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Paulo Lobato 15 de dez.

de 2021 8 min para ler

Dormentes ferroviários: Conceitos e


características
Atualizado: 28 de jul.

Introdução

Anteriormente, falamos sobre a superestrutura e vimos que um de seus componentes é o dormente, o qual será
assunto desta postagem. Os dormentes podem ser considerados travessas, geralmente, prismáticas que ficam
posicionados sobre e ao redor do lastro e sobre os quais os trilhos são assentados e fixados. Tal elemento pode
ser encontrado com diferentes tipos de materiais, os quais são: madeira, aço, plástico e concreto. Discutiremos,
também, que não existe um bom ou ruim, mas sim, um que se adeque melhor para cada situação.

Abaixo podemos identificar melhor onde os dormentes ficam localizados e um exemplo com ordens de grandeza
de como são distribuídos esforços do tráfego até a plataforma
Posição dos dormentes e ordem de grandeza de distribuição dos esforços do tráfego até a plataforma

Funções

Os dormentes são responsáveis por manter a distância entre os trilhos (bitola) além de fixa-los e servir como o
suporte destes. Com isso, o dormente recebe a carga do patim do trilho através da placa de apoio. Esta carga é
absorvida e redistribuída para o lastro, como observado na figura anterior. Assim, este componente distribui os
esforços horizontais e verticais ao lastro; mantém a estabilidade transversal, vertical e longitudinal da via; e
mantém a conformação geométrica da grade ferroviária e do AMV (alinhamento longitudinal e transversal).

Materiais do dormente

Como já dito, o dormente pode ser encontrado com diferentes tipos de material e agora é o momento de
falarmos sobre cada um deles. A figura abaixo exemplifica cada um dos materiais utilizados na fabricação dos
dormentes:

Materiais de dormentes

Madeira

Os dormentes de madeira são os mais utilizados no Brasil, principalmente, pelo baixo custo. Eles são destacados
pela sua resistência e elasticidade; promovendo uma grande capacidade de suportar vibrações oriundas de ações
de veículos ferroviários.

Cada dormente possui um espaçamento específico de acordo com suas características, por exemplo, os de
madeira são usualmente espaçados em 57 cm, o que nos dá um total de 1750 dormentes/km. Este distanciamento
é curto em relação aos demais dormentes, devido ao peso mais leve da madeira. Além disso, para cada tipo de
bitola, há uma medida para as dimensões do dormente, veja os exemplos:

Dimensões do dormente baseadas na bitola da via

Antigamente, as ferrovias utilizavam diferentes tipos de madeiras de lei como dormentes, conforme o quadro a
seguir:

Atualmente, o eucalipto é a madeira mais utilizada em dormentes, se não a única a utilizada. Essa madeira,
existem diferente espécies que podem ser utilizadas e cada uma com características diferentes, na tabela a seguir
podemos observar um pouco das suas propriedades:
Propriedades da madeira

Como já mencionado, os dormentes, majoritariamente, possuem formatos prismáticos, contudo, antigamente, os


de madeira também eram encontrados em formatos ovalados e de duas faces, como podemos observar na figura
abaixo:
Formatos dos dormentes de madeira

É importante, também, falarmos das partes dos dormentes de madeira que são: alburno e cerne. A última é a
parte central do elemento, sendo mais densa e mais resistente. Já a primeira é a parte periférica do dormente, a
qual envolve a parte central e possui contato direto com as substâncias do tratamento químico.

Partes de um dormente na vista transversal

Há uma necessidade de se tratar os dormentes para uma garantia de maior vida útil destes. Existem vários tipos
de tratamentos que serão listados a seguir:
1. Aplicação de Gang Nails: são placas
metálicas que são colocadas na face lateral
dos dormentes para minimizar as
rachaduras dos dormentes nas pontas
durante a secagem.

2. Secagem: Existem duas formas de


secagem, sendo elas o anelamento e a
secagem de dormente empilhado. Esta
primeira forma se dá quando o tronco de
madeira é descascado antes mesmo de ele
morrer, permitindo que a madeira seque
naturalmente sem muitos riscos de
empenamento. Tal processo possui uma
duração aproximada de 8 a 12 meses. A
segunda forma de secagem é a mais
utilizada atualmente, a qual a madeira fica
empilhada com uma certa inclinação e
espaçamento entre uma peça e outra,
permitindo uma circulação de ar e a
secagem por igual. Este processo dura de
20 a 30 dias, no entanto, há uma perda de
10%, aproximadamente, de peças
empenadas e rachadas.

3. Autoclavagem: é um processo em que os


dormentes são embebedados por
preservativos químicos como CCA
(Arceniato de cobre cromatado) e CCB
(Wolmanit CB) e colocados em uma
máquina (autoclave), onde sofreram uma
pressão de 10Mpa durante 24 horas, para
aderência desses produtos químicos ao
alburno.

Assim que o tratamento é terminado os objetos


fardados serão encaminhados para o transporte e
levados até a ferrovia, onde serão distribuídos.
Logística

Ao receber os dormentes é necessária uma primeira inspeção visual para recebimento destes. Para se aprofundar
nessas práticas de inspeção, você pode adquirir nosso curso de Manutenção de Via Permanente.

Dentre as vantagens da utilização dos dormentes de madeira podemos citar:

Resiliência aos descarrilamentos;

Vida útil, no caso da madeira de lei

Manutenibilidade (peso e pega com tenaz);

Baixa necessidade de mecanização;

Isolamento natural, em vias sinalizadas.

Já as desvantagens são:

Vida útil, no caso do eucalipto;

Custo ambiental elevado;

Decomposição;

Baixo peso (resistência lateral).


Concreto

Dentre os dormentes de concreto mais utilizados, estão os de concreto armado protendido, os quais possuem
barras no seu interior que são tracionadas para garantia de uma compressão. Isso ajuda no não aparecimento de
fissuras no meio do dormente quando exposto às cargas nos apoios dos trilhos. Como bem sabemos, o concreto
não resiste muito à tração, então as barras em seu interior geram uma compressão impedindo o aparecimento de
trincas geradas pela tração.

Há uma tendência mundial na utilização destes dormentes, uma vez que possuem alta durabilidade e alto apelo
ambiental; uma vez que não gera desmatamento para sua fabricação e não necessitam ser trocados com
frequência. O espaçamento usual entre estes dormentes é de 61 cm, ou seja, 1.640 dorm/km.

É importante falar dos tipos de dormentes de concreto, os quais são: monobloco e bi-bloco. Este é formado por
duas partes de concreto ligadas por uma barra (pode ser o próprio trilho) de aço, resultando, assim, uma
economia de concreto. Contudo, há uma menor área de apoio que favorece o desnivelamento e menor peso e
resistência lateral quando comparado ao monobloco. Os dormentes bi-bloco são indicados para vias com veículos
de até 25t/eixo e 30 MTBT. Já os dormentes monobloco, são os mais utilizados mundialmente. Estes também
possuem alta resistência ao carregamento e fadiga, além de serem menos resilientes a acidentes. Um monobloco
de bitola larga pesa, aproximadamente, 480Kg e exigem mecanização para manutenção.
Dormente monobloco

Dormente Bi-bloco

Nos dormentes de concreto podem ser aplicadas quaisquer tipos de fixações, como, pandrol ou SKL. No entanto,
não há fixação rígida para esse tipo de dormente. Este pode receber ombreiras chumbadas, ou seja, a ombreira é
concretada dentro do dormente, além da necessidade de palmilhas isolante, uma vez que não é um dormente
naturalmente isolado. Essas palmilhas também são utilizadas para proteger os dormentes, pois possuem uma
tendência maior em se desgastar, quando em contato com o trilho.

Esses dormentes necessitam de ser instalados de forma mecanizada, uma vez que sua manipulação manual é
inviável. Para isso, são utilizadas máquinas de grande porte ou renovadores de via. Abaixo conseguimos ver uma
renovadora de linha que consegue recolher os dormentes velhos, os quais são levados, por meio de uma esteira,
para os vagões. Da mesma forma, esta máquina consegue posicionar novos dormentes com o espaçamento
correto no local onde foram retirados os velhos.
Esquema de uma renovadora de linha

Foto de uma renovadora de linha

Dentre as vantagens do uso de dormentes de concreto temos:

Durabilidade;

Habilidade para manter a bitola;

Habilidade para manter o nivelamento da via;

Habilidade para manter o alinhamento da via;

Resistência à Flambagem de via.

Já as desvantagens são:

Sensível a danos no impacto;

Abrasão na área de apoio do trilho;

Maior rigidez da via.

Aço
Os dormentes de aço são formados por chapas em forma de U virado para baixo e são fixados no lastro, por esse
motivo necessitam de melhor socaria e maior tempo de assentamento para melhor fixação. Esse material possui
maior facilidade de aplicação por ser leve e vem sendo muito empregado nas ferrovias brasileiras devido ao seu
preço competitivo. Em condições normais, apresentam longa durabilidade e resistência, além de apresentar maior
estabilidade lateral da via.

No entanto, o aço pode causar ocupação no circuito da via e, por isso, necessita de isolamento. Como estamos
falando de dormentes de aço, eles precisam de palmilha isolante para evitar a ocupação do circuito. Além disso, se
houver empenamento ou descarrilamento do dormente não é possível fazer o rebitolamento. Outro ponto
negativo é a poluição sonora causada na passagem de veículos ferroviários sobre vias com este tipo de dormente.
É importante destacar que usualmente são posicionados num espaçamento de 57 cm, ou seja, 1750dorm/km.

Legenda
Furos de fixação do olhal – permite a
fixação quando a ombreira não é
chumbada/soldada
Furo de drenagem – furos nas
laterais que permitem a drenagem
Furo de inspeção de socaria – Furos
que permitem avaliar a situação da
socaria

Podemos ver na imagem abaixo o


Dormente de aço perfil em U invertido e observamos
também uma vista frontal do
dormente que possui uma declividade central de 1:20, que serve para evitar o deslocamento da brita de dentro pra
fora. Ademais, podemos visualizar sua espessura que pode variar de 8 a 14 mm.

Perfil em U invertido do dormente de aço


Esse tipo de material permite qualquer tipo de fixação elástica, não sendo muito recomendado as fixações rígidas.
Como exemplo, temos as imagens a seguir com dois tipos de fixação.

Fixações Deenik

FastClip

Os dormentes de aço recebem tratamento para serem mais resistentes à água, à abrasão e à variação de
temperatura. Além disso, existe uma preocupação quanto à oxidação do aço, principalmente, em regiões
litorâneas; uma vez que, sob ação do sal, a vida útil dos dormentes pode ser reduzida de 30 para 10 anos.

Estes dormentes chegam às ferrovias em formas de fardos amarrados com fibras conforme figura abaixo e são
transportados por vagões plataforma até o local de uso.
Dormentes sendo transportados em vagões

Para finalizar, as vantagens e desvantagens dos dormentes de aço são resumidas abaixo:
Vantagens:

Estabilidade;

Durabilidade;

Resistência mecânica.

Desvantagens:

Período de estabilização.

Custo;

Isolamento;

Acústica;

Não permite rebitolamento (desgaste de trilhos).

Plástico

Os dormentes de plástico possuem dimensões e peso similares aos dos dormentes de madeira, além dos mesmos
tipos de fixação e de poder utilizar o mesmo ferramental de aplicação. Tal dormente apresenta boa durabilidade e
bom desempenho e é um bom isolante elétrico. Sua fabricação conta com material reciclado, porém ainda é muito
pouco empregado nas ferrovias. Abaixo temos um exemplo de dormentes de plástico.
Dormentes de plástico

Existem dois tipos de dormentes de plástico, o puro plástico e o misto. Este último utiliza componentes de
reforços de propriedades mecânicas, os quais são: fibra de vidro, que auxilia na resistência de arrancamento da
fixação, e o aço, o qual ajuda na resistência a flexão e cargas cíclicas. Ademais, o misto possui menor dureza,
fazendo com que haja deformação. Já os dormentes de plástico puro priorizam plásticos de alta densidade (PET,
detergente) e não são utilizados aditivos de reforço. É valido destacar que este tipo de dormente possui
resistência mecânica elevada e que sua alta dureza, associada à presença de vazios, leva a fratura.
Processo de fabricação dos dormentes de plástico

Com isso, podemos concluir que as vantagens sobre os dormentes de plástico são:

Manutenabilidade (ferramentas);

Manuseio (peso e dimensões)

Condutibilidade elétrica.

Já as suas desvantagens são:

Preço;

Vida útil ainda não validada pelas ferrovias.

Destinação final dos dormentes


É preciso que os dormentes, ao chegarem no final da sua vida útil, sejam descartados da melhor forma possível
para diminuir a produção de lixo. Para isso, os dormentes de madeira podem ser utilizados como:

Confecção de mourões de cercas;


Fundos e laterais de baias para depósitos de materiais;

Escoramento de aterros e banquetas;

Apoio para peças de grande porte e patolamento de equipamentos de grande porte;

Incineração em fornos apropriados para esta finalidade.

Já os dormentes de aço, podem ser reutilizados como:

Escoramento de aterros e banqueta;

Sucata.

E, por último, os dormentes de concreto podem ser destinados ao:

Escoramento em geral;

Enrocamento.

Life Cycle Cost (LCC)

Em português, LCC significa Custo de Ciclo de Vida, o qual é uma técnica para saber a alternativa economicamente
mais viável para uma ferrovia. Sendo assim, devemos levar em consideração vários pontos, como, fatores
externos, os quais estão relacionados ao mercado financeiro no período de aquisição. Além disso, devemos
considerar o custo de aquisição de componentes, por exemplo: o custo dos dormentes, fixações, materiais
metálicos, pedra de lastro adicional (em casos de dormentes mais altos, como os de concreto), palmilhas,
isolantes entre outros. Temos que levar em conta, também, o custo de manutenção de cada tipo de dormente,
vida útil em separado de cada componente utilizado, valor residual do custo dos componentes sucata, entre
outros fatores. Como foi dito no início, não existe um melhor dormente, devemos avaliar a situação do local
desde o espaço físico até os fatores financeiros e de mão-de-obra.

Conclusão

Neste post introduzimos alguns conceitos sobre os dormentes, bem como suas características. Pode-se perceber
que cada um deles possui pontos positivos e negativos, assim não existe um melhor ou pior. No entanto, é
notório a predominância do uso de dormentes de madeira e de concreto no Brasil. Você pode conferir mais
detalhes sobre os dormentes, no nosso curso de Fundamentos de Manutenção de Via Permanente. No nosso
próximo post vamos dar continuidade ao assunto de dormentes falando do seus defeitos e da sua manutenção.

Texto adaptado do Manual Técnico de Manutenção da Ferrovia Centro-Atlântica

Escrito por Paulo Lobato e Laura Lima


Especialista em manutenção de via permanente ferroviária
Elevada experiência em gerenciamento de projetos e análise de viabilidade técnica-econômica de novos projetos
Engenheiro Civil formado pela UFMG em 2010 com curso de extensão em ferrovia e
transportes pela École Nationale des Ponts et Chaussées em Paris/França
Certificado em Gestão de Projetos pelo Project Management Institute (PMI)
Certificado em Inglês Avançado (CAE) pela Cambridge University
Pós-graduado em Engenharia Ferroviária pela PUC-Minas
Pós-graduado em Gestão de Projetos pelo IETEC
Pós-graduado em Restauração e Pavimentação Rodoviária pela FUMEC
Contato: (31) 98789-7662
E-mail: phlobato01@gmail.com

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