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Regência do Senhor Professor Doutor Carlos Blanco de Morais Ano 1, TB

2017/2018 Inês Bastos

Direito Constitucional I
Regência do Senhor Professor Doutor Carlos Blanco de Morais

Nota: estes apontamentos não dispensam a consulta dos manuais indicados


pela Regência, nomeadamente:

• MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomos I-VII,


Coimbra Editora

• MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional, Tomo


I, Coimbra Editora, 2012

• MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional, Tomo


II, Almedina, 2018

A existência da sociedade humana exigiu, desde sempre, a necessidade de


existirem meios de resolução de conflitos, de forma a salvaguardar os interesses
e alcançar objetivos gerais. A natureza humana não é meramente altruísta, no
entanto, da competitividade e da natureza conflitual do Homem pode resultar
progresso. O conflito é uma realidade natural, até benéfica, já que incentiva à
evolução, mas é necessário controlá-lo. O Direito surgiu para garantir esse
controlo, como um conjunto de regras que ordenam e disciplinam a conduta
humana em sociedade e cuja obrigatoriedade se encontra garantida por sanções,
isto é, pela aplicação de penas e castigo para os infratores.

Reger a sociedade humana pelas normas do direito obriga a que se deposite


alguma autoridade em entidades, nomeadamente no que toca a criar ou alterar
regras, fazê-las aplicar e cumprir. É desta forma que se fala em poder, que é de
origens várias:

Poder político – Autoridade exercida sobre a sociedade tendo em vista o


progresso e a defesa dos interesses gerais. Cabe aos protagonistas do poder
político assegurar a continuidade da sociedade, através das instituições.

Numa sociedade democrática é o poder político que deve dominar,


subordinando todos os outros, mas nem sempre isso acontece. Nas sociedades
teocráticas, como é o caso do Irão, prevalece o poder religioso. Nas monarquias
absolutistas, como é o caso da Arábia Saudita, prevalece o poder de uma só
família reinante. Nos regimes ditatoriais de índole militar, como aconteceu em
Espanha na ditadura franquista, o poder militar subordinava o poder político.
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Hoje, em pleno século XXI, fala-se na subordinação do poder político pelos


grandes agentes económicos, pelo poder económico. Cabe ao Estado colocá-lo
no seu lugar.

Para impedir que seja capturado, o Estado deve disciplinar a Igreja, impondo
nomeadamente a separação entre as instituições; regular a iniciativa privada; ditar
critérios disciplinadores da liberdade de imprensa, regulando o mundo digital
que tem vindo a assumir proporções gigantescas; limitar o poder familiar, através
da adoção de regras de igualdade entre sexos e reconhecimento de situações
familiares atípicas.

O Estado apresenta-se como o ente territorial mais eficiente e perfeito no


exercício de poderes de autoridade sobre a comunidade. Não é tão próximo das
pessoas como o poder regional, mas dispõe dos recursos necessários para reger
um território que abranja múltiplos municípios e regiões. Apesar de se envolver
supranacionalmente, o Estado deve sempre preservar os interesses do seu povo
prioritariamente.

Estado Oriental - dimensão imperial; poder arbitrário sobre populações muito


diversas e limities fronteriços mal delimitados. A sociedade é organizada em classes
sociais; influência do poder religioso. O monarca representa quer o poder político
politicamente por uma autoridade soberana

quer o religioso.
Estado - domínio territorial regido

Cidade-Estado Grega - coletividas estaduais de pequena dimensão com fronteiras


difusas. Étnica e socialmente homogéneas, priveligiam os cidadãos que, entre si, são
tratatados como iguais, sobre outras minorias (mulheres, escravos, estrangeiros). O
poder político era representado de forma diferente consoante a pólis: democracia,
oligarquia, tiranaia, autocracia miliar.

Estado Romano - dimensão imperial; unidade do poder político, com alguma simbioso
com o poder religioso e o político; sociedade hierárquica com soberania do poder
patrício; consagração do estatuto de cidadão; diferenciação entre o direito público e
privado.

Estado Medieval - relações de vassalagem que enfraqueciam o poder político


soberano (monarca); sociedade extremamente estratificada em ordens; organização
jurídica caótica. Na fase absolutista: associação da soberania à pessoa (soberano não é
o Reino mas o Rei), centralização plena, subordinação da nobreza (cortes) e do poder
religioso.

O Estado soberano contemporâneo e os seus elementos

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A noção de Estado Moderno resulta da Paz de Vestefália, de 1648, a qual assinou


o termo da Guerra dos Trinta Anos. Nas clausulas do Tratado ficou claro que a
soberania não ficaria apenas nas mãos do monarca, mas sim às fronteiras que
integram os territórios a ele sujeitos; a Nação é soberana e irredutível; só o Estado
(não a Igreja) detém poder político;

As revoluções francesas e americanas serviram para consolidar a ideia de Nação


como algo que ultrapassa o monarca e se estende aos súbditos, que passam a
ser cidadãos.

Estado contemporâneo: coletividade territorial integrada por um povo, que a


ela se encontra ligado pelo vínculo da nacionalidade e por um poder político
soberano.

O ordenamento jurídico pode ser considerado um quarto elemento do Estado,


já que o Direito limita o poder político. O exercício da autoridade política integra-
se num ordenamento.

Os Elementos do Estado
O Povo
Conjunto de pessoas ligadas a uma determinada coletividade estadual pelo
vínculo jurídico da nacionalidade. Desta forma, o conceito de povo incluí
efetivamente os emigrantes. Sem povo, como conjunto de pessoas sujeitas a
deveres e titulares de direitos, não existe Estado.

População: Conjunto de pessoas que residem num Estado, nomeadamente


estrangeiros e apátridas.

Nação: Conceito sociológico e cultural que abrange as pessoas unidas por


tradições, necessidades e objetivos comuns. Por seu lado, o povo é um conceito
jurídico que pode coincidir com a nação, ou englobar várias. Enquanto Portugal
é um Estado-Nação, a Suiça é multinacional. Por outro lado, há nações compostas
por diversos Estados, nomeadamente a curda ou a judaica.

Regime da Nacionalidade

Artº 4º - “São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam
considerados por lei ou por convenção internacional”

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A revisão de 2006 reforçou o princípio de “jus solis” em detrimento do “jus


sanguinis”, de forma a acomodar os filhos de imigrantes estrangeiros e os
próprios imigrantes em território nacional. No entanto, isto permitiu que muitos
residentes sem qualquer vínculo pessoal ou cultural à sociedade portuguesa
ganhassem o título de cidadãos.

A nacionalidade pode ser de:

i) Aquisição originária, que se sente desde o nascimento do titular, por


via do “jus sanguinis” (filhos de pai ou mãe portugueses, nascidos em
Portugal); por via “Jus sanguinis” e da vontade (filho de pai ou mãe
portuguesa nascidos no estrangeiro, se declararem que querem ser
portugueses); “jus solis” (filho de pai e mãe estrangeiros, desde que um
deles tenha nascido em Portugal e tenha cá residência ao tempo do
nascimento).
ii) Aquisição derivada, que produz efeitos em momentos posteriores ao
nascimento: adoção, naturalização e atribuição graciosa pelo Estado

A perda da nacionalidade está limitada aos que, sendo nacionais de outro


Estado, não queiram ser portugueses (artigo 8º)

Cidadania Europeia
Artigo 9º do Tratado de Lisboa: “É cidadão da união qualquer pessoa que tenha
a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União acresce à cidadania
nacional, não a substituindo”. Direito à livre circulação, de eleger e ser eleito
para o parlamento europeu, proteção diplomática fornecida por qualquer Estado
Membro e direito de petição a diversas instâncias da União Europeia.

Estatuto de estrangeiro e apátridas em território português

Artigo 15º, número 1: “Os estrangeiros ou apátridas que residam em


Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão
português”. A exceção entre estes direitos, presente na cláusula 2, são os
direitos políticos, exercício de funções públicas não-técnicas e outros
direitos e deveres exclusivamente reservados a portugueses.

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terrestre - composto pelo solo e pelo subsolo, sem limite de profundida e demarcado à superfície pelas
linhas de fronteira. A soberania do Estado é aqui plena.

aéreo - formado pelo espaço suprajacente. Existem opiniões diversas no que toca ao limite superior deste
espaço. Há quem defenda que o limite é o espaço atmosférico, outros defendem que corresponde à altitude
território

máxima alcançada pelas aeronaves.

marítimo - a - águas territoriais: 12 milhas, sobre as quais o Estado exerce soberania.


sua - zona contígua: 24 milhas; o Estado é soberano no domínio da fiscalização e prevenção;
delimitação
está pela - ZEE: 200 milhas para além do mar territorial; o Estado exerce direito de exploração e
convenção de conservação dos recursos naturais para fins económicos.
Montego Bay - Plataforma Continental: leito e subsolo das águas subaquáticas e qie se estende, para além
de 1982. do Mar Territorial, até às 200 milhas e a uma profundidade de 200 metros

O poder político soberano


O poder político, alude no contexto do Estado, ao conjunto de prerrogativas de
autoridade cometidas a determinados órgãos da coletividade estatal, para que
ordenem a vida coletiva e garantam os interesses gerais da coletividade. Há
algumas coletividades políticas que detém poder político, já que este não é
completamente centralizado, no entanto, este poder é legitimado pelo Estado,
através da Constituição, encontrando-se dentro dos limites do direito estadual.
Mesmo as organizações supranacionais e confederações, perante as quais o
Estado sacrifica parte da sua supremacia, podem ser reformadas ou extintas pelos
estados membros. Daqui resulta que o poder político do Estado diferencia-se das
restantes formas de poder por possuir um atributo próprio, que é a soberania.

Soberania é a faculdade do Estado de se poder


livremente organizar no plano jurídico, de poder
tomar decisões obrigatórias para os cidadãos e
para outros entes públicos e privados, e por ter
capacidade de representar internacionalmente os
interesses externos da coletividade, num quadro
de igualdade com outros Estados

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O estado, regra geral, nasce a partir de um movimento de autodeterminação do


seu povo, no sentido de criação de uma coletividade territorial independente –
essa determinação está presente no poder constituinte: o povo ou a sua
representação podem aprovar uma Constituição, lei de hierarquia superior.

A soberania dos Estados pode ser maior ou menor. Explicando, quando as


internacionais explodem, como foi o caso da crise dos EUA em 2008, tornam
evidente a fragilidade de muitos Estados – quanto maior for a fragilidade
económica e financeira destes e a sua dependência de apoio financeiro externo,
menor é a dimensão real e prática da sua soberania. Estados como Portugal foram
obrigados a acatar ordens de agentes externos aquando do resgate financeiro,
sendo privados da sua real autonomia. Por outro lado, alguns Estados mantêm-
na independentemente das condições externas (EUA, Rússia, China, etc), por
terem um maior poder de negociação externa. A soberania permite distinguir
aqueles que são plenamente soberanos, como os mencionados anteriormente,
dos Estados com soberania limitada (como o estados-membros da EU), dos
Estados semi-soberanos ou de soberania diminuída, como é o caso da Bósnia ou
do Kosovo, dos Estados falhados como a Somália, e dos estados não soberanos
(estados federados autónomos que integram uma federação).

O poder soberano na ordem constitucional portuguesa

A soberania portuguesa é, segundo o artº 3º da Constituição Portuguesa,


“una e indivisível”, ou seja, respeita o princípio da unidade nacional e não pode
ser dividida por outras coletividades soberanas (sendo impossível conceder
poderes soberanos às regiões autónomas, por exemplo).

A soberania reside no povo que a exerce através de atos referendários (artº


115) e do exercício de competências cometidas aos órgãos que, direta ou
indiretamente, o representam. Estes órgãos de soberania compreendem o
Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.

A soberania é garantida na alínea a) do artº 288 da CRP, que proíbe


revisões da Constituição que não respeitem a independência e a unidade do
Estado (exceção da UE).

Formas Territoriais de Estado

O poder territorial

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O poder político compreende uma relação hierárquica de supremacia entre o


centro do poder soberano e os territórios periféricos. É distribuído
horizontalmente entre o centro e a periferia, pelo que as coletividades periféricas
passam a exercer, dentro dos limites impostos pela CRP, atribuições de
autoridade política. O tema território/poder político envolve debate entre fluxos
de centralização e descentralização.
Descentralização e Autonomia

A descentralização territorial envolve um policentrismo de autoridades públicas


com personalidade jurídica e dotadas de autonomia no exercício de funções
jurídico-públicas, as quais dividem ou partilham com o poder político soberano.

Não é o mesmo que desconcentração territorial, que consiste numa técnica


utilizada pelo poder central para descongestionar os seus serviços e responder
mais rapidamente às exigências locais ou regionais, atribuindo poderes de
autoridade a órgãos que lhe estão hierarquicamente subordinados e estão
instalados nos territórios periféricos para agirem em nome do Estado. No caso
de Portugal, existem as Comissões de Coordenação Regional, que dependem do
governo.
O modelo centralista está desatualizado por razões:

-Técnicas – mau desempenho funcional, porque um poder político


plenamente centralizado não é capaz de dar resposta a todo o tipo de demandas;
-Políticas – a população assume uma relação de proximidade com as
comunidades territoriais onde residem, reclamando a possibilidade estas se
autorregularem em matérias quotidianas e elegendo, para o efeito,
representantes autárquicos.
Em suma, a descentralização envolve duas espécies de coletividades territoriais
com personalidade jurídica: Estado e as Coletividades Territoriais menores que o
integram.
No entanto, a descentralização é feita de formas diversas, consoante a
necessidade de cada estado. Algumas têm um grau maior do que outras, por
motivos de:
- ordem espacial: grandes extensões territoriais e descontinuidade
geográfica dentro do território estadual;
- ordem histórica: costumes e tradição de território com um passado de
identidade vincada (escócia, por exemplo);
- ordem étnico-cultural: especificidades linguísticas, religiosas e étnicas, de
certas comunidades territoriais;
- ordem económica: territórios pobres e esquecidos pelo poder central ou
territórios ricos e fortes contribuintes líquidos para o orçamento do Estado mas
com pouco peso político no poder central;

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Tipos de descentralização:
- Descentralização administrativa: envolve a atribuição de autonomia
administrativa (competência para aprovar normas regulamentares para a
concretização de leis, aprovação de atos administrativos para a execução de
normas, celebração de contratos administrativos e produção de bens e serviços)
(baixo nível de descentralização).

- Descentralização político-administrativa: competência para aprovar leis e


atos políticos (nível médio de descentralização).

- Descentralização constitucional: certas macro parcelas territoriais


(estados autónomos) gozam, não só de todo o tipo de autonomia mencionado
acima como também constitucional (faculdade de aprovarem e reverem a
respetiva constituição, no respeito da constituição do estado-soberano que
integram) e de autonomia jurisdicional (elevado patamar de descentralização).

Formas de Estado

Modelo inerente ao tipo de relações estabelecidas entre o poder político estadual


e o território.

Duas formas de Estado: O Estado Unitário e o Estado Federal.


O maior critério de distinção entre ambas as formas de estado radica na unicidade
ou pluralidade do poder constituinte e da Constituição.

Estado Unitário: é regido por uma só Constituição e apesar de poder atribuir mais
autonomia a coletividades territoriais que o integrem, há só um Estado. A
Constituição, estando numa posição de supremacia perante as restantes leis, rege
o poder político e as coletividades territoriais, que podem gozar de
descentralização administrativa ou político-administrativa.

Estado Federal: ideia de que uma dada coletividade territorial soberana é um


Estado Composto, isto é, um estado que se desdobra em vários (estados
federados). Cada estado tem uma constituição e um poder constituinte próprio –
no entanto estas devem vincular-se à Constituição Federal, que lhes é
hierarquicamente superior, sob pena de invalidade. Estas coletividades territoriais
beneficiam de uma descentralização constitucional e uma autonomia mais
avançada.
Estado Unitário

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Simples Regional

Admite apenas formas de descentralização Implica, a par da descentralização municipal, a


criação de regiões, às quais são atribuídas
administrativa do tipo municipal
poderes públicos de autoridade

Estado unitário com Estado Unitário com


regionalização administrativa regionalização político-
(atribuição às autoridades das administrativa (supõe que
regiões, eleitas sejam cometidos às
democraticamente, autoridades das regiões
competências administrativas, competências políticas,
financeiras e patrimoniais). legislativas, administrativas,
financeiras e patrimoniais.

Federalismo:

• Originário ou Centrípto: nascem do acordo entre estados previamente


independentes que renunciam à sua soberania para constituir uma federação.
• Derivado ou Centrífugo: Estados Unitários que iniciaram um processo de
transferência de poderes constitucionais, políticos e administrativos para
regiões ou províncias, de forma a transformá-las e, estados federados.
Outorga de poderes a partir do centro, para a coletividade.

Região político-administrativa vs Estado Federado

O Estado federado possui representantes próprios numa câmara parlamentar,


compreende tribunais próprios, não possui comissários de estado no seu
ordenamento e pode celebrar convenções regionais. A Região Autónoma não
usufrui de nenhuma destas prerrogativas e, enquanto pode ter iniciativa no que
toca à aprovação ou alteração do estatuto de autonomia, a palavra final é sempre
a do Parlamento soberano do Estado.

A República Portuguesa como um Estado Unitário Regional Periférico

Nos termos da norma do artigo 6º da CRP “O Estado é unitário”


Nº2 do mesmo artigo: os Açores e a Madeira são reconhecidos como regiões
autónomas, dotadas de estatuto político administrativos e de órgãos de governo
próprios

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Pode-se qualificar, por isso, o Estado Português como um Estado Unitário, com
um regionalização político-administrativa parcial ou periférica, a qual se
circunscreve duas pequenas regiões arquipelágicas: a da Madeira e dos Açores.
O restante território encontra-se sujeito a um regime de autonomia puramente
administrativa atribuída a autarquias locais (freguesias, municípios, zonas
metropolitanas) – Artigo 235º da CRP.

O Estado Unitário Português envolve, por conseguinte, uma municipalização


administrativa no território continental e uma regionalização político-
administrativa circunscrita aos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

As autarquias locais dispõem de autonomia administrativa, bem como património


e finanças próprias, sendo ainda titulares de autonomia referendária de âmbito
local. Tudo isto de modo a que consigam prosseguir os interesses próprios das
populações locais. No entanto as autarquias encontram-se sujeitas a uma tutela
administrativa de legalidade do Estado e as suas competências são definidas pela
lei ordinária.

O Estado e a legitimidade do poder político

Legitimidade e Legitimação do poder:

O Estado apresenta-se efetivamente como a única entidade pública dotada de


capacidade para garantir, com elevado grau de efetividade, a obediência às suas
normas, através de medidas coercivas. É o Estado o ente que detém, com maior
perfeição, o monopólio do uso da força para fazer cumprir, junto das pessoas
individuais e coletivas, as regras que dele promanam.

O vínculo de obediência conduz à ideia de domínio. Segundo Max Weber,


domínio implica a suscetibilidade de os membros de um grupo obedecerem a
comandos, gerais ou específicos, manifestando um mínimo de vontade de acatar
o poder de autoridade de onde brotam esses comandos.

Embora todos os Estados constituam um tipo de domínio territorial, o Estado do


século XXI apresenta-se como um modelo regido pelo primado da Constituição,
pela separação de poderes, pelo princípio submissão da Administração pública à
lei e pela salvaguarda dos direitos dos cidadãos através de tribunais
independentes – Estado de Direito.

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O conceito de Estado de Direito brota da ideia de que o Estado deve,


necessariamente, ser dirigido por uma vontade racional, traduzida numa relação
de domínio, caracterizada pela prossecução do bem comum, por leis justas
acatadas por governantes e governados, excluindo assim o arbítrio e a violência
injustificada no exercício de poder. Deve, por isso, haver um mínimo de vontade
dos indivíduos em submeter-se aos comandos de uma autoridade, ou estamos
parentes regimes autoritários em que o poder está meramente associado à força
física.

A justificação da relação de domínio que as autoridades exercem sobre as


pessoas aponta para o conceito de legitimidade política. Legitimidade convoca
a crença coletiva dos membros de uma comunidade na ideia de que aqueles que
exercem autoridade “têm direito a fazê-lo”.

Noção de legitimidade: conjunto de vínculos, valores e princípios de ordem


cultural, política e jurídica que justificam junto dos governados o tipo de
autoridade titulada e exercida pelos governantes.

Legitimidade democrática (consentimento dos governados) e autocrática (sem


este consentimento).

Legitimidade

Tradicional – fundamena a aceitação do poder político na sacralização


de pactos e regras presentes desde tempos imemoriais, sendo a auoridade
suprema concebida como depositário e guardião desses costumes. Ex:
monarquias absolutas, teocracias.

Carismática – providencialismo que rodeia as características de


determinados líderes políticos, que por razões de ordem emocional ou afetiva,
levam a comunidade a atribuir-lhes o título de heróis ou chefes excecionais, com
capacidade de mobilizar uma grande franja da sociedade, para um desígnio
coletivo - Caudilhismo revolucionário.

Legal-Racional – supõe a obediência de governantes e governados à


legalidade, em sentido amplo. Os cidadãos aceitam a autoridade de quem, nos
termos da Constituição e da lei, dela é titular, em função das normas
estabelecidas que determinam como e a quem obedecer. No fundo, o
fundamento é o Direito.

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Legitimidade legal-
Legitimidade democrática: Legitimidade burocrática:
Revolucionária:
O fundamento da Obediência simples às
autoridade dos Fundamento da autoridades instituídas
governantes resulta do titularidade do poder pelo sistema legal
consentimento expresso exercido por quem vigente, as quais atuam
por uma vontade geral, rompeu com uma sob um aparelho
livre, periódica e explícita ordem instituída e administrativo, intrusivo
dos governados. dispõe da força fáctica e repressivo, e um
para fundar outra ideário simples.
(reestruturação do Funciona em conjunto
Estado através de um com outros tipos de
programa ideológico de legitimidade,
ação e da criação de nomeadamente a
uma nova ordem legal). democrática.

No Estado de Direito, o fundamento do acatamento do poder é imputado pela


vontade do próprio povo. O povo emergiu gradualmente como magnitude
política, através: plebiscito; representação existencial; representação popular em
assembleia. A ideia de que o povo exerce o domínio político estadual, mediante
um mandato representativo, confiado a um grupo de pessoas que impõem os
seus comandos a outro grupo, de acordo com regras jurídicas às quais uns e
outros se submetem, constitui o fundamento de legitimidade do estado (material)
de direito.

Constituição: fundamenta o poder dos governantes e disciplina juridicamente a


sua organização bem como as suas relações com os governados.

O regime político e o sistema político são realidades distintas: O regime político


é mais abrangente, funda-se na legitimação de um modelo de poder político
territorial que regula a relação entre as autoridades soberanas e o povo,
desdobrando-se em diferentes modalidades de organização institucional desse
mesmo poder, ou seja, em diferentes sistemas políticos.

Capítulo II. Os Regimes Políticos

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Conceito: regime político define-se como o modelo doutrinal ou ideológico onde


repousam os fundamentos da legitimidade do poder soberano de um Estado,
bem como da definição do tipo de enlace jurídico-político que é estabelecido
entre o povo e os órgãos que exercem o mesmo poder.

A ideologia consiste na simplificação de uma doutrina política através de ideias-


força que são transformadas numa crença política. As ideologias possuem uma
dinâmica e um impacto mais ou menos intenso no modo de legitimação e
organização do poder, na medida em que os seus paradigmas de organização
política e social justificam distintas ordens jurídicas e políticas de domínio
estadual, ou seja, diferentes regimes políticos.

Classificação tripartida das formas de poder, segundo Aristóteles:

Monarquia – governo de 1 só que se devia orientar para o bem comum, porque


doutra forma tornar-se-ia uma tirania. (monarquia dualista e monista)

Aristocracia – a autoridade pertence a um escol formado pelos melhores, que


atuariam em interesse da sociedade, caso contrário tornar-se-ia uma oligarquia.

Politeia/democracia: a autoridade pertence a toda a comunidade que age


pensando no interesse comum, caso contrário torna-se numa demagogia (a
autoridade é apropriada por um grupo político ou social). (república
constitucional)

Destes tipos “puros” poderia resultar uma pluralidade vasta de combinações.

A democracia representativa trata-se de um sistema, integrado por um método


(representação democrática), um processo (tradução dos resultados eleitorais em
mandatos) e um critério de decisão (critério maioritário), que se destina a
assegurar em permanência que as instituições políticas de um Estado exprimam
uma vontade coletiva e unitária. Na democracia representativa, o titular do poder
eleito declara de imediato, depois das eleições, a sua independência jurídica e
política relativamente a quem o elege, estabelecendo-se um diafragma de
separação entre corpo eleitoral e corpo eleito.

Justificações que suportam o mandato representativo:

• Os eleitores não teriam aptidão para se pronunciarem sobre todas as


questões sobre as quais decidem os seus representantes

Isto leva à necessidade de optar por candidaturas alternativas


protagonizadas por uma elite política organizada e preparada para governar.

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Isto torna, em parte, a democracia representativa num fenómeno elitista e


competitivo.

Os índices de qualidade dos regimes democráticos

A erosão da democracia representativa


O debate sobre a democracia representativa tem ganhado relevância nas últimas
décadas, perante a ideia de que é deficitária e carece, ela própria, de ser
democratizada, permitindo aos cidadãos que participem mais na vida política,
durante o período entre eleições. Se do povo imana o domínio que legitima a
democracia, o consentimento não deve ser reduzido à escolha eleitoral dos
representantes, mas sim: o exercício do poder de um Estado fundado sob a égide
da soberania popular; responsabilidade dos governantes perante governados;
proteção de minorias; a possibilidade dos governados se fazerem ouvir entre
eleições, de forma a que a sua vontade seja correspondida.

A democracia é criticada já que a tomada de decisões à luz do critério maioritário


prejudica, por vezes, a diversidade. Por outro lado, acusam-se as democracias da
atualidade de se deixarem capturar pelo poder económico e financeiro.

A apatia derivada da insatisfação da cidadania com os seus representantes geraria


atos eleitorais cada vez menos participativos, e os partidos políticos tornar-se-
iam meras máquinas publicitárias organizadas, financiadas de modo opaco,
destinadas a, com base em ideias simplificadas e manifestações de propaganda,
façam eleger a qualquer custo os seus candidatos.

Principais críticas:

• Reducionismo eleitoral: O modelo democrático seria insuficiente para


exprimir todos os ângulos de vontade popular no governo, já que entre
eleições, o povo não teria capacidade de influir na tomada de decisões dos
seus representantes, em questões que abranjam direitos e preferências
específicas (rosseau: o povo britânico é escravo entre eleições).
• Clausura no processo de decisão: existe na democracia uma “cidade
proibida” dirigida por uma elite política e económica que manipula o
circuito de decisão sobre grandes problemas nacionais, fechado à
discussão em espaço público (aumento da corrupção).
• Captura do poder político pelo poder económico – os grandes agentes
económicos ganham um peso maior do que o dos cidadãos votantes,
passando a dominar grandes grupos de comunicação social, alimentando

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a privatização em condições pouco benéficas para o Estado. Tudo isto fica


ao alcance destes agentes devido aos fortes laços de dependência que são
criados com o poder político, através, por exemplo, do financiamento de
campanhas eleitorais (trade off).
• Deslocação da soberania popular do Estado para estruturas económicas e
financeiras transnacionais, (nomeadamente a U.E) e organizações
internacionais (FMI, OMC) - poderosas organizações que com a
globalização têm vindo a condicionar a liberdade de decisão política dos
Estados, impondo-lhes opções políticas, económicas e sociais.
• Sobre-representação nos media de minorias poderosas: os eleitos tomam
decisões sob pressão de influentes minorias enquistadas nos media e
universidades que lideram o espaço público (note-se a influência da
extrema-esquerda em questões como a eutanásia, racismo, casamento
homossexual, entre outros). Isto faz com que, por vezes, as decisões
tomadas a nível de questões sociais, abranjam a opinião e a vontade da
minoria, e não da maioria do eleitorado.
• Engessamento da representação: há processos eleitorais por todo o
mundo que condicionam a liberdade eleitoral, nomeadamente através de
cláusulas-barreira muito elevadas.
Cordões sanitários dos partidos mainstream contra partidos
ideologicamente estigmatizados
Ou então através da comunicação social, que demoniza partidos anti-
sistema, ou até mesmo a manipulação dos circuitos eleitorais, em favor de
uns partidos.
• Partidocracia e representação: tem-se observado uma dependência e
vinculação dos representantes, escolhidos por eleição, aos regimes
partidários ou à liderança governativa. Estes partidos, por norma, estão
mais preocupados com recolher a maioria dos votos possível,
embrenhando-se numa máquina sofisticada de programas vagos e pouco
marcados ideologicamente.
• Afastamento das elites e eleitores do processo representativo: a
degradação crescente da imagem pública dos dirigentes devido a casos
de corrupção e o aparelhismo partidário têm conduzido ao declínio da
militância, à falta de confiança dos cidadãos e à abstenção.
• Domínio das internacionais partidárias e redução das escolhas eleitorais
nacionais – a federação dos partidos nacionais em cartéis supranacionais
de partidos europeus gerou um processo gerontocrático, a partir de
cúpulas de grandes famílias.

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• Substituição do “povo” pelo “indivíduo” e pela “sociedade civil” –


emergência da noção de “cidadania do mundo” e de sociedade civil como
um somatório de comunidades e grupos de interesses.
• Representação formal: a representação substantiva sofreu uma explícita
erosão devido à incapacidade dos partidos comunicarem com o eleitorado
e pela facilidade com que se têm afastado do programa eleitoral.

Democracia participativa: faculdade dos governados poderem, no período


entre eleições, serem escutados pelos governantes em momentos de decisão.

Anos 80: influência alemã: conselhos de concertação social – órgãos onde estão
representadas entidades corporativas (empresários e sindicatos) que num
determinado conselho discutem a legislação – chegar a um acordo de forma a
diminuir a contestação.

Manifestações da d.r: os atos administrativos que são desfavoreceis a alguém


esse alguém deve ser previamente ouvido para que se possa manifestar.
Democracia deliberativa: as opções de poder deviam ser legitimadas por um
debate público alargado.

Dimensão institucional: não acrescenta nada à democracia participativa.

Não institucional: democracia digital: poder das pessoas, através das redes sociais
(poderá ser considerado um poder informal com um elevado grau de influência).
Podem parar golpes de estado ou deslegitimar governantes.
Democracia semidirecta: instituto do referendo.

A Alemanha permite referendo de forma muito restrita, já a Suíça tem-no como


base da sua democracia.

Em Portugal não há referendos constitucionais nem económicos. Pode-se


referendar a regionalização, o aborto, casamento (modos de vida),
autonomização, etc – os referendos não podem acontecer regularmente.
O referendo mostra muitas vezes o divórcio entre o povo e os seus governantes.

Opinião pessoal do professor- a favor do referendo, promove o debate e a


participação cívica.

Nenhuma destas modalidades de democracia consegue substituir a


representativa.
Ideia de pós-democracia: regime político que mantém as qualidades típicas da
democracia evoluiria para novas formas de poder onde o papel do povo seria
relativizado pela entrada em cena de outros agentes, nomeadamente os
económicos. Governatização da política (governo >parlamento). Erosão do
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princípio da igualdade: na sociedade civil teriam muito mais peso os órgãos


económicos do que os comuns, de defesa do homem e do ambiente.
Dependência de políticos de analistas e consultores. Atenuação da fronteira entre
o público e o privado devido ao crescente quadro de privatização. Reforço dos
partidos antissistema.
Criação da firma global (com a globalização) – a globalização seria dominada por
grandes órgãos empresarias internacionais que limitam a vida política de cada
país (neoliberalismo).

Degradação da democracia representativa. A liberdade de escolha dos cidadãos


na decisão seria radicalmente diminuída.

A ideia de pósdemocracia não é necessariamente justificável quando


comparamos a política nos dias de hoje com as do século XX (inclusão das
mulheres, por ex)
O maior problema da democracia é efetivamente a captura por parte do poder
económico.

As democracias limitadas: regimes democráticos “iliberais”,


“autoritários” e “deficitários”

Existem regimes democráticos representativos que incorporam nos seus atributos


fundamentais, restrições suficientemente significativas para que lhes seja
reconhecida alguma atipicidade ou hibridismo.

Democracias iliberais

Estados de direito dotados de sistemas políticos e eleitorais que potenciam


executivos estáveis e fortes, a redução da essência da representação parlamentar
às principais forças partidárias e uma prática constitucional e política que
proporciona apenas garantias parciais do exercício de diversos poderes políticos.

Os defensores da democracia iliberal entendem que a democracia


contemporânea, ligada à modernidade, estabeleceu uma conexão “contra natura”
com o liberalismo, que tende a prejudicá-la. Para estes, a democracia influenciada
pela ideologia liberal deixa de imanar de ser um poder soberano do povo assente
no critério maioritário, para se transformar numa democracia dos direitos do
Homem, na qual a soberania se transfere para o indivíduo, para os tribunais e
para um conjunto de “veto players” onde abundam minorias instaladas, interesses
económicos e sociais poderosos e os media.

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A democracia iliberal apresenta-se, deste modo, como uma resposta à crescente


hipertrofia demagógica dos direitos individuais, sustentada num discurso
moralista de justiça que acaba por deixar que os indivíduos prossigam os seus
objetivos, em vez de salvaguardar o bem comum. Os fundamentos da democracia
iliberal sustentam-se na ideia de que quem é eleito pela maioria deve prosseguir
os interesses nacionais, mesmo que tal implique, por vezes, ir contra as vontades
das minorias (redução do poder dos veto players). Para além disto verifica-se uma
separação de poderes mais estrita que evite que instituições não eleitas, como o
poder judicial, interfiram na política, como agentes a pretexto da defesa dos
direitos fundamentais.

Democracias autoritárias

Constituem um híbrido entre um regime democrático-representativo de índole


competitiva e um regime autoritário semi-competitivo. Apesar dos governantes
serem designados pelos governados em eleições minimamente pluralistas,
existem condicionamentos à liberdade, à igualdade e à equivalência de opções
entre forças políticas concorrentes, assim como uma excessiva concentração de
poderes no executivo e compressões nos direitos políticos dos cidadãos.

Tipos de democracia autoritária:

• Tutelada – regime basicamente representativo onde existem domínios


reservados a entidades não eleitas democraticamente e que detém um poder
auto-regulador e/ou um direito de veto. Trata-se de um tipo de regime
comum nos Estados em transição para a democracia (Portugal entre 1976 e
1982, quando o Conselho da Revolução exercia um poder de autogestão em
matéria miitar e operava enquanto órgão político de controlo da
constitucionalidade).
• Democracia de domínio: existência de forças fácticas com grande poder
que condicionariam a autonomia dos governantes eleitos por um sufrágio
eleitoral competitivo (situação do Kosovo, estado criado pela NATO e sujeito
à sua proteção e influência).
• Democracia delegante: não há uma correta separação dos poderes; há sim
uma enorme delegação de competências ao Executivo, que atua sob
controlos débeis – concentração efetiva de poderes no Presidente em
detrimento do Congresso.
• Democracia excludente: sufrágio não universal e não inclusivo (caso do
regime sul africano do Apartheid, que só abrangia brancos, mestiços e
indianos).
• Democracia neo-cesarista: caso da Rússia. Estas democracias estão

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relacionadas com a crença num líder forte. Aumento do poder do executivo,


securitização da estrutura do Estado, repetidas restrições a direitos políticos.
O exercício de direitos de reunião e manifestação da oposição é condicionada. O
perfil czarista da democracia autoritária russa leva a que o sistema político se
converta num semipresidencialismo de pendor presidencial híper-reforçado,
quando o próprio Putin exerce a presidência da República, ou num
semipresidencialismo primo-ministerial reforçado, quando o mesmo líder é
designado Primeiro-Ministro por parte de um Presidente da sua confiança (isto
ocorre quando Putin excede o número de mandatos sucessivos na presidência
admitidos pela Constituição russa).

O que existe na Federação Russa é, nada mais nada menos, do que um regime
legitimado democraticamente embora com uma forte componente autoritária no
acesso e no exercício do poder que, contudo, se diferencia de totalitarismos de
Partido Único (china e cuba) ou de autoritarismos semi-competitivos (Irão, Brasil,
atual Venezuela).

O sistema político Russo envolve uma expressiva concentração de poderes no


Executivo, mas o Parlamente tem competências político legislativas relevantes,
podendo demitir o Governo. As eleições incidem sobre um espetro
multipartidário, com as principais correntes políticas representadas na Duma,
pese que com um uso superlativo de cláusulas de barreira que elimina a
representação de pequenos partidos com alguma expressão eleitoral.

As liberdades sofreram restrições mas não foram banidas, continua a existir


imprensa oposicionista, apesar de ser vigiada; candidatos oposicionistas à
presidência podem candidatar-se, pese o elevado número de candidaturas
exigido; existe liberdade de formação partidária, apesar da diferença no
tratamento entre candidatos na comunicação social.

Apontamentos sobre as dificuldades de medição da qualidade e


desempenho dos regimes democráticos

Existe uma nova tendência da politologia contemporânea para avaliar, medir e


classificar o desempenho qualitativo dos regimes democráticos através da
elaboração de rankings. É de ter em atenção a “Freedom House”, o “Economist
Inteligence Unit” e a “Polity IV Project” – em relatórios anuais, atribui-se a cada
Estado uma pontuação quanto ao grau de realização efetiva de cada um dos
critérios e indiciadores constitutivos da democracia, seguindo-se a respetiva
soma e classificação final, do que resulta o posicionamento do mesmo Estado
num ranking.

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A problemática das classificações e da heterogeneidade metódica que


comportam, levanta um conjunto de dúvidas quanto ao respetivo rigor e efetiva
utilidade.

Considera-se que os critérios do “economist inteligence unit” são os mais


completos e eficazes para um ponto de partida de uma classificação mais rigorosa.
Alguns dos seus critérios são:

i) Processo eleitoral e pluralismo: é importante detetar restrições na


apresentação de candidaturas, irregularidades, manipulações dos
sistemas eleitorais, que prejudiquem o sufrágio universal e igualitário;
transparência no financiamento dos partidos e liberdade na sua
constituição; alternância do poder
ii) Funcionamento do governo, nele compreendido a separação de
poderes e freios e contrapesos: é fundamental saber se os
representantes eleitos decidem sobre a política do Estado; se está
garantida a independência do poder judicial; se há poderes não eleitos
com veto na governação
iii) Participação política: se há um esforço para que haja participação
cidadã e se existem formas de democracia semidirecta e participativa.
iv) Cultura política democrática: consenso sobre a virtude da democracia
e promoção da ideologia na sociedade
v) Direitos civis e políticos: liberdade de imprensa, de discussão, sindical
e associativa; igualdade perante a lei, ausência da discriminação.

Da análise dos diversos patamares de desenvolvimento das democracias


competitivas, retiram-se três estádios essenciais:

- Democracias avançadas: sistemas com um longo enraizamento no


funcionamento das suas instituições democráticas, com mecanismos naturais de
composição de conflitos, poder limitado e responsável, pluralismo, cultura
democrática e liberdade política sem entraves;

- Democracias consolidadas: Estados que experimentaram transições de regimes


autocráticos para a democracia ou evoluções de democracia autoritárias para um
quadro competitivo que apresentam certo tipo de insuficiências no processo
eleitoral (prevenção de corrupção, controlo de poder, independência dos media,
etc)

- Democracias em transição: Estados que não completaram o seu transito de


regimes totalitários ou autoritários para uma democracia competitiva embora já
possuam, com imperfeições e insuficiências, os pressupostos fundamentais dos

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sistemas democráticos, com relevo para o processo eleitoral pluralista e garantia


mínima de direitos civis e políticos básicos.

Influência terrorista: as democracias avançadas têm-se confrontado,


especialmente desde 2015, com uma crescente ameaça terrorista dentro das
fronteiras europeias e norte-americanas, que conduziram à restrição de direitos
civis e políticos e até à sua suspensão em França, após declaração do Estado de
emergência como sequência de repetidos ataques em Paris e Nice.

Tudo aponta para uma continuação da atual ameaça e das medidas constritivas
de direitos, bem como a adoção de medidas securitárias reforçadas. Denota-se
um crescimento eleitoral dos partidos anti-imigração, por exemplo. Face a estas
medidas, é questionável a manutenção destes regimes enquanto democracias
avançadas.

Secção III – Regimes Autocráticos


Caracterização da Autocracia

Ordem de domínio fundada num ideário oficial que fundamenta o exercício


concentrado e não efetivamente controlado do poder político por parte de um
grupo que domina as instituições estaduais e que restringe ou veda o acesso dos
governados ao mesmo poder, mediante uma expressiva compreensão ou
supressão dos seus direitos políticos. Esta ausência de separação dos poderes
priva o regime de freios e contrapesos genuínos entre instituições. A supressão
dos direitos políticos aos governados constitui um meio indispensável da
conservação do monopólio do poder por um grupo restrito e organizado, que
exclui ou reduz o papel de qualquer alternativa política. Por último, o Estado é
embebido num ideário que intenta justificar o fundamento da concentração da
autoridade na esfera do grupo de domínio.

Tipologia elementar

Os estados autocráticos podem diferenciar-se em dois modelos sub-típicos: o


Estado Totalitário e o Estado Autoritário.

Estado Totalitário

O estado totalitário envolve uma cosmovisão ideológica integral do homem, da


sociedade e da política. Um partido único detém a autoridade pública e exerce-a
de forma exclusiva, utilizando para a conservar, o monopólio da comunicação
social e da educação, acompanhados por um aparelho repressivo de caráter

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judicial, político e paramilitar. O Estado Totalitário apodera-se plenamente do


poder de intervir na esfera pessoal dos cidadãos.
Exemplos: Alemanha de Hitler ou a URSS comunista.
Características do totalitarismo:
• Existência de uma ideologia oficial do Partido e do Estado (utópica) –
propõe construir uma sociedade ideal, reduzindo para o efeito o
pluralismo da sociedade civil e a autonomia individual;
• Criação de um partido único com caráter dirigente, organizado, com
formação política de massas, hierarquizado e disciplinado;
• Liderança do Partido e do Estado por um ditador ou por um diretório que
concentra o núcleo das funções estaduais;
• Meios de comunicação operam como veículos de propaganda;
• Aparelho repressivo policial dirigido contra todo o tipo de oposição;
• Nominalização dos direitos civis, esvaziamento dos direitos políticos
perante o arbítrio de decisões concretas.
• Direção concentrada de toda a economia, mediante uma planificação
centralizada

O Estado Autoritário

Um estado autoritário caracteriza-se pela existência de um ideário público que


justifica uma concentração do poder num órgão supremo que, sem intentar
moldar a esfera privada dos cidadãos e a vida em sociedade ou derrogar a
legalidade, enseja dirigir e dominar os aspetos fundamentais da vida política do
Estado, limitando significativamente a escolha dos governantes pelos governados.
Características dos Estados Autoritários:

• Existência de um ideário estatal, integrado por valores de abertura e


consistência variável, que estrutura alguns elementos da vida em
sociedade mas que respeita diversas expressões do pluralismo social, que
é tolerado, embora com limites.
• Existência de um órgão de poder supremo, em regra o Chefe de Estado ou
de Governo, sustentado por estruturas formais ou informais de poder,
exercendo controlo decisivo sobre as demais instituições e um poder de
mobilização social sem grande intensidade permanente;
• Existência de um aparelho policial repressivo dirigido a inimigos objetivos
do regime e a opositores cuja conduta possa enfraquecer seriamente este
último- não se inibem formas toleradas de oposição política e há alguma
margem para liberdade de expressão;

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• Compromisso, mais ou menos variável, do Estado de legalidade com


formas nominais ou limitadas de legitimidade democrática,
nomeadamente através de plebiscitos e de eleições semi-competitivas;
• Respeito pelos direitos de propriedade e iniciativa privada; grau variável
de medidas de planeamento e de intervenção do Estado na economia e
nas relações laborais.

São variantes do estado autoritário: sultanismo, regimes militares,


cesarismos revolucionários, gerontocracias institucionais, teocracias com
pluralismo limitado, corporativismos autoritários.

Sultanismos:
Regime personalizado numa chefia tradicional ou carismática oriunda de uma
família ou de um clã, a qual exerce poderes de autoridade sem os limites
próprios de um Estado de Direito. O sultanismo prescinde muitas vezes de um
ideário de legitimidade.
O modelo típico reconduz-se às monarquias absolutas do Golfo Pérsico.

Regimes Militares:
Afiguram-se muitas vezes como ditaduras transitórias provocadas por uma
crise institucional grave em que as forças armadas detém excecionalmente o
poder político, autoinvestindo-se num mandato temporariamente limitado. O
nacionalismo constitui o ideário comum à grande maioria dos regimes
militares. Existe por norma um chefe carismático na liderança, oriundo das
forças armadas. Podem também governar de forma mais colegial, através de
um diretório ou junta miliar, como aconteceu em Portugal em 1975; ou
simplesmente tutelar o poder civil, através de um chefe de estado não militar.
Existem ainda formas híbridas de autocracia protagonizadas pelo poder
militar que operam através da institucionalização de um regime dominado
indiretamente pelas forças armadas, mas que incorpora um pluralismo
político limitado em eleições semi-competitivas, onde um dos partidos
representa interesses militares. Nestes casos a tutela castrensa não é
transitória, é sim definitiva.

Cesarismos socialistas-revolucionários:
Substrato ideológico marcado, erigido em torno de um chefe ou caudilho que
lidera o Estado, em aliança expressa ou tácita com um setor militar e uma
vanguarda político-social procurando instituir um regime autocrático de
vocação permanente, com ou sem componente eleitoral.

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Estamos perante autocracias semi-militarizadas, servidas de partido único e


com um forte aparelho repressivo.
Movimentos socialistas revolucionários de base militar que assumiram o
poder político, em regra através de atos de força e pouco depois de um
movimento de descolonização predominaram na edificação deste tipo de
regimes. Muitas vezes são oriundas de movimentos de guerrilha e
movimentos independentistas que se converteram a partidos.

Teocracias:
Regime político fundado numa ideologia extraída de uma confissão religiosa.
O poder político é tutelado por lideranças religiosas.
Existem regimes teocráticos autoritários que excluem eleições competitivas e
em que o poder político se concentra numa liderança religiosa messiânica
assente num partido único – caso do regime talibã que governou o
Afeganistão entre 1996 a 2001.
Paralelamente, existem formas de teocracia que conjugam elementos de
pluralismo limitado, como é o caso da República Islâmica do Irão – fazem
assentar a legitimidade do poder na religião e integra constitucionalmente
órgãos supremos de autoridade religiosa que não são eleitos por sufrágio
popular, como é o caso do Guia Supremo, com faculdades de chefia militar,
entre outras. Estes regimes admitem, dentro dos que adotam a filosofia
pública estadual, partidos políticos e candidaturas alternativas independentes
oriundas de partidos ilegalizados, mas existentes e tolerados. O Executivo e o
Legislativo são equilibrados entre si, mas condicionados pela ação supervisora
da liderança religiosa.

Autoritarismos corporativos:
Filosofias nacionalistas de índole católica, agregando um partido político
único e concentrando os poderes do Executivo e de parte do legislativo num
chefe. Estado essencialmente intervencionista e vocacionado para a exigência
de uma cooperação entre classes.
Estado novo: coportativismo contra-revolucionário e civilista que aliou uma
elite universitária e económica com a Igreja católica, chefiado pelo conselho
de ministros.
Ditadura franquista: caudilhismo militarista, corporativo e católico, centrado
no poder quase absoluto do Chefe de Estado, o General Francisco Franco,
articulado com as forças armadas.

Gerontocracias institucionais:

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Primado do poder executivo encimado por um líder forte, subordinado aos


interesses de um grupo político, económico e militar fechado, por um robusto
aparelho securitário e por uma pesada burocracia administrativa, responsável
pela continuidade institucional e funcional do “status quo”. Reflete um tipo de
poder oligárquico dirigidos por um grupo político de domínio fechado e
composto por lideranças estáveis e envelhecidas.

Processos de transição para a democracia


Em sentido amplo, uma transição política consiste no processo de transformação
operada num dado regime estadual, de modo a que o mesmo transite para um
tipo de regime diverso. Em tese, a transição pode significar quer a transição de
uma ditadura para uma democracia como de uma democracia para uma
autocracia.
A transição de regime político tem pontos de coincidência (e também de
disjunção) com a transição constitucional, já que significa a substituição de uma
forma de poder por outra, sustentada por um tipo de legitimidade distinto.
Contudo, existem transições constitucionais em que a substituição de uma
Constituição por outra não envolve uma mudança de regime, mantendo-se o
mesmo fundamento de legitimidade de poder.
A transição de regime político m sentido estrito ou “originário” traduz-se na
transição para uma nova ordem política. São fenómenos não revolucionários de
índole interna, em que a rotura material de um antigo para um novo regime se
faz através da reforma da constituição ou através da criação de uma nova Lei
Fundamental.
Existem ainda modalidades secundárias ou derivadas de transição, quando
acontecem por via de um ato de força militar ou revolucionária, que
desencadeiam o processo de passagem para outro regime político.

A transição política para a democracia depreende que o regime autoritário


representa algo de anómalo, que restringe o Estado de Direito.
Os regimes totalitários são propensos a transições pacíficas, atenta a força do
elemento ideológico. Normalmente, nestes casos, as transições são ditadas pela
influência externa, como foi o caso do Japão e da Alemanha terminada a II Guerra
Mundial.

Causas imediatas e percursos


As transições políticas em sentido estrito que se pautam pacificamente,
geralmente ocorrem numa fase de:
• Envelhecimento ou morte do ditador
• Esmaecimento da ideologia e perda da mobilização popular

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• A título eventual, a derrota eleitoral do poder em plebiscitos ou eleições


semi-competitivas
• Esmaecimento do controlo sobre os media, universidades, corporações,
etc
• Irrupção de reivindicações políticas de mudança, oriundas de uma
sociedade civil autónoma

Em alguns casos são os próprios regimes autocráticos que preparam a transição


para um regime mais democrático.

Os sistemas políticos em regime democrático

Os regimes políticos, como modelos de legitimidade do poder estatal e do tipo


de relacionamento político entre governantes e governados, desdobram-se
numa pluralidade de sistemas políticos, os quais respeitam ao modo concreto
como, num dado regime, os órgãos soberanos que exercem o poder político se
posicionam e articulam entre si. O regime é, pois, uma categoria mais ampla que
pode ser servido por diferentes diversos tipos de sistemas políticos. O universo
civilizacional ocidental de matriz judaico-cristão onde Portugal se integra estriba-
se, no que toca à organização do poder político, no paradigma jurídico e cultural
do Estado de direito democrático, concebido nas suas raízes pelo movimento
constitucionalista iniciado no século XVIII. Paradigma este que predica que a
fonte de autoridade dos governantes derive da vontade livre dos governados
submetidos às suas decisões e em que a autoridade soberana deve ter-se por
limitada, tanto por um sistema de freios e contrapesos entre poderes separados,
como pela garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana assegurada por
tribunais independentes.

O sistema político como estrutura do poder:


O facto de um regime político estadual assumir uma natureza democrática
transmite-nos muito pouco sobre o modo concreto como os órgãos que exercem
o poder soberano se encontram estruturados, se posicionam nas suas revelações
recíprocas e funcionam como um todo, na expressão de vontade coletiva. Apenas
depreendemos que os titulares dos mesmos órgãos são eleitos pela vontade
popular e que os poderes são separados. Todavia, isso nada nos diz sobre:
i. Qual a instituição soberana (chefe de estado, governo ou parlamento)
ii. Se as instituições soberanas dispõem do poder de interferir politicamente
na subsistência dos mandatos dos titulares das restantes instituições
(provocando a sua dissolução, demissão ou destituição)

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iii. Em que medida o sistema eleitoral de designação dos titulares dos órgãos
parlamentares tem impacto na estabilidade do poder executivo, assegura
uma representação minimamente fiável do eleitorado e permite um
modelo satisfatório de governabilidade
O sistema político pode, assim, ser definido como o modelo de estruturação e de
relacionamento dos órgãos de soberania no exercício do poder político.
O sistema político começa por ser um modelo ou um paradigma de governação,
concebido na base de uma metodologia através da qual se agrupam tributos
comuns e permanentes entre diversas formas de organização do poder, o que
permite a inclusão em categorias.

Sistemas parlamentaristas:
O traço comum a todos os sistemas parlamentaristas consiste no facto de
repousar exclusivamente na vontade funcional de um Parlamento
democraticamente eleito, a fonte da investidura ou legitimação, de
responsabilidade política e da subsistência em funções do Governo, bem como
pelo facto de o Chefe de estado não exercer poderes independentes da direção
e controlo político, com caráter relevante, sobre as demais instituições.
O sistema parlamentar, como um todo, assenta nos seguintes atributos:
• Coexistência, num cenário de separação de poderes de: Chefe de Estado,
Parlamento e Governo;
• Poder assente na confiança política entre Parlamento e Governo, pautada
por controlos recíprocos, mas com dependência do segundo perante o
primeiro, no sentido em que o Governo emana do Parlamento, é por este
confirmado em funções com base num voto de investidura. O Governo
responde a título exclusivo perante o Parlamento, e só se mantém em
funções quanto não receber a sua reprovação política;
• Existência de uma diarquia institucional e simbólica no poder Executivo,
formado pelo Governo e pelo Chefe de Estado – ambos encabeçam o
poder executivo, mas a posição do Chefe de Estado é quase que
meramente simbólica.
• Menor peso político do Chefe de Estado na triangulação institucional
descrita, na qualidade de Monarca ou de Presidente da República – exerce
funções honoríficas de representação, bem como faculdades certificatórias
(promulgação obrigatória de leis) e poderes limitadamente arbitrais ou
reguladores.

A multiplicação de sistemas com arquitetura política, especialmente após a


queda da URSS, justifica que se deixe de falar em parlamentarismos “atípicos”
para que se passe a crismá-los como parlamentarismos com arbitragem

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presidencial, na medida em que se pontifica um Chefe de Estado


democraticamente eleito com poderes politicamente pouco relevantes mas onde
podem emergir algumas responsabilidades arbitrais ou reguladoras.
O Parlamento obtém a sua legitimação direta da vontade popular expressa
eleitoralmente. Tal circunstância confere-lhe o status de fonte primária de poder
que lhe permite não só designar outros órgãos soberanos, como também tornar
o Governo politicamente responsável apenas perante ele.
O sistema de partidos representados no Parlamento influencia radicalmente a
configuração deste sistema político, mediante a sua dispersão.
Existem sistemas parlamentares em que um Governo, apoiado por uma
bancada parlamentar maioritária que controla ou domestica, se afirma como
instituição liderante. Tal ocorre quando a composição parlamentar é dominada
por dois partidos que alternam no poder e logram, quando vencem eleições, uma
maioria absoluta de mandatos no Parlamento, ou sistemas multipartidários, com
um partido hegemónico que domina a composição parlamentar.
Já um Parlamento fragmentado numa pluralidade de partidos rígidos e
independentes dificulta a existência de governos maioritários homogéneos,
tornando os Executivos totalmente dependentes de alianças, arranjos e acordos
obtidos no parlamento. Neste caso é a instituição Parlamentar que lidera.
Regista-se deste modo uma diferença muito expressiva entre os chamados
sistemas parlamentares racionalizados, rom relevo para o sistema de gabinete
britânico onde o Governo é suportado por uma maioria parlamentar absoluta e
é a instituição faticamente liderada, e os sistemas parlamentares de assembleia,
onde fluidas combinações e compromissos parlamentares sustentam governos
frágeis e absolutamente dependentes do apoio ou da tolerância de um
Parlamento liderante.

Sistemas Presidencialistas

Um sistema presidencialista consiste na legitimação popular do Presidente da


República por via de uma eleição por sufrágio universal, na chefia direta do
Governo ou Administração pelo mesmo Chefe de Estado e na independência
política e funcional estabelecida entre este último e o Parlamento, sem prejuízo
da existência de controlos recíprocos.
É um regime onde a separação de poderes teorizada por Montesquieu está
mais presente, atentando nomeadamente para o sistema americano, onde o
presidente exerce funções executivas e o Congresso exerce funções legislativas.
Por outro lado, no sistema parlamentar brasileiro, há uma supremacia
política do Presidente sobre o Parlamento, já que pode articular alianças

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parlamentares para obter uma maioria de apoio no Congresso (pode tecer


maiorias parlamentares variáveis) e emitir medidas provisórias.
No presidencialismo o Presidente detém a chefia direta do Governo e
estabelece uma relação político-institucional com o Parlamento – o Presidente
não pode ser demitido pelo Parlamento por razões de confiança política, mas o
presidente também não pode dissolver a instituição parlamentar.
O presidente é eleito por sufrágio universal.

Sistemas semipresidencialistas

O semipresidencialismo nasceu oficialmente na Constituição Francesa


após a IV República, estando conectada também à Constituição da Alemanha de
Weimar, no pós I Guerra Mundial (1919). Envolve a existência de um sistema
híbrido ou misto em que o Governo encabeçado por um Primeiro Ministro é
duplamente responsável, no plano institucional ou político, perante o Parlamento
e perante um Presidente eleito por sufrágio universal que dispões da faculdade
de exercer poderes com alguma relevância a nível de controlo interinstitucional,
destacando-se a liberdade para dissolver um parlamento.
Este sistema tanto pode compreender subtipos de maior pendor
presidencial, como França, e de forte pendor parlamentar, como Áustria, ou de
geometria variável, que vacila entre pendor parlamentar e governantes, como
acontece no caso português.

O sistema diretorial como figura residual

Sistema diretorial trata-se de uma categoria isolada e atípica que consiste


numa democracia consociativa de fonte parlamentar, alicerçada numa relação
estreita entre o Parlamento e um Diretório executivo, em que os membros deste
último são elegidos pelo primeiro, de modo a que nele estejam representadas as
principais forças partidárias, sendo o Chefe de Estado um cargo meramente
simbólico e rotativo entre os membros do Diretório.
Exemplo: Suiça
Crítica: alguma oligarquização, já que os resultados eleitorais pouco contam para
a composição do Direito.

O que caracteriza o sistema político são os tipos de vínculos de


dependência entre os órgãos de soberania que exercem a função pública. Estes
vínculos encontram-se previstos nas Constituições, que são o estatuto jurídico de
organização e funcionamento do poder do Estado. São a base de caracterização
do sistema.

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Certo é que as normas constitucionais carecem de interpretação e nem


sempre o seu significado literal coincide com a sua relação objetiva de significado.
É necessária uma compreensão juridicamente adequada destas normas
constitucionais, que nem sempre está ao alcance do cidadão comum.
Existe uma divergência entre constitucionalistas e politólogos sobre o
cerne da definição dos sistemas. Os politólogos, ao contrário dos
constitucionalistas, creem que a prática é mais relevante do que a norma,
incorrendo no erro de considerar que, quando o Presidente de um sistema
semipresidencial é menos ativo, o sistema se parlamentariza.
Ora, os sistemas não mudam por força de impulsos e relações de força
episódicas num dado momento ou ciclo político, mas sim por via de significativas
alterações constitucionais.
Sem embargo, a Constituição pode mudar por via formar ou por mutações
informais, geradas por práticas contra-legem, costumes e práticas consolidados
sem oposição e pela jurisprudência internacional e constitucional: o costume faz
caducar normas.
Ou seja, a Constituição é a base, mas das suas normas não se logra,
frequentemente, extrair o modo como o sistema opera na realidade.

Exemplo:
As constituições francesa e portuguesa preveem um sistema semipresidencialista.
Em Portugal, o costume fez caducar as normas que atribuíam ao Presidente
competências de demissão de governos, sendo que esta faculdade é
percecionada como uma última solução, em caso de extrema necessidade. Por
outro lado, em França está-se perante um mecanismo comum de direção
presidencial, que o Chefe de Estado usa para criar uma maioria parlamentar
favorável ou para reforçar a maioria existente. Sempre que é eleito ou reeleito e
se defronta com uma maioria parlamentar adversa, o Presidente dissolve.

É incontornável a existência de práticas reiteradas, uniformes e consolidadas


temporalmente nas relações institucionais, que geram uma espécie de “soft law”
constitucional – convenções: costumes não retificados pelos tribunais superiores,
que não são invocados pelos tribunais (soft law), mas que são importantes pois
são usados permanentemente pelo poder político – estatuto da oposição,
governo sombra da oposição, etc. Isto é, embora a derrogação de uma convenção
não seja sancionada juridicamente com invalidade, o eleitorado e a opinião
publica podem reagir negativamente.

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A relação incontornável entre sistema eleitoral, sistema de partidos e


sistema político de governo

Sistemas eleitorais
A escolha entre este ou aquele sistema eleitoral envolve diferentes
conceções de democracia: ou se opta por um modelo de pendor maioritário e
decisional que privilegia um vencedor entre os grandes partidos, facilitando
maiorias parlamentares politicamente homogéneas e aptas a formar governo, ou
se escolhe um modelo de pluralismo dispersivo e igualitário, preferindo-se a
representação equitativa de todas as forças com um mínimo de expressão
eleitoral, ou se opta ainda por uma vertente híbrida entre estes modelos.
No Estado democrático de direito, o sistema eleitoral condiciona o formato
de sistema de partidos e contribui para a própria consolidação da democracia.

O sufrágio eleitoral pode ser:


• Direito ou individual, englobando um colégio eleitoral geral e homogéneo
que congraça os cidadãos eleitores, podendo o mesmo coincidir com um
círculo nacional único ou decompor-se em colégios territoriais,
correspondentes aos círculos eleitorais ordenados geograficamente.
• Indireto, englobando uma sucessão ordenada de colégios em que os
eleitores de um colégio eleitoral vão designar os eleitores de outro colégio
de grau superior, sendo, eventualmente, estes que elegerão o titular ou os
titulares de poder (caso norte-americano)

Noção de sistema eleitoral: conjunto de normas, procedimentos e técnicas que


estruturam de forma coerente o modo como a preferência dos eleitores, expressa
em votos, se transforma na designação de mandatários (fundamentalmente o
Presidente da República e os membros do parlamento) que irão desempenhar
funções públicas como titulares do poder político.

Sistema maioritário a uma volta.

Eleição presidencial
Sistema a duas voltas (se nenhum candidato
obtiver maioria absoluta no primeiro turno,
realiza-se segunda volta com os dois
candidatos mais votados).

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Já a forma de escrutínio numa eleição parlamentar produz efeitos mais


expressivos na dinâmica e na própria definição do sistema, pois:
- Uma maioria partidária politicamente homogénea de oposição ao chefe de
estado, nos sistemas presidencialistas, pode diminuir ou travar o poder do
Presidente na tomada de certas decisões, enquanto o oposto pode facilitá-las.
- Uma maioria parlamentar de apoio ou de oposição ao governo nos sistemas
parlamentaristas e semipresidencialistas pode, respetivamente, estimular ou
frenar, a liderança institucional e a durabilidade desse Governo, já que a
subsistência e estabilidade política governamental depende da confiança
parlamentar.

Modo como logram transformar os votos em mandatos e influir na representação


parlamentar dos partidos que se submetem a atos eleitorais:
• Sistema maioritário: o Estado divide-se em círculos ou circunscrições
eleitorais de pequena dimensão e o partido vencedor ganha a totalidade
dos mandatos em disputa – convida à concentração utilitária dos sufrágios
em grandes formações ou alianças partidárias “voto útil”. São sistemas
com uma elevada força centrípeta (winner takes all) .
• Sistemas proporcionais: o Estado divide-se num único círculo plurinominal
ou em círculos regionais plurinominais, os partidos apresentam uma lista
de candidatos nas circunscrições em disputa e o número de mandatos
atribuídos a cada partido, por círculo, tem uma correspondência mais ou
menos acentuada, em relação ao número de votos nele obtidos,
favorecendo-se, regra geral, uma distribuição equitativa de lugares entre
grandes, médias e pequenas formações partidárias.
• Sistemas mistos: o eleitor dispõe de dois votos, um para eleger um
mandatário num círculo uninominal e outro para eleger mandatários
constantes de listas partidárias em círculos plurinominais, procurando
favorecer-se, por regre, os maiores partidos sem prejudicar a
representação das minorias, com uma expressão eleitoral minimamente
relevante.

Sistemas maioritários a uma volta:


Lei de Duverger:
Os sistemas maioritários a uma volta gerariam, simultaneamente, um quadro
partidário bipolar ou dualista e um bipartidarismo perfeito. Este fenómeno ocorre
no Reino Unido (Partido Conservador e Partido Trabalhista) e nos EUA (Partido
Republicano e Partido Democrata). Isto porque o sistema favorece, claramente,

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dois partidos dominantes que se alternam no poder e que concentram 85% ou


mais da representação parlamentar.
Esta lógica fomenta governos maioritários estáveis, exceto se estivermos perante
um sistema partidário não estruturado (com o crescimento exponencial de certos
partidos) e exceto se a representação dos regimes autonomistas for significativa
- se o circulo eleitoral for significativo estes partidos podem acabar por ter uma
forte representação no parlamento (ex: 30 partidos representados na união
indiana, torna difícil fazer maiorias).

Sistemas maioritários a duas voltas:


Os sistemas maioritários a duas voltas geram bipolarismo, isto é, um quadro
partidário bipolar (com uma aliança de partidos à esquerda e outro à direita,
sendo um bipolarismo multipartidário – aliança de partidos interdependentes).
Estas alianças geram governos estáveis já que são normalmente maioritárias.
Exceto se o sistema partidário se destruturar: França de Macron em 2017 -
conseguiu apoio quer da esquerda quer da direita. Neste caso, um candidato
independentista ganhou as eleições e forjou um partido político para conseguir
apoio na governação. Este partido recebeu maioria absoluta nas eleições
seguintes. Esta situação não fomenta o bipolarismo já que tem um partido
maioritário heterogéneo, que reúne participantes de várias esferas políticas.
O sistema eleitoral maioritário a duas voltas, graças à criação de um poderoso
bloco partidário pró-presidencial ao centro, e a desagregação ou esmaecimento
dos partidos do mainstream, proporcionou momentaneamente a desaparição de
multipartidarismo bipolar com alianças de partidos interdependentes e evoluiu
para um multipartidarismo com partido dominante ou hegemónico.

Os sistemas proporcionais simples


A forma de escrutínio proporcional procura fomentar uma representação
parlamentar tão aproximada quanto possível, pelo que o número de votos
obtidos por cada partido deve ter um grau sensível de correspondência com o
número de assentos parlamentares obtidos. Por consequência, as circunscrições
eleitorais são plurinominais, ou seja, por cada círculo é eleita uma pluralidade de
mandatários parlamentares, distribuídos pelas diversas formações concorrentes,
em razão do número de votos recolhidos por estas.
São eleitos os candidatos que alcancem um número de votos igual ou
superior ao quociente eleitoral, fixo ou variável.

Introdução ao sistema de partidos

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Um regime democrático caracteriza-se por uma pluralidade de tendências


políticas ligadas a opções alternativas de poder, oferecidas aos cidadãos eleitores,
as quais se organizam sob a forma de partidos políticos que concorrem
eleitoralmente entre si no processo de designação de titulares dos órgãos de
poder político. O partido é o ator central do funcionamento da democracia
representativa.
Noção: partido político define-se como uma coletividade formada por
uma associação de cidadãos, organizada em torno de um programa de ação e
que tem como propósito representar, de forma permanente, uma tendência da
vontade popular em atos eleitorais, de modo a, por essa via, vir a aceder, influir
ou participar no exercício do poder político.

Os parlamentos racionalizados

Noção: conjunto de institutos destinados a garantir maior estabilidade e poder


de impulsão política aos Governos, em face dos Parlamentos dos quais
dependem, seja através de estímulo a uma maior concentração do voto do

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eleitorado nos grandes partidos, de modo a reduzir a representação parlamentar,


seja através de mecanismos de controlo inter-orgânico. Isto é conseguido através
de círculos eleitorais uninominais e de cláusulas-barreira.
Ou seja, há uma preponderância do Governo.

O sistema primoministerial britânico como modelo singular de


parlamentarismo racionalizado:

No Reino Unido vigora uma Monarquia parlamentar assente num sistema


parlamentar de gabinete, ou primoministerial, onde prepondera a liderança
monocrática do Primeiro Ministro, no quadro de um Estado Unitário regional,
com autonomia política concedida aos territórios da Escócia, Ulster e Gales.
O sistema político de gabinete britânico caracteriza-se especificamente por
incorporar um possante mecanismo de redução de representação partidária
ligado a um Governo estável dirigido por um Primeiro-Ministro.

Constituição:
A constituição britânica é única pelo seu caráter fragmentado,
preponderantemente consuetudinário e não escrito, evolutivo na sua adaptação
a novas contingências e flexível quanto ao seu processo de alteração (pode ser
revista a todo o tempo). É sobretudo um produto histórico, resultando de um
complexo de normas de valor diferenciado, composta por textos que se foram
acumulando desde a Magna Carta (1215), passando pelo “Fixed Term Parliament
Act” de 2011.
Apesar da Constituição estar suscetível a várias revisões, isso não implica que
mude com muita frequência, resultado da arreigada tradição do povo britânico.
Existem dois blocos de normas constituições:
• Satute Law – leis constitucionais escritas ditadas através dos séculos, onde
ressaltam importantes documentes normativos, muitos deles já parcial ou
totalmente derrogados e com valor histórico. Estas leis em nada se
distinguem em termos de procedimento ou força jurídica das leis comuns.
• Normas consuetudinárias, que se dividem em duas categorias jurídicas, de
vinculatividade distinta:
i. Common Law- integrada por costumes reconhecidos como
obrigatórios por parte de decisões de tribunais superiores, de onde
se deduzem princípios jurídicos que assumem e uma hierarquia e
vinculatividade idênticas à “statute law”.
ii. “Conventions” ou regras oriundas das práticas constitucionais,
consolidadas pela força da sua aplicação constante e da sua
afirmação na consciência coletiva por via da tradição e que, não

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resultando de precedentes judicias nem sendo invocáveis junto dos


tribunais como parâmetros de validade de atos jurídicos, merecem
um acatamento geral como Direito na regulação de matérias
centrais do poder político.

Statute Law e Common Law têm idêntico valor jurídico integrando as chamadas
rules ou regras constitucionais. As conventions envolvem um valor jurídico
inferior, pese o facto de constituírem a teia de ligamentos que articula a ossatura
do sistema político.

Regime e sistema político

A Coroa, em nome da qual todos os órgãos soberanos agem, é sinónimo


da ideia de regime político, operando como centro da unidade jurídica e política
do Reino Unido. Não se confunde com o Rei mas sim com o tipo de Estado,
organizado sob a forma de monarquia. A sucessão na Coroa é regida pelo Act of
Settlement e pela Sucessions of the Crown Act que, como normas constitucionais,
constituem um elo de ligação entre o processo de designação da chefia do Estado
e o domínio da dinastia Windsor.

O monarca:
O monarca britânico influi no sistema por aquilo que representa e não por aquilo
que realiza. O Rei tem um peso representativo substancial e uma palavra sua pode,
em termos de crise, produzir um impacto significativo. Contudo, deve manter um
discurso imparcial e contido
Os seus poderes constitucionais são limitados e assumem uma natureza
honorífica, simbólica, cerimonial e religiosa (o Rei é o chefe da igreja anglicana).
O costume e a referenda ministerial tornam praticamente todos os seus atos
dependentes de iniciativa governamental, nomeadamente as dissoluções
parlamentares (foi solicitada pelo Primeiro Ministro).
Outro poder compartilhado com o Gabinete consiste na nomeação de membros
da Câmara dos Lordes e de altos funcionários, a tomada de medidas de exceção,
decisões em matéria militar, ratificação de tratados depois de aprovados pelo
Parlamento, etc.
Direito ao veto: se bem que as normas constitucionais atribuem ao monarca o
direito ao veto sobre a legislação, essa previsão foi derrogada pelo costume
constitucional, caindo em completo desuso (o último data de 1708).
Apesar de ter o poder de nomear o primeiro ministro, a mecânica do sistema
eleitoral maioritário faz com que este coincida sempre com o líder do partido
mais votado. Quando não há maioria absoluta monopartidária ou quando o

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partido vencedor não tenha liderança constituída, o Rei tem algum poder de
decisão sobre o assunto, como aconteceu em 1974.
O Monarca não pode demitir o Primeiro-Ministro.

O Parlamento:
Fonte do poder democrático do Estado e suprema autoridade legislativa.
O órgão é composto por duas câmaras: a Câmara dos Comuns, eleita
democraticamente por sufrágio universal e que desempenha um papel
claramente dominante; Câmara dos Lordes, que desde o Pariament Act de 1911,
assume um peso institucional claramente secundário: bicameralismo
assimétrico.
O Parlamento é o legislador por excelência e nenhuma das suas leis pode ser
questionada, seja pelo Monarca seja pelos tribunais. O Parlamento é a fonte de
poder do Gabinete, dado que este é designado pelo monarca em razão de
composição parlamentar, é objeto de constante fiscalização e só se mantém em
funções enquanto houver confiança parlamentar. Controla a atividade os
ministros e é o fórum de discussão dos assuntos de relevante interesse público.
No entanto, estes poderem sofrem condicionamentos. As leis que o Parlamento
vota são, na sua larguíssima maioria, resultantes de iniciativa do Gabinete. Isto
porque o Primeiro Ministro e os membros do Gabinete são também
parlamentares, e votam nas sessões plenárias, estabelecendo uma relação
conetiva com a maioria que suporta o Executivo na Câmara dos Comuns, mais
concretamente através da ligação entre o Chefe de Governo e os chefes de
bancada (chief whips).
Os membros da Câmara dos Comuns são eleitos por sufrágio universal e por uma
forma de escrutínio maioritário a uma volta, o qual incide em 650 círculos
eleitorais. Favorece um sistema bipartidário e governos de maioria absoluta – o
mandato é de 5 anos.
A Câmara dos Comuns é presidida por um speaker e funciona em Plenário,
desenvolvendo uma intensa atividade legislativa e fiscalizadora da atividade do
Governo.
Desde o Fixed Term Parliamente Act, a Câmara dos comuns reforçou os seus
poderes face ao Gabinete, sendo que a legislatura foi fixada nos 5 anos e a
dissolução antecipada passou a requerer a aprovação de uma moção de não
confiança ou de eleições antecipadas (2/3 dos votos).
A oposição, por sua vez, goza de um estatuto especial, constituindo um
“Governo Sombra” que não só acompanha e critica a atividade da maioria, como
também desenvolve uma relevante atividade parlamentar, intervindo no debate
sobre o discurso da Coroa e no debate orçamental, formulando moções e
propostas-leis e questionando o Primeiro Ministro nas sessões semanais.

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A câmara dos Lordes é constituída por pares espirituais (da igreja anglicana)
e temporais (aristocratas eleitos entre si ou designados pelo monarca) – esta
posição é regra geral vitalícia. A câmara dos lordes opera como câmara de
“esfriamento” da legislação adotada na Câmara dos comuns, podendo propor
emendas e retardar a aprovação de diplomas de natureza não financeira pelo
período de 1 ano e financeira pelo período de 3 meses. 2 a 4 membros desta
Câmara costumam integrar o governo mas nenhum pode ser Primeiro Ministro.

O Gabinete e a sua dinâmica liderante no sistema político

Composição e Estrutura do Gabinete


O Gabinete é o órgão de direção política do Executivo, não correspondendo
exatamente à configuração de todo o Governo, mas compreendendo apenas o
Primeiro ministro e os ministros escolhidos por aquele para o integrarem: titulares
das principais pastas ministeriais, normalmente. Existe ainda um conselho restrito,
o “Inner Cabinet” composto pelo primeiro ministro e os ministros de sua maios
confiança.
O Gabinete é a cabeça do Ministério, o qual é composto por ministros e “Junior
ministers” (equivalentes a secretários de estado) – a função dos ministros que não
estão incluídos no Gabinete é meramente administrativa.
O gabinete: determina as linhas fundamentais da política interna e externa, dirige
superiormente a Administração pública, orienta a atividade financeira, procede a
nomeações políticas e lidera a legislação.
Os membros do gabinete são nomeados pelo Rei sob proposta do primeiro
ministro. A Câmara dos Comuns do Parlamento é a fonte de poder do gabinete.
O primeiro ministro exerce poder e influência sobre a câmara dos comuns já que
é membro deputado desta, sendo líder da maioria parlamentar.
O parlamento, após o início de funções do Gabinete, tende a apagar o seu próprio
protagonismo, na medida em que raramente nega confiança ao Gabinete e
aprova a esmagadora maioria das propostas de lei, ao ponto de ser qualificado
de “parlamento carimbante”.
O sistema eleitoral maioritário a uma volta que permite fomentar maiorias
facilmente (devido ao bipartidarismo) é utilizado estrategicamente para a escolha
automática do Governo e do Primeiro Ministro.

• O Primeiro Ministro pode contornar, mesmo após o Fixed Term Parliament


Act, a deliberação de autodissolução tomada por maioria de dois terços,
induzindo os deputados do seu partido, caso conte com uma maioria
parlamentar obediente, a aprovarem um voto de desconfiança que, se

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adotado por maioria absoluta, pode despoletar a dissolução dos Comuns


e a antecipação de eleições – neste caso, o rei poderia intervir.

Por outro lado, o escrutínio maioritário já não garante maiorias absolutas


monopartidárias. Nos últimos 7 anos, duas eleições produziram “hung
parliaments” levando o partido vencedor a forjar coligações maioritárias ou a criar
gabinetes minoritários transitórios e com apoio parlamentar noutros partidos,
enfraquecendo o poder do Primeiro Ministro.

O sistema alemão:

Constituição
Na Alemanha, o sistema parlamentarista foi consagrado pela designada “lei
básica” ou Lei Fundamental de Bona, em 1949. A constituição alemã é uma
constituição rígida, isto é, é difícil incutir-lhe alterações – só é possível modifica-
la pela maioria de dois terços obtida em cada uma das câmaras parlamentares. A
constituição, soerguida sobre os princípios republicano e democrático, consagra
o federalismo como modelo de organização territorial e é garantida por um
Tribunal Constitucional, que protagoniza uma fiscalização atenta da
constitucionalidade dos atos jurídico-públicos, de acordo com um modelo
concentrado – Tribunal de Karlsruhe.

Sistema político:
Trilogia formada por Presidente, Parlamento e Governo. Destaca-se o binómio
fiduciário Governo-Parlamento e um consequente apagamento do chefe de
estado, a ascendência do Governo e neste, o papel liderante do Chanceler.

Presidente da república:
Eleito por uma Convenção Federal, integrada pelos membros do Bundestag
(câmara baixa do Parlamento) e por representantes nomeados pelos estados
federados. O mandato é de 5 anos, sem possibilidade de reeleição – processo de
eleição indireta de base parlamentar. O objetivo deste processo é a manutenção
da dependência do presidente face ao parlamento.
O presidente constitui uma instituição secundária, exercendo funções
representativas de natureza honorífica e protocolar, ou certificatórios no caso de
decisões do Governo e do Parlamento. Os seus atos são controlados pelo
Governo através da referenda ministerial.
Não dispõe de direito de veto sobre as leis que promulga.
Faculdades do presidente:

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- pode dissolver o Bundestag em circunstâncias muito estritas, nomeadamente a


pedido do Chanceler, se o seu voto de confiança for reprovado;
- se o Chanceler for investido por maioria relativa: o Chefe de Estado pode
recursar-se a aceitar a nomeação e dissolver a dieta federal;
- o Presidente da República pode propor o Chanceler ao Bundestag no respeito
pela composição parlamentar (não tem necessariamente de ser o líder do partido
mais votado, mas sim a aptidão para formar maiorias parlamentares). O
parlamento é, no entanto, livre para investir em funções outra personalidade
distinta;
- pode propor alternativas de governo ao Bundestag depois do derrube do
Executivo;
- nomeia e demite membros do governo sob proposta do Chanceler;
- demite o Chanceler apenas no caso de ser aprovada uma moção de censura
construtiva pelos deputados;
- declaração do estado de “emergência legislativa” – no contexto de crise do
Governo, permite temporariamente que propostas de lei deste órgão, rejeitadas
pelo Bundestag, adquiram força de lei se aprovadas pela câmara alta (Bundesrat)
– este instituto nunca foi utilizado.

O Parlamento
O Parlamento tem uma estrutura bicameral. O fulcro da sua autoridade sedia-se
no Bundestag (dieta federal), cujos deputados com um mandato de 4 anos são
eleitos através do sistema misto de pendor proporcional, completado por uma
cláusula de barreira de 5%.
Apesar deste sistema ter sido criado com o intuito de geral bipolarismo
partidários relativos, o escrutínio eleitoral falhou pois não conseguiu evitar a
representação de partidos heterogéneos de média dimensão, o que tem
dificultado a formação de governos. Ao mesmo tempo o sistema foi concebido
para evitar que um partido governasse sem apoio de uma coligação.
O Bundestag, composto por 630 deputados, dispõe de importantes poderes no
plano político, investido em funções o Chanceler e procedendo à sua destituição
(a qual acarreta também a demissão do Governo, através do regime de censura
construtiva) e atuando como órgão de fiscalização do Executivo. Aprova o plano
da política financeira e política externa. O Bundestag é o órgão legislativo por
excelência, sem prejuízo de conceder autorizações legislativas ao Governo.
Esta câmara só pode ser dissolvida antecipadamente em casos muito excecionais.
O Bundesrat / Conselho Federal, com 69 membros, opera como segunda câmara,
com a função representativa dos estados federados (Länder), sendo os seus
membros designados pelos órgãos do poder de cada estado. Não há o mesmo
número de representantes por estados já que os mais populosos nomeiam um

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maior número de conselheiros. A composição do Bundesrat altera-se sempre que


há eleições estaduais. O Bundesrat opera como uma câmara-travão para as leis
do Bundestag que concorram com competências dos estados federados,
dispondo de um veto suspensivo sobre a demais legislação, que apesar disso
pode ser de novo contrariado pela câmara baixa.

O Governo e o Chanceler
O Governo é subsiste através do depósito de confiança por parte do Parlamento.
A Constituição favorece a posição do Chanceler como polo de presidencialização
do Executivo alemão.
O Chefe de Governo não responde perante o Presidente, mas sim perante o
Bundestag.
No plano governamental, é o Chanceler que propõe a nomeação dos restantes
membros do Governo ao Presidente, define a estrutura do Executivo, traças as
suas linhas de ação com o acompanhamento de cada um dos ministérios- detém
uma posição de clara supremacia sobre os demais ministros, que respondem
perante ele. É o grande mediador de relações entre o Governo e o Presidente da
República e entre o Governo e as duas câmaras do Parlamento, mantendo uma
interação próxima com os chefes de bancada.
Apesar de, em casos de coligação homogéneas, o Chanceler exercer uma
liderança quase monocrática, a sua proeminência não atinge a do Chefe de
Governo Britânico, já que o Chanceler pode ver o seu poder limitado por “veto
players” – Tribunal Constitucional, estados federados, Bundesrat, parceiros de
coligação, etc.
Por outro lado, em ciclos de bloco central (coligações entre os maiores partidos),
o Chefe de Governo vê-se obrigado a concertar políticas com os ministros dos
partidos da coligação e a respeitar também as suas vontades.
O governo só é demitido com a aprovação de uma moção de censura pela
maioria dos deputados do Bundestag, se estes acordarem a formação de um
Governo alternativo com um candidato a Chanceler.

Traços gerais sobre o parlamentarismo racionalizado alemão:


• Presidente como polo fraco do Executivo, poderes meramente cerimoniais
e certificatórios
• Estreia relação fiduciária entre o Bundestag e o Governo já que o Chefe de
Governo é investido mediante votação pelo Bundestag; existência de
governos de coligação maioritárias; dificuldade em demitir o Govrno
• Proeminência do Chanceler

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• Travão a uma certa primoministerialização do sistema devido ao


multipartidarismo multipolar

O presidencialismo norte-americano

Constituição

A constituição norte-americana de 1787 compreende 7 artigos e 27 aditamentos


(emendas criadas por revisão constitucional), corporizando os 10 primeiros
aditamentos, normas declarativas de direitos fundamentais que não pertenciam
inicialmente ao corpo da Constituição. Para além disto, existem regras
consuetudinárias que integram a Constituição e importantes normas
jurisprudenciais sobre a concretização da Lei Fundamental, resultantes da
interpretação desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal.
A constituição americana consagra um regime democrático republicano
organizado sob a forma de Federação (50 estados e um distrito federal) e que é
servido por um sistema político presidencialista.
A Constituição surgiu na Convenção de Filadélfia, composta por representantes
das 13 colónias rebeldes que tinham declarado unilateralmente a independência.
A necessidade de criar impostos, regular o comércio e limiar conflitos
interestaduais foi o pretexto para convocar essa Convenção, que acabou por
resultar na elaboração da constituição e na criação de um novo estado de recorte
federal.
Temendo que nem todos os estados retificassem o documento constitucional, o
artigo VII passou a prever que este entraria em vigor depois de ratificado por
convenções realizadas em 9 estados. As convenções contrapuseram federalistas
e os anti-federalistas, que criticavam a perda da soberania de cada estado e a
ausência de um Bill Of Rights, opondo-se à ratificação.
O diploma acabou por ser ratificado pelos 13 estados. O texto constitucional
entrou em vigor em 1789 e tornou-se a Constituição mais rígida do mundo.
Revisão constitucional
A Constituição americana é apelidada de rígida pois envolve procedimentos
especiais e agravados de revisão, não dispondo o Presidente da República de
direito de veto sobre as emendas que foram aprovadas.
O processo de revisão envolve a aprovação de uma emenda ou aditamento por
maioria de dois terços dos membros de cada uma das câmaras do Congresso.
Passada esta fase, o texto precisa ainda de ser ratificado pelas assembleias
legislativas de três quartos dos estados federados.
Para que haja uma alteração constitucional é necessário que haja um elevado
consenso bipartidário, assim como compromissos com os interesses da larga
maioria dos estados. Aí que reformas importantes, como a referente ao sistema
de eleição do Presidente, ao sistema eleitoral ou à política de controlo de armas,
tenham pouca viabilidade de ser adotadas, atento o poder de impedimento dos

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numerosos “veto players” ao longo de todo o processo de alteração


constitucional.
Ainda assim, o sentido de bastantes princípios e regras tem sofrido alterações ao
longo do tempo graças à ação desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal. A
jurisprudência desta instituição é a alavanca mais importante na atualização do
significado das normas.

Controlo da Constitucionalidade
O Supremo Tribunal Federal (STF) exerce o controlo de constitucionalidade das
normas violadores da Constituição, tomando como norma de referência a
Supremacy Clause, que distingue a Constituição como lei de hierarquia superior
às restantes, a nível federal ou federado.
Compete aos tribunais dos estados controlarem a constitucionalidade das
normas federadas contrárias à Constituição Federal; compete-lhes desaplicar
normas contrárias. O STF tem o poder de proferir a última palavra sobre
controvérsias que resultem da impugnação das decisões de tribunais estaduais
ou federais em feitos que envolvam a violação da Constituição federal. Embora
as decisões do STF apenas vinculem diretamente as partes em conflito, a sua
decisão deve ser seguida por tribunais inferiores.

Sistema de Governo
O sistema presidencialista norte-americano assenta no binómio Presidente-
Congresso e resulta do triunfo da corrente federalista, que defendia um modelo
de poder quase encimado por um “monarca eleito” e com mandato limitado.
Erigiu-se assim um sistema político inovador, cuja estrutura institucional se
aproximou mais eficazmente do modelo de divisão de poderes de Montesquieu.
O sistema de governo norte-americano assenta num modelo de freios e
contrapesos (checks and balances), isto é, de controlos interorgânicos recíprocos.
Desta forma, o Presidente tem direito de vetar leis do Congresso e o Congresso
pode ratificar nomeações presidenciais para cargos executivos e jurisdicionais, ou
tratados pela Administração). Na prática, apesar da repartição de poderes, há um
certo grau de preponderância de um poder Executivo unipessoal.
A tradição é que haja cooperação bipartidária na resolução de questões de
interesse nacional, mas quando a maioria presidencial não coincide com a maioria
partidária das câmaras, avulta um critério menos ideal de competição entre o
Legislativo e o Executivo pelo exercício do poder. Esta é uma realidade comum
em termos mais recentes, nas presidências de Nixon, Clinton, Obama e Donald
Trump.

O Presidente
O presidente é eleito por sufrágio universal, apesar desta votação ser indireta.
Em cada estado existe um conjunto de eleitores (delegados) que representam os
candidatos. O candidato que obtiver num estado a maioria dos votos (basta ser

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relativa) arrebatará todos os eleitores que correspondam ao mesmo estado –


winner takes all – os quais igualam o número de senadores e representantes
correspondentes a essa entidade federada.
Será eleito Presidente o candidato que obtiver a maioria do voto dos referidos
eleitores. Embora os eleitores sejam teoricamente livres, eles atuam, por regra,
com fidelidade ao candidato que os designou (denote-se que não foi isto que
aconteceu nas eleições de 2016).
O candidato à presidência concorre com um candidato à vice-presidência por si
escolhido, e a eleição do primeiro implica consequentemente a eleição do
segundo.
Caso não se registe uma maioria dos referidos colégios, a qual é obtida com 270
votos, a eleição do Presidente recai, de acordo com o 12º Aditamento, na Câmara
dos Representantes de entre os 3 candidatos mais votados. A eleição do Vice-
Presidente será feita, segundo idêntico processo, no Senado.
O sistema norte-americano privilegia o sistema federalista sobre os ideais
democrático. Este facto reflete-se na própria eleição presidencial, onde o voto
popular nem sempre corresponde ao resultado final, pois nem sempre o
candidato com mais votos individuais ganha a presidência. Isto porque não existe
uma atribuição do número de delegados que seja exatamente proporcional à
dimensão real do eleitorado. Esta situação, associada ao facto de que quem vence
um estado arrebata todos os eleitores reforça a ocorrência de distorções ao
princípio democrático que dita que vence uma eleição quem obtiver o maior
número de preferências em votos (critério da maioria). Esta situação aconteceu
nas eleições de 2016, por exemplo. Enquanto Donald Trump conseguiu alcançar
a vitória em Estados indecisos, mesmo que por maioria mínima, Hillary
concentrou a sua mais-valia de votos no estado da Califórnia. O elevado número
de delegados nesse estado não foi suficiente para suportar a perda dos indecisos
que elegeram o republicano e apesar de ter tido mais de 4 milhões de votos do
que Trump, Clinton perdeu as eleições.
Este sistema eleitoral, enquanto fazia sentido no passado, quando as
comunicações entre estados eram difíceis, perdeu todo o sentido nos dias que
correm. O voto indireto é hoje desnecessário e anacrónico e, como já se viu, cria
riscos de distorção à legitimação democrática dos governantes, já que permite a
vitória a quem tem menor preferência do eleitorado. Contudo, as tentativas feitas
para abolir o colégio, por revisão constitucional, encontraram grandes
resistências nos estados, que querem conservar o seu peso na eleição.
Esta eleição presidencial é precedida por eleições primárias onde os diversos
candidatos dos principais partidos se submetem ao voto popular. As eleições
primárias vão sendo realizadas nos entes federados ao longo do ano que
antecede a eleição geral e destinam-se a designar os delegados que mais tarde
votarão no futuro Presidente.
O sistema é muitíssimo complexo: as primárias podem ser abertas ou restritas a
cidadãos filiados no partido, consoante a estipulação do partido e do estado em

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questão. Existem estados que permitem um sistema semi-fechado, no qual votam


militantes e não militantes.
Estas eleições-base são organizadas e financiadas pelos estados federados.

Mandato
O mandato é de 4 anos e o presidente pode apenas ser eleito por dois mandatos
consecutivos.

Competências
O presidente:
• Chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas
• Chefe da Administração central que é encimada pelo Governo
• Conduz a política externa, de defesa e segurança do país – assina acordos
internacionais e conclui tratados que submete à aprovação do Senado
• Não responde perante o Congresso, mas também não o pode dissolver
• Único responsável político pelo funcionamento do poder do Executivo
federal (Administração) – constituída pelos secretários federais
responsáveis pelos departamentos, conselheiros e altos funcionários,
todos sujeitos ao poder hierárquico presidencial.
• Dispõe da última palavra no uso de armas nucleares
• Na esfera económica, prepara o Orçamento e dirige a sua execução
• Nomeia membros da Administração, membros dos altos comandos
militares, representantes diplomáticos, altos funcionários e membros do
STF – power of appointment – na sua maioria, necessita da aprovação do
Senado ou de audições parlamentares (hearings)
• Produzir legislação sob autorização do Congresso (delegated legislation)
ou emitir Executive Orders – normas que podem assumir a força de lei
• Vetar leis do Congresso (que podem ser passadas através da confirmação
por dois terços dos votos contra o veto)
No entanto, a competência presidencial está limitada pela War Power Resolution
de 1973 – o Presidente não pode envolver o país numa guerra sem a aprovação
do Congresso.
O Presidente nem sempre tem um efetivo controlo sobre o correspondente
grupo parlamentar devido à força da independência de muitos deputados e
senadores, cuja conduta é marcada pelo interesse dos estados de que são
oriundos e dos grupos de pressão (lobbies) que os apoiam. Os partidos nos EUA
não têm lideranças fortes.

O Congresso
Órgão parlamentar bicamaral: Câmara dos Representantes e Senado.
Exerce essencialmente o primado da função legislativa, bem como importantes
atividades de controlo político. O Congresso pode:

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• Aprovar leis relativas ao aumento de impostos, despesas em matéria de


defesa e bem-estar público, empréstimos, etc
• Investigação, fiscalização da atividade do Executivo
• Confirmação de nomeações políticas e administrativas
• Poder de destituir o Chefe de Estado através do impeachment, com
fundamentos em crimes de responsabilidade no exercício de funções.

A. Câmara dos Representantes


Câmara de representação popular, sendo composta por 435 representantes
eleitos por um mandato de 2 anos, em círculos eleitorais uninominais de acordo
com uma forma de escrutínio maioritário que praticamente divide a Câmara em
dois partidos: Republicanos e Democratas. Estas duas grandes formações
compreendem fações de sensibilidades frequentemente antagónicas.
A Câmara dispõe de competências exclusivas, como:
• Iniciativa legislativa em matérias tributárias
• Possível eleição do Presidente
• Responsabilização de funcionários da Administração
• Poderes de revisão constitucional
• Produção legislativa, em conjunto com o Senado – as leis não podem ser
aprovadas sem tramitarem favoravelmente nas duas câmaras.
A câmara é presidida por um speaker, eleito pela maioria e com ascendente sobre
esta, e decompõe-se em comissões.

B. Senado
O Senado é presidido pelo Vice-Presidente dos Estados Unidos e é a câmara alta
que assegura a representação dos estados, sendo cada estado representado por
dois senadores que são eleitos sob a forma de escrutínio maioritário, na
generalidade a uma volta.
Os 100 senadores cumprem um mandato de 6 anos. A engenharia bipartidária
perfeita faz com que todos os senadores sejam ou democratas ou republicanos.
Competência da Câmara Alta:
• controlo das nomeações do presidente: segue critérios para escrutinar se
a pessoa é digna para o cargo ou não.
• Ratificação de tratados
• Partilha com a Câmara dos Representantes a revisão constitucional, a
função legislativa e o desenvolvimento de fiscalização do executivo
• Julga altos funcionários através do impeachment iniciado na Câmara dos
Representantes.
O Senado é composto pelo Plenário e por 16 comités com competências
específicas.

O Supremo Tribunal Federal

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Mais alta autoridade judicial do País e exerce o controlo da


constitucionalidade. Tem 9 membros com um mandato vitalício, designados
pelo Presidente e sujeitos à aprovação do Senado.

Mecânicas elementares do sistema político:

• Sistema de divisão efetiva de poderes, sem relação de dependência


entre o Presidente e o Congresso;
• Chefia direta do Executivo por um Presidente eleito por sufrágio
universal indireto, que, no entanto, está desprovido de dirigir ou
controlar permanentemente o partido de que é oriundo e as respetivas
bancadas parlamentares, dada a independência do Congresso e a
heterogenia dentro dos próprios partidos.
• Congresso poderosos que se renova a meio do mandato Presidencial,
com primado legislativo e dominado pelo bipartidarismo;
preponderância da Câmara dos Representantes como a principal
estrutura financeira e o Senado como principal câmara em questões
ligadas a altos cargos públicos e política externa.
• Elevado número de veto players no sistema de freios e contrapesos
entre instituições

Entre a colaboração funcional e a competição pelo exercício de poder

Frequentemente os três poderes não se inclinam em favor de objetivos de


cooperação, mas competem antes pelo domínio da agenda política, à medida
que o conflito político assume um invés mais ideológico.
Por vezes a fraqueza da liderança presidencial não permite ao presidente dominar
a própria bancada durante os períodos em que o seu próprio partido dispõe da
maioria parlamentar.
Por outro lado, há presidentes que conseguem impor a sua vontade mesmo
quando não têm domínio sobre as câmaras (caso de Ronald Reagan).
No caso mais recente, Trump, cujo partido domina as duas câmaras, não tem
conseguido implementar a sua agenda – o presidente enfrenta a oposição
constante de membros do seu próprio partido, que se opõe à sua conceção de
política externa e de imigração.
O problema fundamental que marca o exercício de poder nos Estados Unidos é
o agravamento da tendência para guerrilhas institucionais, ausência de
cooperação bipartidária e o exercício bloqueante e consecutivo de poderes de
impedimento constitucionais e inconstitucionais.
Existem três cenários típicos resultantes desta situação:
- Presidente apoiado nas duas câmaras pela maioria absoluta de representantes
e senadores e garantida pelo controlo da bancada (whiping system) –
presidências tendencialmente fortes, de propensão reformista. A estratégia

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política é concebida pelo Presidente e tende a ser executada pelas duas câmaras
após negociações com o chefe de estado e a bancada do seu partido, que acaba
por ser uma estrutura “carimbante”.
- Presidente apoiado por uma das câmaras e que logra nesta o controlo sobre a
bancada maioritária. Embora assuma liderança efetiva, o Chefe de Estado deve
ter capacidade para criar consensos bipartidários com a oposição na câmara que
não domina. Se tiver maioria no Senado terá mão livre para a política externa e
nomeação de membros do STF, entre outras; se tiver maioria na Câmara terá
maior liberdade para fazer reformas financeiras e sociais.
- Presidente não goza de apoio em nenhuma das câmaras- a governação torna-
se extremamente difícil, face a constantes bloqueios e vetos, arrastamento do
processo de aprovação do orçamento, etc. Foi o que aconteceu com Obama em
2015.

O risco de perda de uma das câmaras a meio de um mandato presidencial é


bastante grande, pois ocorrem eleições em cada biénio para a câmara baixa e
para um terço da câmara alta e o ato eleitoral pode captar momentos de
insatisfação conjuntural do eleitorado.

Os Sistemas Políticos Semipresidencialistas

Uma forma de governo mista:


O sistema semipresidencialista só ganhou genuína dogmática com a emergência
da Constituição de 1958, ficando consagrado na Lei Fundamental da V República.
Na caracterização do sistema, é de valorizar o trabalho do constitucionalista e
politólogo Maurice Duverger.
Efetivamente, o semipresidencialismo remonta à Constituição alemã de Weimar,
de 1919.
No fundo o semipresidencialismo é um sistema político de governo misto, com
atributos do presidencialismo e do parlamentarismo, ao qual são adicionadas
algumas características próprias.
Do presidencialismo guarda a eleição do Presidente por sufrágio universal, a
possibilidade do Chefe de Estado interferir na atividade governativa.
Do parlamentarismo retira a relação diárquica entre o Presidente e o Primeiro-
Ministro, a titularidade pelo Chefe de Estado de poderes representativos e
certificatórios e limitadamente arbitrais e sobretudo a existência de um vínculo
de responsabilidade e dependência política do Governo ante o Parlamento. Sem
esta confiança depositada no Governo pelo Parlamento, o semipresidencialismo
assemelhar-se-ia a um governo de Chanceler, em que o Governo dirigido por um
Primeiro-Ministro depende de um Chefe de Estado com poderes moderadores e
dotado de dissolver o parlamento, sem que o Governo dependa da confiança
parlamentar.

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Como atributos próprios, o semipresidencialismo antepõe a dupla


responsabilidade do Governo ante o Presidente e Parlamento e o exercício de um
poder corretivo ou moderador de onde sobressai uma maior autonomia no
processo de dissolução parlamentar do que a que o Chefe de Estado dispõe no
parlamentarismo.
Dentro do semipresidencialismo observamos maiores e menores intensidades de
subordinação do Governo à Presidência.
Quanto à prerrogativa de dissolução parlamentar, em todos os sistemas
semipresidencialistas o Chefe de Estado detém esse poder que exerce seja de
forma mais livre (França e Portugal) ou condicionada (Rússia).
Marcelo Rebelo de Sousa define o semipresidencialismo através da eleição
popular do Presidente, a dicotomia Presidente Primeiro-Ministro, a dupla
responsabilidade do Governo perante o Presidente e perante o Parlamento e o
exercício de poderes relevantes do Presidente, cumprindo destacar nestes a
faculdade de dissolução do Parlamento com algum grau de autonomia.

• Há supostos semipresidencialistas que na verdade são meros


parlamentarismos, porque a prática e o costume contradizem o que está
efetivamente escrito na Constituição: Irlanda, Islândia, Finlândia, etc

Variantes do semipresidencialismo de pendor presidencial: o


paradigma francês

A Constituição de 1958
Esta constituição institui um regime político democrático e republicano, servido
por um sistema político semipresidencialista e estabeleceu uma forma territorial
de Estado unitária, com regionalização administrativa a partir da década de 80.
Influência determinante da República de Weimar, 1919.
Concebida num contexto de crise política, marcada por uma transição
constitucional da IV para a V República, esta constituição foi aprovada por um
plebiscito. A elaboração pela Comissão Debré passou pela aprovação do
Executivo e foi submetida a voto popular. O que deveria ter sido uma revisão
constitucional transformou-se numa nova Lei Fundamental.
A constituição de 1958 incorpora um complexo de direitos de liberdade e direitos
sociais, rececionando ainda a Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão de
1789 (documento que inaugurou o constitucionalismo moderno na europa).
Na sua força jurídica, a Lei Fundamental da V República consiste num texto
constitucional rígido: as alterações ocorrem, por proposta do Presidente ou de
deputados, quando aprovada pelas duas câmaras parlamentares e submetida a
referendo, seja mediante dos três órgãos ao mesmo tempo em Congresso, com
uma aprovação de três quintos.
1962 – o Presidente da República passa a ser eleito por sufrágio direto universal.
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O sistema político da V República

2017- Inicia-se uma nova dinâmica não testada na V República no que toca à
morfologia do sistema partidário. O presidente Macron, centralista liberal e
progressista, foi eleito com base num movimento ideologicamente inespecífico
que se converteu em partido (agregando personalidades de centro-esquerda,
centro, centro-direita e independentes) num contexto de crise aguda do sistema
de partidos. Neste ano, as formações liderantes das alianças tradicionais foram
duramente fulminadas por crises de liderança e desgaste de poder e corrupção.
As eleições de 2017 pulverizaram o sistema partidário bipolar e uma Assembleia
Nacional de composição multipartidária fragmentada passou a ser dominada por
um partido pró-presidencial hegemónico, dotado de uma maioria absoluta
acentuada que tanto pode operar reforças e alterações constitucionais, como
evoluir como bloco político de difícil gestão e disciplina, com aptidão para se
desagregar em caso de irromper uma grave crise de poder.

Presidente da República
O presidente da República é eleito por sufrágio universal direto, na medida em
que obtenha a maioria absoluta dos sufrágios. Se essa maioria não for alcançada,
há uma segunda volta entre os candidatos mais votados e considera-se eleito o
candidato mais sufragado.
O seu mandato tem a duração de cinco anos e só pode haver uma reeleição
consecutiva, por escrutínio de uma ou duas voltas.
O sufrágio direto e o facto de ser uma das cabeças do Executivo (que partilha
com o primeiro-ministro) e o seu papel de garante de Constituição, da
independência nacional e dos tratos, conferem-se uma posição única no exercício
de poderes. Não tem de responder perante o Parlamento (só perante o povo)
mas pode ser destituído por este, se uma das câmaras exercer, para o efeito,
funções de Tribunal Supremo, decidindo por maioria de dois terços.
O Chefe de Estado preside ao Conselho de Ministros e estabelece a ordem de
trabalhos, sem ser responsável pela direção dos trabalhos do governo – isso cabe
ao primeiro-ministro.
Promulga e exerce o veto absoluto sobre as “ordonnances” do Governo
(legislação delegada pelo parlamento) e assina decretos regulamentares
governamentais.
Cabe ao Presidente a nomeação do Primeiro-Ministro (normalmente é o líder do
partido mais votado, mas isto não é obrigatório). O Presidente pode solicitar a
demissão do primeiro-ministro, pois apesar da Constituição não prever esta
faculdade, o costume enraizou-a. Aliás, quando o primeiro-ministro começa a
cumprir funções, é obrigado a assinar uma carta de demissão em branco não
datada.

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O Chefe de Estado nomeia e demite membros do Governo sob proposta do


Primeiro-Ministro. Em ciclos de confluência (a maioria presidencial e a
parlamentar coincidem), o Presidente tem um a dizer na escolha dos ministros.
Em ciclos de coabitação (o poder do presidente fica diminuído), apenas pode
condicionar a escolha, influindo ou vetando, os titulares de defesa e Negócios
Estrangeiros – domínios em que a prática extrai da Constituição.
O presidente, nos termos do artigo 16º, o presidente pode concentrar os poderes
e governar em caso de exceção.
O Chefe de Estado dispõe da faculdade de dissolver livremente a Assembleia
Nacional. É competente para vetar leis parlamentares, apesar desse veto ser
meramente suspensivo, sendo obrigado a promulgar os atos se o Parlamento
confirmar o diploma (maioria simples).
Na maioria das cimeiras não estão presentes os chefes de estado. Em França o
presidente e o primeiro-ministro estão presentes devido à elevada influência que
têm na política externa – o mesmo no que toca à interferência em conflitos
armados.
O chefe de governo em França é o primeiro-ministro, é ele que dita a agenda.

Governo
O Governo é nomeado pelo Presidente da República mas depende da confiança
do Parlamento para se manter em funções. O Governo responsabiliza-se perante
a Assembleia Nacional, apresentando, para o efeito, o seu programa ou uma
declaração política. O Parlamento pode responsabilizar o Governo, ao rejeitar
uma moção de confiança ou aprovar uma moção de censura pela Assembleia
Nacional, adotada pela maioria dos membros efetivos do órgão. O Governo
conduz a Nação, dirigindo a Administração e as forças armadas.
O Governo é um órgão autónomo e os poderes do Primeiro-Ministro variam
consoante e coabitação ou a homogeneidade partidária (se o chefe de governo
e do estado são do mesmo partido).
O Primeiro-Ministro gere a ação do Governo e faz executar as leis; propõe ao
Presidente a nomeação e demissão de ministro.
O Conselho de Ministros delibera colegialmente. Pode aprovar, a par de
regulamentos de execução das leis, regulamentos de caráter inovador: os
regulamentos independentes, que dispõe sobre um domínio reservado (toda a
matéria não coberta pela lei) – âmbito administrativo. Em regra, um regulamento
está subordinado à lei. Neste caso os regulamentos independentes são imunes à
revogação da lei. Trata-se de uma norma primária da função legislativa.
A nível legislativo o Governo aprova legislação delegada pelo Parlamento. Pode
decretar estado de sítio e estado de emergência.

Parlamento:
O Parlamento francês é bicameral, composto por:

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• Assembleia Nacional, operando como câmara baixa, contando com 577


deputados eleitos por um mandato de 5 anos e em círculos uninominais,
sob a forma de escrutínio maioritário, podendo haver duas voltas.
• Senado, câmara alta de representação das coletividades territoriais,
composto por 348 senadores eleitos por um mandato de 6 anos,
sufragados indiretamente por um colégio de grandes eleitores.

A eleição para a Assembleia Nacional gera normalmente um sistema


multipartidário tendencialmente bipolar, constituído por dois blocos formados
por partidos independentes que se alternam no poder em regime de alianças
com partidos menores. Os blocos têm sido liderados à direita pelo partido
gaulista e à esquerda pelo partido socialista.
A Frente Nacional de direita radical é prejudicada na representação, apesar do
número de votos, porque está excluída desse sistema de alianças. Como já foi
referido, este sistema foi fraturado em 2017 com a vitória de uma aliança centrista
amplamente maioritária liderada por Macron.
A função legislativa é exercida pelas duas câmaras, mas em caso de discordância
prolongada, o primeiro-ministro pode arbitrar o conflito, dando a última palavra
à Assembleia Nacional (o podere deste órgão sobrepõe-se aos do Senado).
O Presidente pode dissolver a Assembleia Nacional, mas não o Senado. No
entanto existe um período temporal em que isto não é possível.
Quando o presidente está em alta o sistema francês aproxima-se de um híper-
presidencialismo, porque o presidente concentra em si os poderes mais
importantes.

O sistema político da III República Portuguesa:


um semipresidencialismo de geometria variável

O sistema político preconizado pela Constituição de 1976 foi definido como


semipresidencialista, apesar da divergência de opiniões relativamente ao seu
pendor. Muitos defendem que se trata de um parlamentarismo racionalizado,
outros defendem que é um sistema primoministerial. A verdade é que o órgão

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proeminente se vai alterando consoante o ciclo eleitoral, mas isso não faz com
que o regime deixe de ser semipresidencialista.

Fontes cognitivas internas e externas que conduziram à consolidação do sistema


semipresidencialista da Constituição de 1976:

• Fontes internas
O segundo Pacto MFA-Partidos (Plataforma de Acordo Constitucional), celebrado
em pleno processo revolucionário, a 1975, constituiu o documento político-chave
que enformou o sistema de governo semipresidencial nascido da Constituição de
1976.
Este pacto só foi conseguido após o afastamento da ala militar marxista mais
extremista do Conselho da Revolução, após a revolução de 25 de novembro de
1975 (um primeiro pacto existia, de índole tipicamente marxista, que propunha
um Presidente eleito pelas câmaras e uma importante atuação do Conselho da
Revolução.
No segundo Pacto previa-se já a eleição do Presidente por sufrágio universal e a
responsabilidade política do Governo perante o Presidente e o Parlamento,
suprimindo-se a ideia de uma segunda câmara militar. O Presidente, que presidia
também o Conselho da Revolução, podia dissolver o Parlamento, desde que
tivesse o consentimento do Conselho.
Note-se, portanto, que ficaram consagradas as linhas de força do
semipresidencialismo.
O facto do Presidente ser inicialmente um militar e o General das Forças Armadas,
moldou-o a uma figura equidistante dos partidos e revestiu a figura presidencial
com alguma neutralidade, que se manteve, em menor ou maior grau, até aos dias
de hoje, já que o Presidente deve ser uma figura arbitral e moderadora.
A Revisão de 1982 completou o ciclo de transição para uma democracia plena,
removeu o Conselho da Revolução cujas competências foram distribuídas pelo
Governo, pelo Parlamento e por um Tribunal Constitucional recém-criado, e
libertou os poderes do Presidente do órgão militar.
Com a Revisão, o Presidente da República passou a ter, sem condicionamentos,
o poder de dissolução da Assembleia da República; alargamento das matérias
legais sujeitas a veto qualificado (superável por dois terços). Perdeu o poder de
livremente demitir o Governo por motivos de confiança política, só podendo
fazê-lo quando as instituições democráticas estiverem em risco.
O Parlamento ganhou responsabilidades: pode promover uma espécie de
impeachment do Presidente por crimes praticados no exercício de funções;
alargou a sua competência legislativa; passou a dar consentimento às ausências
do Presidente do território nacional em viagens oficiais não superiores a 5 dias;

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designa 10 juízes do Tribunal Constitucional; a reprovação do programa do


Governo acarreta a demissão do próprio Governo, assim como a aprovação da
moção de censura por maioria absoluta.
O Governo viu reduzida a natureza e a responsabilidade perante o Presidente, já
que a capacidade deste último para dissolver o Governo passou a reservar-se
para ocasiões excecionais. Por outro lado, aumentou a sua responsabilidade face
ao Parlamento. O Governo manteve um forte acervo de competências legislativas
e ganhou competências administrativas em matéria militar.

Para além do II Pacto, a Carta Constitucional portuguesa consagrou, inspirada no


ângulo doutrinal de Benjamin Constant (que previa a existência de um quarto
poder estadual, meramente político – “o poder moderador”), a permanência do
Presidente como órgão autónomo em relação à ação governativa, e com um
papel de regulador dos demais poderes.
Desta Carta ficaram também consagrados a autonomia legislativa do Governo e
a diarquia entre Presidente, como órgão “neutro”, e o Primeiro Ministro, como
Chefe de Governo, ambos investidos de poderes relevantes e posicionados num
quadro de responsabilidade do Governo ante o Chefe de Estado.

• Fontes externas
A fonte externa por excelência foi a Constituição francesa de 1958, bem como a
austríaca e a alemão.

Os atributos identitários do sistema político


(que permitem reconduzir o sistema a uma das categorias teóricas modernas de
forma de governo)

Traços essenciais:
• Eleição do Presidente da República por sufrágio universal
Artigo 121º, nº1. No caso de não obter no ato eleitoral mais de metade dos votos
validamente expressos, realizar-se-á uma segunda volta, com os dois candidatos
mais votados da primeira (artigo 126º, nº 1 e 3). A eleição por sufrágio permite
ao Presidente legitimar-se diretamente no voto popular e assumir-se como órgão
representativo da República (artigo 120º), a par da Assembleia da República, que
é definida como órgão representativo de todos os portugueses (artigo 147º). Esta
legitimida fundamente poderes de direção e de controlo político que lhe são
atribuídos e que lhe conferem o “status” de garante do regular funcionamento
das instituições democráticas.

• Diarquia institucional entre Presidente e Primeiro Ministro

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Diarquia- governo exercido por duas pessoas.


Diarquia institucional remete para a partilha de funções de direção política do
Estado (apesar de serem órgãos autónomos) – cabe ao Primeiro Ministro a chefia
do Governo como órgão superior da administração pública.
Diarquia do Executivo – comum nos sistemas parlamentares (regimes
monárquicos) quer nos sistemas semipresidencialistas de pendor presidencial:
Presidente pode presidir ao Conselho de Ministros mas o Governo é formalmente
confiado ao Primeiro Ministro.
Na ordem constitucional portuguesa de 1976, o Presidente não integra
formalmente o poder Executivo nem exerce funções administrativas com eficácia
externa. Não há, portante, diarquia do executivo no nosso caso.
Este dualismo institucional aproxima o sistema política do semipresidencialismo
e do parlamentarismo, mas afasta-o do presidencialismo.

• Dupla responsabilidade do Governo diante do Presidente da


República e do Parlamento
Os instrumentos mais intensos de materialização dessa responsabilidade
traduzem-se na faculdade de o Presidente e do Parlamento determinarem,
autonomamente, a demissão do Governo.
Perante o Presidente:
O facto de ter cessado uma relação em que o Governo subiste em função da
confiança política do Presidente, não impede que o decreto de demissão não seja
editado numa situação excecional (o Presidente apenas responde, por esta
decisão, perante o povo, não perante o Parlamento ou o Tribunal Constitucional).
O presidente pode presidir ao Conselho de Ministros mediante convite do
Primeiro-Ministro; nomeia o primeiro-ministro em função dos resultados
eleitorais; nomeia e demite membros do Governo perante proposta do Primeiro-
Ministro. Diante destas competências, o Governo é tornado “responsável”
perante o Presidente e no contexto dessa responsabilidade, o Primeiro Ministro
encontra-se vinculado a informar o Chefe de Estado sobre os assuntos
respeitantes à condução da política interna e externa (artigo 201º, alínea c)
Perante a Assembleia da República:
O poder de demissão do Governo é o mais importante, neste âmbito – artigo
195º, nº1. Para além deste: responsabilização criminal dos membros do Governo,
apreciação parlamentar de atos do Governo e da Administração; convocação e
participação dos membros do Governo em sessões plenárias ou nas comissões.

A dupla responsabilidade é assimétrica, pois é menos acentuada junto do


Presidente, dado que opera uma base de regularidade institucional e não de

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confiança política; mais acentuada junto do Parlamento, do qual o Governo


depende para subsistir e se manter em funções.

• Poderes significativos do Presidente, neles se compreende a


faculdade de livre dissolução do Parlamento
O Presidente dispões de competências significativas, tais como o poder de veto
de leis parlamentares e não ratificação ou assinatura de convenções
internacionais; controlo da constitucionalidade de normas; declaração de estados
de exceção; convocação de referendos propostos pelo parlamento e governo;
nomeação dos representantes da República nas RA e dissolução destes
parlamentos; competências partilhadas com o Governo na nomeação do alto
comando militar e de outros cargos públicos.
Sobressai, contudo, a dissolução parlamentar, nos termos do artº 133º, alínea e).
Para o exercício deste poder, o Presidente deve observar apenas limites estáticos
da ordem temporal, pois não pode dissolver nos últimos 6 meses do seu mandato,
nem nos primeiros 6 meses da legislatura) e de ordem circunstancial (não o pode
fazer em estados de exceção). Deve também proceder a uma tramitação
obrigatória cujo sentido não o vincula, ou seja, ouvir os partidos representados
no Parlamento e o Conselho de Estado.
Esta competência pode acarretar o fim do Governo em funções, já que é
necessário convocar novas eleições legislativas, e o Executivo depende da
composição parlamentar.
A prática política não é esta, mas a faculdade, por si só, é relevante.

Traços complementares
• O presidente como órgão regulador do sistema institucional de
estatuto suprapartidário e não envolvido na atividade governativa
Os poderes executivos limitados do Presidente afastaram-no da atividade
governativa, a qual não está sujeita às suas diretrizes.
Poderes de controlo/regulação:
- direito ao veto: enquanto nos restantes sistemas o veto político é
ordinariamente reversível por maioria simples, o Presidente da República
Portuguesa:

I. Pode apor um veto com efeitos absolutos sobre diplomas do Governo


enviados para promulgação como decretos-leis, o que reforça a
responsabilidade do Governo perante o Presidente;
II. Pode vetar as leis da Assembleia da República, sendo necessária maioria
absoluta para confirmar a generalidade desses atos (artigo 136º) ou a

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maioria por dois terços dos deputados presentes, para o caso das leis
orgânicas, entre outras.
Apesar da confirmação por maioria absoluta ser exequível, o veto por maioria
de dois terços reforça o poder de impedimento do Presidente sobre leis
especialmente relevantes, aproximando-o parcialmente do modelo
presidencial norte-americano.
Por outro lado, o Chefe de Estado pode promover perante o Tribunal
Constitucional a fiscalização da constitucionalidade de leis da República e de
qualquer outra norma publicada.

• Autonomia política e legislativa do Governo


Apesar de ser responsável perante o Presidente e o Parlamento, o Governo exibe
um nível relevante de autonomia, que lhe permite atuar como órgão de condução
da política do Estado e órgão superior da administração pública.
O programa de Governo é submetido ao Parlamento, mas não é
obrigatoriamente votado, só se essa votação for requerida pelo grupo
parlamentar ou se o Governo solicitar uma moção de confiança. Este sistema
facilita a atuação de governos minoritários.
O governo não pode ser demitido pelo Presidente e não pode receber diretrizes
políticas presidenciais.
Para além disso, pode o Governo contornar o veto político sobre os seus
decretos-leis através da sua conversão em proposta de lei, fazendo-a passar pelo
Parlamento, nos casos em que é suportado por uma bancada maioritária ou
acordar com a oposição.
O Governo português é, de entre os governos europeus, aquele que
concentra um maior acervo de competências legislativas – é no Executivo
que radica a centralidade legislativa do Estado.
É importante referir que, apesar disto, o Parlamento reserva para si a atividade
legislativa relativa às matérias mais importantes e pode apreciar decretos-lei do
Governo incidentes sobre competências não exclusivas deste órgão, para
alteração ou cessação da sua eficácia.

• O Parlamento como órgão de fiscalização e base de sustentação do


normal funcionamento da governação e fonte intermitente de
impulsão de políticas públicas
É da composição maioritária ou mais fragmentada da Assembleia que resulta a
formação de governos, com maior ou menos aptidão para cumprirem a
legislatura e para se afirmarem, ou não, como instituições liderantes.

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Períodos onde existem maiorias políticas homogéneas representam um reforço


do papel do Governo e um maior apagamento do Parlamento, cuja maioria é
orientada a partir da chefia do Executivo.
Por outro lado, ciclos dominados por governos minoritários tornam o Parlamento
o centro de gravidade do sistema, passando muitas políticas a ser negociadas em
sede parlamentar, e registando-se uma maior autonomia da Assembleia.

Fatores políticos (não jurídicos) condicionantes da dinâmica do sistema de


governo português

• Impacto da dinâmica eleitoral na composição partidária do


Parlamento e desta no protagonismo do Governo
O fator de ordem política mais decisivo consiste na existência, ou não, de uma
maioria parlamentar absoluta que sustente o Governo, já que este depende
essencialmente da confiança política da Assembleia da República para se manter
em funções e garantir a governabilidade.
Quando há maioria absoluta, está estabelecida uma relação fiduciária entre
Governo e Assembleia da República, do qual resulta o fortalecimento da liderança
governamental (ex: governo PS de 2005 a 2009 ou coligação CDS-PSD de 2011-
2015) que passa a traçar a agenda política parlamentar.
Uma maioria quase absoluta, por sua vez, envolve um acréscimo do peso do
Parlamento, sem pôr em causa a preponderância do Governo, já que a oposição
carece de força e unidade para demitir o Executivo, limitando-se a negociar e a
condicionar algumas políticas.
A existência de uma Assembleia Fragmentada entre partidos rígidos dá
preponderância ao Parlamento. Governos acentuadamente minoritários são
constrangidos a negociar as suas políticas (e a sua sobrevivência) no Parlamento
A existência ou não dessas maiorias depende da estrutura e morfologia do
sistema de partidos e este é condicionado pelo sistema eleitoral e pelo
comportamento do eleitorado, através da concentração dos votos nos grandes
partidos ou pela sua dispersão por essas e médias formações, fragmentando a
representação.
O sistema eleitoral proporcional em Portugal favorece alguma dispersão
parlamentar, embora no contexto de fragmentação limitada, se bem que esse
comportamento do eleitorado se possa contrariar, concentrado a maior parte do
eleitorado nos dois maiores partidos.
A dispersão não é elevada, visto que o atual quadro partidário é marcado por 5
formações predominantes no Parlamento.

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• Cenários de confluência ou de coabitação entre o Presidente da


República e a maioria governamental

Os tempos de confluência: em Portugal, tiveram como efeito a redução do


protagonismo do Presidente da República e o reforço do papel do Governo em
cenários maioritários ou quase maioritários. Durante estes períodos, nunca o
Parlamento foi dissolvido pelo Presidente, sem consenso com todos os partidos.
O uso da fiscalização da constitucionalidade foi, em regra, escasso sobre
diplomas de Governo ou da maioria parlamentar; o uso do veto não é tão comum,
pelo menos em diplomas de iniciativa do próprio partido – Quando há
confluência o Presidente reduz-se e nenhum Presidente pôs, até agora, em causa
o Governo ou a maioria da sua família política.

Os tempos de coabitação política (disjunção): tiveram momentos conflituais, com


um atrito entre as agendas presidenciais e governativas. Não se tem pautado por
um balanço positivo.
A prática comprova que em coabitações que envolvam governos suportados por
maiorias absolutas monopartidárias, o papel do Presidente oscila entre
colaborador estratégico num primeiro momento, e o de contrapoder, o qual se
acentua num segundo mandato. O Primeiro-Ministro destaca-se sempre como
figura liderante do sistema político.
Já as coabitações com executivos minoritários reforçam a preponderância
parlamentar, colocando o Governo como poder mais débil, forçado a acorrer a
duas frentes: a parlamentar e a presidencial, de forma a conseguir subsistir.
As coabitações abrem espaço, em períodos críticos, a dissoluções livremente
decididas pelo Presidente; maior uso do poder de veto e controlo da
constitucionalidade.
Um caso de coabitação conflituosa é o da Presidência de Mário Soares, enquanto
Cavaco Silva era Primeiro Ministro.
A coabitação de “veludo” ente o Governo minoritário socialista e o Presidente
Marcelo Rebelo de Sousa contraria, neste primeiro ano, a tendência conflituosa
dos prévios mandatos.

• O impacto variável de práticas constitucionais no uso de freios e


contrapesos
No universo do ordenamento constitucional português, em que impera uma
Constituição escrita e rígida, nada é estipulado sobre o valor constitucional de
costumes ou usos.

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O costume é uma fonte subsidiária do Direito Constitucional, cujas normas


não possuem o mesmo valor jurídico das normas escritas, podendo ser
afastadas.
Costume:
-interpretativo ou secundum legem: se uma disposição escrita da Constituição
for biunívoca e se for interpretada e aplicada de acordo com um dos seus
sentidos, dir-se-á que a prática reiterada que envolve a sua execução é
sustentada por um costume secundum legem (o Tribunal continua livre de
alterar a interpretação)
- contra legem: contraria o sentido objetivo da norma constitucional e
justificam a caducidade de normas escritas.

Usos, convenções e praxes


- os usos ou práticas “stricto sensu” definem-se como comportamentos regulares
adotados pelas instituições do Estado, conduzindo à criação de uma normação
não escrita, ordenadora das instituições. A sua não observância é desprovida de
sanção jurídica.
- as convenções constitucionais constituem pactos ou acordos, expressos ou
tácitos de poder entre as instituições ou os agentes políticos, e que se
sedimentam através de uma longa prática reiterada. Não são obrigatórios, mas
consolidam a convivência e o bom funcionamento do sistema. Exemplo:
nomeação do Primeiro-Ministro: é, regra geral, o líder do partido mais votado.
- as praxes são condutas e rito habituais, em regra não escritos, que se repetem
e que integram o funcionamento do sistema e que facilitam o funcionamento do
sistema.

Práticas com maior impacto no funcionamento do sistema:


• Demissão do Governo pelo Presidente como poder excecional,
consolidado pelo costume
• Dissolução parlamentar antecipada pelo Presidente condicionada pela
emergência de crises políticas relevantes
• Indigitação como Primeiro-Ministro do líder do partido ou da coligação
pré-eleitoral mais votada
• Formação e viabilização do Governo no âmbito partidário do arco
democrático
• Escolha pactuada dos juízes-conselheiros do Tribunal Constitucional (entre
o PSD e o PS)

Geometria variável na mecânica do semipresidencialismo português

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Linhas de força das metamorfoses do semipresidencialismo


O semipresidencialismo oscila, no que diz respeito à força dominante, entre os
polos de um Executivo bicéfalo (como acontece em França) ou no eixo
Governo/Parlamento. No caso português, observa-se que a instituição
preponderante oscila, dentro de um triângulo formado pelo Presidente, Governo
e Parlamento. As metamorfoses do semipresidencialismo envolveram três fases
de elevada importância:
• Fase inicial de instabilidade governativa, com equilíbrio pendular de
poderes entre a proeminência do Presidente e a do Parlamento – transição
para a democracia plena (1976-1982), com três governos de iniciativa
presidencial; coabitações imperfeitas e conflituosas entre governos frágeis
de centro-esquerda e de centro-direita com um presidente militar
interventivo (1976/1986); período de tensão social e exceção financeira
(1983/1985) e um governo minoritário reformista (1985/1987).
• Fase intercalar e longa de preponderância do Governo, que oscilou entre
um período de pendor governativo mais acentuado (1987-1995, 2002-
2009), catalisado por maiorias absolutas monopartidárias ou em coligação,
e um pendor governativo atenuado com a retoma de algum protagonismo
parlamentar, que, no entanto, não abalou o Executivo (1995-2001)
• Fase de recuperação incerta do poder da Assembleia onde alternam
períodos de preponderância parlamentar (2009-2011/2016-2017) e
períodos de pendor governamental moderado (2011-2015).

Estatuto jurídico dos órgãos de soberania previstos na Constituição de


1976

Capítulo I. O Presidente da República

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O Presidente da República como Chefe de Estado, regulador das instituições


políticas
Artº 120º da Constituição: O Presidente representa a República Portuguesa,
garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular
funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, o Comandante
Supremo das Forças Armadas.
Retira-se deste artigo que o presidente é o Chefe do Estado e o órgão regulador
das instituições com mandato democrático. Do seu estatuo constitucional resulta:
i) O seu papel de garante da independência, o que exige ao presidente
abster-se de condutas que ponham em causa essa mesma
independência (ex: declaração pública a favor do federalismo europeu).
ii) A sua função como garante da unidade do Estado, o que lhe impõe a
abstenção de condutas que potenciem a disrupção do todo nacional e
o dever de impedir outros órgãos ou entidades que ameacem esta
unidade.
iii) O seu perfil como representante interno e externo da República,
representando todos os cidadãos, residentes ou no estrangeiro. Deste
estatuto decorre o exercício de competências cerimoniais, honoríficas,
etc.
iv) A sua função de Comandante Supremo das Forças Armadas, que tanto
se trata de um estatuto simbólico e honorífico como do exercício de
competências de direção política, em regra partilhadas com o Governo.
v) Irresponsabilidade política diante dos demais órgãos de soberania,
estatuto que garante o seu papel de regulador das demais instituições
políticas – é apenas responsável perante o povo.

O encargo de regulador das demais instituições políticas do Estado significa que


tem a incumbência de supervisionar o normal funcionamento dos demais órgãos
com mandato popular, utilizar as suas competências para travar situações
disfuncionais, impedir condutas ilegítimas e potenciar, dentro do possível,
relações de colaboração e harmonia entre órgãos políticos legitimados
democraticamente.
Este atributo acentua o vinco semipresidencialista do sistema de governo, porque
enquanto os chefes de Estado dos sistemas parlamentaristas exercem funções
meramente representativas, no semipresidencialismo (nomeadamente no
português), o Presidente é dotado de poder arbitral e moderador.
O Presidente pode aprovar atos jurídicos sob a forma de decreto (ex: promoção
do controlo da constitucionalidade, veto e dissolução parlamentar), atuar ao
abrigo da chamada “magistratura de influência” (quer de natureza jurídico-formar
ou informal).

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Por sua vez, o “poder arbitral” que a Constituição não define, coloca o Presidente
numa posição de imparcialidade, que corresponde ao exercício político
desformalizado de um poder neutro – destina-se a dirimir conflitos políticos entre
outros órgãos, partidos e entidades.
Exemplos: conflitos entre órgãos de soberania e órgãos de governo próprio das
RGA; entre um Governo minoritário e os protagonistas de uma maioria partidária
negativa, na Assembleia; entre os parceiros de uma coligação, quando está em
causa a governabilidade; entre os partidos políticos no contexto de formação de
um novo Governo ou no contexto de crise política; o Governo e agentes
económicos/financeiros/sociais.
O poder arbitral é, assim, mais informal, mas a sua regularidade confere-lhe
pertinência.
Já o poder moderador, assente na tradição portuguesa, é o principal poder
presidencial, previsto na constituição de 1976. Esta faculdade implica que o
Presidente passe de mediador a ator político, e se for caso disso, responsável pela
ativação de válvulas de segurança do sistema de governo.
Isto é, o presidente, ao abrigo do estatuto de moderador, pode interferir nos
demais órgãos de soberania e órgãos de governo regional. Essa faculdade
coloca-o numa posição de superioridade, sem qualquer sistema de freios e
contrapesos, exceto perante os limites impostos pela Constituição e pela prática.
O Presidente age politicamente em fidelidade ao seu programa eleitoral,
podendo exercer faculdades de influência e persuasão relevantes.
Nesta esfera encontram-se os poderes de direção: nomeação e demissão do
Governo, designação de altos funcionários, dissolução da Assembleia da
República e dos parlamentos regionais.

Eleição do Presidente da República


O Presidente é eleito por sufrágio universal e direto pelos cidadãos portuguesas,
recenseados em território nacional, bem como por cidadãos portugueses
residentes no estrangeiro que mantenham ligações efetivas com Portugal.
É eleito o candidato com mais de metade dos votos validamente expressos
(desconsideram-se os votos em branco). Caso nenhum candidato obtenha esta
maioria, realiza-se uma segunda volta entre os dois candidatos mais votados, a
qual tem lugar ao vigésimo dia subsequente da primeira volta (artigo 126º da
CRP).
São elegíveis cidadãos portugueses de origem, maiores de 35 anos (artº 122), a
quem não sejam aplicáveis as inelegibilidades previstas na constituição e na lei.
As candidaturas são propostas com um mínimo de 7500 e máximo de 15000
assinaturas, devendo ser apresentadas perante o Tribunal Constitucional trinta
dias antes do dia das eleições.

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A legitimação democrática habilita o Chefe de Estado a intervir politicamente


perante qualquer outro órgão constitucional.
A morte ou incapacitação de um candidato para o exercício do cargo reabre o
processo eleitoral.
O Presidente marca a data das eleições, que devem ocorrer nos sessenta dias
anteriores ao termo do mandato do Presidente cessante ou nos sessenta dias
posteriores à vacatura do cargo. Não pode, por sinal, ocorrer nos noventa dias
anteriores ou posteriores às eleições legislativas. A tomada de posse do
Presidente perante o Parlamento ocorre no último dia do mandato do Presidente
cessante (artigo 127º, nº1 e 2).
No caso de um Presidente já eleito vir a falecer, antes da tomada de posse, ou ser
preso pela prática de crimes graves, ou desistir, existe uma lacuna constitucional
sobre a matéria. Deve considerar-se que o Presidente em funções deve marcar
um novo ato eleitoral para a Presidência no prazo de 48 horas contadas da data
da posse que estava marcada. O Presidente mantem-se em funções até à tomada
de posse do novo chefe de estado.

Mandato
O mandato presidencial tem a duração de cinco anos (artigo 128º, nº1), e o
Presidente só pode ser reeleito por mais um mandato consecutivo (artigo 123º).
Salvaguarda-se, desta forma, o princípio republicano da renovação de titulares
nos cargos. O limite à reeleição visa evitar uma corrupção dos titulares do poder,
ou uma personalização excessiva do cargo, que certamente alteraria o equilíbrio
do sistema político.
O Presidente também não poder ser reeleito durante o quinquénio
imediatamente subsequente ao termo do mandato consecutivo. Com isto
evitam-se tentações caudilhistas em que um adepto do Presidente cessante seja
eleito com o seu apoio, renunciando logo de seguida para permitir ao Chefe de
Estado contornar a proibição de reeleição.
Em caso de renúncia, o Presidente não pode recandidatar-se, nem nas eleições
imediatas nem nas que se realizem no seguinte quinquénio subsequente à
renúncia (nº2, artº 123). Com isto procura-se obstar a renúncias tendentes a um
regresso plebiscitado e orientado contra as restantes instituições

Cessação de funções:
O Presidente cessa funções antes do fim do mandato por: morte, impossibilidade
física permanente, renúncia, condenação pela prática de crimes cometidos
durante o exercício de funções, ou ausência de território nacional não autorizado
pelo Parlamento.

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O processo de morte do Chefe do Estado é promovido pelo Procurador Geral da


República (artigo 86º, nº1 da LTC) e cabe ao Tribunal Constitucional, em sessão
plenária, atestar o óbito e declarar a vacatura do cargo (nº1, artº 87, LTC). O
mesmo acontecesse com a impossibilidade física permanente, na qual são
consultados três médicos peritos e, se possível, o próprio Presidente.
A renúncia trata-se de um ato jurídico unilateral, dirigida à Assembleia da
República, tornando-se válida assim que conhecida.
Por outro lado, o processo de impeachment é encabeçado pelo Parlamento,
mediante iniciativa de um quinto dos deputados efetivos, cabendo ao Supremo
Tribunal da Justiça proceder ao julgamento. O impeachment implica
impossibilidade de reeleição.
Por crimes estranhos ao exercício de funções, O Presidente responde depois do
termo do mandato perante a jurisdição comum (nº4, 140º da CRP). Por outro lado,
continua a ser instaurado o regime de responsabilidade civil durante o próprio
mandato. Deste modo, em caso de renúncia, esta não serve de expediente para
evitar a aplicação da pena, não extingue o processo criminal.
Em caso de ausência territorial, a Assembleia da República pede ao Tribunal
Constitucional a verificação de perda do cargo e o mesmo decide em plenário,
após ouvir o Chefe de Estado e as diligências probatórias.

Substituição Interina
Em caso de vacatura do cargo ou impedimento temporário do Presidente, entra
em funções o Presidente da Assembleia da República, que não é obrigado a fazer
juramento, até ao novo chefe de estado tomar posse ou até o impedimento ter
cessado.
Em caso de vacatura o presidente interino deve marcar eleições no prazo de 60
dias após a vacatura do cargo.
Apesar de gozar das honras presidenciais, o Presidente Interino não perde o seu
estatuto de deputado do parlamento, ficando esse cargo meramente suspenso.
Caso renuncie ao cargo de Presidente da Assembleia da República ou coincidam
eleições legislativas, sendo eleito um novo presidente, as funções do presidente
interino cessam e o cargo passa para as mãos do novo presidente parlamentar.
O Chefe de Estado interino encontra-se proibido de dissolver o Parlamento, fazer
referendos, nomear membros do Conselho de Estado e do Conselho Superior da
Magistratura.
A chefia de Estado por um Presidente Interino é, desta forma, um período de forte
pendor governamental ou parlamentar, para o sistema político.

Prerrogativas presidenciais
O Presidente exerce funções políticas de Direção e Controlo.

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Os poderes de Direção prendem-se com a nomeação de pessoas para o exercício


de cargos, a faculdade de exprimir diretrizes ou a dissolução de órgãos políticos.
Já os atos de controlo envolvem faculdades de escrutínio, de vigilância e de
impedimento sobre a conduta e o funcionamento dos outros órgãos e respetivos
titulares

Poderes de direção política respeitantes aos órgãos de soberania

Governo

A) Nomeação do Primeiro-Ministro
A CRP regula juridicamente o procedimento de formação do Governo a partir do
momento em que o Presidente nomeia, por decreto, o Primeiro-ministro (alínea
f) do artigo 133º).
Antes da nomeação, A Constituição só se reporta à audição formal dos partidos
representados no Parlamento, que logicamente deve anteceder a aprovação do
decreto de nomeação do Chefe de Governo. Dado que a referida nomeação deve
ter em conta resultados eleitorais, a mesma converte-se num ato jurídico de
exercício politicamente condicionado, dependente de um circunstancialismo
fático (faz sentido auscultar os partidos com representação, dos quais depende a
viabilidade de formação de um Governo estável).
O Presidente assume, assim, funções de condução e preparação informais
relativas à escolha do Primeiro-Ministro, que funciona como instrumento do
poder de nomeação.
A competência preparatória remete para a necessidade de ser aprovado um
decreto de nomeação, sobretudo em casos de maior dispersão representação
parlamentar.

A Indigitação como Primeiro-Ministro do líder do partido ou da coligação pré-


eleitoral mais votada:
A prática da indigitação resulta de um uso de caráter ritual que se torna
instrumentalmente necessário, especialmente quando ocorrem cenários de maior
dispersão da representação parlamentar, uma vez que o Chefe de Estado não
deve nomear, sem mais não, o Chefe de Governo, após uma mera audição dos
partidos.
Nada obriga, no entanto, a que o Presidente da República se atenha no
procedimento preparatório de nomeação do Primeiro-Ministro às práticas
existentes, podendo adotar novos tipos de diligências que, no seu entendimento,
resolvam com maior eficácia uma situação complexa que careça de solução
adequada.

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Tanto os usos como as práticas constitucionais que sirvam de preparação para a


nomeação do Chefe de Governo são desprovidas de eficácia jurídica, o que não
implica que não assumam um alcance político expressivo. Sendo o Presidente o
órgão responsável pelo impulso do processo de nomeação do Governo e
corresponsável pela composição do Executivo, regista-se que iniciativas informais
defeituosas, que desrespeitam a escolha do eleitorado ou que comprometam o
regular funcionamento das instituições, podem repercutir-se negativamente
sobre o presidente, através da censura de uma parte do arco partidário
democrático, ou da opinião pública.
Dada a exiguidade do prazo dado pela Constituição para a apresentação do
Programa do Governo, todo o período de diligências preparatórias que antecede
a nomeação do Chefe do Executivo e dos seus restantes membros revela-se
crucial para que o partido ou coligação possam preparar, em tempo útil, as linhas
de força do Programa, bem como a orgânica governativa.
Por isso, parte da doutrina entende que as práticas informais permitem contornar
a exiguidade do prazo de apresentação do Programa que se segue à nomeação,
possibilitando um acréscimo temporal para a sua preparação.
O Presidente da República não deve proceder à audição formal dos partidos nem
à nomeação do Primeiro-Ministro antes da data de publicação dos resultados
eleitorais. Este período pode atingir o prazo máximo de vinte dias. Dentro deste
espaço temporal, nada inibe o Presidente de tomar providências instrumentais
necessárias para a escolha do Primeiro Ministro e a composição do Governo.
Existe uma prática reiterada, nos termos da qual, o Presidente, quando opta pela
indigitação, convoca nos dias subsequentes à realização do ato eleitoral, o líder
ou líderes do Partido ou coligação que tenha elegido o maior número de
mandatos, e convida essa formação a nomear um Primeiro Ministro que será
indigitado para formar um governo maioritário. No caso de o Primeiro Ministro
indigitado comunicar a sua impossibilidade de formar um novo Executivo
maioritário, o Presidente dispõe da faculdade de optar por outras combinações
partidárias consonantes com a representatividade parlamentar.
Excluindo os governos de iniciativa presidencial, o Presidente da República
sempre nomearam Primeiro-Ministro o líder do partido ou da coligação pré-
eleitoral com o maior número de mandatos na Assembleia da República, mesmo
quando a referida formação não dispunha da maioria absoluta.
Quando não há maioria, o Presidente detém alguma margem de manobra para
escolher o Chefe de Governo em função da interpretação por ele feita dos
resultados eleitorais expressos em mandatos.
Não há precedentes de um líder de uma força política que tenha sido derrotada
eleitoralmente ter sido, logo após o ato eleitoral, indigitado para formar Governo,

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mas tal não impede o Presidente de quebrar essa convenção, com os custos
políticos inerentes, se achar necessário.
2015: a coligação PSD/CDS não alcança a maioria mas o Presidente Cavaco Silva
cumpriu com a prática constitucional de nomear o líder do partido com mais
mandatos, pese o facto de presumir que o novo Governo formado correria um
grande risco de ser demitido pelo Parlamento, como veio a acontecer.
A nomeação do Primeiro Ministro é um ato jurídico-político de competência
própria e pessoal, cuja discricionariedade é limitado nos termos do nº1 do artº
187 da CRP, pelas condicionantes: audição prévia dos partidos representados no
Parlamento, necessidade da nomeação ter em conta os resultados eleitorais.
A audição partidária não vincula o Presidente. O Presidente não tem de consultar
os partidos, pode limitar-se a ouvir.
O respeito pelos resultados eleitorais diz respeito à responsabilidade política do
Governo perante o Parlamento – o Governo deve estar protegido contra
sucessivas inviabilizações do Parlamento. Quando o resultado eleitoral é
maioritário, há uma margem de manobra política menor para não nomear a
personalidade indicada pela força maioritária.
Num cenário de Parlamento fragmentado, o Presidente vê acrescidos os seus
poderes na formação do Governo.
No sistema semipresidencial, o Presidente não está vinculado a nomear um
Governo composto pelos partidos que perderam as eleições parlamentar, mesmo
que formam maioria no Parlamento.
Se o Primeiro-Ministro indigitado não tiver sucesso na formação do Governo ou
se o Governo nomeado pelo Presidente for demitido por força da reprovação do
seu programa ou por uma moção de censura, nada obsta que o Presidente o
indigite de novo para formar um Executivo diferente ou, em alternativa, indigite
o líder do segundo partido mais votado para formar um novo Governo.
Esta segunda variante ocorreu precisamente em 2015, com a indigitação de
António Costa, após a reprovação do Programa do II Governo de Passos Coelho.
O Presidente pode ainda, nos casos em que no Parlamento não exista base
consistente para a formação de um Governo, designar um executivo técnico da
sua iniciativa com vigência transitória, cuja viabilidade está dependente da
aceitação da maioria parlamentar.
Na data de posse do Primeiro-Ministro nomeado, o Presidente exonera o
Primeiro-Ministro do Governo que cessa funções (artº186, nº4), o que assegura a
continuidade da atividade do Estado.

A designação de governos de iniciativa presidencial

Razão de Ordem

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2017/2018 Inês Bastos

Não se encontra prevista expressamente na Constituição a designação de


Governos de iniciativa presidencial, mas esta decorre da função do Presidente da
nomeação do Primeiro-Ministro.
Embora alguns dirigentes políticos tenham entendido (como foi o caso de Cavaco
Silva) que depois da revisão de 1982 deixou de fazer sentido a constituição de
governos desta natureza, outros (como Mário Soares) entenderem que, no auge
da crise política de 2013, o Chefe de Estado devia demitir o Governo de então,
sustentado numa maioria parlamentar absoluta, e formar outro de sua iniciativa.
No universo do Direito público predomina o entendimento geral, segundo o qual
o Presidente pode nomear governos de sua iniciativa, em situações
extraordinárias ou excecionais, quando não é possível constituir um Executivo
emanado da representação parlamentar.
Pode defender-se que a Constituição de 1982, ao suprimir a responsabilidade
político do Governo ante o Presidente, estaria a pôr termo à possibilidade da
formação de um Governo de iniciativa presidencial.
A prática consolidada demonstra que desde 1979 não se registou nenhum
Executivo de natureza presidencial, devido ao balanço político-institucional
pouco positivo deste tipo de governos, a clara atenuação do papel do Presidente
da República no sistema político e a não conceção do Presidente como um dos
pilares do executivo (que, por sinal, vigora em França).
Numa perspetiva de defesa do poder presidencial de formação de Governos de
sua iniciativa, entende-se que a Constituição, associada ao sistema
semipresidencialista, não veda ao Presidente, em circunstâncias extraordinárias, a
faculdade de nomear governos, embora na base de um paradigma mais restrito
do que o previsto na Constituição de 1976 (esta é a posição do Regente). O novo
paradigma é o de risco do regular funcionamento das instituições democráticas,
de que o Presidente é garante, nos termos do artigo 120º da CRP.
Assim como é possível para o Presidente da República demitir o Governo em
situações de crise, e sendo o poder de demissão a face inversa do poder de
nomeação do mesmo órgão, é possível defender que existem situações atípicas
que podem justificar que seja o Chefe de Estado a assumir a iniciativa e o
protagonismo da constituição do Executivo. Toma-se como referência a norma
do nº2 do artº 195, conjugada com o nº1 do artº 187 da CRP.
Estas situações de crise podem estar ligadas a eventuais declarações de estados
de sítio e emergência (artº 19º), ou ainda estado de guerra. Estas situações não
implicam necessariamente a constituição de governos de iniciativa presidencial,
contudo essa opção pode ter-se como justificada. Outra situação em que esta
opção política é justificável prende-se com a necessidade de garantir o
funcionamento do Executivo, volvida a prévia demissão do Governo, em casos
em que não é possível formar em tempo razoável um novo, garantir novas

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Regência do Senhor Professor Doutor Carlos Blanco de Morais Ano 1, TB
2017/2018 Inês Bastos

eleições legislativas ou dissolver o Parlamento a curto prazo e a necessidade de


tomar medidas inadiáveis para a solvabilidade financeira ou para a garantia da
ordem pública. Uma última hipótese prende-se com a necessidade de preparar
eleições livres e transparentes quando o Executivo, pela sua conduta, não
manifesta garantia de que o ato eleitoral ocorra com normalidade.
Os governos de iniciativa presidencial podem ter um sentido impróprio ou
indireto, ou próprio. Na primeira vertente, o Presidente toma a iniciativa de
impulsionar e viabilizar a formação de um Governo, ao abrigo da sua magistratura
de influências, sem que, no entanto, assuma responsabilidade política direta
sobre o mesmo. Este tipo de governos, por não envolver diretamente a
responsabilidade do chefe de estado, repousam no apoio ou simplesmente na
não oposição parlamentar, podendo ter uma duração indefinida no decurso da
legislatura.
No caso de governos de iniciativa presidencial em sentido próprio, o Presidente
assume o papel institucional de formador de solução governativa, e garante a sua
subsistência, que é de caráter transitório e de curta duração. Estando, no entanto,
limitado pelos resultados eleitorais, o Chefe de Estado deve abster-se de nomear
governos que mereçam a desconfiança explícita e notória da maioria parlamentar,
ou que integrem personalidades afetas a partidos minoritários.

B) Nomeação e exoneração dos restantes membros do Governo


O Presidente nomeia e exonera os membros de Governo sob proposta do
Primeiro Ministro (artº 133 alínea h) e nº2 do artº 187) – trata-se de um poder
partilhado com o chefe de Governo, que detém iniciativa.
O Presidente não pode nomear ou demitir membros do Executivo por vontade
própria.
A par deste facto, existe uma prática consolidada no sentido de a formação do
Governo decorrer de um poder de organização governamental do Primeiro-
Ministro, que chefia o governo, coordena a ação dos ministros e dirige a sua
política geral e funcionamento.
Ainda assim, o Chefe de Estado pode condicionar, pontualmente a composição
do Executivo.
Em casos de coligação heterogénea, a celebração de um acordo formal de
governação minimamente estável e consistente entre os partidos, ou a fixação de
critérios preclusivos do acesso de militantes de certos partidos não democráticos
a determinadas pastas de soberania, constituem hipóteses possíveis de limitação,
que cabem na esfera do Presidente da República.
Existem precedentes deste tipo de limitação, nomeadamente os
condicionamentos do Presidente Sampaio ao Governo de Santana Lopes quanto
a escolhas ministeriais.

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Regência do Senhor Professor Doutor Carlos Blanco de Morais Ano 1, TB
2017/2018 Inês Bastos

Observe-se que se o Presidente em Portugal dispõe de uma maior margem de


veto no que tange a propostas relativas a membros do Governo em executivos
minoritários em formação ou em executivos maioritários que se remodelem a
meio ou perto do termo da legislatura, a sua margem de atuação estreita-se
perante Governos suportados por uma maioria parlamentar absoluta, em início
de legislatura. Se um Primeiro-Ministro indigitado e fortemente apoiado, insistir
na nomeação de certos titulares e recusar formar governo sem essas nomeações,
o Presidente seria responsabilizado por gerar uma grave crise política que
deixaria o País sem governo, na medida em que não disporia de soluções
alternativas credíveis e democráticas em relação à formação do Executivo.
Em suma, pese o facto de o Presidente dever observar a vontade do Primeiro-
Ministro, o Chefe de Estado dispõe da faculdade, por razões de Estado presas à
salvaguarda da legalidade e da ordem constitucional democrática, de recusar a
nomeação proposta, em certas circunstâncias. Estas têm de se fundar em razões
graves e extremas.
- O Presidente Mário Soares recusou nomear Fernando Nogueira por razões
meramente políticas, presas à aproximação do termo do mandato do Executivo,
o que abriu um precedente arbitrário de denegação de uma proposta do
Primeiro-Ministro quanto a uma remodelação arbitral.

C) Demissão do Governo por iniciativa presidencial

Desde a revisão de 1982 que o Presidente se encontra condicionado no exercício


da sua prerrogativa de demissão do Governo. O decreto de demissão só pode ser
aprovado caso tal “se torne necessário para assegurar o regular funcionamento
das instituições democráticas”, após ser ouvido o Conselho de Estado (nº2 do
artigo 195º da CRP). Só nos casos em que para garantir a normalidade no
funcionamento das instituições soberanas, outras medidas alternativas se
revelem insuficientes, onerosas ou inaptas, e a opção pela demissão se revele
indispensável.
Ex: situações de guerra, tentativa de golpe de Estado, incapacidade do Governo
de aplicar leis e as fazer cumprir; prática de atos do Governo contrários à
Constituição; enfrentamento ostensivo com o Presidente da República e
desrespeito pelo seu estatuto, com quebras sérias de lealdade institucional,
nomeadamente omissão sistemática do dever de informação; acusações penais
ao chefe de governo ou a um número significativo de membros; rotura de uma
coligação sem que o primeiro-ministro submeta um voto de confiança ao
Parlamento, se neste ficar privado de uma maioria absoluta.
Por vezes a dissolução parlamentar pode não ser suficiente, em casos em que o
Presidente considere imprescindível a nomeação de um governo independente

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para garantir eleições justas ou evitar situações irremediáveis. A recusa de um


resgate financeiro indispensável para evitar a insolvência do País é, por exemplo,
um caso que justifica a demissão do Governo.
O decreto de demissão deve ser cabalmente fundamentado. Está-se diante de
um ato político que, como tal, é inimpugnável perante o Tribunal Constitucional.
No limite, o Presidente pode conseguir a demissão do Governo mesmo que o
Conselho do Estado e a opinião pública contrariem esta decisão. O Presidente é
o único juiz de verificação dos critérios do instituto de demissão, e só pode ser
sancionado através de contestação, deslegitimação ou, no limite, pode ser feita
uma revisão constitucional que no futuro prive o Presidente dessa faculdade.
Na realidade, a aceitação do ato de demissão fora do contexto social depende
dos efeitos que o impacto causar. Se as novas eleições gerassem um novo
Executivo afeiçoado ao Presidente e suportado por uma maioria, abrir-se-ia um
precedente para uma nova prática derrogatória dos critérios excecionais.

D) Aceitação ou recusa do pedido de demissão do Primeiro Ministro


A demissão do Primeiro Ministro implica a demissão do Governo, e tem de ser
aceite pelo Presidente da República, nos termos do nº1 do artigo 195º da
Constituição da República Portuguesa. O preceito confere, portanto, margem
política ao Presidente para recusar o pedido de demissão, do que decorrerá a
continuidade do Executivo em funções.
Nunca se verificou nenhum pedido de demissão que tivesse sido rejeitado pelo
Chefe de Estado, pelo menos desde o fim do Estado Novo.
No contexto de crise de 2010, após reprovação do PEC IV, tal foi ponderado, de
forma a conseguir responsabilizar o governo de Sócrates pela crise financeira de
excecional gravidade em que tinha deixado o país, de modo a evitar que utilizasse
a demissão e o “status” do Governo em gestão como pretexto para não solicitar
um resgate financeiro.
Ou seja, o pedido voluntário de demissão está sujeito a aceitação, que pode não
ocorrer, em casos em que os membros do Governo não estejam habilitados a
abandonarem funções sob pena de responsabilização penal pela prática de um
crime. Neste sentido, não é possível aceitar que a reiteração de um pedido de
demissão se equipara à renúncia do próprio Presidente ou à de qualquer outro
deputado.
A renúncia, para além de dizer respeito a órgãos direta ou indiretamente eleitos
por voto popular, o que não é o caso do Governo, não se ajusta no plano
substancial e orgânico ao tipo de relação entre o PR e o Primeiro Ministro, a qual
se funda num principio de responsabilidade institucional (artº 191º).

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Por último, a demissão é sindicável junto do Tribunal Constitucional. Se o


Presidente não aceitar a demissão, os membros do governo não podem deixar
de exercer funções.
Apesar de tudo isto, é lógico que o Presidente da República careceria de
legitimação política para, continuadamente, negar os pedidos de demissão do
Primeiro-Ministro, se desse pedido não advierem impactos políticos ou
financeiros agravados. E mesmo nesses casos, o Presidente pode utilizar meios
de solução alternativos que não envolvam a manutenção em funções de um
Governo forçado. Um Governo nestes moldes constrangeria o Executivo. O Chefe
de Estado deve, no limite, exigir a continuidade do exercício de funções por um
período razoável ditado por fatores objetivos (data de início de funções de um
novo Presidente, necessidade de atalhar a uma situação catastrófica, crise
financeira).

E) Presidência do Conselho de Ministros mediante convite

Trata-se de um poder não ordinário de direção política do Presidente que a


prática converteu num exercício essencialmente episódico e de cortesia e que
raras vezes foi utilizado. O facto de ocorrer não por direito próprio, mas por
convite reforça a ideia que é o Governo que lidera, efetivamente, o Executivo.
O Presidente, em Conselho, preside formalmente à reunião, sem prejuízo de ser
o Primeiro Ministro a coordenar trabalhos. Contudo, se a sessão for de natureza
emergencial, é justificável que seja o presidente da república a coordená-los, caso
o Primeiro Ministro não tenha força suficiente para impor medidas ou caso esteja
ausentado do território nacional.
O Chefe de Estado não está inibido de votar nas sessões de conselho, uma vez
que integra o órgão a título extraordinário.

Poderes Presidenciais respeitantes à Assembleia da República

Apesar do parlamento e do Presidente serem órgãos autónomos que não


guardam responsabilidade política entre si, o Presidente detém, perante o
Parlamento, uma posição de proeminência política estatuária, que se justifica pelo
caráter do veto suspensivo sobre leis, pela dissolução livre da Assembleia da
República, pela capacidade de a convocar extraordinariamente, sem que esta
disponha de faculdades semelhantes.

A) Dissolução da Assembleia da República

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O Presidente detém a faculdade de dissolução da Assembleia da República, após


ouvir os partidos nela representados, bem como o Conselho de Estado, não
assumindo o parecer deste órgão um caráter vinculativo para o Presidente
quanto à conduta a adotar (artº 133 alínea e)). Ainda assim, uma decisão
presidencial tomada contra a vontade da maioria dos membros do Conselho é
uma medida enfraquecida, já que o Conselho de Estado é um órgão de consulta
do Presidente.
A dissolução encontra-se sujeita a um conjunto de limites circunstanciais e
temporais, de acordo com o nº1 e 2 do artigo 172º da CRP. O parlamento não
pode ser dissolvido durante estados de exceção nem durante os seis meses
posteriores à sua eleição, ou no último semestre do mandato do Presidente, sob
pena de inexistência jurídica do correspondente decreto.
Este artigo tem sido alvo de críticas, na medida em que foi concebido como um
limite compreensível ao intervencionismo excessivo do Presidente, mas que hoje
se apresenta como um fator de bloqueio do sistema que pode produzir impactos
negativos.
O sistema ganharia se o Presidente pudesse dissolver a Assembleia, exceto em
estado de exceção e nos dois meses subsequentes à eleição do Parlamento.
A dissolução parlamentar constitui a mais poderosa de todas as prerrogativas de
direção política do Presidente.
Observa-se, também, que apesar de ressaltar da letra da Constituição a
inexistência de limites jurídicos e políticos materiais para o exercício de atividades
do Presidente, esta função recebeu o estatuto de “bomba atómica” do sistema,
isto é, de último recurso destinado a solucionar crises complexas.
As dissoluções até hoje ocorreram com frágeis e esgotados governos de
coligação e não com governos assentes em maiorias fortes, de natureza
monopartidária e liderança monocrática – apesar disso o Presidente poderia ter
seguido um diferente percurso político.
E se a dissolução ocorrer fora do contexto de crise? Não se pode falar, se isso
acontecer, de desrespeito pela Constituição, não há sanção jurídica, mas sim uma
quebra na prática consolidada que se desvia do espírito do texto constitucional,
pois atribui um reforço imprevisto do poder presidencial. As consequências deste
ato dependerão do seu êxito ou inêxito político. A sanção poderá ser meramente
politica se a mesma maioria regressar reforçada após uma eleição antecipada.
Não é, contudo, admissível que a dissolução da Assembleia signifique a
dissolução do Governo.
Há algum debate reservado entre constitucionalistas, no sentido de questionar
se este poder do Presidente deveria ser limitado. Julga-se que o sistema ganharia
em estabilidade se se vedasse o exercício de poderes presidenciais de desgaste
e de dissipação arbitrária de maiorias sólidas que são um bem escasso, na medida

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em que garantem a governabilidade. As ameaças de dissolução constituem jogos


políticos geradores de trombos desnecessários na estabilidade governativa cuja
repetição cumpriria evitar.
Deste modo, num quadro de hipótese de revisão constitucional, no caso de
pontificar uma maioria parlamentar absoluta que apoie o Governo, num contexto
monopartidário ou de coligação formal, o Presidente só deveria dissolver se
estivesse em causa uma quebra relevante no regular funcionamento das
instituições, um risco sério para solvabilidade financeira do Estado, a
independência nacional ou a integridade territorial.

B) Marcação de eleições parlamentares

O Presidente dispõe da competência, nos termos da lei eleitoral, para marcar as


eleições para a Assembleia da República, nos termos da alínea b) do artigo 133º
d CRP. Esta competência é limitada, uma vez que o Chefe de Estado se encontra
vinculado à referida marcação dentro de balizas temporais previamente
estabelecidas.
No caso de eleições para nova legislatura, volvido o termo da anterior, as mesmas
realizam-se entre 14 de setembro e 14 de outubro, de acordo com o artigo 19º,
nº2, da lei eleitoral para a Assembleia, devendo o Presidente escolher uma data
entre este período.
No caso de dissolução e de eleições antecipadas, o decreto de dissolução deve-
se fazer acompanhar da decisão de marcação de novas eleições nos 60 dias
seguintes, com uma antecedência mínima de 55 dias de acordo com o artigo 19º
da lei eleitoral.
Ou seja, as eleições têm de coincidir no período de 60 dias mas a antecedência
mínima é de 55 dias e máxima de 60 dias (ficam 5 dias plausíveis para se
marcarem eleições).

C) Convocação extraordinária da Assembleia da República

É uma competência prevista na línea c) do artigo 133º e no número 4 do artigo


174º da CRP, acentuando a componente presidencial do sistema político.
A heteronomia presidencial na convocação do Parlamento, associado a contextos
extraordinários, acentuam o caráter urgente e necessário do ato presidencial. Se
o Parlamento deliberar e aprovar atos legislativos sobre matérias estranhas à
convocatória pode ser suscitada a inconstitucionalidade, por violação do nº4 do
artigo 174º da CRP.
Se o Presidente se afastar dos imperativos de necessidade e urgência,
banalizando a convocação da Assembleia, considera-se que o Parlamento tem

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direito a esvaziar o ato, não comparecendo na sessão e prejudicando a tomada


de deliberações, ou encurtando o período de trabalhos.

Poderes respeitantes a outros órgãos constitucionais

A) Poderes presidenciais autónomos

Órgãos de governo próprio das regiões autónomas:


O Presidente detém a faculdade do poder de dissolução de assembleias
legislativas regionais, após ouvir o conselho de estado e os partidos nela
representados. Os condicionamentos são os mesmos da Assembleia da República,
no entanto a demissão da assembleia regional acarreta a demissão do Governo.
Compete ainda ao Presidente marcar as eleições para as assembleias legislativas
regionais

B) Representantes da República
O Presidente, na qualidade de garante da unidade do Estado, tem competência
para nomear e exonerar os representantes da República nas regiões autónomas,
ouvido o Governo, cujo parecer não é vinculativo. Os representantes são figuras
comissariais com funções representativas da República. Trata-se de um reforço
do poder presidencial, já que este detém exclusividade na nomeação. A revisão
de 2008 do Estatuto da RGA dos Açores tentou limitar este poder, sujeito a
decisão à audição prévia das assembleias regionais, o que criaria uma situação
insustentável em caso do parecer desfavorável desses órgãos. A norma foi
considerada inconstitucional por violar o artigo 112º, nº2 da CRP.

C) Conselho de Estado
Trata-se de um órgão de aconselhamento do Presidente da República que se
pode pronunciar sobre os assuntos que lhe foram submetidos pelo Presidente
(alínea e) do artigo 145º): dissolução da Assembleia e parlamentos regionais;
demissão do Governo por iniciativa do presidente; declaração de guerra e feitura
de paz; atos do presidente interino.
Em nenhum caso o seu parecer vincula o Presidente. Caba a este convocar o
órgão e conduzir as atividades, designando 5 cidadãos para o mesmo Conselho,
que é composto por: Presidente do Parlamento, Primeiro-Ministro, Presidente do
Tribunal Constitucional, Provedor de Justiça, presidentes dos governos regionais,
antigos Presidentes eleitos na vigência da Constituição e não destituídos do caro,
bem como 5 cidadãos eleitos pelo Parlamento – artigo 142º.
Os membros do Conselho são inamovíveis enquanto exercerem o cargo principal
e os que tiverem sido eleitos pelo Parlamento permanecem em funções enquanto

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durar a legislatura, não podendo ser destituídos pela Assembleia. O Presidente


não pode demitir os membros, mas se lhes for retirada confiança, os mesmos
devem renunciar.

Poderes partilhados na designação de titulares de órgãos

Relativos à nomeação de órgãos constitucionais e administrativos, nas quais


conflui o Governo como proponente necessário dessa designação e o Presidente
como órgão competente para a tomada de decisão. Têm lugar quando existe
necessidade de combinar vertentes específicas do estatuto do Presidente, como
o seu perfil representativo dos cidadãos.
• Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas e chedes dos estados-
maiores dos ramos:
O PR exerce este poder no seu estatuto de comandante supremo das FA,
E O Governo como centro institucional responsável pelo exercício de
poderes de hierarquia sobre a Administração militar do artº 199 da CRP.
O Presidente nomeia e exonera sob proposta do Governo. Os membros
do alto comando devem gozar simultaneamente da confiança do Governo
e do Presidente. Se o Presidente perder a confiança num chefe militar, o
Governo propõe a sua demissão.
De forma a evitar tensões políticas resultantes da recusa de nomeação do
Presidente, instaurou-se a praxe do Governo apresentar mais do que uma
proposta.
• Procurador-Geral da República.
O Presidente procede à nomeação sob proposta do Governo. O cargo é
de 6 anos – presidência da Procuradoria-Geral da República, órgão
superior do Ministério Público, do artº 133 da CRP.
Este processo visa garantir a autonomia do Ministério Público face ao
Governo, sem que se crie um quadro completo de independência, o que
aconteceria se a proposta fosse formulada pelo Conselho Superior do
Ministério Público. Pode ser exonerado nos termos da nomeação, apesar
desta situação não ter precedentes.
A prática revela uma governamentalização do processo, associado ao
poder de bloqueio do Presidente, que se tem sentido recentemente,
através de recusas formais de diversas candidaturas.
• Presidente do Tribunal de Contas
Tratando-se de um órgão de função jurisdicional, pautado por requisitos
constitucionais de independência, não é entendível a competência
partilhada.

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O Tribunal de Contas possui competências ligadas a um controlo de boa


gestão financeira, consultivas e inspetivas.
• Embaixadores e enviados extraordinários
A competência partilhada radica no papel de representante da República
do Presidente, no plano interno e externo, e o Governo que conduz a
política externa do país.
O Chefe de Estado tem uma palavra a dizer, fazendo contrapostas de
colocações, sugestões sobre as mesmas e “vetando” nomeações que
podem impedir, durante um certo tempo, o estabelecimento de relações
diplomáticas entre dois países a nível de embaixador.

Poderes de controlo sobre atos emanados de outros órgãos

A) Promulgação e veto de atos legislativos do Parlamento e do Governo

A promulgação de leis, decretos-leis e decretos regulamentares pelo Presidente


é condição de existência jurídicas dos correspondentes atos. Trata-se de um
controlo presidencial sobre o mérito dos referidos diplomas.
Se o Presidente decidir promulgar, o diploma é sujeito a referenda ministerial, um
ato de prática certificatória, e seguidamente enviado para promulgação. Esta
promulgação significa a ausência de razões que justifiquem uma oposição ao ato.
Se o Presidente decidir vetar, o Chefe de Estado exprime um poder de
impedimento que traduz a sua discordância sobre o diploma.
O veto tem eficácia absoluta sobre os decretos-leis e decretos regulamentares do
Governo, o que significa que o Executivo ou desiste do diploma ou reformula, ou
apresenta uma proposta de lei com o mesmo teor, devido ao caráter suspensivo
do voto presidencial sobre legislação parlamentar.
Em relação ao veto presidencial sobre legislação parlamentar:
- o veto da regra fixada para a generalidade dos decretos enviados ao Presidente
pode ser revertido ou superado perante confirmação do diploma por maioria
absoluta dos deputados efetivos (artigo 136º, nº2)
- o veto qualificado, sobre regras especiais aplicáveis a leis orgânicas, leis sobre
relações externas, relativas limites entre setores económicos e regulação legal dos
atos eleitorais previstos na Constituição, pode ser superado por maioria híper-
agravada de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria
absoluta dos efetivos (nº3 do 136º).
O Presidente, em caso de superação do veto, deve promulgar o diploma no caso
de 8 dias.
Se o Presidente duvidar da constitucionalidade da regra deve impugnar o
diploma junto do Tribunal Constitucional.

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Em face dos restantes Chefes de Estado de países europeus, o Presidente da


República dispõe de um forte poder de impedimento, atentas as maiorias
reforçadas de superação, com especial relevo para o veto-qualificado.

B) Ratificação e assinatura de convenções internacionais


O Presidente pode ratificar tratados aprovados pelo Parlamento, como forma de
controlo político (artigo 135º) e assinar acordos internacionais, aprovados pelo
Parlamento e pelo Governo.
A constituição não prevê o poder de recuso de ratificação e assinatura, mas essa
faculdade é tacitamente admitida, porque no artigo 137º se fero com inexistência
jurídica os diplomas não assinados pelo Presidente.
A recusa de assinatura equivale a um veto absoluto sobre a convenção.
O presidente não está limitado por nenhum prazo para ratificar ou assinar
convenções o que propicia um virtual poder de retardamento na expressão de
consentimento do Estado português.

C) Promoção do controlo da Constitucionalidade


Faculdade de promover junto do Tribunal Constitucional a fiscalização da
conformidade das normas jurídicas com a Constituição, prerrogativa da sua
função de regulador do normal funcionamento das instituições democráticas e
do seu juramento de posse, no qual se compromete a cumprir fazer a
Constituição.

Poderes relativos à garantia da integridade soberana da República e à defesa do


Estado

A) Poderes de exceção e faculdades ligadas à segurança nacional


partilhadas com o Parlamente e o Governo

A declaração de estado de sítio e estado de emergência constitui um poder


excecional de necessidade pública. O Presidente, como garante da unidade do
Estado e do regular funcionamento das instituições, é o órgão competente para
declarar estes dois estados de necessidade pública, devendo ter em conta limites
de proporcionalidade cabendo ao Presidente avaliar a gravidade das situações.
O decreto presidencial assume natureza normativa, mas não vale por si só, por
carecer de parecer obrigatório do Governo e da autorização da Assembleia da
República, sem o qual é inexistente (artigo 138º).
É um poder partilhado com o Parlamento relativamente ao qual o Presidente
detém poder de iniciativa e o Parlamento um poder de autorização do mesmo.

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B) Poderes próprios relativos ao Segredo de Estado


Nos termos do nº2 do artº3 e 4º da Lei do Segredo de Estado, o Presidente é
exclusivamente competente para classificar e desclassificar documentos e
informações crismados como segredo do estado.

C) Considerações sobre os poderes inerentes à função de Comandante


Supremo das Forças Armadas
Como fator de unidade do Estado, o Presidente tem a faculdade de ocupar o
primeiro lugar na hierarquia das forças armadas. As principais funções
relacionam-se com a nomeação e exoneração dos membros do alto comando
militar, sob proposta do Governo, a declaração de estado de sítio (instituto que
envolve o emprego das forças armadas) e a declaração de Estado de Guerra. Por
outro lado, preside ao Conselho Superior de Defesa Nacional. Na medida em
que o país se encontre em estado de guerra, o Conselho exerce poderes
administrativos na condução do conflito, e o papel do Chefe de Estado é
reforçado.
Todavia, em caso de divergência entre Presidente e Executivo que envolva
poderes de autoridade sobre as forças armadas, estas estão exclusivamente
subordinadas à hierarquia do Governo como órgão superior da Administração
Pública, não estando as mesmas forças vinculadas a injunções do Chefe de Estado.

D) Poderes inerentes à função de representante do Estado, no âmbito


das relações internacionais

Convocações de atos referendários


Compete ao Presidente convocar referendos, sob proposta do Governo e do
Parlamento (com impulso interno ou mediante pré-iniciativa dos cidadãos) nos
termos do 115º. Porém, o Presidente pode vetar estas iniciativas.
O Chefe de Estado deve submeter as propostas a controlo preventivo da
constitucionalidade e legalidade pelo Tribunal Constitucional. Se for considerada
inconstitucional ou ilegal é obrigatoriamente devolvida pelo Chefe de Estado ao
poder proponente.
Se o resultado do referendo for positivo, a lei orgânica veda ao Presidente a
faculdade de vetar a lei que corporize este resultado, embora possa vetar
aditamentos. Em caso de ser reprovada, é-lhe proibida a promulgação.
A pré-iniciativa dos cidadãos é diminuída, uma vez que está sujeita a aprovação
da Assembleia da República.

A magistratura de influência

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Poder de influência é o poder desenvolvido pelo Chefe de Estado para induzir as


instituições à assunção positiva ou negativa de determinadas condutas, relativas
a questões constitucionais.
O poder de persuasão do Presidente transforma-se em pressão efetiva quando a
sugestão ou proposta presidencial se encontra conexa com a possibilidade ou
ameaça do uso de um poder de direção ou controlo. Na apreciação dos decretos-
leis ou decretos regulamentares, a possibilidade de aposição de um veto absoluto
ou de um pedido de controlo de constitucionalidade podem induzir o Governo a
retirar um diploma e a introduzir alterações.
Na nomeação de embaixadores, o risco do Presidente se recusar a nomear
representantes, condiciona a conduta do Governo.
O Presidente tem um papel mediador no sentido em que aproxima os partidos
do arco democrático para a viabilização de políticas essenciais na área da Justiça,
finanças, política externa e de defesa, etc. o Presidente pode gerir arbitragens
entre poderes regionais e autoridades soberanas (ex: Sócrates e o GRM).
Obrigações explícitas de comunicação e mensagem: a CRP impõe ao Presidente
a mensagem ou comunicação fundamentada, em casos de demissão do governo,
dissolução parlamentar, veto político, renúncia e autorização para ausência do
território.
Por outro lado, a Constituição atribui ao Presidente a faculdade de dirigir
mensagens à assembleia da república e aos parlamentos regionais, bem como
pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida do País.
O Presidente deve manter um dever de reserva, moderação e autocontrolo, pelo
seu perfil integrador da unidade do Estado que exige neutralidade, o que o
impede de fazer discursos divisivos ou contramaioritários.

Casos de sujeição do Presidente à Assembleia da República:


• Estados de exceção, ausências do território e impeachment.
Casos de sujeição do Presidente ao Governo:
• Referenda ministerial. Apresenta-se meramente como um ato notarial.
Nunca um ato presidencial foi objeto de recusa de referenda ministerial,
tratando-se de um ato certificatório- a recusa simbolizaria uma quebra no
funcionamento das instituições. Uma leitura “à letra” da Constituição
permitira ao Executivo denegar a referenda de modo a “vetar” leis
parlamentares já promulgadas pelo Presidente, o que tornaria o nosso
sistema mais semelhante ao semipresidencialismo atípico de chanceler.

A Assembleia da República como instância representativa, legiferante e


fiscalizadora

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Traços característicos da instituição parlamentar


• Artº 147- Assembleia da República como órgão parlamentar soberano da
República, representativo de todos os portugueses.
A Assembleia é composta por deputados eleitos por sufrágio universal, direto,
secreto e periódico (113º, nº1). Os deputados representam as principais correntes
políticas do país organizadas em partidos, os quais detêm o monopólio de
apresentação de candidaturas ao Parlamento (nº1, artº 151).
Apesar do Presidente ter uma função reguladora e de poder dissolver a
Assembleia, é esta que encarna a essência do regime democrático-representativo,
através da incorporação das opções mais significativas do eleitorado e não
apenas de uma maioria. Configura-se, pois, como fator indispensável para o
desenvolvimento estável dos trabalhos do Governo, na medida em que este
subsiste se beneficiar da confiança parlamentar.
A Assembleia da República define-se como:
• um órgão colegial (sendo composta por uma pluralidade de titulares que
decide mediante a tomada de deliberações por maioria dos votos)
• instituição unicameral (só compreende uma câmara representativa);
• órgão de natureza complexa, dado que se desdobra em vários órgãos,
nomeadamente no Plenário e em comissões;
• dotado de autonomia organizativa (dispõe da faculdade de regular a sua
composição, aprovar o seu regimento, e de se auto-organizar
administrativamente);
As competências da Assembleia estão previstas no 161º-166º, a Assembleia trata
da atividade política “stricto sensu” e legislativa, apenas exercendo competências
administrativas residuais com eficácia interna. (artigos 165º e 166º)
A Assembleia procura assumir-se no sistema político como órgão representativo,
legislativo, fiscalizador e eletivo.

Representação de todos os portugueses:


A Assembleia visa integrar nas bancadas parlamentares, as correntes doutrinais
ou ideológicas da sociedade portuguesa organizadas partidariamente e que
tenham obtido o número suficiente de votos para eleger os seus mandatários.
A representação na ordem constitucional portuguesa assume um conjunto de
características próprias: a exclusividade partidária na submissão de listas de
candidatos (51º/nº1) ; a proporcionalidade (288º, linha h); a garantia de quotas
de género (alínea h) do artº 9º e 109º); a proscrição de correntes políticas
“inimigas” da Constituição (artº 46, nº4); a valorização de correntes representadas
através da catalisação da atividade tribunícia, ou seja, através da discussão de
interesse nacional (168º, 174º, 177º, 174º, 176º, 180º); função integrativa de

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interesses económicos, sociais e culturais, através da atividade permanente dos


representantes eleitos.

A Assembleia da República como órgão de controlo e fiscalização política


A atividade de fiscalização passa por zelar pela observância de regras ou a adoção
de condutas politicamente exigíveis e adequadas. O Governo é politicamente
responsável perante a Assembleia (artº 190º), na medida em que entre os dois
órgãos se estabelece uma relação fiduciária.
• A composição parlamentar é a base da decisão presidencial para
nomeação do Primeiro Ministro;
• A Assembleia dispõe da faculdade de demitir o Governo, mediante a
rejeição do seu programa, de uma moção de confiança e aprovação de
moção de censura por maioria absoluta;
• O Parlamento aprecia o Programa de Governo, os decretos-lei do
Executivo para efeito de cessação de vigência e de alteração, confere ao
Governo autorizações legislativas;
• A Assembleia permite que o Governo contraia e conceda empréstimos,
aprova o Orçamento de Estado, aprecia a execução dos planos nacionais;
• Convoca sessões periódicas em que os membros do Governo estão
presentes para prestar esclarecimentos, podendo constituir comissões de
inquérito onde seja imposta a presença de membros do Executivo;
• Autoriza a detenção de membros do Executivo na sequência do
procedimento criminal e decide sobre a suspensão de funções destes;
• No plano externo, acompanha o processo de integração de Portugal na
U.E, pronuncia-se sobre matérias pendentes de decisão na U.E que
respeitem às suas competências e acompanha o envolvimento de
contingentes militares no exterior.

O Parlamento fiscaliza ainda o Presidente da República, autorizando as suas


deslocações ao exterior. Por fim, realiza inquéritos parlamentares e constitui
comissões para o efeito (nº2 do artigo 178º).

A Assembleia como órgão eletivo


A assembleia elege titulares de outros órgãos, nomeadamente órgãos de
soberania- 10 juízes do Tribunal Constitucional, Provedor de Justiça e Conselho
Superior da Magistratura, e autoridades administrativas independentes, não
mencionadas pela Constituição.

Composição, estatuto e mandato dos deputados e processo de decisão

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Composição:
A Assembleia da República é composta por deputados e por grupos
parlamentares em que os primeiros se agrupam, sempre que os partidos elegem
uma pluralidade determinada de mandatários.
O órgão parlamentar, de acordo com o 148º, tem um mínimo de 180 e máximo
de 230 deputados, nos termos da lei eleitoral. O número atual é 230. As normas
da lei orgânica eleitoral que fixam o número de deputados devem ser aprovadas
na especialidade por maioria de dois terços – 168º, nº6, alínea d).

Legislatura e mandato dos deputados:


A duração da legislatura é de 4 anos, compreendo quatro sessões legislativas de
um ano cada (artº 171). Em caso de dissolução, a Assembleia eleita tem um
período de duração que compreende o tempo de legislatura correspondente,
acrescido do período não completado da sessão legislativa em curso à data da
eleição.
O mandato dos deputados costuma coincidir com o tempo de legislatura: inicia-
se, nos termos do 153º, com a primeira reunião da Assembleia após eleições,
cessando com a primeira reunião após eleições subsequentes. O mesmo mandato
pode ser encurtado no caso de dissolução do órgão, morte, impossibilidade física
ou psíquica, renúncia e perda do mesmo mandato, nos termos do 160º.
As vagas são preenchidas pelo primeiro candidato não eleito e ainda não
chamado a desempenhar funções de deputado do mesmo partido que figure na
lista a que pertencia o deputado substituído.

Estatuto dos deputados


Artigo 156º e regimento parlamentar. As funções passam por:
- Apresentar projetos de revisão constitucional e de projetos de lei, regimento e
resolução, requerendo o respetivo agendamento;
- Participar nos debates parlamentares;
- Questionar o Governo sobre atos deste ou da Administração Pública;
- Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito (CPI);
A estes poderes acrescem-se os direitos e regalias previstos no 158º, e as
imunidades do 157º.
Os deputados estão sujeitos a um conjunto de inelegibilidades (circunstâncias
inibitórias da sua eleição), incompatibilidades (impossibilidade de acumulação do
mandato de deputado com outros cargos) e impedimentos, os quais devem ser
estabelecidos pela Constituição e pela lei parlamentar do artº 164º da CRP.

Processo de decisão parlamentar

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Como órgão colegial, a Assembleia delibera no disposto do artº 116º.


Deste modo, as deliberações são tomadas mediante a presença de mais de
metade dos deputados efetivos, apesar de, em certos casos, se exigir apenas o
quórum de um quinto.
Prevalece o critério da maioria simples, não se contam as abstenções para o
apuramento desta maioria.
Para certas deliberações, a Constituição exige a maioria qualificada: impeachment,
aprovação da lei de revisão constitucional, eleição de titulares dos órgãos
constitucionais (10 juízes para o Tribunal Constitucional, 5 membros para o
Conselho de Estado, Provedor de Justiça e membros dos Conselhos superiores
de magistratura, entre outros), para os quais se exige a aprovação por dois terços.
Ainda noutros casos, que se relacionam com as leis orgânicas, reversão do veto
presidencial simples e das moções de censura ao Governo que acarretem a sua
demissão, requer-se maioria absoluta dos deputados efetivos, nos termos do nº5,
artigo 168º, da CRP.
Cada deputado exerce o seu único voto presencialmente, e a votação assume
caráter obrigatório no caso de o mandatário estar presente. As votações podem
ser abertas ou secretas, através da votação nominal, voto eletrónico, permanência
de pé.
O PLENÁRIO DA
ASSEMBLEIA DA
REPÚBLICA
ASSEMBLEIA

O PRESIDENTE DA
ASSEMBLEIA

A MESA DA ASSEMBLEIA

COMISSÕES
PARLAMENTARES

Plenário – órgão deliberativo por excelência do Parlamento, fonte sub-


constitucional dos poderes dos restantes órgãos da Assembleia. É presidido pelo
Presidente da Assembleia da República, composto por deputados e assume a
representação dos cidadãos. Delibera sobre a aprovação de leis de revisão
constitucional, tratados, acordos internacionais de competência parlamentar, e as
restantes leis; aprecia os atos legislativos do Governo e das regiões; elege titulares
de outros órgãos.

Presidente da Assembleia – dirige os trabalhos, ocupa a segunda posição de


hierarquia do Estado, substituindo o PR em caso de vacatura do cargo ou
impedimentos transitórios (132º). É, por inerência, membro do Conselho de
Estado É eleito por maioria absoluta dos deputados efetivos reunidos em Plenário.

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Até 2015, pontificou uma convenção constitucional, nos termos da qual o


Presidente do Parlamento pertenceria ao partido mais votado ou integraria um
dos partidos da coligação que vencesse as eleições. No entanto, em 2015 é eleito
o candidato do segundo partido mais votado, do PS. O Presidente representa
externamente a Assembleia e ordena os trabalhos parlamentares (marca as
reuniões e estabelece a ordem do dia das sessões), promove a fiscalização da
inconstitucionalidade das normas; admite e rejeita iniciativas admitidas a
discussão; remete para as correspondentes comissões competentes, documentos
e petições.

A Mesa da Assembleia da República – presidida pelo Presidente da Assembleia,


presta-lhe auxílio no exercício de funções, elabora regulamentos internos e
declara a perda de mandato dos deputados. É composta por quatro vice-
presidentes eleitos sob proposta.

Comissões Parlamentares – órgãos cuja constituição é obrigatória (nº1 do 178º


e 179º). O Parlamento não pode funcionar sem o trabalho realizado em comissão,
na medida em que a atividade legislativa realizada na especialidade, a realização
de inquéritos e a consecução de audições são trabalhos feitos nas comissões
parlamentares, que têm uma vocação mais especializada e técnica. Existem 3
tipos de comissões: criadas pela Constituição, como a Comissão Permanente
prevista no 179º. A Comissão Permanente é uma espécie de Parlamento
miniaturizado, presidida pelo Presidente da Assembleia, quando composta por
deputados indicados pelos partidos, de acordo com a sua representatividade.
Funciona fora do período da Assembleia, quando esta se encontra dissolvida, por
exemplo. Substitui a Assembleia da República no desempenho de serviços
mínimos. As suas funções estão previstas no 179º, 3). É vedada à Comissão
Permanente a aprovação final de leis ou de Tratados.
Em segundo lugar existem as Comissões Permanentes criadas por regimento, nos
termos do artigo 178º.

Grupos Parlamentares – conjunto de deputados eleitos pelo mesmo partido;


integram comissões, organizam a atribuição do uso da palavra; dirigem e gerem
atividades de ação político-legislativa, para além da disciplina interna.

Parte da doutrina defende que os grupos parlamentares não são órgãos da


Assembleia da República, mas sim dos partidos políticos. Os partidos, sendo
associações privadas de relevância constitucional, detendo o exclusivo das
candidaturas ao Parlamento, veem a sua atividade regulamentada pela
Constituição, que criou, para o efeito, grupos parlamentares.

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Deste modo, sendo criados por normas jurídico-públicas e serem titulares de


garantias institucionais, os grupos parlamentares são de natureza pública, ao
contrário dos partidos. (artigo 180º)
Os grupos servem os partidos que, sendo privados, dispõe de capacidade de
autogoverno. No entanto, não são meros órgãos destes partidos, e integram a
organização interna da assembleia, visto que a este órgão de soberania não
funcionaria sem os grupos parlamentares.

Conferência de líderes – agrupa os presidentes dos grupos parlamentares e


destina-se a apoiar a atividade do Presidente da Assembleia na organização da
atividade parlamentar, marcando reuniões e estabelecendo a ordem do dia das
sessões.

Conferência dos Presidentes das Comissões Parlamentares – composta pelo


Presidente do Parlamento e pelos Presidentes das Comissões, acompanha a
atividade das Comissões.

Serviços Administrativos – dirigidos superiormente pelo Presidente,


compreendem o Conselho da Administração, o Secretário-Geral e auditoria
Jurídica.

Competências da Assembleia da República

No âmbito político, exerce atividades de direção e controlo, maioritariamente. No


contexto de direção, “stricto sensu” e orientação, a Assembleia aprova: atos
normativos da função politica, mediante a forma de resolução (aprova tratados e
acordos internacionais, normas regimentais, atos de cessação de eficácia de
decretos-leis); atos políticos confirmativos das suas deliberações, como a
afirmação de diplomas vetados pelo chefe de estado; atos de iniciativa normativa
(proposta referendária submetida ao PR).
A Assembleia adota também atos de orientação pragmática, contidas em moções
e resoluções.
Como órgão fiscalizador, a Assembleia marca reuniões periódicas para o
escrutínio da conduta do Governo, audições em comissão, entre outras, para além
da fiscalização da constitucionalidade de atos normativos.
A Assembleia pode constituir comissões parlamentares eventuais de inquérito,
quando requeridas por 1/5 de deputados.
Em Portugal, é efetivamente o Executivo que efetua a grande maioria da atividade
legislativa, no entanto, não se pode dizer que o Governo detenha o primado da
atividade, mas sim a centralidade. A primazia traduz-se no poder de deliberar

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sobre as matérias mais importantes, aprovar leis importantes, controlar o


exercício da função legislativa de outros órgãos, etc. É o Parlamento que detém
a última palavra.
A Assembleia da República exerce dois tipos de competências legislativas:
concorrenciais e reservadas.
As concorrenciais estão previstas na alínea c) do artigo 161º. As reservadas são
as que apenas dizem respeito à Assembleia da República, e a mais nenhum órgão.
Distingue-se ainda a reserva absoluta (164º) da reserva relativa. Na reserva
relativa, a Assembleia pode permitir que o Governo legisle, bem como os
parlamentos regionais.

O Governo

Centro de impulsão e direção político-legislativa e estrutura de cúpula da


Administração Pública
Sendo nomeado por um órgão diretamente eleito, o Presidente da República,
através da composição de outro órgão legislativo, o Parlamento (nº1, 187º), e
apesar da dupla responsabilidade perante estes dois órgãos, o Governo constitui
a instituição central do sistema político português – artigo 182º e 198º: conduz a
política geral e administração, é centro do poder legislativo.
O Governo detém o poder de orientação relativamente a todas as opções
políticas e programáticas fundamentais do Estado.
Artigo 197º - o Governo traça as linhas fundamentais da política nacional,
condensadas no Programa de Governo e nas propostas de lei relativas às grandes
opções dos planos e ao Orçamento de Estado, bem como a política externa, de
defesa e de segurança interna e conceber e executar a política financeira, em
articulação com as instâncias competentes da União Europeia.
Dirige a administração direta do Estado, superintende a administração indireta e
tutela a autónoma, nos termos do artigo 199º, alínea d).

A faculdade de poder legislar diretamente fortalece o seu “status” como condutor


político, criador de normas.

Composição
Compõe o governo: o Primeiro-Ministro, Ministros, Secretários e subsecretários
do Estado, todos eles órgãos singulares e unipessoais – artigo 183º, nº1.
O Governo integra igualmente um órgão colegial, o Conselho de Ministros, que
opera como instância deliberativa das mais importantes normas e atos
governamentais – artigo 200º. A Constituição prevê a possibilidade de se criarem
conselhos de ministros especializados em razão da matéria, cuja competência é

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cometida por lei ou objeto de delegação pelo Conselho de Ministros – nº2 do


artigo 200º.

Nomeação do Primeiro Ministro e dos restantes membros do Governo


O Presidente nomeia o primeiro-ministro, após ouvir os partidos representados
no Parlamento e tendo em conta os resultados eleitorais – nº1 do 187º.
Compete ao Primeiro Ministro propor as restantes nomeações para o Governo –
alínea h) do 133º. Esta faculdade do Chefe de Estado é meramente certificatória,
já que a prática consolidada é de que uma recusa de nomeação deve ser fundada
na existência de fatores extraordinários que ponham em causa a estabilidade do
Estado. Recusas de nomeação fundadas em juízos de oportunidade política
devem ser tidas como abusivas e invasivas das competências organizativas e de
direção governamental do Primeiro-Ministro, que pode legitimamente demitir-
se ou recusar formar Governo, responsabilizando o Presidente por eclosão de
uma crise política.

Demissão do Governo
Depende nos termos dos nº1 e nº2 do artigo 195º da CRP.
- do próprio Governo e do Parlamento, quando o primeiro submete ao segundo
uma moção de confiança e esta é reprovada;
- do Primeiro Ministro, quando apresenta ao Presidente o seu pedido de
demissão e este o aceita, acarretando a demissão do Governo;
- do Parlamento, quando rejeita o Programa do Governo ou aprova uma moção
de censura por maioria absoluta dos deputados efetivos;
- do Presidente, quando está em causa o regular funcionamento das instituições,
ouvido o Conselho de Estado;
- de vicissitudes institucionais objetivas decorrentes do início de uma nova
legislatura;

Demissão de membros do Governo


A demissão de membros do Governo depende do Primeiro-Ministro, que propõe
a exoneração ao Presidente da República, que deve aprovar o decreto de
exoneração, já que uma eventual recusa consistira numa interferência direta do
Presidente no poder de direção política do Primeiro-Ministro e podia gerar a
demissão deste último e a do Governo.
O poder presidencial de recusar uma proposta de nomeação é mais aceite do
que a faculdade do mesmo se recusar a exonerar um membro. Uma recusa por
razões de simples oportunidade política pode por em causa o regular
funcionamento das instituições por ação do próprio Presidente.

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Início termo e suspensão de funções


As funções do Primeiro-Ministro iniciam-se com a sua posse e cessam com a sua
exoneração pelo Chefe de Estado – nº1 do artº 186º. Sendo o primeiro exonerado,
em caso de demissão do Governo, na data de posse do novo Primeiro-Ministro
(nº4). As funções dos restantes membros do Governo coincidem com estes
momentos.
Mediante procedimento criminal contra um membro do Governo, e no caso de
acusação do mesmo, a Assembleia decide se o titular deve ou não ser suspenso,
sendo a suspensão obrigatória no caso de crime doloso a que corresponda pena
de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos – nº2 do artº 196º.

Estatuto e poderes dos membros do Governo

O Primeiro-Ministro
É nele que radica a força motriz da atividade do Governo que é o centro de
direção política do Estado – artº 201, nº1.
• Coordena a atividade dos membros do Executivo, através do
acompanhamento dos eixos reitores da política governativa (ministérios),
visando o cumprimento do respetivo Programa;
• Orientar individualmente a ação dos referidos membros do Executivo;
• Presidir ao Conselho de Ministros – artº 184, nº1, e coordenar o seu
processo deliberativo;
• Intervir na formação e composição do Executivo, ao propor a nomeação e
exoneração de membros;

As decisões do Conselho de Ministros são tradicionalmente tomadas por


consenso e esse consenso é induzido pelo Primeiro-Ministro, através dos seus
poderes de direção política geral, com especial relevo para a coordenação da
atividade ministerial. Está-lhe vedada juridicamente a faculdade de dar injunções
aos ministros, uma vez que estes são, nos termos da legislação orgânica,
autónomos no exercício de funções. No entanto, no cenário material, em caso de
desobediência, pode o Primeiro Ministro acionar os mecanismos necessários para
a substituição de um ministro (isto é dificultado quando o ministro em causa
integra outro partido, em casos de coligação).

Os Ministros e os Vice-Primeiros Ministros


Aos ministros é cometida a chefia de um departamento governamental,
designado de ministério, exercendo poderes de direção política e administrativa
sobre a atividade desenvolvida na correspondente área de atuação. Os Ministros

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integram o respetivo Conselho, representando o respetivo departamento junto


da Assembleia da República. São responsáveis perante o Primeiro-Ministro e
perante a Assembleia (191º nº2). Dispõe da faculdade de delegar nos secretários
e subsecretários do Estado competências.
177º, nº1- os ministros têm o direito de comparecer às reuniões plenárias do
Parlamento, podendo ser coadjuvados ou substituídos pelos Secretários de
Estado. Devem comparecer para responder a pedidos de esclarecimento e podem
solicitar a sua participação em comissões parlamentares.
Apesar do 1ºMinistro representar o governo, os ministros podem comparecer
perante o Presidente da República para lhe prestar informações e esclarecimentos
sobre a área departamental que dirigem.
A Constituição prevê a possível nomeação de no máximo dois Vice-Primeiros
Ministros, os quais integram o conselho de ministros e respondem perante o
Primeiro-Ministro e o Parlamento (nº2 do 191º). Ao existirem, podem
desempenhar funções honoríficas ou coadjuvar o Primeiro Ministro na
coordenação de áreas governativas.

Os secretários e subsecretários do Estado


Os secretários de estado não são titulares de uma competência determinada,
exercendo poderes funcionais resultantes da lei orgânica do Executivo ou
poderes delegados pelo Primeiro-Ministro ou pelo Ministro que coadjuvam,
respondendo perante estes – nº3 do 191º.
Os ministros não exercem poderes hierárquicos sobre os Secretários de Estado,
contudo, podem orientar e coordenar a sua atividade. Em caso de discordância,
o Ministro pode solicitar a substituição do secretário de estado ao Primeiro-
Ministro. Em caso de recusa, o Ministro dispõe da faculdade de revogar a
delegação de poderes no secretário de estado.
Os secretários de estado podem substituir os ministros no parlamento quando
estes se encontram ausentes (nº1, 185º) e participar no conselho de ministros,
mediante convocação do 1ºMinistro. A exoneração de um Ministro tem como
consequência a exoneração dos respetivos ministros.
Os subsecretários não podem substituir Ministros, mas nada impede que estes
substituam secretários – 191º, nº3.

Centro de Governo – complexo de pessoas, estruturas, técnicas, práticas, que, no


plano formal ou informal, assistem o Primeiro-Ministro na coordenação da
atividade governamental e no processo de comunicação da mensagem e da
imagem do Executivo.

1.3 Responsabilidade e Solidariedade governativa

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A. Observações gerias
-Na medida em que do programa do Governo constam “as principais orientações
politicas e medidas a adotar ou a propor nos diversos domínios da atividade
governamental”, os membros do Executivo estão vinculados ao mesmo programa
e à deliberação tomadas em Conselho de Ministros, deles não se podendo
publicamente dissociar. Nisto consiste a solidariedade expressa no art. 189º.
-Trata-se de uma refração do principio da responsabilidade politica global que
predica a coesão governativa e a liderança do Chefe do Governo. Dela decorre
que se verifica uma rotura nessa solidariedade, no caso de um ministro contestar
publicamente diretrizes ínsitas no programa do Governo ou, no caso de se ter
oposto a uma medida deliberada em Conselho e manifestar publicamente a sua
oposição à mesma.
-O art. 191º da CRP estabelece de responsabilidade interna e externa dos
membros do governo. Enquanto o PM é institucionalmente responsável perante
o PR e politicamente responsável perante a AR (nº1 do 191º).

2. Competências do Governo
-Sendo caracterizada pelo art. 182º como “órgão de condução da politica geral
do país” o Governo, em consonância com as competências constitucionais que
difluem dessas atribuições, é a instituição a quem compete programar e dirigir e
executar a politica do Estado.
-Atividade politica em sentido estrito (197º);
-Atividade legislativa (198º);
-Atividade administrativa (199º);

5.1 Competências Politicas em sentido estrito: a condução da politica nacional


Função politica em sentido estrito envolve o exercício de competências de
direção e de controlo;
-A direção politica implica a fixação de objetivos primários de ação politica estatal
e livre escolha das opções e os meios estimados como adequados para preencher
os mesmos objetivos;
-O referido poder politico de direção assenta num instrumento ase que é o
Programa de Governo. Este recolhe e concretiza as linhas programáticas
apresentadas no ultimo ato eleitoral pelo partido ou partidos que exercem o
poder, mediante “orientações politicas e medidas a adotar nos diversos domínios
da atividade governamental” (art. 188º).
-Caso seja proposta a sua votação e seja rejeitado, o Governo é demitido nos
termos da alínea d) do nº1 do art. 195º.
-O programa é por conseguinte não só um ato-condição para o exercício pleno
de funções governativas pelo Executivo, mas, igualmente, a sua bussola, devendo

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por exemplo, a nota justificativa que acompanha os diplomas legislativos


governamentais precisar se os mesmos são consonantes com o Programa do
Governo;
-Plano Politico: o desvio deve ser fundamentado com uma argumentação
convincente dado que implica um incumprimento de propostas eleitorais
consolidadas num documento de ação politica, mas o facto é que, se tal não
suceder ou a justificação for insuficiente, a responsabilidade do executivo pelo
incumprimento será politica: o Parlamento pode votar uma moção de censura,
setores populares ou sociais podem contestar o Executivo nas ruas e o eleitorado
pode penalizar o mesmo governo em tempo de eleições.
-como outras manifestações do poder de direção politico do governo cumpre
sublinhar, no abito do art 197º:
- NO PLANO EXTERNO, a negociação de convenções internacionais e a aprovação
de acordos internacionais (bem como a prática de atos jurídico unilaterais na
esfera do Direito Internacional;
- A aprovação de resoluções do Conselho de Ministro de conteúdo politico e
programático e as propostas de lei das grandes opções nos planos e do
Orçamento do Estado;
- A apresentação de propostas de referendo ao presidente da republica
- Formulação de propostas ao chefe de estado no sentido da declaração de
guerra e feitura de paz.
- Nomeação ou a formulação de propostas de designação de titulares de órgãos
constitucionais.

-Poderes de controlo: emergem a referenda dos atos do presidente e a prenuncia


obrigatória sobre a declaração do estado de sitio e estado de emergência pelo
PR.

A PAR DOS PODERES DESCRITOS EMERGEM DIVERSAS OBRIGAÇOES COMO AS


QUE ENVOLVEM A PRETAÇÃO ATEMPADA DE INFORMAÇÕES SOBRE A
CONSTRUÇAO EUROPEIA À AR (alínea i nº1 197º) E O DEVER DE INFORMAR O
PR RELATIVAMENTE À CONDUÇÃO DA POLITICA INTERNA E EXTERNA DO PAÍS
ATRAVÉS DO PM (alínea c nº1 art. 201º).

5.2 Competências Legislativas: a centralidade legiferante do Governo


-O governo possui a centralidade da mesma função, por força da prática politico-
constitucional. A centralidade implica a preponderância ou mesmo o domínio da
agenda legislativa por parte de um órgão, neste caso o governo da republica,
domínio que se traduz não só no facto de o executivo ser no plano quantitativo
o principal legislador (por regra, os decretos leis superam em numero, as leis),

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mas também na circunstância de a maioria das iniciativas legislativas junto do


Parlamento, com relevo para as leis mais importantes, ser oriunda de propostas
de lei do governo.
-O governo português sobressai de entre os congéneres da União Europeia como
aquele que exerce a maior variedade de competências legislativas, mais
precisamente quatro, as quais se encontram enumeras no art. 198º:
o COMPETÊNCIAS
CONCORRENCIAS: O governo nos termos da alínea d do nº1 do art 198º legisla
em todas as matérias não reservadas ao Parlamento e vice-versa (f) 161º) pelo
que a lei ou decreto lei posterior revoga a lei ou decreto lei posterior;
o COMPETÊNCIAS
DELEGADAS: O governo legisla sobre a matéria de reserva da competência da AR,
mediante autorização deste órgão do Executivo, expressa em lei (alínea d) nº1 do
mesmo artigo 198º);
o COMPETÊNCIAS
COMPLEMENTARES: o governo desenvolve leis de base ou leis de princípios
produzidos pela AR (alínea c) do nº1 do mesmo preceito) através de decretos-
leis de detalhe e pormenor, subordinados às primeiras;
o COMPETÊNCIAS
EXCLUSIVAS: (o governo dispõe de uma reserva legislativa total sobre a matéria
da sua organização interna, de acordo com o art. 198º nº2);
-Esta centralidade é menos acentuada sempre que o governo não goza do apoio
de uma maioria absoluta de deputados no parlamento e reforça-se radicalmente
sempre que o executivo é apoiado por uma maioria absoluta monopartidária, a
qual, como no Reino Unido, chancela as iniciativas governamentais com
alterações pouco relevantes. Paralelamente o veto com efeitos absolutos do
Presidente sobre os decretos-leis confere-lhe um poder negocial fático no plano
politico, sobre os aspetos do respetivo conteúdo, qual é mais intenso em
coabitação, limitando-se neste caso o impacto da centralidade governativa.
-São o poder presidencial no fundo em coabitação e o escrutínio do tribunal
constitucional os maiores travões à preponderância legislativa assumida de facto
por governos maioritários.
-O parlamento legislador perdeu a sua hegemonia desde que a lei deixou de se
reduzir à disciplina dos direitos fundamentais e a expandir-se para todos os
setores da atividade administrativizando-se e operado como instrumento de
resolução de problemas específicos.
CRP 1976- a sua teleologia foi apresentada para que o governo operasse como
um legislador forte porque o constituinte atendeu que a construção do estado
social exigiria a intervenção permanente do executivo, não através de
regulamentos amarrados e dependente de parâmetros legais, mas sim através da

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edição de decretos-leis, dotados da mesma hierarquia das leis, embora sujeitos a


revogação por estas ultimas, no contexto de uma relação reciproca no universo
concorrencial.
-Há muito que se encontra ultrapassado o modelo clássico da divisão de poderes
e virtualmente em todos os sistemas democráticos, os governos legislam ou
aprovam normas primárias com mais ou menos amplitude, sem colocarem em
causa o núcleo do poder legislativo do parlamento;
-Em frança, o governo compensa a inexistência de atos legislativos próprios numa
esfera concorrencial, com uma reserva de regulamento independente de matérias
situadas fora da reserva legislativa parlamentar, com a agravante de as próprias
leis não poderem revogar esses regulamentos, contrariamente ao que sucede em
PT onde a leis ordem revogar decretos-leis fora do domínio da competência
exclusiva do governo.
Reforço legislativo do governo:
-Transposição atempada das diretivas da União Europeia (reclamam decretos-leis
ou propostas leis de conteúdo muito técnico em prazos apertados, incompatíveis
com o ritmo parlamentar);
-Celeridade E contingência da tomada de medidas de ordem financeira no
contexto de uma união monetária e de união bancária incerta;
-Reforço das medidas de qualidade legislativa que exigem órgãos auxiliares
concentrados na estrutura governativa para a preparação e avaliação previa de
decretos-leis e propostas de lei;
-Complexidade de uma maior proximidade de técnicos especializados da ADMI.
Dependente do GOV., do processo de feitura das leis.
-Segundo lugar: maior protagonismo legislativo do governo na agenda legislativa
não significa que o parlamento se dobre ou submeta ao Gov.
-Grã-Bretanha: as propostas de lei são preparadas numa instituição
governamental o Parliament Office e a sua esmagadora maioria é oriunda de
iniciativas do Executivo que aproveita a sua usual maioria parlamentar para fazer
passar essas mesmas leis.
-Caso o executivo deixar de merecer a confiança parlamentar não terá as suas
propostas de lei aprovadas e no limite, demite-se se for aprovada uma moção de
censura.

5.3 Competências administrativas: o epicentro do aparelho administrativo


do Estado
A. Tipologia das competências administrativas
Na qualidade de órgão superior da Administração publica o governo ali, de entre
os órgãos de soberania, o exclusivo do exercício da função administrativa com

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eficácia externa, a uma posição única de proeminência institucional que lhe


permite garantir a unidade de ação administrativa (nº2 267º).

NOS TERMOS DA ALÍNEA D) DO Art.º 199º CRP:


-Dirigir os serviços e a atividade da Administração direta do estado, a qual lhe
está subordinada quer nos seus serviços centrais quer nos serviços periféricos, e
que se traduz na faculdade de lhes poder determinar ordens e injunções através
da prática da prática de atos administrativos;
-Superintender na Administração indireta do Estado, composta por entes
públicos dotados de autonomia administrativa e financeira que prosseguem os
fins estaduais (tal como a empresas publicas, fundações publicas e institutos
públicos) consubstanciando-se esse poder que assumem, em regra, conteúdo
regulamentar;
-Exercer tutela sobre a administração autónoma, integrada por pessoas coletivas
publicas com a autonomia administrativa e financeira que prosseguem interesses
próprios.

-Na alógica de que quem pode o mais pode o menos, o governo exerce
cumulativamente sobre a administração direta que dele depende, os três poderes
descritos (hierarquia, tutela e superintendência); sobre a administração indireta a
superintendência e a tutela (neste caso in fine na alínea d do art. 198º).

-Um quarto setor da Administração publica é integrado pela administração


independente, corporizada pelas entidades ou autoridades administrativas
independentes a que o nº3 do art. 267º da CRP alude e que a lei pode vir a criar.
Estas entidades administrativas, dotadas em regra de autonomia administrativa e
financeira, caracterizam-se pelo facto de não estarem sujeitas a vínculos de
direção, superintendência ou tutela de mérito por parte de qualquer órgão de
soberania, tendo os membros dos seus órgãos executivos garantias de
Independência em face das posições que tomam no exercício de funções e de
inamovibilidade relativa ( em regra não podem ser destituídos, mas em algumas
entidades só podem ser objeto dessas destituição, em razão de faltas graves).
-O governo não exerce qualquer poder vinculante (salvo a designação partilhada
de titulares em alguns desses órgãos) no caso dos reguladores da economia, que
na prática são autoridades semi-independentes, o governo é detentor de um
maior poder de condicionamento.
-O executivo tem a palavra decisiva na escolha dos membros dos seus órgãos
executivos, o qual pode destituir por faltas graves ou responsabilidade individual

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ou coletiva, exercendo ainda certos poderes de tutela financeira, patrimonial e de


legalidade, em alguns casos, com natureza prévia.
-O governo exerce, ainda, poderes de tutela sobre entidades privadas que
exerçam poderes públicos (nº6 art. 267º) ou entidades privadas que
desempenhem fins de interesse publico e sejam financiadas para o efeito pelo
Estado (como as associações e fundações de interesse publico e as Instituições
Particulares de Solidariedade Social).
-No âmbito da função administrativa e, nos termos do art. 199º, o governo, a par
dos poderes de direção, superintendência e tutela descritos supra, exerce
competências no domínio do planeamento, execução orçamental, concretização
regulamentar das leis, gestão de função publica, defesa da legalidade e prática
de todos os atos de providências necessárias para garantir a unidade de ação
administrativa e o desenvolvimento económico-social, mormente a que respeita
ao funcionamento do Estado prestador de bens e serviços e execução do direito
interno e europeu.

B. Tipologia das decisões jurídicas no exercício da função administrativa


Para efeito do exercício da atividade administrativa a par das politicas de
planeamento e da prática de atos materiais relativos à produção e prestação de
bens e serviços, o Governo:
a) aprova regulamentos: normais gerias e abstratas da Administração
subordinada às leis e destinadas à sua execução ou à regularização de domínios
habilitados por aqueles;
b) pratica atos administrativos (decisões aplicativas de normas jurídicas que
produzem efeitos externos em situações individuais e concretas;
c) celebra contratos públicos (acordos plurilaterais de vontade celebrados entre
entes públicos o entre estes e privados que visem constituir, modificar ou
extinguir uma relação jurídica administrativa).

5.4 Diminuição transitória dos poderes do Governo


a. Governo em gestão
Volvida a sua demissão ou antes da apresentação do seu programa no
parlamento, o governo encontra-se em gestão e, nos termos do art. 186º, fica
restringido no exercício das suas competências constitucionais ordinárias. Nessas
duas situações, em que a falta de legitimação da sua posição institucional o
coloca numa posição enfraquecida, determina o nº5 do art. 186º da CRP eu se
limitará à prática “dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos
negócios públicos”.
O governo, é assim, objeto de uma expressiva limitação no exercício das suas
competências politicas, legislativas e administrativas.

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-O governo só deve adotar atos legislativos, políticos ou administrativos se estes


forem inadiáveis e indispensáveis para assegurar a gestão dos sobreditos
negócios públicos, em termos tais que a sua omissão possa causar ser aferida
caso a caso, à luz de um critério de proporcionalidade, havendo um dever positivo
de concertação acrescida perante os quais é responsável, destacando.se aqui o
papel do chefe do estado como garante do regular funcionamento das
instituições democráticas.
-Quanto ao Presidente “o dever de concertação acrescida justifica-se por ser ele,
como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, o
principal órgão de fiscalização de observância, pelos governos, dos limites
impostos ``a sua competência- e noutro plano, o primeiro responsável pela
condução de diligências oficiais de novos governos”
O presidente apresenta-se como o principal órgão de fiscalização da observância
pelo governo em gestão dos limites fixados aos respetivos poderes funcionais
diminuídos, não deixando para o efeito de exercer com exigência as suas
faculdades constitucionais de supervisão, comunicação, controlo politico e
quando necessário, promoção de controlo jurisdicional.

B. Limitação dos poderes


do Governo após a dissolução parlamentar.
Sem que se encontre tecnicamente em gestão, um governo em funções em
momento subsequente à dissolução parlamentar é um executivo cujo mandato
foi colocado, a curto prazo e que não se pode deixar de ficar diminuído ou
limitado no exercício das suas competências. Trata-se de uma prática
constitucional.
OS PODERES SÃO MAIS LATOS DO QUE NUM GOVERNO EM GESTÃO, O
EXECUTIVO NÃO RECEBE QUALQUER DOCUMENTO DO PRESIDENTE A
REDIFINIR AS SUAS COMPETÊNCIAS E O EXERCICIO DESTAS ULTIMAS PASSA A
ASSENTAR NUMA LÓGICA DE BOM SENSO E AUTO-CONTEÇÃO.

5.5 Vínculos interorgânicos que oneram o Governo


A. Dever de informação ao PR
A responsabilidade institucional do GOV perante o PR (art. 190º) conjugada com
a obrigação de o PM informar o PR acerca dos assentes respeitantes à condução
da politica interna e externa, (alínea c) nº1 201º), OBRIGA O GOVERNO, ATRAVÉS
DO PM, a dar nota da atividade governamental relativa às principais politicas que
o executivo pretenda desenvolver ou atos que intente tomar.
Embora se considere, na medida do possível, que o PR deve ser informado
previamente sobre a natureza das medidas politicas do governo, de forma a

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poder pronunciar-se sobre as mesmas, nada na Constituição obriga a que assim


seja.
Ainda assim, a lei pode exigir certos casos informação prévia e fundamentada,
como determina a lei de defesa nacional relativamente ao envolvimento de
contingentes militares portuguesas no estrangeiro, havendo igualmente
informação permanente disponibilizada ao PR sobre matéria de segurança
nacional.
Uma prática constitucional sob a forma de praxo e ou, quiçá, uso, converteu o
encontro das quintas feira entre o PM e o PR num ritual destinado a externalizar
a competência/ dever do PM em informar o PR acerca dos assuntos respeitantes
à condução politica externa e interna do país.
Poderá ser essa praxe substituída por um equivalente sem que o sistema fique
abalado, mas não pode ser menorizada, suprimida ou totalmente dessacralizada
(como seria a sua substituição regular por videoconferências), sob pena de
redução da posição externa do PR ao modelo de um parlamentarismo de
assembleia atípico e pós-modernista.
O dever de informação é, igualmente, prestado informalmente por meios de
comunicação apropriados entre os dois titulares, sempre que necessários e pode
ser realizado através de audiências ou encontros entre os restantes membros do
Governo e o Presidente, contanto que autorizadas pelo PM.

B. Vínculos de responsabilidade do Governo perante a AR


A responsabilidade dos membros do Governo perante o Parlamento é solidária
e, por conseguinte, não existe responsabilidade individual dos mesmo perante a
AR.
No plano dessa responsabilidade solidária emergem no plano politico, vários
institutos relevantes já aliás assinalados:
1. A submissão a votação do Programa de Governo;
2. A apresentação de uma moção de censura (art. 194º)
3. A submissão pelo Conselho de Ministros de uma noção de confiança ao
Parlamento;
4. A apreciação parlamentar dos decretos-leis (art. 169º).
5. A apreciação dos atos do governo e da administração as contas do estado e os
relatórios de execução dos planos nacionais (alíneas a d e 162º);
6. A marcação de reuniões em que os membros do Governo devem comparecer
para responder a perguntas e pedidos de esclarecimento dos deputados, nos
termos do nº2 art. 177º).

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