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1 INTRODUÇÃO
[...] As práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir
uma maneira própria de estar no mundo, a significar simbolicamente um
estatuto e uma posição; [e] as formas institucionalizadas pelas quais
“representantes” (instâncias coletivas ou individuais singulares) marcam
de modo visível e perpetuado a existência do grupo, da comunidade ou da
classe (CHARTIER, 2002, p. 73).
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A Usina Hidrelétrica de Boa Esperança foi construída por meio do aproveitamento das águas do rio
Parnaíba, localizando-se no munícipio de Guadalupe, sul do Piauí, tendo sua inauguração no ano de 1970.
do estado, criou a Centrais Elétricas do Piauí S/A (CEPISA), que passou a administrar
esse setor.
Em Campo Maior, o A Luta, era o principal veículo de divulgação de notícias na
cidade, direcionando suas matérias, sobretudo, para acontecimentos locais, e em menor
medida para o que ocorria na capital, Teresina. O que acontecia a nível nacional ou
internacional pouco figurava nas páginas do periódico. Desse modo, é possível
apreender no jornal o discurso moderno, bem como críticas constantes aos problemas
elétricos que ocorriam na usina movida a óleo diesel, que esteve em funcionamento
antes da chegada da eletricidade fornecida pela Companhia Hidrelétrica de Boa
Esperança (COHEBE).
No arquivo da Câmara Municipal, encontra-se o projeto de lei nº 08, do ano de
1968, por meio do qual a Prefeitura Municipal doava à COHEBE um terreno
pertencente à zona rural do município para que fosse construída uma subestação
abaixadora de energia, para suprir Campo Maior com a energia elétrica de Boa
Esperança. Além disso, durante a administração do prefeito Raimundo Nonato Andrade,
por meio do decreto n° 18, também do ano de 1968, foi estabelecido que devia haver
uma desapropriação em “lotes de terreno do Parque São José, na zona rural,
pertencentes a vários foreiros, para ser construída uma subestação abaixadora de energia
elétrica da COHEBE” (CAMPO MAIOR, 03 de julho de 1968). Ainda segundo o
decreto, a prefeitura indenizaria as pessoas que sofreram a desapropriação.
É relevante sublinhar, que à época da modernização, não foi só na zona rural do
município que ocorreram desapropriações, pois, elas foram efetivadas em número muito
maior na área urbana da cidade, segundo os gestores municipais eram necessárias, em
nome do progresso da urbe. As desapropriações ocorreram por várias razões dentre elas,
alargamento e/ou abertura de ruas e avenidas, bem como construção de praças ou outros
logradouros públicos.
Os problemas constantes com a interrupção do fornecimento de eletricidade
fizeram com que a energia vinda de Boa Esperança fosse muito aguardada em Campo
Maior. Em matéria de novembro de 1968, Carlos Antônio Sousa, escreveu uma matéria
para o A Luta, intitulada “Boa esperança e a falta de recursos”. O tom da matéria era de
lamentação devido à paralização das obras da hidrelétrica, e apontava dentre os motivos
o lento processo burocrático para a liberação das verbas que ainda eram necessárias para
concluir as obras. O articulista faz uso de um recurso discursivo que enfatiza a pobreza
do Piauí ao dizer que as verbas poderiam ser liberadas “a fim de não retardar a redenção
econômica social de uma das regiões mais subdesenvolvidas e atrasadas do globo” (A
LUTA, 24 de novembro de 1968). Como é possível notar, a eletricidade gerada em Boa
Esperança era tida como algo que traria a “redenção” para o estado, contribuindo para
que ele saísse da situação de “atraso” econômico e social, tornando-se mais progressista
e moderno2.
Carlos Sousa destaca ainda que “para as obras do sul do país não há falta e nem
atraso de verba”. Na sequência a matéria refere que há falta de empenho dos políticos
piauienses, que não pressionavam o governo federal a ponto de serem liberadas verbas
de tamanha importância para o cenário piauiense. Segundo o A Luta:
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Francisco Alcides Nascimento (2010) indica que o discurso do Piauí enquanto estado marcado pelo
pauperismo era comum na imprensa durante a década de 1960, sendo destacado também pelos
governantes estaduais, quando solicitavam maior atenção e incentivo do governo federal. Tal situação
modificou-se no início da década de 1970, quando o discurso progressista ganhou força no cenário
piauiense.
Num trecho particularmente escuro da rua senador José Euzébio, um bovino
de cor, dono e sexo ignorados esbarrou num transeunte que, felizmente, só
levou o susto [...]; Nos pés dos muro campeou a pouca vergonha, para
desespero das dignas famílias que sabiam (ou adivinhavam) o que estava
acontecendo e nada podiam fazer; Perto do mercado, uma velha queimou
duas caixas de fósforos até encontrar sua dentadura, que lhe caíra da boca
quando ela – a velha – escorregou numa casca de melancia que não vira por
causa da escuridão (A LUTA, 09 de março de 1969, p. 01).
No ano de 1969, era realizada a instalação da nova rede de fios para transmissão
da energia elétrica da COHEBE, era a modernização sendo implantada, a velha rede
elétrica que anteriormente tinha sido considerada moderna, agora estava obsoleta, não
atendia mais aos anseios modernos campomaiorenses. Quanto à dicotomia novo/velho
que se impôs em relação à energia elétrica, torna-se pertinente uma referência às
análises de Jeanne Marie Gagnebin a respeito do moderno em Charles Baudelaire e
Walter Benjamin. De acordo com a autora, Baudelaire coloca o moderno como algo
paradoxal, quando relacionado ao que é “novo”. Tal contradição se impõe porque o
“novo está, por definição, destinado a se transformar no seu contrário, no não-novo, no
obsoleto, e o moderno, consequentemente, designa um espaço de atualidade cada vez
mais restrito” (1997, p. 143).
Pode-se inferir a partir do A Luta que para as pessoas que quisessem partilhar da
eletricidade produzida pela COHEBE, era necessário adequar-se as suas exigências,
pois, somente receberia eletricidade de Boa Esperança quem arcasse com as despesas
das novas instalações, conforme o jornal enfatizou em março de 1969:
De acordo com o que se pode verificar, a energia elétrica chegava, mas possuía
certo caráter excludente, pois, era restrita a quem pudesse comprar a nova rede elétrica
de imediato. Conforme apreende-se, a expectativa é que a eletricidade da COHEBE
chegasse logo, já que as instalações antigas deviam ser desligadas em março de 1969,
fato que não se concretizou no prazo previsto, até mesmo porque somente no ano de
1970 é que houve a inauguração da Hidrelétrica de Boa Esperança.
No ano de 1970, o A Luta continuava denunciando os problemas elétricos
campomaiorenses. Em editorial de novembro, o periódico citava em sua primeira página
as explicações que a diretoria da CEPISA havia fornecido, para justificar as constantes
faltas de energia, argumentando que o problema mais comum era porque os quatro
motores usados na usina termelétrica sofriam sobrecargas. A diretoria da empresa
mostrava-se contente com o grande consumo em Campo Maior, e pensava inclusive
“em transferir um motor existente em Oeiras, que, a partir de 30 do corrente, passará a
ser beneficiada pela COHEBE” (A LUTA, 07 de novembro de 1970, p. 01). A matéria
refere ainda que o problema no fornecimento de eletricidade pela manhã era
responsabilidade da firma que fornecia óleo diesel para a CEPISA, que não vinha
abastecendo com a quantidade suficiente de modo a evitar a falta de energia. Por fim, o
jornal explicita sua expectativa em relação à eletricidade fornecida pela COHEBE:
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As cidades as quais Carlivan fazia referência eram Teresina, capital do estado, e Parnaíba, cidade
localizada na região litorânea do Piauí.
estampava a matéria intitulada “Virá energia da COHEBE até 1° de julho”. O A Luta,
novamente ao se referir à eletricidade gerada em Boa Esperança, trata-a como uma
“redenção”, pois, seria o momento de abandonar o que era obsoleto, em nome do
moderno, energia de melhor qualidade, sem as frequentes interrupções da usina movida
a óleo diesel. Conforme a matéria em tela:
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ARANHA, Gervácio Batista. Seduções do moderno na Parahyba do Norte: trem de
ferro, luz elétrica e outras conquistas materiais e simbólicas. In: AGRA DO Ó, Alarcon.
A Paraíba no Império e na República: estudos de história social e cultural. 2. ed. João
Pessoa: Idea, 2005.