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INTERNACIONAL – TRATADOS - SHAW

O direito dos Tratados por seu direito interno, como ocorre com muitos
Em comparação com o direito interno, são acordos comerciais. Isto não significa que tais
relativamente simples' os vários métodos pelos dispositivos não possam ser caracterizados como
quais direitos e deveres podem ser criados no acordos internacionais, ou que sejam inválidos,
direito internacional. mas apenas que não estão sob a jurisdição da
Convenção de 1969.
O direito internacional é mais limitado no
que diz respeito aos mecanismos para a criação No que diz respeito à forma, não há
de novas normas. Até certo ponto, a formação do exigências específicas para a criação de um
direito internacional consuetudinário apoia-se na tratado no direito internacional, embora seja
prática dos Estados corroborada pela opinio essencial que as partes tenham a intenção de
juris, e em geral, embora nem sempre, é um criar relações jurídicas entre si por meio do
processo progressivo e demorado. Por outro lado, acordo". Isso é lógico, já que muitos acordos entre
os tratados constituem um método mais direto e Estados são apenas declarações de princípios ou
formal de criação de direito internacional. objetivos comuns e não se destinam a estabelecer
obrigações vinculantes.
É possível, por exemplo, encerrar guerras,
resolver disputas, adquirir território, determinar O Ato Final da Conferência sobre
interesses especiais, estabelecer alianças e Segurança e Cooperação na Europa, de 1975,
criar organizações internacionais, tudo por seria um exemplo de acordo internacional não
meio de tratados. vinculante.

Assim, o conceito de tratado e o modo Deve-se observar que já aconteceu de a


como ele opera tornam-se assuntos da mais Corte Internacional de Justiça considerar que
alta importância para a evolução do direito um acordo de mandato possui a natureza de
internacional. Um tratado é basicamente um um tratado", enquanto no casa da Anglo-
acordo entre partes no cenário internacional. Iranian OU Co. foram manifestadas dúvidas
sobre a possibilidade de um acordo de
O princípio fundamental do direito dos
concessão entre uma empresa privada e um
tratados é sem dúvida a proposição de que
Estado constituir um acordo internacional no
são de cumprimento obrigatório para as partes
sentido de um tratado16. As declarações
envolvidas e devem ser celebra dos de boa-fé7 8.
opcionais referentes à jurisdição compulsória
Essa norma é chamada pacta sunt servanda, e
da própria Corte Internacional, formuladas à
pode-se afirmar que é o princípio mais antigo do
luz do artigo 36(2) do Estatuto da Corte, vêm
direito internacional. Foi reafirmado no artigo 26
sendo encaradas como cláusulas de
da Convenção de 1969s e forma a base de todos
tratados17; e certas declarações unilaterais que
os acordos internacionais, já que, na ausência de
envolvam determinadas situações jurídicas ou de
uma certa confiança mínima de que os Estados
fato podem resultar na criação de obrigações
cumprirão de boa-fé suas obrigações consignadas
jurídicas.
em tratados, não há razão para que os países
contraiam essas obrigações uns para com os Na hipótese de as partes de um acordo
outros. não pretenderem criar, por meio dele, re ações
jurídicas ou obrigações ou direitos vinculantes, o
Para os fins da Convenção, um tratado é
acordo não será um tratado, embora,
definido, no artigo 2.°, como um acordo
evidentemente, seu efeito político possa ainda ser
internacional concluído entre listados sob a forma
considerável.
escrita c regido pelo direito internacional, quer
consubstanciado num único instrumento, quer cm De fato, os instrumentos informais que
dois ou mais instrumentos relacionados, e não são tratados desempenham papel
qualquer que seja sua designação específica. importante no curso normal das transações
entre Estados, exatamente porque se pretende
Além de excluir os acordos que envolvem
que sejam não vinculantes, mostrando-se
organizações internacionais, a Convenção não
assim flexíveis, confidenciais e relativamente
cobre os acordos entre Estados a serem regidos
ágeis cm comparação com os tratados.
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Podem ser fácil e prontamente emendados e Convenção, esses indivíduos devem exibir os
podem ser cancelados mediante aviso chamados “plenos poderes” para que sejam
antecipado. É essa intenção de não criar um reconhecidos como habilitados a representar seus
acordo vinculante que marca a diferença entre os países. A expressão “plenos poderes” refere-se à
tratados e os instrumentos internacionais documentação emitida pelas autoridades
informais. A Corte Internacional abordou esse competentes do Estado em questão, garantindo o
tema no caso Qatar vs. Bahrein, no tocante às status do plenipotenciário. Em virtude de sua
Minutas datadas de 25 de dezembro de 1990, posição e suas funções, certos indivíduos não
firmadas pelas partes e pela Arábia Saudita. precisam apresentar prova de plenos poderes.
A Corte frisou que o caráter vinculante ou não Essa exceção se aplica aos chefes de Estado e
vinculante de um acordo depende de quais são de governo e aos ministros de Relações
seus “termos efetivos” e das circunstâncias sob as Exteriores, para o fim de desempenhar todos os
quais foi redigido; na situação em pauta, as atos relativos à conclusão do tratado; aplica-se
Minutas deveriam ser interpretadas como um ainda aos chefes de missões diplomáticas, para
acordo internacional que instituía direitos e aprovar o texto do tratado entre seu país e
obrigações para as partes, já que aquele perante o qual estão acreditados; e
efetivamente enumeravam os compromissos que também aos representantes acreditados junto a
as partes haviam assumido. conferências ou organizações internacionais, com
o objetivo de adotar o texto do tratado naquela
A Convenção de 1969 também aborda os
conferência ou organização em particular.
tratados que são instrumentos constitutivos das
organizações internacionais, como a Carta das Todo ato relativo à feitura de um tratado
Nações Unidas, e os trata dos adotados no âmbito por parte de pessoa não devidamente autorizada
das organizações internacionais". carecerá de qualquer efeito jurídico, a não ser que
o Estado envolvido confirme posteriormente o ato.
A criação dos tratados
Formalidades Consentimento

Os tratados podem ser feitos ou Uma vez que a minuta de um tratado tenha
concluídos entre as partes praticamente como sido redigida e se tenha obtido a concordância
estas bem o entenderem. Não há forma ou dos representantes autorizados pelas partes,
procedimento prescritos ou defesos. diversas etapas subsequentes são necessárias
para que o tratado se torne uma obrigação jurídica
Os tratados podem ser celebrados entre vinculante. O artigo 9.° estabelece que sua
Estados, governos ou chefes de Estado, ou entre adoção em conferências internacionais deve
departamentos governamentais (ministérios, por ocorrer pelo voto de dois terços dos Estados
exemplo), conforme pareça mais conveniente. presentes e votantes, exceto caso se decida, por
Exatamente a que instância constitucional igual maioria, aplicar regra diferente.
interna compete a faculdade de celebrar tratados? Cada vez mais convenções são agora
Isso depende da regulamentação nacional de adotadas e submetidas a assinatura por meio de
cada país e varia de Estado para Estado. No resoluções da Assembleia Geral das Nações
Reino Unido, a faculdade de celebrar tratados é Unidas, como os Pactos Internacionais de Direitos
prerrogativa da Coroa, enquanto nos Estados Humanos, de 1966, e a Convenção contra a
Unidos esse poder cabe ao Presidente, “com a Tortura, de 1984, que utilizaram os procedimentos
assessoria e o consentimento do Senado” e a normais de votação da Assembleia. Outro ponto
concordância de dois terços dos senadores. importante é a tendência verificada em
Não obstante, há certas normas que se conferências recentes de se atuar por consenso,
aplicam à formação de convenções inter de modo que não se proceda à votação até que
nacionais. Surgiram princípios específicos para se tenham esgotado todos os esforços para atingir
garantir que os indivíduos que os representam o acordo consensual. Fora das conferências
tenham de fato o poder de concluir o tratado em internacionais, a adoção ocorrerá mediante o
questão. De acordo com o artigo 7° da

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consentimento de todos os Estados envolvidos na O artigo 13 estabelece que o
redação do texto do acordo. consentimento dos Estados a serem juridicamente
vinculados por um tratado constituído por
O consentimento dos Estados-partes é um
instrumentos trocados entre eles pode ser
fator crucial, já que (em não se tratando de uma
expresso por meio desse intercâmbio quando os
norma que pertença também ao direito
instrumentos declaram que ele terá tal efeito.
consuetudinário) os Estados só podem ser
vinculados por seu próprio consentimento. Há, Consentimento por ratificação
entretanto, diversas maneiras pelas quais um
O dispositivo da ratificação pelas
Estado pode expressar seu consentimento a um
autoridades competentes do Estado está
acordo internacional. Segundo o artigo 11, o
historicamente bem consolidado, e foi concebido
consentimento pode ser indicado por assinatura,
originalmente para assegurar que o representante
pelo intercâmbio dos instrumentos constituintes do
não excederia seus poderes ou instruções
tratado, por ratificação, aceitação, aprovação ou
relativos à feitura de um acordo específico.
adesão.
Embora a ratificação (ou aprovação) fosse
Consentimento por assinatura originalmente uma função do soberano, tem
estado sujeita, nos tempos modernos, ao controle
Há circunstâncias bem definidas em que um
constitucional.
Estado pode considerar que deu seu
consentimento por assinatura ao texto do tratado, As vantagens de esperar que um Estado
as quais estão consignadas no artigo 12: quando ratifique um tratado para que este se torne um
o tratado dispõe que a assinatura terá esse efeito; documento vinculante são basicamente de dois
quando de alguma outra forma se estabelece que tipos, internas e externas. No último caso, o
os Estados em negociação concordaram que a período decorrido entre a assinatura e a
assinatura tivesse tal efeito; ou ainda quando a ratificação é frequentemente vantajoso, pois
intenção do Estado de conferir esse efeito à proporciona um tempo extra para exame, uma
assinatura se manifesta pelos plenos poderes vez completado o processo de negociação. Mas
concedidos ao representante, ou foi declarada os aspectos internos são os mais importantes, por
durante as negociações. refletirem a mudança na atmosfera política que se
verificou nos últimos 150 anos e produziu uma
O ato da assinatura é geralmente uma
participação muito maior da população dos
ocasião formal. Nos tratados mais importantes, o
Estados nos assuntos públicos. Sendo obrigatória
chefe de Estado muitas vezes apõe for malmente
a ratificação, a opinião pública tem a oportunidade
sua assinatura ao documento numa cerimônia
de expressar seus sentimentos, podendo uma
complexa. No entanto, nos casos em que a
forte reação negativa levar o Estado a não ratificar
convenção depende de aceitação, aprovação ou
o tratado em exame.
ratificação, a assinatura será em princípio uma
simples formalidade, e significará apenas que os No Reino Unido, embora a ratificação se
representantes dos Estados acordaram em um inclua entre as prerrogativas da Coroa, ficou
texto aceitável, que será submetido a seus determinado que os tratados que envolvam
respectivos governos para a necessária de cisão qualquer mudança no direito interno, que
quanto à sua aceitação ou rejeição'"’. A assinatura acarretem um ônus financeiro adicional para o
tem, entretanto, um significado adicional governo ou que tenham efeito sobre os direitos
consubstanciado no fato de que, em tais casos e individuais dos súditos britânicos serão
enquanto não forem dadas a ratificação, aceitação primeiramente submetidos ao Parlamento e só
ou aprovação, um Estado deve abster-se de atos subsequentemente ratificados. Existe, na verdade,
que venham a frustrar o objeto e a finalidade do um procedimento conhecido como Regra de
tratado até que tenha tornado claras suas Ponsonby, que estabelece que todos os tratados
intenções relativamente a este último". sujeitos a ratificação sejam apresentados ao
Parlamento pelo menos vinte e um dias antes da
Consentimento pelo intercâmbio de
ratificação propriamente dita. A questão de como
instrumentos
um Estado efetua a ratificação constitui assunto

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exclusivo de seu direito interno, fora do escopo do da qual tal Estado tenciona excluir ou
direito internacional. modificar o efeito jurídico de determinadas
disposições do tratado em sua aplicação ao
O artigo 14 da Convenção de Viena de
mesmo Estado.
1969 observa que a ratificação expressa o
consentimento de um Estado em ser vinculado Quando um Estado concorda com a maior
por um tratado nos casos em que este último o parte dos termos de um tratado mas está
especifica. insatisfeito com determinadas disposições, pode,
em certas circunstâncias, preferir recusar-se a
Há controvérsia sobre que tipos de
aceitar ou ser vinculado por certas cláusulas,
tratados precisam ser ratifica dos. Alguns autores
embora concorde com o restante do acordo.
defendem a ideia de que a ratificação só será
necessária se for claramente contemplada pelas A capacidade de um Estado de manifestar
partes. Por outro lado, sugeriu-se que a ratificação reservas a um tratado internacional ilustra o
seja exigida, ou seja, que sua obrigatoriedade princípio da soberania dos Estados, segundo o
seja presumida, a menos que o tratado revele qual um Estado pode negar- -se a dar seu
claramente uma intenção contrária. Os Estados consentimento a disposições específicas, de tal
Unidos, em geral, só dispensam a ratificação no modo que estas não se tornem obrigatórias no
caso dos acordos executivos. Nos tratados que lhe diz respeito.
bilaterais entre quaisquer países, a ratificação é
Devem-se distinguir as reservas de outras
feita geralmente por meio da troca dos
declarações em relação a um tratado que não
instrumentos exigidos, mas, no caso dos tratados
visem ao efeito jurídico de uma reserva, como as
multilaterais, o procedimento usual é que uma
declarações políticas ou as declarações
parte recolha as ratificações de todos os Estados,
interpretativas. No último exemplo, não se visa a
mantendo todas as partes informadas da situação.
nenhuma consequência vinculante sobre o tratado
Vem ganhando crescente aceitação a ideia de
em pauta. O que está em questão é uma
que, em tais casos, o Secretário-Geral das
manifestação política, primordialmente para fins
Nações Unidas aja como depositário das
internos, sem o efeito de impor obrigação sobre
ratificações. Em alguns casos, pode-se
as outras partes.
estabelecer que as assinaturas apostas a um
tratado estejam sujeitas a “aceitação” ou Traçou-se uma distinção entre as
“aprovação”. Esses termos, como assinalam os declarações “meramente” interpretativas e as
artigos 11 e 14(2), são muito semelhantes à declarações interpretativas ditas “qualificadas”,
ratificação, e tais institutos são regidos por sendo a última categoria equivalente às reservas
dispositivos análogos aos que regem esta última. em certas circunstâncias. Outros termos que se
aplicam à mesma coisa são as “declarações
O artigo 15 assinala que o consentimento
interpretativas simples” e as “declarações
por acessão, ou adesão, é possível nos casos cm
interpretativas concionadas”. Segundo o “Manual
que o tratado o especifica, ou quando os Estados
de Prática” da GDI, estas últimas referem-se a
cm negociação haviam acordado que tal
uma situação na qual o Estado condiciona seu
consentimento poderia ocorrer no caso do Estado
consentimento a uma interpretação específica do
em questão, ou o façam subsequentemente.
tratado ou de certas disposições específicas
Tratados multilaterais importantes muitas vezes
deste.
declaram que Estados, ou, em certas situações,
outros entes jurídicos internacionais podem No caso Belilos, em 1988, o Tribunal
aquiescer ao tratado numa data posterior. Europeu de Direitos Humanos examinou o efeito
de determinada declaração interpretativa feita
Reservas aos tratados pela Suíça quando da ratificação. O Tribunal
O artigo 2° da Convenção define uma entendia que se devia ir além do título dado à
reserva como uma declaração unilateral, como declaração e procurar determinar seu conteúdo
quer que seja expressa, redigida ou denominada, substantivo. Era preciso determinar a intenção
feita por um Estado ao assinar, ratificar, original dos redatores da declaração, sendo
aprovar ou aquiescer a um tratado, por meio necessário então recorrer aos travaux
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préparatoires. À luz desses documentos, o ser considerado parte na Convenção se a reserva
Tribunal sentiu que a Suíça havia de fato for compatível com o objeto e os propósitos da
tentado “evitar as consequências de uma Convenção.
visão abrangente do direito de acesso aos
Se uma das partes à Convenção fizer
tribunais [...] para o sistema de administração
objeção a uma reserva que considera
pública e de justiça nos cantões, e
incompatível com o objeto e a finalidade da
consequentemente apresentou a declaração
Convenção, poderá [...] considerar que o Estado
como forma de qualificar seu consentimento à
que manifesta a reserva não é parte na
Convenção . Tendo chegado a essa conclusão, o
Convenção.
Tribunal decidiu que a declaração em pauta,
sendo equivalente a uma reserva, não atendia ao A Corte sublinhou o princípio da
artigo 64 da Convenção, que proibia reservas de integridade das convenções, mas assinalou di
caráter geral e exigia uma declaração sucinta da versas circunstâncias especiais da mencionada
lei em vigor que tornava necessária a reserva. Convenção sobre o Genocídio que exigiam uma
Assim, a declaração era inválida. Não obstante, interpretação mais flexível desse princípio. Essas
resta o problema de os Estados emitirem circunstâncias eram o caráter universal da
declarações interpretativas que possam fazer ONU, sob cujos auspícios a Convenção havia
as vezes de reservas a tratados que proíbem sido concluída; o fato de almejar-se a mais
tais reservas. Nessas situações, é provável ampla participação possível dos países na
que tais declarações sejam ineficazes perante Convenção; o fato de que a Convenção havia
as outras partes, que estariam portanto sido o produto de uma série de votações
autorizadas a encarar o tratado como majoritárias; o fato de que os princípios
plenamente em vigor, desconsiderando a subjacentes à Convenção constituíam
declaração. princípios gerais que já vinculavam os Estados; o
fato de que a ONU e as partes desejavam que a
Para determinar se uma declaração
Convenção tivesse uma abrangência universal e
unilateral constitui uma reserva ou uma
de que ela havia sido adotada com um objetivo
declaração interpretativa, a declaração deverá
puramente humanitário, de modo que os
ser interpretada de boa-fé, de acordo com o
Estados-partes não tinham interesses próprios,
sentido corrente de seus termos e dentro do
mas um interesse comum.
contexto do tratado em questão. A intenção do
Estado que faz a declaração também terá de A Convenção de Viena sobre o Direito dos
ser levada em consideração. Tratados, de 1969, aceitou os pontos de vista
da Corte.
A regra geral que se consolidou foi
que as reservas poderiam ser feitas somente De acordo com o artigo 19, um Estado
com o consentimento de todos os outros pode fazer reservas ao assinar, ratificar,
Estados envolvidos no processo. aceitar, aprovar ou aceder a um tratado, mas
tais reservas não são admitidas quando
Entretanto, esse entendimento restritivo
vedadas pelo documento, ou quando este
das reservas não foi aceito pela Corte
especifica que só poderão ser feitas
Internacional de Justiça no caso Reservas à
determinadas reservas que não incluem a reserva
Convenção sobre o Genocídio Trata-se de um
em questão, ou nos casos em que a re serva não
parecer consultivo da Corte, solicitado pela
é compatível com o objeto e os desígnios do
Assembleia Geral da ONU depois que alguns
tratado.
Estados fizeram reservas à Convenção sobre o
Genocídio, de 1948, a qual não continha nenhuma Quando uma reserva c possível, a norma
cláusula que autorizasse essas reservas. tradicional que requer sua aceitação por todas as
partes se aplicará, de acordo com o artigo 20, nos
A Corte afirmou que um Estado que tenha
casos em que, “a julgar pelo número limitado dos
feito e mantenha uma reserva que tenha sido
Estados negociadores e o objeto e propósito do
objeto de restrição por uma ou mais partes à
tratado, ficar claro que a aplicação do tratado cm
Convenção, mas não por outras partes, poderá
sua integridade entre todas as partes e uma
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condição essencial para o consentimento de cada Diversos pontos importantes, entretanto,
um dos que serão por ele vinculados”. continuam sem solução. Em particular, não
está claro quais são os efeitos de uma
O artigo 20(4) estabelece então as regras
reserva não admissível". Uma escola de
gerais a ser seguidas no tocante aos tratados não
pensamento assume o ponto de vista de que
incluídos no artigo 20(2) e que não são
tais reservas são nulas"; outra, de que a
instrumentos constitutivos de organizações
validade de qualquer reserva depende de sua
internacionais. Essas regras são:
aceitação por outros Estados.
(a) a aceitação de uma reserva por
Atualmente, a menos que o tratado
outro Estado contratante constitui o Estado
específico estipule outra coisa85, a decisão
que faz a reserva como parte no tratado em
sobre a admissibilidade de uma reserva deve
relação àquele outro Estado, se ou quando o
ser tomada pelos próprios Estados que são
tratado estiver em vigor para aqueles Estados;
partes no tratado. Em outras palavras, trata-se
(b) uma objeção a uma reserva por de uma aplicação subjetiva de critérios
parte de outro Estado contratante não evita a objetivos86. Uma vez demonstrada a
entrada em vigor do tratado entre o Estado inadmissibilidade de uma reserva, apresentam-
que faz a objeção e aquele que faz a se duas possibilidades fundamentais. Ou o
reserva, a não ser que a intenção contrária dispositivo do tratado ao qual a reserva foi
seja expressa de forma peremptória pelo anexada se aplica em sua totalidade ao Esta
Estado que faz a objeção; do que fez a reserva inadmissível, ou está
(c) um ato que expresse o consentimento comprometido o consentimento do Estado ao
de um Estado em ser vinculado pelo tratado e tratado como um todo, de modo que o
contenha uma reserva é considerado eficaz tão Estado em questão não é mais parte no
logo um outro Estado contratante, pelo menos, tratado.
tenha aceitado a reserva. No caso dos tratados sobre direitos
O efeito das reservas é resumido no artigo humanos, tende-se a considerar que a
21, que declara que uma reserva estabelecida em inadmissibilidade de uma reserva anula a
relação a outra parte modifica, para o Estado que própria reserva, fazendo com que o dispositivo
faz a reserva em suas relações com a outra parte, em questão se aplique em sua totalidade ao
as disposições do tratado às quais a reserva se Estado que expressa a reserva.
refere, na mesma extensão da reserva. Em seu controvertido Comentário Geral
O artigo 21(3) estabelece que, nos casos 24/52, de 2 de novembro de 1994 o Comité
em que um Estado faz objeção a uma reserva, de Direitos Humanos da ONU sublinhou a
mas não à entrada em vigor do tratado entre ele natureza especial dos tratados sobre direitos
próprio e o Estado que apresenta a reserva, “as humanos e expressou sua convicção de que
disposições às quais a reserva se refere não se os dispositivos da Convenção de Viena sobre
aplicam entre os dois Estados, na mesma medida o Direito dos Tratados eram “inadequados
da reserva”. Esse dispositivo foi aplicado pelo para abordar os problemas das reservas aos
tribunal de arbitragem no caso da Plataforma tratados sobre direitos humanos”. O Comitê
Continental Anglo-Francesa, em que se observou adotou a opinião de que as disposições
o seguinte: o efeito cumulativo das reservas contidas no Pacto Internacional dos Direitos
francesas e de sua rejeição pelo Reino Unido Civis e Políticos, de 1966, que representava o
não é nem o de tornar o artigo 6 [da direito internacional consuetudinário, não
Convenção de Genebra sobre a Plataforma admitiam reservas.
Continental, de 1958] inaplicável in ioto, como O Comitê também deixou claro que
quer a República Francesa, nem o de torná-lo uma reserva inaceitável ou inadmissível
aplicável in toto, como sustenta essencialmente normal- mente faria com que o dispositivo
o Reino Unido. É o de tornar o artigo impugnado vigorasse em sua totalidade em
inaplicável entre os dois países na mesma relação à parte que fazia a reserva, e não
medida das reservas.
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que a Convenção deixasse de vigorar aqueles Estados que de tato ratificaram o
absolutamente para tal Estado-parte. O Comitê tratado estarão por ele vinculados.
se pós, por fim, como o único órgão
O artigo 80 da Convenção de 1969
competente para determinar se uma reserva
(que segue o artigo 102 da Carta das Nações
específica era ou não compatível com o
Unidas) estabelece que após entrarem em
objeto e a finalidade do Pacto.
vigor, os tratados devem ser transmitidos ao
Em 1997, a Comissão de Direito Secretariado das Nações Unidas para registro
Internacional adotou as Conclusões e publicação.
Preliminares sobre as Reservas a Tratados
Multilaterais Normativos, inclusive os Tratados Aplicação dos tratados
sobre Direitos Humanos, nas quais reafirmava Após a entrada em rigor dos tratados,
a aplicabilidade a todos os tratados do regime podem surgir diversas questões sobre a forma
de reservas da Convenção de Viena sobre o de sua aplicação a situações específicas. Na
Direito dos Tratados. ausência de convenção em contrário, o tratado
não terá efeito retroativo.
Entretanto, independentemente dessa
controvérsia, resta a questão do grande A não ser que intenção diversa
número de reservas aos tratados sobre transpareça do tratado ou seja estabelecida de
direitos humanos, muitas das quais têm sido outra forma, o artigo 29 especifica que um tratado
criticadas como contrárias ao objeto e à é vinculante para cada parte em todo o
finalidade dos tratados. território desta. Essa é a regra geral, mas é
possível para um Estado estipular que um
Em geral, considera-se que as reservas acordo internacional se aplicará apenas a uma
foram aceitas pelos Estados que não tenham parte de seu território.
feito objeções a elas ao fim de um período
de doze meses após a notificação da reserva, Quanto ao problema dos tratados
ou até a data na qual expressaram seu sucessivos sobre o mesmo assunto, o artigo
consentimento em ser vinculados pelo tratado - 30 estipula que:(...) 2. Quando um tratado
o que ocorrer por último98. As reservas especifica que está submetido a um tratado
devem ser expressas por escrito e anterior ou pos terior, ou que não deve ser
comunicadas aos Estados contratantes e considerado incompatível com ele, as
aos outros Estados habilitados a se tornar cláusulas deste outro tratado prevalecerão.
partes no tratado, e o mesmo se dá com a 3. Quando todas as partes do tratado
aceitação e as objeções às reservas. anterior são também partes no tratado posterior
Basicamente, os tratados entram em mas a vigência do tratado precedente não é
vigor na data e sob a forma decidida pelos cancelada ou suspensa segundo o artigo 59, o
Estados negociadores, mas, na ausência de tratado anterior se aplica apenas na medida em
qualquer disposição ou acordo a respeito, um que suas cláusulas são compatíveis com as do
tratado entrara em vigor tão logo tenha obtido tratado posterior.
o consentimento de todos os Estados 4. Quando as partes do tratado posterior
negociadores. não incluem todas as partes do tratado anterior:
Nas convenções multilaterais. costuma- a) entre Estados-partes em ambos os
se estabelecer a entrada em vigor após a tratados, aplica-se a regra do §3°;
ratificação por um número determinado de
b) entre um Estado que é parte em ambos
Estados, ia que de outro modo grandes
os tratados e um Estado que participa apenas de
tratados multilaterais poderiam permanecer
um dos tratados, o tratado no qual ambos os
como letra morta.
Estados são partes governará seus direitos e
Evidentemente. mesmo que tenha sido obrigações mútuos.
recebido o número de ratificações necessário
As regras estabelecidas no artigo 30
para que o tratado entre em vigor, somente
oferecem uma orientação geral, e em muitos

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casos o problema deverá ser resolvido celebrado entre outros Estados [...] deve ser
expressamente pelas próprias partes. decidida em cada caso particular: deve-se
verificar se os Estados que estipularam algo
Terceiros Estados em favor de um terceiro Estado pretendiam
Um ponto muito interessante relativo à criar de fato um direito para aquele Estado, que
criação de normas jurídicas que vinculam a este último aceitou como tal.
comunidade internacional diz respeito à
aplicação e aos efeitos dos trata dos sobre O artigo 36 da Convenção de Viena
terceiros Estados, isto é, Estados que não estipula que um terceiro Estado adquirirá um
são partes no tratado em questão'". A regra direito em decorrência de uma cláusula de um
geral é que os acordos internacionais tratado se as partes nesse tratado
vinculem apenas aqueles que são partes pretenderem, com a cláusula, conceder esse
neles. As razões para essa norma encontram-se direito ao terceiro Estado ou a um grupo de
nos princípios fundamentais da soberania e da Estados ao qual ele pertence, ou a todos os
independência dos Estados. Estados, e o terceiro Estado der seu
assentimento. Seu consentimento será
O artigo 34 da Convenção reflete a presumido, a menos que o tratado apresente
regra geral ao especificar que “um tratado não disposição divergente.
cria obrigações nem direitos para um terceiro
Estado sem seu consentimento”. Além disso, determinados tipos de
tratados podem criar obrigações ou direitos
Obviamente, um tratado não pode erga omnes, e, em tais casos, todos os
impor deveres a terceiros Estados. Entretanto, Estados seriam presumivelmente vinculados por
há uma exceção notável, na hipótese de as eles e iriam também se beneficiar deles.
cláusulas do tratado em questão terem Seriam exemplos os tratados multilaterais que
passado a integrar o direito consuetudinário. estabelecem determinado regime territorial,
Nesse caso, todos os Estados estarão por ele como os que regem o uso dos canais de
vinculados, quer sejam partes no tratado Suez e Kiel ou dos Estreitos do Mar Negro.
original, quer não. Um exemplo disso seriam
as leis de guerra adotadas pelas Convenções Em outras palavras, para que uma
de Haia no início do século XX e atualmente obrigação possa ser imposta por um tratado a
consideradas parte do direito consuetudinário um terceiro Estado, exige-se a concordância
internacional. expressa, por escrito, daquele Estado; porém,
no caso dos benefícios franqueados a outros
Esse ponto tem relação com o artigo 2(6) Estados, o silêncio importa em consentimento.
da Carta das Nações Unidas, que declara que a
organização fará com que os Estados que não Emenda e modificação dos
são membros das Nações Unidas ajam de acordo tratados
com estes princípios em tudo quanto for Embora os processos de emenda e de
necessário à manutenção da paz e da segurança modificação de acordos internacionais tenham
internacionais. em comum o fato de envolver a revisão de
O artigo 35 diz que um tratado poderá tratados, eles constituem atividades separadas
impor uma obrigação a um terceiro Estado se e podem ser levados a cabo de diferentes
as partes no tratado assim o pretenderem, e se o maneiras. As emendas são alterações formais
terceiro Estado aceitar expressamente, por de cláusulas de tratados e afetam todas as
escrito, aquela obrigação. partes em cada acordo específico, enquanto
as modificações são variações de certas
Quanto aos direitos atribuídos a terceiros
cláusulas somente entre de terminadas partes.
Estados por um tratado, a situação é um
Onde se julgue necessário, um tratado pode
pouco diferente. O Tribunal Permanente de
ser emendado me diante acordo entre as
Justiça Internacional declarou, no caso das
partes, mas nesse caso terão de ser
Zonas francas, que a questão da existência de
observadas todas as formalidades referentes à
um direito adquirido sob um instrumento
sua conclusão e entrada em vigor.
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É possível, no entanto, promover estabelecimento subsequente de uma norma de
emendas mediante acordo oral ou tácito, jus cogens.
desde que este seja claramente provado e
não contenha ambiguidades. Muitos tratados
multilaterais estabelecem condições específicas A interpretação dos tratados
para as emendas. Em seu artigo 108, por Um dos problemas permanentemente
exemplo, a Carta das Nações Unidas estipula enfrentados por juízes, tribunais e advogados é
que as emendas entrarão em vigor para todos a questão da interpretação. Assim, normas e
os Estados membros quando forem adotadas e técnicas foram criadas para ajudar os órgãos
ratificadas por dois terços dos membros da judiciais a resolver esses problemas128. No
organização, inclusive todos os membros tocante ao direito internacional, há três
permanentes do Conselho de Segurança. abordagens básicas à interpretação de
tratados129. A primeira centra-se no próprio
O artigo 40 da Convenção de Viena
texto do acordo e enfatiza a análise dos
especifica o procedimento a ser adotado para
termos utilizados130. A segunda encara as
a emenda de tratados multilaterais, na
intenções das partes que adotam o acordo
ausência de cláusulas diversas existentes no
como a solução para as cláusulas ambíguas,
próprio tratado. Qualquer emenda proposta
e pode ser denominada escola de
deve ser notificada a todos os Estados
interpretação subjetiva, em contraposição à
contratantes.
abordagem objetiva da escola mencionada em
Todo Estado que tem o direito de ser primeiro lugar131. A terceira abordagem adota
parte no acordo tem também o direito de ser uma perspectiva mais abrangente que as
par te na emenda, mas tais emendas não outras duas e propõe que o objeto e a
vincularão nenhum Estado que, embora parte finalidade do tratado sejam o pano de fundo
no acordo original, não venha a se tornar mais importante em relação ao qual o
parte no acordo emendado. significado de qualquer cláusula específica
A situação pode se tornar um pouco deve ser avaliado. Essa escola teleológica de
mais complexa quando um Estado torna- se pensamento acaba por colocar em evidência o
parte num tratado depois de as emendas papel do juiz ou árbitro, já que este será
terem entrado em vigor. Aquele Estado será chamado a definir o objeto e o âmbito de
parte no tratado emendado, exceto no que aplicação do tratado, e tem sido criticada por
tange a suas relações com as partes no estimular a criação do direito pelos órgãos
tratado que não são vinculadas pelas jurisdicionais.
emendas. Neste caso, em relação a esses Os artigos 31 a 33 da Convenção de
Estados, o Estado que adere ao tratado será Viena compreendem, em alguma medida,
considerado parte no tratado não emendado. aspectos das três doutrinas. O artigo 31
Duas ou mais partes em um tratado estabelece as regras fundamentais de
multilateral podem decidir de comum acordo interpretação, e pode-se considerar que reflete
modificar de certas maneiras aquele tratado, sem o direito consuetudinário internacional". Seu
propor nenhuma emenda às outras partes. Essa inciso I declara que um tratado será
técnica, conhecida como modificação, é possível interpretado “de boa-fé, de acordo com o
desde que não tenha sido proibida pelo tratado significado ordinário a ser dado aos termos do
em questão e que não afete os direitos ou tratado em seu contexto e à luz de seu objeto
obrigações das outras partes. A modificação não e finalidade”.
é possível, no entanto, quando a cláusula que A Corte Internacional observou que “o
pretende alterar é uma cláusula “cuja derrogação primeiro dever de um tribunal chamado a
é incompatível com o efetivo cumprimento do interpretar e aplicar as cláusulas de um
objeto e da finalidade do tratado como um todo”. tratado é esforçar-se para dar-lhes efeito
Um tratado pode ser também modificado pelos conforme seu significado natural e ordinário no
termos de outro acordo posterior, ou pelo contexto em que ocorrem”. Com base nessa

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INTERNACIONAL – TRATADOS - SHAW
linha jurisprudencial, o Tribunal Europeu de Esse sistema mais dinâmico de
Direitos Humanos sustentou, no caso interpretação é também evidente no contexto dos
Lithgow, que, no contexto da indenização tratados sobre direitos humanos, como a
por ingerência nos direitos de propriedade, o Convenção Europeia de Direitos Humanos, que
emprego da frase “sem prejuízo das condições criou um sistema de implementação158.
estipuladas [...] pelos princípios gerais do Segundo a jurisprudência, esse tratado
direito internacional”, no artigo l.° do Protocolo estabeleceu uma ordem jurídica que envolve
I da Convenção Europeia, não poderia ser obrigações objetivas de proteção dos direitos
interpretado como se aumentasse a extensão humanos, e não direitos subjetivos recíprocos.
dos princípios gerais do direito internacional Em consonância com essa ideia, adotou-se um
nesse campo para estabelecer padrões de método de interpretação mais flexível e
indenização pela nacionalização de ativos programático, ou teleológico, deixando claro
pertencentes a cidadãos nacionais (por que a Convenção é um instrumento vivo que
oposição aos estrangeiros). deve ser interpretado “tendo em vista as
condições do momento presente.
Observou-se também que o processo
de interpretação “é uma função judicial cujo O artigo 31(4) estipula que somente
objetivo é determinar o significado exato de será atribuído significado especial a um termo
uma cláusula, mas que não pode mudá-la”. se for evidente que foi essa a intenção das
partes. Parece que o critério de prova é
Nos casos em que a interpretação feita de
bastante exigente, já que está envolvida uma
acordo com as disposições do artigo 31 precisa
derrogação ou modificação do significado
ser confirmada ou determinada - por ser o
comum do termo.
significado ambíguo ou obscuro —, ou tende a
conduzir a um resultado manifestamente Invalidade, terminação e
absurdo ou irrazoável, pode-se recorrer aos
meios suplementares de interpretação
suspensão da vigência de
dispostos no artigo 32. Esses meios são os tratados
trabalhos preparatórios (travaux préparatoires) Disposições gerais
do tratado e as circunstâncias de sua O artigo 42 declara que a validade e a
conclusão, e podem ser empregados nas vigência de um tratado só podem ser
condições mencionadas acima para auxiliar o questionadas com base nas cláusulas da
processo de interpretação. Convenção de Viena. O artigo 44 estabelece
O princípio de efetividade será usado, que um Estado só poderá se desligar de um
entretanto, para dar efeito a cláusulas conformes tratado ou suspender sua vigência se
às intenções das partes, sempre de acordo renunciar ao documento como um todo, e não
com as normas do direito internacional. a partes dele - exceto se o próprio tratado
estipular diferentemente. Se a fundamentação
Deve-se observar que há duas áreas
apropriada para invalidar um tratado, terminá-
em que o princípio da efetividade, aliado à
lo, desligar-se dele ou suspender sua vigência
abordagem dos objetivos mais amplos, tem sido
se relacionar apenas a cláusulas específicas, só
usado de maneira particularmente dinâmica. No
poderá ser invocada nos casos em que:
caso dos tratados que funcionam também
como documentos constitucionais de uma (a) as ditas cláusulas, quanto a sua
organização internacional, um método de aplicação, são separáveis do restante do tratado.
interpretação mais flexível parece justificado. (b) infere-se do tratado, ou por algum outro
Essa abordagem tem sido usada como forma meio, que a aceitação de tais cláusulas não é
de inferir poderes não concedidos elemento essencial para o consentimento da(s)
expressamente nos instrumentos escritos, mas outra(s) parte(s) em ser vinculadas pelo tratado
considerados necessários no contexto dos como um todo; e
objetivos da organização.
(c) a execução continuada do restante do
tratado não seja injusta.
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INTERNACIONAL – TRATADOS - SHAW
Assim, a Convenção adota uma também observou que “não existe a obrigação
interpretação cautelosa para a questão jurídica geral de que os Estados se
geral da autonomia das cláusulas de tratados mantenham informados dos acontecimentos
nesse contexto. legislativos c constitucionais de outros Estados
que sejam ou possam se tornar importantes
para as relações internacionais desses últimos”.
Por fim, deve-se também observar que
Invalidade dos tratados um Estado não pode invocar um dispositivo
Direito interno de seu direito interno como justificativa para
Para denunciar um acordo internacional, inadimplir uma obrigação inter nacional. Isso é
um Estado não pode alegar que suas evidente e é um princípio geral do direito
cláusulas constitucionais quanto à conclusão internacional; aplica-se ao direito dos tratados por
de tratados foram violadas. Há anos que os meio do artigo 27 da Convenção de Viena de
juristas internacionais discutem para saber se 1969.
a desobediência a uma limitação jurídica Erro
interna por parte, por exemplo, de um chefe
Ao contrário do que ocorre no direito
de Estado ao celebrar um tratado resultará ou
contratual interno, o erro não tem, no direito
não na anulação do acordo. A Convenção
internacional, tão grande condão de anular o
adotou o ponto de vista de que em geral isso
consentimento de um Estado. Em vista da
não ocorre, mas que poderia ocorrer em certas
natureza dos Estados e da multiplicidade de
circunstâncias.
indivíduos efetivamente envolvidos na negociação
O artigo 46(1) estabelece que [um] Estado e na conclusão de tratados, há pouca
não poderá alegar, como motivo para anular o probabilidade de ocorrerem equívocos, unilaterais
consentimento, que a expressão de seu ou mútuos.
consentimento ao aceitar um tratado violou um
O artigo 48 declara que um Estado só
dispositivo de seu direito in terno, a menos
poderá invocar um erro em um tratado para
que tal violação tenha sido manifesta e tenha
anular seu consentimento se o erro tiver
contrariado uma norma de importância
relação com um fato ou situação que aquele
fundamental no referido ordenamento jurídico
Estado entendia existir à época em que o
interno.
tratado foi concluído e constituía uma base
A violação será manifesta se for essencial de seu consentimento. Mas, se o
“objetivamente evidente” para qualquer Estado Estado conhecia ou deveria conhecer o erro,
que se conduza de acordo com a prática normal e ou se contribuiu para que este ocorresse, não
de boa-fé. poderá mais tarde invocar aquele erro para
A Corte Internacional abordou essa eximir-se da obrigação de observar e cumprir o
questão no caso Camarões vs. Nigéria, em tratado.
que a Nigéria afirmava que a Declaração de Fraude e corrupção
Maroua, firmada em 1975 entre os dois Esta dos,
não era válida, já que contrariava as normas Nos casos cm que um Estado consente
constitucionais nigerianas. A Corte observou em ser vinculado por um tratado como resultado
que o chefe de Estado da Nigéria havia assinado da conduta fraudulenta de outro Estado
a Declaração, e que uma limitação de sua negociador, o primeiro pode, de acordo com o
capacidade não seria “evidente” a não ser que artigo 49, alegar a fraude para anular seu
tivesse sido, pelo menos, divulgada consentimento. Quando um Estado negociador
apropriadamente. Isso era particularmente corrompe direta ou indiretamente o representante
verdadeiro nesse caso específico, já que se de outro Esta do para obter o consentimento
presume que os chefes de Estado representam deste último ao tratado, este Estado pode invocar,
seus Estados para o desempenho de atos sob o artigo 50, aquele ato de corrupção para
relacionados à conclusão de tratados. A Corte anular seu consentimento.

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INTERNACIONAL – TRATADOS - SHAW
Coação Nações Unidas, mas deve ser tratado como
norma universal.
Quando o consentimento foi obtido pela
coação de um representante do Estado, por meio O artigo 53 da Convenção estipula que um
de atos ou de ameaças a ele dirigidas, esse tratado é inválido se, à época de sua conclusão,
consentimento não terá, segundo o artigo 51 da conflita com uma norma imperativa do direito
Convenção, absoluta mente nenhuma validade internacional geral. Para os propósitos da
jurídica. presente Convenção, uma norma imperativa do
direito internacional geral é uma norma que a
O artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas
comunidade internacional dos Estados como um
estipula o seguinte:
todo aceita e reconhece como norma
todos os membros se absterão, em suas inderrogável, e que só pode ser modificada
relações internacionais, da ameaça ou do uso da por uma norma subsequente do direito
força contra a integridade territorial ou a internacional geral que tenha a mesma
independência política de qualquer Estado, ou de natureza.
qualquer outra medida incompatível com os
O artigo 64 declara que, “com o
objetivos das Nações Unidas.
surgimento de uma nova norma imperativa do
Consequentemente, os tratados firmados direito internacional geral, qualquer tratado
mediante a coação de um Estado deverão ser existente conflitante com essa norma torna-se
considerados nulos. inválido e é terminado”.
Assim, o artigo 52 da Convenção Consequências da invalidade
estabelece que “[um] tratado é inválido se sua
O artigo 69 estabelece que um tratado
conclusão foi obtida pela ameaça ou uso da força,
inválido é nulo. Se atos jurídicos dependentes
violando os princípios do direito internacional
do tratado ainda assim tiverem sido
consubstanciados na Carta das Nações Unidas”.
consumados, cada parte poderá solicitar a
Esse artigo foi objeto de muita discussão e
qualquer outra parte que, em suas relações
controvérsia na Conferência de Viena que
mútuas, restabeleça tanto quanto possível a
precedeu a adoção da Convenção. Os países
situação que teria existido se os atos não
comunistas e alguns países do Terceiro Mundo
tivessem ocorrido.
sustentavam que a coação abarcava não só o
uso da força mas também as pressões A terminação de tratados
econômicas e políticas.
Há diversos métodos por meio dos quais
A Conferência de Viena, no entanto, os tratados podem ser terminados ou suspensos.
publicou uma Declaração sobre a Proibição da
Terminação por cláusula do tratado ou por
Coação Militar, Política ou Econômica na
Conclusão de Tratados, que condenava o consentimento
exercício de tal coação para obter a formação Um tratado pode ser terminado ou
de um tratado. Esses pontos não foram suspenso de acordo com uma cláusula
incluídos na própria Convenção, o que nos específica nele contida, ou ainda, a qualquer
permite concluir que a aplicação de pressões tempo, mediante o consentimento de todas as
políticas ou econômicas para assegurar o partes.
consentimento de um Estado a um tratado não
No Comentário Geral n° 26, de 1997, o
contraria o direito internacional, mas é
Comitê de Direitos Humanos da ONU,
evidente que muito irá depender das
observando que o Pacto Internacional dos
circunstâncias.
Direitos Civis e Políticos não continha cláusula
A frase “violando os princípios do de terminação ou denúncia, concluiu, com
direito internacional consubstanciados na base nas cláusulas da Convenção de Viena,
Carta” foi usada de tal modo que o artigo 52 que as partes não haviam pretendido admitir
não pode de forma alguma ser compreendido tal possibilidade.
como aplicável somente aos membros das

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INTERNACIONAL – TRATADOS - SHAW
Um tratado pode, evidentemente, essencial à consecução do objeto ou da
extinguir-se se seus propósitos e objetivos finalidade do tratado.
foram satisfeitos, ou se se depreende de suas
Ao ocorrer uma violação desse tipo
cláusulas que é limitado no tempo e o
num tratado bilateral, a parte inocente pode,
período requerido já expirou.
de acordo com o artigo 60(1), invocar essa
Assim como duas ou mais partes violação como motivo para terminar o tratado
em um tratado multilateral podem modificar ou suspender total ou parcialmente sua
entre si cláusulas específicas de um vigência.
tratado195, podem também, segundo o artigo
É bastante diferente a situação de um
58,
tratado multilateral, já que estão envolvi das
concordar em suspender temporariamente diversas partes inocentes que talvez não
a vigência de cláusulas do tratado, somente entre queiram ver o tratado denunciado por uma
elas, se tal possibilidade é prevista pelo delas devido a uma violação cometida por
documento. outro Estado. Para contemplar tais situações, o
artigo 60(2) estipula que uma violação
Quando todas as partes em um tratado
substancial de um tratado multilateral por uma
concluem mais tarde outro acordo relacionado
de suas partes autoriza:
com a mesma questão, o tratado anterior será
encarado como terminado naqueles pontos em (a) as outras partes a suspender
que pareça que a matéria deve ser governada total ou parcialmente, mediante acordo
pelo acordo posterior, ou em que as cláusulas unânime, a vigência do tratado, ou a terminá-lo:
do tratado posterior forem tão incompatíveis
(i) em suas relações entre elas e o Estado
com as do anterior que os dois tratados não
inadimplente, ou
possam ser aplicados ao mesmo tempo.
(ii) entre todas as partes;
Violações substanciais
(b) uma parte especialmente afetada
Há duas abordagens a serem pela violação a invocá-la como razão para
consideradas. Em primeiro lugar, se um suspen der a vigência do tratado, no todo ou
Estado infringe uma cláusula importante de parcialmente, nas relações entre ela própria e
um acordo, não é raro que os outros Estados o Estado inadimplente;
envolvidos deem o acordo por terminado.
Trata-se de fato de uma represália ou (c) qualquer parte que não seja o
contramedida, um meio pouco sutil mas muito Estado inadimplente a invocar a violação
eficaz de assegurar o cumprimento de um como razão para suspender a vigência do
tratado. tratado, total ou parcialmente, em relação a si
própria, se o tratado for do tipo em que uma
Tais situações não exigem somente violação substancial de uma de suas cláusulas
segurança jurídica, mas também flexibilidade. por uma das partes muda radicalmente a
O direito consuetudinário apoia o ponto de situação de todas as partes quanto ao
vista de que é preciso mais que uma mera desempenho ulterior de suas obrigações sob o
violação a um termo de um tratado para dar tratado.
à outra parte ou partes o direito de ab-rogar
aquele acordo. É interessante observar que as
cláusulas do artigo 60 relativas à definição e
A cláusula aplicável da Convenção de às consequências de uma violação substancial
Viena consta do artigo 60, que codifica o não se aplicam, segundo o artigo 60(5), a
direito consuetudinário existente201. O artigo cláusulas relativas à “proteção da pessoa
60(3) declara que uma violação substancial de humana contida nos tratados de caráter
um tratado consiste em uma rejeição do humanitário, especialmente às cláusulas que
tratado não permitida pela Convenção de proíbem qualquer forma de represália contra
Viena, ou na violação de uma cláusula pessoas protegidas por tais tratados”. Isso
porque aí estão envolvidos princípios objetivos
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INTERNACIONAL – TRATADOS - SHAW
e absolutos, e não apenas direitos e deveres Consequências da terminação ou
recíprocos. suspensão de um tratado
Impossibilidade de cumprimento por O artigo 70 estipula que:
fatores supervenientes 1. A não ser que o tratado estabeleça outra
O artigo 61 da Convenção destina-se a coisa ou as partes acordem diferentemente, a
cobrir situações de caso fortuito ou força maior, terminação de um tratado sob suas cláusulas ou
como o afundamento de uma ilha ou a secagem de acordo com a presente Convenção:
de um rio, quando tais eventos impossibilitam o (a) libera as partes de qualquer obrigação
cumprimento do tratado. Quando o cumprimento de continuar a cumprir o tratado;
dos termos do acordo se torna impossível, uma
parte pode terminar validamente o tratado ou (b) não afeta nenhum direito, obrigação ou
desligar-se dele. Entretanto, nos casos em que a situação legal das partes criado através da
impossibilidade é apenas temporária, só pode ser execução do tratado antes de sua terminação.
invocada para suspender a operação do tratado. 2. Se um Estado denuncia um tratado
multilateral ou dele se desliga, o § 1° se
Mudança fundamental das circunstâncias
aplica às relações entre aquele Estado e cada
A doutrina da rebus sic stantibus é um uma das outras partes no tratado a partir da
princípio do direito internacional consuetudinário data em que ocorre a denúncia ou desligamento.
que estabelece que, havendo uma mudança
O artigo 72 prevê o seguinte:
fundamental das circunstâncias após a conclusão
de um acordo, uma parte nesse acordo pode dele 1. A não ser que o tratado estabeleça
desligar- se ou terminá-lo. outra coisa ou as partes acordem
diferentemente, a suspensão de um tratado sob
O artigo 62 da Convenção de Viena,
suas cláusulas ou de acordo com a presente
declara:
Convenção:
1. Uma mudança fundamental nas
(a) libera as partes entre as quais a
circunstâncias em relação àquelas existentes à
execução do tratado se encontra suspensa da
época da conclusão do tratado, e que não tenha
obrigação de continuar a cumprir o tratado em
sido prevista pelas partes, não pode ser invocada
suas relações mútuas durante o período da
como razão para a terminação ou desligamento
suspensão;
daquele, a não ser que:
(b) não afeta de nenhum outro
(a) a existência daquelas circunstâncias
modo as relações jurídicas entre as partes
constituísse uma base essencial para o consenti
estabelecidas pelo tratado.
mento das partes; e
2. Durante o período da suspensão, todas
(b) a mudança tenha como efeito
as partes deverão obrigatoriamente abster-se de
transformar radicalmente a extensão das
atos que tendam a obstar o reinicio do
obrigações ainda a ser desempenhadas sob os
cumprimento do tratado.
termos do tratado.
2. Uma mudança fundamental de
Solução de conflitos
circunstâncias não poderá de forma alguma ser O artigo 66 estabelece que, se um
invocada como motivo para a terminação ou conflito não tiver sido resolvido em até doze
desligamento do tratado: meses através dos meios especificados no
(a) se o tratado define uma fronteira; ou artigo 33 da Carta da ONU, outros métodos e
procedimentos serão seguidos. Se o conflito diz
(b) se a mudança fundamental resulta de respeito aos artigos 53 ou 64 (jus cogens),
uma violação, pela parte que a invoca, de uma qualquer das partes pode apresentá-lo, por
obrigação existente sob o tratado ou de qualquer escrito, à Corte Internacional de Justiça, a
outra obrigação internacional devida a qualquer não ser que as partes, de comum acordo,
outra parte no tratado.

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INTERNACIONAL – TRATADOS - SHAW
concordem em submeter o conflito à
arbitragem.

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