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UFF – Universidade Federal Fluminense

Curso de Graduação em Psicologia


IPSI – Instituto de Psicologia

Alunos: Bernardo Valentim Pinto Gonçalves, Karina Gonçalves Dias Araújo e Pamela
Costa Silva

Trabalho da disciplina Introdução à Psicologia Clínica,


sobre Psicoterapia Corporal.

Niterói – RJ
2017

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1) Introdução:
1.1 Problemática do surgimento:
Pode-se pensar o homem de duas maneiras filosóficas, a partir de duas partes que o
formam: o espírito e o corpo, os quais não possuem relação, como propõe a teoria cartesiana;
ou como um todo unificado, uma parte física e uma parte espiritual, indissociáveis,
dependentes. A partir disso, é possível enxergar a importância dada por Whilelm Reich no
olhar para o corpo, em contraponto à cisão corpo/mente na Psicanálise.
Através do trabalho apresentado por Marcus Vinicius Câmara, nota-se que Reich
trabalha neste novo campo uma ideia de vida que se inscreve no corpo; um corpo que
transmite a realidade produzida. Podendo afirmar, assim, que a psique se instala no corpo e se
expressa por ele. Reich instaurava o olhar para esse corpo e suas manifestações, em uma
perspectiva simultânea a de Freud, que valorizava a escuta da fala. Dessa forma, corpo e fala
tornam-se um.
Por acreditar nessa expressão do corpo, Reich diz que por meio de couraças musculares
o corpo expõe essas tensões da sua história. Ele acredita que a terapia pode atuar como forma
de amenizar essas couraças (representações físicas dos sentimentos) e trazer para um estágio
normal do indivíduo, tendo em vista a crença da Energia Primordial (orgone). Essas
expressões representadas fisicamente podem ser relacionadas com o que Freud buscava
analisar com as significações, visto estas como “aquelas que a história individual constituiu e
cristalizou no passo em torno de acontecimentos importantes.” 1. Nessa perspectiva, tem-se
um novo olhar sobre o adoecimento físico, podendo este ser originado de questões
psicológicas que alteram as questões orgânicas de forma direta, mesmo que
insconscientemente.
Desse modo, Reich faz uma extensão da visão clínica psicanalítica produzindo algo
novo, porém esse novo não se reduziria de maneira alguma a esse corpo que agora está
inserido, mas o abrangera nos cuidados terapêuticos. Inclui-se a partir de agora, outras
ferramentas para olhar o paciente; além da fala, o corpo será, de diferentes formas, um todo
que expressa algo, que transmite suas sensações e tem representatividade. Este corpo será um
marco na relação organismo/psique/vida social; ele terá lugar de escuta e transformação nessa
clínica.

1
FOUCAULT, M , 2002, p.142.

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2) Corpo, dança e espaço:
A partir desse corpo introduzindo por Reich, José Gil fala de um corpo paradoxal que
expressa o que se passa no intrínseco e recebe de forma imediata o que se passa no mundo.
Assim, é possível estender a clínica a outros campos, como fez Alexander ao pensar a clínica
com a arte, o corpo e a expressão corporal.2
Hubert Godard, em Gesto e Percepção, conceitua o gesto vindo a partir de um pré-
movimento. Este último se faz através da relação do peso do corpo com a gravidade. Godard
cita também a postura ereta como um exemplo desse pré-movimento, uma vez que - ao seu
ver – essa postura contém elementos psicológicos e expressivos, mesmo antes de qualquer
intencionalidade de movimento e de expressão. Esses pré-movimentos, possíveis pela atuação
do sistema de músculos gravitacionais, registram mudanças em nossos estados afetivo e
emocional. Esse sistema gravitacional é o meio pelo qual o aparelho psíquico se expressa e
carrega o sentido do movimento, modulando-o e colorindo-o de desejos e inibições. Sendo
assim, Godard relaciona nosso estado emocional e mudanças afetivas às modificações, mesmo
que imperceptíveis, da nossa coluna. As atitudes posturais seriam, portanto, como lugar de
inscrição da história.
Em uma entrevista, Godard relaciona a percepção do movimento de cada um a
problemas posturais, como escoliose. Ele explica que a percepção do espaço (subjetivo,
imaginário e baseado nos hábitos de percepção que constituem nossa história pessoal)
determina a possibilidade do movimento corporal. A partir disso, Godard fala que certos casos
de escoliose são consequências de uma deformação da percepção do contexto/espaço, sendo-
muitas vezes- causadas por traumas e acidentes que deixaram suas marcas no corpo do
indivíduo, assim marcando a relação corpo/espaço muito discutida por ele.
Godard escreve também que, a partir desse espaço individual, cada um tem seu próprio
movimento corporal. A dança, por exemplo, é vista por ele como algo que produz, controla e
censura as novas atitudes de expressão de si e impressão do outro. Por isso, afirma que uma
reprodução idêntica de um mesmo movimento, outrora reproduzido por outra pessoa, não é
possível, já que cada um possui sua própria expressão, sua própria história e seu próprio
espaço. O gesto, por sua vez, compõe-se do sentido pelo qual o indivíduo carrega a sua

2
Parágrafo baseado nos conhecimentos trazidos na aula sobre Psicoterapia Corporal, apresentada pela professora
Catarina Resende, no dia 07 de junho de 2017.

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história, o que o atravessa e a sua projeção do mundo; é um pré-movimento em todas as suas
dimensões afetivas e projetivas. É no gesto que a produção de sentido se organiza.

3) Uma outra perspectiva da dança como clínica:


Pode-se também enxergar a clínica psicoterapêutica corporal em outras perspectivas,
como o novo olhar que Lygia Clark – artista plástica - traz para pensar a relação do homem
com os objetos, a partir de uma nova forma de explorá-los. No documentário sobre o Projeto
Arte, Cultura e Acessibilidade realizado pelo curso de Terapia Ocupacional da UFRJ,
enxerga-se esse modo de produzir da Lygia Clark para se pensar o autismo, visto que o modo
como os autistas se relacionam com esses objetos traz semelhança com a proposta desta
artista. Nessa abertura de possibilidades e experimentações podemos pensar outra maneira de
ver essa dança - na qual esse projeto se coloca – e relacioná-la às conceituações trazidas por
Hubert Godard.
É a partir da dança, dentro da afirmação desse movimento que vai produzir algo, que o
autista cria o próprio mundo nas suas relações. Esses "movimentos corporais que são
movimentos da subjetividade, que são incorporados nessas propostas, são propostas para um
corpo performar. Cada encontro é um certa performance nesse corpo, nesse espaço" 3.
Dentro disso, podemos refletir sobre como essa arte entrará para pensar o cuidado de si, do
conhecer de si, o fazer da vida uma obra de arte.

4) Articulação com a disciplina:


Olhando esse novo modo de pensar, incluindo o corpo, é possível enxergar uma clínica
que pode se relacionar com outros campos, tornando possível que diferentes manejos
atravessem este lugar. Como foi citado acima, Hubert Godard traz a história do indivíduo,
assim como o tempo e espaço em que está inserido, como pontos fundamentais para a
formação do gesto expressado em um corpo. Nesse caminho, nota-se como as relações de
poder podem estar inseridas nessa construção do corpo, já que esse espaço e esse ambiente
são a formação de um contemporâneo que não só transforma, mas também cria o sujeito.
Eduardo Passos e Regina Benevides nos mostram que “contemporaneamente as relações de
poder incidem sobre o próprio processo da vida” 4. Dentro dessa sociedade de controle, a
3
MECCA, R. , 2014, minuto 14:30-14:44.
4
PASSOS, E ; BARROS,R. B. , 2001, p.6.

4
qual introduz de forma sutil o controle sobre os nossos corpos, é pertinente pensar uma forma
de resistência para esse poder: uma biopolítica. Uma forma de biopolítica produzida por esse
corpo seria através da libertação (para Reich, essa libertação podia ser vista também por meio
do orgasmo atingido pelo indivíduo) e a espontaneidade do ser humano. Marcus Vinicíus
Câmara também mostra, em seu trabalho anteriormente citado, a importância do trabalho
clínico/social, que engloba tanto a verbalização quanto a expressão corporal do sujeito, como
forma de contribuição para a democratização das relações de saber/poder das redes sociais e
institucionais. Redes estas que podem ser apresentadas na visão de Eduardo Passos e Regina
Benevides como formas do Biopoder.
Além disso, Humbert Godard, ao falar da singularidade de cada gesto e movimento, nos
permite pensar da Descoberta do sentido5 sobre a qual Freud fala da subjetividade de cada ser
e a forma como cada história possui um sentido próprio (história individual essa que Hubert
Godard trata como sendo primordial para a percepção de um espaço individual que compõe o
gesto de cada um), sendo isso de grande importância para a passagem da visão do sujeito
universal para subjetiva na História da Psicologia. Assim, percebe-se que o corpo e seu
espaço, próprios de cada sujeito, são moldados pelo saber e poder do contemporâneo mas
também possuem um grande papel de transformação nas esferas sociais quando articulados à
Clínica.

5) Conlusão:
Através deste trabalho, conseguimos enxergar a arte na clínica psicoterapêutica corporal
em outras perspectivas. Além da fala, o corpo será, de diferentes formas, um todo que
expressa, transmite suas sensações e que tem representatividade. Esse corpo terá lugar de
escuta e transformação nessa Clínica. A partir disso, é possível pensar diferentes formas de
resistências e mudança para a produção de um mundo e propor linhas de fuga para esse
enquadrinhamento, como propõe Marcus Vinicius, podendo introduzir outros campos – como
a dança – sobre a qual a movimentação terá seu lugar na construção de um gesto particular e
que carrega uma história. É pensar também, como traz Alexander 6, no trabalhar com a
experimentação do corpo, com as técnicas de consciência corporal e com a reabilitação de
traumas com experiências limites da própria vida. É possível também enxergar a subjetividade

5
FOUCAULT, M. (1999)
6
Autor e técnica trazidos pela professora Catarina Resende na aula sobre Psicoterapia corporal, em 07 de
junho de 2017.

5
como esse mundo que atravessa o corpo que se expressa a partir do olhar do sujeito sobre o
espaço. Nisso, podemos observar como muitas possibilidades estão sendo incluídas nesse
campo que tem disso atravessado por outros saberes.

6) Referências Bibliográficas:
_____Buracos Negros: uma entrevista com Hubert Godard em: >
http://www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/view/1447/1330 . Acessado em
01/01/17 às 09:41 h .

_____CÂMARA, Marcus Vinicius. Contribuições para a atualização da noção de corpo na


teoria de Wilhelm Reich pela ótica foucaultiana. Trabalho vinculado à pesquisa institucional
intitulada “A Questão da Interação na Psicologia Clínica Contemporânea” . Congresso
Encontro Comemorativo do Centenário de Wilhelm Reich ( PUC/SP), PUC-SP, 1997.

_____ Documentário sobre o Projeto Arte, Cultura e Acessibilidade realizado pelo curso de
Terapia Ocupacional da UFRJ, realizado em parceria com o Ministério da Cultura em: >
https://www.youtube.com/watch?v=TjkkurKSkMk acessado em 03/07/17 às 21:31 h .

_____GODARD, Hubert. Gesto e percepção. In: Lições de dança 3. PEREIRA, R ; SOTER,


S. Rio de Janeiro, UniverCidade Editora, 1999.

_____FOUCAULT, M. A Psicologia de 1850 a 1950. In: Problematização do Sujeito:


Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise, (p.142). 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense
Universitária LTDA, 2002. P;133-151.

______ PASSOS, E ; BARROS,R. B. Clínica e biopolítica na experiência do contemporâneo.


Psicologia Clínica Pós-Graduação e Pesquisa (PUC/RJ), PUC-RJ, v. 13, n.1, p.89-99, 2001.

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