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HERMENÊUTICA E EDUCAÇÃO: Um Diálogo com a Realidade .

HERMENÊUTICA E EDUCAÇÃO: Um Diálogo com a Realidade* 

Elizane Pegoraro Bertineti[1]

Mara Lucia Teixeira Brum[2]

Neiva Afonso Oliveira[3]

RESUMO

O presente trabalho visa mostrar a ligação entre Educação e Hermenêutica, buscando a relação entre os
conceitos, de forma a contribuir para a compreensão da Educação voltada para a realidade. Busca-se a
compreensão da Hermenêutica como paradigma filosófico, que mostra como a arte da interpretação pode
oferecer uma nova forma de organização da educação, ou seja, uma educação voltada ao diálogo e à
análise da realidade. Ao longo do texto, o conceito hermenêutica é tematizado em sua importância para a
compreensão da educação enquanto formação humana e como possibilidade da retomada do diálogo e da
reflexão no meio educacional.

Palavras-Chave: Hermenêutica, Educação, Diálogo, Realidade.

1 INTRODUÇÃO

            A Educação enquanto conceito vem sendo discutido ao longo dos séculos pela sociedade, uma vez
que o homem, sempre buscou uma melhor forma para poder se relacionar com os outros. Pode-se fazer
uma analise hermenêutica que desde o período da Grécia antiga, os poetas é que eram os educadores da
cidade, e por meio das declamações dos poemas, se reproduzia a historia dos seus ancestrais, e os
filósofos queriam ter essa influencia na educação da cidade, pois a filosofia tinha uma forte ligação com a
política, e era a melhor maneira de formar os cidadãos bons comprometido com a polis. Falar em
educação remete ao pensamento hermenêutico exige pensar a hermenêutica como uma forma de provar
que as verdades não são absolutas e que são inúmeras as formas de se chegar até elas. Sendo assim a
hermenêutica foge dos métodos científicos para se chegar a verdade, ela é o modo filosófico de pensar o
mundo. No que tange à Educação, a Hermenêutica como método serve como base relevante pelo fato de
que o ponto fundamental da hermenêutica filosófica é o diálogo, pois somos seres inacabados e a
compreensão sobre nós mesmos, sobre o outro e o mundo deve acontecer através da linguagem. Sendo
assim, é através do contato com o outro e com o mundo que ampliamos nossa capacidade de interpretação
e compreensão. De acordo com Hermann,

“A Educação é, por excelência, o lugar do diálogo, portanto o lugar da


palavra, da reflexão, que ultrapassa a apropriação dos conhecimentos para
nos conduzir a formação pessoal”. (Hermann, 2002, pág. 95)

            A possibilidade compreensiva da Hermenêutica dá amplitude para o sentido da Educação, ela


consegue ser mais bem esclarecida e assim ocorre uma melhor análise e compreensão do fazer
pedagógico. É também através desta possibilidade compreensiva da hermenêutica, e busca por oferecer
sentido ao que vem do outro, ao que vem do mundo, ao que está em nós, que logramos compreender o
outro e o mundo. A compreensão de nossa existência passa, necessariamente, pela compreensão que
temos do outro e do mundo..

2 HERMENÊUTICA: Breve Introdução ao Conceito

        Hermenêutica não é considerada um conceito da atualidade, segundo o filósofo Hans-Georg


Gadamer (1900-2002), autor da obra capital da hermenêutica do séc. XX, Verdade e Método, para quem a
hermenêutica é tão antiga quanto à filosofia. O termo Hermenêutica, ou a “Arte de Interpretar”, provém
do grego hermēneuein e significa declarar, anunciar, interpretar, esclarecer e traduzir e, por isso, em
vários dicionários encontramos hermenêutica como a “a arte ou a técnica da interpretação”. Significa
primeiramente a expressão de um pensamento,, por isso mesmo, explicação e, sobretudo, interpretação do
mesmo. O termo está também relacionado às questões de interpretações bíblicas, vai além de uma análise
gramatical e extrapola o contexto histórico de qualquer acontecimento bíblico, sem entretanto, negá-lo.

        A Hermenêutica tem uma origem mitológica na figura do deus Hermes, deus mensageiro, aquele que
lida com o significado. Ao longo dos séculos, foram se desenvolvendo “várias hermenêuticas” e entre elas
podemos citar a Hermenêutica jurídica, a Hermenêutica teológica e a Hermenêutica filosófica, esta última
a mais conectada à Educação e à capacidade dos educadores de compreender a realidade na qual precisam
atuar. HERMANN (2002) nos fala  da importância da hermenêutica na educação, como possibilidade de
reflexão sobre o campo educacional e de fazer novas interpretações sobre o sentido e formação do seu
modo do ser, por um debate a respeito da racionalidade que atua na ação pedagógica. Utilizando-se da
hermenêutica gadameriana, Hermann (2002) afirma que a educação é o lugar do diálogo, o lugar onde a
palavra e a reflexão ultrapassam o domínio do conhecimento e a formação do ser do educador como
profissional da educação passa por desvendar a si mesmo como ser humano, em primeiro lugar. A
Educação e a Hermenêutica, sem dúvida, têm grande importância para a transformação da realidade, pois
abrem caminhos para o aperfeiçoamento do ser humano e suas possibilidades de poder conviver melhor
consigo mesmo e com o outro. Hermenêutica e Educação acentuam a importância do diálogo na
construção de uma nova educação, conduzem a um pensar mais elaborado sobre a compreensão da
realidade  social  e da educação.

3 A HERMENÊUTICA E A COMPREENSÃO DA REALIDADE

          Falar em hermenêutica filosófica voltada para a educação e para a formação dos indivíduos,
significa dizer que dela lançamos mão para embasar o fato de que não há tempo certo para a compreensão
dos fatos, dos “conteúdos”, ou seja, a compreensão do sentido dos atos educativos depende, em primeiro
lugar, da interpretação que cada um fará do fato. Cada ser age e compreende um fato de uma forma,
baseado na realidade da qual faz parte e, conforme Hermann (2002) “,a partir de uma relação que vincula
os indivíduos.” (p.52-53) A compreensão não acontece, então, de forma isolada, desde um sujeito apenas.
Por isso, não se pode estabelecer um tempo para a construção de um conhecimento, ou somente pensar
em construí-lo através de métodos científicos, pois no processo de construção e desconstrução do
conhecimento existem diversas formas de se inserir e de conhecer a realidade na qual se insere.

        A Hermenêutica se opõe ao “Mito do Objetivismo” (Hermann, 2002), ou seja, para ela não existe
uma verdade objetiva, existe, sim, o fenômeno de compreensão. Há, sim, as experiências, que possuem
dimensão altamente positiva e educativa. Gadamer nos lembra a possibilidade educativa da experiência,
que desobscurece expectativas, trazendo a dor do crescimento. “A autêntica experiência implica acumular
compreensões que não são objetiváveis” (Hermann, p. 55).

        A hermenêutica é um modo de filosofar típico dos séculos XX e XXI e seu problema central é a
interpretação, ligada à construção do sujeito e do seu saber. Em outras palavras, a hermenêutica adquire
destaque no cenário filosófico hodierno, sobretudo devido a seu alinhamento com uma nova maneira de
filosofar que indica uma orientação para a linguagem e também uma revitalização da filosofia prática.

       Desde a mitologia, a hermenêutica possui a função de explicitar o que está escondido, de descobrir
mensagens, envolvendo a linguagem no processo de descobrir e mostrar, encobrir e revelar. A
hermenêutica foge dos métodos de chegar à verdade (científicos), sem deixar de ser, entretanto,,a forma
de desvendar e compreender o mundo. Traduz, explica, como modo filosófico de compreender o mundo,
o próprio mundo...

       Sendo a Hermenêutica o modo de compreender o mundo, e paradigma filosófico que oferece bases
para uma educação aberta a descobertas, que ocorre por meio da experiência e da compreensão do
mundo, oferece alternativas inclusive explicativas para uma educação estanque...A educação, tendo como
base a Hermenêutica como interpretação da vida e do mundo na construção do conhecimento, acaba por
ser uma crítica ao tipo de educação bancária criticada pelo autor Paulo Freire.

      A tarefa da Hermenêutica não é fazer com que as verdades sejam dadas e baseadas em simples
métodos e como impenetráveis pela realidade, pois a verdade encontra-se imersa na dinâmica do tempo.
Por ser a arte de interpretar, a hermenêutica possui como horizonte provar que a verdade não pode ser
absoluta. O alcance da verdade é propiciado pelo caráter de abertura que o método hermenêutico oferece,
o que faz com que existam inúmeras formas de se chegar até ela. DEMO (1996), afirma que a educação
não é somente uma ação de treinar o estudante, a exercer uma atividade e defende a ideia que o educando
vai construindo a sua autonomia por meio da pesquisa. Paulo Freire (1996) assevera que a educação não
deve ser uma mera transmissão de conhecimentos, mas deve criar uma possibilidade para o educando
construir o seu próprio conhecimento, baseado no conhecimento que traz, desde seu dia-a-dia familiar.
Sendo assim, interpretar a realidade à luz da Hermenêutica significa estarmos atentos à realidade social
do educando e tem a ver com valorizarmos seu conhecimento e sua bagagem cultural. Uma formação
cultural abrangente que não desvaloriza o conhecimento do educando é tarefa da hermenêutica filosófico-
educacional.

4 Hermenêutica, Educação e Formação Humana: pensando o agir pedagógico

            A Hermenêutica, enquanto paradigma e também considerada neste momento como “base” para
uma educação fundada no diálogo, na compreensão da vida e na produção significativa do conhecimento,
oferece fundamentação para uma vivência democrática e um auto-esclarecimento do agir pedagógico.

            Numa proposta democrática, a hermenêutica filosófica pode oferecer à educação e a todo seu
processo formativo a possibilidade de um exercício dialógico, contextualizado e interpretativo, ou seja,
um modo de compreensão da vivência educativa. Isto quer dizer, também, que a hermenêutica é uma
outra racionalidade, uma racionalidade que conduz à verdade, é, portanto, formativa, porque conduz à
verdade pelas condições humanas do discurso e da linguagem. Através da hermenêutica, “a educação
pode interpretar seu próprio modo de ser, em suas múltiplas diferenças.” (Hermann, 2002, p. 83) Produz
diálogo, portanto, numa dimensão criadora da compreensão e extrapola o visível imediato e vai em busca
do que não está plenamente demonstrado, mas que pode ser desvelado pelo diálogo.

         O caráter considerado dialógico do ensino torna-se possível somente a partir do que consideramos
um pressuposto hermenêutico de todo conhecimento e de toda verdade. Um método específico para
chegar ao conhecimento deixa de existir, pois a compreensão da realidade e a construção do
conhecimento passam a acontecer a partir da interpretação, numa relação dialógica entre professor e
aluno. Uma perspectiva hermenêutica na educação, portanto, exige um processo aberto, onde é preciso
ressaltar os envolvidos: educador e educando.

        Gadamer é quem afirma que, ao entrarmos numa conversação, num diálogo, sem saber como será o
resultado, deixamo-nos levar pela imprevisibilidade, o que, hermeneuticamente, é muito produtivo, uma
vez que acreditar na linearidade do conhecimento é acreditar que a própria linguagem é estável e segura,
suposição que não faz sentido na perspectiva hermenêutica A hermenêutica nos aconselha que é pelo
processo que vão se constituindo o conhecimento e a aprendizagem. Desta forma, o que denominamos
ação pedagógica não é algo isolado e que se encontra fora de todo o processo como algo neutro. A ação
dialógica é, portanto, parte do processo de construção de todo e qualquer conhecimento.

             Pensar a educação a partir da perspectiva hermenêutica significa que é necessário deixar de lado
explicações e conclusões fáceis, pois o trabalho se dá de forma complexa, por meio das ações diárias.
Pela via da hermenêutica, nega-se uma verdade estanque e exige-se a análise de um processo complexo,
onde as percepções e interpretações mudam e com elas mudam-se as verdades. Podemos dizer que a
Hermenêutica é a ligação entre o ser e a linguagem. Segundo Jürgen Habermas, o fundamento para o
saber não se baseia mais num sujeito solitário e na sua relação com o mundo objetivado, e sim, num saber
estruturado numa esfera comunicativa.

             Lançar mão da interpretação e da compreensão do sentido das várias situações educativas


significa despojamento e embora muito mencionamos a necessidade de um tal procedimento, não
podemos negar que trata-se de algo de difícil e trabalhosa execução. Trata-se de um processo complexo e
muitos entraves são encontrados. Conforme Gadamer (1998), essa forma de interpretação e de
compreensão contida na proposta hermenêutica não se dá de forma simples e livre de conflitos,
desenvolve-se diante de dificuldades, pois toda interpretação esta a mercê de arbitrariedades, de análises
precipitadas, de opiniões prévias e de conceitos pré-estabelecidos, preconceitos, em suma.
           No campo da educação, isso não é diferente e os sujeitos que se envolvem numa interpretação
hermenêutica, precisam buscar esta interpretação, lançar-se em direção a ela, precisam posicionar-se
numa situação de intérpretes. A receptividade e a abertura são características essenciais:  é preciso que o
sujeito seja receptivo e aberto ao contexto o qual busca interpretar, precisa mostrar que não é somente um
observador e, desta forma, deve salientar aos demais envolvidos, o que está pretendendo conhecer.
Analisando o pensamento moderno tecnicista, podemos dizer que a Hermenêutica auxilia o sujeito na
transformação da sua realidade a partir da interpretação e compreensão da sua atual situação, ou seja,
significa compreender para mudar.

         “A hermenêutica sempre se propôs como tarefa estabelecer o entendimento onde não há
entendimento ou onde foi distorcido” (GADAMER, 2007a, p.387). A educação, na atualidade, precisa ser
vista como a educação da diversidade, precisa ser plural, uma vez que representa uma realidade formada
por muitas realidades. Todo o processo educativo precisa ser bem pensado, ou seja, precisa ser
compreendido, através de uma interpretação cuidadosa, onde a educação possa ser de fato o lugar onde o
sujeito pode compreender a sua formação, não mais limitada a um saber objetivado e tecnicista, mas
fundamentada num movimento comunicativo e dialógico.

          A dimensão formativa da educação deve promover a autonomia, a justiça social e a dignidade


humana, e isso só poderá ocorrer de fato se o processo acontecer em uma perspectiva dialética, onde o
aluno é levado a questionar, criticar, refletir e, acima de tudo, agir. As relações que se estabelecem e as
ações desenvolvidas na escola na perspectiva de uma ação hermenêutica filosófica oportuniza ao aluno
um processo de confrontação consigo mesmo, com suas crenças, preconceitos, e ideologias, permite um
entendimento dos seus medos, das suas dúvidas, ou seja, a compreensão dos porquês e o aclaramento dos
acontecimentos que atormentam sua vida. A partir desta compreensão, se propõe uma nova construção do
ser.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

        A inclusão de uma proposta metodológica de cunho hermenêutico no campo da educação não tem
como objetivo transpor tudo aquilo que já está instalado, mas traz uma proposta autocrítica da prática
pedagógica dentro das nossas instituições de ensino, sendo que este processo deve ser baseado nos
princípios da dialética, onde se abre o espaço para que seja repensado o papel do docente e do aluno nas
práticas pedagógicas diárias e de comunicação. E do reflexo dessa ação frente aos contingentes do
cotidiano e a partir desta análise de prática, de ações e caminhos percorridos se possa na tirar uma
contribuição para propostas futuras.

       Baseada na perspectiva hermenêutica, a escola pode deixar de ser um aparelho reprodutor de


ideologias, onde se preparam pessoas para a pura obediência e alienação e pode passar a ser um placo
onde os sujeitos possam ser atuantes e possam ocupar um papel responsável pela promoção do
enfrentamento das relações de opressão e injustiças sociais.

      Podemos afirmar que é fundamental repensar as bases da educação, analisar os resultados que estamos
obtendo com o modelo educativo hoje implantado. É preciso analisar o ensino, os métodos, os conteúdos
e qual tipo de realização humana estamos tendo através destes, pois em educação não podemos lidar com
caminhos e resultados prontos e acabados.

         Concluímos, então, que a filosofia hermenêutica no que tange à Educação vem oportunizar uma
retomada do diálogo e da reflexão, onde o processo de interpretação e compreensão exige uma abertura
aos pensamentos e visões de mundo e do outro. Na perspectiva hermenêutica, a escola deixa de ser um
espaço de reprodução de conhecimento para se tornar um espaço de apropriação crítica deste
conhecimento.

Referencia Bibliográficas

DEMO, Pedro. Educar pela Pesquisa. Campinas/SP, Ed. Autores Associados, 1996.


GADAMER, H. G. Verdade e Método; traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 2. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

HERMANN, Nadja. Hermenêutica e Educação. Rio de Janeiro: DP&A.2002.

HABERMAS, Jürgen, Consciência Moral e Agir Comunicativo – Templo Brasileiro – RJ, 2003

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34°ed. São Paulo.
Ed. Paz e Terra, 1996

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