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A NECESSIDADE DE INVESTIR NA MELHORIA DA QUALIDADE DA ÁGUA PARA

CONSUMO HUMANO EM PORTUGAL. REFLEXÕES SOBRE O CONTENCIOSO COM A


COMISSÃO EUROPEIA.
1
Jaime Melo Baptista
2
Dulce Álvaro Pássaro
3
Rui Ferreira dos Santos
4
Alexandre Milheiras Costa

Lisboa, Outubro de 2005

Índice

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................... 1
2. A REFLEXÃO A FAZER ................................................................................................................................................. 2
3. A EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS................................................................................................................ 2
4. A ACTUAL QUALIDADE DA ÁGUA................................................................................................................................ 4
5. O QUE É NECESSÁRIO MELHORAR............................................................................................................................ 4
6. CONCLUSÃO................................................................................................................................................................. 5

1. INTRODUÇÃO

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias condenou no passado dia 29 de


Setembro a República Portuguesa por não tomar as medidas necessárias para satisfazer as
exigências do anexo I da Directiva 80/778/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1980,
relativa à qualidade das águas destinadas ao consumo humano. Esta Directiva foi
transposta para a legislação portuguesa através do Decreto-Lei n.º 74/90, de 7 de Março,
posteriormente substituído pelo Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto, e actualmente pelo
Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de Setembro.
Esta condenação refere-se a factos ocorridos nos anos de 1999 e 2000, reportados nos
correspondentes relatórios nacionais sobre qualidade da água para consumo humano, e
decorre do não cumprimento das obrigações incumbidas por força do n.º 6 do artigo 7.º e do
artigo 19.º desta Directiva. Significa isso que se verificaram em alguns sistemas de
abastecimento público desconformidades de parâmetros microbiológicos, que podem ter um
potencial impacte na saúde pública, e dos parâmetros ferro e manganês, com impacte
reduzido ou nulo.

1
Presidente do Conselho Directivo do IRAR
2
Vogal do Conselho Directivo do IRAR
3
Vogal do Conselho Directivo do IRAR
4
Director do Departamento de Qualidade da Água do IRAR
2. A REFLEXÃO A FAZER

O facto de esta condenação se referir a factos ocorridos há cerca de cinco anos não deve
impedir uma reflexão sobre este assunto. Trata-se de uma mensagem importante da
Comissão Europeia, que traduz uma situação então vivida e à qual importa reagir com
ponderação e determinação, num continuado esforço de melhoria da situação.
Essa reflexão deve passar por avaliar o que efectivamente melhorou nestes últimos anos,
mas sobretudo por avaliar o que há ainda a melhorar, para que se atinjam os níveis de
qualidade de serviço necessários. Apresentam-se seguidamente alguns contributos para a
reflexão.

3. A EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS

Há que começar por reconhecer, e isto é um aspecto positivo, que os procedimentos e a


situação actual são muito diferentes daqueles que determinaram esta condenação. Com
efeito, há que salientar os principais aspectos da mudança ocorrida nestes últimos cinco
anos:
Com a transposição da Directiva 98/83/CE, de 3 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º
243/2001, de 5 de Setembro, o quadro legal foi alterado e no seu âmbito foi entregue a
função de Autoridade Competente ao Instituto Regulador de Águas e Resíduos (IRAR),
que passou a ser responsável pela sua implementação a partir de 25 de Dezembro de
2003, ou seja há pouco menos de dois anos.

O novo diploma consagra a concentração num só organismo, o IRAR, do essencial das


competências previstas, contrariamente ao que estava estabelecido na legislação
anterior. Desta forma, as dificuldades administrativas em harmonizar a interligação dos
diferentes intervenientes, mencionadas no acórdão do Tribunal de Justiça, foram
ultrapassadas.

As competências do IRAR, que se traduzem num potencial de eficácia anteriormente


inexistente, deram origem à criação de um departamento especializado5 e contemplam
aspectos como:

a apreciação, a aprovação e a verificação da implementação dos Programas de


Controlo da Qualidade da Água, que vinculam as entidades produtoras e
distribuidoras de água ao cumprimento da frequência mínima de amostragem
definida na lei;

a inspecção regular das entidades produtoras e distribuidoras de água responsáveis


pela gestão dos sistemas públicos de abastecimento de água;

a supervisão regular dos laboratórios de análises que realizam os ensaios de


controlo da qualidade da água, garantindo assim maior fiabilidade dos resultados;

5
Trata-se do Departamento de Qualidade da Água do IRAR. Note-se que um balanço do primeiro ano da sua
actividade foi apresentado em Junho do corrente ano através da publicação intitulada “A qualidade da água para
consumo humano em Portugal: o balanço da intervenção do IRAR como autoridade competente”, disponível no
sítio do IRAR (www.irar.pt) na secção Documentação / Outros documentos / Textos sobre qualidade da água.

2
o acompanhamento do tratamento dos incumprimentos aos valores paramétricos,
acautelando a implementação, por parte das entidades produtoras e distribuidoras
de água, de medidas correctivas, de forma a ser restabelecida a qualidade da água;

o apoio técnico do IRAR às entidades gestoras e a articulação com outras entidades


envolvidas, nomeadamente de saúde e licenciadoras;

a elaboração dos relatórios anuais sobre a qualidade da água para consumo


humano e dos relatórios trienais a enviar à Comissão Europeia;

a instauração de processos de contra-ordenação, instrumento que pode ser


determinante para a melhoria do desempenho das entidades gestoras.

A Autoridade Competente funciona como interlocutor privilegiado e permanente das


mais de três centenas de entidades produtoras e distribuidoras de água para consumo
humano, o que tem resultado numa melhoria do seu desempenho. Um dos aspectos a
salientar, a este nível, é a progressiva capacidade dessas entidades para identificarem
as causas dos incumprimentos e de adoptarem as medidas correctivas necessárias.

Para a evolução positiva que se tem verificado, não se podem deixar também de salientar
os investimentos avultados nos sistemas multimunicipais de abastecimento em “alta”, de
iniciativa estadual, os quais se reflectem, nomeadamente:
No reforço dos sistemas de tratamento e drenagem das águas residuais, tendo em vista
a protecção dos recursos hídricos e, consequentemente, das captações superficiais;

Na criação dos perímetros de protecção das captações subterrâneas;

Na construção de novas estações de tratamento de água destinada ao consumo


humano;

Na reabilitação de estações existentes de tratamento de água destinada ao consumo


humano, bem como de reservatórios de água.

Há, complementarmente, que referir uma cada vez maior atenção com os sistemas
municipais de distribuição em “baixa”, e um esforço de iniciativa municipal, com reflexos:
Nos investimentos realizados nos sistemas de abastecimento, especialmente em
desinfecção e em desferrização/desmanganização, com reflexos já evidentes na
qualidade da água na torneira do consumidor;

Numa progressiva maior atenção ao controlo operacional do processo de produção e de


distribuição da água pela entidades gestora;

No incremento do controlo da qualidade da água, de acordo com o disposto na


legislação em vigor, pelas entidades produtoras e distribuidoras de água;

Numa intervenção mais célere e adequada quando surgem problemas da qualidade da


água por parte das entidades produtoras e distribuidoras de água.

Também o desenvolvimento e a cada vez maior abrangência dos sistemas multimunicipais e


intermunicipais têm contribuído de forma marcante para a melhoria da qualidade da água,
em particular no que concerne aos parâmetros relacionados com a qualidade da água na
origem.

3
Para ilustrar o que é referido, na última década o País evoluiu em termos de cobertura da
população de cerca de 80 para cerca de 92% em abastecimento público, sendo a meta
estabelecida no Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas
Residuais (PEAASAR) de 95% em 2006.

4. A SITUAÇÃO ACTUAL DA QUALIDADE DA ÁGUA

Apesar de existirem mais de 4 000 zonas de abastecimento, das quais 90% servem menos
de 5000 habitantes, e consequentemente serem muito difíceis melhorias muito relevantes de
um ano para outro, salientam-se as seguintes evoluções conseguidas ao nível do
cumprimento da frequência e da qualidade da água:
Entre 1999 e 2004 houve uma redução de cerca de 50% das análises em falta, que
passaram de 25% para menos de 14%. Note-se que, há cerca de uma década, apenas
se faziam metade das análises obrigatórias.

No mesmo período verificou-se uma redução de cerca de 30% nos incumprimentos aos
valores paramétricos, que passaram de 2,4% para cerca de 1,7%.

Relativamente às percentagens de incumprimento dos parâmetros alumínio, ferro e


manganês, houve uma redução global na ordem de 50%, que passaram de 3,7%, 7,6%
e 7,8% para, respectivamente, 1,9%, 4,7% e 3,2%.

Quanto aos parâmetros microbiológicos, apesar do controlo ter passado a ser feito, de
acordo com a nova legislação, na torneira do consumidor, o que determina que, em
circunstâncias idênticas, haja uma tendência de aumento de incumprimentos, não se
verificou agravamento entre 2003 e 2004, o que, na prática, significa uma melhoria
considerável.

Note-se, a propósito, que no âmbito do procedimento anual de intervenção, o IRAR é


testemunha de uma grande evolução no que respeita à existência e adequação dos
Programas de Controlo da Qualidade da Água, na medida em que:
Relativamente a 2004 apreciou 299 programas enviados pelas entidades produtoras e
distribuidoras de água, correspondendo a 95% do total do Continente e das Regiões
Autónomas da Madeira e dos Açores, tendo aprovado apenas cerca de 35%.

Relativamente a 2005 apreciou 301 programas, representando 98,7% do total


Continente e da Região Autónoma dos Açores, tendo aprovado cerca de 80%.

Em conclusão, é entendimento do IRAR que tem efectivamente havido uma melhoria


generalizada da qualidade da água de abastecimento público em Portugal, como se torna
evidente da consulta aos relatórios anualmente publicados sobre este assunto6, e que o
afastamento relativamente a outros países europeus mais avançados nesta área tem vindo
a diminuir.

5. O QUE É NECESSÁRIO MELHORAR

Considerando a situação descrita, é fundamental a clara identificação e o efectivo


envolvimento de todas as partes naquilo que é necessário fazer para melhorar a qualidade

6
O relatório da qualidade da água para consumo humano referente a 2004 vai ser publicado muito em breve e
confirma esta tendência.

4
da água para consumo humano em Portugal, o que deve constituir um verdadeiro objectivo
nacional.
Em termos de metas globais, é do interesse nacional continuar a fazer uma clara aposta
estratégica no sector, concluindo definitivamente o “ciclo infra-estrutural do saneamento
básico”, aspecto essencial numa sociedade desenvolvida, dado que estes serviços
essenciais são um dos pilares da cidadania nacional e europeia. Essa aposta deve ter como
objectivo servir, de forma regular e contínua, a maior percentagem possível da população,
com um elevado nível de serviço, a um preço eficiente e justo e dentro de uma perspectiva
ambientalmente sustentável.
Para a prossecução destes objectivos, é necessária a existência de uma adequada
organização do sector, procurando nomeadamente maximizar os benefícios resultantes de
potenciais economias de escala, de gama e de processo, optimizar a utilização das diversas
fontes de financiamento disponíveis, garantir uma adequada capacidade de geração de
receitas, promover a equidade entre consumidores, clarificar o papel dos diversos tipos de
actores do sector e consolidar um adequado e efectivo modelo de regulação e de controlo
ambiental.
O IRAR considera necessário que as entidades produtoras e distribuidoras de água
reforcem a sua capacidade interna de forma a garantirem:
a totalidade das análises de monitorização da qualidade da água para consumo
humano, passando do actual nível de 87% de cumprimentos para 100%;

elevados níveis de cumprimento dos valores paramétricos da qualidade da água,


passando do actual nível de 98,3% de cumprimentos para não menos de 99%.

É também necessário que o IRAR, enquanto Autoridade Competente, reforce a sua


intervenção junto das entidades envolvidas, nomeadamente a nível de inspecções e
supervisões. Através do exercício dessas competências, o IRAR poderá contribuir
significativamente para uma maior sensibilização das entidades distribuidoras de água no
que respeita à necessidade do reforço do controlo operacional, à melhoria da operação e da
manutenção dos reservatórios e das redes de distribuição em “baixa” e à realização da
totalidade das análise obrigatórias.
Note-se que o IRAR entendeu, na fase inicial de aplicação da nova legislação, priorizar uma
intervenção essencialmente pedagógica, procurando apoiar as entidades gestoras num
processo necessariamente complexo e difícil mas essencial à saúde pública e à qualidade
de vida dos portugueses, em detrimento da instauração de processos de contra-ordenação
às entidades gestoras. Decorrido todo este período, vai agora o IRAR iniciar, sempre que
justificáveis e no quadro da lei, a instauração de processos de contra-ordenação em matéria
de qualidade da água para consumo humano, dando assim pleno cumprimento ao Decreto-
Lei n.º 243/2001, de 5 de Setembro.

6. CONCLUSÃO

Em conclusão, é entendimento do IRAR que Portugal dispõe já de serviços de


abastecimento público de água às populações com qualidade aceitável, tendo efectivamente
havido uma melhoria generalizada da qualidade de água, como se torna evidente da
consulta aos relatórios anualmente publicados sobre este assunto, essencialmente graças
ao esforço das entidades produtoras e distribuidoras. Os consumidores devem portanto
saber que a qualidade da água distribuída em Portugal é na grande maioria das situações
de boa qualidade e que as entidades gestoras produtoras e distribuidoras de água, o IRAR e
as autoridades de saúde zelam permanentemente pelo seu controlo.

5
Contudo, há ainda muitas situações a melhorar. Por essa razão, deve ser um objectivo
nacional o reforço e a consolidação da melhoria da qualidade da água para consumo
humano em Portugal. Esse esforço deve permitir atingir a curto prazo as metas de 100% de
realização da totalidade das análises de monitorização da qualidade da água e de 99% de
cumprimento dos valores paramétricos da qualidade da água pelas entidades produtoras e
distribuidoras de água.
Devemos estar conscientes que se trata de um esforço conjunto de todos, nomeadamente
dos Municípios, a quem compete a distribuição directa de água às populações, e do Estado,
quer como produtor de água em “alta” em boa parte do território, quer nas suas funções de
autoridade competente para a qualidade da água, de autoridade de saúde e de autoridade
licenciadora.
Só assim poderemos atingir os níveis de qualidade de serviço que consideramos
necessários ao desenvolvimento da sociedade portuguesa, servindo, de forma regular e
contínua, a maior percentagem possível da população com um elevado nível de serviço,
nomeadamente da qualidade da água distribuída.

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