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CAPÍTULO DOIS
I. TIPOS DE CONHECIMENTO
A Perspectiva Standard diz que nós temos uma boa quantidade de conhecimento e
diz alguma coisa sobre as fontes desse conhecimento. Um aspecto central para esclarecer
exatamente aonde leva a Perspectiva Standard é esclarecer exatamente o que ela toma co-
mo conhecimento. A Perspectiva Standard diz que nós temos conhecimento, mas o que é o
conhecimento?
1
Os exemplos seguintes mostram padrões gerais de vários tipos de enunciados, com um exemplo mostrando
como cada padrão poderia ser preenchido. Os padrões fazem uso de variáveis que podem ser substituídas por
termos específicos. Seguindo a prática standard, “S” é usada como uma variável a ser substituída por um
11
Esta lista está longe de ser completa. Nós poderíamos acrescentar sentenças usando
expressões tais como “sabe qual”, “sabe porque”, e assim por diante. Mas a lista que temos
já será suficiente para destacar as principais questões a serem feitas aqui.
nome ou a descrição de uma pessoa, “x” é usada como a variável a ser substituída por uma sentença completa
que expresse um fato ou o significado de um fato (uma proposição), e “A” por uma descrição de uma ação.
2
Para uma discussão de qual é exatamente o significado da palavra “proposição,” veja a seção III, parte A1
deste capítulo.
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3
É importante entender a diferença entre (2) e
2a. O bibliotecário sabe que, ou há um livro de Salinger na biblioteca, ou não há um livro de Salin-
ger na biblioteca.
(2a) é verdadeira; (2a) descreve o conhecimento de uma disjunção (um enunciado “ou”) e qualquer um pode
ter esse conhecimento. Mas o bibliotecário precisa possuir um conhecimento especial se (2) é verdadeira. Ele
deve saber qual dos disjuntos (as partes do enunciado “ou”) é verdadeiro.
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“ p” significa “não-p”, ou a negação de p. A negação de “Há um livro de Salinger na biblioteca” é “Não é o
caso de que haja um livro de Salinger na biblioteca.”
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por esse teste: os dois lados da definição coincidem. Assim, nós podemos explicar “saber
se” em termos de “saber que.”
Também é possível definir alguns dos outros tipos de conhecimento em termos de
conhecimento proposicional. As definições são mais complicadas, mas a idéia ainda é bas-
tante clara. Considere “saber quando.” Se você sabe quando algo aconteceu (ou irá aconte-
cer), então há alguma proposição expressando o momento em que aquilo aconteceu (ou irá
acontecer) tal que você sabe que essa proposição é verdadeira. Assim, dizer
é dizer que o editor sabia, com respeito a um momento do tempo em particular, que
o livro de J. D. Salinger seria publicado nesse momento, e.g., ele sabia que seria publicado
em 1950 ou que seria publicado em 1951, etc. Aqueles que sabiam menos que o editor não
estavam nessa posição. Para eles, não havia um momento tal que eles conhecessem a pro-
posição de que o livro seria publicado naquele momento.
Novamente, nós podemos generalizar a idéia e expressá-la como uma definição:
D2. S sabe quando x acontece = df. Há alguma proposição dizendo que x acon-
tece em algum momento em particular e S conhece essa proposição. (Há algu-
ma proposição, p, onde p é da forma “x acontece em t” e S conhece p.)
Mais uma vez, nós temos uma maneira de explicar um tipo de conhecimento – sa-
ber quando – em termos de conhecimento proposicional. É provável que abordagens simi-
lares funcionem para saber qual, saber porque, e numerosas outras sentenças sobre o co-
nhecimento. O caso em favor do conhecimento proposicional ser fundamental parece mui-
to forte.
Entretanto, é improvável que todas as coisas que nós digamos usando as palavras
sabe/conhece possam ser expressas em termos de conhecimento proposicional. Considere
o primeiro item de nossa lista: “S conhece x.” Você pode pensar que conhecer alguém ou
alguma coisa é ter conhecimento proposicional de alguns fatos sobre essa pessoa ou coisa.
Assim, nós podemos propor
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É provável que alguém que você conheça seja alguém sobre quem você conheça
alguns fatos. Mas conhecer alguns fatos sobre uma pessoa não é suficiente para conhecer a
pessoa. J. D. Salinger é um autor recluso, mas bem conhecido. Muitas pessoas sabem al-
guns fatos sobre ele: elas sabem que ele escreveu O Apanhador no Campo de Centeio. Elas
podem saber que ele não interage com uma grande quantidade de pessoas. Desse modo,
elas conhecem fatos sobre ele, mas elas não o conhecem. Assim, conhecer uma pessoa não
é o mesmo que conhecer alguns fatos sobre a pessoa.
Isso mostra que a definição (D3) não é correta. Isso também ilustra outra questão
metodológica importante. O exemplo mostra que (D3) não é correta porque ele é um con-
tra-exemplo para (D3): ele é um exemplo que mostra que os lados da definição nem sem-
pre concordam – um lado pode ser verdadeiro quando o outro for falso. Um contra-
exemplo bastante claro refuta a definição proposta. Ao revisar uma definição em resposta
aos contra-exemplos, é possível obter um melhor entendimento dos conceitos sob discus-
são.5
O contra-exemplo a (D3) mostra, não apenas que (D3) é falsa, mas também que ela
não está sequer no caminho correto. Nós não podemos fazer algumas pequenas mudanças a
fim de consertar as coisas. Não iria ajudar se S conhecesse muitos fatos sobre x, ou se S
conhecesse fatos importantes sobre x. Você pode ter esse tipo de conhecimento proposi-
cional e ainda assim não conhecer a pessoa. Conhecer x não é uma questão de conhecer
fatos sobre x. Ao invés, é uma questão de estar familiarizado com x – ter encontrado x e,
talvez, recordar esse encontro. Não importa quantos fatos você conheça sobre uma pessoa,
não se segue daí que você conheça essa pessoa. Conhecer uma pessoa ou uma coisa é estar
familiarizado com essa pessoa ou coisa, ao invés de ter conhecimento proposicional sobre
a pessoa ou coisa. Desse modo, nem todo conhecimento é conhecimento proposicional.
Considere a seguir “saber como.” Suponha que exista um hábil esquiador que, após
um sério acidente que o deixa incapacitado para esquiar, se torna um treinador de esqui de
sucesso. Seu sucesso como esquiador é, em larga medida, um resultado do fato de que ele é
extraordinariamente bom em explicar as técnicas de esqui aos estudantes. O treinador sabe
5
A metodologia usada aqui será importante na seqüência. Um teste importante para uma definição proposta é
que não existam contra-exemplos para ela.
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como esquiar? A resposta parece ser “Sim.” Uma explicação plausível disso apela para a
seguinte definição:
D4a. S sabe como A = df. Se a é um passo importante para fazer A, então S sa-
be que a é um passo importante para fazer A.6
Isso parece mostrar que “saber como” pode ser definido em termos de conhecimen-
to proposicional.
Entretanto, outros exemplos sugerem uma idéia diferente. Considere uma criança
jovem que começa a esquiar e o faz com sucesso, sem qualquer treinamento ou entendi-
mento intelectual do que ela está fazendo. Ela também sabe como esquiar, mas ela parece
carecer do conhecimento proposicional relevante. Ela não tem qualquer entendimento
consciente explícito dos vários passos. Ela simplesmente é capaz de fazê-lo. Este exemplo
sugere que há um segundo significado da expressão “sabe como.” A seguinte definição
captura esse segundo significado:
O ex-esquiador sabe como esquiar no sentido (D4a), mas não no sentido (D4b).
Exatamente o inverso é verdadeiro do jovem prodígio. Desse modo, um tipo de saber-
como é conhecimento proposicional, mas não o outro tipo.
C. Conclusão
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Esta definição pode necessitar de algum refinamento, mas ela captura ao menos a idéia básica em discussão.
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Você estava lendo uma história de suspense. Todas as pistas apresentadas até o
último capítulo indicavam que o mordomo era o culpado. Você estava seguro
de que o mordomo cometera o crime é ficou surpreso quando foi revelado na
cena final que o contador era o culpado. Após terminar o livro você diz:
4. Eu sabia o tempo todo que o mordomo havia cometido o crime, mas resultou
que ele não o havia cometido.
Se você está certo quando diz (4), então é possível conhecer coisas que não são
verdadeiras. Você pode saber que o mordomo cometeu o crime, mas não é verdade que o
mordomo o cometeu. Entretanto, ainda que as pessoas algumas vezes digam coisas tais
como (4), é claro que tais coisas não são literalmente verdadeiras. Você não pode ter sabi-
do o tempo todo que o mordomo cometera o crime. O que era verdade o tempo todo era
que você estava seguro de que o mordomo o havia cometido, ou algo assim. Ao dizer (4)
você expressa, de uma maneira um pouco adornada, que foi surpreendido pelo final. Mas
(4) não é verdadeira, e não mostra que pode haver conhecimento sem verdade.
Uma segunda condição para o conhecimento é a crença. Se você conhece alguma
coisa, então você deve acreditar nela ou aceitá-la. Se você nem mesmo pensa que alguma
coisa é verdadeira, então você não a conhece. Nós estamos usando “crença” em um sentido
amplo aqui: toda vez que você assume alguma coisa como verdadeira, você acredita nela.
Assim, acreditar inclui tanto a aceitação hesitante quanto a aceitação inteiramente confian-
te. Uma boa maneira de pensar nisto é notar que quando você considera um enunciado, vo-
cê pode adotar quaisquer de três atitudes diante dele: crer, descrer ou suspender o juízo.
Como uma analogia, imagine-se forçado a dizer uma de três coisas sobre um enunciado:
“sim”, “não” ou “sem opinião.” Você dirá “sim” em uma variedade de casos, incluindo a-
queles nos quais você está inteiramente confiante em um enunciado e aqueles nos quais
você simplesmente pensa que o enunciado é provavelmente verdadeiro. Você dirá “não”
quando pensar que o enunciado é definitiva ou provavelmente falso. E usará “sem opinião”
nos casos restantes. Da mesma forma, tal como nós estamos usando o termo aqui, “crença”
se aplica a uma variedade de atitudes. Ela é contrastada com a descrença, a qual envolve
uma variedade semelhante, e com a suspensão de juízo.
É claro, então, que o conhecimento requer a crença. Se você nem mesmo pensa que
um enunciado é verdadeiro, então você não sabe que ele é verdadeiro. Há, entretanto, uma
objeção a esta alegação que merece consideração. Nós falamos algumas vezes de maneiras
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que contrastam conhecimento e crença, sugerindo que quando você conhece alguma coisa
você não acredita nela. Para ver isto, considere o seguinte exemplo:
Ao dizer (5), John parece estar dizendo que esse é um caso de conhecimento e não
um caso de crença. A sugestão é que, se ela é uma crença, então não é conhecimento. Se
ele está certo, então a crença não é uma condição para o conhecimento.
Entretanto, mais uma vez, essa aparência é enganadora. John seguramente aceita o
enunciado de que o nome dele é “John.” Ele não rejeita o enunciado nem deixa de formar
uma opinião sobre ele. Quando ele diz (5), a questão é que ele não acredita simplesmente
que o nome dele seja “John”; ele pode dizer alguma coisa mais forte – que ele sabe isto. E
uma das maneiras pelas quais nós tipicamente procedemos em conversações é evitando
dizer uma coisa mais fraca ou modesta quando a mais forte é também verdadeira. Se seu
amigo dissesse a você, “Eu acredito que meu nome seja ‘John,’” isto sugeriria, mas não
diria literalmente, que ele não sabe isto. Há muitos outros exemplos do mesmo fenômeno.
Suponha que você esteja extremamente cansado, tendo trabalhado duro por muito tempo.
Alguém pergunta se você está cansado. Você pode responder dizendo alguma coisa como:
Tomado literalmente, o que você diz é falso. Você está cansado. O alvo do seu pro-
ferimento é enfatizar que você não está meramente cansado; você está exausto. A mesma
coisa ocorre em (5). Ao dizer (5), John não está realmente dizendo que ele não acredita no
enunciado. Assim, esse exemplo não é um contra-exemplo à tese de que o conhecimento
requer a crença.
Nós encontramos agora duas condições para o conhecimento. Para conhecer algu-
ma coisa, você precisa acreditar nela, e ela precisa ser verdadeira.
As idéias recém apresentadas podem sugerir que o conhecimento seja crença ver-
dadeira; isto é,
Uma breve reflexão deveria tornar claro que (CV) está equivocada. São muitas as
vezes em que uma pessoa tem uma crença verdadeira mas não tem conhecimento. Eis aqui
um contra-exemplo simples para (CV):
No exemplo 2.3 você acredita que Denver vencerá e isto é verdadeiro. Mas você
não sabia que Denver iria vencer. Você simplesmente teve um palpite que se revelou corre-
to.
Alguns irão dizer que o fato da crença do exemplo 2.3 ser sobre o futuro arruína o
exemplo. Mas nós podemos facilmente eliminar esta característica sem eliminar a questão.
Suponha que você não assista ao jogo mas, ao invés, vá assistir a um longo filme. Quando
você sai do cinema, você sabe que o jogo acabou. Você tem agora uma crença sobre o pas-
sado, a saber, que Denver venceu. E você está certo. Mas agora não há complicações que
tenham a ver com crenças sobre o futuro.
As objeções a (CV) não estão limitadas aos casos de palpites felizes. Outro tipo de
exemplo ilustrará o âmago do problema com (CV).
irá chover. E então chove. Assim, você teve uma crença verdadeira de que
choveria.
Você teve uma crença verdadeira de que choveria, mas carecia de conhecimento.
(Quando a chuva começa, você pode dizer “Eu sabia que ia chover,” mas você não sabia
isso realmente). Neste caso, a razão pela qual você não sabia não é que você estava adivi-
nhando. Sua crença estava baseada em alguma evidência – o boletim do tempo – e, assim,
não era simplesmente um palpite. Mas essa base não é boa o suficiente para o conhecimen-
to. O que você precisa para o conhecimento é alguma coisa como razões muito boas ou
uma base mais confiável, não apenas um boletim do tempo potencialmente inexato.
Os filósofos freqüentemente dizem que o que é necessário para o conhecimento, a-
lém da crença verdadeira, é a justificação para a crença. Exatamente o que vem a ser justi-
ficação é uma questão de considerável controvérsia. Mais tarde, nós passaremos um bom
tempo neste livro examinado essa idéia. Mas, por enquanto, será suficiente notar que, nos
exemplos de conhecimento que nós apresentamos no Capítulo 1, os crentes tinham razões
extremamente boas para as suas crenças. Em contraste, nos contra-exemplos para (CV) vo-
cê não tinha razões muito boas e poderia facilmente ter estado errado. Então, o que está
faltando nos contra-exemplos para (CV) e está presente nos exemplos de conhecimento
que nós descrevemos é a justificação. Isto nos leva à Análise Tradicional do Conhecimen-
to.
ATC. S sabe p = df. (i) S crê p, (ii) p é verdadeira, (iii) S está justificado em
crer p.
Algo nessa linha pode ser encontrado em várias fontes, talvez tão antigas quanto
Sócrates. No diálogo Mênon de Platão, Sócrates diz:
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Pois estas (as opiniões certas), da mesma forma, enquanto permanecem, valem um tesouro e só
produzem o que é bom; mas não consentem em permanecer muito tempo na alma do homem, e
não demoram muito a escapar, a fugir, o que faz com que não tenham muito valor até o instante
em que o homem as amarra, as encadeia por um raciocínio de causalidade.(...) E assim, quando
as opiniões certas são amarradas, transformam-se em conhecimento, em ciência, e, como ciên-
cia, permanecem estáveis..7
De acordo com uma interpretação possível dessa passagem, estar apto a produzir
“um raciocínio de causalidade” de uma opinião é ter uma razão ou justificação para essa
opinião. E uma idéia da passagem citada é que isto é necessário a fim de haver conheci-
mento.8 Nós iremos ignorar a alegação adicional de que o conhecimento é menos propenso
a “escapar” da mente de uma pessoa do que as outras crenças.
Idéias semelhantes podem ser encontradas na obra de muitos filósofos contemporâ-
neos. Por exemplo, Roderick Chisholm propôs uma vez que uma pessoa conhece uma pro-
posição apenas no caso de acreditar nesta, de ser esta verdadeira, e de ser a proposição “e-
vidente” para a pessoa. E esta última condição é entendia em termos de quão razoável é
para a pessoa crer na proposição.9
Voltamos-nos agora para um exame mais completo dos três elementos da ATC.
A. Crença
Crer em alguma coisa é aceitá-la como verdadeira. Quando você considera qual-
quer enunciado, você se enfrenta com um conjunto de alternativas: você pode acreditar
nele, pode descrer dele, ou pode suspender o juízo sobre ele. Lembre que nós estamos to-
mando a crença como incluindo uma variedade de atitudes mais específicas, incluindo a
aceitação hesitante e a convicção total. A descrença inclui uma variedade correspondente
de atitudes negativas em relação a uma proposição. A qualquer momento, se você conside-
rar uma proposição, irá terminar adotando uma dessas três atitudes.10
7
Em Mênon-Banquete-Fedro, tradução de Jorge Paleikat (Rio de Janeiro: Ediouro), p. 72.
8
Uma idéia semelhante é apresentada em outro diálogo, o Teeteto, em Teeteto-Crátilo, tradução de Carlos
Alberto Nunes (Belém: Universidade Federal do Pará, 1988).
9
Roderick Chisholm, Theory of Knowledge (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1966), p. 23.
10
Há uma maneira alternativa de pensar nestas questões. Ao invés de dizer que há três opções, você pode
dizer que se pode crer numa proposição num grau maior ou menor. Você pode pensar nesses três graus de
crença como arranjados ao longo de uma escala. Quando você aceita uma proposição com absoluta convic-
ção, você crê nela no mais alto grau. Quando você rejeita total e completamente uma proposição, você tem o
menor grau possível de crença nela. E, nos casos usuais, o seu grau de crença fica em algum lugar intermedi-
ário. A suspensão de juízo fica exatamente no meio.
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7. Pierre acredita que George Washington foi o primeiro presidente dos Esta-
dos Unidos.
A coisa notável aqui é que (7) pode ser verdadeira mesmo que Pierre não fale uma
palavra de português. Ele não tem de entender a sentença portuguesa “George Washington
foi o primeiro presidente dos Estados Unidos.” Presumivelmente, ele expressaria sua cren-
ça usando o equivalente francês dessa sentença. A contraparte brasileira de Pierre, Pedro,
pode acreditar no que Pierre acredita. Então,
8. Pedro acredita que George Washington foi o primeiro presidente dos Estados
Unidos.
Podemos supor que Pedro não fale uma palavra de francês. Assim Pedro e Pierre
acreditam na mesma coisa, ainda que não haja uma sentença que ambos aceitem. Como
pode ser isso?
Uma maneira de entender essas questões é como segue. Sentenças são usadas para
expressar certos pensamentos ou idéias. Os filósofos usam a palavra proposição para se
referir a esses itens. A sentença portuguesa que Pedro usa e a sentença francesa que Pierre
usa expressam a mesma proposição. A crença é fundamentalmente uma relação com uma
proposição. Assim, (7) pode ser verdadeira porque Pierre acredita na proposição relevante
sobre George Washington; (8) é verdadeira porque Pedro acredita na mesma proposição.
Mas eles usariam diferentes sentenças para expressar essa proposição.
11
Se você nunca sequer considerou uma proposição, então você não crê, nem descrê, nela, mas tampouco
suspende o juízo. Talvez a suspensão do juízo seja mais bem caracterizada como a consideração de uma pro-
23
Existem, então, dois pontos importantes a extrair disto: as sentenças diferem das
proposições que são usadas para expressá-las e a crença é fundamentalmente uma atitude
que uma pessoa tem em relação a uma proposição.12
B. Verdade
O segundo elemento da ATC é a verdade. As pessoas dizem coisas muito complica-
das e obscuras sobre a verdade, mas a idéia fundamental é muito simples. A questão aqui
não é diz respeito a que coisas são de fato verdadeiras. Antes, a questão agora diz respeito
ao que é para alguma coisa ser verdadeira. Uma resposta simples e amplamente aceita está
contida na teoria da correspondência da verdade.
O ponto central da teoria da correspondência é expresso no seguinte princípio:
2) A verdade não é “relativa.” Nem uma única proposição pode ser “verdadeira pa-
ra mim mas não verdadeira para você.” Eu posso crer numa proposição da qual você des-
crê. De fato, isto é quase certamente o caso. Quaisquer duas pessoas irão quase certamente
discordar sobre alguma coisa. Entretanto, se há uma proposição sobre a qual elas discor-
dam, então o valor de verdade dessa proposição é determinado pelos fatos.
4) A (TC) não implica que as coisas não possam mudar. Considere a proposição de
que George Washington é o presidente dos Estados Unidos. Esta proposição é falsa. Mas,
parece, ela costumava ser verdadeira. O que a (TC) diz sobre isto?
Há algumas coisas para pensar sobre isso, e um exame completo delas entraria em
tecnicidades que não são importantes para os nossos presentes propósitos. Uma boa abor-
dagem diz que uma sentença tal como “George Washington é o presidente dos Estados U-
nidos” expressa uma proposição diferente em momentos diferentes. A proposição expressa
lá em 1789 é verdadeira. A proposição que ela expressa em 2005 – a proposição de que
George Washington é o presidente dos Estados Unidos em 2005 – é falsa. Nós podemos
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dizer que a sentença pode ser usada para expressar uma série de proposições acerca de
momentos específicos. Nós podemos pensar numa proposição que diz que uma certa coisa
tem uma certa propriedade em um momento como uma predecessora de uma proposição
que diz que essa mesma coisa tem essa mesma propriedade num momento ligeiramente
posterior. Assim, quando as coisas mudam, por exemplo, quando nós temos um novo pre-
sidente, uma proposição datada é verdadeira e sua proposição sucessora é falsa. Não há
problema para a (TC), desde que sejamos cuidadosos acerca das proposições em questão.
9. Está nevando.
Esses falantes não discordam sobre nada. Mas o que deveríamos dizer, então, sobre
o valor de verdade da proposição de que está nevando? Ela é verdadeira ou falsa?
Mais uma vez, há uma variedade de maneiras de pensar sobre isso. Para os presen-
tes propósitos, uma boa abordagem seria dizer que com uma sentença como (9) a pessoa
expressa uma proposição que pode ser mais claramente mostrada pela sentença
Da mesma forma, a pessoa na Flórida que diz (10) diz alguma coisa que é mais cla-
ramente mostrada em
Nós podemos assumir que ambas as proposições sejam verdadeiras. Sua verdade é
objetiva, pois ela depende das condições climáticas dos dois lugares.
14
Este tópico será discutido em detalhes no capítulo 9.
26
Exatamente o que a (TC) diz sobre elas depende em larga medida do que essas sen-
tenças significam. Uma possibilidade é a de que cada falante usa (11) para dizer “Eu gosto
do gosto do iogurte.” Se este é o caso, então pessoas diferentes usam (11) para expressar
proposições diferentes, cada proposição sendo sobre aquilo de que o falante gosta. Se uma
pessoa que gosta do sabor do iogurte diz (11), então a proposição que a pessoa expressa é
verdadeira. Se a pessoa não gosta de iogurte, então a pessoa expressa uma proposição que
não é verdadeira.
Não é óbvio que (11) diga alguma coisa sobre as preferências individuais. Pode ser
que ela diga alguma coisa como “A maioria das pessoas gosta do sabor do iogurte.” Se isto
é o que ela diz, então ela não expressa diferentes proposições quando dita por diferentes
pessoas. Ela expressa uma proposição sobre o gosto da maioria, e essa proposição é verda-
deira se a maioria das pessoas gosta de iogurte e não é verdadeira se a maioria não gosta.
De acordo com outra interpretação, (11) diz que o iogurte satisfaz algum standard
de gosto que é independente do que as pessoas gostam ou não gostam. Isto supõe algum
tipo de “objetividade” sobre o gosto. Nesta perspectiva, (11) poderia ser verdadeira mesmo
que dificilmente alguém de fato goste do sabor do iogurte. Você pode achar essa perspecti-
va estranha; é difícil entender aonde leva um bom gosto objetivo.
O que é crucial para os presentes propósitos é notar que, qualquer que seja a inter-
pretação correta de (11), não há problema para a (TC). A proposição expressa por (11) irá
variar de um falante para outro se a primeira opção é correta, mas não nos outros casos.
Em todo os casos, entretanto, o valor de verdade que a(s) proposição(ões) expressa(m) de-
pende dos fatos relevantes. Neste caso, os fatos relevantes são, ou aquilo de que o falante
ou a maioria das pessoas gosta ou não gosta, ou os fatos objetivos sobre o bom gosto.
Não há necessidade de resolvermos as disputas sobre a interpretação correta de sen-
tenças tais como (11). Essa questão complicada pode ser deixada para aqueles que estudam
estética. A questão crucial para os presentes propósitos é que, qualquer que seja a interpre-
tação correta, não há aqui uma boa objeção para a (TC).
27
7) A (TC) não implica que nós não possamos saber o que é “realmente” verdadeiro.
Algumas pessoas reagem à (TC) dizendo alguma coisa como isto:
De acordo com a (TC), a verdade é “absoluta” e o que é verdadeiro depende de como as coisas
são no mundo objetivo. Uma vez que esse mundo é externo a nós, nunca podemos realmente
saber o que é verdadeiro. No máximo, nós podemos saber o que é “subjetivamente” verdadeiro.
Essa verdade subjetiva depende de nossas próprias perspectivas sobre o mundo. A verdade ab-
soluta deve estar sempre para além de nossa compreensão.
Suponha que alguém afirme (12) em um contexto conversacional normal tal como
o seguinte: você está a ponto de pegar Michael no aeroporto. Você sabe que ele é um ho-
mem adulto, mas não sabe como ele se parece. Foi dada a você uma descrição da qual (12)
é uma parte. Nestas circunstâncias, se Michael tem de fato 6’4”, então (12) expressa uma
verdade. Se Michael tem 4’10”, então (12) diz alguma coisa falsa. Se Michael tem cerca de
5’10”, então será difícil dizer se (12) expressa uma verdade ou uma falsidade. Essa altura
parece ser um caso-limite de ser alto (para um homem adulto).
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De acordo com uma perspectiva amplamente aceita sobre estas questões, a palavra
“alto” simplesmente não tem um significado preciso. O problema que nós temos na situa-
ção final, quando Michael tem 5’10”, não é que não sabemos o suficiente sobre a situação.
Nós podemos saber tudo o que há para saber sobre a altura de Michael, a altura média de
homens adultos, e tudo o mais que seja relevante. Nesta perspectiva, (12) é simplesmente
um caso-limite. Simplesmente não há limites exatos para a altura à qual a palavra “alto” se
aplica. Em outras palavras, “alto” é uma palavra vaga.
Muitas outras palavras são vagas, incluindo “saudável”, “rico”, e “sábio”. A vagui-
dade causa numerosos problemas para a compreensão de como funciona exatamente a lin-
guagem. Afortunadamente, nós podemos ignorar em larga medida tais questões enquanto
seguimos as questões epistemológicas que são o nosso foco. Entretanto, questões concer-
nentes à vaguidade surgirão de tempos em tempos, e assim é importante ter alguma com-
preensão da idéia.
Além do mais, a existência de sentenças vagas pode ter alguma implicação na ade-
quação da (TC). Recorde a distinção entre as sentenças e as proposições que elas expres-
sam. Como foi recém notado, a vaguidade é uma característica das sentenças. A sentença
(12), parece, é vaga. Mas considere agora a proposição que (12) expressa numa ocasião em
particular, tal como a recém descrita. Se essa proposição é vaga ou indefinida em seu valor
de verdade, então a (TC) precisa de revisão. A (TC) diz que toda proposição é verdadeira
ou falsa, dependendo de se ela corresponde à maneira como é o mundo. Porém, se há pro-
posições vagas, então há proposições que correspondem parcialmente à maneira como é o
mundo. Poder-se-ia dizer que há um terceiro valor de verdade – o indeterminado – em adi-
ção aos dois originais – o verdadeiro e o falso. Poder-se-ia mesmo dizer que há uma ampla
variedade de valores de verdade, que a verdade vem em graus. Estas são questões comple-
xas que não podem ser resolvidas facilmente. Não tentaremos resolvê-las aqui. É suficiente
compreender que a (TC) requer modificação a fim de lidar com a vaguidade.
C. Justificação
A justificação é algo que vem em graus – você pode ter mais ou menos dela. Con-
sidere de novo o exemplo 2.4, no qual de maneira pessimista você acreditava que ia chover
no dia de seu piquenique com base em uma previsão que dizia que as chances de chover
eram levemente maiores do que a 50%. Ali você tinha alguma justificação para pensar que
iria chover. Não é como se você simplesmente tivesse sem nenhuma razão inventado isso.
Mas as suas razões estão longe de serem boas o suficiente para dar conhecimento a você.
Assim, o que a cláusula (iii) da ATC requer é uma justificação muito forte. Nas circunstân-
cias descritas, você não a tem para a crença de que irá chover. Se chegar o dia do piqueni-
que e você olhar pela janela e vir chuva, então você terá uma justificação forte o suficiente
para a crença de que choverá. Sob aquelas circunstâncias você satisfará a cláusula (iii) da
ATC. Assim a cláusula (iii) deveria ser lida como requerendo uma justificação forte ou
uma justificação adequada. Isto pode ser um pouco impreciso, mas servirá por enquanto.
Você pode estar justificado em crer nalguma coisa sem de fato acreditar nela. A
cláusula (iii) da ATC não implica (i). Para ver como isto funciona, considere o seguinte
exemplo:
Ainda que o Sr. Inseguro não acredite ter passado no exame, ele está justificado em
acreditar que passou no exame. Assim a condição (iii) da ATC está satisfeita, mas não a
condição (i). Estar justificado em crer numa proposição é, grosso modo, ter o que é reque-
rido para ser altamente razoável acreditar nela, quer de fato se acredite nela ou não.
O que está justificado para uma pessoa pode não estar justificado para outra. Você
tem muitas crenças justificadas sobre a sua vida privada. Seus amigos e conhecidos podem
ter pouca ou nenhuma justificação para crenças sobre tais assuntos. E o que está justificado
para um indivíduo muda ao longo do tempo. Uma modificação do exemplo 2.4 ilustrará
30
isto. Uma semana antes do piquenique você pode não ter justificação para crer na proposi-
ção de que irá chover no sábado. Mas na manhã de sábado você pode adquirir ampla justi-
ficação para essa proposição.
É importante não confundir estar justificado em crer em alguma coisa com estar ap-
to a mostrar que se está justificado em crer nessa proposição. Em muitos casos nós pode-
mos explicar porque uma crença está justificada; nós podemos formular nossas razões. En-
tretanto, há exceções para isto. Por exemplo, uma criança pode ter muitas crenças justifica-
das, mas ser inapta para articular uma justificação para elas.
consideradas como itens de conhecimento. Isto pode ser aflitivo para aqueles que estão
longe do poder, especialmente quando eles têm uma justificação melhor para pontos de
vista antagônicos. Entretanto, questões sobre aquilo que determina o que será contado co-
mo sendo conhecimento, e como os poderosos fazem para impor suas perspectivas sobre os
outros, não estão no foco deste livro. Nosso tópico é o conhecimento verdadeiro, não o co-
nhecimento aparente.16
V. CONCLUSÃO
A (Q1) do capítulo 1 perguntou o que é preciso para se ter conhecimento. Este capí-
tulo introduziu uma resposta a essa questão baseada na Análise Tradicional do Conheci-
mento de acordo com a qual o conhecimento é crença verdadeira justificada. Esta análise
tem uma longa história. Ela parece se encaixar bem na Perspectiva Standard. Os exemplos
de conhecimento endossados pela Perspectiva Standard parecem ser casos de crença ver-
dadeira justificada. E casos nos quais nós carecemos de conhecimento parecem ser casos
nos quais nós carecemos de um destes três fatores.
Há, entretanto, uma objeção significativa a ATC. Voltaremos-nos em seguida a ela.
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Neste ponto você poderia observar que nós podemos estar numa situação como a dos antigos, na qual nos-
sas alegações estão equivocadas. Nós iremos tratar desta questão quando considerarmos a Perspectiva Céti-
ca.
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É possível que algo da atratividade da Perspectiva Relativista, mencionada no capítulo 1, resulte da confu-
são entre conhecimento aparente e conhecimento verdadeiro.