tarefa dada a Israel. É o Senhor da história, que conduz tudo
para um ponto determinado por ele. A obediência à aliança beneficiaria Israel. A
desobediência seria sua ruína ( cp. 28-30). Iahweh faria o bem ou traria juízo, na forma de
pragas e nações inimigas. Ele comanda a história.

-Quem é Israel? –Povo pequeno e inexpressivo (7.7). Não foi escolhido por seus méritos, mas
pela graça. É povo duro e rebelde, obstinado, mas o querer de Deus foi escolhê-lo (9.5-8).
Mesmo assim, é o povo vocacionado para testemunhar de Iahweh (7.6). Esta é sua missão.
Apesar de sua dureza de coração, é um povo santo e escolhido (7.6), ou seja, reservado para a
missão. Deve viver em mutualidade porque todos são irmãos (1.16). Com isso, os menos
favorecidos devem ser protegidos (10.17-19). O povo deveria se manter afastado dos idólatras
corrompidos (7.1-4). Eles arruinariam a nação. Como realmente sucedeu, na trágica aliança de
Salomão com mulheres pagãs.

-Cativeiro e redenção –A lembrança do cativeiro e da redenção está sempre presente no livro,


do início ao fim. Israel deveria lembrar e repassar às gerações posteriores o evento. Veja Leia-
se 4.9. Leia-se também Juízes 2.10 e veja, na declaração, que tragédia! Mas Israel deveria
lembrar que foi escravo (5.15), que esteve na casa da servidão (5.6), e que foi resgatado por
Iahweh que

o amou (7.8). Aqui temos novamente o verbo ´˜ahab. Aliás, ‘ahab é chave para se
compreender o ensino do livro. Foi seu amor eletivo que tirou Israel do cativeiro, redimindo-o.
Os atos de Deus pelo seu povo são motivados pelo seu amor eletivo. O ponto central da sua
ação na história está no amor de Iahweh. Porque ele ama ele redime seu povo. A aliança é
proposta pelo amor.

4.4 -A herança –Canaã é terra boa que Iahweh dá a Israel (1.25). É terra de fartura (6.3), o que
mostra como Deus trata seus filhos. Lembre-se de João
10.10. Esta terra é “herança” (4.21), ou seja, é de Iahweh e ele a cede a seu povo, que é seu
filho (Úx 4.22). Apesar das batalhas que travou, Israel não deve ver Canaã como produto de
seu esforço, mas como cessão de Deus. Da mesma forma, a vida cristã é vida de Deus em nós.

4.5 -A reciprocidade no amor –Iahweh amou os antepassados (4.37).

Amou primeiro, portanto. Israel deve amar a Iahweh de todo coração (6.5). Este amor implica
em temor (4.10), que é uma atitude de reverência e não de medo ou pavor. Não deveria se
envolver com outros deuses, até porque nunca os conheceu (11.28) e deveria, até mesmo,
fazer seus nomes desaparecerem (7.24). O nome simbolizava o caráter da pessoa. Havendo a
presença do nome, a divindade ainda estaria com seu caráter exercendo influência. O amor de
Iahweh exige exclusividade em amor do seu povo.

4.6 -A centralização do culto –À luz de 12. 5 e 11, o culto deve ser centralizado em um
determinado lugar. Por isso alguns dizem que o livro é posterior a Moisés, produto dos
sacerdotes, para centralizar o culto em Jerusalém. Não é necessário pensar assim. A
centralização poderia evitar a corrupção que surgiria pela pulverização de lugares de culto e
pela fragmentação do modelo litúrgico, é a resposta que se pode dar a este argumento. O
culto deve ser celebrado com alegria (12.7), não sendo um rito mecânico. Não pode ser
oficiado por qualquer um, pois há os levitas, que não podem ser desamparados (12.19).
Guarde-se isto, pois será um dos motivos pelos quais Deus pactuará com Davi: seu desejo de
centralizar o culto, através da construção de um templo.

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

STORNIOLO, Ivo. Como Ler o Livro de Deuteronômio, Paulinas

THOMPSON, J. A . Deuteronômio -Introdução e Comentário, Vida Nova

SHEDD, Russel. (ed.) O Novo Comentário da Bíblia, Vida Nova

BAXTER, Slidow. Examinai as Escrituras, vol. I, Vida Nova

MATÉRIA 8: A ALIANÇA COM DAVI, O NOVO EIXO DAS ESCRITURAS

Antes de considerar a aliança de Iahweh com Davi é necessário entender o significado deste
homem na revelação bíblica. Deus o chamou de “o homem segundo o meu coração” (At
13.22), elogio só comparável ao de chamar a Abraão de “meu amigo”. O livro de Rute, que as
senhoras de nossas igrejas gostam de estudar para ver a amizade feminina, quer ensinar muito
mais do que isto. O livro é pós-davídico (4.22), embora narre eventos dos tempos do juizado,
época pré-monárquica e, obviamente, pré-davídica. Sua finalidade é bem clara: o livro faz a
apresentação histórica de Davi (é assim que termina, com Davi sendo a última palavra). A
partir de Rute 4.22, o eixo do AT é Davi. O Novo Testamento começa falando dele (Mt 1.1) e
chega ao fim falando dele (Ap 22.16). Na realidade, depois de seu surgimento nas Escrituras,
Davi passa a ser um referencial em toda a revelação, principalmente a messiânica. É quase que
uma figura dominante pela expectativa de um tempo áureo como o seu, de um líder como ele.

1 -A monarquia, rejeição da teocracia –Façamos a leitura de 1Samuel 8.4-7. O propósito de


Deus era que não houvesse um rei humano sobre Israel. O povo seria um projeto original, sem
rei, com Iahweh à frente. Preferiu ser cópia em vez de original (1Sm 8.19-20). Assim, Saul é
constituído como rei (1Sm 10), mas se revela um fracasso. É rejeitado e Deus escolhe Davi.
Este só firmou como rei depois de um longa guerra civil travada com os simpatizantes de Saul
(2Sm 3.1), mas por fim assumiu todo o Israel. Davi acaba sendo um modelo de rei teocrático e
o fundador da dinastia que daria o messias.

2 -Recapitulação e localização –Para não nos perdermos, recapitulemos nosso histórico:


Iahweh escolheu um homem, Abrão, e lhe fez promessas. Depois, as promessas passam a
Isaque e, mais tarde, a Jacó. Depois ao clã descendente de Jacó, chamado de Israel. Este se
torna um povo. É escravo no Egito e é libertado por Moisés. Com Josué, entram na terra
prometida. O sistema de governo é uma liga das tribos, uma confederação com a
administração pelos anciãos. Vem, depois, o sistema de juízes. Gideão foi o primeiro convidado
a reinar e recusou-se a ser rei ( Jz 8.22-23). O juizado falhou. O livro de Juízes foi escrito por um
simpatizante da monarquia e faz a apologia do poder centralizado. Veja isso em Juízes 21.25,
que é quase um refrão no livro, usado sempre em momentos de crise. Veio, depois, a
monarquia. O primeiro rei é Saul, que Deus rejeita pela sua desobediência (lembre-se que a
obediência é fundamental na aliança). O segundo é Davi que implanta a dinastia eterna, como
se lê em 2Samuel 7.16, 1Crônicas 22.10, Salmo 89.3-4 e 36-37, Amós 9.11-12, Lucas 1.30-33 e
Apocalipse 22.16.

3 -A dimensão de Davi –Como político, Davi foi um homem de raro sucesso. Em menos de dez
anos todo Israel se submeteu a ele, que começara reinando apenas sobre Judá. Graças a
sucessos militares e empreendimentos políticos, passou a controlar o território desde o rio do
Egito até o golfo de Ácaba e costas da Fenícia. Obteve respeito internacional. Como diz Bright,
“Israel foi provavelmente tão poderoso quanto qualquer potência do mundo de então” (p.

267). Além dos sucessos políticos, Davi conquistou Jerusalém (2Sm 5.6-
10) e ali introduziu a arca do Senhor ( o Salmo 24 faz alusão à entrada da arca em Jerusalém). A
partir daqui, Jerusalém passa a ocupar lugar importante na história da redenção. Os sucessos
de Davi foram tantos que os homens piedosos pensaram que, por fim, as promessas
prometidas a Abraão haviam se cumprido. Mas em Davi. Sua figura se tornou tão expressiva
que se tornou sinônimo do messias (Ez 34.23-24). Se o reino de Davi foi o período áureo de
Israel, o reino do messias só poderia ser designado como reino de Davi. Sempre me soou
estranho que, em nossos estudos, nos centremos tanto em Salomão, um desastre político e
espiritual, e não em Davi. E me soa ainda mais estranho que o pedido de Salomão por
sabedoria (pedido que ele não honrou) ocupe mais espaço que o trecho que trata da aliança
davídica, em nossos comentários, sermões, devocionais e estudos. De qualquer forma,
entendemos porque havia, nos dias de Jesus, a expectativa de um rei que restituísse a Israel a
sua glória do passado, um novo Davi (Atos 1.7) e entendemos também a dimensão messiânica
do título “filho de Davi”. Citamos aqui, a propósito, as palavras de Galbiati:

Depois da aliança do Sinai, o reinado de Davi constitui nova etapa na história da salvação. Seu
ponto alto é a profecia de Natã. Deus promete a Davi que o seu trono será firme para todo o
sempre. Com essa promessa divina ganha corpo uma esperança que sustentará o povo de
Israel por toda a história. Agora a monarquia de Israel ganha nova face: o rei não é mais
apenas o grande fiador da fidelidade nacional à aliança com Deus. Em si mesmo, o rei leva
fisicamente a estirpe da qual nascerá o Messias futuro, e ele deve ser a imagem antecipada
daquele futuro soberano. Na dinastia de Davi, todo rei, mesmo que pecador, traz um reflexo
da glória santa do Messias (p. 315).

4 -A aliança com Davi –Leiamos 2Samuel 7.8-16. Neste trecho em que a aliança é afirmada com
Davi, observamos algumas características importantes:

-Temos a confirmação do reino em Israel –Este fora imposição humana (1Sm 8). Agora é
instituição divina. Saul, o primeiro rei, foi escolhido por Deus, mas falhou. Davi, por seu amor a
Deus, é confirmado por Deus, mesmo com suas falhas. É ocioso tentar provar o amor de Davi
por Iahweh. Há centenas de passagens dos Salmos. Fique-se com 18.1. Em contrapartida, não
vemos uma declaração de amor a Iahweh por parte de Saul. Aliás, é difícil ver espiritualidade
em Saul. Com Davi, a monarquia não é mais uma intrusão, mas passa a fazer parte dos planos
de Deus. Não é ele quem se curva aos homens, mas quem aproveita as falhas humanas para
operar no mundo.

-Temos a declaração da perpetuidade da dinastia davídica –Os versículos 13 e 16 são bem


claros. Três coisas são declaradas a Davi: uma casa, trono e autoridade. Merecem explicações.

Primeiro, a casa –Porque Davi quis dar uma casa a Iahweh (2Sm 7.2), Iahweh lhe daria uma
casa. O termo, aqui, mais que uma construção é um conceito. No caso da casa a Iahweh, seria
a centralização do culto em um lugar, normatizando a vida religiosa de Israel. No caso da casa
de Davi, se refere à
sua posteridade. É “posteridade”, portanto, o sentido do termo, quando

usado para Davi. Davi terá descendência, não qualquer uma, mas especial (lembre-se de
Mateus 1.1). A Abraão também foi prometida uma descendência. Este alcance da aliança
abraâmica está na aliança davídica. Uma longa descendência era sinal da bênção de Deus (Jó
42.16). Não ter filhos era maldição. Davi será abençoado com descendência. Difere de Abraão,
no entanto. Enquanto ser “filho de Abraão” era algo aplicável a todo judeu (Jo 8.39, Lc 19.9),
ser “filho de Davi” não era aplicável a todos, mas a pessoas especiais. Provavelmente como
Bartimeu usou para Jesus em Lucas 18.38. E, provavelmente como é usado na literatura
apocalíptica, aplicado ao messias (Ap 22.16). O sentido é profundo, desdobrando-se na
história: o descendente especial será o Grande Rei. A futura e gloriosa casa de Davi será o
reino do messias, Jesus Cristo.

Segundo, a autoridade –O versículo 13 fala do “trono”, símbolo de autoridade. É prometido a


Davi, como o nunca fora a homem qualquer, anteriormente. É significativo que não se usa a
palavra “trono” uma vez sequer, para Saul. Faltou-lhe autoridade. A Davi e sua descendência é
prometida a autoridade. Lembre-se da Grande Comissão, em Mateus 28.18 : “Foi-me dada
toda autoridade…”. O homem da casa de Davi com toda autoridade é o messias, Jesus Cristo. A
aliança davídica inclui um elemento novo, que não estava presente na aliança de Abraão, este
tipo de autoridade messiânica-davídica. Foi dito a Abraão que reis procederiam dele (Gn 17.6),
mas não se lhe ofereceu um trono. Não é a mesma coisa. A Davi se oferece algo mais
substancial, mais concreto, quando se analisa o que foi prometido a Abraão, em Gênesis 12 e
se compara com o que foi prometido a ele.

Terceiro, um reino –Reino difere de autoridade porque trata de domínio amplo. É uma esfera
de governo, de mando. Conforme o versículo 16, os três seriam “para sempre”. O hebraico é
‘olam, termo bem forte. Quando vem precedido pelo prefixo at é a expressão hebraica para
“eternidade”. A implicação messiânica é clara. Isto é reforçado em outros textos como Salmo

89.29. Ainda neste Salmo se vê que mesmo com a infidelidade de Israel, Iahweh não faltaria no
cumprimento da aliança com Davi (vv. 30-37). A aliança com Davi é enquanto o céu durar (v.
37). Isaías 9.7 é outro texto que corrobora isto. Por isso é que Judá foi preservado: era o reino
de Davi. Israel não voltou do cativeiro, mas Judá, o reino de Davi, sim. Cito aqui as palavras de
Russel Shedd: “A cidade de Jerusalém foi preservada do ataque de Senaqueribe e do poderoso
exército assírio por causa de Davi, o servo de Deus (2Reis 19.34” (A Solidariedade da Raça, p.
29).
5 -A aliança com Davi, o desdobramento do messianismo –Na aliança davídica se encontra o
quarto estágio da promessa do messias. O primeiro se dá em Gênesis 3.15, com a declaração
de que o descendente da mulher feriria a cabeça da serpente. O segundo é na promessa a
Abraão em Gênesis 22.18, ao se dizer que nele seria benditas todas as famílias da terra. A
terceira foi a Jacó, em Gênesis 49.10. A quarta é aqui. Observe que há um afunilamento. No
caso de Eva é para a humanidade em geral. No caso de Abraão, para uma nação (diminui o
alcance). No caso de Jacó, para uma tribo da nação. No caso de Davi, para uma família desta
tribo. Por fim, no Novo Testamento, teremos mais afunilado o alcance: é um homem, Jesus
Cristo. É preciso guardar que a

promessa feita a Abraão começou a se materializar com Davi. Nele ela foi

renovada. E com ele, ela excede o espectro do povo de Israel e se estende em bênção para o
mundo. Nos Salmos, Davi anuncia alguém maior do que ele. O Salmo 2, por exemplo, um típico
salmo de entronização do rei de Jerusalém, que Atos 4.35 dá como messiânico, canta o triunfo
final do messias. Para uma visão mais completa do ensino deste tipo de salmos, leia os salmos
2, 18, 22, 24, 26, 69 e 110. Veja a opinião da igreja primitiva em Atos 2.22-36 e veja, também,
Lucas 24.44. Leia em Kidner, Salmos 1-72 , o tópico “Esperança Messiânica”, pp. 30-37, e na
introdução da Bíblia de Jerusalém aos salmos, os trechos sobre salmos messiânicos. Veja
também Weiser, citado na bibliografia para esta matéria, o item sobre a festa da entronização
do rei terreno (p. 41). Há mais material na apostila intitulada “a Teologia dos Salmos”, que
preparei para o curso de mestrado do STBE, havendo um volume na biblioteca. Mas
voltaremos a eles, mais à frente.

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

BAXTER, Slidow. Examinai as Escrituras, vol. 2, Vida Nova

SCHULTZ, Samuel. A História de Israel, Vida Nova

BRIGHT, John. História de Israel, Paulinas

SHEDD, Russel. (ed.) O Novo Comentário da Bíblia, Vida Nova, comentário sobre 2 Samuel

SHEDD, Russel. (ed.), O Novo Dicionário da Bíblia, vol. 1, tópico “aliança”.

GALBIATI, Antonio. A História da Salvação, Paulinas

KIDNER, Derek. Salmos 1-72, M. Cristão/V. Nova

WEISER, Artur. Os Salmos, Paulus

MATÉRIA 9: A ALIANÇA DAVÍDICA O CAMPO SEMÂNTICO DE ALGUMAS PALAVRAS


Há algumas palavras que encerram conceitos teológicos muito profundos, em seu campo
semântico, no tocante à aliança davídica. Já vimos que as promessas a Abraão alcançaram seu
apogeu com Davi. John Bright, por exemplo, entende que as promessas a Abraão se
cumpriram, enfim, em Davi. A conquista de toda a terra se deu com Davi e não com Josué (Js
13.1), apesar da promessa em Josué 1. Uma grande nação, em termos de potência econômica
e militar, foi algo que só veio a se cumprir em Davi. Foi na época deste rei que Israel se tornou
tão poderoso como qualquer grande nação dos tempos antigos. E depois dele, por breve
momento, no reinado de Salomão, mas ainda como fruto do seu trabalho. Foi só por causa de
Davi que o reino não foi dividido nos dias de Salomão (1Rs 11.12) e foi por causa de Davi que
uma tribo ainda ficou com Roboão (1Rs 11.13 e 11.32). Mais tarde, entrou em declínio.

Na reflexão sobre os tempos de Davi e a aliança de Iahweh com ele, há palavras que merecem
atenção e que destacamos neste trabalho. O entendimento do significado teológico delas é
fundamental para se entender aspectos do Novo Testamento.

SERVO -Aparecendo mais de trezentas vezes nas Escrituras, este é o termo mais comum
aplicado a Davi. Deus o chamou de “meu servo” (Jr 33.22,26 e muitos outros). O título é muito
mais amplo do que o mero caráter serviçal contido no significado da palavra pode indicar. O
termo hebraico é ´˜ebhedh e significa “uma pessoa posta à disposição de outra”. O uso
religioso do termo é a descrição do homem que anda com humildade na presença de Deus. A
expressão, usada para alguém, mostra-o como uma pessoa com humildade diante de Deus, o
direito total de Deus sobre esta pessoa, o direito de Deus de usá-la como quer e o
compromisso de Deus em zelar por esta pessoa, que aceita seu cuidado. Na literatura
hebraica, o termo veio a empregar, quando no plural, a comunidade dos piedosos (Sl 135.14).
No início do relacionamento de Iahweh com Israel, este é o filho que serve (Úx 4.23). Na
literatura exílica, como se vê na segunda parte de Isaías, Israel estava agora como servo (Is
49.3) e não mais como filho. Longe de ser um demérito ou um decréscimo de Israel, o termo
sugere um tratamento novo, e na linguagem religiosa, não inferior a filho. A expressão passou
a ter um sentido litúrgico e messiânico. Israel é visto como alguém que tem uma missão
especial para cumprir no mundo. Nos cânticos do servo, há uma missão a cumprir, a da
redenção e de ser bênção. É por isso que a nação voltará do cativeiro. Falhou no primeiro
êxodo. Terá um segundo êxodo, podendo se recuperar e cumprir a sua missão. É importante
observar que Jesus cumprirá na sua vida o que Israel, como servo não cumpriu. Israel passa 40
anos no deserto, Jesus passa 40 dias. Israel peca, pedindo pão. Jesus não pede pão. Israel sai
do deserto e se fecha no exclusivismo religioso. Jesus volta do deserto e se lança em missão
aos perdidos. Os fariseus entenderam muito bem o perigo que Jesus significava. Ele não era
apenas um reformados do judaísmo, como alguns entendem. Na realidade, ele era o oposto de
Israel, cuja teologia era por eles, fariseus, elaborada. Ele significava o fim de
Israel como mensageiro de Deus aos homens. Significava o fim do sacerdotalismo, do
ritualismo, da vida centrada ao redor de um prédio. Seria o fim do judaísmo e, óbvio, dos
fariseus. Sua declaração de ser o servo era perigosa, pois eles entendiam, em sua teologia, que
o servo era Israel.

O servo é o indivíduo piedoso, o que se entrega à vontade de Deus. Os chamados cânticos do


Servo Sofredor do chamado Segundo Isaías (42.1-4, 49.1-6, 50.4-9 e 52.13 a 53.12) são muito
expressivos. O servo é Israel, mas é também Ciro e, mais tarde, alguém desconhecido, que a
tradição cristã viu como Cristo (Is 53). A apropriação cristã não é indébita, mas tem validade.
Realmente, Davi, como servo, é um modelo do messias. Alguém que ama a Deus, é por ele
amado e é chamado a desempenhar uma missão, e se tornará uma bênção para o mundo.

Pode se dizer que é com Davi que o conceito de servo alcança um ponto relevante e marcante
no AT. É alguém que, apesar dos seus pecados, ama a Deus, serve-o, e busca fazer sua
vontade. O termo passou, com o tempo, a designar uma personagem messiânica soteriológica.
Davi e servo passaram a ser sinônimos. Por isso, Davi e messias passaram, também, a ser
sinônimos, como em Ezequiel 37.24-25. Observe-se, no contexto deste texto, que o pacto
futuro, o do Novo Testamento, é um pacto com Davi à frente do povo. “Filho de Davi” é um
tratamento respeitoso, no Novo Testamento, e exclusivamente aplicado a Jesus. E o próprio
Salvador se põe como servo (Mc 10.45).

Resumindo, podemos dizer que servo é um tratamento indigno, na literatura secular. Na


literatura religiosa passou a ter conotação de alguém ou de uma comunidade especial. Mais
tarde, passou a ter uma conotação messiânica. Os termos servo, Davi e messias acabam se
misturando. O servo do futuro (da perspectiva do AT) é um Davi, mas sem pecado: humilde,
amante de Deus e, por isso vitorioso. As raízes do conceito de servo sofredor e triunfante
devem ser buscadas em Davi, não em Isaías, embora seja neste livro que elas são explicitadas.
E, no contexto do Novo Testamento, ao serem aplicadas a Cristo, devem ser trazidas a Davi
para seu entendimento correto.

CASA -Este é um termo de profunda expressão na cultura hebraica. Tanto que a segunda letra
do alfabeto hebraico, beith, é a palavra “casa”. Para uma sociedade que tinha no nomadismo
uma de suas marcas principais, estabelecer a casa era um marco relevantíssimo. Lembre-se
que a maldição sobre Caim foi ser “fugitivo e errante” (Gn 4.14). Ou seja, sem raízes, sem
estabelecimento. Não que o nomadismo seja maldição. Na realidade, pode até mesmo ser
uma opção, um estilo de vida. Mas sim que não ter raízes o é. A casa é criar raízes (você
consegue entender o que Jesus quis dizer, na conclusão do sermão do monte, com a parábola
das casas sobre a areia e sobre a rocha?). Deus se agradou de Davi (relembre o estudo sobre a
aliança davídica) por causa do desejo deste em lhe estabelecer casa. Deus não precisa de casa,
mas Davi mostrou o desejo de estabelecer, de fixar Iahweh como o Deus de Israel. O sentido
mais profundo é este: dar casa a Deus seria fixá-lo como o Deus de Israel. É o estabelecimento
definitivo de Iahweh como o deus nacional. O grande pecado de Salomão foi fazer casas para
outras divindades e estabelecêlas em Jerusalém. Ele fixou divindades pagãs em Jerusalém,
cidade que Iahweh havia escolhido para si.

Abraão foi o primeiro homem a ser chamado de hebreu (Gn 14.13). A palavra vem do verbo
hebraico ´˜ebher, que significa “atravessar”. É usado no sentido de atravessar a terra, de
passar por ela. Hebreu é sinônimo de peregrino, sem terra. A promessa que Deus lhe fez
incluía uma terra, implícito aí a idéia de habitação, de fixar-se, de criar raízes. Ele seria estável.
Mas durante sua vida foi um hebreu, sem ver a terra. Toda a terra que Abraão possuiu durante
sua vida foi a caverna onde sepultou Sara. E assim mesmo ele a comprou.

A resposta de Deus a Davi (reveja matéria anterior) foi a de lhe dar casa, ou seja, de lhe dar
estabilidade. “A casa de Davi” passou a designar o resíduo dos servos fiéis (recorde o parágrafo
anterior). Mais que residência, a expressão passou a designar um grupo eleito, o povo de Deus.
Quando houve a divisão do reino unido, nas mãos de Roboão, o Norte, chamado Israel, tonou-
se uma nação à parte. Teve quatro dinastias e uma série de reis avulsos. Em 1 Reis

12.16 está a frase dita por Israel que causa a divisão do reino unido em dois. Preste atenção no
fato de que o Norte renuncia às promessas davídicas, põe-se fora da aliança com Davi. Preste
atenção, ainda, para as palavras “tendas” (que Israel usa para si) e “casa” (que Israel usa para
Judá). Elas não são sem sentido. O próprio grupo secessionista reconhece que tem (terá)
tendas, figura de instabilidade. E que o adversário tem (terá) casa, figura de estabilidade. Com
a ruptura, cada um seguirá seu destino. Mas Israel saiu perdendo porque renunciou a Davi. O
livro de Oséias, que foi nortista, mostra, claramente, o fim de Israel (13.9, por exemplo), mas é
condescendente com Judá (11.12). Veja também 4.15. Mesmo quando o assunto é juízo, fica
sempre uma esperança para Davi (lembre-se da figura do “resto”).

Judá, o Sul, teve apenas uma dinastia, a de Davi. As promessas ficaram com Judá (lembre-se de
Gênesis 49.9-12) e com a casa de Davi. Só houve uma dinastia no Sul, a de Davi. Se esta fosse
substituída, as promessas iriam por água abaixo. Como haver um novo Davi, se a casa de Davi
perdesse

o controle da nação? Davi precisava ter “casa”, ou seja, ter estabilidade, fixibilidade. Deus lhe
prometeu uma casa eterna. A questão não é espiritual, como em salvação eterna, mas de
honra: ele teria seu nome estabelecido para sempre, porque nunca faltaria descendente seu
sobre o trono, até o mais notável de todos, Jesus.
O termo “casa” passou a designar, portanto, de forma messiânica, a dinastia futura de Davi.
Ajuda a nossa compreensão da importância deste termo o fato de que “família, tabernáculo e
templo” são palavras sinônimas para “casa”, na literatura veterotestamentária. Todas elas são
palavras plenas de significado teológico.

O povo de Deus é chamado de “casa”. Moisés foi fiel sobre “a casa” (Hb 3.2). Aqui, a palavra se
aplica a Israel, como povo de Deus. A Igreja do Novo Testamento também o é (Hb 3.6, 1 Pe 2.5
e 4.17). O sentido aqui é o do cumprimento das profecias messiânicas. A Igreja é o resíduo de
Davi, o resto messiânico, que se ampliou com a entrada dos gentios. No NT, a nova casa de
Deus é a Igreja. É a casa de Deus estruturada sobre o novo Davi, Jesus Cristo.

Com todas essas considerações, pode-se entender alguma coisa do porquê ter Deus se
agradado de Davi ter querido lhe edificar uma casa, da qual ele não precisava. E também o que
significa Deus estabelecer a casa de Davi para sempre.

TEMPLO –O significado do templo não pode ser minimizado. Mesmo quando no deserto, Israel
tinha um templo para adorar a Iahweh, o tabernáculo. Era um templo portátil, mas um templo.
O platônico autor de Hebreus mostra que o tabernáculo de Moisés seguiu uma planta celestial
(veja Hebreus 8.5). Esta perspectiva é cristã, e da segunda geração, não podendo ser provada
como aceita na comunidade do Antigo Testamento, mas deve ser registrada. É a interpretação
cristã do templo. O tabernáculo não surge num vazio, mas dentro de um contexto de que algo
já existia, na mente de Deus.

A primeira tentativa humana de se construir um templo é a de Babel (Gn 11.4). Embora a torre
significasse um lugar onde o homem poderia se encontrar com Deus, na realidade era uma
atitude arrogante, a de que o homem poderia tentar subir ao céu. Não se trata do céu do
astrônomo, mas de uma atitude espiritual. É uma tentativa, a primeira, de uma religião
universal, ao redor dos esforços humanos, como se vê facilmente no versículo 4. Em vez de se
esparramarem pelo mundo, como na ordem da criação, os homens tentam se concentrar. É o
templo do humanismo. Sobre a questão de Babel, volte ao trecho sobre a aliança com Abraão
e reveja a citação da apostila do Dr. Landon Jones, de S. Paulo.

Entre os pagãos, cada cidade possuía um templo do deus padroeiro (como o catolicismo
herdou a prática). Já a teologia da batalha espiritual entende que cada cidade tem um
demônio. Mas os patriarcas não se preocuparam em construir templos. Uma razão muito
simples: eles eram nômades. Erguiam altares, apenas. O exemplo de Abraão é o mais
significativo. Com a organização de Israel em nação é que o templo se tornou necessário. Seu
sentido deve ser guardado: ele simbolizava a unidade de Israel em torno de Iahweh. Ajunte
esta idéia com a de Davi querendo uma casa para Iahweh (Davi queria uma casa para Iahweh,
mais que um templo). Ao desejar edificar uma casa-templo, o rei cantor também estava
desejando a unidade de Israel em torno de Iahweh. Do ponto de vista religioso, a centralização
do culto evitaria a perda de unidade teológica. Isso, a manutenção da unidade teológica,
resultaria na preservação da herança histórica e teológica de Israel. A grande luta com os
samaritanos (desde Neemias até aos tempos de Jesus) foi porque a unidade teológica se
perdeu. E a finalidade do templo era exatamente, evitar isso. O ingresso dos samaritanos no
corpo de Cristo pelo recebimento do batismo no Espírito Santo, em Atos, mostra que em Jesus
a unidade teológica de Israel se completa.

A comunidade retornada se entregou à tarefa de reconstruir o templo. Quando voltou do


exílio, Israel, na realidade, deixou de ser uma nação. Passou a ser uma comunidade sacerdotal,
vivendo em função de sua religião, do seu templo, e na expectativa do messias por vir. Deixou
de ser uma monarquia e passou a ser uma hierocracia. Mesmo perdendo a dinastia davídica
(porque não houve rei, embora alguns enxerguem uma tentativa de golpe, com

Ageu, em instalar um rei para os retornados) a expectativa do messias

continuou. Se um novo Davi não pudesse vir pela realeza, viria pelo lado sacerdotal. O templo
se tornou um símbolo muito profundo dos anelos messiânicos.

Entende-se, à luz disso, porque Jesus referiu-se a si mesmo como “templo”, como vemos em
João 2.2 e outros. Ele é o ponto de unidade do novo povo de Deus, a Igreja. “E eu, quando for
levantado da terra, todos atrairei a mim” (Jo 12.32). Lembremos que o Apocalipse termina
mostrando uma cidade sem templo (Ap 21.22). O messias já se revelou em sua plenitude. O
templo perdeu a razão de ser. Além do messias ter vencido, não há mais sacrifícios por fazer. E
a unidade do povo de Deus foi completada e está tão firmada que jamais poderá ser abalada.

Entendemos também o profundo sentido teológico do Novo Testamento em considerar a


comunidade dos fiéis como templo. Na revelação cristã, Deus não mora mais numa
construção, mas na vida das pessoas,. O templo de Deus, no cristianismo, não é uma
construção de alvenaria, mas as pessoas. Deus mora nas pessoas.

REBENTO, RAIZ, RENOVO, ETC –Este é o termo mais rico e de maior conteúdo teológico. O
espaço é pequeno para tratar dele. Nossa síntese corre o risco de prejudicar o tratamento da
matéria, mas pode-se ler e discutirse mais o assunto.
No Apocalipse 22.16, Jesus se declara como “a raiz de Davi”. A declaração é mais ampla do que
dizer que Jesus gerou a Davi (a raiz dá vida ao tronco). Na realidade, tem a ver com o fato de
que ele é o remanescente de Davi. A idéia de um resto, restante, rebento, remanescente, raiz
de Davi, tem origem em Isaías. A impiedade de reis como Acaz e Manassés fizeram-no
vislumbrar o desastre que se aproximava para Judá. Apesar do cativeiro (Jeremias também o
deu como certo), o fim para a casa de Davi não viria. A Assíria seria uma vara nas mãos de
Iahweh contra Israel, o Norte. (10.5-19). Mas o fim não viria para Judá. O cativeiro que este
experimentaria, na Babilônia, seria uma necessidade para purgar a nação de elementos
pecadores e perdidos. Citando Crabtree: “O desastre deixou a casa de Davi como carvalho
derrubado, mas ainda havia seiva no tronco, e das raízes brotaria um renovo, que daria fruto
(11.1)

Citando, ainda, Crabtree:

A doutrina do restante fiel do povo de Deus é um dos ensinos característicos de Isaías (4.2-4,
10.20-22, 37.30-32). O profeta deu aos dois filhos nomes significativos para reforçar este
ensino. O primeiro nome dá ênfase aos estragos que Judá há de sofrer pela invasão dos
assírios; Maher-shalal-hash-baz, “Acelera o despojo, apressa a presa” (8.1). O segundo nome
põe em relevo a firme esperança do profeta. Shear-Jasub. “Um restante voltará”(7.3). Assim o
reino de Deus fica divorciado do Estado de Judá. O Estado de Judá poderia cair, como tinha
caído o Estado de Israel, mas o profeta ainda confiava firmemente que o propósito de Deus na
eleição de Israel seria realizado. O reino de Deus seria

estabelecido finalmente pelo restante fiel do povo escolhido. Judá tinha caído num tal estado
de corrupção, que não podia ser mais identificado com o reino de Deus. Mas permaneceram
ainda homens fiéis, que não se esqueceram do amor e da fidelidade do Senhor no
cumprimento das promessas do concerto, e o profeta tinha certeza de que o Senhor sempre
teria o seu restante fiel e o que o propósito de Deus não podia falhar. Aparentemente Isaías
esperava por algum tempo que Judá seria purificada pelo sofrimento e disciplina, e voltaria
arrependido ao Senhor (37.30-32), mas não havia mais esperança para o Estado como tal
(Teologia do Velho Testamento, p. 233).

OS SALMOS RÉGIOS –Os salmos régios se constituem num dos momentos mais elevados da
teologia do Antigo Testamento. É sabido que os salmos eram hinos compostos para momentos
de celebração cúltica, estando sempre associados à vida religiosa. O ponto central do seu
ensino é a elevada concepção de Iahweh que neles se nota. As obras e o caráter de Deus são
anunciados de forma expressiva nesses cânticos. No meio deles se encontram os salmos
régios, que parecem desfocar o livro, pois tratam da entronização do rei de Judá. Parece que,
em primeiro sentido, esses salmos tratavam da consagração do novo rei. Diferentemente dos
pagãos, o rei não era filho do Deus da nação, mas em Judá, era representante de Iahweh e um
modelo do futuro rei, o messias. Sobre a figura do rei como representante de Deus,
observemos as palavras de Weiser: “Embora seja representante de Deus na terra, neles (os
salmos reais) o rei deve constante obediência à aliança de Iahweh, sendo por isso responsável
perante Deus” (p. 41). O rei não é um soberano despótico, mas deve obediência a Iahweh, por
isso acaba sendo um tipo do Messias. O rei simboliza o Messias, mas não é o Messias. Ele
prefigura o Grande rei que há de vir. Weiser fala da diferença fundamental dos salmos de
entronização do rei de Judá e dos cânticos de entronização dos reis pagãos: nas religiões
orientais,

o rei-Deus sofre e ‘representa num ato sagrado o mito cúltico do Deus (com d minúsculo, mas
o computador se recusa a escrever assim) que morre e ressurge. O rei israelita, mesmo na sua
posição sacra, permanece membro da comunidade que representa e personifica perante
Iahweh no culto (p. 41).

Não é uma cópia, portanto, do conceito pagão do rei e da divindade. Na cultura hebraica, o rei
permanece humano, enquanto que a divindade, Iahweh, é transcendente.

Bons conceitos sobre o messias se encontram aqui. Quase todos eles refletem a percepção do
Davi histórico sobre o futuro Davi, o espiritual, o que não se deve estranhar, posto que o
messias deveria ser um rebento da dinastia davídica. É pouco provável que Davi tivesse isso
em mente ao compôlos, mas precisamos levar em conta a inspiração divina na composição,
não deixando, assim, de ver o sentido ulterior que Davi estava dando. O poeta, muito
provavelmente não pensava num Deus feito homem, mas num descendente seu que excederia
em muito os ancestrais.

Há dois tipos de salmos messiânicos. Um é o que trata da entronização do Rei. Têm conexão
estreita com a coroação do rei de Jerusalém. O primeiro deles é o Salmo 2 que mostra um Rei
messiânico que enfrenta rebelião das nações, rebelião inútil, e as vence. O Salmo 72 nos traz
um quadro da era messiânica: um reino universal que pertence a Iahweh, mas onde, em
associação com Ele, o messias reina. Talvez o 110 seja o mais abrangente das funções
messiânicas. O messias é Rei, Sacerdote e Guerreiro Vencedor, todos aspectos da obra de
Jesus Cristo. É aquele que se assenta à direita de Iahweh. Esta figura estava na mente de
Estêvão, quando de sua morte por apedrejamento. O Salmo 72 mostra um domínio universal
do messias. A expansão do reino davídico foi vista como uma expansão universal do futuro
Davi. Parece que esta idéia foi a que dominou os corações dos judeus: o seu triunfo, como
nação (e não, necessariamente, o de Iahweh) sobre os pagãos. Na pergunta feita pelos
discípulos quando da ascensão do Senhor (At 1.6) se nota esta suposição. Veja também a
declaração dos dois caminhantes de Emaús, em Lucas 24.21. Eles pensavam em uma
superioridade sionista.
O outro tipo de salmos messiânicos é oposto a este tipo. Eles tratam do sofrimento do
messias. Têm mais conexão com os cânticos do Servo Sofredor. Jesus se viu nestes salmos. O
autor de Isaías 53, com muita probabilidade, os tinha em mente quando redigiu o capítulo tão
expressivo. O Salmo 22 é o mais doloroso de todos eles, e é chamado de “o Salmo da Cruz”. Foi
com ele que Jesus iniciou seus lamentos na cruz e alguns dos seus aspectos cumpriram-se
literalmente, quando da crucificação. Se durante o ministério de Jesus os discípulos não
conseguiram ver o sentido deste tipo de salmos na vida de seu Mestre, tiveram a oportunidade
de compreender o significado após sua ressurreição. Mais tarde, tiveram isso como tarefa,
como comento no último parágrafo. Quando da caminhada em Emaús, ele lhes abriu o coração
para entenderem o que dele se dizia por toda a Escritura (Lc 24.27), mas deve ter se detido,
particular e atentamente, nos salmos, à luz de Lucas 24.44. Jesus “oficializou” os salmos como
proféticos e, nesta passagem, ele mesmo nos mostra que ele se viu nos salmos sofredores
(porque a necessidade era explicar aos seus discípulos o porquê de ter ele sofrido). Os
sofrimentos de Davi vieram a prefigurar os de Jesus. Esta tarefa não foi muito difícil, pois como
diz Kidner: “O cristianismo compartilha com o judaísmo tradicional a convicção de que muitas
passagens nos salmos são messiânicas; isto é, predições ou prenúncios de Cristo” (p. 30). Isto
ajuda a entender porque os salmos são tão citados no Novo Testamento e porque a Igreja os
usou na elaboração da sua teologia.

A igreja primitiva enfrentou uma grande necessidade: a de explicarse aos judeus e a de


explicar-se si mesma. Também precisou explicar a razão de ter havido um messias tão
diferente de suas expectativas. Por isso, lançouse ao reexame das escrituras do Antigo
Testamento. Nesta tarefa, os salmos tiveram fator importante. Basta ler os sermões nos
primeiros capítulos do livro de Atos e verificar como há citações dos salmos aplicadas a Jesus.

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

1. SHEDD, Russel. (ed.), –O Novo Dicionário da Bíblia, Vida Nova

2. CRABTREE, Asa. Teologia Bíblica do Velho Testamento, JUERP

3. WRIGHT, Cristopher., Povo, Terra e Deus, ABU

GOURGUES, M. Os Salmos e Jesus, Jesus e os Salmos, Paulinas

ARCHER, Gleason. Merece Confiança o Antigo Testamento? , Vida Nova


6. BRIGHT, John. A História de Israel, Paulinas

7. COELHO FILHO, Isaltino Gomes, Os Sofrimentos do Messias e Sua Aplicação Para Nosso
Tempo -Uma Avaliação da Teologia da Prosperidade, tese de mestrado, inédita. Há um volume
na Biblioteca.

COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Teologia dos Salmos, Juerp

WEISER, Artur. Os Salmos, Paulus

KIDNER, Derek. Salmos 1-72, Vida Nova/Mundo Cristão

MATÉRIA 10: JEREMIAS E A NOVA ALIANÇA

Jeremias é o profeta que mais fala de uma aliança, junto com Ezequiel. Mas ambos entendem
que a aliança, quebrada e desprezada por Israel, será revitalizada em nova forma e com
significativas mudanças em seus aspectos. Não se pode entender a aliança em Jeremias sem
entender antes algumas circunstâncias que formam um painel social e espiritual da época. Até
mesmo a figura do profeta se torna necessária de compreensão para entendimento de sua
mensagem.

1 -O profeta –Jeremias é o profeta sobre quem temos mais informações. Seu ministério
começou no 13o. ano de Josias, em 626 a.C. (1.1-2). Uma época de despertamento, quando a
aliança com Iahweh foi revitalizada. Ele é de linhagem sacerdotal (1.1) e pertence aos
sacerdotes proscritos, de Anatote (1Rs 2.26). Isso significa que suas ligações com o templo,
portanto, não são muito fortes. A religiosidade frenética e vazia de Jerusalém não o iludiu.
Tampouco é ele um homem de vínculos com o poder constituído. Ele não é da corte. Seus
atritos com os profetas e com a liderança política foram, evidentemente, pelos desvios destes.
Mas, do ponto de vista social, não havia nenhuma conexão mais pessoal entre Jeremias, os
profetas, os sacerdotes e a liderança palaciana. Seu ministério durou cerca de 40 anos.
Profetizou cem anos após Isaías. Este tentou salvar o povo de Deus da Assíria. Jeremias, da
Babilônia. No tempo de Josias, o profeta ainda foi ouvido. Após a morte deste rei, a facção
idólatra e o partido pró-Egito assumiram as rédeas do poder e Jeremias foi hostilizado. A nação
começou a se desintegrar rapidamente e as pressões sobre Jeremias se avolumaram. Na época
de Zedequias foi aprisionado. Em 593, Nabucodonosor o libertou e ordenou que lhe dessem o
que ele quisesse, pois viu em Jeremias um amigo, que aconselhava os israelitas à submissão a
ele (39.11-14). Recusou qualquer honraria (40.1-6). Foi levado para o Egito por um grupo de
fugitivos (43.6-7) e lá profetizou por algum tempo. Lá deve ter morrido. As páginas mais
expressivas sobre Jeremias foram escritas por Bright, em História de Israel, pp. 450-454. O
quadro do profeta ali descrito vale a pena ser lido. Da mesma forma, vale a pena ler Page
Kelley em Mensagens do Antigo Testamento Para os Nossos Dias, em seu capítulo sobre
Jeremias, principalmente as semelhanças entre Jeremias e Jesus.

Panorama mundial –Assíria, Egito e Babilônia lutavam pelo domínio mundial. A Assíria
dominara por 500 anos e declinava. O Egito dominara há mil anos e pretendia se reerguer.
Babilônia, uma simples colônia assíria, se levantava. Em 612 venceu a Assíria. Em 605 venceu o
Egito, dominando a região. Em 601, o Egito venceu Babilônia, em uma batalha, que
entusiasmou Jeoaquim a uma aliança com o Egito. Jeremias disse que não fizesse assim

(27.11-13). Reequipado, Nabucodonosor destruiu o Egito e marchou contra a Palestina. Por


fim, destruiu Jerusalém (2Cr 36.11-21).

O tema de Jeremias –O esforço final de Deus para salvar Jerusalém é o tema de Jeremias. Judá
quebrara a aliança e estava sendo julgado por causa de seus pecados. O profeta chamava o
povo ao arrependimento para evitar o juízo trazido pela quebra da aliança. Os sacerdotes e os
falsos profetas anunciavam “paz” e pregavam alianças políticas, mas Jeremias via a destruição
iminente. A questão não era apenas política, via ele. Era moral e espiritual: a aliança fora
quebrada.

Uma radiografia do livro de Jeremias –O livro não está em ordem cronológica. Por isso, seu
entendimento histórico se torna complicado. Para ter uma cronologia, veja Plamplin, em sua
obra Jeremias, Seu Ministério, Sua Mensagem (JUERP). Veja também O Novo Dicionário da
Bíblia, em Jeremias, no tópico V, Seus Oráculos. Mas o essencial pode ser traduzido assim:
pouco mais de vinte anos antes de Babilônia destruir Judá, Jeremias já o dizia. Entendia que
era o juízo de Iahweh sobre nação pela quebra da aliança. Eis uma radiografia do livro:

-Judá será destruído por Babilônia -6.22-26

-Se deixar o pecado, Iahweh livrará a nação (7.5-7). O templo, apesar de todo

o seu significado, que estudamos na apostila anterior, não livraria a nação -7.4, 9-11.

-Quando tudo parecia perdido, nova mensagem de Jeremias: Judá deve aceitar o jugo caldeu e
assim será poupado da destruição -21.8-9.

-Judá será destruído e cativo por 70 anos (25.11, conferir com 2Cr 36.22). Depois, será
restaurado (Jr 30 e 31) e dará um grande rei ao mundo (33.15). Aqui, a teologia do livro sofre
uma guinada, pois os vislumbres da nova aliança já se fazem sentir.

-Babilônia será destruída e nunca mais se reerguerá (25.12). Confira com Isaías 13.19-22.
Quando lhe falarem da reconstrução de Babilônia para ajustar certos sistemas escatológicos,
lembre-se destas passagens. Babilônia, nunca mais. Os capítulos 50 e 51 tratam da destruição
do poder caldeu.

O castigo pela quebra da aliança –A quebra da aliança traria castigo, como vimos em
Deuteronômio. No início ela veio em forma de escassez e fome (3.3 e 14.1-6). Confira com o
anunciado em Deuteronômio 28.19-24. Numa segunda etapa, vieram os inimigos políticos.
Veja 25.9 e o capítulo 52. Estes textos devem ser conferidos com Deuteronômio 28.25.
Lembre-se que Deuteronômio 28.15 em diante traz as maldições que sobreviriam ao povo se
quebrasse a aliança. O povo a quebrou. Jeremias mostra que a desgraça de Judá e sua ruína
iminente não é por um processo político, mas pela quebra da aliança. Vendo o castigo, o povo
lembrou de um aspecto da aliança, meramente externo: o templo. Fiou-se nele. Jerusalém era
inviolável, pois a casa de Iahweh estava lá. Jeremias negou isso:

7.4. O povo confiava muito nas cerimônias religiosas, mas Iahweh as rejeitou (7.21). O profeta
e o sacerdote eram indignos (8.10). A aliança fora quebrada e era inevitável que o castigo
viesse: 7.12-14. Iahweh morava em Jerusalém, mas iria embora. O texto de 3.16 deixa
transparecer o desaparecimento da arca, que simbolizava Iahweh morando com o povo. De
modo semelhante, com a morte de Cristo, Iahweh foi embora de Jerusalém. É esta a
mensagem do véu rasgado (Mt 27.51). O véu guardava o lugar onde Iahweh morava,
separando-o de onde o povo entrava. Rasgado o véu, Iahweh foi embora. O desgosto pela
morte de Jesus Cristo fez isso. Ele não mora mais no templo ou em alguma construção de
alvenaria. Mora nas pessoas: 1Co 3.16 e 6.19.

6. A nova aliança –Jeremias cria firmemente que Israel era o povo escolhido, que fizera uma
aliança com Iahweh, que assumira compromissos com Iahweh, e que, agora, o desprezara,
violando a aliança. Ele esperava um arrependimento por parte do povo. Judá precisava se
reaproximar de Iahweh, não mais como uma

nação histórica, em termos de uma comunidade, mas de maneira individual.

É com ele que a aliança começa a assumir um contorno mais espiritual e, ao mesmo tempo,
mais individualizado. O texto de 33.14-26 é o texto clássico sobre a nova aliança. Observe, na
sua leitura, que a base histórica da aliança não é a aliança abraâmica nem a mosaica, mas a
davídica. É por causa de Davi, que a aliança será reativada. É algo para se pensar que as
alianças abraâmica e mosaica tenham se diluído na davídica. Jeremias descortina o Novo
Testamento. O indivíduo não se aproximará de Iahweh através do grupo, mas em
relacionamento pessoal, em um ato consciente de vontade individual. Uma comparação entre
a aliança do passado e a que se faria agora mostra que elas tinham algumas diferenças bem
significativas entre si. Ei-las:

ANTIGA NOVA

Com o povo 1. Com indivíduos (31.29-30)


Circuncisão externa 2. Do coração (4.4,9.26, 6.10)

Confiança no templo (7.4) 3. Mudança de atitude (7.5-7)

Lei externa 4. Lei interna (31.33)

No aspecto da lei, de passagem de uma realidade externa para uma realidade interna,
compare com as palavras de Jesus em Mateus 5.21-22 e 5.27-

28. Jesus tirou o pecado do âmbito externo para o interno. No Novo Testamento, a orientação
para o homem não está mais em tábuas da lei, mas no coração, pelo Espírito Santo que mora
em nós. É uma aliança do espírito e não da letra. É isso que Jeremias profetiza: uma época em
que Iahweh não morará numa casa de alvenaria, mas nas pessoas (1Co 3.16 e 6.19). É a nova
aliança que Jesus celebrou na Ceia (veja Mateus 26.28). É aliança que se amplia. Não mais uma
etnia, uma raça, mas uma multi-etnia, uma multi-raça, a Igreja.

Na realidade, o coração da mensagem de Jeremias era seu ensino com respeito à nova aliança.
Ele abriu espaço para a mensagem do Novo Testamento. Mas há uma coisa a se notar. Os
capítulos 30 a 33 de Jeremias são chamados de “Livro da Consolação” (à semelhança de Isaías
40-66). Numa leitura destes capítulos se observa que há um vínculo muito estreito entre a
nova aliança e a restauração da nação judaica. Kaiser faz um excelente esboço dos capítulos 30
e 31, onde descobriu seis estrofes. Analisando-o, podemos ver este vínculo de maneira bem
clara:

1) 30.1-11 -a grande angústia de Jacó no dia de Iahweh. O núcleo da argumentação está no v.


7. 2) 30.12 a 31.6 -a ferida incurável de Judá não foi nem pode ser sarada. O núcleo da
argumentação: v. 12. 3) 31.7-14 -os primogênitos de Deus são devolvidos à Terra Santa. O
núcleo da argumentação: v. 8. 4) 31.15-22 -o choro de Raquel pelos filhos exilados e o consolo
prometido. O núcleo da argumentação: v. 15. Raquel é, aqui, o nome dado à nação. 5) 31.23-
34 -a nova aliança. O núcleo da argumentação: v. 33. 6) 31.35-40, a aliança inviolável, dada ao
povo. O núcleo da argumentação: v.

40.

Kaiser chama a atenção para o fato de que a quinta estrofe é “a maior passagem didática com
respeito à continuidade e descontinuidade entre o Antigo e o Novo Testamento” (p. 239). Ou
seja, é aqui que se vê que o Novo continua o
Antigo e, ao mesmo tempo, que o Novo rompe com o Antigo. A aliança é

nova (vimos as diferenças), o que significa rompimento. Mas é a mesma aliança do passado, o
que significa continuidade. Ela não deu certo, não por sua culpa, mas por culpa do povo. Na
realidade, o termo “nova” não significa que ela seja diferente em essência ou em conteúdo,
mas que era a antiga promessa sendo restaurada. Jeremias vai antecipar o autor de Hebreus:
as coisas antigas ficaram para trás e uma nova esperança chegou.

8. O messianismo da nova aliança –A leitura de 33.14-26 deixa bem claro que a nova aliança
teria aspectos e desdobramentos messiânicos. A diferença entre a aliança antiga e a nova fica
bem definido em 31.33. Ela, a nova aliança, traria uma época de paz e de esperança, com o
messias. Arrependimento, da parte do povo, e perdão da parte de Iahweh, desencadeariam a
nova aliança. Veja-se 31.8, para mostrar como Iahweh perdoaria o povo. Mas antes do perdão,
deveria haver

o arrependimento, como se lê em 31.18-20. É o arrependimento do homem que move Iahweh.


Lembre-se que, quando houve a divisão do reino unido em Norte e Sul, Israel renunciou à
herança davídica. O texto de 33.8 anuncia uma oportunidade para Efraim (o Norte). Mas esta
oportunidade só poderia acontecer dentro da aliança. Se quando houve a divisão do reino,
Israel renunciou a Davi, sua única esperança de retorno estava em voltar às promessas a Davi,
à aliança davídica. Mais tarde, o que era Israel, o Norte, ou pelo menos onde o Norte estava,
acabou se tornando terra de samaritanos. No Novo Testamento, os samaritanos são agregados
à Igreja (At 8.1-25). Eles entram na aliança feito pelo novo Davi, Jesus Cristo. Jeremias vê,
também, o reinado de Davi como a esperança para Judá:

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

1. SHEDD (ed.) O Novo Dicionário da Bíblia, vol. 2 , Vida Nova

2. HARRISON, Jeremias e Lamentações -Introdução e Comentário, Vida Nova

SCHÖKEL e DIAZ, Profetas I, Paulinas

PLAMPLIN, Jeremias, Seu Ministério, Sua Mensagem, JUERP

5. KAISER, Teologia do Antigo Testamento, Vida Nova


6. BRIGHT, História de Israel, Paulinas

KELLEY, A Mensagem do Antigo Testamento Para Nossos Dias, JUERP

BOGGIO, Jeremias, o Testemunho de um Mártir, Paulinas

ALMEIDA, Jeremias, Homem de Carne e Osso, Paulinas

SKINNER, Jeremias, Profecia e Religião, ASTE

MATÉRIA 11: EZEQUIEL, A NOVA ALIANÇA

A figura de Ezequiel -Além de profeta era, possivelmente, sacerdote. Seu pai, Buzi, era
sacerdote (1.3). Levado quando do cativeiro de Joaquim, em 597 (2Rs 24.10-17). Homem da
corte, como Daniel, que foi levado em 605, conforme 2Reis 24.1. Foram contemporâneos na
Babilônia. Daniel era palaciano e Ezequiel, líder do cativos, no campo. Ao mesmo tempo,
Jeremias pregava em Jerusalém. Foram três grandes homens, ao mesmo tempo, e nem assim,
o mundo melhorou. Ezequiel é o primeiro profeta em terra estranha, não se contando Jonas,
que foi forçado e de pregação eventual. Dez anos após a ida de Ezequiel, Jerusalém foi
destruída. Seu ministério se iniciou aos 30 anos (1.1). Começou no quinto ano do cativeiro do
rei Joaquim (1.2) e foi até o ano 27 (29.17), num espaço de tempo de 22 anos. Seu ministério
foi até seus 52 anos, portanto. Sua esposa faleceu antes da queda de Jerusalém, como símbolo
da queda da cidade (24.15-27).

Uma compreensão do livro de Ezequiel –O livro não é um tratado de teologia, óbvio. Mas é a
revelação de Iahweh a um remanescente perplexo, no exílio. Acontecera com eles o que os
seus teólogos disseram ser impossível: foram vencidos, desterrados e seu templo fora
destruído. A idéia de restauração domina o livro. Deve haver um novo rumo para os hebreus. A
teologia tem que ser refeita. Dentro desta perspectiva, surge a questão da aliança e do papel
do próprio Judá, dentro do plano divino.

A onipotência de Iahweh -Havia, nos tempos antigos, deuses tribais (Gn

28.16 e 1Rs 20.23). Os hebreus tinham consciência de ser Iahweh o Deus do universo, mas
agora surge a questão: seria mesmo? Não seriam as divindades caldeias maiores que ele? Esta
questão, que foi levantada no exílio, foi brilhantemente respondida pelo autor da segunda
parte de Isaías . O chamado Segundo Isaías é extraordinário na sua concepção da
universalidade de Iahweh, mas veja-se, particularmente, Isaías 46.1-2. Mas em Ezequiel, a
questão também foi respondida. A visão divina que aparece a Ezequiel, no capítulo 1, é em
termos da religião local. Como bem disse Asurmendi, a visão relata a “chegada da Glória de
Deus a Babilônia”. O tema da glória de Deus aparece três vezes no livro. Primeiro, ela chega a
Babilônia, em 1.1 a 3-15. Segundo, ela deixa o templo de Jerusalém (cap. 8 a 11) e, terceiro, ela
volta para o templo renovado (cap. 43). É normal que, sendo Ezequiel um hebreu e de família
sacerdotal, que o lugar da glória de Iahweh seja o templo de Jerusalém, mas por um momento,
ela está em terra estranha. Esta é a grande mensagem que o livro deixa transparecer: a glória
de Iahweh não está ligada a uma terra, mas a um povo. Na realidade, nem mesmo a um povo,
como raça, mas a um grupo de remanescentes fiéis à aliança. Neste sentido, o Novo
Testamento está bem delineado, em seu eixo, no pensamento de Ezequiel. Sobre a chegada da
Glória a Babilônia, vale a pena a transcrição de trecho de Monari:

Envolto numa grande nuvem, aproxima-se um turbilhão de fogo; dentro dele, distinguem-se,
de baixo para cima, quatro ´˜viventes´ que sustentam uma ´˜espécie de firmamento,
semelhante a cristal resplandecente´. Em cima desse firmamento, está sentado em trono

´˜um ser com aparência humana´, envolto em esplendor de

electro e de fogo; o sacerdote compreende: é ´˜algo semelhante à Glória do Senhor. Ao vê-la,


caí com o rosto em terra (1.28).

Ezequiel confirma que Iahweh é Deus em todos os lugares. É Senhor também na Babilônia.
Está ligado ao seu povo e vai levá-lo de volta. Judá vai voltar para sua terra, como se vê em
36.16-38. Do capítulo 25 ao 32 aparece o tema do juízo sobre as nações. Iahweh não faliu. É
soberano, restaurará o seu povo e julgará as nações infiéis. Não é mais um dos muitos deuses
tribais. É o único Soberano, o Senhor de toda a terra e de todas as nações.

A santidade de Iahweh -Este é outro tema bem presente no livro. Ele está cercado de
querubins. Ezequiel é o livro que mais fala deste tipo de anjos. Eles surgem em Gênesis 3.24
com a função de guardar a árvore da vida. Na arca, protegiam, simbolicamente, os objetos
sagrados nela contidos. Nas figuras descobertas em escavações arqueológicas são mostrados
como leões alados, mostrando a força e o poder de Deus. Normalmente, eles designam um
Deus transcendente, diferente e distinto do homem. Ezequiel se sente atemorizado diante da
Glória (1.28) e entende que o povo ofendeu a Iahweh com a idolatria (cap. 6 e 44.6-8). Iahweh
era o único Deus moral dos tempos antigos, era santo e esperava santidade do seu povo. A
idolatria era uma ofensa abominável que só seria curada com o cativeiro (caps. 7 a 9). No
capítulo 8, por exemplo, o profeta deixa claro que sabia dos pecados cometidos no templo de
Jerusalém: desvios religiosos, idolatria despudorada, adoração à natureza e o culto ao sol. O
texto de 5.6-7 é bem expressivo ao mostrar o desgosto divino para com a nação. O castigo de
Judá e de Jerusalém não estava sucedendo porque Iahweh era mais fraco, mas porque era o
mais santo. O povo precisava formar um novo conceito de Deus e assim entender melhor sua
situação, suas atitudes a tomar e seu futuro destino.
O arrependimento, ponto de partida -O livro traz veementes chamadas ao arrependimento.
Vale a pena ler 18.21-23, 18.30-32 e 33.10-11. O destino do povo só mudará se houver
arrependimento. Não fora Iahweh quem falhara, mas Judá. O cativeiro era por causa do
pecado e seria sustado quando houvesse arrependimento. Ezequiel viu com muita clareza o
evangelho que pregamos, que é a chamada ao arrependimento. Deus é misericordioso e
espera a mudança de atitude do pecador, para que este viva e não seja condenado. Não tem
prazer na morte do ímpio (33.11), e por isso põe o profeta como atalaia para avisar o povo de
que o adversário vem (33.7). Com Von Rad bem declarou, a posição de Ezequiel como atalaia
“era quase contraditória, visto que é Iahweh que não somente ameaça a Israel como também,
ao mesmo tempo, deseja adverti-lo a fim de que seja salvo”. Mas a aparente contradição é
entendível: o juízo nunca é anunciado sem que haja oportunidade de arrependimento. E
também, mesmo que haja destruição, deve haver um remanescente, um resto, como já vimos
antes. A imensa massa da nação é idólatra, está perdida e deve ser condenada. Um resto
voltaria para a terra, para reconstruir Judá e seguir com o projeto de Iahweh. Por isso, Ezequiel
está avisando o povo e chamando-o ao arrependimento. É necessário que haja mudança de
vida para evitar o castigo. O arrependimento é o ponto de partida para que uma nova situação
se estabeleça. Esta nova situação implicará numa volta para casa, como 34.11-24

mostra. Voltariam para ter Davi como príncipe (34.24). A esperança para os retornados era
muito profunda, pois implicava em que o messias estaria com eles. A ligação entre o novo
Davi, agora citada, e a nova aliança, é notável. Davi aparece em 34.24. A nova aliança, em
34.25-31. Este texto, que vale a pena ser lido, é a súmula do pacto do Novo Testamento. Não é
feito com base em Abraão, mas em Davi, em Jesus Cristo, vale dizer, de quem Davi é um tipo.
Toda a maldição pelo pecado seria retirada, vê-se na leitura. Isto nos lembra Romanos 8.1:
“Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. Cristo nos
resgatou da maldição (Gl 3.13).

O novo coração -Devem ser lidos os textos de 11.19-20 e 36.26. É a proposta do novo coração.
Na psicologia dos hebreus, o coração é o âmago do indivíduo, a fonte de onde brotam os
sentimentos e a vontade. No nosso contexto, coração é emoção. No contexto bíblico, coração
é a volição (vontade) e desejos (sentimentos). É a sede da interioridade do homem. Iahweh
promete um novo coração ao povo. É obra sua. É ele quem dará. O povo não pode conseguir
por si. O povo não pode se mudar por si mesmo. Neste sentido, Jeremias concorda com ele (Jr
13.23). A auto-regeneração é impossível. Mas se o povo precisa mudar e não consegue, se só
Iahweh pode fazer isso, porque não o faz logo, para mudar a sorte do povo? No texto se
observa que o novo coração está ligado à volta para a terra. A terra era o símbolo mais visível e
mais forte da aliança. O novo coração está ligado à aliança. Esta fora quebrada pela povo e não
por Iahweh. Quando o povo se arrependesse, sua sorte seria mudada, o cativeiro cessado,
Judá restaurado. A conexão é bem clara: o novo coração será a consequência do
arrependimento. Quando o povo se convertesse, Iahweh o transformaria. É o Novo
Testamento que aparece em Ezequiel. Só Deus pode mudar as pessoas. A conversão está
sendo antecipada como doutrina, em Ezequiel.
Neste sentido, 36.26 merece especial atenção. O coração do povo é de pedra. Iahweh o tirará
e porá um de carne em seu lugar. O que é insensível dará lugar a algo sensível. O coração é
novo, mas isso não basta: haverá um espírito novo. E será Iahweh quem o porá dentro do
povo. O que significa isso? O ruah, o espírito, é o fôlego da vida. Um coração novo é sinal de
vida nova. A conversão é começar uma nova vida. Judá terá uma nova vida. Da mesma forma,
como cristãos, entendemos que aquele que se arrepende, começa uma nova vida. 2Coríntios
5.17 diz isso muito bem.

O individualismo -Esta é uma característica da nova aliança, a aliança que viria no Novo
Testamento, com a Davi Jesus Cristo. No Antigo Testamento, a ênfase está na comunidade, na
socialidade. Veja-se que Acã pecou e todo o povo pagou. Davi faz o censo do povo e sobre este
cai o juízo divino. A solidariedade racial é bem clara. Quando Adão caiu, toda a raça caiu. No
Novo Testamento, a ênfase é na responsabilidade individual, vale dizer, a individualidade é
acentuada (sem se perder a mutualidade, como Atos e as cartas paulinas nos mostram). No
Novo Testamento, Ananias e Safira pecam. Os dois são apenados e a comunidade nada sofre.
Deus dará mais ênfase ao trato individual, é a mensagem bem clara neste contexto. Mesmo
usando a analogia da queda de Adão, que quando ele caiu toda a raça caiu, há uma diferença
na obra de Cristo: sua obra vicária não significa que toda a raça é salva, mas sim que toda a
raça pode ser salva. A queda de todos se deu em

Adão, mas o levantamento de todos não se dá em Cristo, automaticamente

e sim, potencialmente. Dá-se em Cristo a possibilidade de levantamento de todos. É preciso


aceitar. Em instância última, a responsabilidade é do homem. E a idéia da responsabilidade
pessoal é fortemente anunciada em Ezequiel. Duas idéias podemos tirar daqui:

1a) Ninguém está sob o domínio da conduta passada. Veja-se 18.21-22 e 33.12. A conversão
apaga o passado. Uma pessoa não é obrigada a ser o que sempre foi. É possível haver
mudança. Esta é a mensagem que pregamos: Deus transforma o pecador arrependido de seus
pecados, que o busca e nele confia. Não importa quão mau alguém tenha sido. Sua vida pode
mudar. Não é o passado que rege a vida de um fiel, mas o futuro, sua perspectiva de vida, seus
novos horizontes que a fé lhe abre.

2a) Ninguém está sob o domínio dos antecessores. Teologicamente, não é verdade que “filho
de peixe peixinho é”. O filho do maior jogador de futebol de todos os tempos, Pelé, foi um
goleiro mediano, Edinho. Que até abandonou o futebol. Os textos de 18.2-4 e 18.20 mostram
que pecado e santidade não são transferíveis. Um homem santo como Ezequias gerou um
monstro como Manassés. Nem para o bem nem para o mal. Cada pessoa faz a sua vida e é
responsável por ela diante de Deus. Não existe uma maldição hereditária, como alguns
pregadores sensacionalistas e desinformados apregoam. Existe liberdade para o homem fazer
a sua vida. Nós fazemos nosso destino, embora soframos influência de circunstâncias que
muitas vezes não dependem de nós. Mas somos responsáveis por nossa vida.
Estas duas idéias mostram, de maneira bem clara, a acentuação do livrearbítrio. Os capítulos
18 e 33 são notáveis ao tratar deste tema. A nota mais vibrante neles contida é que cada um
dará contas de si mesmo a Deus. O pai não leva a maldade do filho nem o filho leva a maldade
do pai.

8. A restauração –Embora haja uma exortação ao arrependimento do indivíduo e a ênfase na


responsabilidade deste, como pessoa, Ezequiel entende que a salvação vem num contexto de
uma comunidade restaurada. O novo Israel surgirá por um milagre de Deus, e será algo tão
fantástico que a melhor figura para designá-lo é a mostrada no capítulo 37. A nação é um
imenso vale de ossos secos a quem Iahweh dará vida (37.5). Os versículos 16-17 e 21-22
mostram que até mesmo as antigas rixas cessariam: Israel e Judá estariam dentro da nova
comunidade, a que Iahweh ressuscitaria. Não se trata da restauração do Norte, que nunca
aconteceu. Trata-se da eliminação das diferenças regionais dentro do próprio povo escolhido.
Lembremos do Novo Testamento: “em Cristo não há judeu nem grego…”. O povo de Deus é
um só, a Igreja. O versículo 23 termina com a forma clássica para designar a aliança: “Assim
eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus”. O casamento ou a adoção se refazem.

É evidente que o texto alude não apenas ao Israel retornado com Zorobabel, mas ao Israel do
Novo Testamento, a Igreja. No v. 24, à frente de todo o povo está “meu servo Davi”. Dois
títulos messiânicos, numa só expressão. Mais tarde, Ezequiel mostrará a planta de um templo
(40-48), que se constitui num dos grandes problemas do livro. Aquele templo nunca foi
construído. Tentar empurrá-lo para um hipotético milênio é problema teológico sério: para
que Jesus Cristo precisaria de um templo com sacrifícios, para reinar no milênio? E, mais
curioso: um templo em que ele não poderia oficiar sacrifício algum (e sacrifícios são
desnecessários, lembremos) pois não é da tribo de Levi. Afinal, com sua morte, os sacrifícios se
tornaram desnecessários. Insistir na restauração de um templo com sacrifícios é desconsiderar
todo o livro de Hebreus. O judaísmo acabou. Os sacrifícios não têm valor. Não há mais sangue
para derramar. Se os judeus reconstruírem um templo para sacrifícios, eles serão tão válidos
como a galinha preta do macumbeiro, na encruzilhada: mero paganismo. Cristo resolveu o
problema do pecado para sempre e só por meio dele, qualquer pessoa, de qualquer raça, pode
se aproximar de Deus. Inclusive os judeus. Parece que o templo de Ezequiel é uma figura
apocalíptica. Dele fluirá uma torrente de água purificadora que tornam o mar Morto (47.8),
símbolo da nação, em um mar vivo. A nação, que estava morta em seus pecados, seria
vivificada pela água que sai do templo. No Apocalipse, há um rio que flui do trono e faz
florescer a árvore da vida e, assim, não há mais maldição (Ap 22.1-3). A restauração de Judá
desemboca na Igreja de Jesus Cristo, no Novo Testamento. A Igreja é o povo que vive sem
maldição, porque Cristo dela nos resgatou.
9. A esperança –Há esperança, diz Ezequiel. À semelhança do mostrado no Segundo Isaías, a
nação está no desterro, mas voltará. Não por seus méritos, mas pela graça de Iahweh. Em
poucos lugares, a esperança é tão bem acentuada como no capítulo 37, na visão do vale dos
ossos secos. Veja-se, principalmente, 37.11-13. O desencadeador do processo de esperança é
a palavra de Iahweh (vv. 5, 9 -confirmados por “como se me deu ordem”, nos versículos 7 e
10). O simbolismo do mar Morto, a nação, vivificado pelo rio da água da vida, corrobora a
idéia: a esperança está na palavra e na ação de Iahweh. A palavra dele cria o mundo, em
Gênesis 1. A palavra dele inicia a história da salvação, em Gênesis 12. Ela veio ao encontro de
Moisés para começar o êxodo. E, mais uma vez, a palavra de Iahweh põe tudo em marcha: ela
restaurará a nação cativa na Babilônia. Este é o segundo êxodo. Mais tarde, será a Palavra,
conforme João 1, que vira habitar entre os homens, para iniciar a segunda criação. Mas
voltando a Ezequiel: a esperança é de retorno e de restabelecimento da aliança. As bases
serão, de um lado, o amor eterno de Iahweh. De outro, o arrependimento do pecador. Não
basta ser israelita. É preciso ser convertido. O tratamento não é mais com uma comunidade,
mas com pessoas. A salvação não é racial, nem étnica, nem nacional, mas pessoal. Deus só
salva indivíduos, um a um. O Novo Testamento está definitivamente esboçado, do ponto de
vista teológico, em Ezequiel.

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

TAYLOR, Ezequiel -Introdução e Comentário, M. Cristão/V. Nova

MONARI, Ezequiel, Um Sacerdote Profeta, Paulinas

3. ASURMENDI, O Profeta Ezequiel, Paulinas

SHEDD (ed.), O Novo Dicionário da Bíblia, vol. I, V. Nova

MESQUITA, Estudo no Livro de Ezequiel, JUERP

MATÉRIA 12: OS CÂNTICOS DO SERVO

Estudamos, anteriormente, a figura do ebhed, o servo, no Antigo Testamento, e sua relevância


para a teologia. Numa breve recapitulação, lembremos que o servo é uma pessoa à disposição
de outra, um trabalhador que pertence a alguém. Vimos que o uso religioso designou o
homem piedoso, confiante em Deus, entregue à sua vontade. Um sinônimo de justo, portanto.
Tanto que, no plural, a palavra passou a designar a comunidade dos homens piedosos de Israel
(Sl 135.14). No singular, o termo passou a ser usado para a própria nação, como lemos em
Isaías 41.18. Lembremos que Israel era propriedade de Iahweh e tinha uma missão a cumprir.
É oportuno lembrar que o termo usava-se também para determinados elementos da história
bíblica, que, pelo seu caráter, alcançaram uma posição de relevo, como Moisés, Davi, Jó e
alguns dos profetas.

É em Isaías que a figura de servo alcança uma dimensão muito mais ampla. Parece que Jesus
se situou, não apenas em termos de missão, mas em termos de vida pessoal, em dois livros do
Antigo Testamento, mais que nos outros: nos Salmos e em Isaías. Nos salmos que a Igreja
assimilou como messiânicos, e em Isaías, Jesus entendeu o testemunho da Escritura a seu
respeito. Em Lucas 4.17-21, por exemplo, Jesus leu um trecho de Isaías e disse que acabara de
se cumprir, naquele momento, o que acabara de ler. Era dele que Isaías estava falando.

Nossa caminhada, a partir de agora, é pelos cânticos do servo, em Isaías. Eles têm um forte
componente messiânico e se projetam dentro do Novo Testamento. Mas antes é preciso
considerar um aspecto que, para alguns, parece melindroso. A mim, parece absolutamente
normal: a questão da autoria da parte de Isaías onde estão os chamados “cânticos do servo
sofredor”, que a Igreja cristã tem aplicado a Jesus de Nazaré.

Os cânticos são quatro: 42.1-7, 49.1-6, 50.4-11 e 52.13 a 53.12. Localizam-se na parte de Isaías
chamada de “O livro da consolação de Israel”. O livro de Isaías tem, claramente, duas divisões.
De 1 a 39, o livro é histórico. De 40 a 66, o livro é poético. De 1 a 39, sem contestação, o autor
é um tal Isaías, de Jerusalém, homem da corte. De 40 em diante, a questão é muito discutida e
é o que se chama de “Segundo Isaías”. Seria um profeta desconhecido, atuando no exílio na
Babilônia. Um problema é que o livro cita, nominalmente, Ciro, cerca de 150 anos antes de sua
existência (44.28, 45.1). Alguns intérpretes combatem os defensores desta idéia apontando
uma possível incredulidade deles, a de não crerem que Deus pudesse inspirar alguém a citar
uma pessoa antes de sua existência. Não é esta a questão. A questão é que o estilo é
completamente diferente, porque além de poesia, o Segundo é mais brilhante que o Primeiro.
Além disso, na primeira parte, o inimigo é a Assíria, que ainda existia como potência (Is 36). Na
segunda parte, o inimigo é Babilônia, que só assumiu o controle da região tempos após a
morte de Isaías. A primeira parte é história e na segunda, apenas o nome de Ciro é citado. Não
há como negar: no Segundo Isaías, o povo está na Babilônia (48.20), depois de 587 a.C., e não
na Palestina, como no tempo de Isaías, no ano 740 a.C.. E isto não significa ser liberal. Críticos
conservadores, como Crabtree, assim defendem. É preciso não confundir as coisas. Não
reconhecer a autoria de alguém, em um livro bíblico, não é negar sua inspiração. São coisas
completamente diferentes. As bíblias antigas diziam que Moisés escreveu o livro de Jó. Hoje,
nenhuma traz mais esta informação, pouco sustentável, como se sabe. Não sabemos quem
escreveu Hebreus, mas isto não invalida a inspiração do livro e sua canonicidade para nós.

A questão aqui não é demolir a Bíblia. Esta pretensão não tem sentido e uma acusação desta é
irreal.. A questão é identificar os oráculos, conhecer o contexto histórico, saber o que se
passava, para poder entender o que está sendo dito. Sem isto, faremos uso inadequado das
Escrituras. E ver o Segundo Isaías, me parece, fortalece mais esta posição. Não enfraquece a
inspiração bíblica, mas fortalece seu conteúdo na verificação do seu contexto histórico, o que
o autor estava observando.

Uma divisão do “Livro da Consolação” é:

1. A libertação do povo de Deus -40-48

2. O servo sofredor como redentor -49-57

3. A consumação gloriosa -58-66

Nota-se que o alvo do livro é, mais uma vez, tratar do problema suscitado pelo desterro: como
explicar o que aconteceu a Judá? Como se poderá entender o futuro de Judá? Como entender
o que seria feito da aliança abraâmica que se ampliou na davídica? Como explicar as
promessas de um reino eterno a Davi? Como explicar o fracasso de Iahweh, tendo ele perdido
a batalha para os deuses da Babilônia? São temas que a teologia da época precisou explicar.

O livro é um brilhante tratado da restauração de Judá, do poder de Iahweh, de seus


misteriosos desígnios na história, do messias por vir, do sentido de história que estamos
seguindo, no semestre, como linha condutora do Antigo Testamento.

“Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus, falai ao coração de Jerusalém e dizei-lhe em
alta voz que o seu serviço está cumprido, que a sua iniquidade está expiada, que ela recebeu
da mão de Iahweh paga dobrada por todos os seus pecados” (40.1-2, BJ) é a síntese do livro.
Ele explica e justifica

o cativeiro. E anuncia o seu término. Com isto, abrirá uma nova perspectiva teológica: o que
acontecerá, daqui para a frente?

Mas é na questão dos cânticos do Servo que temos que nos centrar. Diga-se que em trabalho
tão curto e com uma direção como a desta apostila, não vamos discutir os aspectos dos
cânticos em seus detalhes. A discussão é muito ampla, debatida em questões as mais diversas.
Tem sido motivo para teses de doutorado e não serão esgotados em uma curta aula. Não
vamos esgotar o assunto, mas analisá-lo até mesmo de forma superficial, mas seguindo a linha
de uma história da salvação.
1o. CANTO -42.1-7

Esta passagem se compõe de duas partes. Na primeira, 1-4, Iahweh (oculto) fala do servo, seu
eleito, sobre o qual ele pôs o seu Espírito, como fazia com profetas e reis (Ez 2.2, 1Rs 16.13). O
servo tem uma orientação bem definida: sua missão deve ser voltada para “nações” e “ilhas” e
sobre as quais trará justiça. Neste caso, o termo parece significar “julgamento” e não
“retidão”, como no Novo Testamento. Esta ação do servo é silenciosa, sem alarido, sem
violência. Ele não é esmagador, mas consolador. Mas, mesmo assim, julgará, sem espalhafato.

Na segunda parte, o oráculo fala do Deus criador que confirma a vocação do servo como
universal (v. 6) e voltada para a libertação (v. 7).

As duas maiores interpretações de quem seja o servo são, neste cântico: Ciro e um profeta, na
linha de Jeremias. No caso da primeira interpretação, ver-se-ia Ciro recebendo uma investidura
nos moldes da de Davi, uma missão de conquista e de reagrupamento. As pretensões
imperialistas de Ciro estariam sendo mostradas como desígnio de Deus para a humanidade.
Ele não seria brutal como os assírios e caldeus, mas manso. No caso da segunda, o profeta
seria um consolador respeitador dos fracos e abatidos. Sua ação atingiria o mundo que o
aguardava sem saber. Muitos presumiram tratar-se de Jeremias. Lembre-se que Jesus, que
usou os cânticos do servo em sua vida, foi confundido com Jeremias (Mt 16.14).

Em linhas gerais, o ensino é este: Judá está em ruínas, mas haverá um libertador, que lhe
falará mansamente, um libertador que não é truculento, nem guerreiro, nem feroz, mas que
fala manso. Ele foi dado às nações, tem uma missão universal. O bairrismo teológico dos
judeus começa a enfrentar o choque com o universalismo. O servo é para todos. Judá
precisava aprender isto no cativeiro: era instrumento de Iahweh e não possuidor de Iahweh.

No Novo Testamento, este texto encontra paralelo no batismo de Jesus (Mt 3.17, Mc 1.11), na
transfiguração (Mt 17.5, Lc 9.35) e é citado por extenso em Mateus 12.18-21 para explicar a
discrição de Jesus em sua obra messiânica. Mas em Atos 26.17-18, a missão de Paulo aos
gentios é descrita com termos parecidos com os do primeiro cântico. Ou seja, a universalidade
da missão do servo se projetou na teologia da Igreja cristã.

Entende-se a questão: mais que detalhes, mais que saber “quem é, quem não é”, o rumo a ser
tomado é este: Judá sairá do cativeiro com uma missão universal. Deve ser bênção para o
mundo. Este aspecto estava bem claro na aliança com Abraão, mas não parece ter sido muito
enfatizado na aliança com Davi, onde o povo se centrou mais nos aspectos de bênção a
receber do que ser bênção. No primeiro cântico do servo, uma missão aos gentios é anunciada.

E o significativo é que, após o cântico do servo, vem logo a seguir, um hino de louvor a Iahweh,
hino que deve ser a celebração de sua universalidade (42.10-12). A ênfase é na universalidade
da ação de Iahweh. Pode-se dizer, então, que o cativeiro não foi o fim, mas o início de um novo
modelo e de uma nova teologia, corrigindo a equivocada teologia popular. Mas Judá
nuncaassumirá esta missão universal. A Igreja, a comunidade que surge, teologicamente, dos
retornados, a terá como sua. Que nunca nos esqueçamos de que missões é o alvo de Deus
para sua Igreja.

2o. CANTO -49.1-6

No segundo cântico do servo, este é bem definido: é Israel (v. 3). Há, também, duas partes no
cântico. Na primeira, 1-6, o servo fala aos ouvintes. No primeiro cântico, o servo é a terceira
pessoa do singular (ele). Aqui, é a primeira (eu). Os ouvintes do servo são “ilhas e povos de
longe” (v. 1), o que mostra um novo rumo na pregação profética. Há uma esperança para todo
o mundo e não apenas para Israel. Ele, o servo, fala aos países sobre a sua relação bem distinta
com Deus, de como foi comissionado e como Iahweh deve ser por ele glorificado. No v. 4, o
servo parece reclamar, como Jeremias, de ter trabalhado em vão, mas Iahweh o confirma (v.
6). Ele não deve desanimar.

Na segunda parte do cântico, Iahweh fala que o servo é humilhado, desprezado, mas será
exaltado. Isto nos ficará bem claro nas palavras de Paulo em Filipenses, ao falar do
esvaziamento e da glória de Jesus. Ele , o servo, é, mais uma vez, mostrado como libertador.
Mas fica claro que o servo é o novo Israel, que é mostrado como “luz das nações” , no v. 5. O
antigo Israel nunca foi luz de nada, mas fechou-se em si mesmo. Pense bem nesta expressão e
entenda o que Jesus quis dizer em Mateus 5.14a. Além do sentido de comportamento pessoal,
individual, dos crentes, como temos mostrado, é possível ver Israel como uma luz que não
brilhou. A Igreja, da mesma maneira, deverá ser uma luz que brilhe. Se não brilhar para
iluminar o mundo, ela é inútil. Seu futuro é incerto.

O Novo Testamento entendeu muito bem esta passagem como tendo sua mais perfeita
expressão no tempo de Jesus Cristo. Basta ler Atos 13.46-47 para se observar que a igreja
primitiva viu, na missão que tinha e da qual Paulo e Barnabé estavam como os maiores
executores, o cumprimento do versículo 6. O versículo 3 declara que o servo é Israel, mas a
Igreja o aplicou a si, vendo-se como a continuadora da missão de Israel.O texto do segundo
cântico sai da dimensão estrita de Israel e se projeta na missão da Igreja do Novo Testamento,
em se dirigir aos gentios com a palavra de Cristo. Deve-se notar que Lucas 2.23 se refere a
Cristo com termos semelhantes, que, se não foram daqui tirados, foram aqui baseados.

Mais uma vez a universalidade de Iahweh aos homens é mostrada. Daqui para a frente, este
aspecto é redobrado em anúncio. Veja, por exemplo, 45.22, que traz um apelo universal a se
aceitar a salvação oferecida por Iahweh. A resposta à questão que mais dominava a mente dos
homens piedosos começa a ser respondida: por que a catástrofe do cativeiro? O cativeiro foi
necessário para chocar, para corrigir, para destruir valores teológicos errados e para abrir um
novo entendimento para o propósito de Iahweh, que é o de abençoar o mundo e não apenas
uma nação.

3o. CANTO -50.4-11

O servo fala de si, novamente. Os verbos estão na primeira pessoa. Também há duas partes no
cântico. De 4-9, o servo fala da ação de Iahweh em sua vida, da sua política de não-violência e
de não-resistência aos ofensores e agressores. Ele sabe que Iahweh o defenderá, por isso não
se sente confundido. Seus adversários passarão, serão destruídos. Ele tem uma inabalável
confiança no poder de Iahweh. O teor parece muito com o das “confissões de Jeremias” (Jr
20.7-13). É provável que o ministério de Jeremias tivesse exercido um impacto muito grande
no pensamento do autor do Segundo Isaías.

Na segunda parte, 10-11, fala-se do servo (ou de quem acabou de falar, em 4-9) a um grupo de
pessoas (“vós”). Por causa do que o servo disse, podem ficar tranquilos os fiéis (v. 10) e os
opressores podem ter certeza de que serão julgados (v. 11).

Quem é o servo? Não é, agora, Israel nem Ciro. É o próprio profeta quem fala, o Segundo
Isaías. Alguns comentaristas, como Lindblom, pensam que este profeta anônimo, no cativeiro,
deve ter enfrentado problemas com os caldeus, na Babilônia, com a circulação dos capítulos
anteriores. Veja-se que os capítulos 46 e 47 tratam da queda do poder caldeu. A circulação
destes capítulos pode ter sido considerada como sedição, como tentativa de subversão, coisa
semelhantes, e trazido problemas sérios para o profeta, que fala de si como servo que sofre.

Mas, afinal, quem é este servo que muda de personalidade toda hora? Já foi Israel, já foi Ciro,
agora é o anônimo! Ele não muda de personalidade. O servo, já vimos, é alguém que é de
Iahweh, que é usado por ele, para comunicar uma mensagem. Vimos que trechos dos cânticos
se cumpriram em Israel, em Jesus, na Igreja e em Paulo e Barnabé. O servo, aqui, é perseguido,
hostilizado. Mas mesmo assim, permanece firme e inabalável, com a serenidade de quem sabe
que pode suportar estas coisas porque Deus tem um propósito não somente para ele, mas
também na história. No canto anterior, o servo mostrou certa inquietação pela aparente
ineficácia de sua atuação. Agora se vê que ela desencadeia até mesmo hostilidade. Mas ele
suporta tudo pelo poder de Deus. As coisas caminharão para o rumo devido. Há ecos desta
passagem no Novo Testamento, mostrando as circunstâncias semelhantes vividas pela Igreja,
em geral, e pelos crentes, em particular: Mateus 26.67 e Romanos 8.33-34, por exemplo. Há
uma hostilidade que ele sofre, mas ao mesmo tempo, ele experimenta segurança.

4o. CANTO -52.13 a 53.12

Este é o mais longo dos cânticos do servo. Quem fala é Iahweh, pois o chama de “meu”. A
amplitude é grande: há uma imensidão de nações e reis envolvidos. A própria tradução é
muito disputada. “Espantará muitas nações” pode ser traduzido por “aspergirá muitas
nações”, por exemplo. Pode ter a idéia de uma ação litúrgica, sacerdotal, do servo, no sentido
de “santificar” ou “consagrar”. A tradução dos versículos 14-15 é disputada, mas parece
caminhar numa direção: o servo, que foi desfigurado a ponto de não mais parecer um homem
(ou a nação tipificada em um homem) será exaltado.

Os versículos seguintes, 1-6, são marcados pelo pronome “nós”. Nós quem? As nações e reis
anteriores? Mas, eles ficariam de boca tapada (v. 15). Provavelmente os judeus exilados. Deus
estava para fazer uma obra que os atingiria com grande impacto. Provavelmente, também, os
demais povos, porque o servo começa a ter um sentido universal.

Os versículos 2 e 3 descrevem os sofrimentos do servo. A nação estava sofrendo, estava


desfigurada, padecia no cativeiro. Ele carrega os sofrimentos de todos (v. 5). A nação estava
pagando o pecado do povo, sofrendo, agora. Para o judeu, esta interpretação não apresenta
muita dificuldade: o servo é a nação, que sofre. Está arrasada, mas Iahweh fará uma grande
obra nela e os reis do mundo, que zombam de Judá, taparão a sua boca e verão o seu grande
poder. Seguindo esta perspectiva judaica, não é impossível ver, na figura de linguagem poética,
a descrição da situação da nação cativa. Ela é mostrada como uma pessoa, recurso comum na
literatura poética hebraica. Mas, à medida em que a descrição vai avançando, principalmente
nos versículos 10-12, é simplesmente impossível não ver que há uma evolução na direção de
um personagem histórico. É evidente que se trata de um homem em particular.

Na pessoa de Jesus Cristo se realiza a plenitude dos cânticos do servo e deste, particularmente,
mais que em qualquer personagem. Parece que 1Coríntios 15 é a mais antiga confissão de fé
formulada pela Igreja primitiva. Com toda certeza Paulo se inspirou em Isaías 53, ao nos dizer
que Cristo morreu pelos nossos pecados “segundo as Escrituras” . A provável citação das
Escrituras feita por Paulo está aqui, sem dúvida. Jesus viveu sua caminhada para a cruz dentro
desta perspectiva: a de que deveria morrer para redimir a nação e a humanidade.

Neste sentido, os cânticos do servo fazem um paralelo entre a situação de Judá, no cativeiro, e
sua missão ao mundo, e a situação de Jesus, em seus sofrimentos, e sua missão ao mundo.

UMA SÍNTESE DOS CÂNTICOS DO SERVO –É uma das mais extraordinárias figuras de toda a
Bíblia. O servo é Israel (43.10 e 49.3), mas pode ser Ciro, Jeremias, um profeta na linha de
Jeremias ou o próprio autor dos textos. Seja quem for, uma coisa é clara, no seu argumento:
Judá falhou em sua missão, é motivo de vergonha e de zombaria, está sofrendo no cativeiro.
Este é

o pano de fundo. Mas um novo servo se levantará. A própria nação, retornada, é o servo
futuro. Mas um homem é o servo futuro. Contradição! Não! Ela gerará um servo. A figura se
personaliza muito no quarto cântico e em 53.10 é impossível não ver uma pessoa histórica,
que a teologia cristã identificou como Jesus de Nazaré. Jesus ocupou o lugar de Israel.
Compare Oséias 11.1 com Mateus 2.15. Ambos foram tentados no deserto. Israel pediu pão
(Nm 11.4-6) e Jesus recusou a tentação para pedir pão (Mt 4.3-4). A missão de Israel passou a
ser de Jesus, e, depois, de sua Igreja. Onde Israel falhou, Jesus não falhou. A pessoa de Cristo,
cumprindo o desígnio de Iahweh, supre as falhas históricas da Igreja do Antigo Testamento, e
faz surgir a Igreja do Novo Testamento, o novo povo de Deus, que somos nós.

Uma mensagem que fica muito bem definida aqui é a universalidade do evangelho. Saindo dos
cânticos do servo e seguindo pelo restante do livro da consolação, chegamos ao capítulo 55.
Ele traz um convite para o banquete messiânico. Esta era uma figura da tradição religiosa
judaica: o banquete que o messias daria ao inaugurar seu tempo. Uma leitura do capítulo
mostra que o convite messiânico é uma proclamação da graça. Nada há a pagar. Jesus
retomou estes temas, o do banquete e o da gratuidade, em algumas de suas parábolas. A
chamada ao banquete messiânico é para todos e envolve arrependimento e mudança de vida.
Não é por festas e ritos, mas pela fé do arrependido (55.6-7). O relacionamento com Deus é
uma oferta de graça, é para ser aceito pela fé e ele, Iahweh, espera arrependimento dos
pecados. O Novo Testamento chegou, nas páginas do anônimo e fantástico autor do livro da
consolação de Israel.

BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

CRABTREE, A Profecia de Isaías, 2 vols., JUERP


BARROS, O Livro de Isaías, Imprensa Metodista

RIDDERBOS, Isaías -Introdução e Comentário, Vida Nova

STEINMANN, O Livro da Consolação de Israel, Paulinas

WIÉNER, O Dêutero-Isaías, Paulinas

KAMP, O Profeta Isaías, Sinodal

7. CROATTO, Isaías, o Profeta da Justiça e da Espiritualidade, Sinodal

8. MARTIN, La Salvación del Señor, Publicaciones Porta-voz Evangélico

KELLEY, Judgment and Redemption in Isaiah¸ Broadman Press

COELHO FILHO, Isaltino Gomes, O Sofrimento do Messias e Sua Aplicação para Nosso Tempo -
Uma Avaliação da Teologia da Prosperidade

(dissertação de mestrado, não publicada). Disponível na Biblioteca do Seminário.

11. MOTYER, The Prophecy of Isaiah, InterVarsity Press

MATÉRIA 13: A ESPERANÇA MESSIÂNICA APÓS O EXÍLIO

O cativeiro foi um período de reconstrução da teologia hebraica. Havia uma crença equivocada
na indestrutibilidade de Jerusalém, como lemos em Miquéias 3.11: “Não está o Senhor no
meio de nós? nenhum mal nos sobrevirá”. Jeremias lutou contra esta fé supersticiosa, como se
lê em Jeremias

7.4. Jerusalém não era inviolável e a única alternativa para escapar do cativeiro era o
arrependimento, como diz Jeremias 7.3. Havia conceitos errados que deviam ser refeitos. Foi,
portanto, um período de fermentação teológica, riquíssimo, onde surgiu, inclusive, a literatura
apocalíptica e floresceu a pseudepígrafa.

O cativeiro trouxe a dor, como se lê no Salmo 137.1-4, mas trouxe também a reflexão, como se
vê em Lamentações. O regresso foi uma festa, como se nota em Salmos 126.1-3. Mas alguns
postulados teológicos tiveram que ser refeitos, com dor e com festa. Descobriram que Iahweh
também punia o seu povo. Viram que a chamada de Israel tinha uma finalidade, não sendo ela
um fim em si mesma. Era a nação que deveria trazer o messias ao mundo. Ao regressar, Judá,
agora chamado de Israel, deixou de ser uma monarquia. Passou a ser uma hierocracia, ou seja,
uma comunidade governada por sacerdotes, vivendo ao redor do seu templo e de sua religião.
Neste período de refazimento da teologia, a esperança messiânica sobressaiu., principalmente
nos profetas pós-exílicos.

Os pós-exílicos são Ageu, Zacarias e Malaquias. Veremos alguma coisa sobre eles e sua
esperança messiânica. Como encararam a promessa e como reinterpretaram a aliança.

1. AGEU –Comecemos por Ageu. Seu momento histórico era de pobreza, desencantamento e
até mesmo de confusão. Judá era uma vila com pouco mais de trinta quilômetros quadrados.
Havia a forte oposição dos samaritanos à reconstrução do templo. Com Zorobabel, em 537,
menos de 50.000 judeus haviam regressado. Começou-se a construção de um templo que logo
se parou de construir. Por quinze anos a obra permanecera parada. A luta do profeta é pela
reconstrução do templo, mas esta não é sua mensagem teológica mais importante. No dizer de
Schwantes, e com ele concordo, a idéia teológica mais forte em Ageu é o davidismo. Inclusive
diz ele:

Entendo que na profecia de Ageu, o davidismo desempenha papel preponderante. Nele


culmina o livro (2.20-23). Nele está a superação da dominação persa (2.6-7 e 21-22). A mística
davídica é mais relevante do que a do templo. O messianismo davídico, parece-me, pois,
decisivo para a hermenêutica de Ageu (p. 15).

O que é davidismo? É a idéia de Davi reinando sobre Judá. O nome de Davi não é citado, mas
as manifestações cósmicas em 2.6-7 e 21-22 mostram, na poesia hebraica, uma intervenção
súbita e decisiva de Deus em uma ocasião escatológica, para implantar seu reino, cujo trono
fora prometido a Davi. Não é dito de maneira clara para que os persas não leiam. Mas é

subentendido pelos judeus, na linguagem figurada. Schwantes, inclusive,

entende que o livro é um panfleto pró-Zorobabel (o que não me parece). Ele se baseia na
mensagem de Iahweh a Zorobabel (2.21-23), que alude à destruição do poder persa e à
exaltação de Zorobabel, que ocuparia o trono de Davi, como monarca terreno. Mas a idéia de
uma intervenção de Deus, reafirmando a aliança, está na mente do autor, pela linguagem
escolhida. Na visão de Schwantes, a leitura é política. Na minha, é messiânica. Reafirma-se a
aliança com Davi, na palavra a Zorobabel.
Mas o ponto mais forte no texto de Ageu é o que fala da reconstrução do templo. O de
Salomão fora majestoso, construído em época de riqueza, de tal modo que a prata não tinha
valor. O do tempo de Ageu foi feito por uma comunidade pobre. O templo parecia não ser
nada (2.3). Conforme Esdras 3.12, os anciãos, ao verem os fundamentos do novo templo,
choraram de tristeza, pela sua insignificância. Mas apesar da diferença, Iahweh Sebaôth
declara que “a glória desta última casa será maior do que a da primeira” (2.9). Esta declaração
me parece restringir a promessa de exaltação a Zorobabel, inclusive redefinindo-a. Isso
veremos.

O templo da época de Ageu foi ampliado e remodelado por Herodes. Foi nele que Jesus
entrou. O templo de Salomão tinha majestade, mas foi no segundo que o Filho de Deus
entrou. Foi lá que embaraçou os doutores da lei, passagem altamente significativa: o Filho de
Deus, trazendo o novo tempo, confunde os doutores do tempo antigo. O templo é, na ótica, de
Ageu, o prenúncio de um novo tempo. A linguagem de 2.6-7 é mesmo uma linguagem
escatológica (não em termos da segunda vinda, mas da primeira). O templo estava
inaugurando um novo tempo que culminaria no messias. A aliança estava sendo refeita. Em
2.9 se diz que “neste lugar darei a paz”. O lugar mencionado é o templo. O messias viria trazer
a paz. Paz é sempre um conceito messiânico, obra do messias. Por isso é que o último
testamento de Jesus aos seus discípulos foi “deixo-vos a paz”. Não apenas desejo de que
ficassem calmos. Era a bênção messiânica. Só ele podia dar. Naquele lugar, naquele templo,
Iahweh Sebaôth deu a paz messiânica.

E Zorobabel? Seu nome significa “gerado na Babilônia”. Mesmo no cativeiro havia esperança.
Ela não morreu lá, como vimos em Ezequiel. Pelo contrário, foi gerada lá. Zorobabel é o
Sesbazar que trouxe o povo de volta do cativeiro, embora o Novo Dicionário da Bíblia negue
enfaticamente tal possibilidade. Sesbazar parece ser o seu nome correspondente em caldeu. É
descendente de Davi e ancestral de Jesus (Mt 1.12). É uma pessoa histórica, mas é ancestral e
tipo de Jesus, modelo do Davi que ocuparia o trono de Judá, mais tarde. A promessa de 2.21-
23, em vez de ser um panfleto político, é uma declaração messiânica. Alude a Jesus, do qual
Zorobabel é um modelo. Ele é chamado de “meu servo”, em 2.9 e é um “anel de selar”,
símbolo de autoridade real. São dois termos muito fortes para se usar com um homem, dentro
do contexto em que Ageu vivia. Ambos têm conotação messiânica. O anel de selar era levado
pelo rei em sua mão e com ele o rei assinava os documentos reais, autenticando-os. Zorobabel
é o autenticador da obra de Deus. Ele é o sinal de Deus ao mundo.

Uma síntese de Ageu: o templo é o lugar onde a glória de Deus


brilhará mais que no passado, há um servo que é também “anel de selar”, há momentos
escatológicos, há céus e terra abalados, há promessa de um dom messiânico, a paz, que será
dada no templo. Tudo isto acena para um messias que extrapola a figura humana de
Zorobabel. A questão fundamental é que o povo de Deus está, novamente, sob a direção de
alguém da família de Davi, até que um dia, aquele de quem Davi e Zorobabel foram símbolos,
o messias esperado, Jesus de Nazaré, ocupe o trono definitivamente (Ap 22.16). Lembremos
que Jesus descende de Davi (Mt 1.1) e também de Zorobabel (Mt 1.12).

2. ZACARIAS –É contemporâneo de Ageu, provavelmente mais jovem que ele. É um profeta


bem messiânico, deixando indicativos de um tempo futuro que não poderia se cumprir no
tempo de Zorobabel. Seria estranho que Ageu fosse um promotor de uma possível elevação de
Zorobabel ao trono e seu contemporâneo e companheiro, Zacarias, ignorasse por completo tal
idéia. As visões deste profeta são oito e têm um clímax na coroação de Josué (nome idêntico
ao de Jesus) como símbolo do messias-renovo. Sintetizemos suas visões para uma
compreensão do conceito de aliança e do messias.

1a visão) Os cavalos (1.7-17) -O personagem principal é um cavaleiro sobre um cavalo


vermelho. É o anjo do Senhor. Atrás dele há três grupos de cavalos, agrupados pela cor.
Percorrem a terra (Palestina) e está em paz. Jerusalém será reedificada (v. 16) e será
“escolhida” (v. 17). A aliança do passado será refeita.

2a visão) Os quatro chifres e os quatro ferreiros (1.18-21) -Trata da derrota das forças hostis a
Judá e Israel, que os derrotaram e oprimiram. Foram juízos enviados por Deus, mas serão
julgados. A soberania de Deus na história e na consecução de seus planos se nota aqui: ele usa
quem quer, quando quer e nada fica devendo a quem usou. Foram potências disciplinadoras
trazidas por Deus, mas serão julgadas.

3a visão) Jerusalém é medida (2.1-5). É uma figura messiânica: Jerusalém em paz, sem muros,
Iahweh será um fogo ao seu redor. Um quadro de proteção. Homens e animais viverão juntos,
como em Isaías 11.6-8. O VT vai chegando ao fim mostrando o reino do messias como a
restauração do mundo ideal de Deus.

4a visão) O sumo sacerdote Josué é acusado por Satanás e justificado por Deus (3.1-10). Ele é
um símbolo da nação. Iahweh Sebaoth o purifica e anuncia o ser “servo, o Renovo” (v. 8). É um
texto messiânico. A iniquidade será tirada num só dia (v. 9). Acabará o perdão anual, no Yom
Kippur. Haverá um perdão eterno e uma vida de harmonia entre os homens (v. 10). O reino do
messias se avizinha. E trará perdão que será conseguido em um só dia, na cruz do Calvário, por
Jesus Cristo. O seu perdão é para sempre, como o livro de Hebreus mostra.
5 avisão) O castiçal de ouro e as sete lâmpadas (4.1-14). São símbolos da onisciência de Iahweh
Sebaoth, conhecedor e detentor da história. Há dois ungidos, Josué e Zorobabel,
representando o poder espiritual e o poder temporal. Josué tem a unção sacerdotal e
Zorobabel, tipo do messias, do futuro Davi, terá a unção real. O messias , Jesus (de que o nome
Josué é uma variação) encarna em sua vida o poder sacerdotal e o real. Descende de Arão (Mt
1.3-4), tendo poder sacerdotal. Descende de Zorobabel (Mt 1.11-12), tendo, portanto, poder
real. Rei e sacerdote se fundirão numa só pessoa. O choque entre o poder religioso e o
teológico, visto muitas vezes nos profetas, cessará. A perfeita teocracia virá com o reinado do
messias.

6a visão) Um rolo voante (5.1-4). As dimensões do rolo são as do pórtico do templo de


Salomão. Não deve ser mera coincidência. Trata da maldição (Dt 28 mostra bem o conceito de
maldição) que virá sobre os pecadores no tempo messiânico. O tempo do messias traz juízo,
também. Este conceito mostra a noção de moralidade que o Antigo Testamento exibe em suas
páginas, sobre Iahweh e o mundo.

7a visão) A mulher e o efa (5.5.-11) -O efa era um barril usado para medir farinha, com
capacidade de 22 litros. Insuficiente, portanto, para caber uma pessoa. Mas dentro dele há
uma mulher, que é a face do mal. Ela é levada de volta para sua terra, Sinar (v. 11), que é
Babilônia. A nova comunidade está rompida com o mal. Parece que a visão aqui é, do ponto de
vista histórico, mostrada como estritamente para aquele tempo, demonstrando Judá sem a
presença da idolatria e corrupção babilônicas. A aplicação a ser feita é que o novo tempo não
terá a corrupção do mal babilônico, símbolo do poder maligno.

8a visão) Os quatro carros (6.1-8) -São patrulhas de Deus velando pelo seu povo. Novamente o
contexto, historicamente, parece restrito a Judá, mas logo a seguir vem o texto de 6.9-15
mostrando a coroação de Josué e o Renovo. Estranhamente, como oposto do que se deveria
esperar, o Renovo não é Zorobabel. A teoria de ter sido ele coroado rei ou ser o livro de Ageu
um panfleto político para sua coroação, esbarra aqui: o Renovo é um sacerdote. É a função
sacerdotal do messias, que Josué tipifica, que é mostrada.

O significativo em Zacarias é que toda esperança de Judá está no messias vindouro. Ele, só ele,
é a esperança da nação. O período pós-cativeiro serve para refazer a teologia judaica, tirando
sua idéia de um reino meramente humano e remetendo as expectativas nacionais para a
época messiânica. As visões de Zacarias mostram o cuidado de Iahweh pelo seu povo, mas
tudo está ligado ao período do messias. Que trágica a declaração de João: “veio para o que era
seu, mas os seus o rejeitaram…”.
3. MALAQUIAS –Neste profeta a questão mais importante é o conceito do “dia”, mostrado de
forma bem clara em 3.2 e 4.1-3. Trata-se do yom Iahweh, o dia em que Iahweh exaltaria Israel
sobre os pagãos, destruindo-os. Ainda trazia um resquício de uma era neo-davídica, em que
Israel reencontraria sua grandeza e triunfaria sobre os inimigos. Muito da frustração de
derrotas, de cativeiros, de esperanças derrubadas se projetaram aqui. Mas Malaquias traz uma
surpresa para a teologia popular: o yom Iahweh virá, mas não como esperado pelo povo. Será
trazido por um “anjo da aliança”, um mensageiro do berith. Não é tanto um novo Davi, em
Malaquias, quem procede a um refazimento da aliança. Um mensageiro precederá o “Anjo da
Aliança”, aquele que fará o novo pacto com o povo. Mas não será dia de exaltação, como se lê
em 3.2. Será dia de juízo, porque será dia de fogo e fogo sempre é mostrado na Bíblia como
elemento de juízo. Este Anjo, que pode ser muito bem compreendido como sendo o messias
esperado, fará uma obra de purificação (3.3) e assim a oferta dos judeus (seu culto) será
novamente aceitável (3.4). A obra do messias será a de propiciar o bom relacionamento entre
Judá e Iahweh. Ele será o reconciliador. Vemos isso muito na apresentação que o apóstolo
Paulo faz de Jesus, o mensageiro, o portador da nova aliança, principalmente em 2Coríntios
5.18.

4. Uma síntese da teologia pós-exílica –A aliança foi reinterpretada. Não se tratava mais da
grandeza material de Israel nem de um novo Davi com os traços do Davi histórico. A aliança é
espiritualizada e o novo Davi passa a ser o messias. Judá, agora chamado de Israel, torna-se
uma comunidade não mais monárquica, mas hierocrática (uma nação sob um governo de
sacerdotes), vivendo ao redor do seu templo e em expectativa do messias por vir, como se
disse anteriormente. Judá será cuidado por Iahweh, mas a possibilidade disto acontecer reside
no seu relacionamento com o messias. Figuradamente, o governo do messias é mostrado
como sendo um reino edênico, com o mal aniquilado, e com todos vivendo em segurança. Esta
foi a expectativa que ficou dos pós-exílicos. E o volume de informações que mostram esta
expectativa é significativamente grande, se entendermos que a literatura pseudepígrafa, a
apocalíptica e alguns dos trechos de Qumram refletem esta visão pós-exílica. Isto, o mundo
edênico, nunca aconteceu. Como cristãos, interpretando o Antigo Testamento pela chave
hermenêutica correta, que é Jesus Cristo, sabemos que isto só acontecerá quando do retorno
do messias rejeitado, que virá em poder e glória.

Assim, o Antigo Testamento chega ao fim. Incompleto. A mensagem está em suspenso. A


última palavra ainda não foi dita. Ficou por dizer. Quem o leia e desconheça o Novo
Testamento, ficará pelo meio do caminho. Até que compreenda onde ele termina: “Havendo
Deus, outrora, falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes
últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual
também fez o universo” (Hb 1.1). E sabedores, que o Filho, Jesus Cristo, é a chave
hermenêutica para se compreender toda a Bíblia, inclusive o Antigo Testamento, façamos a
oração última das Escrituras, em Apocalipse 22.20: “Amém! Vem, Senhor Jesus!”. Seja esta a
nossa esperança.
BIBLIOGRAFIA PARA ESTA MATÉRIA

COELHO FILHO, Isaltino Gomes, Ageu, Nosso Contemporâneo, JUERP

BALDWYN, Ageu, Zacarias e Malaquias, M. Cristão/V. Nova

SCHWANTES, Ageu, Sinodal

MEYER, Zacarias, Profeta da Esperança, Vida

COELHO FILHO, Isaltino Gomes, Malaquias, Nosso Contemporâneo, JUERP

KELLEY¸ Malaquias: Reavivar El Fuego de la Fe, Bautista de Publicaciones

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