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APRENDIZAGEM E

METODOLOGIAS EM RELAÇÃO
AOS SUJEITOS COM ALTAS
HABILIDADES

BELO HORIZONTE / MG
SUMÁRIO

1 COMPREENDENDO O CONCEITO, CARACTERISTÍCAS E INCIDÊNCIA


DE 3

1.1 ALTAS HABILIDADES / SUPERDOTAÇÃO ..................................................... 3

2 IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA COM ALTAS


HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO .............................................................................. 5

2.1 Teoria das inteligências múltiplas ...................................................................... 6


2.2 Modelo dos três anéis de Renzulli ..................................................................... 7
2.3 Guia de observação de crianças dotadas e talentosas ..................................... 9

3 ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO, TALENTO E GENIALIDADE


12
4 SONDAGEM, PRECOCIDADE, IDENTIFICAÇÃO E PROGRAMAS DE
ENRIQUECIMENTO.................................................................................................. 18

4.1 Aceleração/avanço .......................................................................................... 26

5 UMA APROXIMAÇÃO CONSTRUTIVISTA À ANALISE E COMPREENSÃO


DO DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO ...................................................... 27
6 ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NO CONTEXTO
DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA .................................................................................... 42
7 ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: ARTICULAÇÃO
ENTRE O ENSINO COMUM E O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO
46
8 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ........................................................................... 52
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

1 COMPREENDENDO O CONCEITO, CARACTERISTÍCAS E INCIDÊNCIA DE

1.1 ALTAS HABILIDADES / SUPERDOTAÇÃO

Conceito

No Brasil, existe uma diversidade de termos propostos para definir a


nomenclatura utilizada para esses alunos, a saber: altas habilidades/superdotação,
precoce, prodígio, genialidade, dotação e talento. Segundo Virgolim (2007), os
documentos oficiais utilizam a terminologia AH/SD, os quais ressaltam que a
superdotação pode ocorrer em diversas áreas do conhecimento humano, seja
intelectual, social, artística, entre outras, em um continuum de habilidades, em sujeitos
com diferentes níveis de talento, motivação e conhecimento.
Conforme a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva de 2008, os alunos com AH/SD são aqueles que:
[...] demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas,
isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmicas, liderança, psicomotricidade
e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na
aprendizagem, realização de tarefas em áreas de seu interesse (BRASIL,
2008, p. 15).
Já no documento da Secretária de Educação do Estado de São Paulo, temos
que:
Superdotação: Superdotado é o indivíduo que demonstra desempenho
superior ao de seus pares em uma ou mais das seguintes áreas: habilidade
acadêmica motora ou artística, criatividade ou liderança. Altas Habilidades:
Habilidade acima da média em um ou mais domínios: intelectual, das
relações afetivas e sociais, das produções criativas, esportivas e
psicomotoras (SÃO PAULO, 2008, p. 15).
Como pode ser visto nos documentos oficiais, os alunos com AH/SD são
público-alvo da educação especial e fazem parte de um rol de minorias que
necessitam de uma reorganização do ensino, considerando suas especificidades,
para que sua escolarização seja adequada e promova seu desenvolvimento global de
forma plena. Na Política Nacional de Educação Especial de 2008, está explicitado que
o aluno com AH/SD têm direito ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) para
a suplementação dos conteúdos aprendidos na sala de aula.
No entanto, esse atendimento destinado a essa clientela é quase inexistente
em nosso sistema educacional. Embasado em Delpretto (2010), os objetivos dos
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serviços AEE são: maximizar a participação do aluno na classe comum do ensino


regular, beneficiando-se da interação no contexto escolar; potencializar a(s)
habilidade(s) demonstrada(s) pelo aluno, por meio do enriquecimento curricular
previsto no plano de desenvolvimento individual; expandir o acesso do aluno a
recursos de tecnologias, materiais pedagógicos e bibliográficos de sua área de
interesse; promover a participação do aluno com atividades voltadas para a prática da
pesquisa e desenvolvimento de produtos; e estimular a proposição e o
desenvolvimento de projetos de trabalho no âmbito da escola, com temáticas
diversificadas, como por exemplo, artes, esporte, ciências.

Fonte: unespnead.blogspot.com
Características

De acordo com Ourofino e Guimarães (2007), existem várias listas de


características próprias dos alunos com AH/SD, a mais conhecida foi divulgada pelos
Saberes e Práticas da Inclusão (BRASIL, 2006a), a qual aponta que os alunos com
AH/SD são aqueles com: alto grau de curiosidade; boa memória; atenção
concentrada; persistência; independência e autonomia; interesse por áreas e tópicos
diversos; facilidade de aprendizagem; criatividade e imaginação; iniciativa; liderança;
vocabulário avançado para a sua idade cronológica; riqueza de expressão verbal
(elaboração e fluência de ideias); facilidade para interagir com crianças mais velhas
ou com adultos; habilidade para lidar com ideias abstratas; habilidade para perceber
discrepâncias entre ideias e pontos de vista; interesse por livros e outras fontes de
conhecimentos; alto nível de energia; preferências por situações/objetos novos; senso

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de humor; e originalidade para resolver problemas. Vale ressaltar que nem todos os
alunos vão apresentar todas as características aqui listadas, sendo algumas mais
comuns de uma área do que de outras.

Incidência

Estudos estatísticos, segundo Guenther (2006a), indicam que de 3 a 5% da


população apresentam potencial acima da média, em diferentes contextos sociais.
Assim, para Guenther (2006a), cerca de 3% dos indivíduos possuem capacidade
elevada considerando a lei das probabilidades, no entanto, esses talentos, na maioria
das vezes, são perdidos ou danificados em virtude da falta de identificação e de ações
pedagógicas voltadas para o atendimento de suas necessidades.
Freitas e Pérez (2012) apontam que o Brasil tem mais de 2,5 milhões de alunos
com AH/SD matriculados nas escolas de Ensino Fundamental e Médio de acordo com
estimativas da Organização Mundial da Saúde (3,5-5%). Porém, a falta de
identificação desses indivíduos na escola impede a organização de ações voltadas
para suas especificidades. De acordo com Guenther (2006b, p. 31): “Existe farta
evidência de que a capacidade e talento humano se desenvolvem, e se expressam
em produção superior, desde que o potencial seja identificado, estimulado,
acompanhado e orientado”.

2 IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

A identificação e a avaliação do aluno com AH/SD ainda é um desafio para os


profissionais pelos seguintes motivos: 1) falta de uma cultura de identificação; 2) falta
de conhecimento suficiente por parte dos profissionais da escola para identificação;
3) falta de avaliação/identificação de interesses; e 4) falta de buscar parcerias com
entidades especializadas e voluntariado.
De acordo com a literatura específica da área, os instrumentos de identificação
mais utilizados nos programas de atendimento aos alunos com AH/SD têm sido: testes
psicométricos; escalas de características; avaliação do desempenho; questionários;
observação direta do comportamento; entrevistas com a família e professores, dentre
outros.

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Estudiosos da área sugerem que uma combinação desses instrumentos poderá


assegurar um maior número de crianças identificadas ainda em idade pré-escolar.
Alertam, também, que as falhas na identificação e no diagnóstico podem prejudicar os
alunos, promovendo o processo inverso à inclusão escolar. Atualmente, há diversas
discussões na área das AH/SD sobre a melhor teoria de identificação desse alunado.
No presente trabalho explicitaremos a teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner,
como também a teoria do Modelo dos Três Anéis de Renzulli e o Guia de observação
de crianças dotadas e talentosas organizado por Zenita Guenther.

2.1 Teoria das inteligências múltiplas

Considerando as políticas educacionais inclusivas, quando nos referimos aos


alunos que apresentam um potencial para AH/SD, faz-se necessário retomar o
conceito de inteligência e compreender as Inteligências Múltiplas descritas por
Gardner (1995). Para Gardner (1995), inteligência é uma ou mais habilidades que
levam o indivíduo à resolução de problemas ou à formulação de produtos em função
de seu ambiente e de sua cultura. Em sua teoria, propõe que o ser humano é dotado
de sete tipos de inteligências distintas: “linguística”, “interpessoal”, “intrapessoal”,
“lógico-matemática”, “musical”, “espacial” e “corporal- -cinestésica”. Em um processo
de revisão de sua teoria, em 2001, acrescentou a inteligência “naturalista”.
Dessa forma, a teoria das Inteligências Múltiplas pode ser agrupada em sete
categorias ou inteligências abrangentes:
Inteligência linguística: a capacidade de usar as palavras de forma efetiva,
quer oralmente, quer escrevendo.
Inteligência interpessoal: a capacidade de perceber e fazer distinções no
humor, intenções, motivações e sentimentos de outras pessoas.
Inteligência intrapessoal: o autoconhecimento e a capacidade de agir
adaptativamente com base neste conhecimento.
Inteligência lógico-matemática: a capacidade de usar os números de forma
efetiva e de racionar bem.
Inteligência musical: a capacidade de perceber (por exemplo, como
aficionado por música), discriminar (como um crítico de música), transformar
(como compositor) e expressar (como musicista) formas musicais. Esta
inteligência inclui sensibilidade ao ritmo, tom ou melodia e timbre de uma
peça musical. Podemos ter um entendimento figural ou geral da música
(global, intuitivo), um entendimento formal ou detalhado (analítico, técnico),
ou ambos.

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Inteligência espacial: a capacidade de perceber com precisão o mundo viso-


espacial (por exemplo, como caçador, escoteiro ou guia) e de realizar
transformações sobre essas percepções (por exemplo, como decorador de
interiores, arquiteto, artista ou inventor). Esta inteligência envolve
sensibilidade à cor, linha, forma, configuração e espaço. Inclui também, a
capacidade de visualizar, de representar graficamente ideias visuais e de
orientar-se apropriadamente em uma matriz espacial.
Inteligência corporal-cinestésica:. Esta inteligência inclui habilidades físicas
específicas, tais como coordenação, equilíbrio, destreza, força, flexibilidade e
velocidade, assim como capacidades proprioceptivas, táteis e hápticas
(ARMSTRONG, 2001, p.14-15).
Para Gardner (1995), todas as inteligências são igualmente importantes e
devem ser contempladas e estimuladas principalmente no contexto escolar, tendo em
vista que o ambiente social e os estímulos são importantes no desenvolvimento de
tais inteligências. Segundo Ourofino e Guimarães (2007), essa teoria teve grande
impacto no Brasil, principalmente por demonstrar que a avaliação da habilidade do
indivíduo com suspeita de AH/SD deve ser feita segundo as especificidades da
inteligência em questão e dentro de um determinado domínio.
Uma vez que as características encontradas nas pessoas com AH/SD podem
ser analisadas e interpretadas a partir da compreensão da teoria das Inteligências
Múltiplas, elas têm sido utilizadas como subsídio para a oferta de uma educação de
qualidade para o atendimento às pessoas com AH/SD. Sendo assim, além de definir
quem é o aluno, é preciso ressaltar em que área e/ou em quais áreas ele apresenta a
AH/SD.

2.2 Modelo dos três anéis de Renzulli

Segundo os autores Santos, Peripolli (2011), Renzulli (1978) revelou a


existência de três pilares fundamentais, por todos (re) conhecidos como os anéis, que
têm como suporte basilar uma tessitura social: família, escola, amigos, dentre outros.
O essencial é que eles interajam entre si e em algum grau, para que um coeficiente
de produtividade criativa possa insurgir.
Os três pilares fundamentais são: habilidade acima da média (habilidades
gerais e específicas); motivação ou envolvimento com a tarefa e criatividade, os quais
se caracterizam da seguinte forma:
Habilidade acima da média engloba a habilidade geral e a específica. A
habilidade geral consiste na capacidade de utilizar o pensamento abstrato ao

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processar informação e de integrar experiências que resultem em respostas


apropriadas e adaptáveis a novas situações. Em geral, essas habilidades são
medidas em testes de aptidão e de inteligência, como raciocínio verbal e
numérico, relações espaciais, memória e fluência verbal. Habilidades
específicas consistem na habilidade de aplicar várias combinações das
habilidades gerais a uma ou mais áreas especializadas do conhecimento ou
do desempenho humano, como dança, fotografia, liderança, matemática,
composição musical etc.
Envolvimento com a tarefa se refere à energia que o indivíduo investe em
uma área específica de desempenho e que pode ser traduzido em termos
como perseverança, paciência, autoconfiança e crença na própria habilidade
de desenvolver um trabalho. Trata-se de um ingrediente muito presente
naqueles indivíduos que se destacam por sua produção criativa.
A criatividade tem sido apontada como um dos determinantes na
personalidade dos indivíduos que se destacam em alguma área do saber
humano. No entanto, como é difícil de se medir a criatividade por meio de
testes fidedignos e válidos, tem sido proposta a utilização de métodos
alternativos em adição aos testes, como a análise dos produtos criativos e
auto-relatos dos estudantes (Hocevar & Bachelor, 1989; Reis, 1981). No
entanto, torna-se um desafio determinar os fatores que levariam o indivíduo
a usar seus recursos intelectuais, motivacionais e criativos de forma em
produtos de nível superior ou em comportamentos de superdotação
(VIRGOLIM, 2007, p. 36, grifo do autor).
Renzulli (1978) propõe na concepção dos Três Anéis um conceito de
superdotação baseado na interação entre os três grupos básicos de traços e
habilidades, entendendo que crianças superdotadas ou talentosas seriam aquelas
capazes de desenvolver este conjunto de traços e aplicá-los, potencialmente, a
qualquer área do desenvolvimento humano. Nesse sentido, Renzulli (1978) identifica,
ainda, duas categorias de habilidades superiores: a superdotação acadêmica e a
superdotação produtiva criativa que, embora apresentando peculiaridades, podem
interagir entre si:

• A superdotação acadêmica refere-se às habilidades cognitivas


frequentemente identificáveis por meio de testes psicométricos e
desempenho escolar, uma vez que refletem o resultado das situações
tradicionais de aprendizagem valorizadas no meio acadêmico, com ênfase,
por exemplo, na área linguística ou na lógico- -matemática.

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• A superdotação criativo-produtiva dificilmente pode ser mensurada nos


processos formais de avaliação, visto que suas características enfatizam o
pensamento divergente, o elevado nível de criatividade e a capacidade de
produção independente quando em contato com seu centro de interesse
(SANTOS; PERIPOLLI, 2011).

Para Virgolim (2007), a AH/SD é influenciada por fatores genéticos e também


por fatores do indivíduo (como autoestima elevada, coragem, persistência, energia,
alta motivação) e por fatores ambientais (oportunidades variadas, personalidade e
nível educacional dos pais, estimulação dos interesses infantis, entre outros). Na visão
da autora, Renzulli acredita que a AH/SD emerge ou “se esvai” em diferentes épocas
e sob diferentes circunstâncias da vida de uma pessoa. Assim sendo, os
comportamentos de AH/ SD podem ser exibidos em certas crianças (mas não em
todas elas) em alguns momentos (não em todos os momentos) e sob certas
circunstâncias (e não em todas as circunstâncias de sua vida).

2.3 Guia de observação de crianças dotadas e talentosas

Segundo Guenther (2012), a pessoa com AH/SD indica presença de notável


capacidade natural em pelo menos um domínio, assim, a AH/SD existe quando o grau
de capacidade é notavelmente superior à média da população comparável.
Françoys Gagné, autoridade mundial na área, diferencia os seguintes
domínios de capacidade humana: inteligência, criatividade, capacidade
socioafetiva, capacidade física e capacidade de percepção. Quando a
capacidade de um indivíduo em um domínio é muito superior à média do
grupo, identifica-se ali a sua dotação (GUENTHER, 2012, p. 4).
O aluno que apresenta o domínio da “Capacidade Intelectual” seria o que
possui as habilidades voltadas para a Inteligência, ou seja, é um aluno que busca
conhecer, entender, compreender, observar, abstrair, apreender, por diferentes vias.
Alguns exemplos de pessoas dotadas na capacidade intelectual são Albert Einstein e
Isaac Newton.
A “Capacidade Criativa” manejo intuitivo de vários blocos de ideias,
interrelacionadas entre si, segundo princípios de originalidade não explícitos, próprios
do indivíduo, os quais levam está ligada a criatividade e se diferencia das outras
capacidades por estar “fora da razão”. O aluno com essa capacidade se expressa pelo

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à invenção, à criação e à inovação. Temos como exemplos de capacidade criativa


Oscar Niemeyer e Pablo Picasso.
A “Capacidade Socioafetiva ou Socioemocional” enraiza- se na função afetiva.
Esse aluno apresentará facilidade para lidar com sentimentos úteis à convivência
grupal e pluralística, gerir bem o convívio com os outros, com segurança e
estabilidade, e encontrar caminhos para a experiência de vida em comum, satisfatória
e aperfeiçoada. Sobre esse domínio são agrupados, de um lado, indicadores
relacionados à liderança e, de outro, indicadores relacionados às relações humanas.
No exemplo sobre liderança, podemos transitar tanto de Gandhi a Hitler, e nas
relações humanas os exemplos são pessoas ligadas ao serviço solidário e humano,
como São Francisco de Assis.
A “Capacidade Perceptual” constitui um domínio de transição entre o
essencialmente físico e o essencialmente mental, enraizado nas funções sensoriais.
Esse aluno obtém um conhecimento do mundo externo pelas impressões sensoriais
físicas, mas o tratamento dessas informações ocorre no cérebro, no processo mental.
Porém, mesmo envolvendo processos iniciados no cérebro, essa aptidão é refletida
em uma capacidade física, o aluno capta e organiza estímulos físicos. Não há
exemplos dessa capacidade, pois não é muito estudada.

Fonte: rede.novaescolaclube.org.br
O aluno com “Capacidade Física” é facilmente reconhecido em seu
comportamento e ações por pelo menos duas vias de capacidades específicas: uma
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no âmbito da percepção sensorial, conectada ao aparelho sensorial externo, como


olhos, ouvidos, nariz e tato; outra no âmbito do aparelho motor. Como exemplo, pode-
se evidenciar diversos atletas como Guga e Pelé até os mais atuais e que estão em
evidência no cenário atual.
O protocolo Guia de observação de crianças AH/SD organizado por Guenther
(GUENTHER, 2011) é um instrumento que orienta a coleta de dados numa folha de
itens, abrangendo indicadores diferenciados por estudos clássicos da área, captáveis
na vida escolar.
O professor observa a turma com que está trabalhando e anota na folha os
dois alunos que se sobressaem naquela turma, em cada indicador. A base
para “preparar o professor” focaliza o estudo dos sinais que configuram a
lista, e os alunos sinalizados são os que sobressaem naquele grupo de
comparação, conforme observação do professor que convive com a turma
durante o ano (GUENTHER, 2011, p. 66).
Para Guenther (2011), a validação do guia se torna viável pelo olhar de dois ou
mais professores em momentos e turmas diferentes. A análise, quando se torna
longitudinal, as probabilidades de a criança possuir ou não potencial superior
diminuem, tornando-se um meio mais confiável de análise. O processo de
identificação por observação direta localiza as crianças AH/SD dentro da população
escolar, atingindo as diferentes classes sociais, em proporção coerente com a
composição do tecido social da comunidade, dentro da Lei das Probabilidades de 3 a
5% da população geral (GUENTHER, 2011).
O guia é composto por 31 questões nas quais o professor terá de indicar dois
alunos que se destacam nas habilidades citadas e responder a duas questões
dissertativas. A partir dos dados coletados nas salas de aulas, ocorre uma separação
dos itens pelos seus domínios, como diz Guenter (2011). Há o domínio da capacidade
e inteligência geral, da capacidade verbal-pensamento linear, da capacidade de
pensamento abstrato não linear, do domínio da criatividade, da capacidade
socioafetiva e da capacidade sensório motora. Por meio da constância do nome e do
número de vezes que aparece dentro das habilidades relacionadas a tal domínio, a
criança é, a priori, caracterizada como AH/SD.1

1
Texto extraído: SOUZA, Amanda Rodrigues; FELICIO, Natália Costa. Conhecendo as altas
habilidades/superdotação: definições e características. Disponível em:
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3 ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO, TALENTO E GENIALIDADE

Crianças e jovens, muitas vezes, mesmo considerando a precocidade, não


manifestam toda a sua capacidade. Portanto, para as evidências das altas
habilidades/superdotação é necessária constância de elevada potencialidade de
aptidões, talentos e habilidades ao longo do tempo, além de expressivo nível de
desempenho. A nomenclatura tem-se constituído, ao longo do tempo, em fonte de
polêmica, devido à diversidade de pontos de vista de especialistas na área: Altas
Habilidades (Conselho Europeu); Superdotação ou Talentos (Conselho Mundial).
A Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1995, p. 17) define como
portadores de Altas Habilidades/ Superdotados os educandos que:
[...] apresentarem notável desempenho e elevada potencialidade em
qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade
intelectual geral; aptidão acadêmica específica, pensamento criativo ou
produtivo; capacidade de liderança; talento especial para as artes e
capacidade psicomotora.
Dos tipos mencionados no documento e referidos acima, também considerados
nas classificações internacionais, destacam-se os seguintes:

• Tipo Intelectual – apresenta flexibilidade e fluência de pensamento;


capacidade de pensamento abstrato para fazer associações; produção
ideativa; rapidez do pensamento; julgamento crítico; independência de
pensamento; compreensão e memória elevadas; e capacidade de resolver
e lidar com problemas.
• Tipo Acadêmico – evidencia aptidão acadêmica específica, de atenção, de
concentração, de rapidez de aprendizagem; boa memória; gosto e
motivação pelas disciplinas acadêmicas de seu interesse; habilidade para
avaliar, sintetizar e organizar o conhecimento; e capacidade de produção
acadêmica.
• Tipo Criativo – relaciona-se às seguintes características: originalidade;
imaginação; capacidade para resolver problemas de forma diferente e
inovadora; sensibilidade para as situações ambientais, podendo reagir e
produzir diferentemente e até de modo extravagante; sentimento de desafio
diante da desordem dos fatos; e facilidade de auto expressão, fluência e
flexibilidade.

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• Tipo Social - revela capacidade de liderança e caracteriza-se por demonstrar


sensibilidade interpessoal; atitude cooperativa; sociabilidade expressiva;
habilidade de trato com pessoas diversas e grupos para estabelecer
relações sociais; percepção acurada das situações de grupo; capacidade
para resolver situações sociais complexas; e alto poder de persuasão e de
influência no grupo.
• Tipo Talento Especial – pode-se destacar tanto na área das artes plásticas
e musicais como dramáticas, literárias ou técnicas, evidenciando habilidades
especiais para essas atividades e alto desempenho.
• Tipo Psicomotor - destaca-se por apresentar habilidade e interesse pelas
atividades psicomotoras, evidenciando desempenho fora do comum em
velocidade; agilidade de movimentos; força; resistência; controle; e
coordenação motora.

Segundo Landau (1990, p. 9), a palavra talento, em muitas línguas é sinônimo


de “presente, dom”. Em hebraico, significa “ser favorecido com”. Na língua inglesa
gifted corresponde a talentoso e, nos países de língua latina, o termo equivale a
superdotação. Em seu entendimento, esses conceitos deterministas têm muitas vezes
impedido que as pessoas possam atualizar seus potenciais a ponto de oferecer uma
efetiva contribuição à sociedade. A autora (LANDAU, 1990, p. 10) acredita na
existência de três níveis diferentes da capacidade humana: talento, superdotação e
genialidade, e assim se expressou quanto a estes:
O talento manifesta-se num campo específico de interesse do indivíduo. A
superdotação constitui um aspecto básico da personalidade da pessoa
talentosa, que lhe propicia revelar seu talento num nível superior, de maior
abrangência, tanto cultural quanto social. A genialidade é um fenômeno raro
na humanidade que abriga um grande número de manifestações, incluindo o
talento do superdotado, cuja compreensão e/ou realização se observam em
âmbito mundial.
Como conclusão, Landau (1990) afirma que, se não houver incentivo, a
superdotação não se manifestará e a genialidade não se realizará. Portanto, um
indivíduo com alto nível de inteligência, não justificaria uma descrição de
superdotação, ele manifesta uma característica que deve primeiro passar por um
processo investigativo, para depois chegar à superdotação. Ao analisarmos as duas
abordagens de pesquisa sobre inteligência, entenderemos que a genotípica vê, na

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APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

hereditariedade, a forma de moldar a inteligência. A outra, a fenotípica, atribui


também, em igual valor, à influência do ambiente tanto quanto da hereditariedade,
papéis importantes na formação intelectual humana.
Os adeptos da escola genotípica, respaldados pela definição de Binet em que
a inteligência é revelada pelo resultado de um teste de inteligência (Q.I.), acreditam
que, tais resultados dependem somente de fatores hereditários. Estas interpretações
os levam, muitas vezes, às convicções de superioridade da inteligência de alguns
homens sobre seus semelhantes.
Já os partidários da segunda escola argumentam que o meio ambiente, na
mesma proporção que a carga genética, exercem influência sobre a inteligência
humana. Landau (1990, p. 11) explicita que “[...] para eles, o Q.I. é reflexo do
conhecimento acadêmico, da prática para adquiri-lo; da motivação para a produção
intelectual, da capacidade verbal e espacial – ou seja, são habilidades e
características muito influenciadas pelo meio cultural. ”
Piaget (1951 apud LANDAU, 1990, p. 11) descreve inteligência como “[...] a
capacidade do indivíduo para processar e desenvolver o conhecimento”. Pensar desta
forma significa considerar o desenvolvimento da inteligência como algo individual.
Conforme Anastasi (1976 apud LANDAU, 1990, p. 11), ocorreu uma mudança em
relação aos testes de inteligência:
Acreditava-se a princípio que o Q.I. permanecia estável ao longo da vida.
Hoje sabemos que inteligência é um conjunto de fatores complexo e ativo,
longe de permanecer estático. [...] Podemos então concluir que os testes de
inteligência não constituem o único critério de superdotação, uma vez que o
próprio quociente não é estável, especialmente quanto a crianças pequenas,
e está sujeito a alterações. A inteligência vai sendo formada com o passar
dos anos e uma das explicações concernentes pode ser encontrada na
influência cumulativa do ambiente sobre o desenvolvimento intelectual.
Compreender o conceito de altas habilidades/superdotação no campo da
Educação implica, necessariamente, identificar dois pontos de vista que permeiam
este universo. De um lado, uma definição conceitual associada a uma visão
conservadora que inclui apenas áreas acadêmicas em detrimento de outras áreas,
como música, artes, liderança, expressão criativa e relacionamento interpessoal.
Uma definição desta natureza corre o risco também de limitar o grau ou nível
de excelência de um indivíduo frente a critérios estabelecidos como fator de corte para
padrões de comportamentos esperados. Tal restrição pode limitar o número de áreas

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APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

específicas de desempenho consideradas elegíveis socialmente. Sternberg considera


o termo altas habilidades equivalentes ao termo superdotação. Segundo o autor, ele
corresponde a um elenco de características específicas que se apresentam de forma
notável, consistente e permanente no indivíduo, proporcionando-lhe certo destaque
em algum campo do conhecimento e/ou realização, que variam desde atividades
notadamente intelectuais, como a pesquisa científica e a produção literária, até a
resolução eficiente e criativa de questões corriqueiras, tais como planejamento e
relação com o outro.
Uma definição mais aberta, apesar de representar um avanço teórico ao
expandir o conceito de altas habilidades/superdotação, também introduz, segundo
Renzulli e Fleith (2002, p. 11) as seguintes preocupações teóricas: “[...] a questão dos
valores (como nós definimos operacionalmente conceitos mais amplos de
superdotação?), e o velho problema da subjetividade na mensuração. ” do
solucionada, uma vez que, ainda segundo os autores, poucos educadores têm
adotado rigidamente uma definição de Altas Habilidades/Superdotação puramente
acadêmica ou baseada no QI.
Atualmente, considerar os talentos e a utilização de critérios para identificá-los
tem representado a tônica do movimento da educação de alunos com Altas
Habilidades/Superdotação. Outra constatação refere-se ao fato de que grande parte
das pessoas não tem dificuldade em aceitar uma definição que inclua a maioria das
áreas de atividade humana, que se manifestam sob formas de expressão socialmente
úteis. Quanto ao segundo aspecto, a subjetividade na mensuração, este não é um
problema tão fácil de ser resolvido.
Se considerarmos que a definição de altas habilidades/superdotação se
estende para além das habilidades claramente refletidas nos testes de QI, englobando
também a aptidão e a realização acadêmica, faz-se mister dar menos ênfase à
precisão na medição do desempenho e do potencial, e, ao contrário, valorizar a
tomada de decisão de pessoas qualificadas, frente à inclusão dos alunos com altas
habilidades/superdotação nos programas especiais de atendimento.
Reconhecer a importância da subjetividade implica, necessariamente,
reconhecer um espectro mais amplo de habilidades humanas, e, em consequência,
definir propostas de atendimento, através de programas de enriquecimento, cujos
processos de seleção não sejam restritos somente a testes objetivos. A estreita
relação entre inteligência e altas habilidades/superdotação requer, inicialmente, a
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APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

compreensão da dificuldade histórica de se definir inteligência, e, consequentemente,


o grande problema de se adotar um conceito unitário de altas
habilidades/superdotação.
Optamos, neste momento, por examinar duas categorias amplas de
superdotação encontradas na literatura: superdotação escolar e superdotação
criativa-produtiva. Para Renzulli e Fleith (2002, p. 13) é relevante enfatizar que: “[...]
ambos os tipos são importantes; usualmente há interação entre os dois tipos; e
programas especiais deveriam encorajar ambos os tipos de superdotação, bem como
promover numerosas ocasiões de interação entre eles”.
Os autores afirmam que a superdotação escolar é o tipo mais facilmente
avaliado pelos testes de Q.I. e/ou outros testes de habilidades cognitivas, o que os
tornam os tipos mais frequentemente usados na identificação de alunos que irão
participar de programas especiais. Isto ocorre devido ao fato de que determinadas
habilidades medidas nos testes de Q.I. e de aptidão são as mais valorizadas em
situações de aprendizagem na escola. Ou seja: “[...] as tarefas requeridas nos testes
de habilidades são similares às que os professores solicitam na maioria das situações
de aprendizagem escolar. ” (RENZULLI; FLEITH, 2002, p. 13).
Pesquisas revelam que os estudantes que apresentam um resultado alto nos
testes de Q.I. certamente irão obter notas altas na escola e que tais habilidades
demonstradas através de aprendizagem escolar permanecerão estáveis ao longo de
sua trajetória acadêmica. Os resultados destas pesquisas levaram autores como
Renzulli, Smith e Reis (1982) e Reis, Burns e Renzulli (1992) a proporem a
compactação curricular; procedimento usado para modificar o conteúdo curricular
regular visando sua adaptação aos alunos que dominam o conteúdo ministrado num
ritmo e nível de compreensão mais avançados.
Esta grande preocupação dos autores se deu com o objetivo de atender às
conclusões óbvias sobre superdotação escolar: sua existência em graus variados e
sua identificação por meio de técnicas de avaliação padronizadas. Outras e novas
técnicas de aceleração/ avanço deveria estar presentes nos programas escolares,
sendo assim respeitadas as diferenças individuais, claramente manifestadas no
desempenho em sala de aula e/ ou nos resultados de avaliação proferidos por
profissionais capacitados.
Entretanto, resultados de testes de Q.I. e outras medidas de habilidade
cognitiva contribuem apenas para uma visão limitada da oscilação evidente em notas
16
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

escolares. Os autores nos convencem de que estes resultados não nos contam tudo
sobre altas habilidades/superdotação criativa-produtiva. A superdotação
criativaprodutiva corresponde àqueles aspectos da atividade e envolvimentos
humanos nos quais se “[...] enfatiza o desenvolvimento de materiais e produtos
originais, intencionalmente elaborados para produzir um impacto numa ou mais
audiências alvo” (RENZULLI; FLEITH, 2002, p. 14).
Afirmam que, para promover a superdotação criativa-produtiva, devem-se
organizar situações de aprendizagem que enfatizam o uso e a aplicação da
informação (conteúdo) e as habilidades de pensamento (processo) de uma maneira
integrada, indutiva e orientada para problemas reais. A diferença entre a abordagem
criativa-produtiva e a escolar encontra-se no fato de que a segunda tende a enfatizar
a aprendizagem dedutiva, o treino estruturado no desenvolvimento de processos de
pensamento, enquanto que a primeira busca encorajar a habilidade de abordar
problemas e áreas de estudo que tenham relevância pessoal para o estudante e que
possam ser dimensionados em diferentes níveis de desafio da atividade investigativa.
Tanto quanto os autores, também pensamos que organizar a escola nesta
perspectiva nos obriga a definir papéis que professores e alunos devem desempenhar
na solução destes problemas. Na educação geral, tal preocupação tem sido
incorporada sob uma variedade de conceitos tais como teoria construtivista,
aprendizagem significativa, aprendizagem por descoberta, aprendizagem baseada
em problemas e avaliação de desempenho. Uma revisão da literatura sinaliza que
existe muito mais a ser identificado no potencial humano do que as habilidades
reveladas nos testes de inteligência, aptidão e desempenho acadêmico. Renzulli e
Fleith (2002, p. 15) nos desafiam à seguinte reflexão:
[...] a história não se lembra de pessoas que meramente obtiveram um bom
resultado nos testes de QI ou daqueles que aprenderam muito bem as lições.
A definição de superdotação [...], a qual caracteriza a superdotação criativa
produtiva e serve como parte da filosofia do Modelo Triádico de
Enriquecimento, é a concepção dos três anéis (RENZULLI, 1978, 1986). Esta
concepção destaca a interação de três elementos básicos: habilidade geral
acima da média, altos níveis de criatividade e envolvimento com a tarefa.
Indivíduos superdotados e talentosos capazes de desenvolver esta
combinação de elementos numa dada área de desempenho humano, ou
capazes de desenvolver uma interação entre eles, requerem uma variedade
de oportunidades e serviços educacionais que normalmente não são
oferecidos na programação instrucional regular.
17
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

Os autores defendem a ideia de que os comportamentos superdotados podem


ser desenvolvidos por meio de oportunidades sistemáticas de enriquecimento
descritas no Modelo Triádico de Enriquecimento. Este modelo, entretanto, apresenta-
se incompleto à medida que necessitamos inserir o indivíduo em seu contexto social,
segundo Van Boxtel e Mönks (1992) devido à influência que a escola, a família e os
companheiros (amigos) exercem no desenvolvimento e expressão de
potencialidades.

Modelo Triádico de Superdotação

Fonte: Renzulli (1978, 1986).

4 SONDAGEM, PRECOCIDADE, IDENTIFICAÇÃO E PROGRAMAS DE


ENRIQUECIMENTO

A sondagem, vista enquanto processo de aquisição de possíveis indicadores


relacionados à superdotação e ao talento, constitui a primeira etapa de um processo
de caracterização (BRASIL, 1999). Esta ação docente tem por finalidade dotar o
profissional de informações que o instrumentalizem na análise e na observação de
perfis específicos. Observar alguns traços diferenciados no desenvolvimento da
criança de 0 a 4 anos de idade é tarefa de suma importância, tanto para pais e/ou
familiares, quanto para profissionais de educação.
É necessário ressaltar que acompanhar o processo de observação implica
necessariamente conhecer as etapas de desenvolvimento infantil e sua estrutura
evolutiva, para que assim seja possível o reconhecimento de ações e comportamentos
que sugerem diferenças manifestadas como indicadores de altas
habilidades/superdotação. A partir de pesquisas realizadas por Renzulli (1977, 1978,
18
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

1988) nos Estados Unidos, foram elaborados três tipos de programas de


enriquecimento, voltados para o desenvolvimento de potencialidades dos estudantes
da rede de ensino.
O enriquecimento do Tipo I envolve expor os estudantes a uma variedade de
disciplinas, tópicos, ocupações, hobbies, pessoas, lugares e eventos, que
normalmente não são abordados no currículo regular. Nas escolas que usam este
modelo, uma equipe de enriquecimento, constituída por pais, professores e
estudantes, frequentemente organiza e planeja experiências do Tipo I, tais como
palestras, minicursos, demonstrações, apresentações artísticas, filmes, slides,
vídeotapes e outros recursos impressos ou não.
O enriquecimento do Tipo II consiste no uso de materiais e métodos elaborados
para promover o desenvolvimento de processos cognitivos e afetivos. Parte do treino
do Tipo II é geral, sendo usualmente implementado na sala de aula regular e nos
programas de enriquecimento. Atividades do Tipo II incluem o desenvolvimento de:
pensamento e resolução criativa de problemas, pensamento crítico e processos
afetivos; uma ampla variedade de habilidades específicas de aprendizagem do tipo
“como fazer”; habilidades envolvendo o uso apropriado de materiais de nível
avançado; e habilidades de comunicação visual, oral e escrita.
Outra parte do treino do Tipo II é específica, e, por isso, não pode ser planejada
previamente. Normalmente, envolve instrução metodológica avançada numa área de
interesse selecionada pelo estudante. Por exemplo, estudantes que se tornam
interessados em botânica, depois de uma experiência do Tipo I, podem obter um treino
adicional nesta área, lendo livros avançados em botânica, compilando, planejando e
implementando experiências com plantas, bem como investigando métodos mais
avançados de treino, caso eles queiram ir mais além.
O enriquecimento do Tipo III envolve alunos que estão interessados em estudar
um tema, dispostos a empregar o tempo necessário na aquisição de conteúdo
avançado e no treino do processo de pesquisa, assumindo, assim, o papel de
investigadores.
Os objetivos do Tipo III de enriquecimento incluem: promoção de oportunidades
para relacionar interesses, conhecimentos, ideias criativas e envolvimento com a
tarefa com questões relativas às áreas de estudos selecionadas pelo estudante;
aquisição de um nível avançado de compreensão do conhecimento (conteúdo) e
metodologia (processo) usados em disciplinas específicas, áreas artísticas de
19
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

expressão e estudos interdisciplinares; desenvolvimento de produtos autênticos que


estão direcionados, primariamente, a provocar um impacto numa audiência
específica; desenvolvimento de habilidades de aprendizagem autodirigidas nas áreas
de planejamento, organização, utilização de recursos, gestão do tempo, tomada de
decisão e auto avaliação; e desenvolvimento de compromisso com a tarefa,
autoconfiança e sentimentos de realização criativa.
As pesquisas de Reis (1981) revelam que, quando uma população mais ampla
de estudantes participa de experiências de enriquecimento dos Tipos I e II, eles
produzem tão bons produtos do Tipo III como os estudantes tradicionalmente
identificados como superdotados (3-5% da população estudantil). Esta pesquisa
produziu a base para o Modelo de Identificação de Portas Giratórias, no qual um grupo
talentoso de estudantes recebe regularmente experiências de enriquecimento e
oportunidades de “girar para” experiências criativo-produtivas do tipo III.
A autora só recomenda que os estudantes sejam selecionados para participar
do grupo de talentos com base em múltiplos critérios. Este processo deverá ocorrer
mediante a identificação e encaminhamento para o grupo de talentos, por meio do uso
de resultado de testes, por indicação de professores, pais ou auto indicação; e por
índices de criatividade. A utilização deste último indicador ocorre porque a autora
acredita que um dos maiores objetivos da educação de superdotados é desenvolver
habilidades e produtividade criativas nos estudantes.

Fonte: palpitedigital.com

20
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

Os estudantes são observados na sala de aula e em situações de


enriquecimento para identificação de sinais de interesses e motivações que os levam
à produtividade criativa do tipo III. O suporte adicional para expansão dos
procedimentos de identificação por meio destas abordagens foi dado por
Kirschenbaum (1983) e Kirschenbaum e Siegle (1993). Esses autores demonstraram
que estudantes com alto resultado em teste de criatividade também apresentavam
bom desempenho na escola, o que levou os estudiosos a repensarem os modelos de
enriquecimento escolar.
Para o Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino
Fundamental do Brasil, proposto pelo MEC (BRASIL, 1999), o reconhecimento de
ações e comportamentos que sugerem diferenças manifestadas como indicadores de
altas habilidades/superdotação pode estar relacionado a três grandes grupos:
crianças que desenvolvem mais precocemente a área psicomotora; crianças que
desenvolvem mais precocemente a área de comunicação e relação social e crianças
que desenvolvem, de maneira mais precoce, a área cognitiva.
A precocidade representa sinal indicador de alerta, alvo de observação. Em
alguns casos, é indicativo de talento especial, alto potencial e aptidões específicas.
Segundo o Programa (BRASIL, 1999, v. 1, p. 203), esse conjunto de características
deverá ser observado:
Seja com a criança que aprende com muita propriedade a ler e a
contextualizar sua leitura, por volta de dois a três anos de idade; seja com a
criança que toca música de ouvido, com refinamento, aos quatro anos; seja
com o bebê entre um ano e um ano e meio, que identifica símbolos, a ales
atribuindo significados e solicita do adulto o contexto sociocultural
correspondente.
O fator temporalidade é decisivo em caso de avaliação diferencial. Os pais
devem ser alertados para casos de precocidade no desenvolvimento de seus filhos;
isto requer, necessariamente observação continuada por profissionais.
O processo de identificação das altas habilidades/superdotação é complexo,
duradouro e requer um maior esforço por parte da equipe de avaliação. Para o citado
Programa de Capacitação, este processo envolve a família, o psicólogo da equipe de
avaliação e os professores da criança. Estes diversos olhares ajudam a compor o rol
de características apresentadas pelo aluno em contextos e situações, que orientam
na indicação do atendimento mais adequado. Quanto ao procedimento, o Programa
(BRASIL, 1999, v. 1, p. 213) enfatiza:
21
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

As diretrizes básicas necessárias para formalização de processos de


identificação estão normatizadas nas publicações do Ministério da Educação/
Secretaria de Educação Especial – Série Diretrizes- que constituem material
base para a implantação e implementação de serviços na educação especial.
As informações devem ser coletadas com a observação sistemática do aluno,
preferencialmente no dia-a-dia escolar, acompanhando momentos de aprendizagem,
produção intelectual e relacionamento social. É através de um estudo comparativo no
grupo de igual faixa etária que o professor visualiza a frequência e intensidade dos
indicadores de altas habilidades/superdotação e talento apresentados pelo aluno.
Resguardadas quaisquer implicações que possam sinalizar aspecto rotulatório,
caberá à escola atenção ao utilizar as informações advindas da observação. A
orientação apresentada pelo documento é a de que os dados devem ser
encaminhados às equipes de especialistas de avaliação, quando houver, para a
complementação específica que o caso requeira.
Ao consultar as Diretrizes do MEC/ SEESP (BRASIL, 1995), documento oficial
que subsidiava o Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino
Fundamental do Brasil em 1999, constatamos que a identificação de talentosos e
superdotados, visando ao atendimento educacional, deveria ser feita o mais cedo
possível, considerando desde a pré-escola até os níveis mais elevados de ensino,
tendo por objetivo o pleno desenvolvimento de suas capacidades e o seu ajustamento
social.
Para realizar esta identificação, caberia utilizar a combinação de dois ou mais
procedimentos no processo de avaliação, dentre os apresentados a seguir: “[...]
avaliação realizada por professores, especialistas e supervisores; percepção de
resultados escolares superiores aos demais; auto avaliação; aplicação de testes
individuais, coletivos ou combinados, e demonstração de habilidades superiores em
determinadas áreas. ” (BRASIL, 1995, p. 23).
Vale ressaltar que a garantia, para que se possa operacionalizar o que se
espera realizar, passa, certamente, pela responsabilidade do sistema educacional em
prever serviços de orientação e suporte técnico aos profissionais, a fim de que se
sintam preparados para desempenhar estas funções, uma vez que esta avaliação está
sendo vista como de maior importância para a identificação. As Diretrizes orientam
para que sejam observadas as seguintes recomendações: deverão ser utilizados, para
seu diagnóstico, testes individuais e/ou coletivos que ofereçam garantia de rigor

22
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

científico e adequabilidade; deverão ser aplicados, por profissional especificamente


preparado, diversos meios e recursos nesse processo (BRASIL, 1995, p. 23).
Ao explicitar melhor os instrumentos que podem ser utilizados para esta
identificação/avaliação, tanto as Diretrizes quanto a Série Atualidades Pedagógicas,
através do Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental,
foram fiéis a um único texto:
Testes realizados por psicólogos são, geralmente, empregados para aferir o
pensamento divergente, o nível intelectual, o autoconceito, as aptidões
diferenciadas e a criatividade. Questionários de interesses, escalas de
avaliação do ajustamento social e emocional bem como entrevistas e técnicas
projetivas para diagnóstico das características de personalidade podem
também ser utilizados. Vários tipos de questionários podem ser elaborados e
adaptados na escola para se avaliarem o desempenho físico e intelectual, a
capacidade de liderança e de criação, bem como as habilidades mecânicas
e artísticas. A escolha dos testes e das técnicas de identificação irá depender
das condições oferecidas pelos serviços de diagnóstico e do conhecimento
dos profissionais que aí trabalham, bem como de adaptações dos
instrumentos às diversas realidades locais (BRASIL, 1995, p. 26; BRASIL,
1999, v. 1, p. 207, grifo nosso).
O texto que corresponde à citação acima é claro ao evidenciar que a
identificação deve consistir em uma gama variada de testes. Vale lembrar que as
diferenças individuais e culturais de nossos alunos deverão ter relevância neste
processo, a fim de que evitemos distorções nos resultados em função da utilização de
instrumentos inadequados. Os documentos reconhecem, ainda, que a identificação
de tais alunos é imprescindível para a previsão de atividades educativas e programas
especiais que possam atendê-los satisfatoriamente. Dentre as estratégias a serem
adotadas para fazê-lo, recomenda-se:
[...] a preparação de pessoal especializado para se operacionalizar tal
processo; o planejamento de programas de seleção eficazes que possam
auxiliar diretamente o sistema escolar; a preparação de programas de
atendimento concomitantes ao processo de identificação, em seus diversos
níveis, a fim de que não fiquem os alunos esperando desnecessariamente e;
a criação de serviços de triagem e identificação do aluno para facilitar a
implementação pluridimensional dos procedimentos. (BRASIL, 1995, p. 24;
BRASIL, 1999, v. 1, p. 215).
Foi com base nesses documentos oficiais que propostas de atendimentos foram

desenvolvidas em estabelecimentos de ensino nos estados brasileiros, na década de

23
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

noventa. A publicação dos Anais sobre o XI Seminário Nacional: Inteligência


Patrimônio Social (1997), ocorrido na Universidade do Estado Rio de
Janeiro, em parceria com o MEC/ SEESP, registrou, de forma significativa, o
que vinha ocorrendo até então. No Rio de Janeiro, a equipe do Instituto Helena
Antipoff, vinculado à Secretaria Municipal de Educação, descreve a modalidade de
atendimento utilizada como sendo através de Sala de Recursos. Oriundos de escolas
particulares ou públicas, matriculados na Educação Infantil ou Ensino Fundamental,
estes alunos (em 1996) estavam em dez Salas de Recursos, em escolas do ensino
regular da Rede Municipal, localizadas em diferentes pontos da cidade.
O atendimento, feito duas vezes por semana, em grupo de no máximo oito
alunos, em turno inverso ao da turma regular, era oferecido em forma de
enriquecimento, assim explicitado:
Situações e desafios para que o aluno descubra suas aptidões e
potencialidades, as trabalhe, através de recursos materiais e pedagógicos
que dificilmente são oferecidos em sala de aula, dado o seu compromisso
com o conteúdo e o número de alunos presentes em sala. O trabalho na
SR/AH não se limita à área intelectual, visto que os talentos também se
apresentam em outras áreas como, por exemplo, artística, social,
psicomotora. [...] Os aspectos afetivos e social recebem igual atenção, sendo
o professor da SR/AH orientado a fazer o seu planejamento sem subestimar
nenhum aspecto ou área específica de dotação. (PAIVA; HINOJOSA, 1997,
p. 79).
Através de indicação, com justificativa do profissional que encaminhasse o
aluno, a professora da Sala de Recursos observava, por aproximadamente dois
meses, o comportamento do mesmo em diferentes situações, para que se
confirmasse, ou não, a sua permanência no grupo. Dentre as dificuldades enfrentadas
na época, é possível destacar:
“Notamos que este aluno é pouco estável, ocorrendo impontualidade, baixa
frequência e evasão devido à dificuldade de locomoção, pois alguns
dependem de companhia para deslocar-se até as Salas de Recursos (que
nem sempre funcionam na escola onde o aluno cursa o ensino regular),
mudança de domicílio e falta de valorização/incentivo dos familiares. ”
A estrutura de funcionamento compromete o trabalho que vinha sendo
desenvolvido, conforme identificação da própria equipe. Apesar disto, na conclusão,
o saldo positivo foi descrito da seguinte forma:

24
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

“O trabalho realizado nas SR/AH tem conseguido oferecer atividades e


situações que oportunizam a auto realização do aluno, a otimização de suas
potencialidades e o desenvolvimento de suas habilidades, visando ao
crescimento pessoal e ao reconhecimento de suas limitações e capacidades,
bem como sua integração no grupo ao qual pertence. ”
Também foi possível identificar outros empecilhos descritos. Vale lembrar que,
considerando as ocorrências transcorridas há aproximadamente dez anos, será que
esta realidade relatada abaixo já se transformou de forma significativa?
“Temos algumas dificuldades na divulgação deste trabalho desenvolvido pelo
Instituto Helena Antipoff, pois contamos com uma rede de 1033 escolas, onde
o desconhecimento por parte dos professores sobre a existência do serviço,
aliado à falta de conhecimento sobre as necessidades educativas especiais
do aluno portador de Altas Habilidades faz com que haja poucos alunos nas
Salas de Recursos em relação ao número de alunos que pensamos existir na
rede, considerando a porcentagem indicada na bibliografia especializada.”
Hoje este número está reduzido a apenas três Salas, segundo reportagem
recente, conforme declaração de Ana Cristina Botelho do Instituto Helena Antipoff ao
jornal Extra (GOMES, 2005, p. 3): “A prefeitura possui três Salas de Recursos de Altas
Habilidades, que funcionam nas escolas municipais José de Alencar, em Laranjeiras;
Dilermando Cruz, em Bonsucesso; e Sobral Pinto, em Jacarepaguá. Atualmente 34
crianças superdotadas estão inscritas no programa. ”
Nesta mesma reportagem, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de
Janeiro informou que estão em processo de implantação vinte Núcleos de Apoio
Pedagógico Especializados (Napes) envolvendo um trabalho conjunto em todas as 29
Coordenadorias de Educação da rede estadual, previsto para funcionar a partir
de 2006. Segundo Alba Cruz (GOMES, 2005, p. 3):
[...] estes núcleos contarão com professores, psicólogos, fonoaudiólogos e
fisioterapeutas capacitados para atender crianças com necessidades
especiais – sejam elas portadoras de deficiências ou com altas habilidades.
Todos os profissionais dos Napes participaram de um curso de capacitação
organizado em parceria com o governo federal em 2004.
Ainda segundo Alba Cruz, é intenção dos NAPES identificar o quantitativo de
alunos com necessidades especiais para formar turmas separadas ou para
encaminhá-los às escolas em condições de recebê-los. Ainda não há turma de
estudantes superdotados formada. Há somente classes de alunos com deficiências.

25
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

4.1 Aceleração/avanço

A aceleração/avanço, regulamentada pelos sistemas de ensino, permite,


inclusive, a conclusão da Educação Básica em menor tempo, desde que haja registro
do procedimento adotado em ata da escola e no dossiê do aluno; inclusão das
especificações cabíveis no histórico escolar; e especificação, nos projetos
pedagógicos e regimentos escolares, do atendimento educacional oferecido, inclusive
por meio de convênios com instituições de ensino superior e outros segmentos da
comunidade.
Na Série Atualidades Pedagógicas (BRASIL, 1999, v. 2, p. 40), a respeito do
Ensino Médio, da Educação Tecnológica e da Educação de Jovens e Adultos, é
apontado, dentre as alternativas mais indicadas a esse segmento, o seguinte
procedimento: “A modalidade de aceleração se aplica com melhor propriedade a esse
nível de ensino, podendo ser de grande utilidade na terminalidade antecipada, quando
o aluno já venceu os conteúdos necessários para a conclusão de sua etapa de
desenvolvimento”.
Quanto aos programas/procedimentos de aceleração, a orientação é para que
o processo de aceleração seja considerado um avanço em série ou ciclo escolar,
através da comprovação de alto desempenho do aluno e “permite-se apenas uma
promoção por etapa nos níveis de ensino”. (BRASIL, 1999, v. 2, p. 63). Este
procedimento é assegurado desde que comprovada sua necessidade por meio da
indicação de uma equipe multiprofissional, que leve em conta a relação entre
potencialidade e maturidade socioemocional e psicomotora. Deve ocorrer
envolvimento da escola ao longo de todo o processo escolar e não somente durante
o período correspondente à aceleração. Outra especificação relevante sinaliza que:
Na aceleração de alunos superdotados já identificados é recomendável que
a diferença máxima de idade entre o aluno superdotado a ser acelerado e
seus colegas seja de dois anos. Casos excepcionais poderão ser analisados
junto aos Conselhos Federal e Estaduais de Educação quando necessário.
((BRASIL, 1999, v. 2, p. 64).
A ocorrência de terminalidade antecipada de determinado nível de ensino prevê
certificação da conclusão da escolaridade, porém, também nesse caso, toda alteração
na vida escolar do aluno deverá ser registrada em atas, dossiê e histórico escolar.

26
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

São previstas, ainda, algumas alternativas a serem utilizadas para efetivar a


aceleração2. São elas:
Estudos avançados: Pequenos grupos de alunos interessados em temas ou
conteúdo específicos atendidos em horário contrário desenvolvem situações
de aprendizagem não seriada mediante técnicas e metodologias
diferenciadas das classes comuns;
Entrada precoce: Acesso antecipado, antes da idade prevista, através de
matrícula na 1º série ou 1º ciclo da Educação Fundamental após comprovada
a superdotação, respeitando as normas dos sistemas educacionais;
Classes Universitárias: Estudantes superdotados do ensino médio
habilitados a participar de cursos superiores, se beneficiam dos créditos
escolares obtidos nas classes universitárias incorporando-os aos seus
currículos, devidamente autorizados pelos conselhos de Educação, quando
puderem ter acesso legal ao ensino superior. (BRASIL, 1999, v. 2, p. 64).

5 UMA APROXIMAÇÃO CONSTRUTIVISTA À ANALISE E COMPREENSÃO DO


DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

As explicações de como e porque algumas pessoas desenvolvem habilidades


superiores não estão suficientemente esclarecidas. O que existe até o momento é um
consenso entre estudiosos acerca da conjunção de dois fatores que influenciam o
desenvolvimento da inteligência: a herança genética e a estimulação ambiental.
Dentre as diversas teorias do desenvolvimento, destacam-se os estudos de Piaget,
os quais demonstram como, ao longo desse processo, cruza-se a filogênese,
relacionada aos determinantes biológicos da espécie, com a ontogênese, que envolve
os aspectos culturais. O enfoque piagetiano da construção da inteligência permite
compreender de que modo a interação desses dois aspectos vai delineando cada ser
humano como um indivíduo diferenciado e único.
Em seus estudos, Piaget demonstra que a evolução da inteligência ocorre pela
estimulação de mecanismos internos a partir do contato com o ambiente. Ele
denomina de motivos os estímulos que geram desequilíbrios no interior do psiquismo

2
Texto extraído: METTRAU, Marsyl Bulkool; REIS, Haydéa Maria Marino de Sant’Anna. Políticas
públicas: altas habilidades/ superdotação e a literatura especializada no contexto da educação
especial/inclusiva. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n57/a03v5715.pdf Acesso em:
16/08/2019 ás 14:30.

27
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

do sujeito levando-o à ação. Esses motivos incluem não só os objetos e pessoas que
o sujeito encontra, como também os conflitos ou perturbações aos quais é submetido.
São eles que põem em ação os processos cognitivos de que o sujeito dispõe para se
autorregular e, desse modo, tentar superá-los ou ultrapassá-los.

Fonte: facebook.com

Daí surge a palavra motivação que pode ser entendida como motivo que leva
à ação e, nesse sentido, tornou-se importante conceito para a pedagogia, porque é
ela que impulsiona o sujeito a atuar em seu meio, promovendo interações que
resultam na ativação dos processos de desenvolvimento e aprendizagem. À medida
que a motivação conduz à interação e está leva a modificações das estruturas
cognitivas no sentido da intencionalidade, o processo de aprendizagem acontece e o
sujeito alcança um grau cada vez maior de adaptação.
O construtivismo piagetiano demonstra que a motivação começa desde que o
bebê se mobiliza em função de suas necessidades básicas, ao entrar em contato com
o ambiente que o cerca. O seio materno, a chupeta, a mamadeira, cada novo estímulo
provoca um desequilíbrio nos esquemas de ação que se modificam estrutural e
funcionalmente, tentando conhecer de modo prático esses objetos, definindo-os pelo
uso que faz deles. O conhecimento do objeto significa que este foi assimilado.
Reestabilizam-se os esquemas de ação, permanecendo em um estado temporário de
equilíbrio até que um novo estímulo venha desequilibrá-los.
Desta forma, desde a fase do lactente até a idade adulta, acontecem infinitos
desequilíbrios e reequilibrações não só no plano cognitivo, mas também no âmbito da
moral e no campo nas trocas afetivas. Os conflitos encontrados em todas essas áreas

28
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

são indispensáveis ao desenvolvimento do indivíduo em suas dimensões física,


mental, emocional, social, espiritual.
Piaget trata como igualmente cognitivas todas as fases do desenvolvimento,
postulando que este se deve ao processo de desequilíbrio/reequilibração, que permite
a assimilação do conhecimento e a aprendizagem. O conceito de assimilação é central
na discussão aqui proposta, porque é através dela que o sujeito retira do ambiente as
informações que passam a fazer parte de sua organização psíquica e é a partir do que
foi assimilado que ele constrói percepções mais organizadas e realiza ações mais
eficazes e adaptativas.
Tomando por base esse conceito, assume importância o entendimento de que
a assimilação e, consequentemente, a aprendizagem acontecem devido à
modificação de estruturas mentais, cujas conexões e rearranjos vão determinando as
características que a inteligência adquire em cada fase do desenvolvimento. Esse
mecanismo pode ser encontrado tanto nos indivíduos com altas
habilidades/superdotação como naqueles ditos "normais", uma vez que o mesmo
processo é responsável pela evolução de todos os seres humanos, que é contínua e
não dá saltos. Conforme afirma Piaget (1997, p.13)
O desenvolvimento intelectual envolve uma equilibrarão progressiva, uma
passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de
equilíbrio superior. Assim, do ponto de vista da inteligência, é fácil se opor à
instabilidade e incoerência relativas às ideias infantis à sistematização de
raciocínio no adulto. No campo da vida afetiva, notou-se, muitas vezes,
quanto o equilíbrio dos sentimentos aumenta com a idade. E, finalmente,
também as relações sociais obedecem à mesma lei de estabilização regular.
E, assim, cada vez que uma perturbação incide sobre o sistema cognitivo, este
se desequilibra e logo a seguir se mobiliza na busca de um funcionamento mental
superior que permita um estado de equilíbrio mais estável e mais amplo. E, no caso
das altas habilidades/superdotação, pergunta-se: como se explica o modo como o
psiquismo reage diante de certos estímulos, chegando a manifestar potencialidades e
talentos algumas vezes de forma aparentemente incompreensível?
Como foi dito anteriormente, para essa questão não existe uma resposta bem
definida, apesar dos avanços da neurociência, da psicopedagogia e áreas afins. A
proposta aqui é estudar algumas nuances do desenvolvimento de altas
habilidades/superdotação à luz do construtivismo piagetiano, com o objetivo de

29
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

contribuir para o entendimento dos mecanismos provavelmente envolvidos no


processo.
Piaget deixa explícita, em poucas palavras, a base de sua teoria de construção
da inteligência:
É, portanto, em termos de equilíbrio que vamos descrever a evolução da
criança e do adolescente. Deste ponto de vista, o desenvolvimento mental é
uma construção contínua comparável à edificação de um grande prédio que,
à medida que se acrescenta algo, ficará mais sólido, ou à montagem de um
mecanismo delicado, cujas fases gradativas de ajustamento conduziriam a
uma flexibilidade e uma mobilidade das peças tanto maiores quanto mais
estável se tornasse o equilíbrio (Piaget, 1997, p. 14).
Neste ponto, pode-se inserir a discussão sobre as variações que ocorrem nos
sujeitos com altas habilidades/superdotação, desde que iniciam suas aprendizagens.
Segundo as ideias de Piaget, admite-se que o processo que leva à evolução de um
estágio de desenvolvimento para o seguinte é o mesmo para todos os indivíduos e
que o que vai produzir diferenças entre um dito "normal" e outro considerado
"superdotado" e até entre "superdotados" é o modo e o ritmo como as estruturas
cognitivas se organizam nas tentativas de entender o mundo e se adaptar a ele.
A possibilidade de haver diferentes reorganizações nas estruturas cerebrais
responsáveis pelo conhecimento é um aspecto fundamental para a análise das
variações que ocorrem nas manifestações da inteligência, inclusive as altas
habilidades/superdotação.

Fig.1 Neurônio3 Fig.2 Conexões neuronais4

3
A figura 1 mostra um neurônio: célula do sistema nervoso central responsável pela transmissão do impulso
nervoso que conduz a informação. O neurônio é composto por um corpo celular que apresenta prolongamentos
chamados dendritos (porque se assemelham a dedos) e um filamento mais longo denominado axônio.
4
A figura 2 mostra algumas sinapses que são conexões entre os dendritos de um neurônio com o axônio de um
neurônio vizinho.
30
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

Sabe-se que, no processo de desenvolvimento humano, a maturação do


sistema nervoso permite que os estímulos oferecidos sejam transmitidos e
assimilados através das conexões entre neurônios (fig.1). Essas conexões,
conhecidas como sinapses (fig.2), são formadas quando o axônio de um neurônio se
aproxima dos dendritos de um neurônio vizinho, desencadeando um fenômeno
eletroquímico4 por meio do qual o impulso nervoso é transmitido. Nesse momento,
sustâncias mediadoras chamadas neurotransmissores são liberadas na fenda
sináptica, estimulando os receptores que se localizam nos dendritos do neurônio
vizinho.
Essa comunicação entre os neurônios permite que os diversos estímulos do
ambiente sejam percebidos e representados no psiquismo, gerando respostas
motoras e emocionais, constituindo a aprendizagem e a memória. Dessa forma, as
informações que transitam no sistema nervoso são responsáveis pela manutenção
das funções corporais, pela interação do indivíduo com o meio, permitindo-lhe agir
sobre ele.
Quando um bebê agita seu maracá e ouve o som dos guizos, forma-se uma
rede de neurônios que registram a informação e a armazenam em esquemas de
memória. Essa memória estará disponível sempre que o esquema for reativado, de
modo que, em outro momento, o bebê pode refazer as conexões, evocando a
informação. A partir da assimilação da experiência original, ele pode modificá-la,
criando novas conexões, como, por exemplo, coordenar as batidas do maracá em um
novo ritmo ou aproximá-lo de outros objetos, para produzir diferentes sons. Se as
experiências lhe agradam e motivam a continuar fazendo tentativas, na sequência de
seu desenvolvimento, ele pode buscar o contato com instrumentos musicais e
demonstrar desde cedo um talento para a musicalidade.
Um menino de cinco anos, ao observar o céu, pode se sentir estimulado a fazer
perguntas sobre as fases da lua e, no diálogo com adultos, começar a questionar
como ela funciona em relação à Terra. Daí em diante, pode implementar uma busca
por mais informações, pesquisando sobre planetas, sobre os dias e as noites, etc.
Transmitidas sob forma de impulsos em seu cérebro, as informações caminham
rapidamente entre os neurônios, criando inúmeras conexões que se interligam sob a
forma de verdadeiras redes, que vão cada vez mais se ampliando em esquemas
maiores e mais complexos.

31
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

De posse desses esquemas, e conforme sua capacidade de integrar


informações, o menino pode combiná-las de diversas formas, elaborando conjuntos
de raciocínios que podem revelar altas habilidades/superdotação. Isso vai depender
da qualidade e quantidade dos estímulos oferecidos pelo ambiente, da fisiologia de
suas estruturas cognitivas, além de também influenciar nesse processo os valores
culturais do contexto no qual ele vive.
A valorização social do conhecimento interfere na construção da inteligência,
podendo direcionar essa construção para determinados tipos de conhecimento por
agregar significados ao que o sujeito sente, percebe, pensa ou realiza. Os valores
culturais do contexto e do momento histórico estão muitas vezes por trás da motivação
para a aprendizagem de determinados tipos de conhecimento em detrimento de
outros.
Eles podem funcionar como um estímulo a mais ao desenvolvimento de certas
potencialidades humanas e podem dificultar o aparecimento de aptidões que o sujeito
tem, mas, por falta de estímulo, não manifesta. Isso vale tanto para pessoas com altas
habilidades/superdotação como para aquelas ditas "normais".
Costuma-se decompor as aquisições cognitivas em tipos específicos de
conhecimento como: linguísticos, musicais, matemáticos e habilidades para lidar com
informações perceptuais como cores, formas, sucessões temporais ou vínculos
afetivos. Na verdade, as conexões se formam a partir dos variados tipos de estímulos,
cujas representações não se desenvolvem separadamente. Elas vão se integrando
no psiquismo de modo indissociável. Acontece que, de acordo com os valores
vigentes na sociedade, as aprendizagens deste ou daquele tipo de conhecimento são
ressignificadas e podem perder ou ganhar importância a cada fase da vida do sujeito.
Segundo Piaget, no processo de organização das aquisições cognitivas,
estabelecem-se níveis sucessivos de complexidade que culminam com o
desenvolvimento da capacidade de fazer abstrações mais complexas, responsáveis
pela elaboração do pensamento hipotético dedutivo. Isso ocorre tanto na habilidade
para a matemática quanto nas demais manifestações da inteligência.
Indaga-se por que, em um dado momento do desenvolvimento, às vezes até
muito precocemente, um indivíduo apresenta talento incomum ou desempenho maior
que o esperado para sua faixa etária, caracterizando a presença de altas
habilidades/superdotação em um ou mais de um campo de conhecimento.

32
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

Respostas para essa indagação podem ser buscadas nos estudos piagetianos
quando explicam o processo de organização e reorganização das estruturas
cognitivas durante o processo de estimulação destas. Embora Piaget não tenha
desenvolvido pesquisas voltadas especificamente ao desenvolvimento de altas
habilidades/superdotação, alguns conceitos e noções estabelecidos em sua teoria
podem enriquecer a discussão do tema.
Uma destas noções é a de auto regulação, uma função que, segundo Piaget,
está presente em todos os processos biológicos dos organismos vivos. Ele afirma que
a construção do conhecimento pelos seres humanos obedece ao funcionamento de
mecanismos fisiológicos que acontecem no interior das estruturas cognitivas. Ele se
refere a um potencial endógeno de mutação e de recombinação que se manifesta num
poder ativo de auto regulação (1978, p. 32).
Os mecanismos de auto regulação explicam a possibilidade de haver variações
inusitadas durante o processo de construção da inteligência. A capacidade do
organismo se autorregular é responsável pelas diferenciações que vão ocorrendo nas
estruturas cognitivas, de modo que um esquema diferenciado possa se construir a
cada contato do sujeito com novos estímulos.
A partir dessa compreensão, Piaget critica o clássico esquema S-R,
considerando-o insuficiente para explicar o processo de desenvolvimento da
inteligência. Ele demonstrou em suas pesquisas que, no momento em que a estrutura
cognitiva entra em contato com o estímulo, este não gera necessariamente uma
resposta automática e esperada, como ocorre num reflexo ou nos mecanismos
hereditários identificados nas condutas instintivas. Pelo contrário, o ser humano
consegue dar respostas novas quando colocado diante de um mesmo estímulo.
Ele propõe então um outro esquema, cuja configuração é S (A) R, no qual o (A)
representa a assimilação que acontece a partir do estímulo (S) e que gera a resposta
(R). A configuração S (A) R permite explicar, por exemplo, por que, apesar de estar
com fome, uma pessoa pode optar por não ingerir determinado alimento que decidiu
excluir de sua dieta.
Explica também por que o fogo pode ser utilizado de modo construtivo ou
destrutivo, sendo simbolizado de diversos modos conforme as influências do momento
histórico e do contexto cultural. Essa teoria esclarece por que as peças de um jogo de
xadrez podem ser usadas numa partida de damas desde que as regras sejam
aceitas/assimiladas pelos parceiros. Permite ainda compreender a importância dos
33
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

aspectos afetivos e dos valores culturais no estabelecimento de diferentes


direcionamentos na construção da inteligência e da própria noção de eu.
Segundo ele, enquanto o esquema S-R presta-se apenas à explicação das
condutas instintivas, o esquema S (A) R permite incluir a flexibilidade e a plasticidade
inerentes aos processos cognitivos do ser humano. Na passagem do instinto à
inteligência, Piaget (1978, p. 36) se refere ao caráter rígido e cego, mas infalível do
instinto em contraposição às propriedades de intencionalidade consciente, de
plasticidade, mas também de falibilidade dos aspectos afetivos, morais e cognitivos
do homem. Essa proposição fundamenta a teoria de que a plasticidade observada no
desenvolvimento humano, desde a infância até a vida adulta, deve-se à modificação
das estruturas cognitivas e seu auto regulação diante de cada contato com os
estímulos.
Piaget traz a percepção de que todos os indivíduos apresentam diferenças no
modo como as estruturas cognitivas respondem aos estímulos. Sua teoria permite
inferir que as diferenças observadas como altas habilidades/superdotação podem ser
compreendidas como a expressão de mudanças mais intensas no ritmo e na forma
como se compõem os esquemas cognitivos a partir das conexões entre os neurônios.

Fig.3. Diferentes modos de organização dos esquemas cognitivos5

5
Na fig. 3. Estão desenhados alguns tipos de esquemas: centralizados, descentralizados e distribuídos.
(Fonte: http://nandai.files.wordpress.com/2008/07/baran_resumo.gif acesso em 06/10/09)
34
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

Um número maior de conexões e rearranjos entre os neurônios pode, por


exemplo, permitir que, para um determinado sujeito, cada nova informação seja mais
rapidamente assimilada e integrada aos esquemas já construídos, preparando-o para
a construção de outros mais amplos e mais eficientes.
Os conceitos de competência e sensibilidade desenvolvidos na teoria
piagetiana também são importantes para a análise da questão das altas
habilidades/superdotação. Segundo Piaget (1978, p. 33), a cada nova experiência de
contato com um estímulo, as estruturas cognitivas passam por mudanças e adquirem
uma sensibilidade que ele chamou de competência. Graças a essa competência um
indivíduo pode demonstrar maior facilidade do que outras pessoas para assimilar um
ou mais tipos de conhecimento, bem como resolver problemas de forma mais rápida
e criativa.
Piaget considera que o processo de construção da inteligência se revela no
aumento progressivo da sensibilidade e da competência. A aprendizagem para ele é
a aquisição da competência para dar respostas cada vez mais eficazes e adaptativas
às situações que se apresentam. Desta forma, ele compreende essa construção como
um processo vivo que, por ser auto-regulável, é também de certa forma imprevisível
e, por isso mesmo, criativo e inovador.
Quando Piaget se refere ao desenvolvimento como um fenômeno até certo
ponto imprevisível, ele permite a inferência de que as estruturas cognitivas podem,
em alguns casos, adquirir uma sensibilidade maior, modificando-se de forma
diferenciada daquela que normalmente deveria ocorrer. Essa variação teria como
consequência a manifestação de uma competência especial que, por hipótese,
poderia ocasionar a ampliação do poder de assimilação e acomodação das estruturas
mentais, as quais teriam condições de se transformarem de modo mais flexível e/ou
num ritmo mais rápido. Tudo isso ampliaria as possibilidades de compreensão e
invenção, aumentando muitíssimo a capacidade intelectual do indivíduo, fazendo-o
sobressair-se em termos de desempenho diante dos demais.
Indaga-se nesse ponto à teoria piagetiana por que somente alguns indivíduos
desenvolvem uma sensibilidade mais aguçada em suas estruturas cognitivas,
apresentando maior competência do que outros para a aprendizagem de alguns tipos
de conhecimento. Uma explicação possível reside no fato já discutido anteriormente
de que o processo de aprendizagem não segue um esquema predeterminado S-R,

35
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

como no caso dos instintos, e sim o esquema S (A) R, que tem como característica a
flexibilidade das estruturas e como resultado a variabilidade das respostas.
Embora não se possa definir se uma sensibilidade especial para aprender é
prioritariamente determinada pela genética ou se depende mais do processo de
modificação das estruturas cognitivas pelos estímulos oferecidos, pode-se inferir, a
partir da ótica piagetiana, que nas pessoas com altas habilidades/superdotação essas
estruturas parecem se organizar e reorganizar de modo diferente do que acontece
com a maioria das pessoas.
Parece haver uma flexibilidade maior no momento do estabelecimento das
conexões neuronais. Sendo assim, o sujeito poderia assimilar o conhecimento de
modo mais rápido, integrando conhecimentos de diferentes domínios. Uma
compreensão mais abrangente lhe possibilitaria apresentar respostas mais criativas e
diversificadas diante dos problemas. Essa mesma premissa justificaria a facilidade
com que pessoas com altas habilidades/superdotação conseguem realizar operações
lógicas ou revelar talento nas artes plásticas, na música, além de desde cedo
despertarem para habilidades de liderança e comunicação, manifestando capacidade
de auto-percepção e empatia. Pesquisas têm indicado que o cérebro dessas pessoas
poderia ter características orgânicas diferenciadas.
Resultados dos estudos do cérebro de Einstein, realizados por uma equipe do
Departamento de Psiquiatria e Neurociências da Faculdade de Ciências da Saúde da
McMaster University (1985) e publicadas em junho de 1999, revelaram que uma parte
de seu cérebro era fisicamente diferente. Comparando as medidas anatômicas do
cérebro de Einstein com aquelas de cérebros de 35 homens e 50 mulheres com
inteligência normal, o grupo de pesquisa descobriu que, no caso de Einstein, o cérebro
era semelhante aos outros pesquisados, exceto nas regiões chamadas de lobos
parietais.

36
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

Fig.4. Anatomia do cérebro - lobos: frontais, parietais, occipitais e temporais

Cérebro normal Cérebro Einstein’s

Em ambos os lados do cérebro de Einstein, os lobos parietais eram cerca de


15% mais largos do que nos outros cérebros estudados. O cérebro normal contém
uma região chamada opérculo parietal e lobo parietal inferior; neste último reside o
raciocínio matemático e visual. No cérebro de Einstein, o opérculo parietal (indicado
na figura) foi perdido. Foi isto que permitiu ao lobo parietal inferior crescer 15% mais
que o normal.
Os neurônios localizados nessa região do córtex cerebral são responsáveis
pela combinação das impressões relacionadas à forma e ao peso e as transformam
em percepções gerais. Também estão relacionados à orientação no espaço e à
percepção da posição das partes do corpo. Como essa região é relacionada à
cognição viso-espacial, ao pensamento matemático e às imagens de movimento,

37
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

talvez a alteração na anatomia explique por que Einstein resolvia problemas científicos
de modo extraordinário.
Um outro detalhe encontrado no estudo é que seu cérebro não continha uma
fenda, conhecida como sulcus. Os pesquisadores acreditam que essa diferença
anatômica pode ter permitido que um maior número de neurônios estabelecesse
conexões entre si e trabalhassem em conjunto mais facilmente, criando uma extensão
extraordinariamente grande de córtex altamente integrado dentro de uma rede
funcional. Segundo a conclusão dos pesquisadores, os resultados sugerem que as
diferenças nas capacidades das pessoas em realizar determinadas funções cognitivas
podem ser devidas até certo ponto às diferenças estruturais nas regiões do cérebro
que intermedeiam essas funções.
Concluindo, embora esses resultados pareçam interessantes, não se pode
afirmar se o cérebro de outros físicos, matemáticos e cientistas brilhantes
apresentariam alterações em sua anatomia. Hoje é possível observar os cérebros de
gênios vivos através de imagens por ressonância magnética e a tomografia por
emissão de pósitrons. Estes exames permitem que os cientistas observem o cérebro
em funcionamento, observando não apenas as diferenças na estrutura cerebral, mas
também mudanças na atividade que ocorre no momento em que aquelas estruturas
estão sendo observadas.
Por exemplo, se o cérebro de Einstein tivesse sido estudado com essa
tecnologia, os cientistas poderiam ter observado seus grandes lóbulos parietais em
funcionamento e procurado discernir as atividades nessas áreas. Isso facilitaria a
reflexão sobre suas hipóteses, porque o estudo não investigou como os neurônios
nesse cérebro estavam conectados entre si e, naturalmente, não se poderia afirmar
com certeza se havia diferenças na maneira como os neurônios funcionavam.
Vale lembrar que, independentemente de ter ou não diferenças anatômicas ou
funcionais que justifiquem o aparecimento de altas habilidades/superdotação, cada
indivíduo se desenvolve de forma original, ressaltando-se que o processo de
desenvolvimento intelectual está inserido na construção do ser humano em todas as
suas dimensões e que essa construção se dá por meio de
desequilíbrios/reequilibrações modulados pelos mecanismos de auto regulação,
indispensáveis para a variabilidade observada no processo.
Piaget diz que a reorganização e auto regulação das estruturas cognitivas
permitem que aconteçam novidades durante o processo de construção da inteligência.
38
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

O termo novidades foi utilizado por ele para designar ocorrências novas, originais e
imprevisíveis que podem acontecer no percurso do desenvolvimento. Nesse sentido,
propõe-se aqui considerar a emergência de altas habilidades/superdotação como uma
dessas novidades, que são percebidas quando, por exemplo, o sujeito começa a dar
respostas mais avançadas do que aquelas esperadas em determinada etapa do
desenvolvimento.
Estas respostas diferenciadas se explicariam pelas auto regulações e
reequilibrações que estariam se processando de forma especial. Sabendo-se que as
auto regulações são propriedades inerentes ao sistema nervoso e que elas são
responsáveis pelas diferenciações de todos os seres humanos, pode-se hipotetizar
que, nas pessoas com altas habilidades/superdotação, elas poderiam ocorrer de
modo extraordinário, promovendo mudanças mais marcantes no sentido de serem
potencializadoras dos esquemas cognitivos. Teoricamente isto pode acontecer tanto
a partir das conexões neuronais estabelecidas desde as fases mais precoces do
desenvolvimento quanto em outros momentos da vida.
Além disso, as mudanças poderiam ocorrer com relação tanto a uma maior
quantidade de conexões quanto à qualidade destas. Conexões mais flexíveis levariam
à formação de redes mais amplas de neurônios e também mais diversificadas,
permitindo um maior número de respostas para os problemas. Além disso, as
combinações entre diferentes sistemas neuronais favoreceriam elaborações
intelectuais em níveis crescentes de complexidade. A partir dessa concepção,
propõese aqui que mudanças no interior das estruturas cognitivas ou nas conexões
entre elas podem dar origem a manifestações que correspondem ao conceito de altas
habilidades/superdotação.
Portanto, um determinado bebê poderia apresentar um nível mais elaborado de
coordenação motora do que aquele esperado para outras crianças da mesma faixa
etária. Explicaria por que um estudante de 10 anos com altas
habilidades/superdotação estaria apto a resolver problemas matemáticos do período
operatório formal, ultrapassando o estágio de desenvolvimento previsto para sua
idade.
Embora Piaget não se refira à inteligência como um conjunto de habilidades,
nem tenha se dedicado ao estudo do funcionamento cognitivo de pessoas com altas
habilidades/superdotação, ele muito contribuiu para a compreensão de fenômenos
pertinentes ao desenvolvimento da inteligência quando apontou a neurobiologia do
39
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

cérebro como caminho para o entendimento dos processos de auto regulação. Suas
ideias permitem compreender a diversidade encontrada entre os seres humanos e
estimulam a busca de maiores explicações nesse campo: "quanto às coordenações
nervosas cabe à biologia mostrar suas relações com as regulações orgânicas de todos
os níveis" (1978, p. 39).
Em sua visão, o desenvolvimento não é um processo circular, uma vez que
cada novo equilíbrio conduz a níveis mais altos de funcionamento, e sim constitui uma
espiral de conhecimento, demonstrada na seguinte figura ilustrativa:

Fig. 5. Espiral do desenvolvimento intelectual, moral e afetivo do ser humano

A = niveis de construção cognitiva


xxx = interação crescente com a realidade

Desse modo, Piaget (1978) afirma que os processos de tomada de consciência


e abstração envolvidos na construção do conhecimento aperfeiçoam-se em seu
percurso, que se estende por um longo período de tempo graças às reequilibrações
sucessivas e segue, inexoravelmente, os seguintes estágios: sensório-motor,
préoperacional, operações concretas e operações formais. Para ele, a evolução da
inteligência se dá à medida que o sujeito constrói progressivamente as estruturas
específicas para conhecer a realidade. Tornando-se cada vez mais complexas e
aperfeiçoadas, estas estruturas possibilitam uma melhor adaptação à vida e ao
ambiente.
Vale lembrar que esse processo de construção, que resulta das trocas que se
estabelecem entre o sujeito e o meio físico e social, é o mesmo para todas as pessoas
quer tenham altas habilidades/superdotação ou não. A diferenciação no sentido das

40
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

altas habilidades/superdotação vai depender do modo como se cruzam a filogênese


e a ontogênese no momento da atividade cognitiva.
É importante enfatizar que os fatores que irão influenciar o desenvolvimento da
inteligência e também o surgimento de altas habilidades/superdotação são: o
potencial genético, representado pela constituição anátomo-estrutural e bioquímica
das vias neuronais; os estímulos oferecidos pelo ambiente e a valorização social
expressa nas demonstrações de satisfação com as conquistas conseguidas pela
criança no contexto educacional da escola, da família e da sociedade em geral.
No caso das manifestações das altas habilidades/superdotação, assume
especial importância o contexto no qual se dá aprendizagem, uma vez que este pode
ser um fator facilitador ou cerceador das manifestações de potencialidades e talentos
cuja emergência pode depender da valorização social de determinados tipos de
conhecimento. Conforme o valor dado pelo contexto, o sujeito pode se motivar ou não
a apresentar suas potencialidades. Pode nem sequer entrar em contato com suas
habilidades ou, mesmo que se perceba como talentoso em alguma área, não se
dedicar como poderia, caso esta não seja estimulada ou valorizada socialmente.
Atuando isoladamente ou combinados entre si, esses fatores poderiam
promover diferenças na qualidade e no ritmo das aquisições cognitivas, gerando
interferências nos diversos esquemas que estão se construindo. Observa-se que
algumas pessoas desenvolvem altas habilidades/superdotação apesar de
encontrarem ambientes pouco estimulantes e até em condições adversas. Nesses
casos, elas conseguem desenvolver um modo próprio de funcionamento mental que
as levam a ter sucesso na aprendizagem, apesar dos limites que se interpõem em sua
empreitada rumo ao conhecimento.
Isto também se explica pela flexibilidade e plasticidade das conexões
neuronais, que permitem as mais diversas adaptações, deixando em segundo plano
as determinações biológicas e sobrepujando o poder das influências do meio.
Admitindo-se que o cérebro humano tem essas
características (plasticidade/flexibilidade), pode-se compreender as especificidades e
nuances que caracterizam o processo de construção da inteligência e, de forma mais
ampla, o processo de construção do próprio ser humano.
Não se buscou apresentar aqui um conjunto de características de
aprendizagem dos sujeitos com altas habilidades/superdotação, e sim demonstrar que
o caminho que eles trilham na construção de sua inteligência é o mesmo representado
41
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

na espiral do desenvolvimento normal do ser humano, havendo apenas alguns


aspectos que os diferenciam na manifestação de suas potencialidades e
necessidades.

6 ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NO CONTEXTO DA


EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação


Inclusiva (2008) supera a fragmentação do ensino para os alunos da educação
especial e define esta modalidade como transversal aos níveis, etapas e outras
modalidades de ensino. A educação inclusiva defende o direito de todos os alunos à
escolarização, questiona as práticas pedagógicas homogêneas, investindo em uma
pedagogia que reconhece as diferenças.
Essa proposta político-educacional concebe como público da educação
especial alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. A estes alunos devem ser disponibilizados recursos e
serviços orientados para a promoção da sua participação e aprendizagem escolar e
ofertado o atendimento educacional especializado, de forma complementar ou
suplementar ao ensino regular.
Discorrer acerca da inclusão de alunos com altas habilidades/superdotação na
escolarização comum requer aprofundar a discussão das práticas educacionais no
âmbito da sala de aula comum e do atendimento educacional especializado. É a partir
da articulação entre educação comum e educação especial que são promovidas as
condições necessárias para que os alunos com altas habilidades/superdotação
aprendam, participem, desenvolvam e potencializem suas habilidades, prosseguindo
seus estudos nas áreas de interesse.
Os alunos com altas habilidades/superdotação são aqueles que demonstram
potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas:
intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes; também apresentam
elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas
em áreas de seu interesse (MEC, 2008).

42
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

Fonte: saberincluir.com.br

Historicamente, os alunos com altas habilidades/superdotação não


encontraram obstáculos no acesso à escola comum - ingresso e matrícula. No
entanto, muitos deles passavam despercebidos na escola comum. Parte do motivo
que os levou a tal invisibilidade diz respeito à utilização de testes para aferição do
quociente intelectual, orientados por uma concepção restrita de inteligência e altas
habilidades/superdotação, e que não contemplavam as diferentes aptidões e formas
de expressão da criatividade destes alunos. A elaboração destes instrumentos, a partir
de uma concepção centrada no desempenho acadêmico, linguístico e lógico
matemático, desconsiderava no processo de avaliação as habilidades diversas, a
exemplo daquelas relacionadas às soluções de problemas do cotidiano.
A interpretação destes resultados dos testes apontava para uma capacidade
cognitiva superior ou inferior do sujeito, definindo o tipo de intervenção a ser realizada
fora da escola ou da sala de aula comum e, no geral, dissociadas do projeto escolar.
A concepção das altas habilidades/superdotação preservava, desta forma, o
mito de que estas pessoas possuíam valores "superiores" e saberes inquestionáveis.
No campo educacional, esse mito contribuiu para fortalecer a concepção
equivocada de que as altas habilidades/superdotação poderiam ser manifestadas em
diferentes áreas do conhecimento, mesmo sem oportunidades escolares adequadas;
o mito era explicado por um desenvolvimento individualizado e de ordem
predominantemente biológica. O imaginário social reforçava a proposição de que
alunos com tais habilidades e necessidades não precisavam de recursos e serviços
específicos para o desenvolvimento de suas potencialidades.

43
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

Aconcepção atual sobre os processos de identificação de alunos com altas


habilidades/superdotação rompe com esse paradigma tradicional, que enfatizava
somente a hereditariedade da inteligência e considerava o desenvolvimento de
habilidades e comportamentos a partir de uma visão estanque e linear. Ela investe em
estratégias que envolvem a observação, o contexto e as experiências desses alunos
na escola e fora dela para o reconhecimento de potencialidades.
Na perspectiva multidimensional, as discussões sobre inteligência e as altas
habilidades/superdotação passaram a incorporar pesquisas e análises sobre uma
aprendizagem contextualizada e dependente de oportunidades e atividades para o
desenvolvimento de habilidades. Sendo as habilidades acima da média manifestadas
em diferentes áreas do conhecimento, a concepção de altas habilidades/superdotação
coaduna-se a noção de rendimento e de excelência vislumbrada processualmente; de
tal modo um ambiente enriquecedor, estimulante, é essencial para a identificação e
para a proposição de ações para sujeitos que possuem tal necessidade específica de
aprendizagem.
Por identificação entende-se o conjunto de instrumentos pedagógicos que
podem ser utilizados para o reconhecimento de diferentes habilidades dos alunos em
diversas áreas do conhecimento, considerando as especificidades das altas
habilidades/superdotação. Essa prática de identificação traz o contexto da escola
como foco de análise e a observação do professor possibilitando: conhecer diferentes
estratégias que alguns alunos usam na resolução de problemas; revelar seus
interesses e motivações; e avaliar conhecimentos e estilos de aprendizagem,
subsidiando o trabalho educacional.
Nesse sentido, o objetivo da identificação não é "rotular" os alunos com altas
habilidades/superdotação, mas verificar elementos individuais de aprendizagem para
a elaboração de atividades e provisão de recursos específicos para estes. Não se
busca um rendimento ou uma produção padrão que homogeneízam os alunos, mas
consideram-se as diferenciações quanto aos interesses e habilidades e níveis de
comprometimento com a tarefa, ou seja, as habilidades apresentadas são
demonstradas em determinada ou em determinadas área(s) e ocasionalmente
vislumbradas em períodos e situações distintas.
Na conjuntura educacional presente, as discussões sobre as altas
habilidades/superdotação incorporam pesquisas e análises sobre uma aprendizagem
contextualizada e vinculada a oportunidades e atividades de estímulo. Assim, as altas
44
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

habilidades/superdotação não constituem apenas um atributo do indivíduo, mas são


resultantes da interação do indivíduo com seu ambiente (ALENCAR & FLEITH, 2001).
Na medida em que habilidades geram necessidades que são desencadeadas
por um contexto de estímulo e de aprendizado, a intervenção pedagógica específica
para o atendimento aos alunos com altas habilidades/superdotação deve oportunizar
a manifestação da criatividade e originalidade do aluno; técnicas que cooperam com
a elaboração de trabalhos na(s) área(s) de interesse; e atividades usadas para
transformar os ambientes tornando-os mais adequados ao aprendizado.
Estas intervenções são prerrogativas de uma educação de qualidade a todos
os alunos, na qual a ênfase das oportunidades escolares colabora para o processo de
construção do conhecimento e para a valorização das diversas formas do pensar. Tais
práticas pedagógicas devem considerar e estimular o processo de desenvolvimento
das estruturas cognitivas e possibilitar recursos compatíveis com a finalidade
educacional de ampliar as condições de aprendizagem aos alunos com altas
habilidades/superdotação.
A partir dos pressupostos teóricos de Piaget (1956), o conhecimento é fruto de
um processo de interação do indivíduo com o meio e a inteligência é a resposta
orgânica do indivíduo às solicitações e desafios desse meio. Os conceitos piagetianos
contribuem para o entendimento de que quanto mais provocadoras e
desequilibradoras forem às estratégias de ensino propostas em sala de aula, tanto
maior serão as oportunidades e as possibilidades de construção do conhecimento
pelos alunos.
A proposta educacional, derivada desses pressupostos favorece os alunos
com altas habilidades/superdotação na superação de possíveis dificuldades na
construção do conhecimento de forma individual e coletiva, no reconhecimento de
características de aprendizagem distintas e individuais, reconhecendo a importância
da interação e da participação de todos os alunos nos espaços comuns de
aprendizagem. A aprendizagem colaborativa contribui para a autonomia cognitiva dos
alunos com altas habilidades/superdotação, desafiando-os a não somente
compartilhar conhecimentos na sala de aula, mas beneficiar-se dos processos de
aprendizagem coletivos.

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APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

7 ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: ARTICULAÇÃO


ENTRE O ENSINO COMUM E O ATENDIMENTO EDUCACIONAL
ESPECIALIZADO

A organização de sistemas educacionais inclusivos demanda a inter-relação de


ações entre a educação comum e a educação especial. O processo de identificação
de alunos com altas habilidades/superdotação, realizado em sala de aula comum e
apoiado pelo atendimento educacional especializado - AEE, fundamentado na
concepção e nas práticas pedagógicas inclusivas, contribui para o planejamento e
execução de propostas de enriquecimento curricular nesses dois ambientes.
Ao promover o debate sobre as concepções de altas habilidades/superdotação,
entre os professores e a comunidade escolar, é necessário definir quais assertivas
estão em consonância com as práticas desenvolvidas na perspectiva da educação
inclusiva, de forma que estas expressem a importância de ambientes de
aprendizagem integrados e da manifestação do conhecimento nas diferentes áreas
de interesse destes alunos.

Fonte: 123rf.com
Ao caracterizar e prever o atendimento educacional especializado, com função
complementar ou suplementar à escolarização, este orienta e possibilita que os alunos
com altas habilidades/superdotação tenham atividades de enriquecimento curricular
na sala de aula comum e na sala de recursos multifuncionais.
Para tanto, o projeto político pedagógico da escola deve prever a articulação
da escola com instituições de educação superior, centros voltados para o

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APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

desenvolvimento da pesquisa, das artes, dos esportes, entre outros, e promover a


cooperação entre estes centros e a escola, oportunizando a execução de projetos
colaborativos, que atendem às necessidades específicas dos alunos com altas
habilidades/superdotação.
A organização curricular, o planejamento, a avaliação e as práticas
educacionais se transformam quando o ensino promove situações de aprendizagem
onde todas as possibilidades de respostas dos alunos são acolhidas, interpretadas e
valorizadas, e tornam-se subsídios para a identificação de habilidades em diferentes
áreas. A diversificação de respostas torna-se o mote das aprendizagens e não a sua
padronização.
Essa organização curricular, na perspectiva da educação inclusiva, requer o
reconhecimento das diferenças, ou seja, atende às possibilidades e capacidades. De
tal modo, enquanto um processo dinâmico, o currículo é compreendido como o
caminho que os alunos percorrem em seu processo de escolarização, para além dos
conteúdos programáticos estabelecidos em cada nível ou etapa de ensino.
O planejamento escolar, definido como sistematizador de intencionalidades
educativas, precisa ser assumido como uma prática de observação e reflexão do
cotidiano educacional. De acordo com o contexto em que as estratégias de ensino
são promovidas, o planejamento atende a características transdisciplinares, globais e
de articulação entre a sala de aula comum e o AEE.
Ao expressar essa articulação entre a sala de aula comum e a sala de recursos
multifuncionais, através de projetos de trabalho consistentes, o planejamento coletivo
possibilita acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos
do ensino regular, bem como estabelecer parcerias na elaboração de estratégias e
disponibilização de serviços do atendimento educacional especializado para os alunos
com altas habilidades/superdotação.
A avaliação é outro aspecto essencial para o reconhecimento das diferenças
na escola. Ela pode ser considerada um obstáculo quando compreendida como um
elemento sancionador e qualificador, em que os sujeitos da avaliação são somente os
alunos, e o objeto da avaliação, as aprendizagens realizadas por eles.
Entretanto, a avaliação tem o sentido reconstrutivo, quando deixa de focar
exclusivamente os resultados obtidos pelos alunos e passa relacioná-los com as
práticas pedagógicas, possibilitando a problematização dos processos de ensino e

47
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

aprendizagem e identificação das diferentes formas da construção do conhecimento


pelos alunos de uma mesma turma.
Na perspectiva da educação inclusiva, a avaliação constitui-se basicamente de
três momentos: o primeiro busca verificar os conhecimentos prévios dos alunos sobre
os conteúdos a serem trabalhados pedagogicamente, suas hipóteses e referências de
aprendizagem; o segundo se relaciona ao processo de aprendizagem, ao
acompanhamento e aprofundamento dos temas estudados; e o terceiro momento diz
respeito ao que os alunos aprenderam em relação à proposta inicial e as novas
relações estabelecidas.
Os projetos de trabalho pela sua natureza flexível, enriquecedora e
exploratória, organizados na perspectiva inclusiva, são capazes de instigar a
aprendizagem por descoberta e criação, proporcionando aos alunos a ampliação do
interesse por diversas temáticas e a inter-relação entre elas. Esses projetos de
trabalho se caracterizam pela execução da tarefa em período variável, conforme
interesses individuais e/ou coletivos destes alunos e pelo uso de instrumentos
favorecedores da iniciação ou do aprofundamento de temas gerais e temas
específicos de estudo.
Enquanto proposta de ação no âmbito escolar, os projetos de trabalho são uma
alternativa para a organização de atividades, considerando o interesse e a curiosidade
dos alunos. Sob este prisma, sua elaboração parte dos interesses da turma para
escolha e organização dos temas que serão base do estudo e, desde o princípio da
sua execução, cabe aos professores iniciar o processo de observação dos alunos com
altas habilidades/superdotação, considerando suas habilidades, identificando-as
durante o desenvolvimento do projeto e estabelecendo sua posterior articulação com
o atendimento educacional especializado - AEE, se necessário.
Essa articulação para a elaboração de estratégias de intervenção pedagógica,
coerente com a proposta de desenvolver as habilidades e atender as necessidades
educacionais específicas apresentadas pelos alunos, promove a oferta de serviços e
recursos auxiliares para a identificação das habilidades e a disponibilização de
atividades que desafiam a criatividade e estimulam a construção do conhecimento nas
diferentes áreas curriculares.
Neste sentido, o professor do AEE, em interação com o professor da sala de
aula comum, define o plano de atendimento, contemplando a seleção e a organização
de recursos e serviços para a estimulação e o desenvolvimento das altas
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APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

habilidades/superdotação, bem como a articulação de redes de colaboração,


informação e conhecimento, em diversas áreas que suplementam a proposta
curricular.
Em diferentes etapas e em virtude dos interesses e habilidades dos alunos com
altas habilidades/superdotação, os objetivos do atendimento educacional
especializado - AEE definem-se por:

• Maximizar a participação do aluno na classe comum do ensino regular,


beneficiando-se da interação no contexto escolar;
• Potencializar a (s) habilidade (s) demonstrada (s) pelo aluno, por meio do
enriquecimento curricular previsto no plano de atendimento individual;
• Expandir o acesso do aluno a recursos de tecnologia, materiais pedagógicos
e bibliográficos de sua área de interesse;
• Promover a participação do aluno em atividades voltadas à prática da
pesquisa e desenvolvimento de produtos; e
• Estimular a proposição e o desenvolvimento de projetos de trabalho no
âmbito da escola, com temáticas diversificadas, como artes, esporte,
ciências e outras.

Ao identificar instrumentos e ferramentas mais favoráveis para tais objetivos,


os professores em atuação conjunta deverão investir em condições acessíveis para
favorecimento de habilidades, propiciando um espaço plural para sugestões, exercício
da criticidade, participação com autonomia e criatividade. O AEE favorece a
articulação dos serviços realizados na escola, na comunidade, nas instituições de
educação superior e nos núcleos de atividades para alunos com altas
habilidades/superdotação, possibilitando a estes alunos participarem de um processo
de identificação multidimensional, de atividades de estimulação e aprofundamento e,
assim, atingir os objetivos do atendimento educacional especializado.
A compreensão da educação especial na perspectiva da educação inclusiva é
fundamental para o professor que atua no atendimento a esses alunos, para
potencializar os espaços das salas de recursos multifuncionais e as salas de aula
comum como ambientes de planejamento, organização e promoção para os alunos
com altas habilidades/superdotação.

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APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

Conceber a educação como um processo, permeado de definições, articulação


e interação, contribui para superação dos pressupostos que atribuem à aprendizagem
dos alunos em geral um caráter padronizado e fixo. Desse entendimento, deriva o
modelo de mensuração da inteligência e a tradicional prática de encaminhamento dos
alunos com altas habilidades/superdotação para atividades desvinculadas do contexto
escolar e/ou serviços predominantemente clínicos.
A construção de sistemas educacionais inclusivos implica a criação de um
ambiente escolar rico em estímulos e o fortalecimento da participação plena dos
alunos nas salas de aula, por meio de oportunidades efetivas de desenvolvimento do
potencial e do atendimento às suas necessidades educacionais específicas.

Fonte: edeamigoespirita.com.br
A teoria da construção do conhecimento de Piaget pode contribuir para a
reflexão e transformação das práticas educacionais e dos espaços escolares para
todos os alunos, bem como para a ressignificação do atendimento aos alunos com
altas habilidades/superdotação.
Nessa perspectiva, o projeto pedagógico da escola deve prever a oferta de
serviços, recursos e atendimento educacional especializado - AEE para os alunos com
altas habilidades/superdotação. A institucionalização do AEE requer a definição do
conjunto de estratégias de apoio, a expansão do acesso a materiais pedagógicos
específicos, a ampliação e a diversificação das experiências escolares e o
acompanhamento destes alunos.
O planejamento das práticas pedagógicas reflete o reconhecimento dos
diferentes estilos de aprendizagem, interesses, motivações, habilidades e
necessidades, valorizando as potencialidades de cada aluno. Essa prática estimula a

50
APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

participação dos alunos com altas habilidades/superdotação nas classes comuns do


ensino regular e nas atividades do AEE, orientado nas salas de recursos
multifuncionais e articulado a outros espaços de aprendizagem.
Dentre as atribuições dos professores de salas de recursos multifuncionais,
para a promoção e desenvolvimento das altas habilidades/superdotação, são
compreendidas: a elaboração do plano de atendimento dos alunos, a produção de
materiais didático-pedagógicos específicos, a identificação e a disponibilização de
recursos de serviços, a articulação com programas das diferentes áreas, o trabalho
colaborativo com a educação regular, a interface com a família e a promoção da
acessibilidade, quando necessário.
A ampliação e o alcance dessas atividades se assentam no projeto político
pedagógico, na definição do trabalho colaborativo, no desenvolvimento de projetos de
trabalho, na interação entre os alunos, entre os professores, entre estes e a
comunidade. Assim, as possibilidades de beneficiar a todos os alunos resultarão do
compartilhamento de conhecimentos, experiências e práticas e da definição conceitual
que sustenta a organização e oferta do atendimento educacional especializado nessa
área.6

6
Texto extraído: DELPRETTO, Bárbara Martins de Lima; GIFFONI, Francinete Alves; ZARDO, Sinara
Pollom. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar Altas
Habilidades/Superdotação. Disponível em:

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APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES

8 BIBLIOGRAFIA BÁSICA

BARBOSA, A. S.; SILVA, H., M. G.; GRACIOLI, M. M; MARTINO, V. F. Políticas


Públicas e Desenvolvimento Social: Horizontes e experiências. Curitiba: Editora
CRV, 2015.

CORREIA, L. M. Educação Especial e Inclusão: Quem disser que uma sobrevive


sem a outra não está no seu juízo perfeito. Porto: Porto Editora, coleção Educação
especial, 13, 2003.

COSTA, V. B.; RODRIGUES, V. R. Novos horizontes sobre inclusão escolar:


múltiplos olhares. Curitiba: Editora CRV, 2017.

DENARI, F. E. Educação Especial: Reflexões sobre o dizer e o fazer. São Carlos:


Pedro & João Editores, 2013.

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