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As 9 coisas que um juiz leva em conta quando

julga um pedido de decisão liminar


27/06/2011

Saiu na Folha de ontem (21/6/11):

“Após a farsa revelada pela Folha em maio, a Rede TV! está processando
a Cia. Brasileira de Bebidas Premium (…)
A cervejaria nordestina contratou duas mulheres que conseguiram um
quadro no programa "Pânico", transmitido pela emissora, fazendo-se
passar por tchecas apaixonadas pelo Brasil (…)
A Folha noticiou que, na verdade, a dupla fazia parte de uma estratégia
de marketing do lançamento da cerveja Proibida, projeto de R$ 60 milhões
da cervejaria.
Devido à farsa, a Rede TV! enfrentou problemas comerciais com o
patrocinador do ‘Pânico’, a gigante de bebidas Ambev.
A liminar conseguida pela emissora determina que a cervejaria exclua de
seus canais de comunicação qualquer menção ao "Pânico", à Rede TV! e
aos apresentadores da emissora - incluindo redes sociais e menções em
vídeos e textos.
A pena prevista é o pagamento de multa diária; o valor não foi divulgado
(…)”

Nós já falamos de medidas liminares aqui. Como vimos, as liminares são


apenas decisões temporárias (valem apenas enquanto não há uma decisão
permanente, que é dada na sentença). E também já falamos que elas são
concedidas quando há o tal do fumus boni iuris e periculum in mora. Em
bom português, ‘fumaça do bom direito’ e ‘perigo na demora’. Que fumaça
do bom direito significa que a pessoa que pede a liminar, aparentemente,
tem direito ao que está pedindo (a expressão vem do ‘onde há fumaça há
fogo’). Perigo na demora significa que se o magistrado não conceder a
liminar imediatamente, danos ocorreram.

Hoje vamos ver o que um bom magistrado analisa antes de conceder uma
liminar, e para isso vamos usar o caso acima.

Um bom juiz vai analisar três coisas diferentes (sim, acima falamos apenas
de fumus boni iuris e periculum in mora , mas existe uma terceira coisa
que os bons magistrados precisam analisar).

Amanhã é muito tarde


Primeiro, ele vai analisar se há urgência ( periculum in mora). Urgência
significa a combinação de três coisas: (a) que se ele não conceder a liminar
há uma grande probabilidade de que o dano ocorra, (b) que esse dano seja
muito grave, e (c) que esse dano seja irreparável ou de difícil reparação.

Se o dano é grande mas facilmente reparável, ele não deve conceder a


liminar porque se ele mudar de opinião no fim do caso, ainda que tenha
ocorrido dano, ele será rapidamente reparável. Imagine que a cervejaria
processada fossem quem pedisse uma liminar permitindo o uso imediato do
material em suas campanhas de marketing. O juiz não daria essa liminar
porque o dano é reparável. Se ao final do processo o juiz decidisse que a
cervejaria tem direito de usar as imagens e fazer referência ao programa
de TV, ela ainda poderá fazê-lo. Óbvio que hoje ela está sofrendo um dano
(impedida de fazer propaganda), mas esse dano é reparável. As emissoras
de TV não deixarão de existir: elas ainda estarão aí para que se faça
propaganda.
propaganda.

Um dano potencial muito grande, mas com baixa probabilidade não


justifica uma liminar. Continuando com a hipótese de a cervejaria que está
sendo processada fosse quem tivesse pedido a liminar: se um meteoro cair
na Terra hoje, a humanidade chegaria ao fim e a cervejaria seria
irremediavelmente prejudicada (dano muito grande). Mas a probabilidade
de um meteoro cair na Terra nas próximas semanas ou meses é mínima.
Por isso o juiz não leva esse fator em consideração.

Por outro lado, um dano pequeno mas com alta probabilidade de


ocorrer também não justificaria uma liminar. Por exemplo, e continuando
com o exemplo invertido, é certo que a cervejaria vai perder a possibilidade
de fazer alguns novos clientes usando esse material de marketing, mas o
dano (número de novos clientes que deixou de fazer) é pequeno em relação
ao que está em julgamento (uso de fraude como instrumento de marketing).
É por isso que o juiz não daria tal liminar.

O juiz só concede a liminar quando há grande possibilidade de grande


dano, e tal dano é irreparável ou difícil de reparar. Foi por isso que ele
concedeu a liminar à rede de TV. Seu dano (perda do patrocinador) seria
muito grande, de difícil reparação (é difícil achar outro patrocinador) e
muito provável de ocorrer.

Onde há fumaça, há fogo


Segundo, o magistrado vai analisar se quem está pedindo a liminar parece
ter direito ao que está pedindo. Para isso ele vai analisar três coisas: se há
provas evidentes de que quem está pedindo teria direito ao que está
pedindo e se há provas evidentes dos fatos que está alegando?

Evidente significa ‘na cara’ (aliás, os juristas também adoram usar a


expressão latina ‘prima facie’, que significa justamente isso). Ou seja, se
quem pede a liminar precisa ficar explicando como a lei deve ser
interpretada porque a lei não está clara, o magistrado não deve conceder a
liminar. No caso da matéria acima, se a rede de TV precisasse ficar
explicando ao juiz como ele deve interpretar uma lei obscura, seu direito
não estaria evidente (na cara). A liminar não pode ser um processo dentro
de um processo. Tem de ser algo rápido. Se é preciso fazer debate teórico
sobre a existência de um direito ou como ele deve ser interpretado, não é
evidente. E se não é evidente, não deve haver liminar. A questão, nesse
caso, seria melhor decidida na sentença final. O juiz concedeu a liminar
porque a lei é clara.

Parece ter direito significa que a interpretação mais simples da lei parece
ser a dada por quem está pedindo a liminar. A liminar não é o lugar para se
discutir a lei. Ou a lei é clara ou não é clara. Se for clara, é possível pedir a
liminar. Se não for clara, é melhor o magistrado esperar até a sentença
final. No caso da matéria acima, ele só concedeu a liminar porque o direito
à proteção à imagem é clara na lei.

Além disso, os fatos precisam estar claros. Uma coisa é a lei, a outra são
os fatos. Se no caso acima não estivesse claro que se tratava de uma
campanha de marketing baseada em uma mentira, o magistrado não
deveria te concedido a liminar. Ele só concedeu porque (para ele) as
provas apresentadas mostravam indícios claros de que a agência tentou
enganar a rede de TV.

O que é pedido
Por fim, o magistrado precisa analisar se o que está sendo pedido
liminarmente vai resolver o problema. O pedido (solução proposta) precisa
ser adequado ao problema. Adequado significa que vai mitigar ou resolver
o problema, que é a melhor forma de resolver o problema, e que não vai
causar mais danos do que o problema em si.

Não adiantaria a rede de TV pedir a falência da agência porque isso iria


muito além do necessário para a proteção de seu direito. Não seria
proporcional. Seria usar um martelo para quebrar um ovo:
desproporcional. Também não adiantaria eles pedirem que a agência
passasse a ser um asilo para idosos: o pedido seria inadequado para
resolver o problema. E não adiantaria o pessoal do programa tentasse
impedir a veiculação das propagandas apenas nas TVs. Ainda haveria
rádios, revistas, internet e jornais. Ou seja, não seria suficiente. Por isso o
magistrado precisa levar em conta se o que está sendo pedido é suficiente,
adequado e proporcional ao direito que se está tentando proteger. Se não
for, haverá fundamento para uma liminar, mas a liminar não deve ser
for, haverá fundamento para uma liminar, mas a liminar não deve ser
concedida até que o pedido feito (isto é, a solução proposta) seja a melhor
na visão do magistrado.

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