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REPORTAGEM

Não é de hoje: EJA tem dificuldades históricas agravadas pela pandemia

Universitários do Insper dão aula de educação financeira para turmas do EJA (Educação de
Jovens e Adultos)Imagem: Reprodução/Facebook

Rodrigo Ratier

05/04/2021 06h00

por Gabriel Cruz Lima, especial para a coluna

Cleide dos Santos Gomes é aluna da escola Vicente Leporace, instituição da rede estadual de
São Paulo. Cursando atualmente o 2º ano do Ensino Médio, Cleide enfrentou, como tantos
outros estudantes, a migração das aulas presenciais para o ensino remoto emergencial por
conta da pandemia de covid-19. "Quando as atividades vinham pelo WhatsApp, tudo bem, eu
conseguia acessar. O problema era o Google Classroom. Eu não conhecia o ambiente e tive
muita dificuldade", conta. Para a recém-formada Christiny Louise Los, o problema era a
dispersão. "É muito fácil perder a concentração, tem sempre um amigo mandando mensagem,
alguma tarefa para fazer em casa. A sala de aula fazia a gente ficar mais focado."

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Comuns à primeira vista, os relatos de Cleide e Christiny se unem por uma especificidade:
ambas são alunas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade que costuma atender
um público com obstáculos adicionais para concluir a escolarização. Christiny, 19, precisava
dividir a atenção entre as aulas e a agitação da filha pequena. "É meio impossível fazer
atividade quando ao mesmo tempo que você tem de cuidar de uma criança", explica. Para
Cleide, 57, a barreira tecnológica precisa ser vencida com a ajuda da neta. Além disso, a
infraestrutura escolar era um apoio importante. "Como a escola fica perto de casa, antes da
pandemia eu conseguia jantar por lá. Sem contar a falta que faz abraçar os professores e ver os
colegas de classe."

Destinada a pessoas que não puderam frequentar a escola quando eram crianças e
adolescentes, a EJA é uma modalidade com problemas históricos. Um dos mais visíveis é a
oferta insuficiente. "O público potencial chega a 88 milhões de pessoas, mas há apenas 3
milhões de vagas disponíveis", explica Analise Silva, coordenadora da linha de pesquisa em EJA
no programa de pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Há ainda
uma série de direitos que estão na Constituição, mas são desrespeitados. Material didático,
transporte, alimentação e assistência à saúde são exemplos de carências comuns na EJA",
completa.

Para a especialista, "a pandemia agrava um cenário que já era problemático". Com a maior
parte das escolas fechadas, os alunos adicionam o ensino remoto à lista de dificuldades.
O diagnóstico dos Fóruns EJA Brasil, mobilização de entidades e atores sociais em defesa da
modalidade, registra a necessidade de inclusão digital das populações mais vulneráveis,
público principal da EJA. Apresentando críticas às aulas remotas — a educação à distância é
tradicionalmente vista pelos movimentos sociais como uma oferta empobrecida de ensino —,
o documento reconhece que a pandemia torna a tecnologia em ambiente virtual "uma
realidade", mas pede alinhamento às condições reais de aprendizagem de adultos
trabalhadores. As demandas incluem banda larga como serviço público gratuito (a ausência de
rede fere o princípio constitucional de universalidade da educação), programas de
alfabetização digital e ambientes virtuais de ensino mais adequados aos telefones celulares,
que respondem pela maioria do acesso residencial à internet, segundo o IBGE.

Novamente, a ausência de um olhar específico é histórica. "As especificidades precisam ser


trabalhadas nos currículos desses educandos, pensando em princípios de solidariedade e
justiça social como métodos educacionais", defende Analise. Ela afirma que não há cuidado
com a subjetividade dos estudantes para esse grau de instrução. "Falta recorte racial e de
gênero na elaboração de um possível programa", exemplifica. Segundo o Censo Escolar de
2019, pretos e pardos representam 75,8% na EJA Fundamental e 67,8% no Médio. Quanto ao
sexo, homens predominam na faixa de 30 anos ou menos (57,1%), enquanto as mulheres
correspondem a 58,6% das matrículas com mais de 30 anos.

As perspectivas de mudança no curto prazo são desanimadoras. Em âmbito federal, o decreto


9.465 de 2019 extinguiu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão (Secadi), responsável pela elaboração de políticas específicas para a Educação de
Jovens e Adultos (EJA). A modalidade, agora, está sob a responsabilidade da Secretaria de
Educação Básica (SEB), junto com o restante do ensino regular. "Quando estamos falando da
EJA, é preciso que o gestor público entenda que estamos falando de um sujeito que em geral,
cuida dos outros. Precisa, portanto, ser cuidado pelo Estado", finaliza Analise.

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