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Revista Brasileira de Prescrição e Fisiologia do Exercício

TREINAMENTO DA FORÇA EM CORREDORES DE LONGA DISTÂNCIA:


UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

José Francisco da Silva1

RESUMO ABSTRACT

O objetivo desta revisão sistemática é analisar Strength training in long distance runners: a
diferentes métodos de treinamento de força e systematic review
sua influência nas variáveis fisiológicas
relacionadas a performance de corredores de The objective of this systematic review is to
longa distância. A pesquisa foi realizada no analyze different strength training methods and
banco científico de dados eletrônicos PubMed, their influence on the physiological variables
10 estudos publicados em língua inglesa foram related to the performance of long distance
incluídos na revisão. Com relação aos runners. The research was carried out in the
resultados esta revisão sistemática identificou, scientific electronic database PubMed, 10
a partir dos 10 estudos incluídos, uma duração studies published in English were included in
média nos programas de treinamento de força the review. Regarding the results, this
e pliométria de 7,4±1,5 semanas. Dos 10 systematic review identified, from the 10
estudos analisados na revisão oito relataram included studies, an average duration in the
adaptações neuromusculares relacionadas a strength training and plyometric programs of 7.4
aumentos nos níveis de força máxima (1RM), ± 1.5 weeks. Of the 10 studies analyzed in the
força explosiva e potência, nenhum dos review, eight reported neuromuscular
estudos incluídos relatou melhoria no VO2 adaptations related to increases in maximum
máximo, considerando os estudos que strength (1RM), explosive strength and power
avaliaram este parâmetro, seis estudos levels, none of the included studies reported
relataram melhorias no desempenho de corrida improvement in maximum VO2, considering the
(EC). Conclui-se que um programa de studies that evaluated this parameter, six
treinamento de força envolvendo exercícios studies reported improvements in running
resistidos (movimentos multi-articulares, performance (EC). It is concluded that a
utilizando máquinas de musculação e pesos strength training program involving resistance
livres) + exercícios pliométricos (movimentos exercises (multi-joint movements, using weight
de saltos com estímulos ao ciclo alongamento- machines and free weights) + plyometric
encurtamento) com duração entre 6 e 10 exercises (jumping movements with stimuli to
semanas é significativo para ganhos de força e the stretching-shortening cycle) lasting between
potência, bem como melhorias na economia de 6 to 10 weeks significant for strength and power
corrida (EC) em corredores de longa distância gains, as well as improvements in running
treinados. economy (EC) in trained long-distance runners.

Palavras-chave: Treinamento de força. Key words: Strength training, long distance


Corredores de longa distância. Revisão runners, systematic review.
sistemática.

Autor correspondente.
1 - Universidade Potiguar, Caicó-RN, Brasil. José Francisco da Silva.
jo5fdasilva@hotmail.com
E-mail do autor: Rua Maria Petrolina de Araújo, n. 74.
jo5fdasilva@hotmail.com Recreio, Caicó-RN, Brasil.

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INTRODUÇÃO aumento no nível de rigidez do tendão a partir


de melhorias no nível de força.
A força muscular e a potência são Baseado em revisão da literatura já é
fatores importantes no sucesso em uma grande possível afirmar que melhorias na economia de
variedade de esportes, elas são geralmente corrida são possíveis após aplicação de
reconhecidas como importantes para todos os treinamento de força e pliométria o que parece
esportes coletivos e esportes de velocidade, estar relacionado a adaptações
porém dados científicos contemporâneos tem neuromusculares (Bonacci e colaboradores,
mostrado que a força e a potência são 2009).
importantes também para os esportes com Vários fatores fisiológicos e
grande componente de resistência, como é o biomecânicos parecem influenciar na economia
caso das corridas de longa distância. de corrida de atletas altamente treinados ou de
Portanto é de suma importância o elite, entre elas, adaptações metabólicas dentro
conhecimento por parte do treinador de corrida do músculo, como o aumento mitocondrial e
de longa distância dos princípios associados ao das enzimas oxidativas, a capacidade dos
treinamento de força na melhora do músculos de armazenar e librar energia
desempenho atlético (Bompa, 2012). elástica, aumentando com isso a rigidez dos
Segundo Fleck e Kraemer (2006) a músculos e tornando a mecânica mais
realização do treinamento de força é importante eficiente, desperdiçando menos energia nas
para todo e qualquer atleta, seja qual for a forças de frenagem e oscilações verticais
modalidade praticada. excessivas (Saunders e colaboradores, 2004).
Quando se fala de corridas de longa Segundo Jung (2012) a adição do
distância, o treinamento de força auxilia na treinamento de força no programa de um atleta
melhora da técnica de corrida e de corrida de média e longa distância pode
consequentemente na economia de movimento representar cerca de 8% em melhoria na
que é fator chave no desempenho nos esportes economia de corrida.
de endurance como é o caso da corrida O estudo de revisão com metanálise de
(Bompa, 2012). ensaios controlados realizada por Fernandez,
Segundo Baechle e Earle (2010) a Concejero e Grivas (2015) chegou a uma
maioria dos estudos não tem demonstrado conclusão unanime que o treinamento de força
nenhum efeito adverso sobre a potência gera grande efeito benéfico na economia de
aeróbica advindo do exercício de força de alta corrida de corredores de média e longa
intensidade com exceção das próprias distância altamente treinados, se comparados
alterações celulares esperadas pelo exercício a corredores que não realizam um programa de
de força, além de tudo alguns estudos treinamento de força.
mostraram que mulheres que realizaram A partir dessas inquietações se chegou
exercícios de força e treinamento aeróbico a o objetivo desta revisão sistemática que é
simultâneo tinham mais ganhos aeróbios do analisar diferentes métodos de treinamento de
que as que realizavam apenas treinamento força e sua influência nas variáveis fisiológicas
aeróbico. relacionadas a performance de corredores de
Em metanálise realizada por longa distância.
Fernandez, Concejero e Grivas (2015) que
incluiu 93 corredores de alto nível de média e MATERIAIS E MÉTODOS
longa distância, mostrou que o treinamento de
força somado a exercícios pliométricos tem um Critérios de Elegibilidade
grande efeito para a melhora da economia de
corrida, mesmo em atletas de alto rendimento. Trata-se de uma revisão sistemática,
Blagrove, Howatson e Hayes (2018) onde foram incluídos estudos publicados em
em sua revisão sistemática que incluiu 26 com língua inglesa no período de 1980 a 2020 e que
um total de 469 participantes concluiu que o investigassem a influência do treinamento de
treinamento de força deve complementar o força ou treinamento resistido e pliométria na
programa de treinos de um corredor de longas performance e nas variáveis fisiológicas de
distâncias e que ele fornece melhorias na corredores de longa distância de ambos os
economia de corrida e no tempo de corrida sexos.
através de adaptações intramusculares e A presente revisão sistemática foi
reportada conforme o checklist PRISMA

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(Preferred Reporting Items for Systematic adotado foi de 5% para todos os procedimentos
Reviews and Meta-Analyses). estatísticos.
Foram incluídos na revisão todos os A avaliação de qualidade para cada
estudos experimentais de laboratório e ensaios estudo foi realizada utilizando a escala de
clínicos (estudos randomizados clínico qualidade da JBI considerando a lista de
controlado, estudos de coorte, estudos verificação de avaliação crítica de Tufanaru e
transversais), foram excluídos da revisão colaboradores (2020) para verificação de
estudos de caso, relatos de caso, revisões estudos experimentais não randomizados
sistemáticas e revisões com metanálise. (quase-experimentais), instrumento validado
Inicialmente também foram excluídos da internacionalmente, que inclui 9 itens que
revisão os estudos duplicados na base de abordam e fornecem informações exclusivas
dados, em seguida foram avaliados títulos e baseadas em processos rigorosos de avaliação
resumos a partir das pesquisas encontradas no crítica e síntese de diversas formas de
banco de dados eletrônico e científico evidências.
pesquisado, as pesquisas ou textos com Cada item foi classificado como ‘sim’,
potencial para inclusão na revisão foram ‘não’, ‘pouco claro’, ‘não se aplica’ de acordo
avaliados a partir da leitura completa do com a informação dada pelo estudo, permitindo
documento. uma pontuação máxima positiva de 9 pontos.

Estratégia de busca RESULTADOS

A pesquisa foi realizada no banco Foram encontrados um total de 111


científico de dados eletrônicos PubMed, estudos, sendo 30 deles duplicados na base de
usando os seguintes descritores ou termos de dados, restando 68 estudos para análise dos
pesquisa: treinamento de força ou treinamento títulos e resumos.
resistido (“strength training” ou “resistance Destes, 57 foram excluídos da revisão
training”) e corredores de fundo ou corredores por não tratarem diretamente da influência do
de longa distância (“bottom runners” ou “long treinamento de força ou treinamento resistido
distance runners”), combinados com o conector na performance e nas variáveis fisiológicas de
“e” (and). A estratégia de busca utilizou os corredores de longa distância de ambos os
descritores em inglês, combinados entre si. sexos, outros 13 foram excluídos por se
tratarem de revisões sistemáticas (n=8),
Análise estatística metanálise (n=2) e estudos de caso (n=3),
restando um total de 11 estudos selecionados
Os dados dos estudos selecionados para avaliação e análise completa dos textos,
foram analisados por meio da estatística destes 10 estudos foram incluídos na revisão,
descritiva se utilizando de variáveis como conforme a figura 1.
média e desvio padrão. O nível de significância

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Figura 1 - Fluxograma dos estudos incluídos.

Dos 10 estudos incluídos na revisão, foram publicados entre os anos de 2006 e


em 6 a amostra foi composta por ambos os 2020.
sexos; o número total de sujeitos envolvidos A tabela 1 mostra uma breve análise
nos estudos foi de 257 participantes. Os artigos descritiva das características dos estudos
incluídos.

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Tabela 1 - Análise descritiva das características dos estudos incluídos (n=10).


Estudo Programa de Treinamento Duração Participantes Grupos das
n (M/F), amostras
idade ± DP
Taddei e Programa de treinamento de 8 28 (14/14) GC – grupo controle
colaboradores, fortalecimento e força específica semanas 41,7 ± 6,7 GI – grupo
2020 para o pé. intervenção
Taddei e Programa de fortalecimento para 8 31 (18/13) GC – grupo controle
colaboradores, os músculos do complexo semanas 42,1 ± 8,6 GI – grupo
2018 pé/tornozelo. intervenção
Li e Programa de treinamento de 10 28 (28/0) GC – grupo controle
colaboradores, força pesado (HRT); semanas 20,7 ± 1,2 CT – treinamento
2019 Programa de treinamento de complexo
força complexo (CT) HRT – treinamento
de força pesado
Campillo e Programa de treinamento 6 36 (22/14) GC – grupo controle
colaboradores, pliométrico de alta intensidade semanas 22,1 ± 2,7 CT – treinamento
2013 simultâneo com treinamento de pliométrico
corrida.
Roschel e Programa de treinamento de 6 16 (--/--) RT – grupo
colaboradores, força (resistido) (RT); semanas 30,8 ± 5,3 treinamento
2015 Programa vibração de corpo resistido
inteiro + treino de força (WBV). WBV+RT – grupo
vibração de corpo
inteiro + treino
resistido
Storen e Programa de treinamento de 8 17 (9/8) GC – grupo controle
colaboradores, força com pesos livres semanas 29,1 ± 8,5 GI – grupo
2008 (exercícios de meio intervenção
agachamento)
Fernandes, Programa de treinamento de 10 15 (12/3) Grupo único
González e força c/ exercícios em máquinas meses 27,3 ± 7,1 experimental
Vecino, 2015 e pesos livres p/ membros
superiores e inferiores.
Saunders e Programa de treinamento 9 15 (--/--) GTP – grupo
colaboradores, pliométrico na grama e resistido semanas 24,1 ± 3,9 pliométrico
2006 em aparelhos de musculação. GC – grupo controle
Bertuzzi e Programa de treinamento de 6 24 (--/--) GC – grupo controle
colaboradores, força c/ aparelhos e pesos livres semanas 33 ± 7 ST – grupo
2013 (ST); treinamento de
Programa de treinamento de força
força + vibração de corpo inteiro STWBV – grupo
(STWBV) treino força +
vibração
Sulowska e Programa de treinamento de 6 47 (31/16) G1 – grupo pé
colaboradores, força p músculos do pé usando semanas 32,5 ± 6,8 neutro
2019 aparelhos (bola de tênis, disco G2 – grupo pé
estabilidade, loops de banda) pronação

Características dos programas de e pliométria de 7,4±1,5 semanas, com exceção


treinamento do estudo de Fernandes, González e Vecino
(2015) que avaliou um programa de
Esta revisão sistemática identificou, a treinamento de força com exercícios de
partir dos 10 estudos incluídos, uma duração musculação para membros superiores e
média nos programas de treinamento de força inferiores com duração de 10 meses (uma

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temporada completa), porém este estudo 2013) contribuíram para ganhos relativamente
obteve o menor escore de qualidade significativos em níveis de força máxima (1RM).
metodológica dos estudos incluídos na revisão. Os estudos que desenvolveram
Dos 10 estudos incluídos na revisão 7 programas de treinamento utilizando exercícios
realizaram programa de treinamento de força pliométricos (Campillo e colaboradores, 2013;
para o corpo todo, incluindo exercícios multi- Saunders e colaboradores, 2006)
articulares (n=7), exercícios com peso livre apresentaram uma melhora significativa nos
(n=7), exercícios pliométricos (n=2) e níveis de potência muscular.
exercícios de força + vibração de corpo inteiro Já os estudos em que os exercícios do
(n=2) e 3 estudos realizaram programas de programa de treinos se voltaram para regiões
treinamento de força e fortalecimento específicas do corpo (pé/tornozelo) (Taddei e
específico para o complexo pé/tornozelo colaboradores, 2020; Taddei e colaboradores,
envolvendo o uso de aparelhos específicos (ver 2018; Sulowska e colaboradores, 2019)
tabela 1 em Sulowska e colaboradores (2019) mostraram pouca melhoria em níveis de força
para mais detalhes), exercícios de máxima e força explosiva, com exceção dos
alongamento/encurtamento, além de exercícios níveis de potência em que se percebeu uma
com o próprio peso corporal. pequena melhoria (Taddei e colaboradores,
2020; Sulowska e colaboradores, 2019).
Avaliação do risco de viés
Influência do treinamento de força no VO 2
A tabela 2 apresenta a avaliação do máx e na economia de corrida (EC)
risco de viés dos estudos incluídos na revisão
sistemática. A qualidade metodológica variou De todos os 10 estudos incluídos na
de 6 a 9 pontos com uma média de 8,5±1 revisão sistemática nenhum deles relatou
pontos. melhoria no VO2 máximo, considerando os
estudos que avaliaram este parâmetro (Li e
Influência do tipo de programa de colaboradores, 2019; Roschel e colaboradores,
treinamento nos níveis de força 2015; Storen e colaboradores, 2008; Saunders
e colaboradores, 2006; Bertuzzi e
Dos 10 estudos analisados na revisão colaboradores, 2013).
oito (Taddei e colaboradores, 2020; Li e Com relação a EC, seis estudos
colaboradores, 2019; Campillo e relataram melhorias no desempenho de corrida
colaboradores, 2013; Roschel e colaboradores, (EC) (Li e colaboradores, 2019; Campillo e
2015; Storen e colaboradores, 2008; Saunders colaboradores, 2013; Roschel e colaboradores,
e colaboradores, 2006; Bertuzzi e 2015; Storen e colaboradores, 2008; Saunders
colaboradores, 2013; Sulowska e e colaboradores, 2006; Sulowska e
colaboradores, 2019) relataram adaptações colaboradores, 2019) entre esses estudos 3
neuromusculares, adaptações essas desenvolveram programas de treinamento de
relacionadas a aumentos nos níveis de força força para o corpo todo, envolvendo exercícios
máxima (1RM) (Li e colaboradores, 2019; multi-articulares e utilizando máquinas de
Roschel e colaboradores, 2015; Storen e musculação e pesos livres (Li e colaboradores,
colaboradores, 2008; Bertuzzi e colaboradores, 2019; Roschel e colaboradores, 2015; Storen e
2013), força explosiva (Campillo e colaboradores, 2008), 2 desenvolveram
colaboradores, 2013; Bertuzzi e colaboradores programas de treinamento utilizando exercícios
2013) e potência (Li e colaboradores, 2019; pliométricos (Campillo e colaboradores, 2013;
Roschel e colaboradores, 2015; Saunders e Saunders e colaboradores, 2006) e 1
colaboradores, 2006; Sulowska e desenvolveu um programa de treinamento de
colaboradores, 2019). força para os músculos do pé usando aparelhos
Os estudos que desenvolveram específicos (Sulowska e colaboradores, 2019).
programas de treinamento de força para o
corpo todo, envolvendo exercícios multi- DISCUSSÃO
articulares e utilizando máquinas de
musculação e pesos livres (Li e colaboradores, Esta revisão teve como objetivo
2019; Roschel e colaboradores, 2015; Storen e analisar diferentes métodos de treinamento de
colaboradores, 2008; Bertuzzi e colaboradores, força e sua influência nas variáveis fisiológicas

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relacionadas a performance de corredores de 2008; Saunders e colaboradores, 2006;


longa distância. Bertuzzi e colaboradores, 2013), essa ausência
Com relação ao tipo de treinamento e de melhoria pode ser explicada possivelmente
sua influência nos níveis de força esses pelo fato de durante as sessões de treinamento
achados sugerem que um programa de de força não se exigirem valores superiores a
treinamento envolvendo exercícios resistidos 50% do VO2 máx dos atletas dos estudos em
(movimentos multi-articulares, utilizando questão, que são relativamente ou muito bem
máquinas de musculação e pesos livres) + treinados em resistência aeróbia.
exercícios pliométricos (movimentos de saltos Esta ausência de melhoria significativa
com estímulos ao ciclo alongamento- nos níveis de VO2 máximo foi percebida por
encurtamento) com duração entre 6 a 10 Blagrove, Howatson e Hayes (2018) em sua
semanas é significativo para ganhos de força e revisão sistemática que não encontrou
potência em corredores de longa distância nenhuma mudança estatisticamente
(Taddei e colaboradores, 2020; Li e significativa do treinamento de força sobre o
colaboradores, 2019; Campillo e VO2 máximo quando comparado o grupo de
colaboradores, 2013; Roschel e colaboradores, intervenção com o grupo controle, na maioria
2015; Storen e colaboradores, 2008; Saunders dos estudos que avaliou este parâmetro, com
e colaboradores, 2006; Bertuzzi e exceção de um único estudo, que detectou uma
colaboradores, 2013; Sulowska e significativa melhoria em VO2 máximo para o
colaboradores, 2019). grupo controle em comparação com o grupo de
Esta proposta de programa de intervenção.
treinamento de força se mostra compatível com Com relação à economia de corrida
os achados em artigo de revisão sistemática (EC), seis estudos desta revisão relataram
produzido por Bonacci e colaboradores (2009) melhorias significativas no desempenho de
onde foi percebido algo muito semelhante. corrida (EC) (Li e colaboradores, 2019;
Melhorias na força máxima (1RM) foram Campillo e colaboradores, 2013; Roschel e
relatados em todos os grupos experimentais colaboradores, 2015; Storen e colaboradores,
dos estudos incluídos na revisão com duração 2008; Saunders e colaboradores, 2006;
média de 10 semanas envolvendo treinamento Sulowska e colaboradores, 2019) entre esses
com pesos livres combinado com treinamento estudos 3 desenvolveram programas de
de resistência, é possível que essas melhorias treinamento de força para o corpo todo,
tenham ocorrido devido a adaptações envolvendo exercícios multi-articulares e
neuromusculares positivas, entre elas o utilizando máquinas de musculação e pesos
aumento do recrutamento e sincronização de livres (Li e colaboradores, 2019; Roschel e
unidades motoras nas fibras musculares. colaboradores, 2015; Storen e colaboradores,
Fernandez, Concejero e Grivas (2015) 2008), 2 desenvolveram programas de
em sua revisão sistemática com metanálise treinamento utilizando exercícios pliométricos
também encontrou melhorias significativas nos (Campillo e colaboradores, 2013; Saunders e
níveis de força máxima (1RM) e produção de colaboradores, 2006) e 1 desenvolveu um
potência com programas de treinamento de programa de treinamento de força para os
força com duração média de 9 semanas. Esses músculos do pé usando aparelhos específicos
programas incluíam exercícios resistidos para a (bola de tênis, disco de estabilidade, loops de
parte inferior do corpo com pesos livres banda) (Sulowska e colaboradores, 2019).
(agachamentos) e em máquinas de Esses achados comprovam o que
musculação (extensões de perna) sendo outros autores encontraram em suas revisões,
utilizado 2-4 exercícios, com cargas de 40-70% Fernandez, Concejero e Grivas (2015) em sua
de 1RM, combinados com exercícios de metanálise percebeu uma diferença
pliométria (saltos envolvendo o ciclo significativa na EC (p<0,001) quando
alongamento-encurtamento) sendo o programa comparado o grupo de intervenção, exposto a
de força realizado utilizando 2 a 3 sessões um programa de treinamento de força, ao grupo
semanais. controle em todos os artigos incluídos no
Nenhum dos estudos incluídos nesta estudo.
revisão sistemática relatou melhoria no VO2 Blagrove, Howatson e Hayes (2018)
máximo, considerando os que avaliaram este em sua revisão sistemática encontrou
parâmetro (Li e colaboradores, 2019; Roschel e melhorias estatisticamente significativas (2-8%)
colaboradores, 2015; Storen e colaboradores, na EC em 14 artigos dos 26 incluídos em sua

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revisão, em todos estes estudos a EC foi


quantificada como o custo de oxigênio correndo
a uma determinada velocidade.

Tabela 2 - Qualidade metodológica dos estudos incluídos (n=10).


Estudos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Escores (0-9)
Taddei e colaboradores, 2020 S S S S S S S S S 9
Taddei e colaboradores, 2018 S S S S S S S S S 9
Li e colaboradores, 2019 S S S S S S S S S 9
Campillo e colaboradores, 2013 S S S S S S S S S 9
Roschel e colaboradores, 2015 S S S N S S S S S 8
Storen e colaboradores, 2008 S S S S S S S S S 9
Fernandes, González e Vecino, 2015 S S N N S PC S S S 6
Saunders e colaboradores, 2006 S S S S S S S S S 9
Bertuzzi e colaboradores, 2013 S S S S S S S S S 9
Sulowska e colaboradores, 2019 S S S N S S S S S 8

1.Está claro no estudo qual é a "causa" e o que exercícios pliométricos (movimentos de saltos
é o "efeito" (ou seja, não há confusão sobre com estímulos ao ciclo alongamento-
qual variável vem primeiro)? encurtamento) com duração entre 6 e 10
2.Os participantes foram incluídos em alguma semanas é significativo para ganhos de força e
comparação semelhante? potência, bem como melhorias na economia de
3.Os participantes foram incluídos em alguma corrida (EC) em corredores de longa distância
comparação recebendo tratamento / cuidado treinados.
semelhante, diferente da exposição ou
intervenção de interesse? REFERÊNCIAS
4.Existia um grupo de controle?
5.Houve várias medições do resultado antes e 1-Baechle, T. R.; Earle, R. W. Fundamentos do
depois da intervenção / exposição? Treinamento de Força e do Condicionamento.
6.O acompanhamento foi completo e, se não, National Strength and Conditioning
houve diferenças entre grupos em termos de Association. Manole. 2010.
seu acompanhamento descrito e analisado
adequadamente? 2-Bertuzzi, R.; Pasqua, L. A.; Bueno, S.;
7.Os resultados dos participantes foram Damasceno, M. V.; Lima-Silva, A. E.; Bishop,
incluídos em quaisquer comparações medidas D.; Tricoli, V. Strength-Training with Whole-
da mesma maneira? Body Vibration in Long Distance Runners: A
8.Os resultados foram medidos de forma Randomized Trial. Sport Medicine. Vol. 34.
confiável? 2013. p. 917-923.
9.Foi usada uma análise estatística
apropriada? S=sim; N=não; PC=pouco claro; 3-Blagrove, R. C.; Howatson, G.; Hayes, P. R.
NA= não se aplica. Effects of strength training on the physiological
determinants of Middle-and long-distance
CONCLUSÃO running performance: a systematic review.
Sports Medicine. Vol. 48. 2018. p. 1117-1149.
A partir desses achados é possível
concluir que um programa de treinamento de 4-Bompa, T. O. Periodização: teoria e
força envolvendo exercícios resistidos metodologia do treinamento. São Paulo.
(movimentos multi-articulares, utilizando Phorte. 2012.
máquinas de musculação e pesos livres) +

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