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CAPÍTULO I
ESPAÇO - Adro da Igreja de Santa Maria da Vitória, vulgarmente conhecido como Batalha.
PERSONAGENS
• Afonso Domingues era um velho, de aspeto venerável, com uma comprida barba branca.
Tinha as faces fundas, "as maçãs do rosto elevadas, a fronte espaçosa e curva e o perfil do
rosto quase perpendicular". Trazia vestido um gibão escuro e sobre ele uma capa curta. Na
cabeça tinha uma touca. Apesar de cego e dos membros trémulos e enrugados, percebe-se
que o seu ânimo continuava inflamado de vida e que fora um homem de engenho, arte e
trabalho. Sentia-se marginalizado, menosprezado e revoltado por lhe ter sido retirada a
direção da construção do mosteiro, agora que estava cego; ele que, para além de cavaleiro ao
pelo rei. O sentimento de revolta que deixa transparecer deve-se, por isso, não só ao seu
afastamento mas também ao facto de ter sido substituído por um estrangeiro, quando
acreditava que esta deveria ser uma obra que só um português poderia assumir e conduzir,
•Frei Lourenço Lampreia - Padre-prior do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, era um homem
velho, de "tez macilenta" e com "barbas e cabelos grisalhos". O seu estatuto (ser considerado
um conceituado teólogo português) bem como o facto de ter sido confessor do rei D. João I
• Frei Joane - Padre procurador do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, era ainda
teimoso, impaciente e pouco flexível, sobretudo no que à disciplina monástica dizia respeito.
• Ana Margarida - Velha ama de Afonso Domingues, era uma mulher trabalhadora e dedicada
ao mestre.
• Afonso Domingues / Frei Lourenço Lampreia - respeito mútuo, dadas as qualidades que
cada um reconhece no outro. Afonso Domingues sente à vontade para desabafar com o
padreprior e este chega a comover-se e a apiedar-se do velho cego.
• Afonso Domingues / Frei Joane - relação distante entre os dois homens; Frei Joane, apesar
de ouvir os desabafos de Afonso Domingues, nunca se dirige a ele e demonstra não o
compreender.
Ouguet, Afonso Domingues recusa-se a aceitar que ele o tenha substituído, não só porque o
projeto inicial era de sua autoria, mas por considerar que um estrangeiro que não viveu a crise
política de 1383-1385 nunca seria capaz de edificar uma obra que representa a especificidade
• Afonso Domingues / D. João I - D. João I tem uma grande estima e consideração por Afonso
Domingues; este, por seu lado, sente-se ultrajado e menosprezado por causa do seu
afastamento forçado. Considera que a tença que lhe foi concedida não paga a glória nem a
imortalidade e que seria merecedor dela pelos seus feitos enquanto cavaleiro.
NARRADOR
Vitória, vulgarmente chamado da Batalha, fervia o povo..." (Il. 23-24); quanto à focalização é
omnisciente: "Mas não era para ouvir a missa conventual que o povo se escoava pelo
profundo portal do templo para dentro do recinto sonoro daquela maravilhosa fábrica; era
para assistir ao auto da adoração dos reis" (Il. 29-31); externa: "Dois frades estavam em pé no
limiar da porta e altercavam em voz alta: de vez em quando, pondo-se nos bicos dos pés e
Aljubarrota, ao lado de D. João I; no facto de considerar uma afronta ter sido substituído por
considerar que o Mosteiro da Batalha não é "obra de reis [...I mas nacional, mas popular, mas
da gente portuguesa, que disse: não seremos servos do estrangeiro e que provou seu dito" (II.
224-226).
RECURSOS EXPRESSIVOS
• Comparação - "Era um destes formosíssimos dias de inverno mais gratos que os de estio" (II.
4-5); "aquelas multidões, vestidas de cores alegres e semelhantes, no seu complexo, a
•Enumeração - "mainéis rendados, peças dos fustes, capitéis góticos, laçarias de bandeiras,
cordões de arcadas..." (Il. 56-57); "cada coluna, cada mainel, cada fresta, cada arco era uma
• Metáfora — "a natureza [...] rasgando o denso véu da estação das tempestades" (ll. 21-22);
"este mosteiro que se ergue diante de nós era a minha Divina Comédia, o cântico da minha
alma" (ll.184--185)
• Personificação — "em que os raios de Sol, [...] estirando-se vívidos e trémulos [...] errando
por entre os troncos pardos dos arvoredos despidos pelas geadas" (LI. 6-9); "em que a
SÍNTESE
Ao meio-dia de 6 de janeiro de 1401, o povo desloca--se em massa à Igreja de Santa
Maria da Vitória para assistir ao auto da adoração dos reis. Enquanto a multidão aguarda no
interior da igreja, um velho cego, sentado numa pedra, vai avaliando com as mãos o trabalho
que está a ser realizado no mosteiro, ao mesmo tempo que dois frades discutem sobre a
Lampreia dirige-se a ele e este aproveita para se lamentar do facto de ter sido afastado,
enquanto arquiteto, da direção das obras por estar cego. O Frade tenta reconfortá-lo, dizendo-
lhe que o rei continua a reconhecer o seu mérito e que, por isso, lhe concedeu uma tença, mas
Afonso Domingues advoga que essa gratificação se deve sobretudo ao seu desempenho como
cavaleiro na batalha de Aljubarrota e que não pagaria nem a glória nem a imortalidade.
Manifesta, ainda, a sua revolta pelo facto de a obra ter sido entregue a um estrangeiro que
interrompida pela ama do mestre que o vem buscar para a ceia e nesse instante vê-se a chegar
CAPÍTULO II
ESPAÇO — Interior da Igreja de Santa Maria da Vitória (no local onde é celebrado o auto e na
Casa do Capítulo).
•D. João I — "Plebeu por herança materna, nobre por ser filho de D. Pedro I", era um rei muito
popular e amado pelo povo, sentimento que reconhecia e pelo qual se sentia muito grato.
Trazia uma espécie de capa de veludo carmesim sobre o brial, uma carapuça de pano preto e
um falcão adestrado para a caça. Era um homem de poucas formalidades, risonho, mas que
sabia também ser severo, quando a situação o exigia. Não temia os inimigos e sabia
Afonso Domingues.
embora ostentasse uma barriga avolumada, pelas grandes quantidades de líquido que ingeria.
Tido como um bom homem, percebia-se, no entanto, o seu egocentrismo, já que os seus
interesses eram colocados acima de quaisquer outros, bem como a sua ambição e vaidade. Era
responsável pelas suas obrigações, prudente. prático, eloquente, brioso e seguro do seu
trabalho, fazendo questão de realçar os seus dotes e talento como arquiteto. Apesar de
contratado por D. João I, evidenciava desprezo pelo povo português e pelo arquiteto a quem
sucedeu, embora tentasse dissimular essa sua altivez. Foi cavaleiro do duque de Lencastre e,
por isso e pelo facto de ter comprovado ter atingido o "grau de mestre na sociedade secreta
repreende Mestre Ouguet quando fala sobre Afonso Domingues com pouco respeito. Mestre
Ouguet, embora pretenda agradar ao rei, não se coíbe, no entanto, de mostrar algum
• D. João I/ Afonso Domingues — D. João I revela uma enorme estima pelo arquiteto
• Mestre Ouguet / Afonso Domingues — Embora declare venerar Afonso Domingues, Mestre
Ouguet menospreza o arquiteto português por considerar que lhe falta saber teórico.
plural, quando assume o seu relato): "Foi o caso: quando a cavalgada de que fizemos menção
espalhar um sussurro, que cada vez crescia mais". (ll. 15-18); Quanto à focalização, é
omnisciente: "David Ouguet era bom homem, excelente homem: não fazia aos seus
externa: "Chegando à porta do mosteiro, onde o esperava já Frei Lourenço com parte da
comunidade, apeou-se de um salto e, com rosto risonho e a mão no barrete, agradeceu sua
cortesia e aquelas mostras de amor aos populares, que gritavam, apinhados à roda dele" (ll.
28-31).
tendo sido "eleito por uma revolução" e ser "o mais popular, o mais amado e o mais acatado"
de todos os reis da Europa, pelo que o povo, à sua chegada, grita "Viva D. João I de Portugal;
morram os Castelhanos" (ll- 31-32). Visível, ainda, nas palavras elogiosas que D. João tece em
relação a Afonso Domingues, enquanto maior arquiteto português e responsável por uma obra
que "causa assombro" aos ingleses e, por contraste, no tom de escarninho com que Mestre
RECURSOS EXPRESSIVOS
• Comparação — "De repente, toda aquela multidão se agitou, remoinhou pela igreja e
principiou a borbulhar pelo portal fora, como por bico de funil o líquido deitado de alto." (II.
19-21); "porque o povo, bem como o tigre, mistura sempre com o rugido de amor o bramido
• Enumeração — "David Ouguet era um irlandês, homem mediano em quase tudo; em idade,
em estatura, em capacidade e em gordura" (ll. 64-65); "de Santarém aqui é uma corrida de
cavalo; muito mais para quem, em vez de cota de malha, arnês e braçais, traz vestidos de
• Metáfora — "seria capaz de se empoleirar sobre o cadáver de seu pai para tocar a meta de
qualquer desígnio ambicioso." (ll. 77-78); "Com três lições de frases ocas, dava pano para se
SÍNTESE
Assim que D. João I chega ao mosteiro é recebido em apoteose pelo povo, que sai da
igreja para o aclamar. Depois de se recusar a tomar uma refeição e a descansar nos seus
aposentos e tendo manifestado vontade de ver a Casa do Capítulo, foi encaminhado para o
local por Frei Lourenço e por Mestre Ouguet que lhe confessou ter tomado a ousadia de
alterar o projeto de Afonso Domingues por achar que a "planta geral contrastava as regras da
arte" que tinha aprendido. D. João pergunta-lhe, então, se ele comunicou essa sua alteração
ao arquiteto português e, tendo respondido que não, o rei chamou-o à atenção para o facto de
Afonso Domingues ser considerado o maior arquiteto português e de a sua obra fazer furor
também em Inglaterra. Porém, como a luz do dia era já escassa, D. João adiou para o dia
manifestando a intenção de ir assistir ao auto da adoração dos reis. Assim que o rei abandona
selvagens" mas, ao atentar na "maciça abóbada" da Casa do Capítulo, corre esbaforido, como
CAPÍTULO III
ESPAÇO — Interior da Igreja de Santa Maria da Vitória (no Local onde é celebrado o auto e na
Casa do Capítulo).
PERSONAGENS
• Diabo — Assume uma postura espalhafatosa, não só por se apresentar "vestido de peles de
cabra, com um rabo que lhe arrastava pelo tablado e seu forcado na mão" mas também pelas
suas constantes caretas, "trejeitos e esgares" bem como pela sua faceta de palhaço.
• Idolatria — Surge com uma postura queixosa, por recear deixar de ser alvo de culto.
• Fé — Assume uma postura perentória em relação à Idolatria, ao afirmar que desde sempre
• Esperança — Dotada de virtude e submissa a Deus, a sua missão era apontar o caminho reto
à Humanidade. Além disso, pugnava pela igualdade entre todos e, por isso, é acusada de ser
• Caridade — Adota uma postura firme; proclama que todos os Homens são iguais e que Deus
coroas na cabeça".
• Mestre Ouguet — Irrompendo pela multidão, revela um estado de profunda loucura, visível
nos "cabelos desgrenhados", na "boca torcida e coberta de escuma" e nos "olhos esgazeados".
Em delírio total, lança imprecações contra Afonso Domingues, responsabilizando-o pelo seu
• Frei Lourenço — Crente em Deus, não hesita em exorcizar Mestre Ouguet por o considerar
desenrolar do auto, tendo-se mostrado absorto e passivo, quando Mestre Ouguet irrompe
intempestivo pela Igreja. No entanto, quando a situação assim o exige, revela-se firme e
ainda que se tenha deixado mover com a queda da abóboda da Casa do Capítulo.
•Fé, Esperança e Caridade / Idolatria, Diabo e Soberba — Revelam uma relação de oposição,
•Mestre Ouguet / Afonso Domingues — Mestre Ouguet nutre ódio por Afonso Domingues, a
quem apelida de maldito e feiticeiro e a quem atribui a culpa do seu desaire como arquiteto.
•Mestre Ouguet / Frei Lourenço — Mestre Ouguet destila o seu ódio sobre o frade por o
exorcizá-lo.
plural, quando assume o seu relato):”. Pela mesma porta da sacristia saíram logo as primeiras
figuras do auto, as quais, descendo ao longo da nave, subiram ao cadafalso pelas pranchas de
que fizemos menção" (II. 18-20). Quanto focalização, é omnisciente; "Supor que endoidecera
parecia grande despropósito; porque nenhum motivo havia para tal lhe acontecer, quando
merecera os gabos de el-rei e de todos, por levado a cabo a grandiosa obra que lhe estava
encomendada. Estes e outros raciocínios, hoje ridículos, mas, segundo as ideias daquela época,
bem fundados e correntes, fazia o reverendo padre-procurador Frei Joane" (II. 189-193);
externa: "Dizendo isto, Frei Lourenço chegou-se a el-rei e disse-lhe o que quer que fosse. Ele
escutou-o atentamente, e, tanto que o prior acabou, assentou-se outra vez na sua cadeira de
espaldas e fez sinal com a mão aos fidalgos e cavaleiros para que também se assentassem" (ll.
205-208).
populares portuguesas e no facto de D. João I declarar que nada que seja natural é "capaz de
RECURSOS EXPRESSIVOS
• Comparação — "Milhares de olhos estavam fitos nesse vulto, que semelhava uma larva de
condenado saída das profundezas para turbar a festa religiosa." (ll. 179-181); "E houve um
momento de angústia e terror, em que todos os corações deixaram de bater, e em que todos
os olhos, braços e pernas ficaram fixos, como se fossem de bronze." (Il. 248-250).
• Enumeração — "Enfim, um homem, rompendo por entre a multidão, sem touca na cabeça,
cabelos desgrenhados, boca torcida e coberta de escuma, olhos esgazeados, saltou para
dentro da teia" (Il. 151-153); "A estas palavras, rei, cavaleiros, frades, povo, tudo se pôs de
sustentá-los com fumo" (ll. 46-47); "Belchior não pôde continuar, com grande dissabor do
poeta, que via murchar a coroa de louros que neste auto esperava obter." (Il. 147-148).
• Personificação — "um segundo grito soou e veio morrer sussurrando pelas naves da igreja
quase deserta." (ll. 283-284); "a lua, que passava tranquila nos céus, refletia o seu clarão pálido
SÍNTESE
intervenção das seis figuras alegóricas representativas das virtudes e dos vícios humanos e na
altura em que os reis magos fazem o seu discurso de adoração ao menino, a cerimónia é
interrompida por Ouguet, que entra na igreja em estado de delírio, praguejando contra Afonso
arquiteto estava possuído pelo demónio, Frei Lourenço começa a exorcizá-lo e o homem acaba
por cair estatelado no chão. Nessa altura, ouve-se um grande estrondo que assombra a
multidão. D. João I de imediato prontifica-se a averiguar o que se tinha passado e, seguido pela
sua comitiva, pelos frades e por uma parte substancial do povo, dirige-se à Casa do Capítulo e
PERSONAGENS
• D. João I — Apesar de se sentir injustiçado e incrédulo, quando sabe o que pensa Afonso
Domingues sobre o seu afastamento das obras do mosteiro, D. João I revela não ser orgulhoso
obra. No diálogo que trava com Afonso Domingues, começa por demonstrar ser sincero,
humilde e piedoso. No entanto, quando o cego lhe faz frente, mostra-se altivo mas, servindose
da sua eloquência, deixa transparecer de novo a sua humildade, generosidade, patriotismo
e ser magnânimo quando não alimenta as querelas entre João das Regras e Nuno Álvares
Pereira.
• João das Regras — Tido como um cavaleiro honrado e muito nobre, era um dos principais
conselheiros do rei, a par de Nuno Álvares Pereira. Revela ser conflituoso e submisso à força
estimado pelo rei. Percebe-se que sente algum desprezo pelas práticas religiosas.
confessar que, apesar de não se recordar de tudo, a sua reação durante a cerimónia tinha sido
• Frei Lourenço - Fiel. ao rei, nada lhe esconde e, por isso, põe-no a par da conversa que tinha
tido no dia anterior com Afonso Domingues. Revela ser um homem colérico e irónico, quando
o provocam.
• Afonso Domingues - Bom e honrado português, cego, mouco e coxo, começa por adotar
coibindo de dizer ao rei que ficou ofendido com o seu afastamento. Revela ainda uma faceta
profética, comprovativa do seu talento, quando admite ter sabido de antemão que a abóbada
iria desabar. Porém, face ao pedido do rei de voltar a dirigir as obras de mosteiro, Afonso
que não valoriza os bens materiais, mas os da glória e da imortalidade. Acaba por se comover e
aceitar conduzir as obras, pois acredita nas suas capacidades e no seu talento.
• D. João I /Afonso Domingues - Apesar de terem mantido uma relação de mútuo respeito e
reconhecimento, o arquiteto português ficou ressentido com o seu rei por ter sido afastado da
João, admitindo que as suas almas eram gémeas e que. só os dois reconheciam o real valor
• D. João I / João das Regras - D. João reconhecia a importância de João das Regras para a sua
regência e, por isso, evitava desaguisados entre ele e Nuno Álvares Pereira. João das Regras,
• João das Regras / Afonso Domingues - João das Regras revela uma atitude pouco amistosa
em relação a Afonso Domingues (o cego foi homem de armas de Nuno Álvares Pereira; prefere
que Ouguet continue como mestre de obra em nome da aliança com Inglaterra)
• João das Regras / Nuno Álvares Pereira - Embora desempenhando um papel de igual
relevância junto do rei, João das Regras e Nuno Álvares Pereira têm uma relação conflituosa,
não se coibindo de dar provas do seu valor; o chanceler, apelando à sua sapiência; o
esperava, em pé, as ordens do seu real senhor. O quadrante do terrado contíguo apontava
meio-dia." (ll. 11-12); Focalização omnisciente: "El-rei sentiu a piedade coar--lhe no coração
cego, que soluçava e tremia sem soltar uma só palavra." (ll. 162-164).
enquanto marco de urna revolução coletiva a favor da independência do reino e nas palavras
elogiosas com que se refere, orgulhosamente, ao povo português. É ainda visível na forma
sentida com que Afonso Domingues explica o significado de âmbito nacional que a sua
projeção do mosteiro pretende transmitir, no seu orgulho por ter lutado contra os castelhanos
na batalha de Aljubarrota, no elogio que faz à liberdade tão querida e desejada havia poucos
anos pelo povo português e no facto de ter exigido ter como colaboradores artífices
portugueses. Manifesta-se também, por contraste, no facto de João das Regras estar disposto
a abdicar de um grande mestre português para agradar aos aliados ingleses.
RECURSOS EXPRESSIVOS
• Comparação - "Se estes olhos não tivessem feito com que eu fosse posto de banda como
uma carta de testamento antiga, que se atira, por inútil, para o fundo de uma arca" (ll. 114-
115); "var-rê-la-ei da memória, como o entalhador varre as lascas e a pedra moída pelo cinzel
• Enumeração - "vós tendes um cetro e uma espada; tendes cavaleiros e besteiros; tendes
• Metáfora - "A sua grande canseira é que ninguém saberá continuar a edificação do mosteiro
ou, como ele diz, prosseguir a escritura do seu livro de pedra" (II. 56-58); "D. João I, que
conhecia serem esses dois homens as pedras angulares do seu trono, escutava-os sempre com
situação ocorrida no dia anterior e consultarem o projeto idealizado por Afonso Domingues, D.
João manda chamá-lo, disposto a restituir-lhe o cargo de mestre das obras do mosteiro. O
arquiteto português, ferido no seu orgulho, recusa a proposta. Então o rei, adotando uma
cabo no prazo de quatro meses. Esta recondução do arquiteto português acaba por desagradar
a João das Regras, por estar convencido que seria mais conveniente assegurar a permanência
de Mestre Ouguet, como forma de garantir as boas relações com os aliados ingleses.
CAPÍTULO V
TEMPO - Cerca do meio-dia do dia 7 de maio de 1401 até dia 10 do mesmo mês e ano. o.
PERSONAGENS
• D. João I - Tido como um verdadeiro cavaleiro português, revela ser um homem de palavra,
protetor da pátria, nos confrontos que mantém com os castelhanos (e daí surgir na Batalha
devidamente armado), sensível e solidário com o povo, até pelas suas origens, perspicaz.
Mostra-se humilde e modesto, quando recebido por Frei Lourenço, embora tenha sempre bem
cientes as suas responsabilidades enquanto rei. Por outro lado, é manifesta a sua crença em
Deus, já que é sua intenção pedir o Seu o auxílio na luta contra os castelhanos, durante o
tempo em que aguarda que a ponte fique pronta. É visível também uma faceta humorística e
irónica, quando, dialogando com Brites de Almeida, lhe diz que faz questão de agora
retribuir aos castelhanos as constantes visitas que fizeram a Portugal, e a sua generosidade e
reconhecimento do mérito, quando doa a Ana Margarida "as casas em que o mestre morava"
• Martim Vasques - "De rosto comprido, tez queimada, nariz aquilino, olhos pequenos e
vivos", revela ser um homem de confiança de Afonso Domingues a quem este reconhece
grande talento. É evidente também a sua humildade. Por outro lado, manifesta ser
• Frei Lourenço - Fiel ao rei, revela a sua afeição por D. João na forma como o recebe em sua
casa. Demonstra também ser humilde, responsável e disciplinado, na medida em que está
• Afonso Domingues — Revela ser um homem com uma grande força de vontade e de
escrupulosamente os votos que fez. Além disso, é evidente ser um homem talentoso, até
porque todos o reconhecem, bem como extremamente honrado. Faz transparecer também
ódio que evidencia pelos castelhanos e na forma como, no confronto entre estes e os
portugueses, no passado, acabou por matar sete deles, ato que lhe tinha valido o eterno
reconhecimento de D. João I.
cumprido com a palavra. Afonso Domingues acaba por dar a vida pela sua obra tão amada e D.
João, reconhecido e grato pela sua atitude e grandiosidade, manda erigir uma estátua em sua
homenagem.
ao sugerir que, se algo lhe acontecesse, o seu melhor sucessor seria Mestre Ouguet; o
NARRADOR — Quanto à presença, é heterodiegético (ainda que a passos adote a 1." pessoa do
plural, quando assume o seu relato): "Antes de partir de Lisboa, D. João I mandara sair dos
cárceres em que jaziam bom número de criminosos e de cativos castelhanos, que, com grande
pasmo dos povos, e rodeados por uma grossa manga de besteiros, tomaram o caminho da
Batalha, sem que ninguém aventasse o motivo disto" (Il. 50-53); Focalização omnisciente:
"Tinham chegado àquele sítio a 5 de maio, e no seguinte dia el-rei partira aforradamente para
a Batalha, porque não se esquecera de que os quatro meses que pedira Afonso Domingues
para alevantar a abóbada eram passados e fora avisado por Frei Lourenço de que a obra
estava acabada, mas que o arquiteto não quisera tirar os simples senão na presença de el-rei."
(Il. 45-49); externa: "El-rei, o prior e o arquiteto ainda se demoraram um pedaço, falando
acerca da obra e do que cumpria fazer no prosseguimento dela; mas o cego dissera o que quer
que fora, em voz baixa, ao rapaz que o acompanhava, o qual saíra imediatamente, e que só
voz do povo, se manifesta contra os castelhanos, disponibilizando-se para lutar com eles, na
intenção de D. João "retribuir" aos castelhanos as múltiplas visitas feitas aos portugueses e no
facto de Afonso Domingues ter êxito na construção da abóbada, o que funciona como um
RECURSOS EXPRESSIVOS
•Comparação — "Os presos ergueram-se [...] o terror fazia-lhes crer que já sentiam ranger e
estalar as vigas dos simples e que, às primeiras pancadas, as pedras desconformes da abóbada,
enroscada na planta viçosa do horto" (Il. 175-179); "Também a abóbada estava firme, como se
▪ Enumeração — "Durante estes quatro meses os sucessos políticos tinham trazido D. João I a
Santarém, onde se fizera prestes com bom número de lanças, besteiros e peões" (II. 33-34);
"Passada uma hora, aquele montão de vigas, barrotes, tábuas, cambotas, cabrestantes, réguas
e travessas tinha passado pela cresta fora em colo de homens" (ll. 235-236).
• Metáfora — "Quem, se vós morrerdes, continuará esta fábrica, tão formosa filha de vosso
engenho?" (ll.198-199); "Frei Lourenço rezou em voz baixa uma oração fervente pela alma
generosa que, até o último arranco, escrevera sobre o mármore o hino dos valentes de
Aljubarrota." (ll.272-274).
SÍNTESE — O capítulo inicia com uma breve retoma dos acontecimentos ocorridos
João de que colocaria ao serviço do arquiteto os artífices portugueses que estavam a trabalhar
reacenderam e que está a ser construída uma ponte de barcas em Tancos, para se proceder a
um assalto contra as forças espanholas. É, pois, enquanto se aguarda pela edificação da ponte,
no dia 7 de maio, volvidos os quatro meses de prazo pedido por Afonso Domingues, que D.
João se desloca à Batalha para assistir à retirada dos simples da abóbada, acompanhado de um
grande número de prisioneiros que são convidados a entrarem na Casa do Capítulo, sendo
usados como cobaias, por receio de que a abóbada pudesse voltar a ruir e matasse inocentes.
É nessa altura que D. João I fica a saber que Afonso Domingues fez o voto de se colocar por
debaixo da abóboda, assim que os simples fossem retirados, durante três dias, sem comer
nem beber. O facto é que a abóbada não caiu e os prisioneiros foram libertados. Mas, ao cabo
de três dias, quando Afonso Domingues se preparava para abandonar o local porque, se a
abóboda não tinha caído até ao momento, nunca cairia, as suas forças esgotam-se e ele acaba
por sucumbir. Todos choraram e lamentaram o sucedido. D. João I mandou construir uma
estátua em sua homenagem para ser colocada na Casa do Capítulo e até Mestre Ouguet
acabou por reconhecer que a sua morte tinha sido uma grande perda.