Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O presente artigo tem o objetivo de apresentar, por meio da revisão da literatura precursora
sobre a responsabilidade social, a evolução conceito enquanto prática empresarial, permitindo a
compreensão, por meio da exposição didática e fundamentada em dados históricos e
contribuições literárias, da evolução do conceito no meio empresarial, desde as formas
incipientes caracterizadas pela filantropia baseadas na racionalidade do indivíduo às modernas
concepções baseadas na teoria dos stakeholders, apresenta a dicotomia existente entre as duas
principais teorias da responsabilidade social empresarial, teoria dos acionistas e teoria dos
stakeholders, por fim, introduz a discussão ao caso brasileiro, buscando as raízes do
surgimento, tanto na literatura quanto na prática empresarial brasileira.
ABSTRACT
This article aims to present, by reviewing the precursor literature on social responsibility, the
evolution concept as a business practice, allowing the understanding, through didactic
exhibition and based on historical and literary contributions of evolution concept in the
business world, from the incipient forms characterized by philanthropy based on rationality
modern conceptions based on stakeholder theory, presents the dichotomy between the two main
theories of corporate social responsibility, shareholder theory and stakeholder theory, finally,
introduces the discussion to Brazil, seeking the roots of the rise, both in literature and in the
Brazilian business practice.
1
E.Mail: luiz.otavio@unifap.br - - Mestrado em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela Universidade
Federal do Amapá.
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso Brasileiro. Revista de
Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015. Artigo recebido em 02/12/2015 Última versão recebida em
08/12/2015. Aprovada em 09/01/2016. 118
Carmo, L.O.; Evolução da Responsabilidade Social Empresarial e a Introdução ao Caso
Brasileiro. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.118-137. 2015.
As ideias de Carnegie sobre filantropia foram condensadas em seu livro por meio de
dois princípios básicos, a saber:
O Princípio da Caridade, que consiste na afirmação de que cabe aos indivíduos
mais ricos auxiliarem os menos favorecidos da sociedade, por meio de ajudas
financeiras e doações a idosos, doentes, desempregados e outros, a forma da ajuda
era discricionária e tinha caráter individual, não estava associada às organizações.
Embora as ideias de Carnegie fossem justas do ponto de vista social, elas não
condiziam com a postura que tomava nos negócios: suas atitudes junto aos funcionários não
eram muito ortodoxas; não hesitou, por exemplo, em cortar salários, aumentar a carga horária
dos trabalhadores para 84 horas semanais, além de se negar a contratar ex-sindicalistas, razão
pela qual não era benquisto junto aos empregados, que vez ou outra ensaiavam entrar em
greve (EXAME, 2003).
Segundo Ashley (2005) a questão da ética e Responsabilidade Social corporativa era
aceita como doutrina até o final do século XIX, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.
Nesse momento, a atividade corporativa era fortemente controlada pelo Estado, que exercia o
poder de conceder ou não o direito de exploração de um determinado negócio, sendo,
portanto, prerrogativa de poucos.
Desde o final do século XIX e início do século XX, com as transformações de ordem
política nos EUA, a premissa da legislação sobre corporações passou a ser a da satisfação das
necessidades de lucro dos seus acionistas. Este pensamento, nitidamente capitalista, exerceu
influência na produção teórica até o final dos anos 1970, e depois disto, incorporaram-se
outros vieses sobre a Responsabilidade Social Empresarial (RSE), mudando de foco a
discussão.
Sobre este mesmo período, mais especificamente no início do século XX até a década
de 1950, Ashley (2005) Barbieri e Cajazeira (2012) apontam dois acontecimentos
relacionados principalmente ao conflito de agência 2, os quais envolveram o papel dos
administradores (agentes) e dos acionistas proprietários das corporações quanto à alocação de
recursos corporativos. Tais eventos antecipariam, na sua essência, os pressupostos éticos da
2
O cerne do conflito de agência está na dificuldade do proprietário acionista em controlar as ações do agente
que fora contratado para agir em seu interesse, tendo recebido algum tipo de delegação para poder agir e tomar
decisões (BARBIERI e CAJAZEIRA, 2012).
Autores como Ashley (2005) e Kreitlon (2004) descrevem que um dos principais
fatores que suscitaram o crescimento do debate acerca da Responsabilidade Social foi o
quadro desencadeado pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929. A desilusão frente às
promessas do liberalismo econômico reacendeu os questionamentos sobre a responsabilidade
das empresas sobre o contexto social em que estão inseridas.
Nas décadas de 1930 e 1940, deu-se ênfase nas questões trabalhistas que
caracterizaram a relação empresa-funcionário, fato este motivado principalmente pelo
amadurecimento do movimento sindical na luta pela melhoria das condições de trabalho,
redução da jornada e aumento salarial (SAVITZ; WEBER, 2007).
No âmbito mundial, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, criada pelo
tratado de Versalles (1919), representou um marco na legitimação de direitos trabalhistas aos
países que se tornaram signatários de seus acordos no ano de 1944. Com a expedição da
Declaração de Filadélfia, definiu-se que a organização do emprego não é resultante apenas do
esforço dos governos, mas uma preocupação também do setor privado (DIAS, 2012).
Boa parte dos temas tratados na OIT foram sancionados e inseridos no arcabouço legal
de cada país; o Brasil, membro da OIT, também considera os temas de relevância e os acordos
realizados no âmbito desta organização, sendo que boa parte das normas trabalhistas tiveram
influência externas destas convenções.
Nesse primeiro momento, compreendido entre o final do século XIX até a primeira
metade do século XX, a produção literária sobre o tema da RSE estava em muito associada à
noção de Responsabilidade Social baseada na ética pessoal na condução dos negócios. O
dilema principal a ser resolvido centrava-se no campo da legitimidade da decisão dos
administradores em destinar recursos corporativos para investimentos sociais, seja em
benefícios dos empregados, seja em ações filantrópicas e assistenciais.
A literatura descreve como início da nova era da Responsabilidade Social o livro de
Howard Bowen, publicado em 1953, nos Estados Unidos, sob o título Responsabilities of the
businessman3. Foi a primeira tentativa de teorizar a relação entre corporações e sociedade, ou
3
“Responsabilidades sociais do homem de negócios” - tradução para o português do título original do livro de
Howard Bowen.
conforme Carroll e Shabana (2010), “o livro de Bowen era visivelmente à frente de seu
tempo, por pelo menos uma década, mas veio a moldar o pensamento significativamente
futuro sobre o assunto”.
Bowen considerava as empresas como importantes centros de poder e influência sobre
o meio em que estivessem inseridas. Como consequência deste poder, caberia aos
denominados “homens de negócio” assumir posturas éticas condizentes com os valores
morais e expectativas da sociedade. As ideias difundidas pelo autor anteciparam o que seria
tratado somente anos mais tarde, sendo por isso, considerado o precursor da teoria dos
stakeholders ou das partes interessadas (CARROLL; SHABANA, 2010).
Archie B. Carroll (1999), influente autor norte-americano na área da Responsabilidade
Social, descreve que a obra de Bowen marca o moderno e sério debate sobre RSE e, por causa
de seu trabalho precursor e seminal, deve ser chamado de o "Pai da Responsabilidade Social
Corporativa".
Embora ele tenha tratado o tema de forma singular, e ter sido considerado o “pai
fundador” da visão moderna da RSE, como assim o retrata Carroll (1999), Bowen ainda
refere-se ao “homem de negócios”, assim como em toda a literatura da década de 1950 sobre
Responsabilidade Social Corporativa. Nas décadas seguintes, a responsabilidade em questão
passaria a ser conferida às empresas, a partir da transição da racionalidade do indivíduo para a
racionalidade da organização, conforme mencionado anteriormente.
Na década de 1960, o foco da Responsabilidade Social foi direcionado às
organizações empresariais: as decisões que antes recaiam nos administradores passaram a ser
elaboradas a nível institucional, mais por uma necessária mudança de paradigma do que pela
simples transição de atores envolvidos, provocada, sobretudo, pelos movimentos sociais
reivindicatórios de uma nova postura por parte das empresas, desde então envolvidas em
questões polêmicas relacionadas à poluição, desemprego, discriminações raciais e de gênero e
sobre a qualidade dos produtos comercializados (KREITLON, 2004).
Alguns destes acontecimentos ocorridos na década de 1960 foram decisivos para a
mudança de paradigmas no discurso teórico da Responsabilidade Social; além dos
movimentos sociais citados acima, o início do longo período da Guerra fria entre os Estados
Unidos e a União Soviética reforçou a noção pré-existente da RSE. Battagello (2013) afirma
que a Responsabilidade Social serviu como argumento em defesa do capitalismo de livre
mercado, em detrimento da iminente ameaça do modo de vida soviético.
Kreitlon (2004) considera que, não obstante toda a produção teórica no sentido de dar
um significado para a Responsabilidade Social Empresarial, o escopo da ação social
corporativa na década de 1960 foi o de responder à pressão social exercida em virtude das
externalidade negativas associadas à atuação empresarial. A partir dessa década, as teorias
desenvolvidas favoreceram a percepção da empresa enquanto entidade moral, e as decisões
tomadas deveriam refletir a filosofia da organização, enquanto estrutura decisória composta
de objetivos, regras e procedimentos.
teoria aos processos organizacionais, para que fosse dado um sentido pragmático ao conceito
de RSE.
Segundo Carrol (2009), foi na década de 1970 que os estudos sobre RSE incluíram o
debate sobre a capacidade de resposta e o desempenho social das organizações; passou-se a
perceber que as empresas não deveriam assumir apenas “responsabilidades”, mas responder
ao ambiente proporcionalmente ao que dele se apropria, criando-se mecanismos para
identificação das demandas externas e internas associadas ao negócio.
Friedman acrescenta aos seus argumentos a noção de que as empresas não possuem
responsabilidades sociais, porquanto são seres artificiais, possuem apenas responsabilidades
legais. Essa linha argumentativa foi sistematizada na literatura e denominada de Teoria dos
Acionistas ou shareholder, passando a ter outros adeptos.
4
“A Responsabilidade Social dos negócios é aumentar seus lucros”, tradução do título original do artigo de
Milton Friedman.
Foi nesse período que o bem-estar humano, as preocupações com o meio ambiente e a
percepção da influência das empresas, juntos, geraram preocupação e começaram a provocar
questionamentos sobre um novo padrão de Responsabilidade Social. Berle e Means apud
Barbieri (2012) descrevem que “a moderna sociedade anônima acumula um tremendo poder
econômico controlado por poucos, podendo prejudicar ou beneficiar multidões, afetar distritos
inteiros, deslocar as correntes comerciais, trazer ruína ou prosperidade às comunidades”.
existência”. Portanto, não existem por si mesmas uma vez que dependem da teia de conexões
presentes no mercado.
Neste sentido, o reconhecimento de que a empresa não existe apenas para viabilizar o
alcance de seus interesses passou a suscitar uma releitura de seus princípios orientadores, já
que as organizações – instituições sociais – devem balizar-se pelos novos padrões éticos de
atuação convencionados no interior da sociedade e necessários para a sobrevivência no
mundo dos negócios.
Um grande número de teóricos, dentre eles Ashley (2005), Borger (2001), Mitchel,
Agle e Wood (1997), concordou que as organizações devem responder a todas as expectativas
dos segmentos da sociedade que legitimamente reclamarem-se como partes interessadas no
negócio. De modo geral, esta maneira particular de conceber a Responsabilidade Social das
empresas ficou conhecida na literatura como Teoria dos Stakeholders ou das Partes
Interessadas, tendo como precursor os trabalhos de Freeman na década de 1980.
A partir de 1990 houve uma diminuição na procura por definições teóricas, ao passo
que um movimento ascendente de modelos propositivos da Responsabilidade Social que
relacionaram a RSE e o desempenho econômico empresarial, foram construídos. Destarte, a
visão que se tinha sobre a RSE, envolta em um discurso sobre ética e moral dos “homens de
negócio”, combatida pela falta de rigor teórico e de pragmatismo funcional foi substituída por
uma Responsabilidade Social estratégica sob o ponto de vista do alcance dos objetivos das
empresas, portanto, saber lidar com a questão social no gerenciamento corporativo virou a
“chave do negócio”.
Conferência de Estocolmo, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972,
na Suécia. Sua principal contribuição foi reconhecer a dimensão ambiental como uma das
condicionantes do crescimento econômico, ratificada na Declaração de Estocolmo.
Barbieri e Cajazeira (2012) destacam que uma das principais contribuições destes
eventos foi a aproximação do conteúdo da Responsabilidade Social Empresarial das questões
ambientais, razão pela qual as abordagens atuais sobre RSE presentes na literatura trazem a
questão ambiental como um dos temas a serem tratados na gestão organizacional.
A partir de toda a exposição acima percebe-se que as primeiras incursões sobre o tema
da Responsabilidade Social Empresarial foram frutíferas quanto a instigar a classe empresarial
sobre a necessidade de revisão de valores éticos e morais cristalizados sob a forma de um
“credo” capitalista, que levava o mundo corporativa a refutar as ideias inovadoras trazidas
pelo discurso da RSE.
Nível de análise: mudança das discussões dos efeitos macrossociais das ações
sociais para um foco centrado nas organizações.
se inicia com mudanças conservadoras na década de 1970 até configurações mais radicais,
envolvendo os atuais e futuros stakeholders, conforme figura seguinte:
Sendo assim, a partir destas noções preliminares, buscar uma definição precisa de
Responsabilidade Social seria uma tarefa complexa, pois o conceito está intrinsecamente
vinculado à dinâmica da relação entre empresa e grupos de interesse no negócio. O que se
pode afirmar de antemão é que a RSE trata-se de um movimento irrevogável, socialmente
construído, e que caracteriza um dos instrumentos estratégicos da nova gestão empresarial.
Uma dos pontos principais a ser destacado do documento foi a utilização da expressão
Responsabilidade Social das empresas, em um momento em que o tema era discutido ainda
de modo incipiente nos Estados Unidos, berço das principais teorias organizacionais,
envolvendo o dilema ético e moral das ações filantrópicas dos empresários e gerentes
corporativos.
Segundo Costa (2012), o Balanço Social vem sendo alvo de discussões e estudos por
parte da ADCE desde 1961, sendo um importante meio de prestação de contas das ações
sociais das empresas e um instrumento estratégico para a difusão de sua Responsabilidade
Social e de avaliação destas ações pelas partes interessadas.
No ano de 1984, foi publicado o primeiro Balanço Social pela empresa Nitrofértil,
uma estatal com sede na Bahia. Posteriormente, outras empresas foram incorporando o
Além destas, outras entidades passaram a contribuir para a difusão das práticas de RSE
no Brasil. Atualmente, o Instituto Ethos de Responsabilidade Social publica os indicadores de
Responsabilidade Social. Disponível na versão 2013, eles consistem em uma ferramenta de
5
Balanço Social é um instrumento de informação da empresa para a sociedade no qual são explicitados os
pontos positivos e negativos de sua atuação, servindo tanto como um meio de prestação de contas das atividades
empresariais para um universo de interessados quanto um poderoso instrumento da sociedade que possibilita
avaliar a natureza dos investimentos realizados pelas empresas.
6
Relatório de Sustentabilidade é um termo amplo considerado sinônimo de outros relatórios, cujo objetivo é
descrever os impactos econômicos, ambientais e sociais de uma organização, como o relatório de
Responsabilidade Social Empresarial e o Balanço Social (GRI, 2006).
7
Trata-se de uma organização sem fins lucrativos, cujo objetivo principal é o de elaborar e difundir um conjunto
de diretrizes e indicadores para construção de relatórios de sustentabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS