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HIPERGLICEMIA EM PACIENTE HOSPITALIZADO

Hiperglicemia em pacientes hospitalizados é uma ocorrência diária. Em abril de 2022, a


Endocrine Society lançou uma nova diretriz de manejo de hiperglicemia no paciente internado
não crítico. São 10 recomendações no total. Aqui revisamos o documento e discutimos os
principais pontos.
Introdução e definições

Dos pacientes adultos hospitalizados, 25% têm diabetes. Hiperglicemia no paciente internado
está associado a maior tempo de internação e mais complicações. O documento trata
exclusivamente do manejo de glicemia fora da UTI.

Tabela 1
Insulinas rápidas e basais

A nomenclatura dos esquemas de insulina não é consensual. A diretriz aborda esse problema
trazendo uma sessão com definições:
 Esquema móvel (sliding scale): abordagem reativa baseada nos níveis de glicemia.
Costumeiramente, as glicemias são medidas em horários fixos (6 em 6 ou 4 em 4 horas)
e não são sincronizadas com a alimentação. Doses progressivas de insulina rápida são
administradas a depender do valor da glicemia, sem individualizar para a sensibilidade
de cada paciente à insulina. Exemplo: glicemia entre 150 e 200 - administrar 01 unidade
de insulina; glicemia entre 200 e 250 - administrar 02 unidades de insulina e assim
sucessivamente.
 Insulina de correção (correction insulin therapy): similar ao esquema móvel, porém
necessariamente vinculada a glicemias pré-prandiais. Se for necessária, a insulina
rápida é administrada sempre antes da refeição.
 Insulina de horário (scheduled insulin therapy): combinação de insulina basal (ação
intermediária ou longa) com insulina prandial pré-refeição (rápida ou ultra-rápida).
 Esquema basal bolus (BB): o esquema BB é um tipo de insulina de horário. A insulina
basal é administrada uma a duas vezes por dia. A insulina rápida é feita pré-refeição e a
dose tem dois componentes: prandial e correção. O componente prandial corrige o
incremento de glicemia que a própria refeição vai causar. A correção atua na glicemia
que já está elevada antes da refeição. Exemplo:
o O paciente tem um esquema de correção da seguinte forma: "glicemia entre 150
e 200 - administrar 01 unidade de insulina; glicemia entre 200 e 250 -
administrar 02 unidades de insulina". Para ilustrar, suponhamos que antes do
almoço a glicemia é de 223 mg/dL e que para cobrir essa refeição serão
necessárias 3 unidades de insulina. A dose de insulina rápida antes do almoço
será de 5 unidades: 3 unidades para atuar na carga glicêmica da refeição
(componente prandial) e 2 unidades para corrigir a glicemia pré-refeição que já
está elevada (componente de correção).
Monitorização da glicemia
A recomendação 1 é sobre monitorização da glicemia: "em pacientes hospitalizados com
diabetes tratados com insulina e em risco de hipoglicemia, nós sugerimos monitorização
contínua da glicemia (MCG)". Para ajustes na dose de insulina, deve-se confirmar os valores
com glicemia capilar na beira do leito.

Pacientes de risco para hipoglicemia estão incluídos na tabela 2.

Tabela 2 Pacientes de risco


para hipoglicemia

A MCG é feita com um aparelho fixado na pele que faz leituras de glicose a cada 5 a 15
minutos. Parece detectar mais eventos de hipoglicemia e melhorar o controle. A equipe deve ser
treinada antes da implementação dessa medida.
Hiperglicemia induzida por corticóides
A recomendação 2 aborda hiperglicemia induzida por corticóides: "em pacientes hospitalizados
que desenvolvem hiperglicemia enquanto recebem corticóides, nós sugerimos manejo de
glicemia com um esquema baseado em NPH ou BB".

O esquema baseado em NPH consiste na administração preemptiva de insulina NPH pareada


com a administração do corticóide. A lógica é que a insulina NPH se assemelha com o perfil
farmacodinâmico de prednisona e metilprednisolona. Assim, sincronizando a administração dos
medicamentos, a insulina negaria o efeito glicêmico dos corticóides.

As evidências não são claras se existe uma estratégia melhor nesse contexto. O documento
enfatiza que o mais importante é abordar a hiperglicemia induzida por corticóides do que saber
o esquema de insulina ideal.
É necessário cuidado quando a terapia com corticoides for reduzida ou suspensa, pela chance de
hipoglicemia. Especialistas sugerem escolher a insulina baseada no perfil farmacodinâmico do
corticoide. Apesar do sentido teórico, essa estratégia precisa de mais estudos. Aqui uma diretriz
sobre o tema com detalhes de doses e titulação da insulina.
Bomba de insulina e educação em diabetes

Tabela 3
Conversão de infusão de insulina subcutânea contínua para insulina basal-bolus
A recomendação 3 é sobre manter a bomba de infusão subcutânea de insulina no hospital. Se a
equipe for treinada para esse manejo, a orientação é manter. Se não houver treino, sugere-se
mudar para esquema BB se a previsão é de uma internação de mais do que 1 a 2 dias. Para fazer
a transição da bomba de infusão para o esquema BB, as configurações da bomba precisam ser
consultadas. A diretriz traz uma sugestão conforme a Tabela 3.
A recomendação 4 trata de educação em diabetes. Deve-se fornecer capacitação em
diabetes para o paciente antes da alta. Um programa de educação bem feito é capaz de
melhorar a hemoglobina glicada (HbA1C) e reduzir novas admissões.

Todo programa de educação tem que tocar no mínimo nos seguintes pontos:
 Como administrar as medicações
 Como monitorizar a glicemia
 Plano alimentar básico
 Prevenção, identificação e tratamento de hiper e hipoglicemia
 A quem recorrer em casos de emergência, preocupações ou dúvidas

Os estudos de intervenções educacionais também trazem medidas que facilitam a transição do


cuidado hospitalar para o ambulatorial. O documento menciona:
 Garantir uma consulta pós alta
 Acompanhar o paciente por telefone após a alta
 Facilitar o acesso a medicações e insumos necessários
Meta de glicemia antes de cirurgia eletiva
A recomendação 5 traz metas glicêmicas antes de cirurgias eletivas: "nós sugerimos uma meta
de HbA1C < 8% e de glicemia entre 100 e 180 mg/dL antes de procedimentos eletivos".

A glicemia entre 100 a 180 mg/dL deve ser atingida em 1 a 4 horas antes da cirurgia. Se não for
possível HbA1C na meta, pelo menos a glicemia pré procedimento deve estar no intervalo
sugerido.
Níveis mais altos desses parâmetros se relacionam com maior tempo de internação e
infecção de sítio cirúrgico.
Nutrição enteral e glicemia
A recomendação 6 toca no manejo de hiperglicemia no paciente em alimentação enteral. Os
autores sugerem que tanto pode ser o esquema BB como um baseado em NPH. Não parece
haver diferenças importantes.
A escolha da estratégia é influenciada pela maneira que a dieta é administrada. Quando a
dieta é feita em bolus, o paciente recebe uma insulina basal e uma rápida com componente
prandial e correção antes de cada bolus de dieta. Se a dieta é contínua, a insulina lenta pode ser
feita para atender a 50% da demanda diária de insulina e a insulina rápida de correção baseada
em glicemias de horário (4 em 4 ou 6 em 6 horas) [1].
Antidiabéticos orais no hospital
A recomendação 7 traz o tópico bastante debatido de uso de antidiabéticos no hospital: "na
maioria dos pacientes, nós sugerimos utilizar insulina ao invés de terapias não insulínicas".

São poucas as evidências nesse tema. Alguns estudos encontraram incidência alta de náuseas e
vômitos com análogos da GLP-1 (os glutides) e aumento do risco de hipoglicemia com
sulfoniluréias. Em pacientes estáveis antes da alta, é razoável começar terapias não insulínicas.
Os autores colocam que, se o quadro for leve em pacientes selecionados, os inibidores de
DPP4 (as gliptinas) são uma opção. Esses pacientes são os que possuem HbA1C < 7,5;
glicemia < 180 mg/dL e dose total de insulina antes da internação menor que 0,6 UI/kg. Se a
glicemia se mantiver acima de 180 mg/dL, deve-se iniciar insulina.
Bebidas com carboidratos e contagem de carboidratos
Na recomendação 8, a diretriz orienta não administrar bebidas com carboidratos antes de
cirurgias em pacientes com diabetes. Essa medida faz parte do protocolo Enhanced Recovery
After Surgery (ERAS). A ideia dessa intervenção é que o carboidrato seria capaz de minimizar a
resistência insulínica e catabolismo induzidos pelo estresse cirúrgico. Esse benefício é teórico e
a intervenção pode ter malefícios, assim não deve ser feita.
A recomendação 9 é sobre contagem de carboidratos (CC). A CC é um método para calcular a
dose de insulina prandial. A dose de insulina varia em função da carga glicêmica da refeição. Se
o paciente não precisava de insulina antes da internação, o documento sugere não utilizar CC.
Se o paciente utilizava insulina antes, a diretriz sugere que tanto faz utilizar CC ou realizar uma
dose fixa.
Esquema de insulina no paciente internado
A recomendação 10 é a mais aguardada e trata sobre o esquema ideal de insulina para manejo
da hiperglicemia dentro do hospital. A diretriz divide a recomendação em três:
 Em pacientes sem diabetes com glicemia > 140 mg/dL, sugere-se terapia inicial com
insulina de correção. Se o paciente tiver dois ou mais episódios de glicemia > 180
mg/dL no período de 24 horas, deve-se acrescentar insulina de horário.
 Em pacientes com diabetes tratados com terapias não insulínicas, sugere-se tanto
insulina de correção ou insulina de horário. Se a glicemia da admissão for > 180 mg/dL,
sugere-se iniciar insulina de horário. Se o paciente tiver dois ou mais episódios de
glicemia > 180 mg/dL no período de 24 horas apenas com insulina de correção, deve-se
acrescentar insulina de horário.
 Em pacientes que já usavam insulina previamente à internação, recomenda-se
manter o esquema de insulina de casa ajustado para o estado nutricional e gravidade da
doença.

Redução na dose de insulina basal em 10 a 20% podem ser necessárias em pacientes que
usavam uma dose de insulina basal > 0,6 UI/kg.
A meta é deixar a glicemia entre 100 e 180 mg/dL.
Um dos estudos que norteia a meta de glicemia é o NICE-SUGAR, publicado no New England
Journal of Medicine em 2009. Realizado no ambiente de terapia intensiva, esse trabalho
comparou uma meta de glicemia entre 81 e 108 mg/dL contra menor que 180 mg/dL. A meta
menor que 180 mg/dL teve menor mortalidade.
O esquema de correção não é suficiente para controlar a glicemia em muitos pacientes. Várias
evidências concordam nesse sentido, entre elas o estudo RABBIT 2 publicado em 2007.
Comparando esquema móvel com BB, esse artigo encontrou que o BB melhorou o controle
glicêmico.
Contudo, parece existir espaço para a insulina de correção isoladamente em alguns pacientes.
Esse estudo observacional publicado em 2021 encontrou que pacientes com hiperglicemia leve (
< 180 mg/dL) podem ter bom controle com insulina de correção apenas. Esse estudo foi
repercutido no nosso especial de melhores artigos de 2021.

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