Você está na página 1de 20

EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E A

INTRODUÇÃO AO CASO BRASILEIRO

DEVELOPMENT OF CORPORATE SOCIAL RESPONSIBILITY AND


INTRODUCTION TO THE BRAZILIAN CASE

Luiz Otávio do Carmo1


RESUMO

O presente artigo tem o objetivo de apresentar, por meio da revisão da literatura precursora
sobre a responsabilidade social, a evolução conceito enquanto prática empresarial, permitindo a
compreensão, por meio da exposição didática e fundamentada em dados históricos e
contribuições literárias, da evolução do conceito no meio empresarial, desde as formas
incipientes caracterizadas pela filantropia baseadas na racionalidade do indivíduo às modernas
concepções baseadas na teoria dos stakeholders, apresenta a dicotomia existente entre as duas
principais teorias da responsabilidade social empresarial, teoria dos acionistas e teoria dos
stakeholders, por fim, introduz a discussão ao caso brasileiro, buscando as raízes do
surgimento, tanto na literatura quanto na prática empresarial brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade social empresarial; teoria dos acionistas, teoria dos


stakeholders, Brasil.

ABSTRACT

This article aims to present, by reviewing the precursor literature on social responsibility, the
evolution concept as a business practice, allowing the understanding, through didactic
exhibition and based on historical and literary contributions of evolution concept in the
business world, from the incipient forms characterized by philanthropy based on rationality
modern conceptions based on stakeholder theory, presents the dichotomy between the two main
theories of corporate social responsibility, shareholder theory and stakeholder theory, finally,
introduces the discussion to Brazil, seeking the roots of the rise, both in literature and in the
Brazilian business practice.

KEYWORDS: Corporate social responsibility; theory shareholder, stakeholder theory, Brazil.

1
E.Mail: luiz.otavio@unifap.br - - Mestrado em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela Universidade
Federal do Amapá.

Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso Brasileiro. Revista de
Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015. Artigo recebido em 02/12/2015 Última versão recebida em
08/12/2015. Aprovada em 09/01/2016. 118
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

1. ORIGEM, EVOLUÇÃO E TEORIAS

Revisando a literatura relacionada ao tema, encontram-se diversas orientações que


dizem respeito à contextualização histórica do conceito de Responsabilidade Social no meio
acadêmico e empresarial. Visando tornar a exposição do assunto mais didática optou-se em
expor a cronologia do desenvolvimento da Responsabilidade Social Empresarial dividindo-a
em dois momentos distintos:
A era antiga da Responsabilidade Social Empresarial, que compreende o período entre
o final do século XIX e a primeira metade do século XX, limitando-se a um conjunto de
intervenções sociais de caráter filantrópico baseadas na racionalidade individual dos gestores.
A era moderna da Responsabilidade Social Empresarial, inaugurada com a publicação
do livro Social Responsabilities of the businessman, de Howard Bowen, em 1953, até os dias
atuais.
Buscar-se-á, a partir desse referencial, apresentar as principais explicações sobre o
surgimento deste movimento no âmbito empresarial, concomitante à evolução teórica do
conceito no contexto da produção acadêmica.
Durante o período da Revolução Industrial, iniciada no século XVIII na Inglaterra, o
mundo percebeu um crescimento econômico sem precedentes, a partir das novas formas de
produção da recém-criada economia industrial. No entanto, também conheceu de perto o
surgimento das primeiras contradições envolvendo a atuação empresarial: internamente, as
relações com empregados eram marcadas por longas jornadas de trabalho, ambientes
insalubres, quase total ausência de uma preocupação com aspectos físicos e psicológicos dos
trabalhadores e, externamente, devido à grande demanda de matéria-prima, o período
caracterizou-se pelo uso intensivo de recursos naturais não renováveis.
Foi justamente nesse ambiente que nasceram as primeiras reflexões sobre a
Responsabilidade Social das empresas, no bojo das contradições do movimento da Revolução
Industrial, efervesceram as primeiras reflexões acerca do compromisso das empresas em
atender não só os interesses capitalistas relacionados ao lucro, como também daqueles que
eram afetados pelo desenvolvimento da atividade empresarial, tanto no contexto interno
quanto externo.
Notadamente, neste período, as primeiras intervenções sociais não estavam
relacionadas diretamente às empresas: as incipientes demonstrações de um comportamento
empresarial socialmente responsável vieram da reflexão de empresários e gerentes sobre

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


119
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

valores considerados éticos pela sociedade. A racionalidade da ação social partia da


ponderação pessoal do gerente ou administrador quanto à pertinência daquela intervenção
para o negócio da empresa, ou seja, embora haja todo um processo histórico de transformação
da prática gerencial, o que diferencia a era antiga da era moderna da Responsabilidade Social
é a passagem da ética do indivíduo para a ética empresarial.
Entre os defensores da Responsabilidade Social Corporativa neste primeiro momento,
destaca-se Robert Owen (1771-1858), empresário bem-sucedido do ramo da indústria têxtil,
intelectual e defensor do socialismo utópico, que amealhou boa parte de seu patrimônio nos
negócios não somente pela experiência em lidar com os desafios técnicos e materiais da
época, mas também pela desenvoltura e sabedoria no gerenciamento das demandas internas da
empresa: introduziu o conceito de responsabilidade e eficiência, preocupando-se com
questões sanitárias e de educação dos operários, repudiando o trabalho infantil (DIAS,2012).
Durante o século XIX, a discussão sobre a necessidade de realização de investimentos
sociais foi transversal no ideal dos grandes empresários da recém-criada burguesia industrial,
no entanto, essas intervenções foram caracterizadas por possuírem caráter individual e
voluntário, por terem propósito eminentemente paternalista, materializando-se, em sua
maioria, por meio da filantropia.
Na esteira destes acontecimentos, muitos dos grandes empresários norte americanos,
imbuídos do mesmo propósito, incentivaram a adoção da prática da filantropia. Barbieri e
Cajazeira (2012) citam o exemplo de empreendedorismo social de Henry Ford ao realizar
investimentos que beneficiaram empregados da Ford Motor Company. Boa parte das grandes
universidades americanas foram fundadas e se desenvolveram por meio de doações, dentre
elas: Yale, Princeton, Havard, Columbia, Cornell, entre muitas outras (DIAS, 2012).
Ainda no século XIX, o notável empresário norte americano Andrew Carnegie (1835-
1919), proprietário do conglomerado industrial U.S Steel Corporation, tornou evidente suas
preocupações quanto a investimentos sociais corporativos em seu livro The gospel of Wealth -
O evangelho da Riqueza (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2012; BELLO, 2001; DIAS, 2012).
Suas ideias de benevolência e filantropia alçaram-no entre os maiores filantropos da
história: doou em vida a maior parte de sua fortuna, acreditando que a repartição de sua
riqueza por meio da filantropia incentivaria o florescimento de outros iguais a ele pelo
mundo; investiu em projetos públicos na área de educação e de interesse social sendo
aclamado até hoje pela imprensa especializada, influenciando empresários como Bill Gates e
Warren Buffett a adotarem a filantropia como uma prática ética e virtuosa (EXAME, 2003).

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


120
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

As ideias de Carnegie sobre filantropia foram condensadas em seu livro por meio de
dois princípios básicos, a saber:
O Princípio da Caridade, que consiste na afirmação de que cabe aos indivíduos
mais ricos auxiliarem os menos favorecidos da sociedade, por meio de ajudas
financeiras e doações a idosos, doentes, desempregados e outros, a forma da ajuda
era discricionária e tinha caráter individual, não estava associada às organizações.

O Princípio da Custódia é baseado na doutrina bíblica que exige que os indivíduos e


as empresas sejam verdadeiros guardiões, mantendo suas propriedades em custódia
para o benefício da sociedade (DIAS, 2012, p. 25; MARQUES e FILHO, 2012, p.
4).

Embora as ideias de Carnegie fossem justas do ponto de vista social, elas não
condiziam com a postura que tomava nos negócios: suas atitudes junto aos funcionários não
eram muito ortodoxas; não hesitou, por exemplo, em cortar salários, aumentar a carga horária
dos trabalhadores para 84 horas semanais, além de se negar a contratar ex-sindicalistas, razão
pela qual não era benquisto junto aos empregados, que vez ou outra ensaiavam entrar em
greve (EXAME, 2003).
Segundo Ashley (2005) a questão da ética e Responsabilidade Social corporativa era
aceita como doutrina até o final do século XIX, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.
Nesse momento, a atividade corporativa era fortemente controlada pelo Estado, que exercia o
poder de conceder ou não o direito de exploração de um determinado negócio, sendo,
portanto, prerrogativa de poucos.
Desde o final do século XIX e início do século XX, com as transformações de ordem
política nos EUA, a premissa da legislação sobre corporações passou a ser a da satisfação das
necessidades de lucro dos seus acionistas. Este pensamento, nitidamente capitalista, exerceu
influência na produção teórica até o final dos anos 1970, e depois disto, incorporaram-se
outros vieses sobre a Responsabilidade Social Empresarial (RSE), mudando de foco a
discussão.
Sobre este mesmo período, mais especificamente no início do século XX até a década
de 1950, Ashley (2005) Barbieri e Cajazeira (2012) apontam dois acontecimentos
relacionados principalmente ao conflito de agência 2, os quais envolveram o papel dos
administradores (agentes) e dos acionistas proprietários das corporações quanto à alocação de
recursos corporativos. Tais eventos antecipariam, na sua essência, os pressupostos éticos da

2
O cerne do conflito de agência está na dificuldade do proprietário acionista em controlar as ações do agente
que fora contratado para agir em seu interesse, tendo recebido algum tipo de delegação para poder agir e tomar
decisões (BARBIERI e CAJAZEIRA, 2012).

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


121
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

atuação empresarial que dominariam os debates acerca da Responsabilidade Social nas


décadas seguintes.
O primeiro episódio veio a público em 1919 no caso Dodge versus Ford, julgado pela
suprema corte de Michigan nos Estados Unidos e que trazem no seu bojo a questão da ética e
discricionariedade dos dirigentes. A razão da disputa consistiu no fato de Henry Ford,
presidente e acionista majoritário da empresa, ter decidido investir parte do lucro da Ford
Motor Company no aumento da produção e em incentivos salariais aos empregados,
contrariando os interesses dos irmãos e acionistas John e Horace Dodge.
O segundo episódio, ocorrido em 1953, trata-se de tema semelhante ao primeiro. Ficou
conhecido como caso A. P. Smith Manufacturing Company versus Barlow, e dizia respeito à
doação de recursos corporativos à Universidade de Princeton, contrariando o grupo de
acionistas. Nesse caso, a interpretação da Suprema Corte de Nova Jersey foi favorável à
doação, aduzindo que além de ser benéfica ao país, tal postura fazia parte de um novo
contexto em que ações filantrópicas seriam bem vindas, desde que fossem a opção dos
acionistas, para melhor resguardar seus interesses.
A partir de então, a visão de que os interesses corporativos deveriam restringir-se aos
lucros dos acionistas foi tomando outros contornos diante das novas interpretações das cortes
superiores em favor da filantropia corporativa, bem como do próprio amadurecimento da
consciência dos agentes e acionistas sobre o valor estratégico dessa postura para os objetivos
do negócio.
De acordo com Ashley (2005), alguns autores que apoiavam as noções de ética e de
Responsabilidade Social corporativa passaram a argumentar que, se o envolvimento da
empresa em ações filantrópicas era aceitável, revelando um novo viés sobre as antigas
concepções para alcançar objetivos maiores como o lucro, então outras ações que
priorizassem objetivos sociais teriam igual legitimidade.
É necessário ressaltar que, no início do século XX, as ações de cunho social que
refletiam o engajamento corporativo estavam em muito vinculadas às noções de filantropia,
que significa uma prestação voluntária, materializada na forma de doações e ajudas
financeiras, e depende muito do julgamento e escolhas individuais dos agentes, sem um
indicativo preciso da sociedade.
Reforçando esta hipótese, Savitz e Weber (2007), ao analisarem a forma de atuação
das empresas norte-americanas nas primeiras décadas do século XX, descrevem:

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


122
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

Em termos filosóficos, a noção de Responsabilidade Social das empresas


provavelmente se manifestou de início sob a forma de filantropia, na década de
1920, conforme se constata pelas fundações caritativas criadas pelos grandes
capitalistas John D. Rockefeller, Henry Ford e Andrew Carnegie ( SAVITZ;
WEBER, 2007, p. 50).

Autores como Ashley (2005) e Kreitlon (2004) descrevem que um dos principais
fatores que suscitaram o crescimento do debate acerca da Responsabilidade Social foi o
quadro desencadeado pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929. A desilusão frente às
promessas do liberalismo econômico reacendeu os questionamentos sobre a responsabilidade
das empresas sobre o contexto social em que estão inseridas.
Nas décadas de 1930 e 1940, deu-se ênfase nas questões trabalhistas que
caracterizaram a relação empresa-funcionário, fato este motivado principalmente pelo
amadurecimento do movimento sindical na luta pela melhoria das condições de trabalho,
redução da jornada e aumento salarial (SAVITZ; WEBER, 2007).
No âmbito mundial, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, criada pelo
tratado de Versalles (1919), representou um marco na legitimação de direitos trabalhistas aos
países que se tornaram signatários de seus acordos no ano de 1944. Com a expedição da
Declaração de Filadélfia, definiu-se que a organização do emprego não é resultante apenas do
esforço dos governos, mas uma preocupação também do setor privado (DIAS, 2012).
Boa parte dos temas tratados na OIT foram sancionados e inseridos no arcabouço legal
de cada país; o Brasil, membro da OIT, também considera os temas de relevância e os acordos
realizados no âmbito desta organização, sendo que boa parte das normas trabalhistas tiveram
influência externas destas convenções.
Nesse primeiro momento, compreendido entre o final do século XIX até a primeira
metade do século XX, a produção literária sobre o tema da RSE estava em muito associada à
noção de Responsabilidade Social baseada na ética pessoal na condução dos negócios. O
dilema principal a ser resolvido centrava-se no campo da legitimidade da decisão dos
administradores em destinar recursos corporativos para investimentos sociais, seja em
benefícios dos empregados, seja em ações filantrópicas e assistenciais.
A literatura descreve como início da nova era da Responsabilidade Social o livro de
Howard Bowen, publicado em 1953, nos Estados Unidos, sob o título Responsabilities of the
businessman3. Foi a primeira tentativa de teorizar a relação entre corporações e sociedade, ou

3
“Responsabilidades sociais do homem de negócios” - tradução para o português do título original do livro de
Howard Bowen.

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


123
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

conforme Carroll e Shabana (2010), “o livro de Bowen era visivelmente à frente de seu
tempo, por pelo menos uma década, mas veio a moldar o pensamento significativamente
futuro sobre o assunto”.
Bowen considerava as empresas como importantes centros de poder e influência sobre
o meio em que estivessem inseridas. Como consequência deste poder, caberia aos
denominados “homens de negócio” assumir posturas éticas condizentes com os valores
morais e expectativas da sociedade. As ideias difundidas pelo autor anteciparam o que seria
tratado somente anos mais tarde, sendo por isso, considerado o precursor da teoria dos
stakeholders ou das partes interessadas (CARROLL; SHABANA, 2010).
Archie B. Carroll (1999), influente autor norte-americano na área da Responsabilidade
Social, descreve que a obra de Bowen marca o moderno e sério debate sobre RSE e, por causa
de seu trabalho precursor e seminal, deve ser chamado de o "Pai da Responsabilidade Social
Corporativa".
Embora ele tenha tratado o tema de forma singular, e ter sido considerado o “pai
fundador” da visão moderna da RSE, como assim o retrata Carroll (1999), Bowen ainda
refere-se ao “homem de negócios”, assim como em toda a literatura da década de 1950 sobre
Responsabilidade Social Corporativa. Nas décadas seguintes, a responsabilidade em questão
passaria a ser conferida às empresas, a partir da transição da racionalidade do indivíduo para a
racionalidade da organização, conforme mencionado anteriormente.
Na década de 1960, o foco da Responsabilidade Social foi direcionado às
organizações empresariais: as decisões que antes recaiam nos administradores passaram a ser
elaboradas a nível institucional, mais por uma necessária mudança de paradigma do que pela
simples transição de atores envolvidos, provocada, sobretudo, pelos movimentos sociais
reivindicatórios de uma nova postura por parte das empresas, desde então envolvidas em
questões polêmicas relacionadas à poluição, desemprego, discriminações raciais e de gênero e
sobre a qualidade dos produtos comercializados (KREITLON, 2004).
Alguns destes acontecimentos ocorridos na década de 1960 foram decisivos para a
mudança de paradigmas no discurso teórico da Responsabilidade Social; além dos
movimentos sociais citados acima, o início do longo período da Guerra fria entre os Estados
Unidos e a União Soviética reforçou a noção pré-existente da RSE. Battagello (2013) afirma
que a Responsabilidade Social serviu como argumento em defesa do capitalismo de livre
mercado, em detrimento da iminente ameaça do modo de vida soviético.

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


124
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

Na tentativa de oferecer um significado para a Responsabilidade Social Empresarial,


Carroll (1999) e Dias (2012) citam os principais autores que contribuíram para o
amadurecimento do conceito no campo teórico, os quais: Keith Davis, Joseph W. McGuire,
William Frederick e Clarence C. Walton.
Keith Davis argumentou que as empresas são portadoras de poder econômico e
político, e que ambos são dependentes de uma Responsabilidade Social efetiva: o uso
irresponsável deste poder pode levar ao risco de perdê-lo (DIAS, 2012).
Por sua vez, Joseph W. McGuire postulou que “a Responsabilidade Social exorta as
empresas a assumirem certas responsabilidades para a sociedade que se estendem para além
de suas obrigações legais e econômicas” (CARROLL; SHABANA, 2010).

Ainda segundo os autores, William Frederick, em 1960, publicou o artigo em que


defendeu que a RSE consiste em que os recursos econômicos e humanos da sociedade devam
ser utilizados para fins sociais amplos e não restringi-los aos interesses exclusivos da
empresa.

Kreitlon (2004) considera que, não obstante toda a produção teórica no sentido de dar
um significado para a Responsabilidade Social Empresarial, o escopo da ação social
corporativa na década de 1960 foi o de responder à pressão social exercida em virtude das
externalidade negativas associadas à atuação empresarial. A partir dessa década, as teorias
desenvolvidas favoreceram a percepção da empresa enquanto entidade moral, e as decisões
tomadas deveriam refletir a filosofia da organização, enquanto estrutura decisória composta
de objetivos, regras e procedimentos.

Em suma, pode-se afirmar que a Responsabilidade Social praticada do início do século


XX até a década de 1960 visava atender a determinadas exterioridades, quer seja por meio de
ações filantrópicas, quer seja pela compreensão das necessidades sociais e de um
comportamento ético e responsável, sem que se fosse questionada a relação destas ações aos
objetivos financeiros; em outras palavras, não lhe era atribuída a conotação estratégica que
possui hoje, que vincula as ações de RSE à criação de valor ao negócio.

A década de 1970 foi o momento em que houve um direcionamento da pesquisa para


os aspectos operacionais da RSE; desejava-se colocar em prática tudo aquilo que se havia
discutido sobre o tema nas décadas anteriores. Para tanto, seria necessária a adaptação da

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


125
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

teoria aos processos organizacionais, para que fosse dado um sentido pragmático ao conceito
de RSE.

Neste sentido, o foco da atenção dos autores da época foi direcionado ao


desvendamento de quais seriam as implicações do exercício da RSE nos processos
organizacionais, ou seja, de que maneira as empresas poderiam se beneficiar ao assumir uma
postura ética e socialmente responsável.

Segundo Carrol (2009), foi na década de 1970 que os estudos sobre RSE incluíram o
debate sobre a capacidade de resposta e o desempenho social das organizações; passou-se a
perceber que as empresas não deveriam assumir apenas “responsabilidades”, mas responder
ao ambiente proporcionalmente ao que dele se apropria, criando-se mecanismos para
identificação das demandas externas e internas associadas ao negócio.

Embora o discurso ideológico da RSE tenha passado por um processo de


racionalização, visando torná-lo acessível à compreensão, por parte dos empresários e
entusiastas do movimento, é uma tarefa difícil descobrir o limiar do comportamento
socialmente responsável, principalmente se a noção do que é ou não responsável for depender
de julgamentos exteriores, tal como é realizado pelos grupos de interesse à organização
(BORGER, 2008).

Ademais, para além do discurso ideológico, é necessário conferir certa dose de


pragmatismo. Frederick (1978) apud Borger (2008) assinalou que as empresas deveriam
responder às demandas da sociedade por meio de processos adequados para sobreviver e criou
a noção de Responsividade Social – a capacidade das empresas adaptarem-se às condições
sociais mutantes, provendo os recursos necessários para o atendimento das demandas da
sociedade.

A partir do início da década de 1970 surgiram novos estudos relativos à RSE: os


autores da época dividiam o campo de discussão sobre RSE em duas correntes antagônicas
distintas; aqueles que defendiam a primazia dos interesses dos acionistas como fim último das
organizações e os que postulavam que as empresas deveriam identificar e incorporar as
expectativas e necessidades de todos os grupos de interesse da organização. Estas duas
filosofias iriam moldar definitivamente o debate e a prática relacionada à Responsabilidade
Social.

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


126
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

A primeira, contrária à ideia de que as empresas deveriam implantar políticas de


Responsabilidade Social, teve como principal expoente o economista Milton Friedman que,
em 1970, publicou o artigo intitulado The social responsibility of business is to increase its
profits4, no New York Times Magazine.

Em síntese, postulava que a única responsabilidade dos agentes seria a maximização


dos lucros dos acionistas, e qualquer aplicação dos recursos que não fosse para esse fim seria
condenável (BOGO; SERAFIM, 2010).

Friedman acrescenta aos seus argumentos a noção de que as empresas não possuem
responsabilidades sociais, porquanto são seres artificiais, possuem apenas responsabilidades
legais. Essa linha argumentativa foi sistematizada na literatura e denominada de Teoria dos
Acionistas ou shareholder, passando a ter outros adeptos.

A década de 1980, por sua vez, inaugurou um período de profusão de pesquisas e


estudos de caso que tiveram o objetivo de evidenciar o lado prático do conceito da RSE nas
organizações. Carroll e Shabana (2010) descrevem que “a década de 1980 produziu menos
novas definições e mais pesquisas empíricas, e a ascensão e popularidade de temas
alternativos”.

Estas pesquisas passaram a sustentar as suposições otimistas sobre a ligação entre as


ações sociais empresariais e o desempenho financeiro das empresas; temas alternativos sobre
meio ambiente e sustentabilidade influenciaram a produção acadêmica e as práticas
relacionadas à gestão organizacional, mais especificamente no que tange a relação empresa-
sociedade.

Em 1984 Edward R. Freeman publicou o livro Strategic manegement: a stakeholders


approach (Gestão estratégica: uma abordagem das partes interessadas). A partir da obra,
popularizou-se um dos termos mais importantes na atual abordagem sobre Responsabilidade
Social: stakeholders, que significa qualquer pessoa ou grupo que tem ou reivindica
propriedade, direitos ou interesses em uma empresa e em suas atividades presentes, passadas
e futuras (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2012; DIAS, 2012).

4
“A Responsabilidade Social dos negócios é aumentar seus lucros”, tradução do título original do artigo de
Milton Friedman.

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


127
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

O autor postulava que as empresas não deveriam adotar condutas responsáveis


levando em consideração, exclusivamente, os interesses dos acionistas e proprietários;
deveriam, igualmente, levar em consideração os interesses dos empregados, consumidores,
fornecedores e das demais partes interessadas no negócio.

No início da década de 1980, diversos acontecimentos de ordem econômica e social


marcaram os novos desafios referentes à consolidação da Responsabilidade Social no
ambiente corporativo.

O acúmulo de capital e o crescente ritmo de expansão das empresas provocaram


mudanças significativas, a automatização da produção e o incentivo ao uso da tecnologia na
época elevaram os índices de desemprego, enquanto que o ritmo de produção aumentou
vertiginosamente, intensificando o uso de matéria-prima. As empresas que antes apenas
atuavam regionalmente passaram a montar suas filiais em outros países.

Foi nesse período que o bem-estar humano, as preocupações com o meio ambiente e a
percepção da influência das empresas, juntos, geraram preocupação e começaram a provocar
questionamentos sobre um novo padrão de Responsabilidade Social. Berle e Means apud
Barbieri (2012) descrevem que “a moderna sociedade anônima acumula um tremendo poder
econômico controlado por poucos, podendo prejudicar ou beneficiar multidões, afetar distritos
inteiros, deslocar as correntes comerciais, trazer ruína ou prosperidade às comunidades”.

Parte-se para a uma nova compreensão sobre a dimensão da responsabilidade


empresarial, baseada nas novas teorias sistêmicas da administração, que consideram o
ambiente externo constituído por fatores que influenciam as estratégias e as formas de gestão;
nestes fatores estão presentes as diversas demandas sociais de segmentos distintos da
sociedade, cada qual com suas expectativas e interesses na atividade da organização.

Sendo assim, a teoria clássica, fundada na premissa de que as organizações deveriam


cumprir exclusivamente os objetivos econômicos junto aos seus acionistas, passou a ser
contestada, quando se reconheceu que a empresa não estaria isolada de tudo e de todos, que
ao contrário, vive em uma constante interação com o ambiente, com os valores éticos e
culturais emanados da sociedade. Sobre esse assunto os autores Aligleri, Aligleri e
Kruglianskas (2009) descrevem que “o mundo corporativo percebeu que as empresas,
enquanto agentes sociais fazem parte de uma sociedade que as abriga e condiciona sua

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


128
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

existência”. Portanto, não existem por si mesmas uma vez que dependem da teia de conexões
presentes no mercado.

Neste sentido, o reconhecimento de que a empresa não existe apenas para viabilizar o
alcance de seus interesses passou a suscitar uma releitura de seus princípios orientadores, já
que as organizações – instituições sociais – devem balizar-se pelos novos padrões éticos de
atuação convencionados no interior da sociedade e necessários para a sobrevivência no
mundo dos negócios.

Corroborando com essa interpretação sobre esta nova conjuntura de responsabilidades


éticas das organizações, Ashley (2005) descreve:

As organizações não existem em um vácuo nem são completamente objetivas e


imparciais: há sempre um contexto que as influencia, tornando a administração
culturalmente condicionada e sujeita aos valores, princípios e tradições da sociedade
em que se insere (ASHLEY, 2005, p. 8).

Um grande número de teóricos, dentre eles Ashley (2005), Borger (2001), Mitchel,
Agle e Wood (1997), concordou que as organizações devem responder a todas as expectativas
dos segmentos da sociedade que legitimamente reclamarem-se como partes interessadas no
negócio. De modo geral, esta maneira particular de conceber a Responsabilidade Social das
empresas ficou conhecida na literatura como Teoria dos Stakeholders ou das Partes
Interessadas, tendo como precursor os trabalhos de Freeman na década de 1980.

A partir de 1990 houve uma diminuição na procura por definições teóricas, ao passo
que um movimento ascendente de modelos propositivos da Responsabilidade Social que
relacionaram a RSE e o desempenho econômico empresarial, foram construídos. Destarte, a
visão que se tinha sobre a RSE, envolta em um discurso sobre ética e moral dos “homens de
negócio”, combatida pela falta de rigor teórico e de pragmatismo funcional foi substituída por
uma Responsabilidade Social estratégica sob o ponto de vista do alcance dos objetivos das
empresas, portanto, saber lidar com a questão social no gerenciamento corporativo virou a
“chave do negócio”.

Partindo deste entendimento sobre a Responsabilidade Social, Philip Kotler, David


Hessekiel e Nancy R. Lee (2012) expõem no livro Boas ações, uma nova abordagem
empresarial, a perspectiva de que é possível integrar o marketing às ações que geram
benefícios sociais e retorno financeiro sustentável: tudo depende da escolha estratégica das
ações sociais que devam ser realizadas.

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


129
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

Também na década de 1990, a gestão dos stakeholders foi associada ao conceito de


Responsabilidade Social e, por meio do processo de mapeamento das partes interessadas,
tornou-se mais fácil realizar a gestão da RSE. Este caráter funcional do mapeamento dos
stakeholders possibilita a identificação e priorização dos detentores de interesse, sendo uma
poderosa ferramenta de diagnóstico da atuação social empresarial (LEE, 2008; SAVITZ;
WEBER, 2007).

Desta forma, a orientação que vigorou sobre a RSE, de meados do século XX à


década de 1970, era deficiente de significado prático aos esquemas explicativos da época, o
intrincado processo de avaliar o que seria um comportamento ético e socialmente responsável
dificultou ainda mais a realização de uma RSE efetiva (BATAGELLO, 2013).

Um dos temas que mais chamou a atenção da comunidade internacional foi o


prognóstico ambiental relacionado ao padrão de produção corporativo; em virtude deles,
várias convenções foram realizadas para discutir a necessidade de impor limites ou regras
para a atuação empresarial, no sentido de coibir excessos que causassem prejuízos ao meio
ambiente e ao homem.

Carroll e Shabana (2010) descrevem que, a partir da entrada do novo milênio, a


comunidade empresarial tornou-se de tal forma fascinada com a noção de sustentabilidade e
desenvolvimento sustentável, que o tema passou a dividir espaço na academia juntamente
com as discussões sobre Responsabilidade Social Empresarial.

Muito embora a questão do meio ambiente tenha ganhado relevância na literatura no


limiar do século XXI, a inserção da temática na agenda de debates mundiais ocorreu a partir
da década de 1970, período que marcou o início de uma série de conferências e reuniões
internacionais sobre o tema, dentre os quais Borger (2008) destaca o Clube de Roma em 1972
e a elaboração do relatório intitulado Limites do Crescimento, que descreve, de maneira
realista, as implicações socioambientais de um crescimento econômico desenfreado.

Apesar de serem contestadas na época, as ideias presentes no relatório demonstraram a


necessidade de reflexão sobre a questão da finitude dos recursos naturais, sobretudo quando a
economia mundial vislumbrava um crescimento econômico a todo custo. A autora destacou
que a comunidade internacional, instigada pelos pressupostos do crescimento evidenciados na
proposta do Clube de Roma, intensificou o debate que acabou culminando na realização da
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, mais conhecida como

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


130
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

Conferência de Estocolmo, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972,
na Suécia. Sua principal contribuição foi reconhecer a dimensão ambiental como uma das
condicionantes do crescimento econômico, ratificada na Declaração de Estocolmo.

Barbieri e Cajazeira (2012) destacam que uma das principais contribuições destes
eventos foi a aproximação do conteúdo da Responsabilidade Social Empresarial das questões
ambientais, razão pela qual as abordagens atuais sobre RSE presentes na literatura trazem a
questão ambiental como um dos temas a serem tratados na gestão organizacional.

Com a evidenciação dos aspectos deletérios da atividade empresarial sobre a qualidade


do ambiente, tanto no contexto interno quanto externo à organização, intensificou-se a pressão
social para que as empresas não mais permanecessem inertes aos problemas socioambientais
provocados por suas atividades, sem dar uma resposta plausível a todos que porventura se
sentissem prejudicados.

A partir de toda a exposição acima percebe-se que as primeiras incursões sobre o tema
da Responsabilidade Social Empresarial foram frutíferas quanto a instigar a classe empresarial
sobre a necessidade de revisão de valores éticos e morais cristalizados sob a forma de um
“credo” capitalista, que levava o mundo corporativa a refutar as ideias inovadoras trazidas
pelo discurso da RSE.

Da Filantropia corporativa à gestão dos stakeholders houve um processo gradual de


evolução teórica e uma quebra de paradigmas, conforme observa Lee (2008):

O processo de racionalização da noção de responsabilidade levou a uma diminuição


gradual da incerteza em relação à RSE, se dando em duas vertentes: uma em termos
de nível de análise e outra em termos de orientação teórica:

Nível de análise: mudança das discussões dos efeitos macrossociais das ações
sociais para um foco centrado nas organizações.

Orientação teórica: de uma orientação explicitamente normativa com estudos


voltados para a ética dos negócios, em direção a uma orientação implicitamente
normativa com estudos voltados para o desempenho das organizações (LEE, 2008,
p. 53).

Na visão moderna da Responsabilidade Social, incluindo a gestão dos stakeholders, as


práticas de RSE estão relacionadas à dimensão com que as organizações reconhecem as partes
interessadas no negócio. Ashley (2005) e Aligleri, Aligleri e Kruglianskas (2009)
compartilham a ideia de que a Responsabilidade Social envolve um movimento contínuo, que

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


131
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

se inicia com mudanças conservadoras na década de 1970 até configurações mais radicais,
envolvendo os atuais e futuros stakeholders, conforme figura seguinte:

Figura 1: Tendências históricas de Ética e Responsabilidade Social Corporativa


Fonte: Ashley, 2005, p. 47.

De acordo com o quadro da evolução do objeto de interesse da Responsabilidade


Social apresentado acima, é possível encontrar a visão Clássica, de abordagem econômica,
que caracterizou a Teoria dos Acionistas. Na década seguinte, com a popularização da teoria
dos stakeholders inaugurada por Freeman em 1984, as empresas passaram a ser responsáveis
para com um conjunto de novos destinatários, destacando-se os colaboradores, fornecedores,
governo e até mesmo o meio ambiente; esta passou a ser visão mais divulgada. Já no início do
novo milênio, percebeu-se que o objeto de preocupação da RSE passou a ser todos os atuais e
futuros stakeholders, em busca de uma sociedade sustentável. Esta, no entanto, é a visão
menos divulgada, mas que vem ganhando adeptos tanto no âmbito acadêmico quanto no
empresarial (ASHLEY, 2005).

Sendo assim, a partir destas noções preliminares, buscar uma definição precisa de
Responsabilidade Social seria uma tarefa complexa, pois o conceito está intrinsecamente
vinculado à dinâmica da relação entre empresa e grupos de interesse no negócio. O que se
pode afirmar de antemão é que a RSE trata-se de um movimento irrevogável, socialmente
construído, e que caracteriza um dos instrumentos estratégicos da nova gestão empresarial.

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


132
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

2- A RESPONSABILIDADE SOCIAL NO BRASIL

A origem da Responsabilidade Social no Brasil ainda é incerta, embora seja escassa a


disponibilidade de fontes diversas, a literatura sobre o tema aponta no sentido de que o marco
da Responsabilidade Social no Brasil foi a “Carta de Princípios dos Dirigentes Cristãos de
Empresas” publicada em 1965 pela Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas do
Brasil-ADCEBrasil (ASHLEY, 2005; SOUSA, 2006).

Uma dos pontos principais a ser destacado do documento foi a utilização da expressão
Responsabilidade Social das empresas, em um momento em que o tema era discutido ainda
de modo incipiente nos Estados Unidos, berço das principais teorias organizacionais,
envolvendo o dilema ético e moral das ações filantrópicas dos empresários e gerentes
corporativos.

A ADCEBrasil trata-se de uma organização formada por dirigentes cristãos e pauta-se


pelos princípios da doutrina social da Igreja, tendo como propósito difundir entre seus
membros a ideia de que as organizações deveriam assumir compromissos que fossem além
das questões econômicas inerentes ao negócio, participando ativamente e com plena
responsabilidade, na vida cívica e política da comunidade (DIAS, 2012).

Em uma proposta inovadora e além de seu tempo, o documento intitulado Decálogo do


empresário de 1974, publicado pela ADCEBrasil, descreve que as empresas devem assumir
compromissos que vão além dos objetivos financeiros e legais, devendo adotar uma política
responsável diante das expectativas dos públicos envolvidos ao negócio. O respectivo
documento adiantou em dez anos as ideias de gestão dos stakeholders proposta por Edward
Freeman em 1984, prescrevendo um início bastante promissor no ponto de vista teórico no
Brasil.

Segundo Costa (2012), o Balanço Social vem sendo alvo de discussões e estudos por
parte da ADCE desde 1961, sendo um importante meio de prestação de contas das ações
sociais das empresas e um instrumento estratégico para a difusão de sua Responsabilidade
Social e de avaliação destas ações pelas partes interessadas.

No ano de 1984, foi publicado o primeiro Balanço Social pela empresa Nitrofértil,
uma estatal com sede na Bahia. Posteriormente, outras empresas foram incorporando o

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


133
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

Balanço Social5 em suas estratégias de comunicação social; atualmente, o público corporativo


passou a adotar o Relatório de Sustentabilidade 6 baseado em um conjunto de indicadores da
Global Reporting Initiative (GRI)7.

A partir dos trabalhos da ADCE, outras organizações da sociedade civil fomentaram o


debate da Responsabilidade Social Empresarial, destacando-se na seguinte ordem
cronológica:

Em 1987 surge o grupo denominado “Pensamento Nacional das Bases Empresariais” –


PNBE – que tinha como propósito a socialização de ideias e a discussão sobre negócios,
corrupção, desenvolvimento sustentável e outros temas relevantes.

No ano de 1991 cria-se a Associação Brasileira da Indústria Química – ABIQUIM,


uma das pioneiras na implantação do modelo de gestão ambiental da Atuação Responsável.
Quando foi implantada, em 1992, era um programa de adesão voluntária, seis anos mais tarde
passou a se tornar obrigatório para todas as empresas associadas à ABIQUIM (BARBIERI,
2007).

Em 1997 o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) realizou


uma campanha para disseminar e fortalecer a conduta ética e socialmente responsável das
empresas. Instituiu, em 1998, o selo IBASE, que ratifica o compromisso pela veracidade das
práticas demonstradas no Balanço Social, instigando as empresas a adotarem o instrumento
para dar publicidade à sua política e ações de Responsabilidade Social.

Além destas, outras entidades passaram a contribuir para a difusão das práticas de RSE
no Brasil. Atualmente, o Instituto Ethos de Responsabilidade Social publica os indicadores de
Responsabilidade Social. Disponível na versão 2013, eles consistem em uma ferramenta de

5
Balanço Social é um instrumento de informação da empresa para a sociedade no qual são explicitados os
pontos positivos e negativos de sua atuação, servindo tanto como um meio de prestação de contas das atividades
empresariais para um universo de interessados quanto um poderoso instrumento da sociedade que possibilita
avaliar a natureza dos investimentos realizados pelas empresas.
6
Relatório de Sustentabilidade é um termo amplo considerado sinônimo de outros relatórios, cujo objetivo é
descrever os impactos econômicos, ambientais e sociais de uma organização, como o relatório de
Responsabilidade Social Empresarial e o Balanço Social (GRI, 2006).
7
Trata-se de uma organização sem fins lucrativos, cujo objetivo principal é o de elaborar e difundir um conjunto
de diretrizes e indicadores para construção de relatórios de sustentabilidade.

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


134
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

gestão, de uso gratuito, que visam apoiar as empresas na incorporação da sustentabilidade e


da RSE nas estratégias de negócio (ETHOS, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como toda experiência no campo da administração parte da prática propriamente dita,


de forma empírica é possível destacar que muitas empresas, atualmente, vivenciam
experiências que se filiam ao comportamento corporativo característico de cada momento da
evolução da responsabilidade social empresarial, apresentando-se ora como ações
filantrópicas e assistencialistas, ora como ações amplas, que visam atender a inúmeros
stakeholders e seus respectivos interesses. Outra constatação é a de que muitas empresas, de
forma análoga à perspectiva da teoria dos acionistas, não vislumbram a necessidade de
investir em ações sociais e, em outros casos, os processos colocados em prática filiam-se à
perspectiva moderna da teoria dos stakeholders, atuando em sintonia aos seus grupos de
interesse. No Brasil, percorreu-se caminho semelhante ao resto do mundo, destacando-se: o
papel da ADCEBrasil na difusão de princípios que viriam a se tornar a base para a
proliferação de ações de responsabilidade social empresarial, e a importância de instrumentos
voluntários de prestação de contas dessas ações, tais como o Balanço Social e o Relatório de
Sustentabilidade.

REFERÊNCIAS

ALIGLERI, Lilian; ALIGLERI, Luiz Antônio; KRUGLIANSKAS, Isak. Gestão


socioambiental: responsabilidade e sustentabilidade do negócio. São Paulo: Atlas, 2009.
ASHLEY, Patrícia Almeida (coordenação). Ética e responsabilidade social nos negócios.
São Paulo: Saraiva, 2005.
BAQUERO, R.V.A. Empoderamento: instrumento de emancipação social? - Uma
discussão conceiitual. REVISTA DEBATES, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p.173-187, jan.-abr.
2012.
BARBIERI, José Carlos. Gestão Ambiental Empresarial: conceitos, modelos e
instrumentos. São Paulo: Saraiva, 2007.
BARBIERI, José Carlos; CAJAZEIRA, Jorge Emanuel Reis. Responsabilidade social
empresarial e empresa sustentável: da teoria à prática. 2. ed. Atual. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2012.
BATTAGELLO, Ligia Antonio. Responsabilidade Social Empresarial e Parcerias Sociais
- Modelo Relacional e Estudo de Caso. Dissertação (Mestrado Profissional em Gestão
Internaciona),Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas,
São Paulo,2013.
BELLO C., Vieria. Uma proposta de sistema de gerenciamento empresarial voltado ao

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


135
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

desenvolvimento sustentável: A visão integrada, quadro de referência e seus


condicionantes e requisitos. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia
de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianopolis, 2001.
Disponível em < http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/81795> Acesso em 20
dez. 2013.
BOGO, Janice M.; SERAFIM, Mauricio C. RSE: de Friedman à coprodução. GV-
Executivo, v. 9, n. 1, p. 26-29, 2010. disponível em
<http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/5553.pd>, acesso em 15 de janeiro de 2013.
BORGER, F. G. Responsabilidade social: efeitos da atuação social na dinâmica
empresarial, 254 p. Tese (Doutorado em Administração). São Paulo: Universidade de São
Paulo, 2001. < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-04022002-105347/pt-
br.php> Acesso em: 03/12/2012.
BORGER, F.G. Considerações teóricas sobre gestão da responsabilidade social,
Uniethos.São Paulo: Peirópolis, 2008. Disponível em <
http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents> Acesso em: 03/12/2012.
BOSZCZOWSKI, A. K. O engajamento de stakeholders como elemento chave para a
estratégia de sustentabilidade corporativa. Dissertação de mestrado em Administração,
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal do Paraná:
Curitiba,2010.Disponível em
<http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/24236/Dissertacao_Engajamento_St
akeholders_Anna_Karina_2010.pdf> Acesso em 18 dez. 2013.
CARROLL, A. B., SHABANA, K. M.The business case for corporate social
responsibility: A review of concepts, research and practice. International Journal of
CARROLL, Archie B. Corporate social responsibility: evolution of a definitional
construction. Business & Society, v.38, n.3, p.268-295, 1999.
DIAS, Reinaldo. Responsabilidade Social: fundamentos e gestão. São Paulo: Atlas, 2012.
FIRMIN, A. Da filantropia à cidadania. Revista Exame. Ed. 799 - 19/08/2003. Disponível
em < exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0799/noticias/da-filantropia-a-cidadania-
m0043572> Aceso em 11 nov. 2013.
KOTLER, P.; HESSEKIEL, D.; LEE, R. N.; Boas Ações-Uma nova abordagem
empresarial. Traduzido por Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
KREITLON, Maria Priscila. A Ética nas Relações entre Empresas e Sociedade:
Fundamentos Teóricos da Responsabilidade Social Empresarial. ENANPAD, 28, 2004,
Curitiba, 13p.
LEE, M.D.P. 2008. A review of the theories of corporate social responsibility: Its
evolutionary path and the road ahead. International Journal of Management Reviews , v.
10, n. 1, p. 53-73.
Management Reviews, vol. 12, n.1, p. 85-105, 2010.
MARQUES, Vânia de L; FILHO, Cid A. org. Responsabilidade Social, conceitos e
práticas: construindo o caminho para a sustentabilidade nas organizações. São Paulo:
Atlas, 2012.
SAVITZ, Andrew W. e WEBER, Karl. A empresa sustentável: o verdadeiro sucesso é
lucro com responsabilidade social e ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


136
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.

SOUSA, Ana Carolina Cardoso. Responsabilidade social e desenvolvimento sustentável: a


incorporação de conceitos à estratégia empresarial. Dissertação de mestrado em Ciências e
Planejamento Energético - COPPE/UFRJ: Rio de Janeiro, 2006.

RAG, Macapá-AP, v.1, n.2, p. 118-137, Ago. /Dez. 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/administracao.


137

Você também pode gostar