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2012 95
Resumo
Este artigo investiga o ser humano sob o ponto de vista Keywords
conceitual, a partir das perspectivas filosófica, Humanities. Anthropology. Philosophy. Theology. Man.
antropológica e teológica. A pesquisa não deseja esgotar
qualquer uma das três instâncias, mas apenas discutir
tais percepções tendo por base bibliográfica o
posicionamento de Battista Mondin. O ser humano
subsiste nos mais variados contextos e formas, restando
às ciências humanas a gentil tarefa de perscrutá-lo e
tentar entender melhor esse ser arqueológico. Para a
construção desta pesquisa, adotou-se por referenciais os
autores: Eliade (v.d.), Mondin (1982), Rampazzo (1996)
e Berger (1985).
Palavras chave
Humanidades. Antropologia. Filosofia. Teologia.
Homem.
Abstract
This article investigates the human being under a
conceptual point of view, built from philosophical,
anthropological and theological perspectives. The
research does not intent to exhaust any of these three
instances, only to discuss such perceptions based in
Battista Mondin’s thought. The human being subsists in
the most varied contexts and forms, leaving to the
human sciences the task of reading and understanding
this archaeological being. For this purpose, this research
is based on the following references: Eliade, Mondin,
Rampazzo and Berger.
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mente e das mãos dos homens e não de um só história. Paul Tillich, o último filósofo
deles, por isso possui características do ser apontado aqui, considera que quanto
social, o que exclui toda forma privada de mais o sistema, seja filosófico,
cultura. A segunda característica é a forma; sociológico ou outro, for totalitário e
aqui a cultura é sensível a toda e qualquer absolutista (nazismo) mais se mostrarão,
manifestação cultural e espiritual como a mais se tornarão expostos seus elementos
filosofia, a poesia e a arte, mas também religiosos, ainda que terrivelmente
dinâmica e criativa, ou seja, não é congênita ao deformados. Assim, a religião é para
mito do eterno retorno. É antes produto Tillich a essência da cultura, e está a
genuíno do homem que é recriada a cada forma da religião.5
geração, o que a torna múltipla, pois assume
forma e valores diversos. Por fim, olhamos a
Antropologia estrutural
cultura sob o aspecto da finalidade que para
alguns seria religiosa e para outros humanista e
para outros ainda naturalista.4 A primeira metade do século XX foi
na filosofia um período de árduos
Vimos então a natureza da cultura, trabalhos no sentido de tornar a
mas qual seria sua base? Os positivistas e antropologia cultural uma ciência
neopositivistas creem ser a ciência; já os autônoma. Mas, durante os anos 1960,
idealistas, a filosofia; outros, como os estudiosos franceses transmutaram a
marxistas, creem que a base da cultura antropologia cultural para um sistema
está na economia, mas nos interessa filosófico universal chamado
aqueles autores que enxergam ser a base estruturalismo. A tríade homem-
da cultura a religião. São estes entre estrutura-cultura forma a categoria
outros: Tillich, Dawson e Toynbee. Para fundamental da relação social, e rege-se
eles, religião não é produto da cultura sobretudo na teoria de que o ser é mais
mas parte dela, como princípio vital e importante do que as partes, sendo que
essencial dela. É o seu fundamento, essas não se encontram nas relações que
muito embora sofra influência direta do as compõem. Esse movimento é uma
meio cultural em que está. Não obstante, forma de reação ao existencialismo, que
o objeto da religião transcende as formas valoriza o indivíduo e sua independência.
de vida cultural do homem. Em todas as O centro de tudo é o homem. Tal
épocas históricas, Dawson nota ser a perspectiva não demorou em provocar
religião força unificadora da cultura celeumas em meio à evolução da técnica
estando no limiar de todas as grandes que tornava o homem um simples
literaturas mundiais. É por isso que o proletário.
aspecto criativo da formação cultural é
atribuído a figuras míticas e semidivinas. Destacamos então em 1949 a
Para Dawson, a história é um desenrolar publicação de As estruturas elementares
de civilizações e culturas, onde o do parentesco por Lévi-Strauss que, em
surgimento, o crescimento e o fim de
cada cultura é diretamente proporcional a 5 Alguns filósofos veem que a origem da
cultura se localiza no rito. Segundo van der
uma determinada religião de uma época Leeuw, o rito é o núcleo estabilizador no qual
constitutiva. A esse respeito, Toynbee o material caótico de potências
afirma que depois da queda de cada indiferenciadas é retomado seletivamente e
cultura, surge uma nova religião que estruturado, para depois desdobrar-se nos
modelos ordenados de uma ordem
defines os próximos rumos dessa sociocultural. O rito contém uma cultura; sua
coletividade torna-se grupo e o grupo cria o
4 MONDIN, 1982, p. 175. mundo. MONDIN, 1982, p. 179.
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tese, sintetiza o primado das estruturas demais seres do mundo, no que diz respeito ao
culturais. Lévi-Strauss considera a pensamento, liberdade, trabalho, sociabilidade,
humanidade como uma realidade em técnica, divertimento e palavras. Segundo
contínuo devir, onde as instituições se aspecto, transcendência do homem em relação
transformam permitindo que emerja a a si mesmo, pois que tudo que realiza,
estrutura e as múltiplas formulações em dispensa, quer, desejo, nunca se vê em
meio a muitos acontecimentos condição de plenitude e sedentariedade; o
históricos.6 O movimento científico de homem nunca se satisfaz, e é justamente nesta
Lévi-Strauss denota todas as tensão que o homem supera a si mesmo; esse
interpretações de devires metafísicos. estar sempre fora de si e além de si é o que lhe
Talvez a proposta mais séria do dá se verdadeiro ser.
estruturalismo foi, a partir de leis
impessoais da coletividade, seja tentar Entre os filósofos muito em voga em nosso
explicar aspectos conscientes da vida trabalho, a autotranscendência encontrou
humana por meio dos inconscientes. De amplo reconhecimento e dedicação, sobretudo,
certo modo, o estruturalismo denuncia a entre existencialista, marxistas e pensadores
ação opressiva das relações das católicos. Entre os primeiros, Sartre dedica-se à
estruturas atuais sobre o homem, porém autotranscendência com a proposição de dar
o próprio estruturalismo peca quando consciência aos dons de estabilidade, bem
transforma fatos históricos em princípios como objetividade e base às coisas. Heidegger
filosóficos quando deveria jurar os fatos demonstra que a autotranscendência e
à luz dos princípios decodificando a constituinte do homem, o qual está sempre em
liberdade. O que é menos tolerável em busca de algo fora dele. Jaspers toma a questão
Lévi-Strauss é querer reduzir o estudo do do homem como possuidor de uma certa
homem ao estudo das suas obras, ao autotranscendência em sua consciência. No
ponto de seus discípulos considerarem a homem de Jaspers, a dor, a angústia e a morte
história como sem iniciativas humanas, constituem uma certa inelutabilidade frente a
de tal maneira que o homem estaria por sua ânsia pelo infinito de si mesmo. Ainda
desaparecer. segundo Marcel, as situações de limites,
inquietação e angústia geram no homem um
O ser autotranscendente encontro-confronto com a autotranscendência.
É a antítese daquilo que é e do que aspira ser.
Dois aspectos devem ser observados ao
nos propormos a analisar o homem sob os Na ágora marxista, a noção de
parâmetros teofilosóficos. São eles a transcendência era de certo modo rejeitada,
transcendência do homem em relação aos mas entre alguns dos discípulos de Marx é
instrumento fundamental para a compreensão
6 “A antropologia estrutural releva de tal modo do homem. Um deles é Marcuse, evidência a
a questão fundamental da natureza da autotranscendência, mas enfatiza que o homem
inteligência humana, já que isso pode resultar
das sua expressões. O que é esse espírito não é puramente metafísico e sobrenatural, mas
inconsciente que subjaza a todas as com os pés no presente lança-se ao futuro. É o
estruturas? É porventura o equivalente do que chamamos transcendência histórica. Já
Logo dos estóicos, do Intelecto Agente de
Averoés, do Eu Puro de Fichte, e do Espírito Bloch codinomifica o termo em questão de
Absoluto de Hegel?”. MONDIN, 1982, p. elementos utópicos, explorando assim as áreas
182. Na realidade, a curtas lentes é possível do ser humano e as suas atividades, sobretudo
perceber em todos os recônditos da filosofia
uma estranha espera da uma sociedade ou
artísticas. Mas em um de seus livros afirma que
humanidade perfeita, ou até de um dominador a autotranscendência não existe. Karl Popper
que coloque uma forja no mundo em que entende a autotranscendência como uma
vivemos.
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característica fundamental do homem que para o divino está para o homem como o altar
transcende a si mesmo em seus talentos e para o Deus desconhecido que Paulo pregara.
qualidades. Desta forma, o ateu poderá declará-lo vazio; o
agnóstico pode considerar sua investigação
Entre os pensadores católicos, destacamos, inútil e o humanista não permitir tal
por primeiro, Maurice Blondel que evidencia interrogação; mas em todos esses casos a
no ser, no pensar e no agir do homem a orientação para o divino se mostra inata.
autotranscendência. No ser deste homem está
uma certa antinomia entre o que é e o que A religião antropofilosófica
deveria ser, pois pode ser que nunca se torne o
que deseja ou até que transfira seus fins para
horizontes maiores. Rahner demonstra o A religião é muito peculiar no ser
homem como ser aberto que se projeta para a humano e só nele. Ela assume
frente, porém não para um vazio como em proporções notáveis se destacamos esse
Heidegger e nem para um futuro apenas ou aquele grupo. Segundo a antropologia
imaginário, como em Marcuse e Bloch, mas é moderna, desde a primeira aparição do
uma abertura para o infinito, para o absoluto. E homem na história, a religião aí estava
o que ele transcende é o elemento que lhe com ele, e de alguma forma, todas as
confere estabilidade, significado, futuro e culturas são profundamente marcadas
movimento que lhe são próprios e garante-lhe pela religião e os maiores saltos artísticos
validez no sentido existencial. Bartotin realiza e literários da humanidade são
nos seus estudos uma profunda análise permeados de conteúdo religioso. São
fenomenológica das atividades humanas, desse e de outros fatos que vimos
permeando-as da autotranscendência. Bernard emergir em todos os tempos, sobretudo
concede a essência do homem como sendo a modernos, a necessidade da inserção do
autotranscendência e a define como a conquista conteúdo religioso e no contexto
da intencionalidade de atingir o inconsciente. antropológico e filosófico, e fornece
Portanto, a autotranscendência é uma conquista sugestões úteis, indícios preciosos e
pessoal e para chegar a ela o homem tem que inocentes para determinarmos o sentido
primeiro tornar-se consciente e assim tornar-se da vida e da natureza do homem.
perceptivo à investigação e à inteligência que
possui; reflexão e juízo o guiam até o mundo A história do problema religioso
absoluto que independe de sua percepção para como objeto de reflexão crítica atinge
existir mediante a valorização e decisão, o pelos menos cinco áreas da pesquisa
homem então realiza o que é bom, e enfim se científica. Começando pela filosofia tem-
constitui artífice de todo o âmbito da vontade se nomes como Xenófanes, Protágoras,
humano e não apenas de atos isolados.7 Platão, Aristóteles, Lucrécio, Avicenas,
Averróes, Santo Tomás e Agostinho,
No entanto, vê-se em Lonergan que a Giordano Bruno, Spinoza e Locke, além
autotranscendência sempre terá algo de de outros; todos de alguma forma
incompleto em si mesma e por isso questiona trataram acerca da religião, mas só
acerca de Deus. Essa interrogação está sempre através de Hume e Kant é o que vê-se a
presente no horizonte humano graças a sua questão religiosa como ponto central da
subjetividade transcendental, pois ele se projeta reflexão filosófica. Uma ala da filosofia
para o inteligível e incondicionado. O espaço moderna crê na religião privada de
fundamentos objetivos (pura invenção do
7 Bernard de Lonergan crê que após essas fases o
homem), advinda do medo em
homem finalmente atingiu sua autotranscendência. Feuerbach, de prepotência em Marx, de
Cf. MONDIN, 1982, p. 255.
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A saber, autonomia do ser (Tomás, Boécio,
Guardini), autoconsciência (Descartes, Fichte,
Hegel), autotranscendência (Blondel,
Heidegger, Brightman) e comunicação
(Buber, Marcel, Nédoncelle). MONDIN,
, p. 297.
Para concluir, na autotranscendência resta
mencionar que ela é sinal de espiritualidade
pertencente apenas ao homem, sendo esta a
razão profunda pela qual o homem é pessoa e
as coisas não, pois aquele é dotado de espírito,
do qual as coisas são carentes. A
autotranscendência também abarca a
propriedade da personalidade no que se
relaciona com a dinamicidade. Aqui a pessoa
não é um resultado pronto desde o nascimento,
mas um universo de possibilidades, uma
conquista.
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