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Eduardo da Motta e Albuquerque

Agenda Rosdolsky
A superação do capitalismo e a cónstrução do socialismo
democrático compõem um tema acadêmico atual.
Rosdolsky oferece novos termos para esse debate, ao
sugerir um método que capta os elementos centrais na
dinâmica capitalista, sistematiza as suas metamorfoses e
discute as implicações para a elaboração de alternativas
ao capitalismo.
Avaliar as metamorfoses do capitalismo é um pré-
-requisito para a visualização de germes da nova
sociedade na atualidade — arranjos institucionais
que cristalizam resultados de lutas e de tendências
emancipatórias presentes em processos sociais básicos.
Esses arranjos instituclonais impactam as metamorfoses
do capitalismo e a possibilidade da transição para o
socialismo.
A aplicação da ciência à produção, o sistema de crédito
— componentes estruturais do modo de produção
capitalista — e seus efeitos são o tema da Parte 1 deste
livro. A Parte 2 trata da articulação intertemporal
entre esses fenômenos, através da avaliação do
desenvolvimento histórico dos Estados Unidos, de uma
avaliação da natureza do processo chinês e de uma
sistematização de mudanças estruturais a longo prazo.
A Parte 3 discute alternativas ao capitalismo, com uma
resenha do debate acadêmico atual e a apresentação da
proposta derivada da elaboração de Rosdolsky: articular
as metamorfoses do capitalismo e os “germes visíveis”"
do socialismo.
Este livro baseia-se na tese para o concurso de professor
titular da FACE-UFMG, realizado em 23 e 24 de agosto
de 2010. A banca foi composta por Ana Maria Bianchi
(USP), Fernando Cardim de Carvalho (UFRJ), Maurício
Chalfin Coutinho (Unicamp), João Antonio de Paula
(UFMG) e Mauro Borges Lemos (UFMG). As contribuições
dos membros da banca foram decisivas para o
aperfeicoamento da tese e sua transformacão neste livro.
Agenda Rosdolsky
UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais

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Vice-reitora Rocksane de Carvalho Norton

Editora UFMG
Diretor Wander Meio Miranda
Vice-diretor Roberto Alexandre do Carmo Said

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Flavio de Lemos Carsalade
Heloisa Maria Murgel Stariing
Márcio Gomes Soares
Maria Helena Damasceno e Silva Megale
Roberto Atlexandre do Carmo Said
— Eduardo da Motta e Albuquerque

Agenda Rosdolsky

Belo Horizonte
Editora UFMG
2012
6 2012, Eduardo da Motta e Albuquerque
6 2012, Editora UFMG
Este lvro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autonzação escrita do Editor

AJ45a — Albuquerque, Eduardo da Motta e


Agenda Rosdolsky / Eduardo da Motta e Albuquerque, - Belo Horizonte Editora
UFMG, 2012
2659 1l (População & Economia)

Inclur bibliografia.
ISBN: 978-85-7041-981-1

1. Soualismo, 2. Democracia. 3 inovações tecnotógicas 4 Finanças,


5 Capitalismo 1, Título, |l Série,

CDD 336
CDU' 330.84

Elaborada pela DITTI -- Setor de Tratamento da Informação


Bibloteca Unwversitária da UFMG

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editoraQuime.br | www.editora.ufmg.br
Para Cláudia e Pedro
Sumário

Introdução 13

Parte 1
Elementos da dinâmica capitalista

Capítulo 1
A construção institucional para a
aplicação tecnológica da ciência 29

Introdução: ciência, força


produtiva e colapso do valor 29
11 Ciência nos Grundrisse e em O capital 31
12 Sistema nacional de inovação e aplicação da
ciência à produção 34
13 Mudanças estruturais advindas da aplicação
da ciência à produção 39
14 Polêmicas relativas à aplicação tecnológica
da ciência 43
1.4.1 —A naturezado trabalho científico 44
142 A apropriação pelo capital dos produtos
do trabalho científico 47
143 — Metamorfoses do trabalho ao longo do
século XX 48
144 AÀ naturezado capitalismo da aplicação
da ciência à produção 51
145 A desmedida do valor 52
1.5 Sistema de inovação, colapso do valor
e sistema de crédito 53
Capítulo 2
Sistema financeiro e sobrevida
da produção fundada no valor 57

Introdução: crédito, expansão das forças


produtivas e contenção do colapso 57
21 Capital por ações nos Grundrisse e em O capital 61
22 Sociedades anônimas, bolsas de valores e
arranjos financeiros 64
23 Mudanças estruturais advindas do
desenvolvimento do sistema financeiro 73
24 Polêmicas relativas ao sistema de crédito 76
241 Créditoe eliminação das crises 76
24.2 — Capital porações como contratendência à
queda da taxa de lucro 77
243 — Um novoregime de acumulação? 79
244 Caminhoparaosocialismo? 79
25 Sociedade anônima, contenção do colapso e
instabilidade financeira 80

Parte 2
Metamorfoses do capitalismo

Capítulo 3
Os Estados Unidos como o caso clássico 85

Introdução: o ápice da aplicação da ciência à


produção e da construção do sistema financeiro
31 Experimentos históricos: dinheiro,
dívida pública e bancos 88
3.2 Bancos e o domínio das ferrovias na
bolsa de valores 90
3.3 Sociedades anônimas e bolsas de valores 94
34 New Deal e Segunda Guerra Mundial:
o Estado como um ator-chave 100
3.5 Os Estados Unidos como país hegemônico 108
3.6 A crise 2007-2008 e os debates sobre
seu significado 111
361 — BIS(2010)eThe Economist (2008b;
2011b): a luta entre a inovação financeira
e a regulação 112
362 — Kregel(2009):anecessidade de reformas
estruturais no sistema financeiro 113
363 — Perez(2009):revoluções tecnológicas e
desajuste estrutural 114
3.64 Wade(2009): desequilíbrio na
esfera internacional 114
365 — Brenner (2009): efeitos da queda da
taxa de lucro 115
366 Arrighi(2009): crise terminal da hegemonia
dos Estados Unidos 116
Capítulo 4
A China e a reconfiguração
do capitalismo mundial 119

Introdução: transições e desafios 119


4.1 A importância histórica da China antes da
ascensão do Ocidente 120
4.2 A dominação colonial e a unificação nacional
sob a RPC 122
43 A China sob Mao: 1949 a 1978 124
431 — Reconstrução e retomada (1949-1952) 125
4.32 — OPrimeiro Plano Quinquenal (1953-1957) 126
544 OtEstado 178
545 — Mudançasde país hegemônico 179
546 Transformações estruturais em três dimensões 180
5.5 Resultado indeterminado e metamorfoses
do capitalismo 181
Parte 3
Alternativas ao capitalismo

Capítulo 6

Uma resenha do debate atual 189

Introdução: a quarta rodada do debate sobre


plano e mercado ' 189
6.1 Hayek, mercado e o “problema
do conhecimento” 192
6.2 A Escola Austríaca, Marx e o comunismo
de guerra” 198
6.3 Socialismo de mercado na rodada atual 201
631 Roemereo socialismo de ações 202
632 — Burczake o socialismo hayekiano 204
633 — Um balanço preliminar 207
64 Uma nota sobre o papel da tecnologia
nesse debate 208
65 Em busca de novos termos para o debate 211
Capítulo 7

Uma proposta para o debate 213

Introdução: Marx, tempo livre e o crédito


como uma alavanca para a transição 213
71 Uma questão de método 214
433 Grande Salto Adiante (1958-1960) 127
434 Ajustamento e recuperação (1961-1965) 129
435 Revolução Cultural (1966-1976) 130
43.6 A natureza do planejamento pré-1978 131
4A Das reformas de Deng (1978) à segunda
economia do mundo 133
4.4.1 Questão preliminar: o debate sobre a natureza
das reformas e o caráter distintivo da
economia chinesa pós-1978 133
4.4.2 Growing out of the plan (1978-1992) 136
443 Segunda fase das reformas (1993-2007) 139
4.5 A natureza da economia chinesa: uma nova
articulação plano versus mercado 140
4.6 Limites da ascensão chinesa e persistência
da turbulência sistêmica 142
Capítulo 5
Limite econômico ou
metamorfoses do capitalismo? 147

Introdução: barreiras em “escala


mais poderosa” 147
5,1 Contratendências à queda da taxa de lucro
e dinâmica de longo prazo 155
5.2 (Des)compasso entre as metamorfoses do
Estado e do capitalismo 160
53 Mudanças de país hegemônico 170
5.4 Dinâmica de longo prazo e transformações
estruturais no capitalismo 174
54.1 — Aplicação da ciência à produção 175
542 — Aplicação da ciência à guerra 176
543 — Osistema financeiro 177
72 Metamorfoses do capitalismo e recomposição
programática da perspectiva socialista 218
73 Germes visíveis do socialismo 222
731 Sistemas de inovação 223
7.3.2 Sistemasde bem-estar social 224
733 — Desenvolvimento do sistema financeiro 227
7.34 —A precedência da democracia 230
74 A permanente disputa em torno dos
germes visíveis 234
75 Uma nota sobre a interação entre os
germes visíveis 237

Conclusão 241

Referências 245

Sobre o autor 265


Introdução

Roman Rosdolsky e sua obra contribuem para um salto na qualidade dos estudos
sobre Marx, sobre o capitalismo e sobre a transição para o socialismo. Publicado
em 1968, Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx é uma contribuição pioneira
sobre a leitura dos Grundrisse como uma forma de compreender o desenvolvimento
da elaboração marxiana. O rigor acadêmico e a erudição de Rosdolsky estabelecem
novos padrões para a elaboração teórica inspirada em Marx. O papel e a influência
desse livro são enormes, e sua análise vai além do escopo deste livro.! A obra de
Rosdolsky oferece uma nova possibilidade de acesso à elaboração de Marx.
Entre as contribuições de Rosdolsky, destaca-se a discussão sobre “o limite
histórico da lei do valor: observações de Marx sobre a ordem social socialista” — o
capítulo 28 de seu livro. Rosdolsky organiza esse capítulo entrelaçando a discussão
sobre a individualidade no capitalismo, sobre o papel da maquinaria na transição
para o socialismo — uma precondição material — e sobre a extinção da lei do valor no
socialismo — uma crítica ao stalinismo, uma das formas de totalitarismo (Hilferding,
1940; Arendt, 1968), e à ruptura que ele representa em relação à elaboração de
marxistas como Preobrajensky. Esse entrelaçamento representa um retorno a um
tratamento abrangente da obra de Marx, não apenas na leitura de sua obra, em
especial, de O capital, mas também da articulação necessária entre a investigação
da dinâmica capitalista e a discussão de alternativas socialistas. Como Rosdolsky
(1968, p. 345) ressalta na abertura do capítulo 28, no plano original de O capital
Marx pretendia discutir no último livro a transição ao socialismo.?

? —JoãoAÁntonia de Paula (2007) apresenta o significado e a contribuição dessa obra no artigo intitulado “Roman
Rosdolsky (1898-1967): um intelectua! em tempos extremos”.
? —Essetópicoestá no plano apresentado nos Grundrisse (p. 345).
INTRODUÇÃO

15

o capitalismo, parecem não menos fundamentais para o conjunto do sistema de


Marx do que sua invéstigaçáo € crítica das próprias categorias econômicas”.
Essa proposição de método é distinta de outras posições que surgiram ao longo do
debate sobre plano e mercado na história do pensamento econômico. Por um lado,
Hayek (1935) e Nove (1983) afirmam que Marx escreveu pouco sobre o socialismo,
por outro lado, Lavoie (1985b) sugere que para Marx o socialismo é simplesmente
o negativo do capitalismo. Rosdolsky apresenta uma posição distinta, sumarizada
na expressão “germes visíveis do socialismo” (Albuquerque, 2008, p. 374-377). Há
um segundo componente do método de Rosdolsky: a ênfase nas transformações
ocorridas no capitalismo e as suas repercussões sobre a possibilidade da construção
do socialismo.
A investigação das metamorfoses do capitalismo e o esforço para “visualizar
germes” da nova sociedade “na história vivida” (Rosdolsky, 1968, p. 345) definem
a agenda de Rosdolsky para a discussão do socialismo. Essa agenda organiza este
livro, e é também uma contraposição aos termos de debates atuais sobre plano
e mercado, fortemente influenciados por Hayek — o livro Socialism after Hayek,
de Burczak (2006), é um exemplo dessa influência. A contribuição específica de
Rosdolsky ao tema da transição ao socialismo enriquece o debate atual ao propor
um ponto de partida distinto e ainda pouco explorado.
Na literatura econômica, o socialismo é um tema acadêmico relevante no final
do século XX e no início do século XXI. Autores como Buchanan (1991), Stiglitz
(1994), Roemer (1994) e Blaug (1996), entre outros, escreverm, discutem, polemizam
sobre o tema. Autores ligados à Escola Austríaca escrevem profusamente sobre o
socialismo. Desde uma intervenção de Murrel (1983), discutida por Keizer (1989),
reiteradamente convocam a reabertura dos debates acadêmicos sobre o “cálculo
econômico no socialismo” (Lavoie, 1985b; Kirzner, 1988; Caldwell, 1997; Boetke,
2001; Prychitko, 2002). Livros como Roemer (1996), Bowles e Gintis (1998),
Ackerman, Alstott e Parijs (2006), Fung, Hebb e Rogers (2001), Fung e Wright
(2003) e Cohen (2009) demonstram a sistemática aparição de propostas socialistas
ou fortemente reformistas. À vitalidade desses debates acadêmicos pode ser per-
cebida pela publicação de livros como o de Burczak (2006) e pelas discussões que
suscitaram em recentes edições da Review of Social Economy (v. 67, n. 3, de 2009)
e da Review of Austrian Economics (v. 22., n. 3, de 2009),
O método de Rosdolsky para a discussão de alternativas socialistas tem dois
componentes básicos. O primeiro diz respeito às metamorfoses do capitalismo,
que cobram a atualização da discussão sobre alternativas socialistas. Um desafio
teórico permanente e complexo, que decorre da compreensão do capitalismo como
um sistema dinâmico, desafiando o projeto socialista a transformar-se também
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx foi escrito entre 1948 -- quando
Rosdolsky encontrou um volume dos Grundrisse em uma biblioteca em Nova
York — e 1967 — quando escreveu a introdução do livro. Rosdolsky sobreviveu às
tragédias dos rtotalitarismos nazista e stalinista e sofreu com o clima do macartismo.
Com essa carga existencial, produz uma obra capaz de indicar como a (re)leitura de
Marx é atual e necessária para compreender o capitalismo contemporâneo e seus
limites. À elaboração de Rosdolsky incorpora toda essa trajetória, representativa
dos aspectos mais trágicos do século XX — vida e obra que ressaltam a necessidade
€ a possibilidade do socialismo. O capítulo 28 é uma síntese dessa reflexão, cuja
leitura oferece uma agenda para discussões contemporâneas e uma sugestão sobre
como abordar a questão da transição para uma nova sociedade. Mais do que isso,
se pode ler ali um método para lidar com as questões relativas ao socialismo em
nosso tempo, derivado da interpretação de Rosdolsky sobre a obra de Marx, em
especial, a partir da riqueza temática dos Grundrisse.
Desse método depreende-se uma agenda proposta por Rosdolsky. À partir de
uma questão de método, a articulação entre dois elementos é central na definição
dessa agenda. Por um lado, é necessário investigar as mudanças ocorridas no sistema
capitalista desde a redação dos Grundrisse -- as metamorfoses do capitalismo-,º que
ampliam a possibilidade de construção do socialismo em nosso tempo. Por outro
lado, o desenvolvimento do capitalismo contém elementos, tendências e aspectos
que prefiguram uma nova sociedade — um desafio é visualizar germes dessa nova
formação na história vivida (Rosdolsky, 1968, p. 345).
A agenda de Rosdolsky articula as metamorfoses do capitalismo e a emergência
de germes visíveis do socialismo. Essa agenda apresenta um referencial teórico útil,
na medida em que há uma retomada de debates acadêmicos sobre o socialismo. À
agenda de Rosdolsky oferece novos termos para o debate contemporâneo sobre o
socialismo” — termos diferentes dos que têm pautado a maior parte das elaborações
do debate atual em torno de plano e de mercado.
Em especial, o capítulo 28 apresenta um método que, de acordo com a inter-
pretação de Rosdolsky, é a associação, por Marx, entre a investigação do capita-
lismo e a perspectiva socialista. Segundo Rosdolsky (1968, p. 361), trata-se de um
“método que pretende investigar tanto as condições de existência do capitalismo
como seus limites históricos, e cujas conclusões socialistas, orientadas para superar

? —“Metamorfoses do capitalismo” é a reflexão de Celso Furtado sobre o paradoxo “de vivermos em uma época
de grande enriquecimento da humanidade e, ao mesmo tempo, de agravação da miséria de uma grande maioria”.
Essa reflexão está no discurso proferido ao receber o título de Professor Honoris Causa da UFRJ, em 2002.
* — Socialiuimaoéumaalternativa democrática ao capitalismo, tratado como um tema mediado pela polêmica instalada
no meio acadêmico,
16
AGENDA ROSDOLSKY
fduardo da Motta e Albuquerque

dinamicamente em resposta a essas metamorfoses do capitalismo. O segundo com-


ponente abarca os germes visíveis do socialismo: uma dinâmica inerente ao modo de
produção capitalista e a dinâmica decorrente das lutas sociais abrem a possibilidade
de surgimento de novas instituições, que podem se tornar componentes de uma
nova sociedade e mecanismos para a sua transformação. Essa abordagem, segundo
Rosdolsky, permite a Marx criticar propostas de socialistas utópicos. Permitiria
também uma discussão com a crítica de Weber (1918) sobre o socialismo em Marx
como “profecia”,
Esses dois componentes da interpretação de Rosdolsky têm uma relação interativa
entre si. Por um lado, as metamorfoses do capitalismo são impulsionadas também
por uma singular disputa em torno do destino dos germes visíveis, que pode envolver
a absorção parcial pelo sistema capitalista desses elementos — dererminando impor-
tantes transformações estruturais, Por outro lado, as próprias metamorfoses do
capitalismo abrem caminho para novos germes visíveis do socialismo. Essa relação
interativa desemboca em três questões articuladas: caprar os elemenrtos dinâmicos
e contraditórios centrais no processo capitalista, sistematizar as metamorfoses mais
importantes do sistema capitalista no longo prazo e discutir as implicações dessas
metamorfoses para a elaboração de alternativas ao capitalismo.
Essas três questões estão fortemente entrelaçadas, Esse entrelaçamento temáti-
co é consequência da abordagem de Marx, que associa o estudo do capitalismo à
perspectiva socialista.
O ponto de partida é a aplicação da ciência à produção, uma característica
estrutural do capitalismo apontada por Marx, fonte potencial de criação de tempo
livre — uma base para a superação da “barreira histórica da lei do valor”, para a
transição ao socialismo (Rosdolsky, 1968, cap. 28).
“Aplicação da ciência à produção” ou “aplicação tecnológica da ciência” são
expressões utilizadas por Marx em passagens dos Grundrisse, escritas em 1857 e
1858, uma das características do modo de produção capitalista em sua forma plena.
Os impactos da “aplicação tecnológica da ciência” sobre a dinâmica do sistema
capitalista são profundos. AÀ aplicação fornece uma das condições materiais para a

* —Marx(1894,t.2,p.273)também utiliza o termo germe — em uma passagem que será discutida no Capítulo 6 deste
livro. Segundo o Dicionário Houaiss, “germe" tem um sentido biológico de “estágio inicia! de desenvolvimento de
organismo" (significado 1), “agente causador de, causa, origenm” (significado 4) e “condição elementar, incompleta,
inicial" (significado 5). No Dicionário Caldas Aulete há, entre outros, os seguintes significados: “rudimento de um
novo ser, embrião”, “o princípio, a causa, a origem de qualquer coisa” e “estado rudimentar”, Finalmente, o Dicionário
Aurélio traz, entre outros, os significados “rudimento de um novo ser”, “o princípio, a origem ou a causa de qualquer
coisa" e “estado rudimentar”. Este Kvro quer enfatizar significados não bipiógicos do termo, através da combinação
dos significados “condição inicial”, “origem”, “estágio inicial de desenvolvimento" e “estado rudimentar”. Esse parece
ser o significado que Marx utiliza na passagem mencionada.
INTRODUÇÃO
17

explosão de uma base limitada, que é o uso do tempo de trabalho como “unidade
de medida” das forças colocadas em movimento pelo capital.
Desde o seu início, a dinâmica capitalista contém a possibilidade do “colapso da
produção baseada no valor”, comentada por Marx nessa mesma passagem. Como
conter a explosão de uma base fundamental do sistema, como conrter o colapso
dessa forma de produção? Marx sugere, no capítulo 27 do terceiro volume de O
capital, que o sistema de crédito tem um papel chave para a sobrevida do sistema
e, portanto, para conter esse colapso (1894, t. 1, p. 334).é
A aplicação da ciência à produção colapsa um padrão de medida (o tempo de
trabalho), e o crédito faz desaparecer todos os padrões de medida — uma perturbação
criada pela aplicação tecnológica da ciência é provisoriamente contida e, ao mesmo
tempo, expandida pelo sistema de crédito.
Nos Grundrisse, Marx descreveu a “aplicação da ciência à produção” quando
esta ainda estava em sua pré-história (ou ainda era rudimentar, comparada com a
realidade do capitalismo do século XX).” No capítulo 27 de O capital, volume 3,
apresentou o sistema de crédito como fonte de expansão da acumulação e, simul-
taneamente, como fonte de crises.º
Esses dois trechos identificam em Marx uma relação entre a natureza da dinâmica
capitalista e temas da transição para uma nova sociedade. Por um lado, a ciência
e a tecnologia criam precondições para a transição, por meio do tempo livre que
pode resultar de sua aplicação à produção imediata (Marx, 1857-1858, p. 706). Por
outro, o desenvolvimento do sistema de crédito “constitui a forma de transição em
direção a um novo modo de produção” (Marx, 1894, p. 572).
O primeiro trecho está em um tópico intitulado “capital fixo e o desenvolvi-
mento das forças produtivas da sociedade”. Neste tópico está a célebre passagem
dos Grundrisse na qual Marx refere-se à “aplicação da ciência à produção imediata”,

$ “Marx,aoitratarda função do crêdito na sociedade capitalista, menciana como “o erédito oferece ao capitalista
individual (...) uma disposição, dentro de certos limites, absoluta de capital alheio e propriedade alheia (...) Disposição
sobre o capital social, não próprio, dá-lhe disposição sobre trabalho social. O próprio capital, que se possui realmente
ou na opinião pública, passa a ser apenas a base para a superestrutura do crédito (...) Todos os padrões de medida,
todas as bases explicativas ainda mais ou menos justificadas nos limites do modo de produção capitalista desaparecem
aqui" (1894, t. 1, p. 333-334).
? —“Marx menciona uma condição do desenvolvimento pleno do capital, associado à aplicação tecnológica da
ciência (1857-1858a, p. 699): “(...) o desenvolvimento completo do capital, portanto, tem lugar (...) na medida em que
os meios de trabalho não apenas são determinados formalmente como capital fixo, mas também quando superam
sua forma imediata, e quando o capital fixo aparece como máquina no interior do processo de produção em oposição
o trabalho; e todo o processo de produção não aparece subsumido sob a capacidade direta do trabalhador, mas
cormo a aplicação tecnológica da ciência.”
? “Osistemade crédito acelera (...) o desenvolvimento material das forças produtivas e a formação do mercado
mundial (...) Ao mesmo tempo, o crédito acelera (...) as crises" (Marx, 1894, t. 1, p. 335).
INTRODUÇÃO

18

de produção capitalista, a relação entre as sociedades por ações e os processos de for-


mação de grandes empresas (concentração e centralização de capital), construindo,
portanto, uma rica articulação entre as dimensões industrial e monetário-financeira.
Nesse capítulo, Marx também avalia o papel contraditório do sistema de crédito para
a dinâmica capitalista (fonte de novas possibilidades de expansão, mas, ao mesmo
tempo, fonte de novas possibilidades de crise) e menciona a contribuição potencial
desses desenvolvimentos para a transição para uma nova sociedade.!é
Esses dois trechos são um ponto de partida para acompanhar a trajetória do
sistema capitalista até os nossos dias, investigando as principais mudanças impul-
sionadas pelas tendências sugeridas por Marx. A interrogação relativa ao impacto
desses desenvolvimentos sobre as possibilidades de construção de uma nova socie-
dade está contida na interpretação aqui apresentada. Essas colocações de Marx
sobre tecnologia e crédito estimulam uma vasta agenda de pesquisas relacionadas
a temas atuais.
Em primeiro lugar, o desenvolvimento da grande empresa (os processos de
concentração e de centralização de capital, cuja vanguarda, no tempo de Marx,
era a ferrovia) não se pode realizar sem a contribuição do sistema de crédito. Nas
páginas iniciais dos Grundrisse, Marx sugere a existência de uma relação simul-
taneamente de “causa e efeito” entre o desenvolvimento do sistema de crédito e a
concentração e centralização de capital.” O estágio de evolução da “grande indústria”
discutido por Marx na célebre passagem, portanto, implicitamente pressupõe um
certo desenvolvimento do sistema de crédito (as empresas discutidas devem ter um
razoável investimento em máquinas — capital fixo — que expressam a utilização de
conhecimentos científicos que serão aplicados na produção). Esses investimentos,
por sua vez, determinam a necessidade de fluidez no processo de reprodução de
capital." Essa fluidez é estabelecida pelo desenvolvimento do sistema de crédito.
Em segundo lugar, há uma discussão importante sobre os problemas estruturais
impostos à lei do valor pela aplicação da ciência à produção. O tom do texto de

* “As características dúplices imanentes ao sistema de crédito: por um lado, desenvolver a mola propulsora da
produção capitalista (...) por outro lado, porém, constituir a forma de passagem para um novo modo de produção”
(1894, t. 1, p. 335).
1 —“fAs] modernas instituições de crédito seriam tanto uma causa como um efeito da concentração de capital”
(1857-1858a, p. 122). Essa relação de causa e efeito está discutida em trabalho anterior (Albuquerque, 2010a).
1 —“Como esse trecho é importante para o argumento desta introdução, é interessante a sua leitura (o que tem
relação direta com o crédito: fluíidez no processo de produção e circulação): “(..) fo] vator do capital fixo é reproduzido
apenas na medida em que ele é usado no processo de produção. Através do desuso ele perde seu valor de uso
sem seu valor passar para o produto. Por isso, quanto maior a escala na qual o capital fixo se desenvolve (...)] mais a
continuidade do processo de produção ou o fluxo constante de reprodução se torna uma condição externa compulsiva
(que compete) do modo de produção fundado no capital" (1857-1858a, p. 703).
18
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

ao papel do general intellect e das transformações que a “grande indústria” de seu


tempo trouxeram para a dinâmica capitalista.º
Nessa passagem, estão presentes temas como a associação entre capital fixo e
a aplicação da ciência à produção; a transformação da ciência em um ramo de
negócios," as mudanças que esse uso da ciência trazem para a produção"! — com a
transformação dos trabalhadores em vigias de máquinas —; e os enormes problemas
em termos do funcionamento da lei do valor,? dado o potencial da ciência e da
tecnologia para a geração de riqueza. Essas transformações abrem possibilidades
para a transição a uma nova sociedade, em função da redução do tempo de trabalho
que ela pode gerar com a consequente ampliação do tempo livre para a maioria da
população — consequência dessas potenciais transformações, tempo livre é aqui um
pressuposto para a transição a uma nova sociedade.
O segundo trecho é parte do capítulo 27 do terceiro volume de O capital, “Função
do crédito na sociedade capitalista”.? Nesse capítulo, Marx indica, de forma bastante
sintética, os diversos efeitos do sistema de crédito sobre o funcionamento do modo

? —“INal medida em que o tempo de trabalho (...) é colocado pelo capital como o único elemento determinante,
na medida em que o trabalho direto e sua quantidade desaparecem como princípio determinante da produção — a
criação de valores de uso — e é reduzido tanto quantitativamente, para uma proporção menor, e qualitativamente,
como um momento indispensável mas subordinado, comparado cam o trabalho científico geral, aplicação tecnotógica
das ciências naturais, por um lado, e a força produtiva geral que emerge da combinação social da produção total
por outro lado — que aparece como fruto natural do trabalho social (embora produto histórico). O capital, portanto,
trabalha pela sua dissolução como forma predominante de produção" (1857-1858a, p. 700).
* — Grandeindústria como pré-requisito para o desenvolvimento da maquinaria: “(...) a análise e aplicação das leis da
mecânica e da química, emergindo diretamente da ciência que permite a máquina desempenhar o mesmo trabalho
previamente desempenhado pelo trabathador. Entretanto, o desenvolvimento da maquinaria por essa trajetória
ocorre apenas quando a grande indústria tenha alcançado um estágio avançado, e todas as ciências tenham sido
pressionadas para servir ao capital; e quando, em segundo lugar, a maquinaria disponível em si já ofereça grandes
capacidades" (1857-1858a, p. 704). À seguir, Marx escreve: “(...) invenção então se torna um negócio, e a aplicação
da ciência a produção em si se torna uma perspectiva que a determina e a solicita” (p, 704).
1 “Capital fixo, em seu caráter de meio de produção, cuja forma mais adequada é a maquinaria, produz valor,
isto é, aumenta o valor do produto de apenas duas formas: 1) na medida em que tem valor, isto é, ela mesma
é produto do trabalho, uma certa quantidade de trabalho em forma objetivada; 2) na medida em que amplia o
trabalho excedente em relação ao trabatho necessário, ao possibilitar o trabalho, através de um aumento na sua
força produtiva, criar uma massa maior de produtos necessários para a manutenção do trabalho vivo em um
tempo mais curto” (1857-1858a, p. 701).
* "(.) é o desenvolvimento do indivíduo social que aparece como o grande pitar da produção e da riqueza.
O roubo do tempo de trabalho alheio, no qual a ríqueza atual é baseada, aparece como uma base miserável
em relação a essa nova, criada pela própria grande indústria. O trabalho excedente da massa deixou de ser a
condição para o desenvolvimento da riqueza geral, assim como o não trabalho de poucos, para o desenvolvimento
dos poderes gerais da mente humana.” E conclui: “(...) com isso, a produção baseada no valor de troca colapsa”
(1857-1858a, p. 706).
1 Hilferding (1910, p. 117) trata o capítulo 27 como um “esboço genial” que Marx “lamentavelmente não chegou
a desenvolver”.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Marx sugere que as mudanças estruturais derivadas da utilização da ciência e da


tecnologia contribuem para a possibilidade da transição ao socialismo, na medida
em que constituem uma das “condições materiais para explodir essa base” (p. 706).
Além disso, a nova dinâmica, ao abrir a possibilidade de um aumento do tempo
livre para os trabalhadores, estabelece uma precondição para a nova sociedade,
Porém, ao invés da transição ao socialismo, o sistema capitalista, nos 150 anos
que se passaram desde a redação dos Grundrisse, vivenciou inúmeras transformações
estruturais, com problemas novos não triviais para o funcionamento do sistema
que sobrevive à ameaça do “colapso”. Há, assim, uma conexão entre o trecho dos
Grundrisse € o capítulo 27, na medida em que esses problemas podem ser mitigados
pelo sistema financeiro público e privado que, por sua vez, acrescentam novas fontes
de instabilidade e de potencial de crise para a dinâmica capitalista de longo prazo.
No capítulo 27, Marx menciona como as grandes empresas (joint-stock companies),
que foram criadas em função do sistema de crédito, “freiam a queda da taxa geral de
lucro, pois essas empresas (..)) não entram necessariamente na equalização da taxa de
Iucro” (1894, 1. 1, p. 332).7 Essa passagem sugere que o sistema de crédito adiciona
flexibilidade ao sistema — o que pode ser interpretado como uma contribuição para
manter o sistema mesmo com a “explosão” de sua base miserável.
Em terceiro lugar, esse funcionamento contraditório, que foi imposto pela apli-
cação tecnológica da ciência, abre espaço para reflexões sobre a dinâmica de longo
prazo do sistema capiralista. À percepção de Marx sobre essa dinâmica sugere que
“fa] produção capitalista procura constantemente superar essas barreiras que lhe são
imanentes, mas só as supera por meios que lhe antepõem novamente essas barrei-
ras e em escala mais poderosa” (Marx, 1894, p. 189). Após mais de um século de
mudanças estruturais, responsáveis por uma persistente “superação de barreiras”,
coloca-se a pergunta sobre a capacidade do sistema capitalista, em função da singu-
laridade da aplicação da ciência à produção, de prosseguir superando obstáculos e
criando novas barreiras. Dinâmica que coloca (ou recoloca) velhas questões relativas
à existência de limites econômicos ao sistema capitalista. Para tratar desse tema,
de forma dinâmica e histórica, duas elaborações posteriores a Marx podem ser
visitadas: as ondas longas do desenvolvimento capitalista (C. Freeman) e os ciclos
sistêmicos de acumulação (G. Arrighi). À articulação entre essas duas elaborações
é interessante porque os estudos sobre ondas longas atribuem um papel central à
questão da tecnologia, enquanto os estudos sobre ciclos sistêmicos de acumulação
destacam as questões das finanças e do poder. Conjuntamente, essas duas elaborações

7 Nocapítulo 14 do volume 3, Marx discute o “aumento do capital por ações” como uma causa contrariante da
queda da taxa de lucro (1894, t. 1, p. 182).
INTRODUÇÃO
21

contribuem para a construção de um painel histórico capaz de introduzir uma


sistematização das metamorfoses mais imporrtantes do capitalismo.
Em quarto lugar, o surgimento de elementos de uma transição possível para uma
nova sociedade não significa que o processo se complete. Com o slogan “socialis-
mo ou barbárie”, ainda no início da Primeira Guerra Mundial, Rosa Luxemburgo
(1916) sintetizou um dilema básico da humanidade. Após o século XX, quando a
barbárie se manifestou nos totalitarismos nazista e stalinista (Arendr, 1968), nos
regimes de apartheid e no ataque a populações civis em guerras (Hiroshima), há
razões de sobra para o pessimismo e a resignação, com o abandono e o descrédito
do primeiro termo do dilema de Rosa Luxemburgo.
O dilema “socialismo ou barbárie” tem, entre outros determinantes, a própria
natureza do capital, das suas forças contraditórias, que combinam forças constru-
tivas e forças destrutivas. Os elementos destrutivos presentes no capital podem ser
identificados de forma mais crua na avaliação de Rosa Luxemburgo (1913) sobre o
“militarismo como um campo de acumulação de capital”. A reflexão de Hannah
Arendt (1968) sugere a presença de resíduos totalitários na sociedade contemporânea
e nas democracias liberais (em especial a persistente criação de “homens supérfluos”,
ao lado de fenômenos como o racismo e o imperialismo que o alimenta).º Outros
elementos que explicitam a força dos elementos destrutivos estão em problemas
contemporâneos, como a ameaça de catástrofe ambiental, a dimensão da pobreza
e de condições de vida subumanas em diversas regiões do planeta e o grau da
disparidade de renda alcançado na escala planetária. Essa dinâmica contraditória
determina a atualidade do socialismo e a emergência, por um lado, da sua necessi-
dade (para evitar as barbáries)! e, por outro lado, a possibilidade de sua construção
(Rosdolsky, 1968, p. 458).
O que impressiona após um século em que a barbárie foi uma presença constante
é essa persistência dos elementos que contribuem potencialmente para a transição
ao socialismo, para uma nova sociedade. As tragédias do século XX não podem
anular e nem neutralizar a capacidade de identificar elementos e fenômenos ligados
a essa persistência. Por serem tão duradouros e resilientes, devem estar ancorados
em tendências inerentes ao próprio sistema capitalista.

* “Devoessa expressão “resíduos totalitários da democracia liberal” ao professor Fausto Brito, que a sugeriu como
tópico do programa de nosso curso sobre os totalitarismos nazista e stalinista (primeiro semestre de 2012).
* — Anecessidade do socialismo não tem aqui o sentido de uma determinação histórica ou de sua inevitabilidade.
Ao contrário, a indeterminação quanto ao formato e à estrutura dos sistemas econômicos no futuro é completa, Não
há qualquer fim automático do capitalismo. A superação do capitalismo é uma questão da esfera da política, da luta
democrática.
INTRODUÇÃO

23

cruciais para a sua contenção, mas que abrem novas possibilidades de crises,
sempre de natureza diferente.
Em terceiro lugar, permite compreender de forma mais abrangente as metamorfo-
ses do capitalismo, que são multidimensionais. Essa característica multidimensional
das metamorfoses do capitalismo acrescenta complexos problemas para a análise,
mas é certamente mais realista, Em quarto, essa abordagem permite discutir, a
cada instante, os elementos que contribuem para a transição a uma nova sociedade.
Rosdolsky lembra que quando Marx escreveu os Grundrisse o progresso científico e
tecnológico era ainda muito rudimentar, comparado ao nível alcançado no século
XX. As contradições, hoje, são muito mais complexas, mas existem condições
para a construção de uma nova sociedade (potencial para aperfeiçoamento radical
das condições de trabalho, viabilidade técnica de redução de jornada de trabalho,
capacidade científica e tecnológica para lidar com problemas persistentes e emer-
gentes na esfera da saúde, para enfrentar desafios ecológicos e demográficos). O
entrelaçamento entre essas quatro questões também organiza a estrutura deste livro.
A Parte 1 focaliza o fenômeno da aplicação da ciência à produção, o sistema de
crédito e os efeitos contraditórios causados por esses componentes estruturais do
modo de produção capitalista. Esse primeiro nível de análise compõe-se do primeiro
capítulo, dedicado à aplicação da ciência à produção e aos problemas provocados por
ela, e do segundo capítulo, que apresenta a sugestão do papel do sistema financeiro
como fonte de contenção — e, ao mesmo tempo, expansão — desses problemas.
A Parte 2 trata da articulação intertemporal entre esses dois fenômenos, buscando
integrar diversas determinações recíprocas. O Capítulo 3 avalia o desenvolvimento
histórico do país onde a aplicação da ciência à produção e a sofisticação do sistema
financeiro foram mais longe — os Estados Unidos, “caso clássico” do desenvolvimento
capitalista desde o final do século XIX — e acompanha um padrão de coevolução
entre instituições criadas para lidar com os dois fenômenos. O Capítulo 4 discute
a China, com uma avaliação preliminar da natureza do processo chinês e da pos-
sibilidade em se configurar como uma alternativa hegemônica aos Estados Unidos.
Essa discussão contribui para avaliar a flexibilidade do capitalismo no longo prazo.
O Capítulo 5 interpreta, à luz das ondas longas do desenvolvimento capitalista e
dos ciclos sistêmicos de acumulação, a dinâmica aberta por esses dois fenômenos
e sistematiza mudanças estruturais a longo prazo.
A Parte 3 introduz a discussão de alternativas ao capitalismo. O Capítulo 6
resenha o debate acadêmico atual, com atenção à elaboração de Hayek e da Escola
Austríaca, dada a sua influência sobre os termos do debate e até mesmo sobre a
elaboração de algumas propostas de socialismo. O Capítulo 7 desenvolve a proposta
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

A discussão combinada da aplicação tecnológica da ciência e do sistema de


crédito abre quatro questões:
1) Como o capitalismo viabilizou e tornou sistemática a “aplicação da ciência
à produção”?
2) Como o sistema de crédito (ou o sistema financeiro, em um sentido mais
geral) cumpriu o seu papel de fonte de expansão (elemento para a expansão
do montante de capital fixo utilizado, base para a aplicação da ciência à
produção), de superação de problemas estruturais (elemento de contenção
da explosão da “base miserável” do sistema), ao mesmo tempo que gerava
novas possibilidades de crises?
3) Quais as consequências teóricas mais importantes desses dois processos
imbricados (progresso científico e tecnológico e desenvolvimento do sis-
tema de crédito) em relação a metamorfoses e limites do capitalismo?
4) Por que a discussão desses dois processos leva sempre, em Marx, à discussão
da transição a uma nova sociedade?
À conexão mais importante entre essas questões é a interpretação de Rosdolsky
(1968, p. 345) sobre a visão de Marx acerca da transição ao socialismo: desenvolvi-
mentos no interior do processo capitalista geram “germes visíveis”, uma das bases
para tal transição. O desenvolvimento científico e tecnológico e o desenvolvimento
financeiro, ao longo do século XX, contêm elementos que podem ser interpretados
nesse sentido. Esses desenvolvimentos (científico, tecnológico e financeiro) leva-
ram a novas instituições que trouxeram perplexidade para diversos intérpretes: o
Welfare State foi visto como algo socializante (Hayek, 1944), os fundos de pensão,
nos Estados Unidos, como um caminho para o controle dos trabalhadores sobre
os meios de produção (Drucker, 1976), a ação do governo americano para conter
a crise em 2008 e 2009, como um passo em direção ao socialismo (“We are all
socialists now: the perils and promise of the new era of big government” — capa da
Newsweek, 16 fev. 2009).
Por que essas quatro questões estão entrelaçadas?
Em primeiro lugar, uma leitura de Marx que capture esse entrelaçamento
contribui para lidar com temas contemporâneos, como a articulação entre finan-
ças e inovação, a avaliação da natureza da crise, a dinâmica de longo prazo do
capitalismo, os pré-requisitos para a superação do subdesenvolvimento e a dis-
cussão sobre alternativas ao capitalismo. Em segundo, fornece um quadro para a
análise do capitalismo capaz de perceber a sua dinâmica em desequilíbrio, plena
de potencial de crises, que determinam intervenções sociais, públicas e estatais
2) | AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta é Albuquerque

derivada da interpretação de Rosdolsky e busca articular as metamorfoses do capi-


talismo com uma dinâmica específica relativa aos “germes visíveis” do socialismo.
Para lidar com as metamorfoses e transformações estruturais do capitalismo e
para visualizar germes da futura sociedade na “história vivida”, é necessário dialogar
com diversas abordagens teóricas. Ellen Wood (1995, p. 4) associa a necessidade
de adaptação da crítica ao capitalismo contemporâneo às transformações históricas
sofridas pelo sistema, adaptação que exige “uma crítica constantemente renovada
dos instrumentos analíticos para entendê-lo”,?º
Ao longo deste livro são organizados diálogos entre a elaboração de Marx e de
autores contemporâneos. Para temas relacionados à ciência e à tecnologia, a literatura
neo-schumpeteriana é uma referência importante (Freeman, 1982; Nelson; Winter,
1982; Dosi, 1988). Para temas relacionados ao crédito e ao sistema financeiro, a
literatura pós-keynesiana é a interlocutora (Minsky, 1975; 1986; Carvalho, 2008).
Para as questões de longo prazo, a elaboração sobre as ondas longas do desenvolvi-
mento capitalista (Freeman; Louçã, 2001) e sobre os ciclos sistêmicos de acumulação
(Arrighi, 1994) organizam a discussão. Para a questão do socialismo, as posições
críticas da Escola Austríaca devem ser discutidas (Lavoie, 1985b; Boettke, 2001).
Finalmente, embora tratada de forma sumária neste livro, a questão da democracia,
estrategicamente considerada como estruturadora e articuladora de uma transição
ao socialismo, exige um importante diálogo com os autores relacionados à teoria
democrática (Cohen; Rogers, 1983; 1995; Cohen, 1989).
A relação dessas elaborações com a obra de Marx é diferenciada. Os neo-schum-
peterianos foram influenciados pela forma como Schumpeter incorporou elementos
importantes da elaboração de Marx em sua obra (1911, 1942), em especial, em
relação ao papel e aos efeitos da mudança tecnológica no sistema capitalista.º' Por
isso, os neo-schumpeterianos lidam com desenvoltura e abertura com as contribui-
ções de Marx para o tratamento das questões da dinâmica tecnológica. Diversos
trabalhos de autores neo-schumpeterianos tratam da obra de Marx (um exemplo
é Rosenberg, 1974, 1982).
Os pós-keynesianos possivelmente foram influenciados pelo tratamento menos
exaustivo dado por Keynes ao autor de O capital.”* São raras as referências explícitas

? Traduções de trechos originalmente em língua estrangeira são de responsabilidade do autor.


* — Areferência a Marx está no capítulo 7 de Capitalismo, socialismo e democracia (Schumpeter, 1942, p. 82), um
dos pontos fortes da elaboração de Schumpeter — o capitalismo como um processo de destruição criadora.
? Um esquema de referências indiretas poderia ser apresentado, pois Keynes menciona Schumpeter de forma
muito favorável em relação à questão do pape! da inovação na economia (1939b, p. 85). Como Schumpeter incorporou
elementos de Marx, ter-se-ia aí uma relação indireta. De forma direta, Keynes menciona de modo positivo o esquema
D-M-D' de Marx (1979, p. 81).
INTRODUÇÃO
25

e cuidadosas de autores pós-keynesianos (exceções são Carvalho, 1986; Mollo,


1999). Talvez as referências sejam mais indiretas e cifradas (ver Minsky, 1986,
p. 201). Em termos substanciais, porém, há uma forte identidade relativa à avaliação
de Marx sobre o sistema de crédito, em meados do século XIX, e o diagnóstico de
Minsky sobre a natureza do sistema financeiro do final do século XX.
A elaboração sobre a dinâmica a longo prazo (“ondas longas do desenvolvimento
capitalista” e “ciclos sistêmicos de acumulação”) tem diversos pontos de contato
com a obra de Marx, Na elaboração sobre as ondas longas, a contribuição de um
marxista como Mandel é importante, em especial no diálogo com Freeman. A ela-
boração sobre ciclos sistêmicos de acumulação é realizada por meio da apropriação,
por Arrighi, de pontos da elaboração de Marx.
Os teóricos da democracia discutem contribuições inspiradas em Marx (Coben;
Rogers, 1983; Cohen, 1989). Cohen (1989, p. 26), em especial, refere-se a publicações
de Lênin, Kautsky e Rosa Luxemburgo. Na introdução de seu trabalho, retoma a
elaboração da democracia como um ideal de livre deliberação entre cidadãos iguais,
contido na versão dos socialistas do início do século XX.”*
A Escola Austríaca incorpora o tratamento dado por Mises e Hayek à obra de
Marx. À relação é um misto de desconhecimento e confronto. São raros os autores
da Escola Austríaca que colocam Marx nos debates. Lavoie (1985b) é uma exceção,
mas sua interpretação é problemática. Ao contrário das correntes anteriores, a rela-
ção com a elaboração de Marx é de claro confronto teórico e intelectual, embora
já tenham surgido propostas de integração entre Marx e Hayek (Adaman; Devine,
1997; Burczak, 20062a).
Como organizar o diálogo entre essas abordagens e a elaboração de Marx?
Por um lado, em relação aos neo-schumpeterianos, aos pós-keynesianos, aos
teóricos da dinâmica de longo prazo e aos teóricos da democracia, o ponto de
partida é a identificação dos contextos históricos e institucionais diferentes em que
elas foram construídas, em relação ao contexto da obra de Marx. À partir dessa
contextualização, é possível a incorporação de elementos centrais do capitalismo
contemporâneo à elaboração de Marx. Inversamente, esse diálogo permite incor-
porar na análise do capitalismo contemporâneo elementos analíticos que capram
a dinâmica do sistema a partir da elaboração de Marx.
Esse método para organizar diálogos entre diversas abordagens é baseado no
próprio Marx, que o aplica para compreender mudanças de interpretação e postura

* —Guimarães(1999) apresenta abrangente balanço de formulações inspiradas em Marx e contribui para estabelecer
os complexos vínculos entre as duas abordagens.
Parte 1

Elementos da dinâmica capitalista


AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

entre diferentes pensadores, localizados em momentos históricos distintos. Um


exemplo é um trecho do livro Para a crítica da economia política, no qual afirma
que “o que as minas americanas significaram para Hume, as prensas de notas de
papel de Threadneedle Street significam para Ricardo” (1859, p. 121) — diferentes
contextos históricos para definir a natureza do dinheiro, com impacto sobre a for-
mulação teórica. Esse método, com as necessárias mediações, pode ser aplicado à
relação entre Marx e autores que investigam o capitalismo em diferentes contextos
institucionais.
Esse método também incorpora uma sugestão de Schumpeter sobre “o problema
relevante” para a análise: como o capitalismo “cria e destrói estrururas existentes”
(1942, p. 84). A ênfase no processo de formação e murtação das instituições — que
viabilizam a “aplicação tecnológica da ciência” e o desenvolvimento do sistema de
crédito — também permite o estabelecimento de pontes entre as diferentes abor-
dagens teóricas. Esse diálogo pode também ser facilitado pela identificação das
abordagens neo-schumpeteriana e da pós-keynesiana como “economias políticas do
capitalismo como economia míista” — um estágio de desenvolvimento do capitalismo
característico do período do pós-guerra. Assim, uma contribuição das abordagens
contemporâneas é a identificação das mudanças estruturais mais importantes do
capitalismo atual; enquanto o ponto de vista de Marx contribuiria para captar o
elemento transformador, potencial, contido nesses processos.
Em relação à Escola Austríaca, por outro lado, o seu permanente foco na questão
do socialismo e na sua contestação permite uma atualização dos termos do debate
para o século XXI. Um dos grandes méritos dessa escola é a manutenção do socia-
lismo como um tema acadêmico relevante e atual.
O diálogo e o debate com essas abordagens estão distribuídos pelas três partes
constitutivas deste livro.
Capítulo 1

A construção institucional para


a aplicação tecnológica da ciência

Introdução: ciência, força produtiva e colapso do valor

A aplicação da ciência à produção — que determina enorme crescimento da


produtividade do trabalho — está associada aos problemas de medida criados pela
contradição entre a força dos agentes colocados em movimento e os limites impostos
pelo tempo de trabalho como medida.
Nos Grundrisse, Marx explicita como a aplicação da ciência à produção cria
uma contradição:

(..) na medida em que a grande indústria se desenvolve, a criação de rique-


za real depende menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho
empregado do que do poder dos agentes colocados em movimento durante o
tempo de trabalho, cuja powerful effectiveness é por sua vez fora de qualquer
proporção ao tempo de trabalho gasto em sua produção, mas ao contrário
depende do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplica-
ção dessa ciência à produção (o desenvolvimento dessa ciência, especialmente
as ciências naturais, e de todas as outras com elas, é por sua vez relacionada
ao desenvolvimento da produção material) (1857-1858a, p. 704-705).'

Esse “estado geral da ciência e do progresso da tecnologia” relaciona-se a um


P roblema inerente à produção
ç baseada no valor. Segundo
8 Marx, é

? —Essa passagem identifica um importante fenômeno na relação entre o desenvolvimento das ciências e o
desenvolvimento econômico em geral, pois Marx aqui sugere uma relação de retroalimentação posítiva, À literatura
moderna sobre as relações entre ciência, tecnologia e desenvolvimento econômico identifica essa relação bidirecional.
Capitulo 1
A construção insttucional para
à aphcação tecnológica da ciência 3l

e a dimensão monetário-financeira contribui para analisar de forma mais completa a


dinâmica capitalista desde a redação dos Grundrisse. E permite renovar a percepção
de fontes para a transição a uma nova sociedade,

+! Ciência nos Grundrisse e em O capital

As reflexões sobre a ciência e o tempo livre dos Grundrisse foram preservadas


em O capital*
Na primeira seção do primeiro capítulo da primeira parte de O capital (“Os
dois fatores da mercadoria: valor de uso e valor”), na discussão sobre a grandeza do
valor e o trabalho socialmente necessário, Marx explica como “cada mudança na
força produtiva do trabalho” determina mudança no tempo de trabalho necessário
para produzir uma mercadoria. Entre as cinco circunstâncias diversas citadas, está
“o nível do desenvolvimento da ciência e sua aplicabilidade tecnológica” (p. 48).é
À seguir, esclarece como a “grandeza de valor de uma mercadoria muda na razão
direta do quantum, e na razão inversa da força produtiva do trabalho que nela se
realiza” (p. 49).
Na passagem dos Grundrisse, há uma clara demarcação entre fases distintas
do sistema capitalista: grande indústria e aplicação das ciências à produção vêm
articuladas:

(...) a análise e aplicação das leis da mecânica e da química, emergindo dire-


tamente da ciência que permite a máquina a desempenhar o mesmo trabalho
previamente desempenhado pelo trabalhador. Entretanto, o desenvolvimento
da maquinaria por essa trajetória ocorre apenas quando a grande indústria
tenha alcançado um estágio avançado, e todas as ciências tenham sido pres-
sionadas para servir ao capital; e quando, em segundo lugar, a maquinaria
disponível em si já ofereça grande capacidade (p. 704).

A seguir, Max escreve: “(...) invenção então se torna um negócio, e a aplicação da


ciência à produção em si se torna uma perspectiva que a determina e a solicita (..)”
(p. 704).

? —Aassociaçãoentre as duas obras de Marx é objeto de Rosdoisky (1968). Paula (2010) caracteriza os Grundrisse
como “o ensaio geral”,
* —Asoutrascircunstâncias são “grau médio de habilidade dos trabalhadores”, “a combinação social do processo
de produção”, “o volume e a eficácia dos meios de produção” e “as condições naturais” (p. 48).
30
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

a apropriação da sua [do trabalhador] própria força produtiva geral, sua


compreensão da natureza e seu domínio sobre ela em função (em razão) de
sua existência como corpo social — numa palavra, é o desenvolvimento do
indivíduo social que aparece como o grande pilar da produção e da riqueza.
O roubo do tempo de trabalho alheio, no qual a riqueza atual é baseada, aparece
como uma base miserável em relação a essa nova, criada pela própria grande
indústria. O trabalho excedente da massa deixou de ser a condição para o
desenvolvimento da riqueza geral, assim como o não trabalho de poucos, para
o desenvolvimento dos poderes gerais da mente humana (grifos no original).

E conclui: “(...) com isso, a produção baseada no valor de troca colapsa” (p. 705-
706).
O capital como a “contradição em processo”, prossegue Marx, potencializa
uma oposição específica, porque, por

um lado convoca os poderes da ciência e da natureza, assim como da combi-


nação social e da relação social, para fazer a criação da riqueza independente
(relativamente) do tempo de trabalho empregado nela. Por outro lado, ele quer
usar o tempo de trabalho como unidade de medida para as gigantescas forças
sociais assim criadas, além de confiná-las no interior dos limites requeridos
para manter o valor já criado como valor (p. 706).

Essa dinâmica e o choque entre forças produtivas e relações sociais criariam as


“condições materiais para explodir pelos ares essa base”.
Essas passagens, em especial pelas referências ao colapso e à explosão do valor
como unidade de medida, foram interpretadas por Rosdolsky (1968, cap. 28) como
elementos para a superação da barreira do valor e para a transição ao socialismo
libertário.
Porém, persiste a ordem capitalista, inclusive com esses problemas de medida
aguçados, posto que o “estado geral da ciência e da tecnologia” se desenvolveu con-
sideravelmente. Como o sistema persiste funcionando apesar do colapso potencial
indicado por Marx?
Essa passagem tem sido utilizada como fonte para interpretações sobre o capita-
lismo contemporâneo e tem gerado diversas respostas.º À conexão entre elementos
dessa discussão (ciência, produção, grande indústria, capital fixo, tempo de trabalho)
? —Alémde Rosdolsky (1968), a lista de referências é vasta: entre outros, Mande! (1967), Virno (1992), Postone
(1993), Fausto (2002) e Borges Neto (2010).
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Outra demarcação está na seção dos Grundrisse que trata da “moderna proprie-
dade da terra”, que é associada à possibilidade de aplicação da ciência “pela primeira
vez” e ao desenvolvimento completo das forças produtivas (p. 276).
Em O capital essa linha de raciocínio é retomada em diversas passagens. Ao
comentar a transição da cooperação para a grande indústria, passando pela manu-
fatura, em relação ao processo de separação do trabalhador das “porencialidades
intelectuais do processo material de produção”, Marx considera que esse processo
se completa na grande indústria, “que separa do trabalho a ciência como potência
autônoma € a força a servir ao capital” (1867, t. 1, p. 283-284).
A maquinaria estabelece um novo patamar para a aplicação da ciência: “[Como]
maquinaria, o meio de trabalho adquire um modo de existência material que pres-
supõe a substituição da força humana por forças naturais e da rotina empírica pela
aplicação consciente das ciências da Natureza” (1867, t. 2, p. 17).
Em um ponto importante para a abertura permanente de novos setores que a
dinâmica tecnológica determina: “[Cada] progresso da química multiplica o número
de matérias úteis e as aplicações úteis das já conhecidas, e amplia assim, com o
crescimento do capital, sua esfera de atuação” (1867, t. 2, p. 182). Adiante: “(...)
ciência e técnica constituem uma potência independente da grandeza dada do capital
em funcionamento para sua expansão” (p. 182). Antes desse trecho, uma menção
a “fluxo ininterrupto da ciência e da tecnologia (t. 2, p. 182). Posteriormente, uma
observação: “Pode ser completada a transformação do processo de produção em
aplicação tecnológica da ciência” (p. 195).
Finalmente, em um trecho de “Resultados do processo de produção imediato”,
Marx discute como o capital aparenta incorporar a ciência:

(...) a aplicação da maquinaria, e em geral a transformação do processo


produtivo em aplicação consciente das ciências naturais, mecânica, química
etc., para fins determinados, a tecnologia etc., assim como os trabalhos em
grande escala correspondentes a tudo isso (só esse trabalho socializado está
em condições de utilizar no processo imediato de produção os produtos gerais
do desenvolvimento humano, como a matemática etc., assim como, por
outro lado, o desenvolvimento dessas ciências pressupõe determinado nível
do processo material de produção); esse desenvolvimento da força produtiva
do trabalho objetivado, por oposição ao trabalho mais ou menos isolado de
indivíduos dispersos etc., e com ele a aplicação da ciência — esse produto
geral do desenvolvimento social — ao processo imediato de produção; tudo
isso se apresenta como força produrtiva do capital, não como força produtiva
do trabalho (1978, p. 55).
Capítulo 1
À construção institucional para
a aplicação tecnologica da crência | 33

Esses trechos foram interpretados por um pioneiro da abordagem neo-schumpe-


teriana, Nathan Rosenbcrg (1974) como uma demarcação na história da interação
entre ciência e tecnologia: o “casamento entre ciência e indústria” (p. 130).º Como
afirma Rosenberg, “Marx é bastante explícito quanto ao início da união da ciência
e da indústria apenas séculos após a chegada do capitalismo moderno e a emergên-
cia de corpos sofisticados de ciência teórica” (p. 130).º Na análise de Rosenberg, o
surgimento e o desenvolvimento da maquinaria e a chegada da fase de “produção
de máquinas através de máquinas” são os desenvolvimentos históricos que trouxe-
ram “a tecnologia a um ponto a partir do qual ela se tornou, pela primeira vez, um
objeto de análise científica e aperfeiçoamento” (p. 133).
Além desse texto sobre Marx e o papel da ciência, Rosenberg redige outros dois
textos que seguem a mesma linha de raciocínio: “Science, invention and economic
growth"” (1974b) e “How exogenous is science?” (1982). Nesses textos, a complexi-
dade dessas interações entre ciência e tecnologia é apresentada, de forma a compor
um quadro amplo de uma relação de mútuo reforço (feedbacks positivos). À nota
de Marx, já comentada, é fértil por indicar essa dupla determinação: por um lado,
a “criação de riqueza real depende (...) do estado geral da ciência e do progresso da
tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produção”; por outro, “o desenvolvimento
dessa ciência, especialmente as ciências naturais, e de todas as outras com elas, é por
sua vez relacionada ao desenvolvimento da produção marerial” (1857-1858a, p. 704-
705). Esse segundo sentido causal (como o desenvolvimento da produção material
está relacionado com o desenvolvimento das ciências) é o tema de Rosenberg em
“How exogenous is science?” (1982), texto que avalia como o acúmulo de conheci-
mentos tecnológicos (muitas vezes resultante de achados puramente empíricos ou
de solução de problemas técnicos na produção) oferece avenidas para o desenvolvi-
mento da ciência. Rosenberg (1982) relata o surgimento de problemas complexos
em empresas cuja solução resulta em descobertas científicas importantes. Ou seja,
a dinâmica de aplicação da ciência à produção determina novos canais de evolução
da própria ciência, específicos dessa dinâmica.

S — Nesseartigo Rosenberg não utiliza os Grundrisse, o que comprova a permanência na obra de Marx dos temas
esboçados entre 1857-1858,

* — Esselongo desenvolvimento histórico pode ser identificado na revolução científica, que segundo Schuster (1990)
ocorre nos séculos XV a XVII! (Leonardo da Vinci e Newton são dois personagens centrais que estão nos limites
dessa revolução). Margaret Jacob (1988) e Suprinyak (2009) tratam das relações entre a revolução científica e a
Revolução Industrial, descrevendo padrões de interação entre ciência e tecnologia dispersos no tempo — padrões
que são radicalmente transformados após a emergência da produção de máquinas através de máquinas.
Capítuto 1 |
A construção institucional para |
a aphcação tecnológica da ciência | 35

Alemanha (Nelson; Wright, 1992). Essa poderosa infraestrutura científica é tra-


tada na literatura como geradora de avanços científicos, uma importante fonte de
“oportunidades tecnológicas” (Klevorick er a/., 1995), portanto, um importante
determinante do progresso tecnológico (Dosi, 1988).
Esses avanços científicos interagem com diversas mudanças na empresa capita-
lista. Ao longo da segunda mertade do século XIX, a firma capitalista típica cresceu
e acumulou recursos, tornando-se capaz de realizar novos tipos de investimentos:
uma mudança marcante foi a criação dos primeiros laboratórios de P&cD no interior
de empresas. Segundo Freeman (1982), essa mudança organizacional ocorreu na
década de 1870.º É uma mudança organizacional (como sugere Chandler, 1977,
em sua investigação sobre a revolução gerencial no capitalismo americano) que
pressupõe o crescimento da empresa capitalista, a capacidade de gerar mudan-
ças internas e a acumulação de recursos monetários e creditícios suficientes para
investimentos carregados de incerteza. À natureza financeira dos investimentos em
P&D aprofunda problemas relativos aos investimentos em capiral fixo. Embora
esses investimentos tenham diversas similaridades em relação aos investimentos
em capital fixo, há características distintivas: a incerteza em relação aos resultados
e o fato de não constituírem um colateral para as operações bancárias.” No final
do século XX, Rosenberg (1990) discute um estágio no qual grandes empresas
investiam na produção de pesquisa básica (pesquisa para ampliar o conhecimento
científico) e Hicks (1995) investiga por que essas empresas publicavam resultados
dessas pesquisas. No caso dos Estados Unidos, em 2008 os gastos empresariais com
P&D alcançaram US$ 290,7 bilhões (NSB, 2012, p. 4-18).
O significado desses investimentos é bastante complexo, envolvendo desde os
esperados investimentos para a geração de inovações até gastos com atividades
científicas similares às realizadas em universidades.”º Cohen e Levinthal (1989)
apresentam o duplo aspecto das atividades de P&D: inovação e aprendizado. Levin
et al. (1987) constatam esse papel da atividade de P&D empresarial como fonte
de aprendizado. Esses achados indicam que a aplicação da ciência à produção

º —A importância dessa mudança e a posterior difusão entre as principais grandes empresas das nações
desenvolvidas pode ser medida pela avaliação de Schumpeter sobre o futuro do capitalismo, Schumpeter (1942), a
partir da avaliação do papel das grandes empresas e de seus laboratórios de P&D na transformação da inovação
em atividade rotineira, sugere que esse sucesso do capitalismo determinaria a sua superação pelo socialismo,
? —Essas características distintivas estão resenhadas em Sicsú e Albuguerque (1998). Esse tema é retomado no
Capítulo 2.
1º A presença de Prêmios Nobel trabalhando em empresas é uma mostra da qualidade da atividade científica
nessas empresas. O trabalho que abriu a área de nanociência e nanotecnologia foi realizado no laboratório da IBM
em Zurique por G. Binning e H. Rohren, que inventaram o Scanning Tunneling Microscope (patente USPTO 4343993)
e ganharam o Prêmio Nobel de 1986.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

1º? Sistema nacional de inovação e aplicação


da ciência à produção

O avanço do “estado geral da ciência e da tecnologia” requer arranjos institucio-


nais específicos. Os Grundrisse — embora lidando com outros temas, como condi-
ções de transporte — sugerem que a ciência e a tecnologia são parte das “condições
gerais da produção” (p. 531). O conceito neo-schumpeteriano de sistema nacional
de inovação descreve o que é necessário para que a ciência se torne cada vez mais
uma das “condições gerais da produção”.
O conceito e os estudos sobre os sistemas nacionais de inovação são investigações
sobre a construção institucional necessária para a aplicação da ciência à produção
imediata (Freeman, 1988; 1995; Nelson, 1988; Lundvall, 1988). Entre a redação
dos Grundrisse e a emergência do conceito de sistema de inovação na década de
1980, a complexidade do sistema se multiplicou.
Para a viabilização da aplicação da ciência à produção, os agentes descritos por
Marx devem passar por mudanças substanciais, tanto em termos quantitativos
quanto qualitativos. Ao longo do tempo, multiplica-se tanto a ciência a ser aplicada
na produção quanto as oportunidades na produção para tal aplicação da ciência.
Para multiplicar tal produção da ciência, esta é organizada e torna-se crescen-
temente uma atividade apoiada pelo financiamento público e estatal, o que supõe
saltos no peso e na qualidade da organização dos Estados nacionais e das finanças
públicas. Uma longa e não linear construção das instituições de pesquisa tem um
resultado que pode ser exemplificado, em 2009, pelos 788.347 artigos científicos
indexados pelo IST (SCI e SSCD, dos quais 208.601 foram escritos nos Estados
Unidos (NSB, 2012, p. 5-34). Instituições acadêmicas respondem por US$ 54,9
bilhões em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) (NSB, 2012, p. 57) —
14% do total de US$ 400,5 bilhões gastos com P&D nos Estados Unidos em 2006
(NSB, 2012, p. 4-7). Ao longo do tempo, as atividades científicas são ampliadas,
institucionalizadas e consolidadas.”
A construção de carreiras científicas estáveis e organizadas, responsáveis pela
massificação relativa das atividades de ciência e engenharia, dependeu do crescente
desenvolvimento do sistema público de apoio à pesquisa, que teve na Alemanha
no final do século XIX um importante impulso inícial. Como resultado, no início
do século XX, os Estados Unidos enviavam estudantes de pós-graduação para a

? —Um exemplo dos esforços e investimentos para essa consolidação é o LHC, o acelerador de partículas que
consumiu US$ 9 bilhões entre 1993 e 2008 (Revista Fapesp, n. 147, p. 18-27, maio 2008).
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

não é realizada sem custos para a empresa (para o capital): gastos e investimentos
específicos são assumidos por empresas para viabilizar essa aplicação. Esses inves-
timentos também determinam importante metamorfose na natureza do trabalho
empregado nessas empresas, pois o conteúdo de trabalho intelecrual cresce de forma
significativa: em 2009, estavam empregados 5,4 milhões de pessoas em atividades
de ciência e engenharia nos Estados Unidos (NSB, 2012, p. 3-5), dos quais 59%
no setor for-profit (p. 3-5)."
Essa dinâmica torna a produção de máquinas cada vez mais especializada,
configurando um elemento estratégico para o desenvolvimento da economia capi-
talista, como a elaboração de Rosenberg (1976, p. 141-150) ressalta. Um resultado
dessa evolução foi o surgimento de um setor de “fornecedores especializados” na
taxonomia de padrões setoriais de progresso técnico proposta por Pavitt (1984).
A produção especializada de máquinas é parte da crescente complexidade de uma
divisão de trabalho interindustrial que caracteriza economias avançadas. Estudos
sobre a indústria de bens de capital (Mazzoleni, 1999) demonstram como ela
própria depende de conhecimentos e habilidades desenvolvidas em universidades
e centros de pesquisa. Além disso, há uma dinâmica singular, na qual se podem
perceber metamorfoses na própria indústria, dependente do desenvolvimento de
novas indústrias e do surgimento de demandas que podem gerar a transformação
de equipamentos não especializados em equipamentos especializados ao longo do
ciclo de vida de uma indústria (Klepper, 1997). AÀ produção interna de máquinas
e equipamentos em grandes empresas pode também ser transferida para outras (e
novas) empresas ao longo do tempo (Patel; Pavitt, 1995). Esse é um elemento cru-
cial nas metamorfoses das fronteiras das firmas. Tais transformações na estrutura
industrial são importantes para especificar a origem das máquinas que sustentarão
a transformação do local de trabalho ao longo do século XX. As máquinas que
impulsionaram a automação do processo produtivo foram produzidas por trabalho
de crescente conteúdo tecnológico. Ainda no século XIX, Marx menciona o uso de
conhecimentos das ciências mecânicas e químicas para a produção de máquinas.
Ao longo dos séculos XIX e XX, avanços científicos, como eletricidade, eletrônica,
novos materiais e ciências da computação, foram sempre incorporados na produção
de novas máquinas.
A generalização do ensino secundário e superior, na Alemanha e nos Estados
Unidos, apoia e viabiliza essas metamorfoses (o que implica ampliação da especia-
lização e do conhecimento do trabalhador coletivo). Para o processo de carching
up e forging ahead da Alemanha em relação à Inglaterra, no final do século XIX,

* —Essesmovimentos estão descritos como “reposicionamento do trabalho” em texto anterior (Albuguerque, 1996).
Capituio 1 ª
À construção institucional para |
à aplcação tecnologica da ciência |

relacionado diretamente com a emergência de novos ramos industriais ligados à


eletricidade e à química, Landes (1969) descreve como a precoce generalização do
acesso à educação secundária, na Alemanha, criou condições — capacitação social,
na terminologia de Abramovitz (1989) — para que a classe trabalhadora lidasse
com tecnologias mais complexas e que exigiam a compreensão básica de elementos
científicos relacionados a esses dois campos emergentes. Entre outras razões, Landes
menciona o elevado custo do maquinário utilizado e os enormes riscos de danos,
causados pela falta de compreensão das bases elementares de seu funcionamento. À
vantagem comparativa da Alemanha construída por esse investimento em educação,
vis-à-vis a Inglaterra, é uma das explicações do sucesso do seu processo de catching
up. Chandler (1990, p. 292-293) ressalta essa diferença entre a Inglaterra, por um
lado, e a Alemanha e os Estados Unidos, por outro.
Mazzoleni (2005), por sua vez, sistematiza informações em relação ao ensino
superior em processos de desenvolvimento. É surpreendente a enorme vantagem dos
Estados Unidos em relação aos demais países a respeito do número de estudantes
universitários. À dimensão do sistema universitário desse país (em termos quanti-
tativos) — e a consequente diversidade que ela possibilira — seria uma das questões
distintivas apresentadas por Rosenberg (2000). Um sistema dessa magnitude tem
recurso e capacitação para atender a múltiplas funções no processo de desenvolvi-
mento, inclusive as relacionadas às demandas empresariais em um ambiente eco-
nômico e industrial crescentemente complexo, impulsionado pela dinâmica aberta
pela aplicação da ciência à produção.
Na medida em que as empresas crescem, estabilizam o seu crescimento e per-
cebem a natureza da dinâmica tecnológica que têm pela frente, passam a ter a
capacidade de apresentar questões e vínculos mais ou menos formais com univer-
sidades. Chandler (1990) comenta como essas demandas puderam ser atendidas na
Alemanha e nos Estados Unidos desde o final do século XTX.
Há o papel-chave do Estado para impulsionar o progresso tecnológico. Além do
papel do Estado em relação à produção científica, desde meados do século XIX,
pelo menos no caso dos Estados Unidos, as políticas de compras governamentais
influenciaram o desenvolvimento de novas tecnologias e novos métodos de pro-
dução. Um exemplo do século XIX é a produção de armas de fogo para o exército
dos Estados Unidos. Essa produção está relacionada ao surgimento do “sistema
de manufatura americano” no período anterior à Guerra Civil (Atack; Passell,
1996, p. 201). Há, aqui, duas questões articuladas. Uma, associada à natureza
belicista do capitalismo, é a “aplicação da ciência à guerra”. Outra diz respeito ao
papel das guerras e dos empreendimentos militares como legitimadores de gastos
em ciência e tecnologia.
Caprtulo à
A construção insttucional para
à aplicação tecnológica da ciência | 39

capitalismo. Ou seja, o atranjo institucional para a aplicação da ciência à produ-


ção — o sistema de inovação — multiplica e torna mais complexa e multifacetada a
aplicação da ciência à produção.

+3 Mudanças estruturais advindas da


aplicação da ciência à produção

Para Marx nos Grundrisse, a trajetória da aplicação da ciência à produção não era
ainda a rota principal. Ao colocar-se no centro dinâmico do sistema, multiplica o seu
potencial produtivo e inovador. As implicações dessa nova dinâmica são enormes.
O crescimento da força produtiva do trabalho, dado “o nível do desenvolvimento
da ciência e sua aplicabilidade tecnológica”, determina a possibilidade de enorme
geração de mais-trabalho com jornadas menores. Essa possibilidade técnica só é
viabilizada pela luta sindical e social nos países capitalistas centrais. Essa combina-
ção entre lutas sociais e a possibilidade técnica de extração de massas de mais-valia
maiores com jornadas menores determinou uma transformação estrutural básica,
captada pela elaboração de Celso Furtado na sua diferenciação entre o centro e a
periferia. Nos países centrais, argumenta Furtado, “a pressão social faz que a remu-
neração do trabalho acompanhe a elevação da produtividade física desse trabalho”,
donde a incorporação de parcelas substanciais da classe trabalhadora ao mercado
nacional (1981, p. 89). Ao contrário da periferia, onde a marginalização prosseguia
€ o mercado de consumo limitava-se às elites locais.
Essa observação introduz uma discussão sobre uma das forças constitutivas dos
sistemas de bem-estar social. Marx expõe a dinâmica que impulsiona o desenvolvi-
mento desses sistemas, em comentários sobre a relação entre o capital, a saúde e as
condições de trabalho. Para Marx, “o capital não tem (...) a menor consideração pela
saúde e duração de vida do trabalhador, a não ser quando é coagido pela sociedade
a ter consideração” (1867, t. 1, p. 215). Em relação à “jornada de trabalho normal”,
a sua criação é “o produto de uma guerra civil de longa duração, mais ou menos
oculta, entre a classe capitalista e a classe trabalhadora” (1867, t. 1, p. 236).
Portanto, é a luta social que estabelece um processo que conquista do capital
uma série de avanços sociais viabilizados pela aplicação da ciência à produção.
Esse processo envolveria, então, uma articulação entre possibilidades criadas pela
38
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta é Albuquerque

A intervenção estatal em políticas de ciência e tecnologia pode, inclusive, estar


associada a esforços militares: um exemplo, o início da produção industrial de anti-
bióticos, parte do esforço de guerra nos anos de 1940, será definidor do destino de
empresas importantes da indústria farmacêutica mundial (Chandler, 2005). Essa
iniciativa exemplifica como três dos atores-chave de um sistema de inovação atuam
de forma coordenada: Estado, firma e conhecimento científico — uma aplicação da
ciência à produção na qual o Estado estimula financeiramente grupos industriais
poderosos a investirem em conhecimentos científicos disponíveis para viabilizar a
produção industrial de um produto estratégico no conflito militar.? Esse tipo de
articulação persiste de várias formas. A revolução das tecnologias de informação
e comunicação (TICs) dos anos de 1990 é apenas mais um exemplo (Fabrizio;
Mowery, 2007). Malerba e Orsenigo (1996) descrevem esses diversos atores, na
gênese e no desenvolvimento de indústrias, como semicondutores, computadores
€ biotecnologia.”?
Esses aspectos diversos ilustram como a tendência de aplicação sistemática da
ciência à produção envolve diversos atores, mudanças quantitativas e qualitativas
na participação deles e uma articulação sistemártica entre eles: o conceito de sis-
tema nacional de inovação é a síntese dessa arciculação institucional complexa.
Esses desenvolvimentos têm diversos marcos históricos, mas possivelmente para os
Estados Unidos a Segunda Guerra Mundial foi o principal divisor de águas, com a
conformação da estrutura básica que caracteriza o seu sistema de inovação (Mowerty;
Rosenberg, 1993). Esses atores (instituição científica, Estado, firma e divisão de
trabalho entre as firmas) são capazes de gerar revoluções tecnológicas associadas às
“ondas longas do desenvolvimento capitalista” que, por sua vez, impõem diversas
metamorfoses a esses atores (novos setores industriais, novas disciplinas científicas,
mudanças nas fronteiras das firmas, novos padrões de interação entre ciência e tec-
nologia). Nessa trajetória histórica, o conteúdo científico da tecnologia tem crescido
com o tempo!* — ou com a sucessão de revoluções tecnológicas que caracterizam o

2 —Aqui há uma outra conexão com as discussões relativas ao sistema financeiro, porque segundo Minsky (1986,
p. 22) uma das funções do big government é atuar como comprador (por meio de contratos governamentais).
* — O'Connor(1973, p. 123) descreve o Estado nos Estados Unidos no pós-guerra assumindo tarefas relativas ao
financiamento de pesquisas, entre outras tarefas novas.
1 —A partirdo trabalho de Narin, Hamilton e Olívastro (1997), Ribeiro et al. (2010) apresentam uma metodologia
e dados que demonstram empiricamente essa crescente dependência científica das tecnologias, um fenômeno
inicialmente fortemente influenciado pelo sistema de inovação americano, mas que está se tornando crescentemente
giobal,
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

aplicação tecnológica da ciência e lutas sociais: 1) luta social e coerção estatal do


capital; 2) espaços na dinâmica do aumento da produtividade do trabalho que
associam ampliação na geração de mais-valia relativa, redução de jornada de tra-
balho e melhores salários, resultando em maiores lucros; 3) esse processo mostra
como a ciência e a tecnologia são importanres ao criarem uma das bases para os
sistemas de bem-estar social. Para além de melhorias salariais viabilizadas pela ele-
vação da força produtiva, o surgimento de novas indústrias e seus novos produtos
contribuem diretamente para a ampliação da expectativa de vida: os progressos na
área de alimentação, habitação e saúde não podem ser subestimados. O resultado
é uma importante ampliação da expectativa de vida. Marx cita discurso proferido
por Chamberlain, em 1875, quando menciona a duração média de vida da classe
abastada, em 38 anos, e da classe operária, em 17 anos (1867, v. 1, t. 2, p. 207b).”
Os desenvolvimentos relativos à indústria farmacêutica, exemplificados pela pro-
dução em massa de antibióticos, embora fundamentais, não são os únicos nessa
área. À constituição de sistemas setoriais de inovação na saúde, com a sua peculiar
conformação entre ciências, indústrias, profissionais, instituições da saúde e setor
público, tem um impacto considerável sobre a ampliação da expectativa de vida"
A incorporação da classe trabalhadora ao mercado de consumo trouxe efeitos
importantes sobre o padrão e a orientação do progresso tecnológico, que contri-
buíram para a abertura de possibilidades de exploração de economias de escala e
de escopo. Por sua vez, esses efeitos permitiram a combinação da ampliação da
produção com o barateamento de componentes da crescente cesta de consumo
das classes trabalhadoras nos países centrais. À elevação do padrão de consumo
da maioria da população, aliada a avanços científicos e tecnológicos, em especial
na área de saúde, permite uma significativa mudança na expectativa de vida. Esta,
por sua vez, impacta sobre novas demandas e novos desenvolvimentos institucio-
nais, com o início da formação dos sistemas de aposentadoria (Esping-Andersen,
1990). Na segunda metade do século XIX, Bismarck, em uma tentativa de conter
a expansão dos movimentos socialistas na Alemanha, introduz os primeiros passos

* —“Dados similares são apresentados por Thompson (1963, p. 365-366) e por Wrigley (1969, p. 172-173). Porter
(1998, p. 398-405) descreve as condições de saúde e trabalho nesses tempos, utilizando a obra de Engeis (A situação
da classe trabalhadora na Inglaterra) como uma fonte. Wrigley (1969, p. 172-173) descreve a grande variação na
mortalidade em diferentes ambientes sociais durante a Revolução industrial. Entre os dados apresentados por ele,
em meados do século XIX a expectativa de vida nas piores partes de Liverpool e Manchester estava abaixo de 20
anos, enquanto seria de 40,2 anos na Inglaterra como um todo e 51 em Surrey.,
* Para uma revisão da literatura em relação aos sistemas de inovação da saúde, ver Albuquerque e Cassiolato
(2000).
Captulo 1
A construção institucional para é
a apheação tecnológica da ciência | 41

de uma legislação destinada a garantir aposentadorias (Stachura, 2003, p. 229). O


desenvolvimento das instituições de aposentadoria e a sua crescente generalização
em direção a sistemas de bem-estar social são características do século XX, em
processos que ocorreram por intermédio de um conjunto razoavelmente diversi-
ficado de trajetórias (Esping-Andersen, 1990).7 A conquista de aposentadorias e
de renda após uma vida de trabalho é uma conquista em termos de tempo livre.
Como Esping-Andersen comenta, antes da organização dos sistemas de bem-estar
social, o trabalho até o fim da vida era a forma predominante de sobrevivência
para trabalhadores que conseguiam ultrapassar os 65 anos de idade (p. 89-90)."º
As repercussões desses arranjos institucionais relacionados à saúde, por sua vez,
influenciam a organização dos sistemas de inovação. Mirowsky e Sent (2002), por
exemplo, destacam como a demanda por gastos em saúde determinou prioridades
de investimento na área científica e tecnológica, a ponto de os autores mencionarem
um “complexo industrial da saúde” como um dos componentes básicos do arranjo
das ciências nos Estados Unidos.
Essas mudanças gerais associam ampliação da produção, novos produtos e
ampliação da expectativa de vida com impactos demográficos importantes e que
exigem mudanças institucionais importantes. À forma de provisão das aposenta-
dorias, componente essencial dos sistemas de bem-estar social, é objeto de disputas
importantes, que podem ser identificadas nos processos mais gerais de mercanti-
lização e desmercantilização de políticas sociais, na narrativa de Esping-Andersen
(1990). No caso dos Estados Unidos, a emergência de sistemas de bem-estar social
está relacionada à emergência de um importante investídor institucional: os fundos
de pensão (Esping-Andersen, 1990; Blackburn, 2002).
No mundo do trabalho, a aplicação tecnológica da ciência contém o potencial
para melhorias significativas nas condições de trabalho, cujo potencial pode ser
captado no chamado “modelo sueco” de organização do trabalho. Ao lado da
redução substancial da jornada de trabalho, importantes mudanças qualitativas
são possíveis ainda no sistema capitalista. À natureza do trabalho também é pro-
fundamente transformada.

1 — Atipologia de Esping-Andersen (1980) - os três mundos do welfare capitalism — envolve a diferenciação entre
o modeio anglo-saxão (o mais mercantilizado e privatista), o continental (conservador e estratificado) e o social-
democrata (universalista, o mais desmercantilizado). Em todos os três modetos o setor público tem papei relevante.
** —“Segundo Esping-Andersen (1990, p. 91), esse era o caso para 70% dos adultos dessa faixa etária nos Estados
Unidos nos anos de 1890.
Capítuto 1
À construcão institucional para
4 aplicação tecnológica da ciência | 43

p. 201), decisões tomadas sobre prioridades de pesquisa, hoje, terão repercussões


sobre o estoque de alternativas tecnológicas disponíveis no futuro.
O crescimento do tamanho das empresas amplia o alcance do planejamento no
interior dessas unidades, pois, como sugere a abordagem dos custos de transação, a
firma cresce substituindo o mecanismo de mercado pela autoridade do empresário. Ou
seja, a coordenação de diversas unidades distintas através do mercado é substituída pela
coordenação administrativa de diversas unidades integradas: mercados cedem lugar a
hierarquias (Coase, 1937; Williamson, 1975).º! Simon (1992, p. 42) chega a afirmar
que a designação “economia de mercado” é inapropriada para caracterizar a economia
no final do século XX; seria mais apropriado o termo “economia organizacional”.
Às combinações entre mecanismos mercantis e não mercantis, entre planejamento
(inclusive no interior das grandes empresas) e mercado, são diversas, especialmente
quando os arranjos específicos aos sistemas de bem-estar social são incorporados.
Dessa diversidade emergem variedades de capitalismo, alternativas de capitalismo
convivendo na economia global (Nelson, 1993; Dore; Lazonick; O'Sullivan, 1999;
The Economist, 2012).

14 Polêmicas relativas à aplicação


tecnológica da ciência

Essas passagens dos Grundrisse são comentadas por diversos autores, o que per-
mite organizar diálogos para ampliar a compreensão de aspectos do capitalismo
contemporâneo.
Os temas são a natureza do trabalho científico, a forma de apropriação pelo
capital dos produtos do trabalho científico, as metamorfoses do trabalho ao longo
do século XX e a natureza do capitalismo inaugurado pela aplicação da ciência à
produção. Os autores são Paul Virno (1992), Moishe Postone (1993),22 Ruy Fausto

** Penrose (1959) trata as grandes firmas como unidades de planejamento. Coase (1937, p. 31) afirma que “lem]
um sistema competitivo há um nível “ótimo' de planejamento”.
* Em Postone, há quatro problemas na sua elaboração que merecem ser melhor discutidos posteriormente: E
definição de “marxismo tradicional”; 2) a insistência na dicotomia entre produção de valor e a criação de riqueza material
€ a atribuição de um pape! central para essa dicotomia; 3) reconhecer as mudanças no capitalismo contemporâneo
(p. 12 e 39), mas não tratá-las de forma adequada (daí problemas para tratar da aplicação tecnológica da ciência);
4) pequena elaboração sobre a questão monetária.
42
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Entre as mudanças institucionais após a Segunda Guerra Mundial, há o sur-


gimento de um agente especializado, o venture capital (Gompers; Lerner, 1999),
que é indicador do caráter inconcluso do processo de incorporação da ciência pelo
capital. O venture capital está na interseção entre o sistema de inovação € o sistema
financeiro, retratando um tipo específico de articulação entre o capital financeiro
€ o capital produtivo. Ele tem a função de vasculhar a infraestrutura científica para
identificar produtos da ciência que podem ser transformados em novas empresas e/
ou novos produtos. Esse ator é, inclusive, incorporado pelas grandes empresas, que o
transformam no chamado corporate venture cápital, multiplicando a sua capacidade
em localizar inovações e em vincular-se com as instituições públicas de pesquisa.
Curiosamente, é apenas agora que se fala em science business (Pisano, 2006). Essa
realidade do final do século XX inaugurou diversas controvérsias em torno de
saltos na privatização do conhecimento científico (Nelson, 2004; Mirowsky; Sent,
2002). Esses movimentos estariam relacionados a uma maior capacidade do capital
de incorporar privadamente o que até aqui tinha sido uma das “condições gerais
de produção”,
Como uma síntese dessas mudanças estruturais, a construção institucional
representada pelo sistema de inovação se transforma em um elemento estruturan-
te da economia capitalista moderna. Esse componente contribui para a definição
do capitalismo atual como uma economia mista, uma combinação complexa de
mecanismos mercantis e não mercantis (Nelson, 2009).º
A definição do capitalismo contemporâneo como uma economia mista tem
implicações: uma combinação sui generis entre planejamento e mercado. A forte
presença do Estado no financiamento e no apoio a atividades científicas e tecno-
lógicas determina um poder de escolha, um mecanismo de seleção, que afera a
vida de empresas, tecnologias, disciplinas científicas e até mesmo de paradigmas
técnico-científicos (Nelson; Winter, 1982). Ao comparar a economia capitalista
do pós-guerra com a do tempo de Schumpeter, Nelson (1996, p. 80) comenta que
se trata, então, de “um sistema muito mais socializado”, embora não um sistema
em que haja “ação explicitamente planejada e coordenada em um campo amplo
de atividade”.?º Aqui surgem inúmeras questões importantes para a ampliação da
agenda de discussões democráricas nacionais, pois, como sugere Freeman (1982,

* “Rosenherg e Birdzel! (1986, p. xi) também chegam a considerar que o termo “economia mista” seria mais
apropriado para identificar a economia contemporânea.
2 — Édignodenotaque o capítulo de Arrighi (1994, p. 247-277) referente ao ciclo sistêmico de acumulação liderado
pelos Estados Unidos intituia-se “a dialética entre mercado e planejamento”.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

(2002) e Prado (2005). Os diálogos são organizados a partir da incorporação do


conceito de sistema nacional de inovação na análise do capitalismo contemporâneo.

141 A natureza do trabalho científico

Ruy Fausto (2002,'p. 137), em sua elaboração sobre a fase da “pós-grande


indústria”, investiga questões relacionadas ao peso crescente da ciência e da tecno-
logia. Nessa discussão, o autor sugere que a riqueza é produzida no tempo do “não
trabalho”:

Com a pós-grande indústria, há a ruprura dessa situação. À riqueza não é


mais produzida pelo trabalho, mas pelo não trabalho. Isso num duplo senti-
do. Em primeiro lugar, a riqueza material já não depende essencialmente do
trabalho. Em segundo lugar, a riqueza passa a ser essencialmente a ciência (a
arte etc.), e esta é produzida no tempo do não trabalho.

Em uma nota que tem data de 2001, o autor observa que isso está no interior da
conceituação de Marx e “não na realidade atual”, da pesquisa básica e dos labo-
ratórios das grandes empresas (nota 149, p. 181), mas ele não desenvolve o tema.
Postone se aproxima dessa posição, ao enfatizar o papel criador de riqueza material
da ciência e da tecnologia, em oposição à produção de valor (Postone, 1993, p. 60
e 197) e à clivagem entre o trabalho humano direto e a produção de ciência e a
tecnologia (p. 339).ºº
A ciência e a tecnologia são fruto de trabalho humano. Ao contrário dos produtos
da natureza, clência e tecnologia são resultados de um trabalho bastante específico,
o trabalho intelectual. Como este ganha maior importância na medida em que o
capitalismo se desenvolve, há um conjunto de mudanças no mundo do trabalho:
um movimento geral de seu reposicionamento.* A identificação do processo de
reposicionamento do trabalho contribui para avaliar a questão de sua qualificação/
desqualificação no capitalismo do século XX.
A constatação de que a ciência seja produto de trabalho menral introduz um
conjunto de questões complexas para lidar com a natureza, o lugar e a relação

* —Para Postone, há uma “constituição histórica de capacitações produtivas gerais e modos de conhecimento
científico, técnico e organizaciona! que não são função e nem podem ser reduzidas a força, conhecimento e experiência
dos trabalhadores" (1993, p. 339).
? A identificação desse movimento geral de reposicionamento do trabaiho esté apresentada em texto anterior
(Albuquerque, 1998), em que há um debate com as concepções de Offe (1984) e Habermas (1983).
Capítulo 1
A construção insttucional para
à aplicação tecnológica da ciência ! 45

desse trabalho mental com o valor. Marx, nas Teorias da mais-valia (1974, v. 1, p.
339), ressalta uma singularidade em relação à ciência: como produto de trabalho
mental, o seu valor sempre está abaixo de seu valor, porque o tempo de trabalho
necessário para produzi-la (a ciência) não tem relação com o tempo de trabalho para
reproduzi-la. Ou seja, Marx refere-se a tempo de trabalho na produção como na
reprodução da ciência, mas ressalta que o singular é a desproporção entre ambos.*
Um problema para essa abordagem seria a identificação do trabalho que produz
valor com o trabalho manual. Rubin (1928) discute cuidadosamente o tema do
trabalho produtivo, explicitando que, para Marx, não há diferenças entre o traba-
lho físico e intelectual (p. 284) ou entre um trabalho que produza bens materiais
ou imateriais (p. 279 e 288). Há considerações de Marx sobre produção imarerial,
trabalho de artistas e professores (ver Teorias da mais-valia, v. 1, p. 403-404). Há
anotações sobre a separação entre trabalho manual e mental (engenheiros são os
profissionais citados) no processo material — o que “não impede que o produto
material seja o produto comum dessas pessoas”, que seriam trabalhadores produti-
vos (p. 405). Rubin não está discutindo o trabalho científico especificamente, mas
essas observações contribuem para o nosso tema. O que importa para a definição
do trabalho produtivo é se o capitalista comprou-o com o seu capital variável, “com
a finalidade de extrair mais-valia” (p. 279). Essa passagem sugere que um cientista
empregado por uma grande empresa não apenas produz ciência com o seu trabalho,
mas que o seu trabalho é produtivo.
Esses dois elementos -- a ciência como produto do trabalho humano e a natureza
produtiva (geradora de valor) do trabalho científico realizado em empresas privadas
— são importantes para a construção de um quadro teórico capaz de lidar com o
significado da ciência e da tecnologia para a dinâmica capitalista.
Há outros problemas não menos importantes, como os decorrentes da sua locali-
zação institucional: o peso de instituições públicas e estatais como local privilegiado
para o trabalho científico traz novas questões relativas à sua posição na produção
do valor. De acordo com o raciocínio de Rubin, não produzem valor. Têm, porém,
uma posição no sistema de inovação que coloca outros problemas para a produ-
ção global de valor na sociedade: são questões relacionadas às particularidades da
absorção dos conhecimentos científicos gerados nesse setor e ao seu financiamento.

* =Em uma nota sobre Hobbes, nas Tearias da mais-valia, Marx fornece pistas sobre o significado do trabalho
científico em termos da teoria do valor: “O produto do trabalho intelectual — a ciência — está sempre muito abaixo
do valor. É que o tempo necessário para reproduzi-la não guarda em absoluto proporção alguma com o tempo de
trabalho reguerido na sua produção original. Um colegial, por exempio, pode aprender em uma hora o teorema do
binômio" (v. 1, p. 339).
Capítulo 1
A construção institucional para
a aphcação tecnológica da ciência | 47

14? A apropriação pelo capital dos produtos do


trabalho científico

As especificidades da apropriação dos produtos do trabalho científico pelas


empresas são mais abrangentes do que a proposta por Postone. Postone (1993, p.
338) anota que Marx “observa que a ciência também é como uma força natural,
uma vez que um princípio científico é descoberto, ele não custa nada”.
Porém, Marx acrescenta uma qualificação: “(...) mas, para a exploração dessas leis
pela telegrafia etc., é preciso uma aparelhagem muito cara e extensa” (Marx, 1867,
t 2,p 17). É vantajoso incorrer nesses custos para explorar essas leis. No rodapé
dessa edição, há o seguinte texto: “(...) [a] ciência não custa absolutamente nada'
ao capitalista, o que não o impede nem um pouco de explorá-la. A ciência “alheia
é incorporada ao capital como trabalho alheio” (p. 17). Há, na sequência, uma
nota de Marx, a partir de Ure e Libig, sobre o desconhecimento de mecânica pelos
fabricantes, “exploradores de máquinas”, e de química pelos “fabricantes ingleses
de produtos químicos” (p. 17). À necessidade desse tipo de conhecimento é tratada
por Jacob (1988), que analisa a difusão dos conceitos da mecânica newtoniana como
uma das bases culturais da Revolução Industrial.
A analogia entre a ciência e os produtos da natureza deve ser questionada. Por
um lado a ciência custa para ser produzida (tempo de trabalho, como Marx indica,
gastos com equipamentos, instalações, aliás, gastos crescentes ao longo do tempo).
Por outro, a exploração de princípios descobertos pela ciência, mesmo quando
financiada pelo Estado, requer investimentos das empresas. À apropriação pelas
empresas desses conhecimentos requer investimentos de um tipo muito especial:
gastos com P&D e constituição de laboratórios de P&D são formas necessárias para
a realização dessa apropriação (elemento estrutural que se consolida posteriormente
à redação de O capital).”
A incorporação do conceito de sistema de inovação contribui para compreender
a forma como as empresas buscam superlucros, que cada vez mais dependem da
capacidade de utilizar esses conhecimentos científicos disponibilizados pela infra-
estrutura científica: uma relação complexa entre empresas e conhecimentos gerados
por instituições financiadas com dinheiro público (e há aqui um forte componente
internacional).
As singularidades dos gastos em que as empresas devem incorrer para acessar
os conhecimentos científicos gerados em instituições públicas são tais que essas

? —Anaturezaespecialdos investimentos em P&D em gera! e em pesquisa básica por grandes empresas é discutida
por Rosenberg (1990).
46
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

O financiamento público da ciência depende de excedentes gerados pelo traba-


lho. Para que a ciência possa ser produzida no setor público, parcelas do excedente
global devem ser deslocadas para financiar essas atividades. Em uma passagem dos
Grundrisse, Marx discute a relação do capital com condições gerais de produção
em oposição a condições particulares de produção (1857-1858a, p. 531-533). Em
condições que o capital ainda não considere vantajosas, ele pode transferir o peso
para o Estado, que assumiria a provisão dessas condições gerais de produção (p.
531) — no caso, o exemplo são obras públicas, como estradas e ferrovias. Na con-
clusão desse trecho, afirma Marx:

Todas as condições gerais e comuns de produção — na medida em que a


sua produção não pode ainda ser realizada pelo capital como tal e sob essas
condições — são portanto pagas por parte da renda do país - do tesouro do
governo — e os trabalhadores não aparecem como trabalhadores produtivos,
embora eles ampliem a força produtiva do capital (p. 533),%

O lado especificamente tecnológico é mais diretamente ligado ao mundo da


produção. Uma das mais importantes fontes de progresso tecnológico nas empresas
é a solução de problemas na sua linha de produção (ver Klevorick er a/., 1995). Ou
seja, trabalhadores, com maior ou menor especialização, estão permanentemente
envolvidos na geração de inovações. E, como ressalta Rosenberg, uma das fontes
mais importantes para o progresso da ciência é exatamente o acúmulo de conhe-
cimento tecnológico empiricamente desenvolvido. Para esse acúmulo, o trabalho
humano é essencial.
Em suma, “o estado geral da ciência e da tecnologia” — derivado do estágio de
construção do sistema de inovação -- depende de trabalho humano. Qual trabalho?
O intelectual, o mental, o do cientista e o do engenheiro, o trabalho na produção
de trabalhadores de diferentes qualificações. O general intellect é criado por esse
conjunto de diferentes trabalhos combinados.
Finalmente, todas as questões aqui apresentadas podem estar relacionadas a um
movimento mais geral, embora ainda inconcluso, que é o da subordinação da ciência
ao capital. Um dos pressupostos desse movimento é a transformação da esfera da
ciência em uma nova esfera do mundo do trabalho.

? “No esquema didático apresentado por Marx em sua Crítica do Programa de Gotha, poderia ser interpretado
como um tópico relacionado tanto às deduções para a ampliação da produção como as relacionadas à educação,
Essas deduções do mais-trabalho, por sua vez, alimentam o poder de criação de massas de mais-trabalho com
menor jornada a partir do maior poder das forças produtivas (ver Capítulo 7).
48
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuqguerque

empresas chegam a ter de copiar algumas características dos campi universitários


para atrair cientistas qualificados, inclusive com a possibilidade de publicação em
periódicos especializados, contendo os resultados de pesquisas realizadas na empresa
(Hicks, 1995). Há, assim, questões sobre a mobilidade desses empregados altamente
especializados (que, em um período, estão empregados em empresas; em outro, em
instituições públicas ou estatais de pesquisa).
Há ainda outras mudanças advindas do aparecimento de cientistas que criam
empresas — ciência transformando-se em tecnologia diretamente. Um exemplo são
os cientistas Cohen e Boyer, que publicaram o artigo que fundou a biotecnologia
em 1973 (invenção da técnica do DNA recombinante) e obtiveram a patente em
1980 (USPTO, número da patente 4.237.224), enquanto Boyer juntamente com
Swanson (um venture capitalist) fundaram, em 1976, a empresa (Genetech) que
transformou a biotecnologia em uma nova área tecnológica.

º Metamorfoses do trabalho ao longo do século XX

Postone insinua que, ao longo do século XX, houve um processo de declínio


nas habilidades tanto dos trabalhadores individuais quanto do trabalhador cole-
tivo. Segundo Postone, “outro aspecto deste desenvolvimento é um declínio nas
habilidades e poderes do trabalhador individual, assim como — e isso é crucial — do
trabalhador coletivo” (1993, p. 344).º*
O conceito de trabalhador coletivo pode ser muito útil nessa discussão, pois
envolve não apenas o trabalhador diretamente ligado à produção, mas todos os
trabalhadores envolvidos no processo de produção de uma determinada mercado-
ria, não importando o quão próximos ou distantes estão do processo manual de
produção (Marx, 1867, p. 1.040). Nesse conceito, os empregados de um laboratório
de P&D estão incorporados na categoria do trabalhador coletivo. Essa incorpo-
ração é importante para lidar com o primeiro tópico desta seção, a natureza do
trabalho científico. Mandel (1976, p. 945) utiliza o conceito de trabalhador coletivo

? — Emnotaderodapé, Postone menciona Braverman (1979) e Harvey (1982), buscando discutir “se o capitalismo
tem uma trajetória histórica" (Postone, 1993, p. 345). Aparentemente, Postone é influenciado pela elaboração de
Braverman. A crítica à sua elaboração — por se concentrar no chão de fábrica, não captar as mudanças no restante
da fábrica e na produção de máquinas — está apresentada em trabalho anterior (Albuquerque, 1996, p. 24-34).
Além disso, Braverman focaliza setores estabelecidos (fnos quais gerências podem absorver conhecimentos dos
trabalhadores), e não novos setores, nos quais o conhecimento vem direto de aplicações tecnológicas da ciência ,
portanto, não pode ser expropriado de trabalhadores fabris.
Caprtulo 1
A construcão institucional para
a aphcação tecnológica da ciência | 49

e considera que “[este] trabalhador global explicitamente inclui, para Marx, enge-
nheiros, tecnólogos e até mesmo gerentes”.ºº
Além dos empregados trabalhando em laboratórios, o processo de constituição
da empresa industrial moderna, segundo Chandler (1977; 1992), envolve um forte
processo de ampliação de capacitação organizacional. Para esse autor, uma vari-
ável decisiva para o aproveitamento de economias de escala e escopo depende de
conhecimento, qualificação e trabalho em equipe, o que torna as empresas simul-
taneamente mais intensivas em capital, energia e gerência (Chandler, 1992, p. 3) À
profissionalização de engenharias e o surgimento de departamentos de engenharia
mecânica em institutos e universidades são uma expressão da demanda apresentada
por empresas sobre o sistema educacional (Chandler, 1977, p. 282). Esse quadro não
parece retratar um processo de desqualificação do trabalhador coletivo. Ao contrá-
tio, para lidar com tecnologias mais complexas, novas demandas são colocadas ao
conjunto dos trabalhadores empregados em uma empresa, em especial nas empresas
pioneiras descritas por Chandler (DuPont, GE, GM etc.). Rosenberg (2000) retrata
o lado das universidades, avaliadas como endógenas à economia.
Essa avaliação, a partir da narrativa de Chandler, tem implicações na teoria
do valor, na medida em que um dos movimentos do reposicionamento do traba-
lho é a substituição de trabalho simples (desqualificado) por trabalho complexo
(qualificado).ºº Como Rubin (1928) discute detalhadamente, o crescimento da
especialização do trabalhador tem implicações no valor transferido ao produto, que
pode crescer. Conforme esse autor, uma das diferenças entre o trabalho simples e o
qualificado está “no maior valor dos produtos produzidos pelo trabalho qualificado”
(p. 176). Numa discussão sobre a incorporação do treinamento dos produtores,
Rubin observa que “o trabalho dispendido no treinamento de produtores de uma
dada profissão entra no valor do produto do trabalho qualificado” (p. 182). Há,
entretanto, problemas adicionais para profissões “de qualificações mais elevadas e
maior complexidade do trabalho”, a engenharia, no exemplo dele. Nessas profissões,
“o treinamento de trabalhadores é usualmente realizado através de uma seleção, a
partir de um número de estudantes mais capacitados”. Por isso,

[permanencendo] iguais as demais condições, o valor médio de uma hora de


trabalho, em profissões nas quais o treinamento requer dispêndios de trabalho

?? “Mandel traduz o termo Gesamtarbeiter para “collective worker" e “global worker" (1978, p. 945).
* Marx(1867,t. 1, p. 142): necessidade de “determinada formação ou educação”, “conforme o caráter mais ou
menos mediato da força de trabalho, os seus custos de formação são diferentes" (p. 142).
Capitulo À
A construção institucional para
a aptlicação tecnológica da ciência | 51

O crescimento do valor acumulado em máquinas, estas cada vez mais complexas


e construídas, com a utilização de trabalho cada vez mais especializado leva a
problemas adicionais no sentido de “preservar como valor o valor já criado”. Em
funcionamento, essas massas crescentes de capital fixo devem transferir, com mais
intensidade, o valor nelas contido para o produto final. Outro elemento de mutação
do sistema.
Além disso, a tecnologia abre novos setores, novas áreas para o escoamento
das massas monetárias reconvertidas ao final do processo de produção como um
todo. Podem ser por novos produtos, que demandarão novas máquinas — novas
oportunidades de valorização. Marx (1976, p. 1.035-1.036) discute a abertura de
novos ramos industriais e o subsequente processo de transição “da pequena escala
passando através de várias fases até esta indústria também poder ser operada numa
escala social. Esse processo é contínuo”*

14 A natureza do capitalismo da aplicação da


ciência à produção

ÀA partir da interpretação dos Grundrisse, Ruy Fausto (2002, p. 115-140) sugere


a emergência de uma nova fase do capitalismo, a do “pós-grande indústria”. Em
sua exposição sobre o capitalismo, Fausto apresenta a sequência manufatura-grande
indústria-pós-grande indústria e, posteriormente, discute essas três formas do capi-
talismo. Na terceira forma, “tem-se a “negação' do trabalho como fundamento do
valor, e do tempo de trabalho como medida da grandeza do valor” (p. 133).
Diversas foram as metamorfoses do capitalismo após 1857-1858. A elaboração
neo-schumpeteriana sobre as ondas longas do desenvolvimento capitalista contribui
para a identificação dessas metamorfoses. Essa interpretação sugere que, embora a
dinâmica do sistema seja ditada pelos mesmos determinantes (lucro), as transforma-
ções sofridas pelo sistema, em especial pelo desenvolvimento do sistema de inovação,
impõem transformações substantivas. Cada fase do capitalismo tem peculiaridades
acerca de tecnologias líderes, de organização de firmas, de padrões de interação entre
empresas € universidades, de estruturas de financiamento, de características dos sis-
temas de inovação, de países líderes e de arranjos internacionais. Consequentemente,

* — Klepper (1997) descreve como esse processo ocorreu em diversas indústrias no século XX, e a indústria
automobilistica nos Estados Unidos é o caso típico de um padrão de evolução industrial. Para uma contextualização
da elaboração de Kiepper, indicando uma maior variedade de padrões de evolução industrial, ver Malerba e Orsenigo
(1996). Grossmann (1929, p. 217-218) avalia esse processo de abertura de novos setores industriais como uma das
contratendências à queda da taxa de lucro.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

de numerosos concorrentes, será maior que o valor médio de uma hora de


trabalho em profissões nas quais essas dificuldades não existem (p. 182).*

Esse processo é também dinâmico, pois, segundo Rubin, “a teoria do valor explica
(...) a causa do elevado valor do trabalho altamente qualificado bem como as modifi-
cações desses valores” (p. 187). AÀ queda nos “dispêndios de trabalho necessários para
o treinamento numa dada profissão” leva a uma queda no “valor dos produtos desta
profissão”. Existe uma dinâmica ao longo do tempo, pois as revoluções tecnológicas
estão relacionadas ao surgimento de novas profissões e novos gastos de treinamento,
que demoram algum tempo até a sua generalização. Rubin chega a mencionar
um “prêmio pelo tempo dispendido em adquirir qualificações” (p. 188). Ao não
captar esse movimento, Postone termina associando a tecnologia e a diminuição
da capacidade de produção de valores. A mediação desse processo, por meio dos
impactos sobre a qualificação do trabalho, inverte a avaliação apresentada por
Postone (ou exige a incorporação de novas dimensões na análise).
A construção do Sistema Nacional de Inovação tem como corolário o movimento
geral de reposicionamento do trabalho que, necessariamente, contém uma elevação
nas habilidades e qualificações do trabalhador coletivo?? — é o trabalhador coletivo
que aperfeiçoa o “estado geral da ciência” e viabiliza a sua “aplicação tecnológica”.
Finalmente, um elemento importante do reposicionamento do trabalho é a
produção de máquinas e equipamentos de automação da produção. Por isso, Pavitt
(1984) atribui tanta importância ao setor de “fornecedores especializados”, que
incorpora desde a produção de máquinas até empresas especializadas na produção
de software (elemento essencial para a automação da produção).** Máquinas são
produzidas por máquinas impulsionadas por trabalho humano, e o montante
de valor acumulado em capital fixo deve crescer. O trabalho humano em setores
especializados na produção de máquinas e de robôs está por trás dos processos de
automação — outra manifestação do processo de reposicionamento do trabalho.

* — Essavisãodotrabalho qualificado deve serincorporada na elaboração sobre o trabalhador coletivo e no processo


de produção de valor. Como Mandei ressalta, “o processo de produção de valor é a manifestação do tempo de
trabalho gasto por todos os que cooperam na produção enquanto vendem sua força de trabalho para o capitalista”
(Mandel, 1976, p. 945).
* — Como será expiorado no próximo capítulo, essa colocação sobre a desqualificação do trabalhador coletivo
pode ser contraposta por um desenvolvimento concomitante no campo da economia monetária: para Simmei (1997,
p. 152), há uma correlação entre o desenvolvimento da economia monetária e o desenvolvimento de habilidades
intelectuais,
* —Aprodução de máquinas e equipamentos é realizada no Departamento |, nos esquemas de reprodução do volume
2 de O capital. Os problemas relativos às proporções entre os dois setores e o processo de inovação tecnológica
no Departamento | acrescentam inúmeros problemas para a dinâmica capitalista em geral.
52
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

reduzir todas essas fases distintas a uma homogênea “pós-grande indústria” pode
ser uma simplificação exagerada. As ondas longas, como uma expressão da luta
entre a tendência e as contratendências à queda da taxa de lucro ao longo do tempo,
sintetizam essas diversas metamorfoses do capitalismo, explicitando o que muda
e o que não muda na dinâmica capitalista. À ênfase nos movimentos da taxa de
lucro no longo prazo é uma explicitação do que não muda: a presença do lucro e
da busca dos superlucros como um elemento essencial do sistema.

145 A desmedida do valor

Prado (2005) e Borges Neto (2010) enfatizam, na interpretação das passagens


dos Grundrisse, as consequências em termos da falta de medida no sistema. Essa
ênfase contribui para o entendimento de problemas do capitalismo contemporâneo,
dados os problemas estruturais que a aplicação tecnológica da ciência determina.
O diagnóstico da desmedida do valor é uma forma de sintetizar o diagnóstico de
Marx sobre o colapso do valor e a sobrevivência do capitalismo como sistema.
Essa análise seria enriquecida com a introdução do sistema financeiro e a flexi-
bilidade que oferece, um mecanismo para a contenção dos problemas derivados do
colapso indicado por Marx. À inclusão do sistema financeiro nessa discussão permite
perceber que os problemas de medida são transferidos de lugar, o que transforma
a natureza das crises. :
Adicionalmente, o funcionamento do capitalismo como um sistema que com-
bina plano e mercado de uma forma sui generis é uma solução para o problema de
medida, o que determina transformações internas do capitalismo, que se torna uma
“economia mista”. Ao combinar plano e mercado, há áreas de operação da lei do
valor e outras de forte constrangimento a sua operação.
Destaca-se aqui que fugas da medida do valor são importantes para a viabiliza-
ção da aplicação da ciência à produção, tanto pelo lado da empresa quanto pelo da
necessidade de provisão de “condições gerais de produção”. Essa dinâmica deter-
mina inúmeros instrumentos para escapar da medida do valor: patentes, copyrights
e inúmeras formas de propriedade intelectual.
Asimplicações das condições nas quais a aplicação da ciência à produção procede
determina outras questões para a operação da lei do valor. Parte das instituições que
sustentam a aplicação da ciência à produção está fora da esfera imediata do valor
(financiamento público para pesquisa, Estado intervindo, laboratórios de P&cD em
empresas — o que supõe uma suspensão da concorrência, mecanismo de operação
Capitulo 1
À construção institucional para
a aphcação tecnologica da ciência | 53

da lei do valor). Essas instituições contribuiriam para a dinâmica apontada por


Preobrajensky (1926) — erosão da lei do valor em curso na fase “monopolista” do
capitalismo. Por sua vez, o funcionamento desse enorme aparato institucional para
a aplicação da ciência à produção determina o aprofundamento da contradição des-
crita por Marx: o tempo de trabalho direto na produção é cada vez menos relevante.
O capirtalismo como sistema supera essa barreira (problemas de medida) através
de avanços que se transformam em novas barreiras. Um mecanismo importante
é o sistema de crédito que, ao oferecer ao capirtalista “disposição sobre o capital
social”, contribui para fazer desaparecer “todos os padrões de medida” (Marx, 1894,
p. 333-334). O capital por ações mantém e amplia essa ação de “colocar à disposi-
ção” capital alheio. A elaboração de Hilferding sobre sociedades anônimas, bolsas
de valores e “mobilização de capital” apresenta um salto qualitativo no acesso ao
capital alheio. Minsky, ao analisar um formato institucional capirtalista bem mais
recente, indica como esse acesso pode ampliar-se exponencialmente, ao associar o
aumento da cotação de ações de modernas sociedades anônimas com a ampliação
da capacidade de endividamento dessas empresas (Minsky, 1975, p. 87).
Aqui, mais do que em qualquer outro lugar, fica evidente a associação entre os
problemas de medida e o papel do sistema de crédito. Uma interseção também
decisiva entre os Grundrisse e O capital.

15 Sistema de inovação, colapso do valor


e sistema de crédito

A construção do sistema de inovação consolida a aplicação da ciência à produção.


Essa construção sugere que os problemas discutidos por Marx nos Grundrísse, em
relação a um período que seria uma espécie de pré-história da aplicação da ciência
à produção, podem ter se multiplicado com o desenvolvimento dos sistemas de
inovação. Porém, ao mesmo tempo, o potencial criador de bases para uma nova
sociedade também cresce, não sem novos problemas e novos desafios.*
Se na pré-história da aplicação da ciência à produção Marx discute o “colapso da
produção baseada no valor”, a dinâmica imposta pelos sistemas de inovação conso-
lidados aprofunda a contradição básica entre “a aplicação tecnológica da ciência” e
a “base miserável” representada pelo tempo de trabalho como unidade de medida.

* —A discussão sobre a elaboração de Habermas e Offe, que se concentram nos novos problemas, foi realizada
em trabaiho anterior (Albuguerque, 1996).
Capitulo 1
A construção 1mstitucional para
à aplicação tecnológica da ciência | 55

O sistema de crédito, embora não mencionado nessa passagem, tem entre suas
funções exatamente garantir essa fluidez do processo de reprodução de capital.
Nas páginas do segundo volume de O capital, essa relação é apresentada de forma
abrangente. Há nesse tema uma nova articulação entre os Grundrisse e o capítulo
27 do terceiro volume, no qual Marx anota como uma das funções do crédito na
produção capitalista a “diminuição dos custos de circulação” (1894, t. 1, p. 331)*
Em terceiro lugar, há uma referência de Marx ao esforço de confinar as forças
da ciência e da cooperação social “no interior dos limites requeridos para manter
o valor já criado como valor” (Marx, 1857-1858, p. 706). O sistema de crédito, na
elaboração de Marx, tem um papel estratégico para a manutenção do valor criado
como valor, por meio de sua contribuição aos processos de metamorfose das mer-
cadorias — acelerando os processos de conversão de M-D e D-M, através de seu
papel de unificador de fundos de reserva dispersos entre os diversos capitalistas
individuais, através de sua contribuição ao processo de transformação de dinheiro
em capital (via empréstimo de capital monetário para capitalistas industriais). O
crescimento do processo de acumulação, por meio das forças produtivas colocadas
em movimento leva à crescente acumulação de massas monetárias que devem ser
mediadas pelo sistema de crédito. Há também o desenvolvimento de novas insti-
tuições financeiras (ou novas funções, como seguros, fundamentais para garantir
máquinas cada vez mais caras).º
Em quarto lugar, ao considerar o “estado geral da ciência e da tecnologia” como
parte das “condições gerais de produção”, o setor público assume novas funções,
o que tem como pré-requisito um aperfeiçoamento das finanças públicas. Estas,
por sua vez, estão relacionadas ao sistema público de crédito, à dívida pública e ao
desenvolvimento do Estado.
As contribuições do sistema de crédito para a dinâmica capitalista de aplicação
da ciência à produção são acompanhadas por uma outra questão decisiva: o papel do
capital por ações, indicado por Marx nos Grundrisse como a “forma mais adequa-
da” do capital (p. 657-658). O capital por ações se consolida no século XX, como
sociedade anônima, viabilizando tanto organizacional quanto financeiramente o
trato das questões complexas determinadas pela aplicação da ciência à produção
pelas grandes empresas. Minsky (1986, p. 365) apresenta as sociedades anônimas
(corporations) como a forma dominante de negócios atualmente, embora “como

* — Krátke (2000, p. 14-15) chama atenção para a relação entre o crescimento de capital fixo, sistema de crédito e
a emissão de títulos para assegurar tais investimentos - tema que está em Marx (1885, p. 120).
%º — Seguro seria uma (outra) forma de tentar manter o valor já criado como valor (Marx, 1885, p. 130).
54
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

A releitura dos Grundrisse pode destacar um elemento importante para a pre-


servação da dinâmica, apesar do colapso do valor: a contribuição do sistema de
crédito. A incorporação do sistema financeiro na análise pode permitir visualizar
uma importante fonte de flexibilidade para o sistema como um todo. Flexibilidade
que traz consigo novas fontes de instabilidade para o funcionamento do sistema.
Em pelo menos quatro passagens nos Grundrisse, Marx faz referências ao sistema
de crédito em relação ao progresso tecnológico. Em primeiro lugar, o desenvolvimen-
to do sistema de crédito está relacionado ao crescimento das empresas da “grande
indústria”. Marx discute essa relação como simultaneamente de causa e efeito. Por
isso, o desenvolvimento do sistema de crédito seria também um pré-requisito para a
ampliação da utilização de máquinas na produção, na medida em que o crescimento
do capital fixo pressupõe arranjos financeiros mais sofisticados do que os recursos
pessoais do empresário.º* Marx discute nos Grundrisse avanços no processo de con-
centração e centralização de capirtal (p. 122).?º Certamente, ainda rudimentar em
relação ao que viria a ocorrer, esse processo já tinha uma dimensão que permitira
a sua identificação.** Assim, o sistema de crédito está entre os elementos que esta-
belecem condições para a aplicação da ciência à produção. Aqui há também uma
conexão com o capítulo 27 de O capital, na medida em que o aspecto do sistema
de crédito, que impulsiona as forças produtivas, é apontado.
Em segundo lugar, Marx estabelece uma articulação entre o crescimento do
capital fixo investido e a pressão para a continuidade do processo:

[O] valor do capital fixo é reproduzido apenas na medida em que ele é usado
no processo de produção. Através do desuso ele perde seu valor de uso sem
o seu valor passar para o produto. Por isso, quanto maior a escala na qual o
capital fixo se desenvolve (...) mais a continuidade do processo de produção ou
o fluxo constante de reprodução se torna uma condição externa compulsiva
(que compele) do modo de produção fundado no capital (p. 703, grifo
no original).

*% — Verdiscussão do papel do sistema de crédito na Revolução Industria! em Cameron et al. (1967).


y Vertambém discussão sobre o sistema de crédito como “enorme mecanismo social para a centralização de
capítais” (Marx, 1867, t. 2, p. 197) e sistema de crédito ao lado do desenvolvimento da grande indústria (1885, p. 133
2 238)
* Emdoistextosessa passagem é discutida. Ela foi adotada como um ponto de partida de um método em Marx
para o tratamento combinado da questão industrial-inovativa e monetário-financeira (Albuquerque, 2010a) e é parte
da discussão de Marx com Darimon, que abre os Manuscritos de 1857-1858 (Albuquerque, 2010b).
56
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

as conhecemos hoje não existiam em 1776 ou mesmo em 1876”. Ao viabilizar


o “capital por ações” (sociedade anônima), o sistema de crédito tem pelo menos
três papéis adicionais, consequências dirertas e indiretas da institucionalização da
aplicação da ciência à produção: 1) fonte de recursos para os processos de fusões e
aquisições que estão na origem da moderna empresa industrial (Chandler, 1977),
que é também um processo de contenção da operação da lei do valor, por conter
a concorrência intercapitalista característica do sistema; 2) fonte de ampliação da
margem de manobra de grandes empresas para que elas consigam financiar suas
atividades de P&D — tipo de investimento sofisticado que é um pré-requisito para a
absorção da ciência e, portanto, de sua aplicação à produção; 3) fonte para o finan-
ciamento das atividades científicas, o que envolve a introdução do crédito estatal
e público na análise, dada a limitação estrutural do investimento privado para dar
conta desse financiamento.
O entrelaçamento temático entre a dinâmica tecnológica e a financeira contribui
também para apontar como o sistema financeiro fornece condições de operação a
um sistema no qual colapsa uma fundação. Portanto, o sistema financeiro é crucial
para dar sobrevida à produção fundada no valor: ele evita o colapso da produção
fundada no valor. Ao oferecer essas condições de sobrevida, porém, novas contra-
dições são acrescentadas: barreiras superadas através da criação de barreiras mais
poderosas (Marx, 1894, p. 189).
Capítulo 2

Sistema financeiro e
sobrevida da produção fundada no valor

Introdução: crédito, expansão das forças produtivas


e contenção do colapso

Para a contenção do colapso do valor, contribui uma característica (função) do


sistema de crédito (e do sistema financeiro em geral): a flexibilidade. Além de Marx,
outros autores também enfarizam essa flexibilidade. Simmel (1907, p. 213) ressalta
que “capital na forma monetária pode quase sempre ser transformado de um uso para
outro, às vezes com perda, mas frequentemente com um ganho”. Braudel (1986, p.
226) discute as expansões financeiras características de períodos de transição entre
centros hegemônicos nas economias-mundo, apontando como os capitais excedentes
deslocam-se para novas localizações. A apropriação por Arrighi dessa elaboração
de Braudel enfatiza essa característica, pois as fases de “expansão financeira” dos
“ciclos sistêmicos de acumulação” caracterizam-se por uma “ampliação da liquidez,
da flexibilidade e da liberdade de escolha” do capital (1994, p. 5).
No capítulo 27 do terceiro volume de O capital, Marx apresenta o sistema de
crédito como capaz de fazer desaparecer todos os “padrões de medida” (1894, 1. 1,
p. 333-334).' Esse comentário é feito após uma observação de Marx: “abstraindo
o sistema de ações” (no início da quarta “observação geral”).
O capital por ações, ainda em um estágio rudimentar em meados do século XIX,
é uma forma de ampliar esse acesso ao capital social e, portanto, evitar os problemas

? —Uma observação preliminar sobre o plano de Marx para lidar com o crédito: segundo ele, está fora do escopo
da obra uma análise detalhada do “sistema de crédito e dos instrumentos que ele cria”, além da conexão entre o
crédito comercia! e bancário com o crédito público “fica(r] fora da área examinada” (1894, t. 1, p. 301).
Capítulo 2
Sistema finançerro e
sobrewida da producão fundada no vator | 59

O caráter sintético e em construção do capítulo pode ser compreendido pela


relação entre a segunda observação geral e o conteúdo das seções 1 e 2 do volume
2 de O capital, nas quais temas relacionados aos custos de circulação são detalha-
damente tratados.
Entre as discussões implícitas, há uma referência à economia do dinheiro como
custo de circulação: “Substituição de dinheiro de ouro por papel” (1894, t. 1, p.
331). Ou seja, o sistema de crédito traz implícita uma dinâmica que amplia a par-
ticipação do papel-moeda — um momento da transição do dinheiro de substância
para símbolo, segundo Simmel (1907). Uma transformação importante percebida
por Marx, que o distancia de uma posição “metalista”.É
Essa observação tópica remete a uma vasta discussão sobre as transformações
do dinheiro, que receberam nos Grundrisse um tratamento que aponta para uma
dinâmica específica das formas do dinheiro, incluíndo transições entre suas “formas
inferiores” e “formas superiores”. O desenvolvimento das “formas superiores” de
dinheiro seria um pressuposto para toda a sofisticação (crescente) necessária ao
funcionamento do sistema financeiro.º
A natureza do dinheiro se transforma e possibilita o desenvolvimento do
sistema de crédito, desde suas formas mais simples até o amadurecimento do
capital por ações. AÁo mesmo tempo, o processo de acumulação de capital real
é um pressuposto também para desenvolvimentos que são precondições para o
desenvolvimento do sistema de ações: nos três capítulos sobre “o capital real e o
capital monetário”, Marx sugere diversas vezes como, por um lado, o processo
de acumulação gera massas monetárias crescentes é como essas tmassas são uma
base para a progressiva sofisticação da divisão funcional entre os diversos capitais
e no interior do “capital de comércio de dinheiro”.é Também desenvolvimentos
mais gerais do sistema de crédito, inclusive com o envolvimento do Estado, são

* —Odiálogoentreaelaboração de Marx e Simmel é extremamente férti! (Albuquerque, 2010a). Simmel destaca um


desenvolvimento histórico do dinheiro, no qua! declina a sua significância como substância e amplia como símbolo.
Esse desenvolvimento histórico é uma base teórica para a compreensão do fim do dinheiro metálico, Ao insistir nas
bases intelectuais necessárias para a ampliação da economia monetária, Simmei apresenta uma importante base
psicológica para tal desenvolvimento histórico do dinheiro. Esses desenvolvimentos, por sua vez, são precondição
para o desenvolvimento do crédito e de suas formas Como retaciona Simmel (1907, p. 183), “tanto o crédito pessoal
como o crédito público lucram com esses desenvolvimentos na forma abstrata do dinheiro”.
* —Emirabalhos anteriores, essa dinâmica do dinheiro em Marx foi discutida de forma mais detalhada (Albuquerque,
2010a, seção 2, e 2010b, seção 2).
* —“Braudel(1986, p. 226) menciona o excesso de dinheiro disponível após a Revolução Industrial. Em outra linha,
Simmel (1907, p. 281) menciona que “uma fortuna tem uma probabilidade maiorde crescer, quanto maior for a porção
que ela puder investir na especulação sem colocar em perigo a existência econômica de seu possuidor”,
58
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuguerque

de medida. O desenvolvimento do capital por ações é um bom fio condutor para


acompanhar mudanças estruturais na esfera financeira.?
A identificação de um estágio rudimentar do “capital por ações” na época de
redação tanto dos Grundrisse quanto de O capital tem uma correspondência com
o diagnóstico sobre uma “pré-história da aplicação da ciência à produção”, o que
abre espaço para um acompanhamento do cenário histórico posterior de forma
também combinada.
O raciocínio similar para a dimensão financeira pode ser apresentado a partir de
observações do próprio Engels que, ao editar o terceiro volume de O capital, avalia
as enormes transformações por ele testemunhadas. Em uma nota incluída no capí-
tulo 27, ele escreve: “[Desde] que Marx escreveu as linhas acima, desenvolveram-se,
como é notório, novas formas de empresa industrial, que representam a segunda
€ a terceira potência da sociedade por ações” (Marx, 1894, t. 1, p. 332). Três
décadas separam a redação e a publicação do volume 3 — as mudanças foram tão
significativas que Engels menciona essa “terceira potência” das sociedades por ação.
O capítulo foi escrito entre 1863-1867, Engels o editou com diversos comentá-
rios.? Sua localização em O capital é descrita por Marx, aparentemente, represen-
tando uma transição no interior da parte V do terceiro volume. O capítulo começa
com a frase “as observações gerais que até agora o sistema de crédito nos levou a
fazer foram as seguintes” (p. 331). Após ressaltar que “até agora temos considera-
do o desenvolvimento do sistema de crédito (...) com relação principalmente ao
capital industrial”, Marx anuncia que “[nos] próximos capítulos consideraremos
o crédito em relação ao capital portador de juros como tal” (p. 335).
O capítulo 27 é bastante esquemático, sintético e pleno de discussões implí-
citas, organizado em torno de quatro observações gerais: 1) a função do crédito
para “mediar a equalização da taxa de lucro (...) sobre a qual repousa toda a
produção capitalista” (p. 331); 2) diminuição dos custos de circulação (p. 331);
3) formação das sociedades por ação (p. 332); e 4) crédito e disposição sobre
capital social (p. 333).

? —A associação entre os problemas apresentados pelo capítal fixo à questão do financiamento por Marx é
preservada em textos diversos. Freund (1970, p. 21-22) afirma: “Na verdade, é a injeção de capital de fora no
setor empresaria! que financia a maior parte do incremento do investimento em capital fixo.” E Minsky (1986,
p. 352) escreve: “(...) sociedade anônima (...) um instrumento para estender o financiamento seguro para ativos
de capital de longa duração (...).”
? —“NoPrefáciode 1894, Engels descreve a condição dos manuscritos de Marx, e detalha que o capítulo 27 pôde
ser reproduzido “quase totalmente de acordo com o manuscrito", ao contrário de outros capítulos da seção 5
(1894, t. 1, p. 7-8).
60
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

necessários, pois o desenvolvimento de títulos portadores de juros, como os títulos


da dívida pública, é necessário para a criação de um mercado para os títulos de
capital fictício, categoria das ações.”
Marx identifica “um entrave e limite imanentes à produção”, entrave e limite
que “são rompidos pelo sistema de crédito de maneira incessante” (1894, p. 335). O
sistema de crédito rompe esse “entrave” e esse “limite” ao longo da evolução histó-
rica. À evolução do sistema de crédito apresenta outros elementos sobre a natureza
das “barreiras mais poderosas” criadas pelo capital para si próprio: o crescimento
do capital fictício e de sua influência sobre a dinâmica capitalista. Nova barreira,
que também é fonte de novas possibilidades.
A identificação do capital por ações como a forma mais adequada do capital
relaciona-se ao crescimento da massa de capital fixo (que é uma das manifestações
do general intellect, em uma das leituras possíveis dos Grundrisse). Uma questão
adicional é a influência no sentido inverso, causada pela busca do capital por
formas adequadas para resolver esses problemas: a evolução do sistema de crédito
contribui para a expansão das forças produtivas, ampliando a aplicação da ciência
à produção e, portanto, ampliando os elementos contraditórios nela contidos. Por
um lado, aprofunda os problemas de medida; por outro, fortalece a capacidade de
criação de tempo livre.
As similaridades entre o tema da aplicação da ciência à produção e o tema do
capital por ações não terminam aí. Da mesma forma que a passagem dos Grundrisse
sugere que a aplicação da ciência à produção já fazia explodir pelos ares a produção
baseada no valor, em O capital Marx sugere que o “sistema de ações” (e as con-
tradições que ele determina) prima facie “apresenta-se como um simples ponto de
passagem para uma nova forma de produção” (1894, t. 1, p. 333). Como Engels
observa, as sociedades por ações já haviam alcançado a sua terceira potência e a
transição continuava bloqueada, Assim, há também aqui uma questão de tempo
histórico e de transição bloqueada.

? —Ações como um título e como representante do capital fícticio. Marx lista, no capítulo 25, “papéis portadores
de juros" — “títulos públicos e ações de todas as espécies” (1894, t. 1, p. 304); menciona propriedade “na forma de
ação" (1894, t. 1, p. 334). No capítulo 30, trata de ações: “títulos de propriedade sobre empresas por ações, ferrovias,
minas etc””, “títulos sobre capítal real”, que “apenas dão direitos a uma parte da mais-valia produzida pelo mesmo”,
“duplicatas de papel do capital real” e, o que é importante para o raciocínio deste capítulo, “a acumulação desses
papéis expressa a (,..) ampliação do processo real de produção” (1894, t. 2, p. 20); crises e desvalorização de capital
fictício (1894, t 2, p. 31). Hilferding (1910, p. 135), em outra fase, específica que bolsas negociam títulos de dois
tipos: 1) títulos de dívidas (letras de câmbio como principal expoente); 2) títulos que significam rendimentos (títulos
de juro fixo: dívida pública e obrigações; títulos de dividendos: ações). A “esfera da verdadeira atividade da boisa é
o mercado de títulos a juro ou do capita! fictício” (p. 138).
Capítulo 2
Sistema financerro e
sobrewida da produção fundada no vator | 61

?**! Capital por ações nos Grundrisse e em O capital

O desenvolvimento do sistema de crédito permite a emergência e o desenvolvi-


mento do capital por ações — uma expressão relativamente sofisticada do sistema
de crédito (para o estágio de construção do sistema de crédito no qual a elaboração
da obra de Marx estava inserida). Na medida em que capital por ações é a “forma
mais adequada do capital”, sua realização plena exigiu inúmeras transformações
institucionais, a começar pelo próprio desenvolvimento das bolsas de valores, uma
instituição necessária para que o capital, em termos gerais, alcançasse a sua “forma
mais adequada”.
Rosdolsky (1968, p. 321-331) destaca o tratamento dado por Marx sobre o cré-
dito e apresenta uma passagem dos Grundrisse sobre o tema: o capital por ações e a
supressão da competição. Essa colocação está em um tópico sobre a “concorrência”,
que descreve a “influência dos capitais individuais” entre si, no mercado, de suas
leis gerais, para tratar da “superação” da “aparente independência” desses capitais
(Marx, 1857-1858, p. 657). Com o crédito essa supressão teria lugar “ainda mais
nitidamente”, segundo a tradução apresentada em Rosdolsky (1968, p. 578). À
edição brasileira do livro de Rosdolsky prossegue: “(...) [e] a forma mais extrema em
que ocorre a supressão* — que é, por sua vez, a assunção pelo capital da sua forma
mais adequada — é o capital por ações” (p. 578)º Em uma passagem anterior, uma
formulação similar apresentada por Marx: “(...) capital por ações, forma na qual o
capital se elaborou até a forma última” (Marx, 1857-1858b, p. 437).
Esse esquema se repete no capítulo 27 do volume 3 de O capital, pois os tópicos
passam do crédito em geral (tópicos 1 e 2) até chegar à “formação das sociedades
por ação” (tópico 3). Essa caracterização pode ainda ser associada a duas referências
ao esquema generalidade, particularidade, singularidade, em que o capital por ações
aparece como singularidade (p. 264 e 275).
Naquele momento histórico, Marx tinha consciência do peso relativo do capi-
tal por ações no conjunto da economia. Nos Grundrisse, obra na qual descreve o
capital por ações como a forma adequada do capital, Marx realiza uma descrição
do mercado monetário. E, nesse momento, ele tem noção de quão limitada é a
disseminação dessa forma de organização no conjunto do capital (ver p. 280), em
uma descrição do mercado monetário: “Ações de empresas industriais em geral

? —“Qtermonaversão alemã é Aufhebung.


? —A tradução da edição brasileira dos Grundrisse é a seguinte: “Tal supressão ocorre aínda mais no crédito E
a forma extrema, para à qual se dirige a supressão, mas que, ao mesmo tempo, o capital é posto em sua forma
maximamente adequada a si mesmo, é o capita! acionário” (Marx, 1857-1858h, p. 550).
Captulo 2
Sistema financeiro e
sobrevida da produção fundada no vator 1 63

de reprodução “até os seus limites extremos” (p. 335), porque “grande parte do
capital social é aplicada por não proprietários do mesmo, que procedem, por isso,
de maneira bem diversa do proprietário, que avalia receosamente os limites de seu
capital privado” (p. 335). Essa maior ousadia é necessária para lidar com um tipo
de investimento estratégico como o gasto com P&D — investimento carregado de
incerteza, por definição.
Os editores da MEGA 2 observam que “Marx referiu-se apenas superficialmente
à Bolsa de Valores, seja como instituição seja sobre o papel por ela desempenhado”
(IIl. 1á, p. 898), embora existam nos volumes 1 e 2 referências a ferrovias, centra-
lização e concentração de capital.
O interesse de Engels sobre a bolsa de valores pode ser identificado em duas
passagens, separadas por mais de 10 anos. Em carta a Bernstein, que tinha uma
especial atenção ao tema, Engels (Marx; Engels, 1975, v. 46, p. 433-434) comen-
ta o papel das bolsas de valores como estimuladoras da ampliação da escala das
empresas, nos Estados Unidos:

A bolsa de valores simplesmente ajusta a distribuição da mais-valia expro-


priada dos trabalhadores, e como isso é feito pode ser objeto da indiferença
dos trabalhadores. Entretanto, a bolsa de valores ajusta essa distribuição na
direção da centralização, acelera fortemente a concentração de capitais e é
portanto tão revolucionária como a energia a vapor (...) Não tivesse a bolsa
de valores na América criado fortunas colossais, como poderiam ter surgido
a grande indústria e um movimento social em uma terra de agricultores?
(Carta a Bernstein, 8 de fevereiro de 1883).

Posteriormente, na edição do volume 3, publicado em 1894, Engels acrescenta


uma nota no capítulo 27, na qual menciona “novas formas de empresa industrial,
que representam a segunda e a terceira potência da sociedade por ações”. Escreve
também um texto que se tornaria um “suplemento ao livro terceiro de O capital”,
intitulado “A bolsa”. À percepção e a descrição dessas mudanças constituem um
precioso roteiro para se pesquisarem o papel e o conteúdo das bolsas de valores
nas sociedades capitalistas, uma espécie de introdução ao seu estudo por sugeri-
rem uma sucessão de fases para a compreensão histórica do seu papel. Desde a
redação dos manuscritos do volume 3, transformações importantes ocorreram, e
a bolsa “se torna a representante mais eminente da própria produção capitalista”,
que, em 1865, ainda era um “elemento secundário no sistema capitalista” (1894,
t. 2, p. 333). Engels capta uma dinâmica das bolsas que eram, em 1865, um local
onde os títulos públicos “representavam a massa principal de valores de bolsa”.
1
l AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

(empresas de mineração em primeiro lugar).º Antes, nesse trecho, Marx apresenta


uma radiografia do mercado monetário da década de 1850: “[Em] primeiro lugar,
o mercado monetário”, que inclui o mercado de descontos, como “mercado de
empréstimo de dinheiro”, em que aparecem os bancos, mercado de empréstimos,
“mas também como o mercado em todos os títulos portadores de juros”, que se
subdivide em fundos estatais e mercados de ações. O mercado de ações — conti-
nua Marx — se divide em grandes grupos: 1) ações das instituições monetárias; 2)
ações dos meios de comunicação (ferrovias, canais, navegação a vapor); 3) ações
das empresas industriais gerais, nas quais as ações relativas à mineração são as mais
importantes; 4) ações de infraestrutura (gás, fornecimento de água); 5) estocagem
de mercadorias (docas); 6) diversas ações de milhares de tipos, como as empresas
industriais ou de comércio fundadas com ações; 7) ações de seguros (Marx, 1857-
1858a, p. 280). Nessa lista, identifica-se o estágio ainda pouco desenvolvido das
ações das empresas industriais.”º
Em O capital, anota diversos comentários sobre a sociedade por ações (1894, p.
332): 1) “enorme expansão da escala da produção e das empresas, que era impossível
com capitais isolados”; 2) “o capital recebe aqui diretamente a forma de capital social
(capital de indivíduos diretamente associados) em antítese ao capital privado”; 3)
a identificação da separação entre propriedade e controle (“transformação do capi-
talista realmente funcionante em mero dirigente (...) e dos proprietários de capital
em meros proprietários, simples capitalistas monetários”).!!
Nesse trecho, ao tratar dos dividendos, Marx sugere que essa categoria econômica
ainda não estava suficientemente madura para ser descrita como conceito. Dividendo,
por um lado, pode incluir o lucro e o ganho empresarial, mas, por outro, “esse lucro
total passa a ser recebido somente na forma de juro” (p. 332). Hilferding (1910)
será o autor que elaboraria o conceito de dividendo como uma categoria econômica
independente — o que exige maior amadurecimento do mercado acionário. Mesmo
nessa forma ainda imatura, o fato de o lucro assumir “aqui puramente a forma de
juro” tem uma importante consequência, na medida em que viabiliza empreendi-
mentos que “meramente proporcionam juros” e, portanto, contribuem para frear
a queda geral da taxa de lucro (p. 332).
Uma característica nova, destacada por Marx também no capítulo 27, é rela-
tiva à maior ousadia, na medida em que o sistema de crédito força o processo

* — Adicionalmente, Marx identifica a tendência do mercado monetário em concentrar-se em uma localização


principal dentro de um país (p. 280).
* — Antes,nocapítulo 23, Marx anotava: “As empresas por ação em geral - desenvolvidas com o sistema de crédito
—têm a tendência a separar cada vez mais esse trabalho de direção como função da propriedade de capital” (1894,
t. 1,p. 289).
64
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Havia ainda ações de bancos e de ferrovias, estas em pequeno número comparado


“com o de hoje”. Mais importante, “havia apenas uns poucos estabelecimentos
diretamente produtivos na forma de sociedade por ações” (1894, -. 2, p. 333). As
mudanças foram expressivas, pois

desde a crise de 1866, a acumulação avançou com velocidade sempre crescente,


de modo que em nenhum país industrial (..) a expansão da produção pôde
acompanhar a da acumulação, nem conseguiu o capitalista individual empre-
gar sua acumulação completamente na ampliação de seu respectivo negócio.

Engels menciona ainda “novas formas legais de sociedades de responsabilidade


limitada”. À partir daí, a “transformação gradual da indústria em empresas por
ações. Um ramo após outro vai ao encontro de seu destino”: minas, siderurgia,
química, maquinaria, cervejarias, trustes (nova referência a United Alkali, p. 334),
comércio e bancos."?

?+? Sociedades anônimas, bolsas de valores


e arranjos financeiros

A emergência da moderna sociedade anônima foi um divisor de águas na histó-


ria do sistema financeiro. Um salto significativo em relação ao estágio rudimentar
representado pelo capital por ações e pelas sociedades por ações analisadas por Marx.
As diferenças entre as sociedades por ações e a moderna sociedade anônima
são tais que se torna necessária uma pequena avaliação sobre essas mudanças.
Em alemão, há apenas o termo Aktiengesellschafi, que é utilizado por Marx e por
Hilferding, Na tradução brasileira de O capital, esse termo é traduzido para socie-
dade por ações, enquanto em O capital financeiro a tradução é sociedade anônima
(em inglês, respectivamente joint-stock companies e corporations).
Hilferding discute a diferenciação entre empresa individual e sociedade anôni-
ma (p. 111). Minsky menciona a sociedade anônima como não existente em 1876
(1986, p. 365). Chandler (1977, p. 9-10) discute três tipos: “capitalismo familiar
ou empresarial”, “capitalismo financeiro” e “capitalismo gerencial” (managerial
capitalism, que corresponde à era das sociedades anônimas). Rosenberg e Birdzell

? Chandier (1990, p. 289) relata a formação da United Alkali, um estágio intermediário para a criação da IC]
(1999, p. 357).
Caprtulo 2
Sistema financeiro e
sobrevida da produção fundada no valor 65

(1986, p. 189-210) discutem a transição de sociedades por ação (joint stock) para
sociedades anônimas (corporation): as sociedades por ações como ancestrais da
moderna sociedade anônima (p. 195) -- com o exemplo da Standard Oil, o primeiro
truste, mas o último a se transformar em sociedade anônima (p. 202). Chandler
(1977, p. 319) nota a transição para trustes:

Assim o truste nasceu, Através desse instrumento diversas empresas transfe-


tiam suas ações para um conselho de representantes e recebiam em retorno
certificados de truste de valor equivalente (empresas constituintes do truste
que ainda eram companhias limitadas tiveram que se incorporar para ter as
ações necessárias para realizar a troca).

Navin e Sears (1955, p. 119) mencionam o movimento “incorporação de trustes”


- uma das três rotas “através das quais os títulos industriais chegaram ao mercado”
(as outras duas eram fusão e recapitalização). Foi o período no qual desenvolve-se
um mercado para títulos de empresas industriais — 1890-1893 (Navin; Sears, 1955).
Além do mais, Navin e Sears comentam que o “certificado de truste” era um novo
instrumento financeiro (p. 113), mas não era um instrumento para buscar um
“mercado público ativo”. Mas, especuladores de Nova York estavam cada vez mais
atraídos por esses títulos (p. 115). Os autores destacam os últimos anos da década de
1880, quando “ações industriais ganharam preeminência como um investimento”
€ “a propriedade de empresas industriais (...) rapidamente ganhou mobilidade e
dispersão” (p. 115). Foi um período de transição de “trusts” para “holding compa-
nies”, a partir de uma lei de Nova Jersey de 1889 (p. 115).
Em um manual redigido por profissionais envolvidos com a NYSE, Johnson
(1970, p. 254-256) lista oito formas de organização de negócios: 1) proprietários
individuais; 2) sociedade; 3) sociedade limitada; 4) sociedade associativa (“part-
nership association”); 5) sociedade por ações (“joint stock company”); 6) truste
de negócios; 7) cooperativa; 8) sociedade anônima (“corporation”) (p. 254)º
Interessante anotar que entre a joint stock company e a corporation há o truste: o
caminho histórico narrado por Chandler.
Diz Johnson: “Uma sociedade por ações é similar à sociedade limitada com a
exceção de que a aprovação dos sócios existentes não é necessária” (p. 255). Quanto
à sociedade anônima, é a “forma final e mais complexa da organização de negócios”.
Há uma lista de itens em relação à natureza da sociedade anônima, entre eles a
especificação da duração da sociedade, que normalmente é infinita (p. 256). Muiro

* Rosenberg e Birdzell (1986, p. 208) usam a expressão “unincorporated joint stock”.


Capítulo 2
Sistema finançeuo €
sobrevida da produção fundada no vator | 67

nova maquinaria, a absorção de ramos econômicos afins, o aproveitamento


de patentes, passam, então, a desenvolver-se de conformidade exclusiva com
o ponto de vista de sua adequação técnica e econômica.

Para que essa “conformidade exclusiva com as exigências da técnica” possa se


estabelecer, há o amadurecimento das bolsas de valores e a transformação das socie-
dades anônimas na forma dominante da organização da produção capitalista (p.
113). Esse processo histórico pode ser interpretado como a construção de condições
institucionais estáveis para que o capital investido em ações (“capital acionário”) se
transforme em capital monetário: essa possibilidade “é criada mediante um mercado
próprio, a bolsa de valores” (p. 113).
Em relação à bolsa de valores, há uma nova fase histórica, a partir da “reviravolta”
que representa “a transformação de capital industrial em fictício, ou seja, a pene-
tração cada vez maior da sociedade anônima na indústria” (p. 142). O processo de
mobilização de capital explicita como massas de capitais monetários são convertidas
simultaneamente em investimento produtivo e capital fictício.” Hilferding descreve
o “modelo de circulação” (p. 116), no qual o capital monetário investido em ações
abre dois processos de circulação. O primeiro deles é a conversão do dinheiro do
pagamento das ações em capital produtivo (que então percorre o “ciclo do capital
industrial”), além da apropriação dos “lucros de fundador” pelo emissor das ações.
O segundo é o processo percorrido pelas ações, que circularão em um mercado
próprio, a bolsa de valores, na qual há a necessidade de dinheiro adicional para
a circulação das ações. O raciocínio de Hilferding prossegue com uma discussão
sobre a independência do circuito das ações em relação ao “giro real do capital
industrial” A contribuição relevante de Hilferding é a explicitação desses dois
diferentes circuitos. Dado o estágio de evolução institucional dos mercados acio-
nários, Hilferding focaliza, fundamentalmente, a formação de capital fictício em
função de aplicações para o capital industrial.
A discussão sobre a “mobilização de capital”, ou seja, a transformação de capital
monetário em, simultaneamente, capital industrial (ou capital produtivo) e capital
fictício é a base para outra contribuição teórica de Hilferding: a explicitação da

* — Ainterpretação de Minsky sobre a elaboração de Keynes oferece uma leitura similar dessa gênese simultânea.
Segundo Minsky (1975, p. 130), “em termos de portfólio, a produção de um incremento no estoque de capítal é
equivalente à criação de uma adição ao estoque de ativos financeiros (...) Isso implica que o investimento deixa atrás
um resíduo de instrumentos financeiros apropriados.”
* Em trabalho anterior (Paula; Cerqueira; Albuquerque, 2001), a elaboração de Hiiferding foi contextualizada,
e a influência da acumulação de capita! fictício sobre a dinâmica do capital real foi discutida sob a forma de “três
movimentos entre o capítal real e o fictício”: 1) criação de capitai fictício; 2) acumulação de capital fictício; 3) capital
ficticio impacta o capital real.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

da natureza da sociedade anônima é definido na “carta da sociedade anônima”, que


vem a ser um “contrato entre o estado e os acionistas”. (p. 256).
Esse conjunto de observações técnicas indica que as transformações ocorridas
são significativas.
Hilferding (1910) representa um importante avanço na compreensão do papel
das bolsas de valores e do seu significado no processo de acumulação de capital. O
grau de desenvolvimento das bolsas e das empresas baseadas em ações é bem maior
do que o existente no contexto histórico descrito por Marx e mesmo por Engels.
Com uma fértil análise dessas novas condições, Hilferding traz contribuições teó-
ricas importantes em dois pontos: a compreensão do processo de “mobilização de
capital” e a definição da categoria econômica “dividendo” e “lucro de fundador”.*
A primeira contribuição de Hilferding é a explicitação dos novos atores centrais na
dinâmica capitalista do início do século XX: as sociedades anônimas (capítulo 7)
e as bolsas de valores (capítulo 8). É importante ressaltar a coexistência entre esses
dois atores, cuja mútua dependência foi pioneiramente explorada por Hilferding.
O significado da sociedade anônima vis-à-vis as empresas individuais é detalha-
damente discutido (capítulo 7), pois “qualquer entendimento do desenvolvimento
do capitalismo moderno (...) só pode ser compreendido em função do predomínio
da sociedade anônima e suas causas”. Note-se aqui a mudança de tom em relação ao
que Marx escreveu em 1857-1858 e 1865, e ao que Engels escreveu em 1894. Além
disso, é destacada a associação entre essa nova forma de empresa e a tecnologia.
Segundo Hilferding (1910, p. 127), a

expansão da empresa capiralista convertida em sociedade anônima pode,


então, livre dos grilhões da propriedade individual, processar-se de confor-
midade exclusiva com as exigências impostas pela técnica. À introdução de

* — Paulaetal.(2001) propõem uma reavaliação das contribuições de Hilferding, com a sugestão de que a contribuição
original mais importante está na parte segunda do livro (*A mobilização de capital. O capital fictício”). Hilferding tem
sido corretamente criticado por generalizar indevidamente o modelo alemão de articulação entre empresas, bolsas
e bancos, insistindo na supremacia dos bancos. Uma interpretação mais aberta de Hilferding permite identificar sua
principal contribuição como localizada na articulação entre as sociedades anônimas e as bolsas de valores, como
esta seção enfatiza. Na verdade, como Michie (1992, p. 664-665) aponta, as bolsas de valores diferem entre si,
inter alia, pela forma como os bancos participam dos seus negócios. No modeio alemão eles puderam ser membros
das bolsas, posição não obtida por eles em outras bolsas. Ao se prestar atenção a este ponto, é possíve! utilizar a
contribuição de Hilferding para atém da descrição do caso específico da Alemanha. Por exemplo, Henrik Grossmann,
que avalia criticamente a posição de Hilferding sobre a relação entre o capita! bancário e o industrial, ressalta que a
emissão de ações é um mecanismo importante para as operações financeiras de grandes grupos industriais (1929,
p. 369-373). Nas elaborações mais recentes sobre arranjos financeiros, a questão que diferencia esses arranjos
não é a propriedade das ações, mas quem detém essas ações e através de quais instituições elas são negociadas
(Dore; Lazonick; O'Suilivan, 1999).
68
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

natureza estrutural da especulação nas bolsas de valores. Ela é indispensável para


a existência da circulação das ações. A formação de capital fictício só ocorre caso
exista um mercado estável e eficaz para a retransformação das ações em dinheiro. À
possibilidade de comprar esses títulos para revenda com uma vantagem monetária é
o próprio fundamento desse mercado (o chamado mercado secundário, em contra-
posição ao mercado primário, de emissão de ações). Essa identificação da natureza
estrutural da especulação é uma introdução às complexas e contraditórias relações
entre o processo de mobilização de capitais e a valorização (e desvalorização) de
capital fictício nele criado.
A transformação histórica das sociedades anônimas em forma predominante de
organização permite a Hilferding caracterizar duas novas categorias econômicas,
não tratadas por Marx: dividendo (p. 113) e “lucro de fundador” (p. 115-118).
Finalmente, o aspecto centralização e concentração de capital é destacado por
Hilferding, com a identificação explícita das sociedades anônimas como um meca-
nismo de controle sobre “capital alheio” (p. 122). Essa passagem é importante porque
mostra a continuidade da capacidade do sistema de crédito em colocar à disposição
do capitalista individual o capital social - Marx discutia essa característica no tópico
do capítulo 27 no qual “abstrai da sociedade por ações”. Hilferding, ao mencionar
como é possível controlar uma empresa com um terço ou um quarto do capital
total, retoma essa questão em um estágio mais avançado de desenvolvimento do
sistema financeiro.” Esse ponto é crucial, pois, como Marx sugere no capítulo 27, o
acesso ao capiral social permite a quebra de “todos os padrões de medida”, questão
inaugurada pela aplicação da ciência à produção.
Keynes (1930a; 1930b) descreve um novo estágio da história das bolsas de valores
e das sociedades anônimas, um arranjo institucional historicamente diferente do
descrito por Marx — e mesmo por Hilferding. Por um lado, a natureza do dinheiro
alcança o estágio que Knapp (1905) caracteriza, com a aprovação de Keynes (1930a,
p. 4), como uma criação do Estado."* Nesse arranjo, o banco central completa o seu
desenvolvimento e o papel dos bancos e dos depósitos bancários é central, o que
leva Keynes a sugerir uma divisão entre income deposits, business deposits e savings

7 —Nessa passagem, Hilferding (1910, p. 122) comenta um movimento possível, o de “retirada” de capital de uma
empresa que se transforma em sociedade anônima, pois com apenas a metade do capital da empresa o controle de
uma sociedade anônima estaria garantido. Esse movimento descrito por Hilferding é uma das vias para a propagação
inícial das sociedades anônimas nos Estados Unidos, como será discutida no próximo capítulo (ver Navin; Sears,
1955, p. 123).
* Para uma articulação institucional entre as elaborações de Marx, Simmel, Knapp, ver Albuquerque (20102a).
Nesse trabalho, o comentário de Keynes sobre Knapp permite uma interessante conexão institucional que toma por
referência as metamorfoses no dinheiro. Nesse capítulo, a sugestão de diálogo entre Keynes e Marx realiza-se via
Hiiferding, através da identificação de mudanças na estrutura financeira e no papei das bolsas de valores.
Caprtuto 2
Sistema financeiro e
sobrevida da produção fundada no valor | 69

deposits (p. 30-31) em sua análise do dinheiro bancário (bank money). Por outro
lado, há uma outra divisão, de acordo com a sua utilização, que Keynes sugere
entre os depósitos bancários: há a circulação industrial e a circulação financeira
(p. 217).º Para Keynes, finance é “o negócio de manter e trocar títulos de riqueza
existentes (...) incluindo transações de bolsas de valores e de mercados monetários,
especulação e o processo de transferência de poupanças e lucros correntes para as
mãos dos empresários” (p. 217).
A mudança institucional mais importante detectada por Keynes estaria na
relação entre as duas funções básicas da bolsa, segundo a avaliação de Hilferding:
emissão de ações e especulação.?º O que se destaca na análise de Keynes é a pre-
ponderância da atividade de especulação frente à atividade de emissão de ações. Na
discussão sobre o volume da circulação financeira, Keynes ressalta — aqui, de forma
similar à de Filferding — que o volume das transações financeiras “não tem relação
direta com o volume do produto” (p. 222), além de destacar uma clivagem entre o
comércio com esses títulos e a taxa com que eles são criados. Ou seja, a atividade
do mercado secundário de títulos não está diretamente conecrada à atividade do
mercado primário. AÀ novidade descrita por Keynes está na relação entre os dois
conjuntos, dado o crescimento do peso relativo dos títulos negociados em bolsa em
relação à atividade de emissão: “Em uma moderna comunidade equipada com bolsa
de valores a rotação de capital fixo correntemente produzido é uma proporção bem
pequena da rotação total de títulos” (1930a, p. 222). À ampliação da acumulação
de capital fictício (o volume de ações como títulos negociados em bolsa) nas três
primeiras décadas do século XX estabelece um conjunto de influências recíprocas
entre o capital real e o capital fictício. À crise de 1929 foi uma demonstração dos
efeitos de movimentos de desvalorização do capital fictício sobre o capital real. Esse
contexto institucional distinto permite a Keynes, ao discutir a divisão do estoque
monetário entre duas circulações — a “financeira” e a “industrial” —, investigar como
elas se relacionam e se influenciam murtuamente.
Esse novo arranjo institucional, com as sociedades anônimas e as bolsas de
valores, oferece mais flexibilidade para as empresas que podem financiar a sua
expansão através de “lucros retidos”. Keynes explica que essa retenção de lucros

* —Keynes analisa uma estrutura institucional legada pela efetiva transformação nas sociedades anônimas como
forma predominante de organização industrial e a ampliação do papel das bolsas de vatores no capitalismo. Ou
seja, um formato mais avançado do que o analisado por Hilferding (1910). Como o Capítulo 3 menciona, no caso
dos Estados Unidos será entre 1890 e 1914 que o predomínio das sociedades anônimas como organização típica
de empresas industriais irá se impor.
* Berle, naintrodução de 1967 (Berle; Means, 1987, p. 14), anota o novo papel das bolsas de vatores, a partir de
uma avaliação de mudanças na relação “especulação X mobilização de capital”,
Capituto 2
Sistema financeiro e
sobrevida da produção fundada no vator | 71

instabilidade do capitalismo” (p. 196). À natureza financeira das grandes empresas


como sociedade anônimas é uma característica dessa fase.
O destaque dado à associação entre as sociedades anônimas, a tecnologia e os
ativos de capital de longa duração na elaboração de Minsky é outra importante
conexão implícita com a elaboração de Marx. À própria existência das sociedades
anônimas é diretamente relacionada. Para Minsky, “a sociedade anônima é um
instrumento para lidar com problemas de financiamento derivados da tecnologia”
(1986, p. 352). Também na interpretação dele, dada a natureza dos ativos de capital
(sua duração e o montante de recursos que exigem), surgem problemas não triviais.
Por isso, Minsky ressalta que

há uma relação simbiótica entre a sociedade anônima como forma de orga-


nização de negócios e a emergência de uma estrutura industrial e comercial
na qual a dívida é usada tanto para financiar a construção como determinar
o controle sobre ativos de capital de propósitos específicos e de longa duração
(1982, p. 19).

Nessa interpretação, a natureza desses ativos de capital de longa duração está


na raiz de problemas do capitalismo. Como Minsky ressalta, “as características
técnicas dos ativos de capital são a causa do relacionamento do tipo dinheiro-hoje-
-por-dinheiro-mais-tarde que é básico em nossa economia atual” (1986, p. 196).
E a duração desse tempo importa nessa relação. Outras formas de organização
alternativas às sociedades anônimas, de acordo com Minsky, seriam: 1) sole pro-
prietorships; 2) partnerships. Estas formas não são adequadas para lidar com “ativos
de capital de propósitos específicos e de longa duração” porque estão associadas à
duração da vida dos sócios (1982, p. 19).
Segundo Minsky (1986), “paradoxalmente, o capitalismo é falho precisamente
porque ele não pode assimilar prontamente os processos de produção que usam
ativos de capital de larga escala” (1986, p. 6). Para lidar com esses ativos de capi-
tal, surgem e desenvolvem-se as sociedades anônimas, instrumento que “facilita
o investimento e o uso de ativos de capital de larga escala”, o que o torna “um
instrumento social que é melhor adaptado para manter e operar ativos de capital
de propósitos específicos caros e cuja expectativa de vida como um ganhador de
quase-rendas é longa” (p. 350).
A natureza financeira das sociedades anônimas, para Minsky (1986, p. 352),
determina o seu caráter contraditório:
70
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

advém de “poupança realizada pelas sociedades anônimas através da prática de


dividir entre os seus acionistas apenas uma pequena parcela dos seus lucros totais”
(1930b, p. 174).”' A observação de Keynes ilustra como é importante a caracterização
da categoria econômica dividendo, realizada por Hilferding, para compreender o
ganho de flexibilidade que o mercado financeiro oferece para as grandes empresas.
Essa flexibilidade é avaliada por Keynes de outra forma, através da capacidade de
captação de recursos que as sociedades anônimas (Keynes usa nesse capítulo a
expressão joint-stock corporations) detêm: dadas as condições do mercado monetário
do período analisado (entre 1925-1928) por Keynes, “foi mais barato do que em
qualquer período anterior o financiamento de novos investimentos pela emissão
de ações ordinárias” (p. 174).º
O próximo arranjo institucional é descrito por Minsky que, a partir da elaboração
keynesiana, incorpora as mudanças legadas pela resposta à Grande Depressão e pela
Segunda Guerra Mundial. Minsky, ao interpretar Keynes, diz que ele “argumentava
que o desenvolvimento de mercados organizados de títulos foi necessário para prover
liquidez comparável à do dinheiro para rendimentos relativos à propriedade, direta
ou indireta, de ativos de capital” (1975, p. 116). Para Minsky, depósitos bancários
constituem a forma dominante do dinheiro (1986, p. 201), e o arranjo institucional-
-financeiro tem bancos e bolsas de valores em um papel central (1975, p. 70).
Nesse novo arranjo, Minsky enfatiza um novo ator — o big goverament (1986,
p. 22-41) — um salto quantitativo e qualitativo na intervenção do governo na
economia dos Estados Unidos. Nesse novo arranjo, o big government está associa-
do ao amadurecimento do banco central e de sua capacidade de atuação como
emprestador de última instância (1986, p. 43-45). Minsky descreve o capitalismo
típico do final do século XX (na transição da quarta onda longa para a quinta, em
uma periodização de Freeman e Louçã, 2001) e preserva um diagnóstico sobre o
capitalismo similar ao de Marx do capítulo 27 do volume 3 em um aspecto crucial:
a instabilidade do capitalismo. Instabilidade que é consequência do próprio sistema
financeiro: “(...) a estrutura financeira é a causa tanto da adaprabilidade como da

?! Lucroretido é um corolário de dividendo, categoria econômica que pressupõe a forma sociedade anônima, Por
isso, toda a análise de Chandler, que destaca o papel dos lucros retidos, depende da forma sociedade anônima
discutida por Hiferding.
? Essepiconofinanciamento de empresas por emissão de ações é mencionado no Capítulo 3, a partir de dados
de O'Sullivan (2007, p. 168), que mostra como as emissões de ação alcançaram 6,5% do PNB em 1929.
? Os gastos governamentais estão divididos em quatro categorias: 1) emprego no governo; 2) contratos
governamentais; 3) transferências; 4) juros da dívida pública (Minsky, 1986, p. 22). Os títulos da dívida pública,
necessários para o financiamento do big government, são um dos pilares da nova etapa da acumulação financeira
sugerida por Chesnais (2004, p. 21).
72
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

AÀ sociedade anônima, inicialmente um instrumento para estender o finan-


ciamento seguro para ativos de capital de longa duração, pode tornar-se um
veículo para finanças especulativas — e, porque facilita tanto os modos de
produção capital-intensivos quanto a especulação financeira, uma influência
desestabilizadora.

AÀ discussão dessas características técnicas dos ativos de capital pode ser esten-
dida para avaliar a especificidade do P&D como investimento — os seus problemas
adicionais em relação ao já complexo investimento em capital fixo. As soluções
para esse problema partem da capacidade adicional de investimento das socieda-
des anônimas (capacidade para lidar com incerteza) e chegam a envolver diversas
políticas públicas (e recursos estatais) para lidar com essas características específicas
dos investimentos em P&D (em termos de incerteza quanto aos resultados, cálculos
financeiros, questões de apropriabilidade etc.). Nessa discussão está uma importante
conexão teórica entre sistemas financeiros e sistemas de inovação.
Em Minsky, a instabilidade financeira advém de uma maior complexidade do
sistema financeiro (necessidade de compartibilidade entre vencimento de dívidas de
curto e longo prazo — “descasamento de arivos”). Esse desenvolvimento em termos
de complexidade é uma espécie de extensão dos problemas relativamente simples
entre os portadores e pagadores de letras de câmbio. Agora, no tempo de Minsky,
transforma-se em acertos entre portadores de títulos de diversos prazos de maturação.
Isso porque o desenvolvimento do sistema financeiro envolve a criação de instru-
mentos financeiros diversos, com períodos de maturação dificilmente coincidentes
(empréstimos bancários de curto prazo, títulos com vencimento de médio e longo
prazo, ações) e compromissos financeiros também de prazos diversos (pagamento
de títulos, pagamento de dívidas, pagamento de dividendos etc.). Surgem diversos
problemas relacionados a “descasamento de ativos” (Carvalho et a/., 2001, p. 404).
O que no passado era um problema de acerto em vencimento de letras de câmbio
transforma-se em um complexo problema de descasamento de ativos, dada a maior
complexidade do mercado financeiro, necessária para responder às novas tarefas
advindas da aplicação tecnológica da ciência.
O arranjo institucional seguinte é descrito por Chesnais (2004; 2006). Este é
representativo de interpretações que sustentam a existência de um “novo regime de
acumulação financeira”. A interpretação é controversa, embora seja extremamente
útil para sistematizar o peso de novos agentes financeiros no capitalismo atual. Para
Chesnais, na caracterização de uma “nova configuração do capitalismo”, as formas
de organização são as empresas multinacionais e as instituições financeiras (2004,
Capiítulo 2
Sistema financeiro e
sobrevida da produção fundada no valor 4 73

p. 15). Um dos pontos fortes de sua análise é a atenção para o novo salto na inter-
nacionalização das atividades econômicas, produtivas e financeiras. Relativamente
às instituições financeiras, Chesnais trabalha com dados da Organization for
Economic Cooperation and Development (OECD, 2002) para indicar o peso de
novos atores institucionais: fundos de pensão, fundos mútuos, empresas de seguros,
bancos que gerenciam sociedades de investimento, Esses novos atores utilizam os
“fundos não reinvestidos das empresas e as rendas não consumidas das famílias”
como “trampolim de uma acumulação financeira” enorme (p. 16). Na elaboração
de Chesnais, o progresso da acumulação financeira está ligado à ação estatal de
liberalização dos movimentos de capitais e à interconexão internacional dos merca-
dos financeiros. Desde 1950, segundo ele, sucederam-se cinco etapas do processo
de acumulação financeira (p. 17-24). À última delas é caracterizada pelo peso dos
investidores institucionais e pelos impactos derivados desse peso sobre a dinâmica
capitalista: os mercados de ações se transformam em centro de arividade, surgem
elaborações sobre “governança empresarial, formas de pressão dos mercados sobre
grupos industriais”. Nesse regime, haveria um “regime específico de propriedade
de capital” (p. 29), caracterizado como “patrimonial”, dominado pela figura do
proprietário de ações (p. 29). Outra mudança seria relativa à relação entre “finan-
ças e indústria”, dado o surgimento da “exterioridade das finanças em relação à
indústria” — que seria caracterizada pela restauração “do poder das finanças” no
interior das empresas (p. 34-37).
Nesse novo arranjo, Carvalho er 2/. (2001, p. 404) sugerem que “a existência
de investidores institucionais não só facilita a existência de mercados de capitais
robustos” como também “estimula o aumento da profundidade e eficiência dos
mercados de capitais”.

?? Mudanças estruturais advindas do


desenvolvimento do sistema financeiro

O sistema de crédito, um mecanismo de contenção da explosão da lei do valor,


passou por diversas mudanças que envolveram o capital por ações e a emergência
das sociedades anônimas. Outras mudanças institucionais importantes podem ser
pensadas a partir da estrutura institucional apresentada por Marx, nas partes IV e V
de O capital; a divisão intercapitalista (a existência funcional do capital de comércio
Capituto 2
Sistema financeiro e
sobrevida da produção fundada no vator | 75

financeira. Para Minsky, o big government atua como um importante elemento de


estabilização econômica (1986, p. 22-41). É também esse big government que tem
um papel-chave no processo de conformação do sistema de inovação, através dos
investimentos em ciência e das políticas de compras governamentais que apoiam
empresas em áreas tecnológicas estratégicas.
A quarta mudança foi o surgimento de novos atores institucionais, entre os quais
os fundos de pensão, desenvolvimento bastante característico do “caso clássico” do
capitalismo, os Estados Unidos. Mais uma vez, a ampliação da expectativa de vida
— uma consequência do desenvolvimento da ciência e de sua aplicação (nesse caso,
não apenas à produção, mas também à saúde) —, a conquista de direitos sociais,
como as aposentadorias, abrem espaço para disputas quanto a sua provisão. Nos
Estados Unidos houve a captura dessa nova área pelo sistema financeiro, com o
apoio do Estado. O resultado é a existência deste novo ator, os fundos de pensão.
Estes, por um lado, estão entre os principais componentes do mercado financeiro;
por outro, como gestores de aposentadorias de trabalhadores, investem em ações de
empresas, e estas passam a ser potencialmente controladas por eles — Hebb, (2001)
identifica uma mudança patrimonial, sem a correspondente mudança de controle.
Há novos problemas, como um mencionado por Blackburn (2002, p. 109): o fundo
de pensão da General Morors chegou a valer o dobro da empresa.
A quinta mudança foi o aparecimento de novos atores financeiros especializados
na “aplicação da ciência à produção": o venture capital. O próprio venture capital
teria aqui uma posição especial, por estar na interseção dos sistemas de inovação e
do sistema financeiro — uma instituição para capturar mais rapidamente produtos
científicos das universidades e institutos de pesquisa, que, inclusive, podem contri-
buir para a abertura de novos setores industriais e econômicos. É um subproduto da
abundância de capital fictício e da operação de novos investidores institucionais. O
venture capital cria novas alternativas (novos canais) para a viabilização da aplicação
da ciência à produção.
Essas mudanças relacionam-se a um novo padrão de dinâmica macroeconômica:
“keynesianismo do mercado de ações” (Brenner, 2006, p. 293). Segundo Brenner,
na versão Greenspan,

a demanda é ampliada através de sociedades anônimas e famílias ricas


assumindo déficits privados para gastar mais do que produzem, encorajadas
pela crescente riqueza de títulos que sem esforço acumulam em virtude da
valorização de suas ações ou de seus ativos.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuguerque

de dinheiro) e a divisão intrassetorial (bancos, corretoras, bancos de investimento


etc.). Mudanças estruturais e novas instituições são necessárias para lidar com o
crescente peso do capiral fictício, decorrente do desenvolvimento do capital por
ações e das sociedades anônimas.
A primeira transformação estrutural é a predominância das sociedades anô-
nimas como forma de organização das atividades industriais e econômicas. Essa
transformação é essencial para resolver problemas relacionados ao montante de
investimentos necessários em termos de máquinas e equipamentos, de crescente
valor e sofisticação tecnológica. Também é essencial para viabilizar investimentos
de longo prazo necessários para lidar com as atividades de P&D, cada vez mais
importantes e generalizadas. A generalização das sociedades anônimas contribui
para a generalização da internalização das atividades de P&D em empresas indus-
triais — tratar-se-ja aqui de um componente financeiro que apoia essas atividades.?
A segunda transformação apresenta dois aspectos. Por um lado, como corolá-
rio da predominância das sociedades anônimas como forma de organização, há
a posição destacada das bolsas de valores e seu entorno institucional — bancos de
investimento, corretoras, agências de avaliação de investimentos. Nos termos de
Marx, configura-se um novo estágio na divisão de trabalho no interior do sistema
de crédito. Por outro lado, a própria função das bolsas se transforma, dadas as
mudanças no peso das suas duas funções centrais — a emissão de ações, em termos
relativos, é eclipsada pela especulação. À massa de capital fictício — gerada ao longo
de mais de um século de “mobilização de capital” realizada pelas bolsas — está na
raiz dessa mudança. Essa massa de capirtal fictício afeta a dinâmica econômica de
diversas formas, em especial muda a natureza das crises e o foco da atuação de
bancos centrais.
A terceira transformação estrutural é a aparição do big government, uma expansão
do peso e da presença do Estado na economia capitalista cujas proporções foram
tais que um teórico da instabilidade financeira como Minsky é o formulador dessa
mudança. O big government emerge também como resposta a crises detonadas
pelas contradições ampliadas pelo desenvolvimento do sistema de crédito. Nessa
mudança estrutural deve ser sublinhado o papel dos bancos centrais, com fun-
ções mais gerais de gerenciamento estatal do dinheiro e com a sua atuação como
emprestador de última instância, o que requer tamanho e capacidade de operação

* — Os problemas para lidar com a natureza dos investimentos em capital fixo, que foram percebidos por Marx e
ressaltados por Minsky, são aprofundados quando uma empresa pretende realizar investimentos em P&D. Rosenbera
(1990) discute esses problemas e Sicsú e Albuquerque (1998) discutem implicações desses problemas a partir da
elaboração de Minsky.
76
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Evidentemente, esse tipo de política macroeconômica só é possível em função do peso


do capital fictício gerado e presente na economia dos Estados Unidos, decorrente de
uma longa construção institucional. Esse arranjo, porém, abre novas possibilidades
de crises, como as dos anos 2007 e 2008 demonstraram.
Finalmente, apesar de todas as mudanças institucionais, há a permanência das
crises (resultado da dialética entre os fatores que pressionam pelo colapso versus
os que o contém), demonstrada com vigor pela crise de 2007-2008 (BIS, 2009).
Essa permanência das crises estaria relacionada a saltos quantitativo e qualitativo
na participação do setor público. Aqui está a sexta mudança: os termos dos deba-
tes mudaram, acompanhando tais mudanças. Na rodada atual, essa mudança nos
termos dos debates pode ser percebida pela transformação da General Motors em
empresa pública (The New York Times, 10 jul. 2009) e pela discussão em torno da
nacionalização de bancos (nas páginas do The New York Times entre fevereiro e
abril de 2009). Esses novos termos de debates trazem novas questões à discussão
democrática, que estão relacionadas ao sistema financeiro e ao controle público.

24 Polêmicas relativas ao sistema de crédito

As polêmicas em torno da natureza do sistema de crédito são vastas. À evolu-


ção dess sistema coloca questões teóricas e políticas complexas, que alimentam o
surgimento de respostas variadas e bastante controversas.

2%º Crédito e eliminação das crises

A polêmica entre Bernstein (1899) e Rosa Luxemburgo (1899) tem no papel do


sistema de crédito um ponto relevante e controverso. Nessa polêmica, adicional-
mente, há uma disputa em torno da interpretação correta do capítulo 27 do terceiro
volume de O capital, em relação ao papel contraditório do sistema de crédito.
A elaboração de Bernstein trata explicitamente de “crises e possibilidades de
ajustamento na economia moderna” (1899, p. 74-86). Na avaliação de Bernstein,
diversas mudanças sofridas pelo capitalismo durante o século XIX exigem um
esforço de reavaliação teórica. À extensão do mercado mundial e os novos meios
de comunicação (transporte e informação), segundo Bernstein, teriam “aumentado
as possibilidades de ajustamento das perturbações” (p. 78). Esses elementos seriam
Capítulo 21
j
Sistema financeiro e |
sobrevida da produção fundada no vator à 77

reforçados por três fatores: 1) maior riqueza dos Estados europeus; 2) elasticidade
do moderno sistema de crédito; 3) aparição de cartéis industriais. Dessas mudan-
ças deriva a pergunta de Bernstein: até que ponto elas limitam as perturbações,
“de modo que as crises comerciais gerais, semelhantes às mais antigas, tenham de
ser encaradas como improváveis?” (p. 78). No raciocínio mais geral de Bernstein,
o desenvolvimento do sistema de crédito combina-se com o desenvolvimento de
organizações patronais e dos meios de comunicação, além da persistência das classes
médias e da melhoria da condição de vida da classe trabalhadora em função das
lutas sindicais (temas que ele discute em capítulos anteriores).
A intervenção de Rosa Luxemburgo (1899) ressalta que o sistema de crédito tem
múltiplas funções, destacando a de “aumentar a capacidade de extensão da produção
€ facilitar a troca” (p. 14). Ao lado dessas funções, o “crédito age diversamente na
formação das crises” (p. 15). Ao invés de mitigá-las, o crédito é “um meio particu-
larmente poderoso de formação de crises” (p. 15). Ao invés de meio de adaptação
do capitalismo, o sistema de crédito “reproduz todos os antagonismos fundamentais
do mundo capitalista, acentua-os, precipita o desenvolvimento, fazendo correr o
mundo capitalista para a sua própria supressão, isto é, para o desmoronamento” (p.
16). Entre as críticas mais gerais de Rosa Luxemburgo a Bernstein está o “abandono
da teoria do desmoronamento” (p. 71).5
Bernstein responde a Rosa Luxemburgo, criticando-a por não considerar um
dos lados mencionados por Marx. Bernstein (1899, p. 79) ressalta “as características
duplas do sistema de crédito” para insistir que Rosa Luxemburgo refere-se “exclu-
sivamente ao aspecto destrutivo do sistema de crédito”.
A importância desse debate é a inauguração, entre leitores de Marx, de discus-
sões sobre a interpretação da natureza do crédito e dos impactos que apresenta esse
sistema em evolução.

24? Capital por ações como contratendência


à queda da taxa de lucro

Menos direta é a polêmica em torno da avaliação do capital por ações como


uma contratendência à queda da taxa de lucro. Esse debate é importante, pois as
duas menções de Marx a esse papel das sociedades por ações no volume 3 de O
capital destacam a contribuição do sistema de crédito para a sobrevida do modo de

?*? —NoCapítulo5, esse tema será debatido.


Cepitulo 2 |
Sistema financeiro e
sobrevida da produção fundada no valor | 79

243 Um novo regime de acumulação?

Em terceiro lugar, em sua caracterização do capitalismo contemporâneo, ou


mais exatamente, sobre o diagnóstico relativo ao capitalismo nos Estados Unidos,
Chesnais (2004) identifica uma nova fase do capitalismo, “um novo regime de
acumulação financeira”, um regime que tem entre as suas características principais
a forte hegemonia dos Estados Unidos (2004, p. 41 e 49). Essa caracterização pode
ser confrontada pela elaboração de Arrighi e Silver (1999, p. 282-284), que identifica
o momento atual como uma fase de “expansão financeira” de um ciclo sistêmico
de acumulação, uma indicação do declínio da hegemonia dos Estados Unidos e de
um contexto de “turbulência sistêmica” — características de períodos de transição de
hegemonia. Ou seja, o que para Chesnais é um novo regime, para Arrighi (apoiado
em Braudel) é apenas mais uma expansão financeira. Possivelmente, a interpreta-
ção de Chesnais ressalta os elementos estabilizadores do novo desenvolvimento do
sistema financeiro (novo regime patrimonial, nova relação entre capital industrial e
financeiro etc.), enquanto a interpretação de Arrighi enfatiza o elemento flexível e
reorganizador dos novos arranjos financeiros, além de sua contribuição à transição
de hegemonia em curso.
Essa discussão requer um painel histórico mais abrangente para a sua realização.

244 Caminho para o socialismo?

Finalmente, vale mencionar um elemento que reaparece de modo relativamente


sistemático nos debates: a contribuição do sistema financeiro e de suas instituições
para a transição ao socialismo em suas mais diversas formas.
A elaboração de Darimon (1856), comentada por Marx nos Grundrisse, é uma
obra clássica nessa linha, ao sistematizar as elaborações proudhonianas e saint-
-simonianas sobre o papel de bancos (La Banque du Peuple) e do crédito (crédir
£gratuite) para a construção de uma nova sociedade.
Essa tradição é retomada por P. Drucker (1976), em seu provocativo livro sobre
o crescimento dos fundos de pensão nos Estados Unidos. Explicitamente, propõe
uma abordagem que sugere uma importante transformação estrutural. À transição
seria para um “socialismo dos fundos de pensão”. À análise de Drucker é apenas
uma das propostas de transição ao socialismo que envolvem o sistema acionário: há
Outras propostas apresentadas para a discussão política — Plano Meidner, segundo
B
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Atbuquerque

produção capitalista. Para Marx, essa associação é importante, pois “nessas empresas
o capital constante é máximo em relação ao capital variável” (1894, t. 1, p. 182).
As sociedades por ações atuariam como contratendência à queda da taxa de lucro
porque essas empresas “são ainda viáveis quando meramente proporcionam juros”
(1894, t. 1, p. 332). Por exemplo, Marx apresenta as estradas de ferro (p. 182): como
sociedades por ação, não entrariam na equalização da taxa geral de lucro — “caso
entrassem, esta então cairia muito mais” (p. 182).º
Hilferding (1910, p. 118) afirma que a sociedade anônima “está sujeita às mesmas
leis de formação dos preços do que as empresas individuais”. Para Hilferding, o
diagnóstico de Marx baseava-se nas empresas ferroviárias de seu tempo, mas com
“a difusão da sociedade anônima, seu lucro tem de contribuir para a estabilização
da taxa geral de lucro, da mesma forma como na empresa individual” (p. 118).
Grossmann (1929, p. 241) reconhece “o aumento do capital acionário” como uma
contratendência importante, Ele considera que a limitação de uma parte importante
da classe capitalista aos juros normais (dividendo) viabiliza a formação de um fundo
de reserva para fins de acumulação que permitiria prosseguir a acumulação por um
tempo mais prolongado, o que constituiria um motivo para debilitar a tendência
à derrocada (p. 241).
Steindl (1952, p. 157-174), por sua vez, discute o caso dos Estados Unidos no
pós-guerra, um cenário histórico mais recente do que o avaliado por Hilferding e
Grossmann. Steind] avalia um cenário que alcançou o estágio descrito por Keynes
(1930), caracterizado pelo papel crescente da atividade de especulação. Esse horizon-
te histórico permite a esse autor avaliar o “efeito líquido do sistema de capital por
ações”, que tem no ano de 1929 um marco. Segundo Steindl, até 1929 o efeito do
sistema de capital por ações foi estimulante (p. 173) e, a partir de então, depressivo.
O seu diagnóstico, portanto, indica um ponto de inflexão:

O sistema de capital por ações serviu para retardar os efeitos da taxa de lucro
em declínio, porém, a partir de certo ponto, já não podia exercer essa influên-
cia. O reverso da medalha, portanto, ficou exposto: já não havia emissão de
ações, mas a criação de poupanças externas, por meio de dividendos elevados,
continuava (Steindl, 1952, p. 173).

* Harvey(1982,p.178e197-198) explica essa posição de Marx.


80
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Esping-Andersen (1985) —, ou para a discussão acadêmica — o socialismo por ações,


de Roemer (1994; 1996).

?” Sociedade anônima, contenção do colpaso


e instabilidade financeira

A evolução das sociedades por ações para sociedades anônimas e todas as mudan-
ças institucionais relacionadas a ela — novo papel das bolsas de valores, crescimento
do capital fictício e das instituições para a sua administração — contribuem para que a
aplicação da ciência à produção se desenvolva. À instituição do venture capital é uma
expressão desse longo desenvolvimento, na medida em que a sua origem pressupõe a
sofisticação existente tanto na dimensão tecnológica como na dimensão financeira.
Essas transformações estruturais impactam a operação da lei do valor
(Preobrajesnky, 1926). Em primeiro lugar, toda a ampliação do Estado (big
government é um termo-chave aqui) estabelece restrições à operação dessa lei. Em
segundo, Harvey (1982) sugere a mudança do lócus da competição, atribuindo ao
mercado de capitais um lugar mais importante. Em terceiro lugar, Arrighi (1994,
p. 26) menciona as “altas finanças” e sua esfera como o “antimercado”, enquanto
Braudel (1979, p. 197) define a camada do poder e do dinheiro como a “zona do
contramercado”. '
Porém, o sistema de crédito, ao conter o colapso do valor, introduz novos pro-
blemas. A “eliminação das medidas” oferecida pelo desenvolvimento do sistema de
crédito e do sistema financeiro é provisória e temporária: os problemas reaparecem
de outra forma, em outro lugar. Essa dinâmica provoca o aparecimento de novos
atores e instituições, sempre incapazes de eliminar a raiz das crises — o que ocorre
é a mudança da natureza das crises.
O resultado é um quadro atualizado da mesma ambiguidade apresentada por
Marx em relação ao sistema de crédito: por um lado, expande as forças produtivas;
por outro, abre novas possibilidades de crises.
Reflexões de autores dedicados ao tema monetário-financeiro sugerem, cons-
cientemente ou não, possíveis articulações com dinâmica de longo prazo. Minsky,
a partir da sua elaboração sobre as fontes da instabilidade financeira no capitalismo,
desenvolve um raciocínio que contém uma dinâmica de mudanças estruturais
sucessivas, impulsionadas por reformas que respondem a crises. Segundo ele,
Capítulo 2
Sistema financeiro e
sobrevida da produção fundada no vator 1 81

a inevitabilidade das crises é um primeiro ponto, pois “não é possível resolver


tudo de uma vez e para sempre; a instabilidade, contida por um conjunto de
reformas, após algum tempo reaparecerá com uma roupagem nova” (1986, p.
370). A partir das crises surgem respostas institucionais, pois “historicamente,
episódios de instabilidade financeira severa levaram a abertura de controvérsias
sobre a estrutura de instituições financeiras e frequentemente iniciaram mudanças
institucionais” (1986, p. 45).
AÀ partir de um enfoque similar, embora mais explícito em relação às ondas
longas, Guttmann também associa crises, respostas institucionais e mudanças
estruturais. Para ele,

nesse sentido, a crise serviu como um lembrete útil de como a relação intrin-
cada, instável, no final das contas autocorretiva, entre o capital fictício, o
capital portador de juros e o capital industrial é a mais importante força na
dinâmica de onda longa do nosso sistema econômico (1994, p. 320).

Há uma singular articulação entre o caráter estrutural da aplicação da ciência


à produção, o colapso do valor decorrente dessa característica e o desenvolvimento
do sistema de crédito como uma forma de mitigar esse colapso. Essa articulação
estimula uma dinâmica de evolução do sistema de crédito — evolução que impacta a
capacidade do sistema em aplicar ciência à produção — que supera barreiras através
da criação de novos problemas, novas fontes de crise e novas barreiras.
A discussão sobre uma força impulsionadora da dinâmica do sistema capitalista
contida na articulação entre tecnologia e inanças coloca a questão do longo prazo
em evidência.
Parte 2

Metamorfoses do capitalismo
Capítulo 3

Os Estados Unidos como o caso clássico

Introdução: o ápice da aplicação da ciência à produção e


da construção do sistema financeiro

À discussão sobre os Estados Unidos é uma oportunidade para acompanhar em


um país central as mudanças institucionais impostas pela dinâmica detonada pela
aplicação tecnológica da ciência e por sua relação com o sistema de crédito. Esse
cotejamento histórico institucional impede o tratamento segmentado da questão e
enfatiza as ações combinadas entre essas duas esferas implementadas ao longo da
história. Para utilizar a linguagem dos neo-schumpeterianos, é uma investigação
sobre a coevolução de instituições relacionadas à tecnologia e às finanças.
O estudo de um país permite a justaposição das esferas tecnológica e financeira
€ a avaliação da interação entre elas. Essa justaposição permite ainda a percepção de
quão conflituosa e contraditória é a construção do relacionamento entre a dimensão
tecnológica e a financeira: crises se sucedem, apesar da crescente sofisticação dos
instrumentos e das instituições financeiras. Essa sucessão passa pela de 1929 — que
detona toda uma série de reações institucionais que vieram a caracterizar-se como
o New Deal — e chega até a crise da primeira década do século XXI. Como parte
integrante da dinâmica entre essas duas dimensões coloca-se, ao longo desse período,
o Estado e o seu sistemático crescimento, quantitativo e qualitativo.
À discussão sobre os Estados Unidos permite ainda visualizar a natureza do
capitalismo do início do século XXI. Esse quadro é uma introdução às discussões
sobre alternativas ao capitalismo, porque a natureza do capitalismo contemporâneo
deve ser um dos pontos de partida desse debate, em especial para localizar o papel do
mercado na dinâmica contemporânea, tema importante em uma fase de discussões
sobre alternativas, nas quais o socialismo de mercado é a proposta mais influente.
Capitulo 3
Os Estados Unidos
como o caso classico | 87

Engels sobre esse ponto, a partir de comentários de Engels no Vorwaãrts em 1878, nos
quais destaca que a partir de então determinados meios de produção e de transporte
capital-intensivos poderiam ser organizados apenas através de sociedade por ações
(p. 455). Engels, em nota acrescentada ao capítulo 27 do terceiro volume, comenta
como, nos Estados Unidos, as bolsas de valores constituíram-se um campo para o
movimento de criação de trustes (1894, p. 569).!
A terceira razão é o interesse de Marx por acontecimentos importantes que
associam o desenvolvimento industrial com esferas financeiras nos Estados Unidos.
Isso pode ser exemplificado por um recorte de jornal que Marx colou na página 83
do caderno que está na caixa B108, dos Arquivos Marx e Engels do International
Institute for Social History (IISH), de Amsterdã.? Nesse recorte, uma matéria do
jornal Standard, de 4 de outubro de 1868, sobre “The Great Eire Railway War”,
na qual os personagens são Belmont, Lucke, Gould e Fisk, em uma disputa sobre
“açoes ordinárias”. Essa ferrovia e esses personagens estão presentes tanto em um
livro sobre desenvolvimento industrial (Chandler, 1977, p. 149) quanto em outro
sobre a bolsa de Nova York (Geisst, 2004, p. 59). No caderno arquivado na caixa
B109, Marx organiza suas resenhas de leituras do The Economist e do The Money
Market Review, colocando sob o tópico dos Estados Unidos temas como “finance”,
“banking”, “American Money Market”, “US Banks” e “US railtoads”.
O desenvolvimento do país no final do século XIX e ao longo do século XX e
as consequentes metamorfoses na economia internacional e no papel hegemônico
por ele exercido naquele tempo (Arrighi, 1994) transformaram os Estados Unidos
no “caso clássico” de desenvolvimento do capitalismo* — uma discussão do país
que alcançou o ápice da aplicação tecnológica da ciência e do desenvolvimento do
sistema de crédito.
A elaboração de Sylla (1982; 1999), através da permanência da “inovação mone-
tária” na história dos Estados Unidos, introduz a avaliação.!

? — Esse movimento descrito por Engels em 1894 é comentado por Chandier (1977), que indica ter sido o primeiro
movimento de fusões (nos anos de 1880) a primeira oportunidade na qual industriais se voltam para o mercado de
capitais em busca de recursos externos.
? —Parainformações sobre o Arquivo Marx e Engeis, ver Cergueira (2010) e Paula et al. (2012).
? Trataros Estados Unidos como caso clássico implica reconhecer a existência de diversas variedades de
capitalismo, como Dore et al. (1999) apresentam e discutem.
* —Outrasperiodizações são possíveis: Sylla (1982), Minsky (1986, p. 77) e Guttmann (1994) apresentam diversas
possibitidades. Este capítulo combina essas diferentes periodizações.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Finalmente, a discussão sobre os Estados Unidos, país que pode ser considerado
como a mais privatista das variedades de capitalismo em vigor, é um teste para a
proposta deste livro: há germes visíveis no arranjo institucional que caracteriza o
capitalismo no início do século XXTI?
Tratar os Estados Unidos como o caso clássico de desenvolvimento capitalista
remete esta introdução a uma referência sobre a elaboração de Marx e o seu interesse
sobre o país. Entre os elementos destacados pela edição do MEGA 2, em especial
nos materiais relativos ao terceiro volume de O capital, está o interesse de Marx em
estudar e acompanhar os Estados Unidos (MEGA 2, IL.1á, p. 451-454). As razões
são diversas, e as indicações, também.
A primeira é a percepção de Marx sobre a transformação dos Estados Unidos
no “caso clássico” do desenvolvimento capitalista (MEGA 2, IL.lá, p. 452). Essa
percepção vinha sendo construída ao longo do tempo, em um processo que pode
ser rastreado através dos comentários diversos, em especial, relativos à natureza
do trabalho e do capital nos Estados Unidos. Para Marx, o trabalho estaria livre
dos “preconceitos aristocráticos” e dos “resíduos feudais” (bangovers of feudalism) e
“em nenhum outro lugar está o povo tão consciente que o seu trabalho produz o
mesmo produto, dinheiro, e em nenhum outro lugar eles passam através dos mais
diferentes tipos de trabalho com a mesma indiferença”. Mais adiante, Marx men-
ciona a “fluidez do capital, versatilidade do trabalho e indiferença do trabalhador
em relação ao conteúdo do seu trabalho” (1976, p. 1.014).
Essa singularidade do caso dos Estados Unidos também é enfatizada por C. W.
Mills (1956, p. 12): “(..) a elite dos Estados Unidos entrou na história moderna
como uma burguesia sem oposição. nenhuma burguesia, antes ou depois, nunca teve
tais oportunidades e vantagens.” Por isso, a discussão do caso dos Estados Unidos
oferece uma oportunidade singular para a compreensão desse processo combinado
de construção institucional em relação à tecnologia e às finanças.
A segunda razão é a atenção de Marx para com os desenvolvimentos do sistema
de crédito nos Estados Unidos. Em uma entrevista a John Swinton, do jornal The
Sun, publicada em 6 de setembro de 1880, Marx apresenta sua intenção de escrever
uma “trilogia” sobre “terra, capital e crédito”, na qual a discussão sobre crédito seria
ilustrada pelos Estados Unidos, “onde o crédito tem tido um desenvolvimento espan-
toso” (MEW, v. 24, p. 584). Essas preocupações estariam articuladas com outros
pontos também destacados pelos editores da MEGA 2: o seu crescente interesse por
questões monetário-financeiras (MEGA 2, IIL.14, p. 455) e as reiteradas menções
à associação entre o desenvolvimento do sistema de crédito com os processos de
concentração e centralização de capital (MEGA 2, IL.14, p. 455). Os editores do
volume I1.1á do MEGA 2 destacam uma concordância de opiniões entre Marx e
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

* Experimentos históricos: dinheiro,


dívida pública e bancos

Os Estados Unidos podem ser apresentados como um país de longa tradição


em inovação monetária: esse é um argumento de Sylla (1982; 1999).* Tradição que
vem desde os tempos coloniais, cuja mais notável realização teria sido “a invenção
da primeira moeda fiduciária do mundo ocidental” (Sylla, 1982, p. 23). Esse expe-
rimento da era colonial é comentado por Adam Smith (1776, p. 281-282) e por
Galliani (1751, p. 312-313).
À origem dessa inovação monetária, para Sylla (1982, p. 23), envolve a identifi-
cação das colônias britânicas na América como “a economia de crescimento mais
rápido no mundo dos séculos XVII e XVIII” (p. 22) e o diagnóstico de que “o
dinheiro tradicional, ouro e prata, eram ou indisponíveis ou disponíveis em quan-
tidades insuficientes para sustentar esse crescimento, e em termos mais gerais, o
desenvolvimento econômico colonial” (p. 23). Como resultado, “a inovação de novas
formas de dinheiro era a solução para um problema persistente da vida colonial”.
Sylla narra como Massachussetts, a colônia mais dinâmica, estabeleceu uma casa da
moeda em 1652, fechada pela Metrópole em 1684. Em 1690, em função de neces-
sidades de guerra, Massachussets introduziu títulos do governo “que rapidamente
evoluiu para uma moeda fiduciária” (p. 24). Essa inovação monetária difundiu-se
pelas outras 12 colônias até 1733,
Outra inovação monetária dos tempos coloniais foi a criação do escritório de
empréstimos (“loan office”, também “land bank” ou “loan bank”): essas agências
governamentais emprestavam títulos para tomadores de empréstimos que detinham
terra como colateral (p. 25). A eficácia desse mecanismo dependia da difusão da
propriedade da terra entre a população.
Essa estrutura monetário-financeira colonial esteve ao lado de um impressio-
nante desenvolvimento manufatureiro. Como Heilbroner e Singer (1999, p. 64-65)
comentam, “em 1776 (...) as treze colônias possuíam mais forjas e fornos do que
a velha Inglaterra e o País de Gales e os excedia na produção de ferro-gusa. Na
verdade, a produção americana de ferro totalizava um sétimo do produto mundial.”

* —Nafundamentação teórica de seu artigo, Sylla (1982) sugere que a inovação monetária é uma resposta a
desafios definidos pelo contraste entre o crescimento da economia colonial, em função da demografia, tecnologia,
produção de bens e serviços, com a consequente demanda por dinheiro (meio de troca e reserva de valor) e o
caráter relativamente inelástico da oferta de metais preciosos. Esse contraste foi ressaltado de uma forma mais
geral por Marx, para quem a circulação metálica é uma barreira ao desenvolvimento do potencia! produtivo do
capitalismo (1884, p. 255).
Capitulo 3
Os Estados Unidos
como o casa clássico | 89

Com a independência, em 1776, boa parte do esforço de guerra foi financiada


pelo congresso através da emissão de títulos, as “Continental currency notes”.
Após o fim da guerra, os estados continuaram essa emissão (Sylla, 1999, p. 254).
Os excessos do período levaram ao abandono da moeda de papel e o retorno ao
padrão metálico, que persistiu até o século XX. O abandono da moeda de papel
está na origem da “revolução financeira federalista”, arquitetada por Alexander
Hamilton (Sylla, 1999).
A “revolução financeira federalista” envolve o processo de transformação (fund-
ing) das dívidas da guerra da independência em títulos federais de longo prazo (p.
257). Ao lado da criação de um banco nacional (p. 258), foram estabelecidos um
fundo governamental (que permitia ao governo federal usar recursos e até emprés-
timos para comprar a dívida pública, p. 258) e uma casa da moeda (p. 259). Sylla
destaca que essas iniciativas do governo, em especial a transformação da dívida em
títulos, em 1790, e as ações do The Bank of the United States terminaram por criar
um mercado de capitais: “(...) rapidamente mercados de títulos foram organizados
para negociar esses novos instrumentos nas principais cidades do país” (p. 259).
Geisst (2004), em uma história de Wall Street, narra como a organização pelo
governo da dívida pública deu origem aos mercados de capitais nos Estados Unidos:
“(..) o governo dos Estados Unidos tomou emprestado US$ 80 milhões em Nova
York através da emissão de títulos do governo federal. Necessidade se tornou mãe
da invenção e o mercado de capitais americano, embora modesto, nasceu” (p. 10).é
AÀ constituição proibiu os estados de emitirem moeda de papel, retirando uma
prerrogativa dos tempos coloniais, e também adotou o padrão metálico. Porém, os
estados poderiam autorizar o funcionamento de bancos estaduais. Estes poderiam
emitir notas bancárias que, segundo Sylla (1982, p. 26), atenderiam ao mesmo
propósito. Na periodização de Sylla, esse é o período do “padrão metálico e dos
bancos estaduais” (1781-1863), durante o qual “o desenvolvimento da economia
americana gerou uma demanda por dinheiro que cresceu ainda mais rápido do que
na era colonial, e os bancos atenderam a essa demanda” (p. 26). Em outro trabalho,
é muito positiva a apreciação de Sylla sobre o papel desempenhado pelo “sistema
bancário e mercado de capitais” legado pela “revolução financeira federalista”: “(...)
quando a indústria de transformação chegou na América, os bancos e os mercados

$ —“Michie(1986,p.172)relata a origem quase simuitânea das bolsas de Londres e Nova York, “da necessidade
de organizar o comércio de rua com os títulos governamentais”. A London Stock Exchange foi estabelecida em
1773 (com existência formal em 1801) e a New York Stock Exchange foi estabelecida informalmente em 1792
(existência formal a partir de 1817). O artigo de Michie é interessante por mostrar a origem comum das duas
bolsas, a partir do comércia de títulos governamentais, assim como o pequeno atraso relativo da criação da Bolsa
de Nova York em relação à de Londres
Capitulo 3
Os Estados Unidos
como o caso clássico | 91

solução inicial de problemas técnicos e a rápida transmissão e aplicação de técnicas


recém-aprendidas para outros usos” (1972, p. 98).
McPherson (1988, p. 26) sumariza as fontes de financiamento da “revolução
industrial americana”: governos locais e estaduais (que financiaram estradas, canais
€ educação), investidores estrangeiros, lucros retidos das empresas americanas. Os
bancos estaduais (“state-chartered banks”) eram uma fonte crescente de capital —
seu número triplicou e seus ativos quintuplicaram entre 1820 e 1840; entre 1849
e 1860, seu número e ativos dobraram. Finalmente, esse é o período de um vasto
investimento em ferrovias, tão importante no esquema de Chandler (1977).
Além de Sylla (1999, p. 261), Schumpeter (1939, p. 292-295) também tem
uma visão positiva sobre o papel desempenhado pelos bancos nesse período. Em
sua discussão sobre a onda longa de 1787 a 1842, Schumpeter discute o papel da
criação de crédito no caso dos Estados Unidos. Para ele, “nos Estados Unidos o
caso é claro: lucros — teoricamente uma fonte secundária e derivada — e a criação
ad hoc de meios de pagamento eram obviamente as principais fontes domésticas
dos “fundos' que financiaram as empresas industriais e outras empresas” (p. 292).
Adiante, Schumpeter menciona a “mentalidade inflacionista do período” (p. 284)
e sugere um papel para a “atividade bancária imprudente”:

O que está na raiz da “atividade bancária imprudente” (“reckless banking”) é


o financiamento da inovação pela criação de crédito — como vimos no decorrer
de nossa argumentação teórica, o único mérodo disponível na ausência de
resultados suficientes da evolução anterior. Essa abordagem, sem dúvida, lança
uma luz diferente sobre essa “atividade bancária imprudente”. Esses bancos
cumpriram suas funções, por vezes, desonesta e mesmo criminalmente, mas
cumpriram uma função que é distinta da desonestidade ou da criminalidade
(p. 294-295).

AÀ avaliação de Schumpeter é compatível com a de Chandler (1977, p. 29), que


considera que “os primeiros bancos comerciais se tornaram (...) mais provedores de
recursos de capital de longo e médio prazo do que fontes de empréstimos comerciais
de curto prazo”.
Desde 1792 existe a Bolsa de Nova York (Geisst, 2004, p. 13), Ou seja, já
durante aquele período, os Estados Unidos vêm contando com as instituições que
são pilares, até hoje, do sistema financeiro: bancos e bolsa de valores. É necessário
acompanhar as mudanças de papel entre essas instituições e identificar uma divisão
de trabalho interinstitucional.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

de títulos estavam presentes para financiá-la”" (p. 261), e a lista segue com canais,
ferrovias, colonização do Oeste, guerras, expansão territorial,

3º? Bancos e o domínio das ferrrovias


na bolsa de valores

Foi nesse período que Tocqueville realizou a sua viagem aos Estados Unidos, Ele
menciona que “toda a população está envolvida em atividades produtivas” (p. 156, v.
1D); mas o que de fato o impressionou “não foi tanto a grandeza maravilhosa de alguns
empreendimentos, mas a multidão incalculável dos pequenos”. Caracterização que
é útil para a investigação das condições monetário-financeiras que apoiaram essa
estrutura produtiva, também descrita por Chandler (1977).
A discussão desse período é importante por várias razões. Em primeiro lugar, é
o período em que ocorreu a multiplicação de contradições entre o Norte e o Sul,
em um quadro de forte predomínio econômico, industrial e inanceiro do Norte
(McPherson, 1988, p. 318). Tais contradições foram resolvidas com a vitória militar
do Norte, que abriu uma nova era na história monetária dos Estados Unidos (Sylla,
1999, p. 266-268; Guttmann, 1994, p. 69-71). Em segundo lugar, esse período legou
uma estrutura econômica e industrial que foi o ponto de partida para a grande trans-
formação da economia americana no início do século XX. A narrativa de Chandler
(1977), por exemplo, inicia-se com um conjunto amplo de empresas tradicionais,
pequenas e não integradas, servindo a mercados locais. Esse conjunto de empresas
foi capaz de gerar o sucesso dos Estados Unidos na Crystal Palace Exhibition, em
1851. Esse sucesso, por sua vez, estimulou a vinda de especialistas britânicos para
os Estados Unidos, visita que resultou nos relatórios sobre a indústria americana.
Para Rosenberg (1969, p. 1), as visitas simbolizam, “num sentido importante, a
emergência dos Estados Unidos como um poder econômico mundial” e o início de
uma “considerável reversão do fluxo de conhecimento técnico que por tanto tempo
flui do Velho Mundo para o Novo Mundo”. As realizações industriais e tecnoló-
gicas dessas empresas envolveram tecnologias de armas de fogo, navios a vapor,
colhedeiras agrícolas, indústria têxtil e uma indústria de máquinas-ferramentas. Na
argumentação de Rosenberg, essa indústria de máquinas foi crucial para o sucesso
tecnológico posterior do país, pois se relacionou ao processo de “convergência tec-
nológica”, na medida em que esse ramo industrial teria sido instrumental para “a
R
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

As fontes de financiamento eram diversas, já naquele período. Houve, em


primeiro lugar, o papel dos recursos próprios, como Hindle e Lubar (1986,
p. 155-156) sugerem, especialmente para pequenas firmas. Porém, há evidências
que envolvem o papel de empréstimos como fonte de capital para empresas no
período. Na conclusão do Report of the Commirtee on the Machinery of the
United States, há uma referência ao “capital tomado de empréstimo em grande
parte e investido em estabelecimentos especializados” (Rosenberg, 1969, p.
193). Bodenhorn (2000, p. 218) apresenta diversas evidências que permitem
questionar avaliações sobre o baixo envolvimento dos bancos na manufatura.
Para Bodenhorn, “evidências disponíveis do período anterior à Guerra Civil
sugerem que as firmas industriais não estiveram desprovidas de crédito bancá-
rio” (p. 24). Nessa fase, segundo Bodenhorn, existiam limites nas demandas
industriais de recursos: “(...) os bancos americanos não falharam em satisfazer
as demandas por crédito de longo prazo porque pouco crédito de longo prazo
foi demandado — pelo menos entre os mercadores e os industriais” (p. 95).
À origem de recursos para a construção das ferrovias foi diferente. À parte 2 do
livro de Chandler (1977), “The revolution in transportation and communication”,
é rica em referências a novos atores institucionais — bancos de investimentos e bolsa
de valores. Chandler identifica uma relação entre os dois processos, indicando que
“a centralização e institucionalização dos mercados de capitais durante a década de
1850” foram “tão essenciais para levantar as grandes somas de dinheiro requeridas
para a construção de ferrovais” (p. 147). Essa articulação, capturada pela descri-
ção histórica de Chandler, já havia sido mencionada por Marx, em O capital, ao
vincular, genericamente, o desenvolvimento das ferrovias às sociedades por ações
(Marx, 1867, 1. 2, p. 198).
Nas histórias de Wall Street, há uma era das ferrovias (Geisst, 2004; Myers,
1931). FHá, assim, uma associação direta entre ferrovias e uma nova fase no desen-
volvimento de Wall Street, associada inclusive à emergência de Nova York como
principal mercado de capitais do país (Carosso, 1987, p. 56).
Esse amadurecimento da Bolsa de Nova York foi importante para a fase seguinte
da história econômica dos Estados Unidos (Chandler, 1977, p. 331). Como uma
pequena mostra das metamorfoses da Bolsa de Nova York (aliás, bem em linha com
a discussão de Engels no apêndice ao terceiro volume de O capital), é ilustrativa a
comparação de três momentos de sua história: 1) em 1818, a bolsa listava 5 emissões
do governo federal, 1 emissão do estado de Nova York, 10 emissões de bancos, 13
companhãias de seguros e diversos negócios com divisas estrangeiras (Geisst, 2004,
p. D; 2) em 1867, 63 emissões de ferrovias e 15 de empresas industriais (Myers,
Caprtulo 3
Os Estados Unidos |
como o caso classico | 93

1931, p. 296); 3) em 1913, 147 emissões de ferrovias e 191 de empresas industriais


(Myers, 1931, p. 296).
AÀ organização das finanças públicas (Sylla, 1999) possibilitou, naquele período,
a participação dos governos estaduais e federal em algumas importantes iniciativas
para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Wright (1999, p. 14) descreve
a iniclativa em Nova York de investimentos públicos ou quase públicos em conhe-
cimento: o primeiro survey geológico, patrocinado por Van Rensselaer. Depois,
governos de 29 estados seguiram o exemplo. Para Wright, “o financiamento dos
levantamentos geológicos estaduais era a forma mais importante de ajuda direta
dos governos estaduais para a ciência no período anterior à Guerra Civil” (p. 14).
Outra iniciativa estadual era o School Fund, um programa sistemático de encora-
jamento de empresários manufatureiros que começou em 1805. Esse “School Fund
era uma fonte muito útil de capital de giro de longo prazo (“long-term working
capital”) para muitos manufatureiros quando tal capital estava bastante escasso”
(Wright, 1999, p. 62).
Outro importante apoio governamental foi dirigido para a indústria de armas
de fogo. Attack e Passell (1996, p. 201-202) ressaltam que o “sistema americano de
manufaturas” (baseado na técnica das partes intercambiáveis) foi adotado mais cedo
na indústria de armas porque nela “o governo federal estava disposto a subscrever
custos de desenvolvimento e garantir mercados para armas caras, manufaturadas
a partir de partes produzidas em condições muito rigorosas, quase condições de
laboratório”, Rosenberg (1969, p. 68) ressalta o papel dos arsenais governamentais
€ das aquisições de armas por contrato — cujas antecipações financeiras constituí-
ram uma importante fonte de capital para essas firmas. Attack e Passell (1996, p.
207) ressaltam que “esse importante papel federal no desenvolvimento do sistema
americano é apenas um exemplo do que o presidente Dwight D. Eisennhower
chamaria de “complexo industrial-militar” (p. 202).
Rosenberg enfatiza o papel estratégico da indústria de armas naquele período
para o desenvolvimento de máquinas e técnicas industriais mais precisas (1969, p.
66 e 69) e também para o desenvolvimento de máquinas de propósito geral (1972,
p. 103). Rosenberg ressalta a contribuição da indústria de armas para o desenvol-
vimento da técnica das partes intercambiáveis (1969, p. 67). A importância desses
avanços e da indústria de armas é captada por Marx, que faz referências a “revólveres
americanos” expostos nas vitrines das ruas de Londres, em uma passagem sobre uma
espécie de seleção das diversas especializações industriais das nações (1859, p. 69).
Essas observações sobre a indústria de armas, o apoio do governo federal e a sua
importância recnológica revelam raízes históricas de características estruturais do
sistema de inovação dos Estados Unidos. Em primeiro lugar, Arrighi et a/. (1999,
Captulo 3 |
Os Estados Unidos
como o caso clássico | 95

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Anos Fiscais

Figura 3.1 - Estados Unidos: gastos públicos (% PIB) (1792-2011)


Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do site <http:/www.usgovernmentspending.comf>,

do desenvolvimento do norte”. Lewontin (2002, p. 30), por sua vez, menciona


a criação da Academia Nacional de Ciências, por Lincoln, para fornecer “con-
selho rtecnológico” durante a Guerra Civil. Nesse evento, identifica-se outra
raiz histórica do peso das questões militares no sistema nacional de inovação.
As mudanças mais importantes na dimensão monetário-financeira foram nas
áreas bancária (com um sistema de bancos nacionais, emissores de notas bancárias
nacionais, em 1863) e monetária (com a criação das greenbacks, papel-moeda emitido
pelo Tesouro Nacional, em 1862, e a suspensão da convertibilidade em espécie que
permaneceu até 1879) (Sylla, 1999, p. 266). Na história de Wall Street, esse período
foi o da participação no esforço de guerra através da venda de “bônus de guerra”
do Tesouro (Geisst, 2004, p. 53-58).
Chandler (1977)* pode ser lido como uma narrativa da transição da economia
americana da era das pequenas empresas (característica da economia do país antes
da Guerra Civil) para a era das grandes empresas (sociedades anônimas), que se

* —Chandier, um historiador da empresa que tem importantes contribuições para a teoria da firma, pode ser
classificado como um autor evolucionista, seguindo uma deciaração que ele próprio apresenta (Chandler, 1992,
p. 85-86). Lidar com a elaboração de Chandier é manter o diálogo geral proposto neste livro.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

p. 93) explicitam o pioneirismo dos Estados Unidos na “industrialização da guerra”


(a “promoção da aplicação das tecnologias da indústria moderna à guerra”). Em
segundo lugar, está o peso dos gastos militares no sistema de inovação dos Estados
Unidos na atualidade (NSB, 2008, p. 4-25).
O resultado desse conjunto de construções institucionais determinou uma
distribuição de capacidades e recursos que antecipa o resultado da Guerra Civil;
em 1860, os estados do Norte produziam 97% das armas de fogo do país, 94% do
vestuário, 93% do ferro-gusa e mais de 90% dos calçados. A União tinha o dobro
da densidade das ferrovias da Confederação (McPherson, 1988, p. 318).

33 Sociedades anônimas e bolsas de valores

A Guerra Civil é um marco tanto na história monetária (Sylla, 1999, p. 266-268)


quanto na história industrial e tecnológica (McPherson, 1988, p. 325). Ela foi um
evento econômico de profunda repercussão, na medida em que os gastos federais
alcançaram 17% do PNB do período, segundo Atack e Passell (1996, p. 652) três
veêzes a participação anterior à eclosão do conflito. Eles quantificam essa participação,
representada graficamente na Figura 3.1.” Esta permite também a visualização de
outros dois picos na participação dos gastos federais, que coincidem com as duas
guerras mundiais do século XX e com a reação à crise de 1929.
O significado político da Guerra Civil não pode ser subestimado. McPherson
(1988, p. 450) sumariza as decisões da legislatura de 1861-1862 como um conjun-
to de medidas de promoção governamental do desenvolvimento socioeconômico
(Hamiltonian-Whig-Republican); “Uma revolução nos sistemas monetário e tri-
butário, diversos passos para a abolição da escravidão, leis para a cessão de terras
públicas para a educação superior e para a construção de ferrovias transcontinentais.”
Barrington Moore (1967, p. 152-157) compara os resultados da Guerra Civil com
o impacto da Guerra Civil Inglesa e da Revolução Francesa. Bensel (1990, p. 418)
considera que “a real aceleração do crescimento econômico no norte, entretanto, veio
após a guerra que transformou o Estado americano em um agente de coordenação

? —AFigura31 atualiza os dados apresentados por Atack e Passell (1996), O formato gera! do gráfico é o mesmo,
com destaque para os três picos representados pelas Guerra Civil (1861-1865), Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
e Segunda Guerra Mundia! (1939-1945).
9%
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

completou na década de 1920. Rosenberg e Birdzell (1986, p. 220) mencionam


a transição entre 1890 e 1913, destacando o papel das sociedades anônimas e das
bolsas de valores.
O legado do período anterior é o ponto de partida de Chandler. Por um lado,
em termos industriais e tecnológicos, havia uma enorme população de pequenas
empresas e uma “comunidade tecnológica nacional”, formada por um conjunto
de produtores de máquinas e máquinas ferramentas. Por outro lado, em termos
políticos, o salto relativo à construção do Estado Nacional foi crucial, dado o papel
estratégico da complementação da infraestrutura das ferrovias em sua narrativa:
as ferrovias transcontinentais dependiam da solução de impasses políticos que
bloqueavam a sua construção (McPherson, 1988, p. 193-194).
Uma leitura de Chandler destaca as diversas articulações entre a dimensão
industrial e a inanceira. Na parte 2 do seu livro, relativo às ferrovias, os capítulos
4 e 5 referem-se ao período de 1870 a 1900. No tópico “System-building in the
1880s”, os personagens são financistas, como Jay Gould, Vanderbilt, J. P. Morgan,
que também são personagens do capítulo 2 de uma história de Wall Street (Geisst,
2004, p. 35-63).
Carosso, um estudioso dos bancos de investimentos, narra esse período do ponto
de vista de seu objeto:

Ferrovias dominaram o financiamento a empresas nos anos entre 1870 e


1890. Elas eram as grandes empresas da geração pós-Guerra Civil (.) AÀ
construção de novas linhas, o aperfeiçoamento das existentes e a consolidação
de pequenos trechos em sistemas maiores requeriam grandes quantidades de
capital. Durante esses anos o total combinado das emissões de títulos e ações
de ferrovias cresceu quatro vezes, de US$ 2,5 bilhões em 1870 para 10 bilhões
em 1890 (..) Nenhum outro ramo de negócios se apoiava tão fortemente nas
casas bancárias internacionais (Carosso, 1987, p. 219).

Para Carosso, “a reorganização ferroviária ampliou a influência dos banqueiros


sobre o sistema de transporte do país” (p. 388).
Por sua vez, Myers (1931, p. 314) sugere que os tempos de domínio das ferrovias
nas bolsas forçaram-nas a se aperfeiçoarem tecnicamente. Ou seja, no caso ameri-
cano, ferrovias estão articuladas com diversas instituições financeiras, bancos de
investimento e bolsas de valores.
Para Chandler, o efeito da “revolução nos transportes e nas comunicações”,
que se completa no final do século XIX, foi enorme sobre as empresas industriais:
Capitulo 3 j
Os Estados Unidos g
como o caso classica ! 97

oportunidades para a exploração de economias de escala e escopo abriram-se após


a unificação do mercado nacional dos Estados Unidos. As partes 3, 4 e 5 de seu
livro descrevem a emergência da empresa multidivisional, processo cujos pioneiros
foram a DuPont e a General Motors.
Novamente, as articulações entre o processo de formação dessas grandes empresas
(first movers que transformam estruturas de mercado — Chandler, 1992) e instituições
financeiras são sistemárticas na sua narrativa. Há um artigo importante, citado por
Chandler, que descreve, minuciosamente, a transição da Bolsa de Nova York para
os títulos de empresas industriais, no período entre 1887 e 1902, subdividindo esse
processo em quatro fases distintas (Navin; Sears, 1955).
A parte 4 do livro de Chandler — “The integration of mass production with
mass distribution” — no capítulo 10 apresenta a trajetória de “integração através
de fusões”. Na onda de fusões dos anos de 1880, Chandler aponta como o seu
financiamento foi afetado por essa “rota de crescimento”. Essas fusões envolveram
processos de racionalização e concentração que, por sua vez, implicaram processos
de reconstrução e reorganização de instalações produtivas, que demandaram muitos
recursos financeiros. Dados os limites do fluxo de caixa das empresas envolvidas
(com exceções como a Standard Oil), “essas fusões iniciais foram as primeiras
empresas americanas não envolvidas em transporte, comunicação ou finanças a
buscarem fundos nos mercados de capitais” (1977, p. 330). Trustes como American
Cotton Oil, American Sugar, National Lead e National Cordage emitiram ações
(preferenciais e ordinárias), utilizando-se dos serviços dos bancos de investimentos
líderes nos financiamentos ferroviários, como Winslow, Lanier; Kidder, Peaboy;
August Belmont; e Poor and Greenough (Chandler, 1977, p. 330). Ou seja, o
novo tipo de empresa que busca o mercado de capitais utiliza-se das instituições
bancárias que amadureceram na fase anterior — o que confirma a sugestão sobre o
papel da “era das ferrovias” no processo de formação do mercado de capitais nos
Estados Unidos. Carosso (1987) mostra a trajetória dos Morgans, que lidaram
com o financiamento de ferrovias e, posteriormente, com finanças de empresas
industriais. À estrutura de seu livro descreve essa trajetória: capítulo 7 (“Railroad
and other corporate financings, 1870-1890”), capítulo 10 (“Railroad reorganizer
and industrial consolidator”) e capítulo 13 (“Preeminence in corporate finance”).
A segunda fase das fusões, de acordo com a narrativa de Chandler, realizou-se
entre 1890 e 1903. As razões para as fusões mudaram (substituição de associações
de pequenas empresas), o seu número cresceu e houve um elemento causal — “o
mercado de títulos industriais em crescimento”. Chandler, nessa passagem, descre-
ve como os industriais, até o final da década de 1880, não necessitavam negociar
grandes blocos de ações, pois podiam “levantar os fundos necessários em bancos
Capitulo 3 |
Os Estados Unidos |
como o caso clássico [ 99

No processo de formação da General Motors, William Durant adquiriu diversas


empresas produtoras e distribuidoras de carros, caminhões, partes e acessórios
(Chandler, 1977, p. 459). Segundo O'Sullivan (2007, p. 177), essas aquisições
foram, em sua maioria, pagas com ações. No processo, a General Motors foi for-
çada a negociar com um sindicato de três bancos, que terminaram assumindo o
controle da empresa por cinco anos (p. 177-178). No momento seguinte, ainda
segundo O'Sullivan, Pierre du Pont e outros assumiram o controle da companhia.
Segundo Chandler, os dois maiores investidores na General Motors eram a Du
Pont e a J. P. Morgan and Company.
Finalmente, Chandler (1977, p. 426) menciona o caso da General Electric,
“rransformada em sociedade anônima em novembro de 1892”, como resultado da
fusão de duas das três maiores produtoras de equipamentos elétricos (p. 427). Essa
fusão foi planejada por Henri Villard, um eminente financista das ferrovias (p.
427). Chandler ressalta que os financiadores externos foram importantes porque
“os produtores do ramo elétrico foram os primeiros industriais americanos não
intimamente conectados com as ferrovias que julgaram necessário ir aos mercados
de capitais atrás de fundos para construir as suas primeiras empresas” (p. 426).
Esses episódios sinalizam o papel crescente da bolsa de valores no processo
de acumulação de capital. Um processo de “causa e efeito”, na medida em que o
desenvolvimento das sociedades anônimas pressupõe e impulsiona transforma-
ções na própria bolsa de valores. Myers (1931, p. 296), que descreve esse mesmo
processo do ponto de vista de Wall Street, explica essas mudanças:

(...) a maior parte da ampliação no volume das transações deveu-se aos títulos
industriais. O número de emissões industriais listadas pela bolsa cresceu de
15 para 191 entre 1867 e 1913, enquanto as relativas às ferrovias cresceram
apenas de 63 para 147. À sociedade anônima como forma de organização de
empresas, que havia realizado pequenos avanços durante os três primeiros
quartos do século, acelerou-se no último quarto do século.

A combinação dessas duas narrativas (Chandler e Myers) ilustra historicamente


a observação teórica de Minsky sobre a articulação entre as duas dimensões: “Um
mercado de ações e de títulos é um complemento necessário da sociedade anô-
nima como forma de organização de negócios” (1986, p. 352). Ou, como afirma
Henwood, “os mercados de ações amadureceram no final do século XIX e no
98
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta é Albuquerque

comerciais locais” (p. 331). Entretanto, como no início dos anos de 1890 as ferrovias
começavam a se esgotar como oporrunidade de investimentos, o interesse de Wall
Street se moveu para novas áreas. Segundo Chandler, “industriais logo percebe-
ram que poderiam usar o mercado que crescia como fonte de fundos para capiral
de giro e para investimentos” (p. 332). Nesse processo, continua Chandler, “tanto
industriais como financistas aprenderam rapidamente como lucrar com o processo
de consolidação legal” (p. 332). O Sherman Act e decisões judiciais aceleraram os
processos de fusão, e “investidores, banqueiros de investimento, corretores e pro-
motores de todos os tipos continuavam a buscar novas oportunidades para obter
ou promover novas emissões de títulos. As fusões industriais pareciam ser as mais
promissoras” (p. 333).
Chandler comenta que os empresários do setor industrial conseguiam obter
recursos em bancos locais. Numa passagem anterior, relativa a “produtores especia-
lizados de máquinas”, esclarece-se que eles foram capazes de financiar seus processos
de integração através de seus fluxos de caixa, “suplementados por empréstimos de
curto prazo de bancos comerciais locais”, que conjuntamente “proviam fundos para
capital fixo e de giro” (p. 311). Ou seja, os bancos comerciais locais desempenharam
um papel importante como fonte de fundos — confirmando as descrições de Sylla
€ Bodenhorn apresentadas na seção anterior. A história do final do século XIX foi
a de ampliação de alternativas do financiamento pela oferta de títulos negociáveis
em bolsa.
À narrativa de Chandler é comparível com os dados apresentados por O'Sullivan
(2007, p. 166), que identifica que, nas décadas de 1880 e 1890, “diversos desen-
volvimentos prepararam as bases para a emergência de um mercado considerável
para títulos industriais”, O'Sullivan explicita que esses desenvolvimentos são os
movimentos de trustificação e posterior transformação dos trustes em sociedades
anônimas (corporations).
Esses desenvolvimentos foram acompanhados por Engels, em nota adicionada
ao capítulo 27 do terceiro volume de O capital. Após o comentário sobre a “terceira
potência da sociedade por ações” (1894, t. 1, p. 332), Engels menciona explicitamente
os Estados Unidos, ao tratar de uma nova fase no crescimento da empresa industrial,
em que “chegou-se, em ramos isolados, em que o nível de produção o permitia, a
concentrar a produção toda desse ramo de negócios numa grande sociedade por
ações com direção unitária. Na América isso já se realizou várias vezes” (p. 333).
Na narrativa de Chandler, a General Motors (ao lado da DuPont) tem um
papel de liderança na revolução gerencial que estabelece a empresa multidivisio-
nal, pioneira do processo de amadurecimento da “empresa industrial moderna”.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

início do século XX, simultaneamente, com a emergência da moderna sociedade


anônima” (Henwood, 1998, p. 14).º

34 — New Deale Segunda Guerra Mundial:


o Estado como um ator-chave

O amadurecimento da “empresa multidivisional”, na década de 1920, foi uma


grande mudança na estrutura financeira, na medida em que essas empresas tinham
um rico fluxo de caixa e uma capacidade de geração e retenção de lucros que as
capacitaram a financiar internamente movimentos de expansão. Para Chandler
(1992), os lucros reinvestidos foram um dos mecanismos mais importantes para a
expansão dessas empresas em direção a novos mercados (em termos de produtos e
de geografia).
Essa expansão das empresas teve repercussões sobre o sistema financeiro.
Gurtmann (1994, p. 40), em uma passagem na qual ressalta como a “dualidade
da interdependência e separação domina a relação entre produção e economia de
portfolio”, ressalta que

a emergência de bancos gigantes é paralela a das grandes sociedades anôni-


mas. Ambas precisam da outra e se reforçam mutuamente, À ampliação do
tamanho por si só transforma as firmas industriais em mais dependentes
(e capazes de utilizar) de fundos externos para financiar as suas atividades
produtivas (p. 40).

Essa afirmação contextualiza a descrição de Chandler sobre empresas capazes de


financiar seu crescimento através de lucros retidos, pois essa forma de crescimento
requer a existência de sociedades anônimas e novas funções para bancos. Como
Chesnais (2004, p. 18) ilustra, na década de 1950, houve mudanças importantes

? —“Inicia-se nesse período uma longa acumulação de ações que alcançará a marca de 152% do PNB dos
Estados Unidos no fina! do século XX. Essa longa acumulação de títulos negociáveis traz novas possibilidades de
financiamento, mas também um novo conjunto de problemas para admimstração da dinâmica econômica Segundo
Hannah (2007, p. 4-8), em 1900, os títuios das companhias listadas na Bolsa de Nova York representavam 15%
do PNB dos Estados Unidos. Rajan e Zingales (2003, p 15) apresentam a evolução da capitalização de mercado
nos Estados Unidos, que alcança 39% do PNB em 1913, salta para 75% em 1929, retorna para 33% em 1950, 66%
em 1970 e 152% em 1999, Embora plena de altos e baixos, a trajetória é de crescente disponitilidade de ações no
mercado de capitais,
Capítuio 3
Os Estados Unidos
como o caso classico | 10]

no sistema financeiro decorrentes da expansão industrial, como a mensalização


dos salários e a obrigação de trabalhadores abrirem contas bancárias, além de um
enorme crescimento das atividades de seguro (tanto para realizar seguro de empre-
sas grandes e capital-intensivas, o que significa equipamentos caros e complexos,
quanto pela popularização de seguros de vida).
O amadurecimento dessas grandes sociedades anônimas consolidou o mercado
de capitais e transformou a bolsa de valores pelo surgimento de um mercado secun-
dário de títulos, cada vez mais forte, com todas as suas consequências contraditórias.
Hilferding (1910) já destacava que a especulação com ações no mercado secundário
é um elemento estrutural do processo de “mobilização de capitais” através das
bolsas de valores, enquanto Keynes (1930) descrevia um novo momento no qual
os mercados secundários ganhavam espaço em relação aos primários.
Esse desenvolvimento sistemático levou ao quadro que Grossmann (1929, p.
86-87) identifica nos Estados Unidos, em 1928 — a superacumulação de capital:
“Um excesso de capital, de uma insuficiência de possibilidades de investimento.”
Tal superacumulação, avalia Grossmann, “é a origem da febre de especulação em
terrenos e valores na bolsa”.
Preobrajensky (1931) discute a crise de 1929 e o cenário mundial, com ênfase nos
acontecimentos dos Estados Unidos. É um texto de um período anterior à eleição
de Roosevelt (em 1932). Portanto, fornece uma avaliação de conjuntura rica em
termos dos dilemas e dos problemas enfrentados pela economia dos Estados Unidos.
A discussão de Preobrajensky capta a singularidade do momento, uma época de
“quebra de regularidades estabelecidas” (p. 160), quando “a situação nunca foi tão
complexa, tão confusa, tão difícil a apresentação de prognósticos” (p. 160). O foco
de Preobrajensky é a emergência do capitalismo monopolista, e um tema de sua
pesquisa é a mudança nos mecanismos do sistema para a superação das crises, em
comparação com a fase anterior de um capitalismo de livre concorrência. Uma
diferença básica, segundo Preobrajensky, foi a dinâmica e o momento da renovação
de capital fixo: “(..) na época da livre concorrência o sistema na maioria das vezes
encontrava saídas para as crises através da renovação do capital fixo pela indús-
tria leve” (p. 160). Mas, no capitalismo monopolista (e nos Estados Unidos), essa
reconversão do capital fixo já havia ocorrido no final da expansão. Como resultado
dessa mudança estrutural, “na fase dos monopólios perde-se o mecanismo para a
superação das crises que existiu na fase da livre concorrência” (p. 161). À inexis-
tência desses mecanismos foi um problema novo que colocaria em teste, durante o
ano de 1932, os mecanismos de recuperação “adicionais aos mecanismos clássicos
da livre competição”. Esse quadro apresentado por Preobrajensky é uma excelente
Capitulo 3
Os Estados Unidos
como a caso clássico 103

Mundial: estabilização e expansão. À emergência do big government foi um dos


produtos desses dois períodos (p. 650).
O impacto da Segunda Guerra Mundial na expansão econômica e na reestru-
turação da economia dos Estados Unidos pode ser avaliado através da dimensão
industrial do esforço de guerra. Kennedy (1999, p. 618-619) apresenta a estratégia
dos Estados Unidos para essa guerra como uma “guerra de máquinas”, que envolvia
uma preparação para o envolvimento do país no campo de bartalha baseada em
uma “superioridade esmagadora e irresistível em equipamentos” (p. 617). Kennedy
explica:

(...) essa estratégia de superioridade material irresistível abriu uma trajetória


que apontava, para além da vitória militar, também para outras realizações:
o fim da Grande Depressão, a revitalização da economia americana e, após
o final da guerra, o posicionamento dos Estados Unidos para o exercício de
um poder sem precedentes na economia internacional (p. 618).

Para organizar tal superioridade, um esforço planejado de produção industrial


foi implementado. Tal esforço foi descrito como uma “saga da produção industrial
em massa” (Kennedy, 1999, p. 651) e como um “milagre da produção” (p. 653).
Dadas as condições econômicas legadas pela Depressão, foi notável a rapidez da
conversão da economia para a produção militar (p. 617). A descrição de Kennedy
sobre o montante de recursos ociosos na economia americana poderia ser retirada do
quadro apresentado por Preobrajensky (1931, p. 7). O esforço de guerra foi apoiado
em compras governamentais dirigidas a grandes empresas: dois terços dos contratos
militares foram para cem empresas, um décimo da produção militar dos Estados
Unidos foi comprada da Ford, U.S. Steel, General Electric e Du Pont (Kennedy,
1999, p. 621).º A rapidez dessa conversão é apresentada por Kennedy, que destaca
como um país praticamente desarmado no início da guerra (p. 432) conseguiu
produzir e estocar um arsenal três vezes superior ao dos inimigos no confronto (p.
668). Os números impressionam: 5.777 navios mercantes, 299.293 aviões, 634.569
jeeps, 88.410 tanques, 2.383.311 caminhões, 6,5 milhões de rifles, 40 bilhões de
balas (Kennedy, 1999, p. 655).
No campo científico, a guerra também preparou transformações estruturais
importantes, através da ação do Office of Scientific Research and Development
(OSRD), criado em 1941. Sob a coordenação do governo, pesquisas sobre arma-
mentos foram deslocadas dos arsenais militares para as grandes empresas e para as

* Mills(1956,p. 100-101) menciona números similares.


102
AGENDA ROSDOLSKY
| Eduardo da Motta e Albuquerque

introdução para a compreensão da necessidade de mudanças instirucionais nos


Estados Unidos. Com a eleição de Roosevelt em 1932 cria-se a base política para
as reformas do New Deal. As mudanças introduzidas pelo New Deal e o esforço
de guerra geraram novas bases econômicas para o que Preobrajensky avalia como
fundamental para a superação da crise — “grandes encomendas de capital fixo”. À
discussão do texto de Preobrajensky contribui para interpretar as mudanças trazidas
pelo New Deal e pela Segunda Guerra Mundial — ampliação da ação do Estado,
novo mecanismo para superação de crises, em substituição aos disponíveis na era
do capitalismo da “livre concorrência”.
A crise de 1929, que pode ser vista como uma crise de um sistema sob mudança
estrutural acelerada, foi uma manifestação dessa nova dinâmica, que determinou,
na interpretação de Feilbroner e Singer (1999, p. 284), “uma reestruturação social
para permitir que a expansão de capital mais uma vez tenha lugar”.
Entre as reformas do New Deal, segundo Guttmann (1994, p. 84), estava o
abandono do padrão ouro na esfera nacional (em março de 1933), com a adoção
de um novo “regime monetário” (“administração estaral do dinheiro de crédito”,
p. 89), caracterizado pelo “dinheiro elástico” (elastic money), forma monetária não
mais submetida à “barreira metálica” (p. 87).
O New Deal reorganizou a economia depois das décadas de crescimento e de
mudança estrutural, organizando o sistema financeiro e a sua divisão interna de
trabalho, constituindo a estrutura que envolve bancos — comerciais e de investimento
—, mercado de títulos, sociedades anônimas e o Estado, descrita por Zysman (1983,
p. 281). O desenvolvimento das instituições do welfare system dos Estados Unidos,
naquele período, também teve outras repercussões: por um lado, foi iniciado um
processo que estabeleceu, no final do século, um papel crucial para os fundos
de pensão; por outro, investimentos em saúde estabeleceram uma dinâmica que
impactou as prioridades do sistema de inovação dos Estados Unidos.
O New Deal e as mudanças econômicas determinadas pela participação dos
Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial estabeleceram um novo quadro.
As reformas do New Deal estabeleceram mudanças permanentes no que diz
respeito ao papel do governo federal, ampliando a sua participação tanto nas
finanças públicas quanto na economia em geral (Bordo et a/., 1998, p. 19). O
salto na participação do governo federal durante a Segunda Guerra Mundial (ver
Figura. 3.1, Seção 3.3), quando os gastos governamentais ultrapassaram 45%
do PNB - o dobro da participação relativa no pico anterior, durante a Primeira
Guerra Mundial —, foi preparado pelas reformas do New Deal. Kennedy (1999,
p. 623) ressalta a diferença e continuidade entre o New Deal e a Segunda Guerra
104
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

universidades (Kennedy, 1999, p. 661). Para Kennedy, “a« OSRD estabeleceu uma
relação duradoura entre a pesquisa científica financiada pelo governo e a educação
superior nos Estados Unidos, relação que foi institucionalizada após a guerra com a
criação da National Science Foundation em 1950” (p. 661). O Projeto Manhattan,
que consumiu US$ 2 bilhões e empregou 150.000 pessoas (p. 664-665), possivel-
mente um ápice da “aplicação da ciência à guerra”, foi um marco desse envolvimento
e contribuiu fortemente para moldar a natureza do sistema de inovação dos Estados
Unidos no pós-guerra, consolidando e legitimando o expressivo envolvimento
militar nesse sistema.
Essas transformações foram essenciais para definir a estrutura do sistema de
inovação dos Estados Unidos, descrita por Mowery e Rosenberg (1989). A Segunda
Guerra Mundial foi um divisor de águas na estruturação do sistema de inovação
dos Estados Unidos. À amplitude do investimento federal em pesquisa e desen-
volvimento — uma característica distintiva do sistema de inovação dos Estados
Unidos no período — esteve bastante à frente das outras nações desenvolvidas nas
décadas de 1950 e 1960 (Nelson; Wrighr, 1992). O New Deal começou a criar os
instrumentos para esse pesado comprometimento de recursos federais, enquanto
a Segunda Guerra Mundial gerou diversas inovações tecnológicas decorrentes de
investimentos do esforço de guerra (desde a produção industrial de antibióticos
até a produção em massa de aviões). Além disso, legitimou junto à opinião pública
do país os gastos federais em ciência e tecnologia. O sistema de inovação moldado
durante esse período e as características estruturais que o definiram, em especial o
peso dos gastos com objetivos militares, foram fundamentais para a preservação do
poderio militar dos Estados Unidos, essencial para a consolidação da hegemonia
do país na economia mundial (Arrighi er ad., 1999, p. 93).
O contexto da Guerra Fria preservará essas características estruturais do siste-
ma de inovação dos Estados Unidos (Kennedy, 1999, p. 854). Um exemplo dessa
persistência será a política de rearmamento militar do governo Reagan (Guremann,
1994, p. 168-169).
Minsky (1982, p. xili) destaca o ponto de partida do pós-guerra:

O New Deal e a Segunda Guerra Mundial foram anos de criação de recursos


em grande escala. O pós-guerra começou com um legado de ativos de capitais,
uma força de trabalho treinada e instituições de pesquisa estabelecidas. Além
Capitulo 3)
Os Estados Unidos
como o caso clássico 1 105

disso, as famílias, as empresas e as instituições financeiras estavam mais ricas


e com mais liquidez do que antes."

À natureza do início do período do pós-guerra ilustra o fenômeno apontado


por Preobrajensky em relação à Alemanha no período posterior à Primeira Guerra
Mundial (1926, p. 174-175): mudanças implementadas durante a guerra (intervenção
do Estado, avanços em termos das trendências monopolistas) não recuaram para o
ponto do início da guerra.
A observação de Minsky (1982) retoma a discussão sobre um elemento singular
da natureza do capitalismo: o seu caráter bélico. No caso clássico de desenvolvi-
mento capitalista, há uma relação importante entre a questão militar e saltos na
construção do Estado Nacional. Minsky comenta o último salto nessa construção,
derivado da Segunda Guerra Mundial. Como momentos-chave da construção
do Estado nacional nos Estados Unidos, além da Segunda Guerra Mundial, há a
Guerra da Independência, a Guerra Civil e a Primeira Guerra Mundial. Atack e
Passell (1996, p. 652) apresentam esses saltos de um ponto de vista quantitativo
(ver Figura 3.1, Seção 3.3).
Após as duas décadas que se seguiram à crise de 1929, os Estados Unidos passa-
ram por transformações institucionais profundas, que resultaram em uma função
muito mais ampla do Estado no processo econômico e social do país, a ponto de
Arrighi (1994, p. 247) descrever a era da hegemonia dos Estados Unidos por meio
do título “A dialética entre mercado e planejamento”. Nelson (2009) descreve a
ampliação do setor público e de seus recursos financeiros a ponto de caracterizá-la
como uma economia mista, Excedentes da economia industrial inanciam o Estado
para organizar a “aplicação da ciência à produção”. A persistência do papel do finan-
ciamento público para a capacidade tecnológica dos Estados Unidos é ilustrada pela
revolução das tecnologias da informação e da comunicação, conforme a descrição
de Fabrizio e Mowery (2007). A diversidade da ação dos recursos públicos pode
ser também analisada por meio das demandas do governo federal apresentadas às
empresas multidivisionais (Chandler, 1977, p. 479).
O'Connor (1973) apresenta uma fotografia do Estado no pós-guerra, com
suas novas funções — despesas de caráter social, investimento e consumo, despe-
sas sociais de produção. FHá uma meticulosa apresentação do “Estado Militarista

* Brenner(2006, p. 52) discute como o rearmamento, a preparação para a guerra e a própria guerra contribuíram
para uma das taxas de lucro mais elevadas do século XX. Além disso, “o aumento da rentabilidade durante a guerra
foi marcante, porque criou a base fundamental para um boom forte e prolongado, que durou toda a guerra e que
quase não foi interrompido pela conversão, surpreendentemente suave e rápida, para a economia civil do pós-guerra”,
Capritulo 3
Os Estados Umidos
como o caso clássico | 107

pensão e os gerentes financeiros devem repensar como devem buscar os interesses


de longo prazo dos beneficiários dos planos.” Drucker (1976) e Blackburn (2002)
avaliam o significado desses fundos de pensão. Questões não triviais aparecem aqui
— é possível propor uma pequena tipologia de posturas quanto à natureza dos fundos
de pensão, que oscila entre uma maior integração dos trabalhadores aos mercados
financeiros e a potencialidade de novas formas de controle social da produção.
Em um desenvolvimento também relacionado com as instituições do sistema de
bem-estar social, as companhias de seguro oferecem produtos relacionados: seguros
de vida e seguro saúde — isenções fiscais para seguros de saúde privados alcançam
cerca de 0,75% do PNB (The Economist, “Social Insurance Survey”, p. 15, 24 our.
1998). Segundo Mishkin e Eakins (2009, p. 570), em 2005, 75% dos ativos das
companhias de seguros eram títulos, e as ações representavam apenas 3% desse
total. Segundo a OECD, as companhias de seguro detinham ativos financeiros
equivalentes a 45,8% do PNB dos Estados Unidos (OECD, 2008, p. 72-73).
Esses novos atores (em especial, os fundos de pensão), aliados à moldagem do
sistema de inovação do pós-guerra, com um forte papel das instituições de pesqui-
sas apoiadas por recursos públicos, contribuem para outra inovação institucional:
o venture capital, inovação financeira com impactos diretos e importantes sobre a
dinâmica tecnológica (ver NSB, 2008, p. 6-49/6-52). Segundo Gompers e Lerner
(1999, p. 6), a primeira firma moderna de venture capital, a American Research and
Development, foi fundada em 1946. Uma mudança legal de 1979 permitiu investi-
mentos de fundos de pensão em venture capital (p. 7). Essa inovação institucional é
consequência de todo esse desenvolvimento prévio (expressiva capitalização de mer-
cado de empresas, forte base científica, acumulação de riqueza monetário-financeira
para criar um conjunto mínimo de investidores capazes de entrar ou criar esse novo
ramo do mercado de capirais, fortalecimento de investidores institucionais),
O desenvolvimento institucional do venture capital permitiu o aproveitamento de
novas oportunidades para investimentos, realização de grandes lucros e renovação
da base tecnológica da economia dos Estados Unidos. É uma instituição financeira
que possui profundos laços com o investimento produtivo-inovativo, representando
um novo tipo de entrelaçamento entre a dimensão monetária e a industrial.!?
Além dos recursos específicos do setor, há o corporate venture capital: as grandes
empresas, com a sua massa de recursos financeiros e lucros retidos, têm criado
departamentos para investir em novas empresas em áreas relacionadas à sua base

* Brenner(2002,p.290) trata do papel e de algumas mistificações em torno das contribuíções do venture capital
no período recente. A revista The Economist ("Time to rebalance -- a special report on America's economy”) apresenta
dados relativos à forte sensibilidade dos investimentos de venture capital às oscilações conjunturais (3 abr. 2010,
p. 11) — em 2009 apenas a metade da média dos quatro anos anteriores.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Previdenciário” (warfare-welfare state). À descrição de O'Connor (1973), um


dertalhamento do big government da análise de Minsky, auxilia na avaliação das
mudanças no Estado como necessárias para as metamorfoses existentes na dinãà-
mica capitalista. Em relação à Figura 3.1, a descrição de O'Connor refere-se a um
Estado que manipula recursos que correspondem a 30% do PNB do país (p. 103).
Dentre as reformas do New Deal, o desenvolvimento do sistema de aposentadorias
foi uma mudança importante. Para Esping-Andersen, “a Segunda Guerra Mundial
foi um divisor de águas para o desenvolvimento das aposentadorias” (1990, p. 100).
Na discussão de sua taxonomia de sistemas de bem-estar social, Esping-A ndersen
avalia o modelo dos Estados Unidos (o mais fortemente baseado em instituições
privadas) e as complexas inter-relações entre o Estado e o mercado na construção
dos regimes de aposentadoria. Nessa discussão, é demonstrada a ampla atuação de
Estados e governos para a expansão dos mercados (p. 94), seja através do estabele-
cimento de agenda, através da construção de planos para empregados públicos (p.
95), ou através de incentivos fiscais para induzir “empreendimentos privados no setor
de proteção social”, o que impulsionou também o desenvolvimento de companhias
de seguros (p. 95). Segundo Esping-Andersen, “através de gastos públicos, os gover-
nos contribuíram de forma expressiva para financiar o mercado de aposentadorias
privadas” (p. 101). Ainda de acordo com ele, no caso dos Estados Unidos, isenções
fiscais relacionadas a pensões privadas alcançam cerca de 1% do PNB do país (p.
102). Os fundos de pensão, que detinham, em 2006, ativos financeiros equivalen-
tes a 73,97% do PNB dos Estados Unidos (OECD, 2008, p. 72-73), por sua vez,
dependem do desenvolvimento prévio de outras instituições financeiras, pois como
Mishkin e Eakins (2009, p. 580) mostram, os fundos de pensão privados, no final
de 2006, detinham 75,33% dos seus ativos em ações.
Há aqui uma mudança estrutural importante, em termos de propriedade de capi-
tal, ressaltada na introdução de um estudo sobre fundos de pensão e seu potencial
transformador. Segundo Hebb (2001, p. 2), “fundos de pensão detêm hoje 45% de
todas as ações nos Estados Unidos, mas essa estrutura de propriedade tem tido um
impacto muito pequeno sobre as operações dos mercados de capitais”. Uma fonte de
tensão pode então ser destacada: “(...) essa mudança fundamental na propriedade
de capital não resultou em uma mudança correspondente no controle do capital.”
Há aqui, portanto, uma questão decisiva: fundos de pensão nos Estados Unidos
representam uma mudança em termos de propriedade de capital. O reaparecimento
da dicotomia propriedade versus controle, em um novo nível, é uma indicação
preliminar de que, mesmo no mais privatista dos sistemas de bem-estar social, o
desenvolvimento de longo prazo gera um “germe visível”, Hebb (2001, p. 3) sugere
uma nova questão, a partir dessa nova dicotomia: “Os responsáveis pelos fundos de
108
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

tecnológica. Segundo Gompers et al. (2001, p. 146 e 148), esses departamentos


articulam aquisições, P&D e inovação.
Dada a sofisticação dos mercados de capitais e a dimensão dos investimentos
públicos, há ainda uma divisão de trabalho entre o venture capital público e privado
(Etzkowitz; Gulbrandsen; Levitrt, 2001).
Com o venture capital, completa-se a formação das instituições básicas de finan-
ciamento da atividade inovativa nos Estados Unidos, descritas no livro editado por
Lamoreaux e Sokoloff (2007).3

** —Os Estados Unidos como país hegemônico

Essas construções institucionais tecnológicas e financeiras internas dos Estados


Unidos associam-se à posição internacional do país. Os Estados Unidos ascende-
ram à posição hegemônica no período entre as duas guerras mundiais. Em 1920,
segundo Arrighi et a/, (1999, p. 94), embora os Estados Unidos detivessem 40%
da produção mundial, ainda possuíam um sistema financeiro internacionalmente
débil. Eles mencionam tanto o New Deal interno quanto um New Deal global do
pós-guerra como precondições para a centralidade do sistema financeiro dos Estados
Unidos no cenário mundial (p. 95-96). Essa transição envolveu desenvolvimentos
internos ao país candidato a emissor do dinheiro mundial, que exigia a existência
de um sofisticado mercado financeiro para apoiar a posição de uma moeda nacional
como dinheiro mundial (Galati; Wooldridge, 2006, p. 2-3). Eichengreen (2005, p.
8), na mesma linha, argumenta que a fundação do Federal Reserve, em 1914, estava
relacionada, entre outras questões, à tentativa de elevar o status de Nova York como
centro financeiro internacional.* Essas observações servem para articular a evolução
€ o desenvolvimento do sistema financeiro internamente aos Estados Unidos com
a sua nova posição internacional.

1 “Brenner(2006, p, 267-268) associa a emergência de novas tecnologias (“epoch-maiking advances in information


technology") com o peso da bolsa de valores e de sua capacidade para estimular empresas promissoras para incubar
“uma revolução produtiva e um boam econômico”. Essa análise de Brenner é interessante por mostrar como uma
retomada econômica (dos anos de 1997-1998 e 2000-2001) pôde ter sido produzida por tecnologias que nascem de
uma articulação entre o sistema financeiro e o sistema de inovação dos Estados Unidos — e nesse caso com forte
influência dos gastos militares. Essa forma de impulsionar o progresso técnico leva, entretanto, a uma nova forma
de crise - anunciada pelo estouro da bolha das TiCs.
* — DeCecco (2009, p. 131) e Arrighi (1994, p. 280) discutem um hiato entre o “controle da liquidez internacional”
€ à “capacidade de administração” dessa liquidez.
Capitulo 3 '
Os Estados Umdos |
como o caso clássica i 109

Panitch e Gindin (2005, p. 107) associam todo esse desenvolvimento do Estado


nos Estados Unidos com a formação da sua capacidade de ação internacional: “Foi
apenas através da provação da Grande Depressão, do New Deal e da Segunda Guerra
Mundial que o Estado americano desenvolveu capacidade suficiente para globalizar
o seu alcance imperial.” Panitch e Gindin insistem no papel do Estado dos Estados
Unidos para o desenvolvimento do capirtalismo global no período.
A posição hegemônica dos Estados Unidos tem repercussão no regime monetário
internacional e está baseada na transformação do dólar em “dinheiro mundial”,
substituindo a libra.” Essa posição está cristalizada nas instituições de Bretton
Woods — um resultado da Segunda Guerra Mundial —, em que o dólar, lastreado
em reservas de ouro (os Estados Unidos detinham quase 70% do estoque de ouro
das reservas mundiais no final da Segunda Guerra Mundial), é o dinheiro mundial
(Eichengreen, 2008). À posição dos Estados Unidos como país emissor do dinheiro
mundial tem uma articulação com a acelerada transformação das grandes empresas
multidivisionais do país em empresas multinacionais (Chandler, 1977, p. 480). O
ponto que merece maior exploração teórica, posteriormente, é a flexibilidade e a
margem de manobra que a emissão do dinheiro mundial oferece ao país hegemônico
e às empresas multinacionais dele originárias (Geisst, 2004, p. 275). À conquista
da posição de principal centro mundial das finanças foi uma construção longa, não
relacionada de forma automática com a liderança econômica e tecnológica.
É necessário lembrar a forte associação entre atividades de P&D e empresas
multinacionais, ou seja, multinacionais são empresas bem-adaptadas ao capitalismo
de aplicação tecnológica da ciência (Caves, 1996). Hymer (1978) discorre sobre a
mútua determinação entre o desenvolvimento das multinacionais e as mudanças
no sistema financeiro. Para Hymer, a “formação das empresas multinacionais € a
criação de um mercado internacional de capitais deveriam ser vistas como desen-
volvimentos paralelos ou simbióticos” (p. 104). Em um sentido, continua Hymer,

as necessidades de empréstimo a curto prazo e de investimentos por parte da


empresa internacional, derivadas das constantes entradas e saídas de dinheiro
provenientes de todos os países, as quais nunca se equilibram perfeitamente,
estimularam o sistema bancário internacional e contribuíram para integrar
os mercados monetários de curto prazo; suas exigências financeiras a longo
prazo e sua excelente capacidade creditícia ampliaram a demanda de capital
internacional em títulos e ações. Isto construiu um alento para a livre mobi-
lidade internacional de capitais (p. 104).

* — Paraumasequência histórica das moedas nacionais que assumem o papel de dinheiro mundial, ver Villar (1974).
Capítulo 3
Os Estados Unidos
como o caso classico | 111

descreve o alvo de uma ação bem-específica do Estado no final de 1998: “intervir


para escorar o valor das ações”.
O quadro histórico relativo aos Estados Unidos sistematiza mudanças nas dimen-
sões tecnológicas e financeiras e indica como elas se articulam. Um resultado é a
crescente complexidade no funcionamento da economia, complexidade esta que é
mediada por um conjunto de instituições novas ou com novos papéis. Essa plura-
lidade institucional para dar conta da crescente complexidade da economia é uma
introdução aos limites de elaborações como as de Hayek, que atribuem ao merca-
do — exclusivamente — a capacidade para lidar com a complexidade da economia.
As transformações estruturais sempre estiveram relacionadas a crises e a eventos
políticos como as guerras. À dinâmica dessas transformações inclui a persistência
das crises na história do país, apesar — ou em função — da crescente sofisticação das
instituições econômicas. AÀ crise de 2007-2008 é expressiva, sob diversos ângulos.

%$$ —Acrise2007-2008 e os debates


sobre seu significado

A crise de 2007-2008, cujo epicentro localizou-se nos Estados Unidos, é uma


expressão clara da forma como o “sistema de crédito” torna-se fonte de novas

* Um desses ângulos é a situação da Genera! Motors. Ao longo deste capítulo, em especial a partir da narrativa
de Chandler (1977), foi descrito o pioneirismo da General Motors na transição para a empresa multidivisional, que em
sua formação envolveu complexas articulações entre a empresa (de uma área tecnológica de ponta) com bancos,
bancos de investimento e bolsa de valores. À crise de 2007-2008 atingiu essa sociedade anônima fortemente. Em
2009, a General Motors — segundo o New York Times - equivalia a US$ 82,3 bilhões em ativos, mas detinha US$
172,8 bilhões em dívidas (as informações relativas à General Motors foram obtidas no site do New York Times. Háà
um tópico específico sobre a General Motors. Essas informações foram capturadas em 3/01/2010). Os maiores
credores da empresa: Wilmington Trust Co — US$ 22,8 bilhões — e associadas da United Auto Workers Union, que
detêm cerca de US$ 20,8 bilhões em “encargos trabalhistas”. Para enfrentar essa situação, informa o New York
Times: “No dia 10 de julho a General Motors e o governo concluiram o trabalho legal para colacar os ativos mais
desejáveis da companhia (..) na nova empresa. (...) O governo federal manterá cerca de 61% da nova companhia e
o resto divídido entre o governo canadense, a associação de saúde de um sindicato (United Auto Workers Union) e
antigos proprietários de ações.” No número de 10 de julho de 2009, há uma explicação didática: “Questão: Quem é
dono da nova General Motors? Resposta: Os proprietários majoritários são os governos americano e canadense,
que detêm 72,5%, uma associação de saúde de um sindicato, chamada VEBA, detém 17,5% e 10% são detidos pela
antiga General Motors.' No debate eleitoral de 2012 o tema da intervenção do governo na GM reaparece -- o editorial
do New York Times de 25/02/2012 defende a intervenção. Segundo o editorial, quatro anos após a intervenção de &.
W. Bush e Obama, “há 1,45 milhão de pessoas que estão trabalhando como um resultado direto do socorro de US$
80 bilhões”, O destino e a transformação da General Motors podem ser um sintoma de mudanças mais profundas
em curso, envolvendo a posição dos Estados Unidos no cenário mundial.
10
AGENDA ROSDOLSKY
| Eduardo da Motta e Albuquerque

No sentido inverso, o “desenvolvimento do mercado internacional de capitais,


por sua vez, dá às empresas multinacionais maior acesso às poupanças de muiras
nações, permite que se empreendam projetos de maior alcance e envergadura e
favorece fusões e incorporações” (p. 105).
A articulação entre esses dois projetos é tal que Chesnais (2004; 2006) chega à
discussão da globalização financeira a partir de uma trajetória de estudos sobre a
empresa multinacional. Henwood (1998, p. 36 e 38) ressalta uma articulação entre
empresas multinacionais e inovações financeiras, na medida em que “os maiores
usuários de swaps cambiais eram as corporações não financeiras — as multinacionais
que dominam o comércio mundial, que tomam empréstimo e fazem negócios em
muiras moedas diferentes pelo mundo” (p. 36).
O resultado dessa construção institucional é uma economia complexa caracteri-
zada por uma singular combinação entre Estado e instituições de mercado. Qual o
tamanho do Estado nos Estados Unidos no final da primeira década do século XXI?
A partir de dados da OECD (2008), o toral dos gastos governamentais nos Estados
Unidos, em 2007, alcançou US$ 5,04 trilhões. O cálculo é simples: o PNB dos
Estados Unidos alcançou US$ 13,78 trilhões (OECD, 2008, p. 12-13), e os gastos
governamentais representaram 36,6% do PNB (p. 56-57). Para uma comparação,
isso significa que se o Estado dos Estados Unidos fosse um país, seria o segundo
PNB do planeta, deslocando o Japão para a terceira posição — que detinha um PNB
de US$ 4,38 trilhões (conceito PP) (OECD, 2008, p. 12-13). A Alemanha, por sua
vêz, cairia para o quarto PNB, com US$ 3,32 trilhões (também no conceito PP).
Essa quantificação do big government apresenta uma referência básica para a
compreensão da “dialética entre mercado e planejamento”. Essa avaliação para a
dimensão do Estado, em 2008, indica uma continuidade da tendência ao cresci-
mento da sua participação na economia relativo ao período posterior à Primeira
Guerra Mundial (ver Figura 3.1, Seção 3.3). Essa quantificação, entretanto, não
capta as mudanças em termos da qualidade da intervenção estaral na economia
dos Estados Unidos. Por isso, a utilização do referencial teórico dos sistemas de
inovação é importante.
Uma questão final é a correlação entre o tamanho do Estado (através da proxy
dos gastos públicos de US$ 5,04 trilhões em 2007) e do capirtal fictício existente
no país: a capitalização de mercado das empresas listadas em bolsa alcançou 150%
do PNB, em 2007, enquanto o montante de crédito provido pelo sistema bancário
totalizou 120% do PNB no mesmo ano. Essa é a quantificação da articulação entre
sociedades anônimas, bolsas de valores e bancos. O tamanho do Estado pode ser
uma pista para compreender o escopo do apoio institucional e público necessário
para se evitar o “colapso da produção fundada no valor”. Brenner (2002, p. 241)
112
Í AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuqguerque

possibilidades de crise. A análise da revista 7he Economist (2008b) aponta as ino-


vações financeiras das últimas três décadas como uma causa importante.
A contenção da crise também é expressão das mudanças na dimensão e natureza
do Estado nos Estados Unidos. É o big government que tem a capacidade de inter-
venção suficiente para se comprometer com US$ 9,90 trilhões e gastar US$ 2,20
trilhões, até o dia 18 de março de 2009, para conter a crise financeira de 2007-2008
(The New York Times, 19 mar. 2009). Essa intervenção, expressão do nexo entre o
Tesouro e Wall Street, segundo Watkins (2010), tem relação com mudanças internas
ao próprio Estado construído desde o New Deal: segundo Panitch e Gindin (2005,
p. 110), há “uma mudança na hierarquia do aparato estatal nos Estados Unidos em
direção ao Tesouro e ao Federal Reserve Bank, às custas das antigas agências do
New Deal internamente e do Departamento de Estado externamente”.
Para avaliar as diversas causas da crise de 2007-2008, a partir da discussão das
mudanças estruturais das últimas décadas, uma seleção de artigos com diferentes
focos é didática. A diversidade de interpretações compõe um roteiro sobre a natu-
reza multidimensional da crise e introduz discussões sobre mudanças na posição
hegemônica dos Estados Unidos no capitalismo contemporâneo.

361 BIS (2010) e The Economist (2008b; 2011b):


a luta entre a inovação financeira e a regulação

O Relatório Anual do BIS de 2009 apresenta uma boa cronologia da crise e das
operações para a sua contenção, desdobrada em cinco fases, entre um prelúdio antes
de março de 2008 e os primeiros sinais de estabilização a partir de março de 2009
(BIS, 2009, p. 16-36).
Segundo um sumário apresentado pelo Relatório Anual de 2010, entre as causas
microeconômicas, houve incentivos errados, falhas na mensuração e gerência de
riscos e debilidades na regulação e supervisão. Esses três problemas “permitiram
toda indústria financeira a contabilizar lucros muito cedo, muito facilmente e sem
adequados ajustes de risco” (BIS, 2010, p. 11).
Entre as causas macroeconômicas, o BIS define duas categorias amplas. À primeira
está associada a desequilíbrios nas dívidas internacionais (international claims), e a
segunda, relacionada às dificuldades criadas por um “longo período de taxas de juros
reais baixas” (BIS, 2010, p. 12). No primeiro caso, o BIS menciona fluxos de capitais
e estoques de dívidas (claims), derivados de uma simbiose entre “crescimento liderado
Capitulo 3
Os Estados Unidos
como o caso clássico | 113

por exportações” e “crescimento liderado por alavancagem”, que teriam contribuído


para uma precificação errônea de ativos e para a difusão global da crise.
Para o The Economist, “essa crise tem suas raízes na maior bolha imobiliária e de
crédito da história” (2008b, p. 2). Quais as raízes dessa bolha? Inovações financeiras
das últimas três décadas. Como resumi-las? Segundo o The Economist,

grosso modo, a admirável finança nova é o sistema baseado no mercado


de alocação de capital dominado por Wall Streer, altamente alavancado,
levemente regulado. Trata-se do aventureiro sucessor da “atividade bancária
tradicional”, na qual bancos comerciais regulados emprestavam dinheiro
para clientes confiáveis e mantinham a dívida em sua contabilidade. O novo
sistema evolui durante as três últimas décadas e assistiu a um crescimento
explosivo nos últimos anos graças a três desenvolvimentos simultâneos mas
distintos: desregulamentação, inovação tecnológica e a crescente mobilidade
internacional do capital (2008b, p. 4).

Em linhas gerais, a revista acompanha as avaliações do BIS. Ao mesmo tempo


que reconhece a necessidade de uma certa retomada regulatória, a revista preocupa-se
em evitar excessos é em encontrar uma regulação adequada a essa nova estrutura
financeira (The Economist, 2011b).

?6? Kregel (2009): a necessidade de reformas estruturais


no sistema financeiro

A análise de Kregel tem forte inspiração minskiana. Kregel descreve como


nos anos de 1990 houve a desmontagem do arranjo institucional criado desde o
New Deat. “o sistema bancário dos Estados Unidos como resultado do Financial
Modernization Act de 1999 foi um enorme distanciamento dos princípios que
geraram a legislação bancária do New Deal” (2009, p. 658).
Ao mesmo tempo, há o aparecimento de uma nova arquitetura financeira,
sumarizada na emergência da securitização de títulos (p. 659): “(..) havia pouca
ou nenhuma retenção de ativos negociáveis como garantia de um empréstimo,
nenhuma garantia visível para linhas de crédito, nenhuma necessidade de dinheiro
para financiamento no mercado monetário.” Além de outros impactos perversos,
“essas estruturas nunca possuíram a tradicional proteção de liquidez no sentido de
ativos líquidos passíveis de venda no mercado” (p. 660). À quebra das estruturas
Capítulo 3
Os Estados Unidos
como o caso classico | 115

a outra ponta do déficit externo”. Para ele, a ruptura se deu no mecanismo de


reciclagem de crédito.
O mecanismo de reciclagem privada de créditos teve a forma de fluxos de
capital para o setor financeiro das hipotecas imobiliárias. Wade menciona, como
exemplo, a compra pelo Banco Central da China de títulos emitidos pelo Freddie
Mac (p. 543). Esse mecanismo terminou por sair de controle, dada a crescente
disparidade entre dívida e renda.
O ponto de partida da crise leva a reflexões importantes sobre a resposta à
crise, na qual

as respostas atuais, tanto nacional como internacionalmente, estão estrei-


tamente focalizadas no sistema financeiro e não focalizam o suficiente nos
desequilíbrios que estão por trás deles, incluindo a polarização nas distribui-
ções de renda nacionais e internacional (p. 543).

365 — Brenner (2009): efeitos da queda da taxa de lucro

Segundo Brenner (2009, p. 2), “a fonte fundamental da crise atual é o declínio


sistemático na vitalidade das economias capitalistas avançadas durante as últimas
três décadas, ciclo a ciclo, até o presente”.
As pressões competítivas que impulsionam a queda da taxa de lucro na indústria
de transformação nos Estados Unidos no pós-guerra estão no centro da análise de
Brenner (2002; 2006). Essa tendência de longo prazo, estruturalmente definida
pelo final do processo de catch up das economias da Alemanha e do Japão (década
de 1960), e mais recentemente pelos processos da Ásia Oriental (Coreia do Sul e
Taiwan, final dos anos de 1980, e China, desde os anos de 1990), definem uma
margem de manobra que se estreita para a dinâmica capitalista nos Estados Unidos.
No interior dessa margem de manobra em redução, as políticas de Reagan — para
conter o ritmo dos aumentos salariais e o seu keynesianismo militar — estão bem
contextualizadas. À capacidade de manobra dos Estados Unidos no cenário inter-
nacional (seja com o Plaza Accord em 1985, seja com o inverted Plaza Accord de
1995) é importante como medida de mitigação dos problemas impostos pela pressão
competitiva sobre a tendência da taxa de lucro no longo prazo.
A explicação de Brenner para as bolhas é apoiada em importante reestruturação
no arranjo Estado-capital, que envolve as mudanças no sistema financeiro apontadas
pelo The Economist e por Kregel. Brenner sugere a existência de um “keynesianismo
) AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuguerque

securitizadas repercutiu sobre os bancos e detonou uma sequência de eventos


que exigiu a intervenção do FED (p. 661).
Uma imporrtante diferença com os eventos da década de 1930 é a inexistência
de um claro mapa do que deve ser feito para reorganizar o sistema financeiro
(p. 661). Kregel propõe articular uma reforma estrutural do sistema financeiro
com medidas inspiradas em Minsky para resolver tanto o problema de liquidez
como o problema de renda (p. 662-663).

363 Perez (2009): revoluções tecnológicas e


desajuste estrutural

A partir da elaboração sobre as ondas longas do desenvolvimento capitalista,


Perez enfatiza a natureza endógena de bolhas como as da internet (final dos anos
de 1990 e início da primeira década de 2000) e do mercado imobiliário (até 2008).
Perez sugere que grandes bolhas tecnológicas (“major technological bubbles”
(MTBs))como a da internet são fenômenos típicos de revoluções tecnológicas em
curso e apresenta cinco MTBs (p. 782) como ilustração histórica: canais, ferrovias,
tecnologias do aço, automóveis e tecnologias de informação e comunicação (TICs).
As MTBs são parte do movimento de geração, absorção e adaptação das econo-
mias às revoluções tecnológicas. Associada a essa MTB houve uma bolha da liquidez
(“easy liquidiry bubble” (ELB), associada a inovações financeiras, que teriam sido
aceleradas pela revolução das TICs (p. 802), uma repetição dos eventos de 1929.
Em trabalho anterior, Perez (2002) desenvolve a articulação entre revoluções
tecnológicas e mudanças na dimensão financeira, que sustenta o aparecimento da
“dupla bolha” discutida em seu artigo.

364 Wade (2009): desequilíbrio na esfera internacional

O foco da análise de Wade é o desequilíbrio na esfera internacional e os des-


compassos institucionais nessa esfera (2009, p. 542-543). AÀ questão é como esses
desequilíbrios se manifestaram. Segundo Wade (p. 542), “os desequilíbrios globais
tiveram um importante papel causal não apenas no nível internacional, na forma
da reciclagem de moedas, mas também no nível doméstico, na forma da reciclagem
de crédito para os agentes que gastavam mais do que a sua renda, que constituem
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

do mercado de ações”, articulado a partir de operações do FED e de políticas de


valorização do dólar (o inverted Plaza Accord). Essa ação estatal explícita no sentido
da valorização das ações resultou no chamado “efeito riqueza” e abriu espaço para o
financiamento da revolução das tecnologias de informação — com a bolha da internet.
Essas políticas ganharam sobrevida com a bolha do mercado imobiliário. Tais
processos, entretanto, possuem limites importantes, e a queda no valor das ações
seria mais ou menos inevitável. O mais interessante na análise de Brenner é o
contraste entre a dimensão do esforço realizado no interior dos Estados Unidos (a
sucessão entre o “keynesianismo militar” de Reagan e o “keynesianismo do mercado
de ações” de Greenspan) e a incapacidade de reversão do processo de erosão das
taxas de lucro no país. A análise de Brenner é rica, por focalizar os Estados Unidos,
mas essa também é sua principal limitação — o cenário mundial é extremamente
importante para a compreensão da crise.”” Essa lacuna é o centro da contribuição de
Arrighi, focalizada no processo de recomposição do capitalismo em termos globais.

366 — Arrighi (2009): crise terminal da hegemonia


dos Estados Unidos

Arrighi elabora o processo de transição entre diferentes ciclos sistêmicos de acu-


mulação, análise sintetizada em seu livro Adam Smith in Beijing (2007). À partir
dessa elaboração, que enfatiza a possibilidade de mudanças no centro hegemônico
do capitalismo global, Arrighi (2009) responde a uma pergunta de David Harvey
de forma direta e sintética, explicitando o papel da crise de 2007-2008 nessa tran-
sição sistêmica.
Para Arrighi,

a hipótese básica é a natureza fundamentalmente insustentável dessas expan-


sões financeiras, porque estavam lançando na especulação mais capitais do
que poderiam gerenciar — em outras palavras, havia uma tendência para essas
expansões desenvolverem bolhas de vários tipos (2009, p. 90).

Após afirmar que não tinha previsto o formato específico dessas bolhas nos seus
trabalhos da década de 1990, Arrighi conclui de forma enfática: “(..) com o estouro

? — Wood(2003) e Panitch e Gindin (2005) podem ser consideradas análises que idam com o cenário global e que
se utilizam da avaliação de Brenner como ponto de partida.
Capitulo 3
Os Estados Unidos
como o caso classico à 1) 7

da bolha imobiliária, o que observamos agora é, claramente, a crise terminal da


centralidade e hegemonia financeira dos Estados Unidos” (2009, p. 90).
Para avaliar de forma mais detida essas mudanças, a conjectura de Arrighi (2009)
sobre o declínio da hegemonia dos Estados Unidos é um ponto de partida, pois ela
sintetiza um conjunto de transformações em curso e provoca debates acadêmicos
importantes, Para discutir essa conjectura, é necessária uma avaliação preliminar da
dinâmica de desenvolvimento da China, tanto para avaliar a possibilidade efetiva
da transição sistêmica em curso, como para introduzir a discussão mais gera! sobre
limites e metamorfoses do capitalismo.
Capítulo 4

A China e a reconfiguração
do capitalismo mundial

Introdução: transições e desafios

A substituíção de um país hegemônico por outro é uma mostra de flexibilidade


do sistema capitalista. É uma saída até aqui sempre disponível para o sistema como
um todo. Essa importante contribuição da elaboração dos ciclos sistêmicos de acu-
mulação (Arrighi, 1994) fornece um padrão para contextualizar crises estruturais
€ avaliar destinos nacionais, que são diferentes do destino do sistema capitalista
global. Neste mesmo tópico podem ser também incluídos elementos como o mer-
cado mundial e a moderna operação das empresas multinacionais, na medida em
que seus movimentos permitem — e às vezes antecedem — mudanças mais gerais.
Em termos de mudanças estruturais, essa flexibilidade geográfica está associada
à flexibilidade institucional, pois é pouco provável que a estrutura do capitalismo
de um novo centro hegemônico seja uma cópia da estrutura do centro em declínio
- uma nova fonte de fôlego para o sistema capitalista.
Avaliar a situação atual da China é parte do esforço para compreender a natu-
reza da “turbulência sistêmica” atual. No posfácio à segunda edição do livro The
long twentieth century, Artrighi (2009a, p. 385) considera que “um mercado global
centrado na sociedade da Ásia Oriental parece hoje uma possibilidade muito mais
provável do que há 15 anos atrás”. Por quê? Crise terminal dos Estados Unidos
por um lado e emergência da China por outro. À questão mais específica é sobre
a possibilidade real de a China configurar-se como um novo centro hegemônico,
substituindo os Estados Unidos - e oferecer um novo fôlego ao capitalismo mundial.

? — Arrighi (1994) discute três cenários: 1) antigos centros detêm o processo histórico e preservam a liderança; 2)
emergência do Leste Asiático; 3) caos sistêmico.
AGENDA ROSDOLSKY
3 Eduardo da Motta e Albuguerque

Essa discussão avalia, além da natureza da atual “turbulência sistêmica”, elemen-


tos de uma nova metamorfose do capitalismo, não apenas em relação ao centro
hegemônico, mas também quanto às características centrais da variedade de capi-
talismo do eventual novo país hegemônico.
Para compreender as especificidades contemporâneas do capitalismo chinês, é
necessário comprecnder as raízes dos arranjos institucionais atuais. No caso chinês,
a história é longa — lidar com fases diferentes não é simples. A trajetória histórica da
China é definidora de características estruturais atuais. Uma observação de Drêze
e Sen (2002) é uma boa introdução à necessidade de articular influências de uma
fase anterior sobre fases posteriores. Referindo-se ao período iniciado por Deng
Xiao Ping, Drêze e Sen (2002, p. 260) sugerem que

as políticas maoistas de reforma agrária, expansão da alfabetização, amplia-


ção da atenção médica pública etc. exerceram um efeito muito favorável no
crescimento econômico. É necessário um maior reconhecimento da influência
dos resultados obtidos na China pré-reforma sobre a China pós-reforma.?

A preocupação com essas articulações intertemporais deve estar presente ao longo


de uma investigação sobre a China. Nessa avaliação há duas questões articuladas
entre si: 1) a capacidade de a China configurar-se como alternativa hegemônica
— informação crucial para pensar a natureza da turbulência sistêmica atual;
2) a especificidade da combinação entre plano e mercado no caso chinês — uma
contribuição para a discussão de metamorfoses do capitalismo, dado o peso da
variedade chinesa de capitalismo no cenário mundial nas próximas décadas,
mesmo que a China não seja uma efetiva alternativa hegemônica nesse período.

1 —A importância histórica da China antes


da ascensão do Ocidente

Para Maddison (2001, p. 42), é apenas entre 1200 e 1300 que a Europa Ocidental
teria ultrapassado a China em termos de renda per capita. Spence (1990, p. 27)
avalia que ainda em 1600 “o império da China era o maior e o mais sofisticado de
todos os reinos unificados da Terra”,

? — Naughton (2007, p. 82) ressalta a “base de capítal humano”, com os fluxos de recursos para a educação e a
satide durante o período 1949 e 1978 como um legado positivo da era Mao.
Capítulo 4
À China e a reconfiguração do
caprtalismo mundial | 121

Se a previsão do The Economist (2011c, p. 2) estiver correta, a China, segundo


PIB do mundo desde 2009 (em dólares correntes), fábrica do mundo desde 2010
(p. D), será a maior economia do mundo em 2020. Uma volta a uma posição já
ocupada na história?
Essa longa história da China torna a discussão mais complexa — não há como
não considerar a importância da trajetória histórica e das marcas que o processo
atual traz incorporado. O país foi líder tecnológico mundial por um longo período.
Needham (1954, p. 242) apresenta uma tabela que sintetiza tecnologias que migra-
ram para o Ocidente (entre elas estão pólvora, bússola, ferro-gusa), com um tempo
de difusão entre a invenção e a chegada no Ocidente que variou entre 1 e 11 séculos.
Ainda em relação à questão tecnológica, Mokyr (1990, p. 44) menciona o pro-
cesso de catch up que a Europa Ocidental realizou em relação ao Oriente, que teria
um marco inicial em torno de 1200: “(...) em torno de 1200 a economia da Europa
Ocidental havia absorvido a maior parte do que o Islá e o Oriente tinham para
oferecer” (p. 40). Esse processo, segundo Mokyr, se completaria em 1500, quando a
“Europa alcançou paridade tecnológica com as partes mais avançadas dos mundos
islâmico e oriental” (1990, p. 55).
Essas observações devem contribuir para cuidados na análise do processo chinês
atual, na medida em que há raízes históricas profundas em operação, possivelmente
de difícil avaliação e compreensão — uma enorme agenda de pesquisa e investigação.
Para além da observação de Drêze e Sen sobre os períodos mais recentes — Mao e
pós-Mao — há um outro exemplo importante comentado por Skocpol (1979, p. 242
€ 420) e Cummings (2005): o papel do esquema de mercado em torno de aldeias
estudado por Skinner (1964; 1965), que teria um impacto importante para com-
preender o processo de reforma agrária posterior à fundação de República Popular
da China (RPC) em 1949.
Embora essa agenda ultrapasse o tema deste capítulo, a consciência da impor-
tância dessas relações de longo prazo deve estar presente na análise. Um dos méritos
de Arrighi é a consciência e a pesquisa desse significado, como o título de um dos
seus livros destaca: The ressurgence of East Asia (Arrighi et al., 2003).
Há uma vasta literatura sobre as bases da retomada na segunda metade do século
XX (segundo o esquema de Maddison, 2001, p. 42). Essa literatura sugere uma
periodização que contribui para entender a alternância entre sistemas econômicos
de natureza distinta no século XX. À caracterização da estrutura econômica atual
deve ser compreendida levando-se em conta essas mudanças de sistemas econômi-
cos — com os seus elementos de continuidade e descontinuidade.
Caprtulo 4
A China e a reconfiguração do
capitalismo mundial 123

(1990, p. 253) apontando as áreas de influência de ingleses, franceses, alemães,


russos e japoneses que dividiam a China entre 1880 e 1905,
Spence (1990, p. 229) identifica o ano de 1898 como início de um amplo movi-
mento reformista na sociedade chinesa. Há um claro período de busca de alterna-
tivas — e novos confrontos e desafios internacionais — que perdura até a fundação
da República Popular da China, em 1949.
Em 1911, com o marco da proclamação da República sob a direção do
Guomindang, encerra-se o longo período da dinastia Ching. Em 1921 é fundado
o Partido Comunista da China (PCC).
Em 1927 há a ruptura da aliança entre o Guomindang e o PCC, manifesta na
repressão ao movimento grevista em Cantão. O massacre e a expulsão do PCC das
cidades estão associados com uma mudança de estratégia crucial para o processo
histórico posterior: uma reorientação estratégica em direção ao campo e a um papel
central para o campesinato no processo revolucionário chinês. Mao Tse-Tung é um
personagem decisivo nessa reorientação.
Entre 1927 e 1934 o PCC implementa uma experiência de governo no “soviete
rural” de Jiangxi. O ataque das forças do governo republicano origina em 1934 a
Longa Marcha, que, com os deslocamentos pelo interior da China e de seu cam-
pesinato, define o que seria posteriormente conhecida como a estratégia da “guerra
popular prolongada”, com a criação de regiões efetivamente governadas pelo PCC
no interior da China, muito antes da conquista do poder em 1949. O governo
dessas regiões constitui uma importante experiência formadora para o PCC e para
a futura República Popular da China.
Com a invasão japonesa em 1937, a dinâmica do enfrentamento entre o
Guomindang e o PCC entra em uma nova fase. Novamente, um mapa preparado
por Spence (1990, p. 433) mostra a China em 1938 dividida em áreas sob controle
Japonês, sob controle do Guomindang e sob controle do PCC (Yanan). A dinâmica
interna de enfrentamento comum do invasor japonês é transformada em 1941 com
a entrada dos Estados Unidos na guerra contra o Japão.
Em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial, o PCC controla áreas liberadas
com 95 milhões de habitantes (Spence, 1990, p. 460) — novamente, uma importante
experiência de governo. Esse posicionamento é o ponto de partida para a guerra civil.
Entre 1946 e 1947, por exemplo, o PCC institui uma política de “radical reforma
agrária nas zonas liberadas” (Skocpol, 1979, p. 406).
Em 1949, com a vitória do PCC e a fundação da República Popular da China,
termina a guerra civil, e é recomposta a unidade nacional. Como observa Perry
Anderson (2010), a guerra civil na China, ao contrário da Rússia, foi anterior à
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

%? —A dominação colonial e a unificação


nacional sob a RPC

Maddison (2001, p. 42) indica graficamente uma longa estagnação de 1300 até
1800, situação que se deteriora no século XIX, com regressão da renda per capita
até meados do século XX. Essa longa estagnação do Império Chinês coincide
com o período histórico em que ocorreram as transformações impulsionadas pela
Revolução Industrial inglesa. À natureza do impacto da Revolução Industrial é
definido pelo choque entre um império estagnado com outro império em ascensão
mundial,
Esse longo período, seguindo a análise de Skocpol (1979), pode ser avaliado como
uma fase de crise, fragmentação nacional — sob o domínio colonial — e reconstrução
nacional. À fundação da República Popular da China, em 1949, é fundamental-
mente um momento de reconstrução do Estado-nação, sob a liderança do PCC.
Os acontecimentos históricos posteriores ao início da reação ao imperialismo em
1898, data de início do movimento reformista na cronologia de Spence (1990), são
disputas em torno da direção dessa reconstrução.
Um bom roteiro para o conjunto desse período é apresentado por Theda Skocpol
(1979). A dinastia Ching (1644-1911) delimita um período histórico longo. Durante
a maior parte dessa dinastia, estabilidade e paz prevaleceram. Os dados de Maddison
(2001, p. 42) indicam também uma longa estagnação econômica — o PIB per capita
mantém-se constante até o século XIX, quando regride. Será no século XIX que a
China sofrerá pressões estrangeiras intensas e sem precedentes, segundo Skocpol
(1979, p. 125).
Essas pressões são expressas por invasões estrangeiras, das quais a Guerra do
Ópio é um evento síntese (1839-1842). Há riscos severos sobre a soberania nacional
(Skocpol, 1979, p. 126). Polanyi (1944, p. 25), na descrição da “civilização do século
XDX”, menciona que “a China foi obrigada a abrir suas portas por exércitos invasores”.
Skocpol associa a incapacidade do “antigo regime” de responder aos desafios
internacionais a um progressivo enfraquecimento do “Estado imperial”, que abre
espaço para rebeliões internas apoiadas em movimentos camponeses entre 1850 e
1870 — entre elas a rebelião de Taiping (1850-1864), tão importante para a trajetória
revolucionária da primeira metade do século XX.
O episódio da derrota para o Japão na guerra de 1895-1896 (Skocpol, 1979,
p. 132) é também expressão tanto dos novos desafios internacionais como da
incapacidade nacional em respondê-los. É instrutivo o mapa preparado por Spence
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

vitória do processo revolucionário. O riming entre a chegada ao poder e a guerra


civil tem implicações cruciais para o processo econômico e social posterior.
A curta resenha histórica ressalta o impacto da unificação nacional representada
pela fundação da RPC. Ela encerra um longo processo entre meados do século
XIX e do XX, no qual a pressão internacional ameaçou a quebra da continuidade
da existência da China como nação — com mais de 600 anos de “coesão quase
contínua” antes do século XIX, segundo Skocpol (1979, p. 117).

13 —A Chinasob Mao: 1949 a 1978

O crescimento econômico da China nesse período é considerável: entre 1952


e 1978, o Produto Interno Bruto cresceu em média 6,2% ao ano (Rawski,
1979, p. 4). Esse crescimento está associado a profundas mudanças estruturais.
Segundo a UNDP (1999, p. 22), “entre 1952 e meados dos anos de 1970, a China
estabeleceu uma base industrial substancial, que incluía setores industriais como
química, ferro e aço, metalurgia, máquinas, eletricidade e energia nuclear”?
AÀ amplitude desse processo é descrito por Rawski (1979, p. 41):

A expansão rápida do tamanho e da sofisticação do setor industrial foi


uma característica notável do crescimento econômico chinês desde 1949. O
crescimento médio anual da produção industrial durante três décadas foi
de 10%, e a participação da indústria no produto nacional, que era de 15 a
20% no início dos anos de 1950, alcançou mais de 40% no início dos anos
de 1970. Mudanças importantes ocorreram no tamanho e na estrutura do
setor industrial. Máquinas e petróleo substituíram têxteis e alimentos como
os principais setores no valor do produto. Metalurgia e química ampliaram
a sua participação no produto total, às custas de indústrias mais antigas
baseadas em matérias-primas. '

Naughton (1995, p. 52) apresenta uma apreciação geral desse período, também
destacando seus enormes avanços:

? —Um outro indicador das mudanças estruturais no período é a população ocupada na agricultura. Em 1957,
segundo uma das estimativas apresentadas por Rawski (1979, p. 39), a agricultura empregava 82,2% do total da
força de trabalho (281,6 milhões). Em 1975 essa porcentagem cai para 76,3% do total (430,1 mihões de pessoas).
O emprego não agrícola cresceu de 42,3 milhões em 1957 para 100,3 milhões em 1975,
Capitulo 4 |
À Clhuna e a reconfiguração do |
capitalismo mundias | 125

No longo prazo, o crescimento chinês foi respeitável, Entre 1952 e 1978, o


produto material líquido cresceu 6% ao ano (...) AÀ produção industrial era
particularmente robusta: entre 1957 e 1978 as estatísticas oficiais chinesas
indicam um crescimento do produto industrial a uma taxa de 9,7% (.) À
expectativa de vida cresceu sistematicamente, alcançando 65 anos em 1978.
Portanto, o sistema chinês foi capaz de gerar os bens fundamentais: um pro-
duto maior e um padrão de vida melhor. Certamente não foi um fracasso.

Uma avaliação mais deralhada desse período mostra que esses resultados gerais
foram alcançados em processos que envolveram mudanças extremas ao longo
do tempo. A China, entre 1949 e 1978, passa por diferentes fases, marcadas por
dinâmicas econômicas razoavelmente distintas entre si, nas quais o papel do pla-
nejamento central e sua articulação com níveis locais varia e muda: há fases nas
quais o planejamento central está em alta — 1953-1957, 1961-1965 — e fases em
que a descentralização é mais importante — 1958-1960, 1966-1974. Apesar dessas
enormes vicissitudes, o resultado alcançado impressiona. Isso pode ser indicação de
dois elementos constitutivos do processo chinês: 1) a existência de poderosas forças
pró-crescimento, que sobrevivem a todas as mudanças ocorridas; 2) um enorme
aprendizado com a sobrevivência em sistemas econômicos distintos, uma pista sobre
a vitalidade e a contribuição potencial de diversas fontes e dos diferentes períodos
para o crescimento econômico,

t43! " Reconstrução e retomada (1949-1952)

Segundo a periodização sugerida por Yefei Sun (2002), há uma fase inicial
de “reconstrução e retomada”. Nesse período, segundo Spence (1990, p. 490), é
implementado o “Programa Comum” (definido em setembro de 1949). Para ele,

esse programa delineava então um plano ambicioso de reforma agrária através


da redução de arrendamentos e redistribuição de terras, e para o desenvolvi-
mento da indústria pesada. Nesse ponto os redatores tomavam claramente
a URSS como modelo (...) O Programa Comum exigia educação universal
para ajudar a cumprir esses objetivos.

Há uma ampla extensão da reforma agrária na segunda metade de 1950 (p. 490),
que, de acordo com dados para a China Meridional, envolveu 40% da terra culti-
vada, beneficiando 60% da população (p. 491). No balanço de Spence, a “reforma
Camtulo 4 |
A China e a reconfiguração do
camtalismo mundiat | 127

a estrutura industrial chinesa pode ser compreendida a partir do reconheci-


mento da natureza da contribuição dos três tipos de unidades que predomi-
naram na China durante períodos sucessivos: os projetos de grande escala do
período de ajuda soviética que dominaram o programa de investimento sob
o Primeiro Plano Quinquenal (1953-1957); as unidades menores (em grande
parte herdadas do período republicano, entre 1911 e 1949), que alcançaram a
liderança técnica durante a década de 1960, ao substituir capital por experi-
ência e empreendedorismo; € o renascimento e expansão das indústrias rurais,
que desde meados da década de 1960 começaram a forjar vínculos crescentes
entre a indústria e a agricultura.

Do ponto de vista tecnológico, é um estágio caracterizado por transferências


tecnológicas massivas da USSR (Sun, 2002), que também forneceu um modelo
para organizar a pesquisa (p. 478) — um sistema de inovação caracrerizado por
compartimentalização ou até mesmo fragmentação, típicos do modelo da URSS.
Nesse modelo, a ciência seria responsabilidade da Academia de Ciências da China
e dos instítutos; e as universidades, responsáveis pela educação. Há um primeiro
plano de longo prazo para C&T (1956-1967): 12 campos tecnológicos principais
(energia atômica, eletrônica para rádios, transistores, automação, técnicas de com-
putação, aeronáutica, ótica, instrumentos de precisão) e 57 tarefas principais para
a pesquisa básica (Sun, 2002).

º Grande Salto Adiante (1958-1960)

Esse período caracteriza-se por um distanciamento do modelo da URSS. Segundo


Skocpol (1979, p. 268),

a partir de 1957 as políticas do PC chinês foram reorientadas. Mesmo durante


o Primeiro Plano Quinquenal, os líderes comunistas começaram a concluir
que as políticas de estilo soviético eram inapropriadas para as condições chi-
nesas., Através de debates intensos, emergiu na liderança um novo consenso
tentativo em favor de planos de desenvolvimento mais equilibrados, que
enfatizariam o crescimento das indústrias orientadas para a agricultura, para
o rural e para o consumo.
126
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuguerque

destruiu efetivamente a base de poder da velha elite fundiária no campo” (p. 491).
Do ponto de vista tecnológico (Sun, 2002), é um período de reconstrução e reto-
mada, com a fundação da Academia Chinesa de Ciências e de muitos institutos
de pesquisa industrial.
A relação com a URSS é complexa, e suas vicissitudes devem ser acompanhadas.
Fá uma vasta literatura sobre a independência de Mao em relação a Stalin na ela-
boração da estratégia revolucionária chinesa e em relação à condução das relações
com o Guomindang. Hannah Arendt menciona que Mao e Chu En-lai abordaram
o presidente Roosevelt em janeiro de 1945, “tentando estabelecer relações com os
Estados Unidos para evitar a total dependência da União Soviética” (Arendre, 1972,
p. 34, grifo no original). A irrupção da Guerra na Coreia (1950-1953) restringe
a margem de manobra e força uma aproximação com a URSS, característica da
próxima fase do período sob Mao.

132 O Primeiro Plano Quinquenal (1953-1957)

AÀ aproximação com o modelo da URSS sob Stalin é a característica desse período.


Segundo Skocpol (1979, p. 267), em meados dos anos de 1950 parecia que a China
seria uma espécie de cópia do sistema stalinista. Uma estratégia “inequivocamente
stalinista” estava inscrita no Primeiro Plano Quinquenal. Skocpol sumariza os
objetivos do plano de acordo com a exposição de Alexander Eckstein:

Primeiro, um compromisso forte com a obrenção de uma taxa elevada de


crescimento econômico (...) Segundo, concentração no progresso industrial.
Terceiro, um padrão de industrialização orientado para a indústria pesada.
Quarto, uma alta taxa de poupança. Quinto, industrialização às custas da
agricultura e outros setores da economia, e, finalmente, um viés para métodos
capital-intensivos na escolha da tecnologia industrial.

Skocpol complementa que “para implementar essas políticas, os comunistas


chineses tentaram copiar os padrões soviéticos de planejamento e controle” (1979,
p. 267).
Esse padrão inicial de desenvolvimento industrial deixa uma marca importante
na estrutura industrial legada pelo conjunto do período pré-reforma. Segundo
Rawski (1979, p. 51),
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

A campanha das Cem Flores, na avaliação de Spence,

tratava-se antes de um movimento confuso e inconcluso que surgira de


atitudes conflitantes de dentro da liderança do PCC. Em seu centro estava
uma discussão sobre o ritmo e o tipo de desenvolvimento que seria melhor
para a China, um debate sobre a natureza do Primeiro Plano Quinquenal e
a perspectiva de crescimento posterior. Desse debate e das tensões políticas
que o acompanharam nasceu o Grande Salto Adiante (1990, p. 542).

Ao contrário do período anterior, o Grande Salto Adiante caracteriza-se pela


descentralização e pelo declínio do planejamento central (Spence, 1990, p. 543).
Esse movimento em direção à descentralização, típico de um processo pendular que
caracteriza a China sob Mao, é formador da natureza do planejamento econômico
característico do país no início das reformas em 1978. O apelo de Mao à “mobiliza-
ção de massas”, segundo Spence, tem implicações políticas, pois “ao descentralizar
as decisões econômicas, essa estratégia levaria a um poder ainda maior do PCC no
campo e a um declínio correspondente da influência de planejadores econômicos
profissionais dos ministérios” (p. 543).
Essas mudanças têm implicações de longo prazo. Segundo Skocpol (1979, p. 269),

em contraste com a ênfase extremamente unilateral da Rússia stalinista na


urbanização e no desenvolvimento da indústria pesada aceleradas, a China
comunista elaborou estratégias de “andar com as duas pernas”. Investimentos
em grandes empresas, tecnologicamente avançadas, continuavam. Mas uma
ênfase maior foi colocada no estímulo do desenvolvimento agrícola e no
crescimento de indústrias rurais e indústrias locais de pequena e média escala,
para servir consumidores camponeses, para produzir insumos para uso na
agricultura (por exemplo, fertilizantes, eletricidade, instrumentos agrícolas)
e para processar os recursos locais e os produtos da agricultura.

Skocpol (1979, p. 277) destaca as ligações políticas diretas do POC com as vilas
camponesas como uma enorme vantagem em relação aos bolcheviques nos anos de
1920. Essas diferenças políticas no campo expressam-se também no fenômeno do
“emprego rural não agrícola”, quantificado por Rawski (1979).
Segundo Rawski (1979, p. 36-38), em seu esforço para descrever e quantificar
o “emprego rural não agrícola”, em 1957 estavam empregados em atividades rurais
não agrícolas 42,3 milhões de trabalhadores, número que em 1975 alcançou um
toral de 100,3 milhões (p. 37). É importanrte ressaltar a importância da indústria
Cagtulo 4
ÀA China e a reconfiguração do
capitalismo mundial 129

rural, que passa de 14,6 milhões de empregados em 1957 para 39,6 milhões em
1975. Neste ano, 25 milhões estavam em empresas estatais e 14,3 milhões, em
empresas coletivas. À dimensão desse fenômeno, uma importante especificidade do
processo de desenvolvimento chinês, merece ser destacada porque está diretamente
relacionada com o papel das chamadas empresas de vilas e aldeias (TVEs, townships
and villages enterprises) no processo de crescimento chinês no período inicial das
reformas pós-1978.
Skocpol (1979, p. 270-271) destaca outros contrastes com a URSS: “No con-
texto de tais planos de desenvolvimento, a agricultura camponesa coletivizada se
tornou um setor dinâmico na China, produtivo por si só e capaz de apoiar avanços
complementares nas indústrias locais e nos serviços sociais” (p. 270).
No plano tecnológico, segundo Sun (2002), há tentativas de romper com a
influência do modelo soviético, acelerando o crescimento tanto na agricultura como
na indústria, tanto em grandes como em pequenas empresas, usando métodos
modernos e também métodos locais.

434 Ajustamento e recuperação (1961-1965)

O movimento em direção à descentralização representado pelo Grande Salto


Adiante, segundo Spence (1990, p. 548), já em dezembro de 1958 recebia críticas
que expressavam uma tentativa de “restringir as comunas e voltar ao planejamento
central”,
Os problemas de coordenação econômica, ausência de liberdade de imprensa e
de condução política deflagram a tragédia da grande fome que, entre 1959 e 1962,
“ceifou mais de 20 milhões de pessoas” (Spence, 1990, p. 550). Enquanto os inves-
timentos da China em indústria sobem para espantosos 43,4% da renda nacional
em 1959, as exportações de grãos para a URSS também crescem para pagar mais
por maquinaria pesada. À quantidade média de grãos cai de 205 kg em 1957 para
154 kg em 1961. O resultado desse — e de outros — problemas de coordenação
econômica é a fome.
Uma visão dos problemas de coordenação é apresentada por Perkins (1988,
p. 630):

Embora falhas no planejamento central e nos métodos centralizados de


implementação não tenham sido a causa principal da mudança de ênfase do
regime para a agricultura e para os bens de consumo após 1967, não se pode
concluir que o sistema funcionava muito bem.
Capitulo 4 ;
À China e a reconfiguração do |
caprtalismo mundial hia

foram criticados e os bônus, eliminados, mais uma vez o controle sobre as decisões
foi descentralizado, mais uma vez foi feita uma tentativa de desenvolver simultane-
amente as indústrias rural e urbana” (p. 77). Entre 1972 e 1976, novo período de
reentrincheiramento (“retrenchment”), com um rumo mais moderado sob a direção
de Chu En-lai, inicialmente, e Deng Xiaoping, após 1975. Em 1972 Nixon visita
a China, e há o restabelecimento de relações comerciais com o mundo capitalista.
Entre 1972 e 1973 há uma importante reestruturação da economia chinesa —
uma política de “contratos para fábricas inteiras” (Spence, 1990, p. 600): 1.259
em 1973, 831 em 1974 e 6.934 em 1978. Naughton (2007, p. 77) menciona um
consórcio Holanda-Estados Unidos, que implantou 11 grandes fábricas de fertili-
zantes. Após 1974 inicia-se um período de paralisia política (Naughton, 2007, p.
77), caracterizado pela disputa entre os líderes da Revolução Cultural e “os plane-
jadores chineses” (Chu En-lai, Chen Yun e Deng Xiaoping) (Spence, 1990, p. 597).
No plano tecnológico, Sun (2002) avalia o período como caótico. Com exceção
de atividades relacionadas aos setores militares, atividades de P&cD foram seriamente
desorganizadas. No ano de 1965, a CAS administrava 106 laboratórios e 22.000
cientistas e engenheiros; em 1973, os laboratórios caíram para 53, e cientistas e
engenheiros, para 13.000. As principais realizações do perfodo foram relacionadas
à defesa nacional (bombas A e H, mísseis, satélites).
Em 1976 morre Mao. AÀ disputa política é resolvida no final de 1978, com o
retorno de Deng à liderança do PCC. Uma nova fase na história econômica da
China seria iniciada. Naughton (2007, p. 77-79) menciona um “grande salto para
o exterior” em 1978, o início do fim da era Mao.

436 A natureza do planejamento pré-1978

Uma das características marcantes de todo o período entre 1949 e 1978 é a


oscilação permanente entre fases de mais ou menos centralização, entre maior ou
menor peso das províncias nas decisões e na participação no planejamento, entre
uma prioridade mais alta para as indústrias rurais e de apoio à agricultura ou às
indústrias estritamente urbanas. Essas oscilações deixaram marcas — diversidade — no
sistema econômico legado pela era Mao. Não é simples a realização desse balanço,
mas é indispensável a consciência do peso dessa complexa e diversificada herança
histórica sobre as várias instituições econômicas do período pós-1978.
Como uma resultante de todo esse processo, cabe aqui uma avaliação sobre a
natureza do planejamento anterior ao processo de reforma — importante para definir
a diferença em relação à URSS e às reformas implementadas. A identificação dessa
130
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Perkins (1988, p. 631) discute os custos tanto da “supercentralização” como da


“descentralização inadequada”.
À crise e a tragédia trazem de volta à cena política o principal planejador eco-
nômico da China — Chen Yun , que organiza em 1961 uma investigação sobre
a crise (Spence, 1990, p. 556). Chen Yun apresenta cinco recomendações básicas
(p. 557): recuperação agrícola, volta de camponeses para o campo, “milhares de
empreendimentos industriais ineficientes do GSA deveriam ser desmontados”,
devolução de lotes privados para camponeses (6% das terras agrícolas), reabertura
de mercados rurais privados.
Após esse ajustamento, há a reorganização econômica (1962-1965). Segundo
Spence, a

compressão inicial proposta por Chen Yun fora levada a cabo, levando à
remoção de milhões de trabalhadores urbanos improdutivos da folha de
pagamentos do Estado e ao fechamento de 25 mil empresas. (...) Em 1965, os
níveis de produção agrícola tinham voltado aos anteriores ao GSA, enquanto a
produção da indústria leve estava se expandindo 27% ao ano e a da indústria
pesada, 17% (p. 561).

Expressão das mudanças nesse momento é o comentário de Spence: “Os profis-


sionais e os planejadores do partido — não Mao e as massas — estariam apontando
o caminho para o futuro da China” (Spence, 1990, p. 561).
No plano tecnológico, Sun (2002) destaca como depois do conflito sino-soviético
a China acelera seus esforços internos de C&T, especialmente em áreas relacionadas
à defesa. O planejamento da ciência e da tecnologia (1963-1972) incluiu 374 projetos
principais e 333 tecnologias industriais.

135 Revolução Cultural (1966-1976)

Mao lança a Revolução Cultural em agosto de 1966 (Naughton, 2007, p. 74),


uma nova oscilação do pêndulo centralização-descentralização, agora em direção
à descentralização.
Naughton subdivide a Revolução Cultural em três fases. Entre 1967 e 1969, a
Revolução Cultural propriamente dita, na qual a mobilização política era central
e havia um pequeno efeito sobre a economia. Entre 1969 e 1971 há uma espécie
de um novo Grande Salto Adiante. O exército é chamado para recompor a ordem.
Nessa fase, segundo Naughton (2007, p. 77), “mais uma vez os incentivos materiais
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

natureza é um ponto de partida para a compreensão da relação entre plano e mercado


no processo de reformas, o conjunto de mudanças mais importantes a ser seguido,
Preliminarmente, uma pergunta mais geral sobre a natureza do sistema econômi-
co: segundo Naughton, a China pré-reforma é uma “economia de comando” (2007,
p. 59). Embora com diversas características similares à da economia de comando
da URSS, diferenciou-se com as mudanças realizadas ao longo dos anos de 1960
e 1970, mudanças que seriam necessárias para ajustar-se à ideologia de Mao e à
condição da China como um país mais pobre do que a URSS (p. 60) É
Naughton (1995, p. 41) ressalta três diferenças cruciais com o planejamento na
URSS. Em primeiro lugar, a diferença no número de produtos alocados pelo governo
central. Enquanto na URSS, nos anos de 1970, 60.000 produtos são controlados
pelo planejamento central, na China esse número chega a 600 em 1965, cai para
menos de 300 durante a Revolução Cultural e volta a quase 700 em 1978 (p. 41).
Em segundo lugar, o planejamento é bastante precário, com diversos produtos
lançados em categorias amplas. Segundo Naughton, “planejadores davam ordens
para o sistema, mas o que emergia tinha pouca semelhança com aquelas ordens” (p.
51). Em terceiro lugar, no caso chinês a “autoridade sobre mercadorais importantes
que as autoridades centrais planejavam era dividida entre o governo central e os
governos locais” (p. 43).
Perkins (1988, p. 606-607) é mais ácido com a natureza do planejamento durante
o Grande Salto Adiante, quando o planejamento central teria sido abandonado e
descentralizado para as empresas. Porém, prossegue o autor, “descentralização não
foi acompanhada de qualquer método para a contratação de insumos e produtos,
e o resultado foi o caos” (p. 606). Um resultado desse processo é o aumento do
peso das províncias no planejamento: “(...) no início da década de 1970 um maior
número de empresas chinesas estava sob a autoridade das províncias do que sob a
autoridade de Pequim.”
Essa avaliação geral de Naughton (1995, p. 38) organiza as diferenças entre o
sistema chinês e o soviético: além das diferenças em termos de industrialização e
do peso da população rural, há uma maior heterogeneidade da estrutura industrial
chinesa. Segundo Naughton,

a China tinha 83.000 fábricas estatais em 1978, mais de 100.000 fábricas


urbanas de propriedade coletiva e 700.000 fábricas rurais de propriedade

* — Naughton (2007,p.76) sugere que o “modelo maoista” (da Revolução Cuitural) seria uma variante do “modelo
soviético”, em função de cinco características distintivas: 1) militarização generalizada da economia; 2) operação
descentralizada da economia, indústrias rurais encorajadas; 3) isolamento relativo da economia capitalista mundial;
4) ausência de incentivos materiais; 5) mobilidade do trabalho pelo mercado contida, migrações restritas.
Capitulo 4
A China e a reconfiguração do |
caprtalismo mundial t 133

coletiva. Tanto em termos de tamanho como em termos de propriedade, as


fábricas chinesas eram bem mais diversificadas do que as da URSS (p. 40-41).

Essa estrutura heterogênea, em termos de tamanho e formas de propriedade, tem


impactos sobre a natureza do planejamento.
Segundo Naughton (1995, p. 55), os planejadores dirigiam uma economia de
crise em crise. À primeira resposta à situação de crise após a morte de Mao não
foi a reforma econômica, mas uma tenrtativa de reconstruir a economia planejada.

*4 — Dasreformas de Deng (1978) à segunda


economia do mundo

Nos últimos 30 anos a economia chinesa cresceu a uma taxa média de 9,5% ao
ano, e nos últimos 10 anos o seu PIB triplicou, alcançando US$ 11 trilhões (The
Economist, 2012, p. 1). Essa dinâmica de crescimento econômico se realizou ao
longo do processo de reformas inaugurado em 1978.
As oscilações e a instabilidade do período Mao (1949-1976), com todas as
mudanças econômicas subjacentes, são fonte de aprendizado para um conjunto
de dirigentes e especialistas do PCC. Esse aprendizado é um elemento importante
na moldagem do processo de reformas chinês. A natureza gradual dessas reformas
pode ser um resultado de avaliações sobre o alto preço pago por mudanças abruptas,
como as representadas nas fases entre 1949 e 1978.
Desde 1978 há mudanças na relação entre plano e mercado e na estrutura do
Estado chinês e de sua capacidade de influir tanto na formação de mercados como
na direção do processo de desenvolvimento.

144º Questão preliminar: o debate sobre a natureza das


reformas e o caráter distintivo da economia chinesa pós-1978

AÀ natureza da economia chinesa entre 1949 e 1978, uma variante de uma econo-
mia de comando, é plena de singularidades em relação ao modelo stalinista, como
Skocpol (1979) e Naughton (2007) avaliam. Entender a natureza da transição para
uma “economia de mercado” é uma questão complexa, mas vital.
Capritulo 4
A China e a reconfiguração do
capitalismo mundia! | 135

À riqueza de sua descrição está no acompanhamento das fases, na identificação


de condicionantes políticos importantes que moldam o conjunto do processo.
Naughton (1995, p. 13) ressalta que uma das características da transição chinesa é
a ex-post coberence. Entre esses compromissos estão duas características cruciais da
reforma econômica chinesa, em sua avaliação. Em primeiro lugar, a coexistência de
um plano tradicional com os mecanismos de mercado — o chamado sistema de dois
trilhos (Aual-track system). À preservação do plano tinha um papel importante: “(...)
os reformadores se conformaram com a continuidade de um papel para o plano para
assegurar estabilidade e garantir a implementação de algumas prioridades governa-
mentais” (p. 8). Naughton ressalta ainda que, ao longo do período inicial, as duas
trilhas referem-se a dois mecanismos de coordenação (plano e mercado), e não à
existência de dois sistemas de propriedade (p. 8). Em segundo lugar, o mecanismo
de growing out of the plan: o congelamento dos setores submetidos ao plano — o
que implicava uma progressiva redução do plano na economia, na medida em que
esta crescia rapidamente (p. 8-9).
Uma boa síntese do processo pode ser obtida na sequência de textos de Szelényi,
Beckett e King (1995), King e Szelényi (2005) e Szelényi (2008). Esses textos retra-
tam a velocidade das transformações na China, as dificuldades de caracterização e
a permanente necessidade de atualizar caracrerizações.
No texto inícial a preocupação é entender as economias “socialistas” posteriores
aos períodos stalinista e maoista (Szelényi et al., 1995, p. 242). Nesse momento,
a caracterização das reformas na China indicaria uma forma de “socialismo de
mercado” (p. 243) — “a diversidade de formas de propriedade ao invés da transição
para a propriedade privada” (Szelényi et al., 1995, p. 245). Os autores nesse texto são
enfáticos na afirmação de que a China ainda não seria um país capitalista: “A China
pode estar a caminho do capitalismo, mas de forma alguma pode ser considerada
atualmente uma economia capitalista” (Szelényi et al., 1995, p. 247).
Dez anos depois, King e Szelényi (2005) discutem a natureza capitalista da
China, ao tratar das variedades de capitalismo que se desenvolveram nas transições
da Europa Oriental, Europa Central e Ásia Oriental. Há três tipos de transição:
transição de fora (Europa Oriental), transição a partir de cima (Europa Central) e
transição a partir de baixo (Ásia Oriental), que geraram respectivamente capitalismo
liberal, capitalismo patrimonial e capitalismo híbrido. O caso chinês — a terceira
trajetória: transição a partir de baixo, capitalismo híbrido — teria se desenvolvido
porque o Partido Comunista Chinês foi capaz de preservar o seu monopólio polí-
tico (p. 211). O sistema chinês, avaliam os autores, seria híibrido porque “está ainda
bem distante da dominação pela propriedade privada capitalista”, em um processo
supervisionado por um Estado forte (p. 222).
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Matta e Albuquerque

Kornai (2000) sugere três vias na transição entre o “socialismo” e o capitalis-


mo. À primeira é uma violenta derrubada do regime comunista, como nos casos
da Hungria, em 1919, e do Chile, em 1973. A segunda seriam as “revoluções de
veludo”, que pacificamente derrubaram os velhos regimes políticos, como nos casos
do Leste Europeu entre 1989 e 1991. Finalmente, o caso da China:

..) o Partido Comunista é transformado internamente, através da mudança


de uma força política fortemente anticapitalista para outra que é privada, mas
cada vez mais abertamente, pró-capitalista. Há uma crescente interpenetração
entre o Partido Comunista nos níveis centrais e especialmente nos níveis locais
e os segmentos líderes dos negócios privados. É comum um funcionário do
partido entrar na atividade privada enquanto preserva a posição partidária
E vice-versa (Kornai, 2000, p. 33).

Sachs (2005) ressalta o ponto de partida diferente da China em relação ao Leste


Europeu- um país ainda fundamentalmente agrário. Por isso, as reformas no campo
teriam tido um caráter de terapia de choque (p. 160). Essa terapia de choque no
campo se combinaria com mudanças também radicais relacionadas à emergência da
indústria rural e das TVEs (p. 161). As empresas estatais constituiriam-se o único
setor no qual o gradualismo teria ocorrido (p. 162). Comparando a experiência chi-
nesa com a russa, Sachs avalia que o gradualismo teria sido tentado por Gorbatchev,
mas seria inviável, dada a narureza da economia soviética (endividamento externo
elevado no Leste Europeu, posição geográfica, uma grande comunidade de chine-
ses no estrangeiro, a queda do preço de petróleo russo e o comprometimento da
industrialização do Leste Europeu com tecnologias não compatíveis com as oci-
dentais). Essas diferenças permitiram um ritmo geral diferente do processo chinês
(p. 163-164). Evidentemente, há na elaboração de Sachs uma exposição sobre a
Sua intervenção no processo do Leste Europeu (ver o caso da Polônia, p. 113-115).
Putrerman (1996, p. 102) tem uma visão oposta, destacando o papel das
Township and Village Enterprises (TVEs) e a limitada reforma na propriedade
das empresas — um elemento-chave da natureza evolucionista e gradualista das
reformas chinesas. Para Putterman, o processo chinês reabriria debates em torno
do socialismo de mercado.
Naughton (1995) apresenta a visão mais elaborada, explicitada no título de seu
livro — Growing out the plan. Após identificar três modelos de transição — reformas
racionalizantes nos anos de 1960, as “rerapias de choque” (“big bang”) e as refor-
mas em duas trilhas (“dual-track approach”) —, o autor classifica a China neste
último modelo. Naughton (1995; 2007) sugere uma periodização dessa transição.
136*
'AGENDA ROSDOLSKY
| Eduardo da Motta é Albuquerque

Finalmente, em um texto mais recente (Szelényi, 2008), mudanças importantes


são avaliadas, apesar de ser preservada a visão de três trajetórias de transição do
“socialismo” para o capitalismo. Segundo Szelényi, o caso chinês se diferencia-
ria dos europeus porque “a transformação da China foi dirigida por um Estado
desenvolvimentista” (2008, p. 168, grifo no original). Numa certa reavaliação da
elaboração de 2005, Szelênyi (2008, p. 171) pergunta-se se ainda se pode falar em
uma trajetória chinesa para o capitalismo. A resposta é afirmativa, com um senão:
“(...) à luz dos desenvolvimentos da década passada, é cada vez menos um caso de
“capitalismo de baixo' e cada vez mais um caso de capitalismo de Estado” (p. 171).
O The Economist (2012), em um special report sobre o capitalismo estatal, intitulado
“The visible hand”, adota uma posição similar sobre a China.
Szelényi (2008, p. 174, n. 3) explicita que a sua teoria de transições pretende
contribuir para a literatura de “variedades de capitalismo”: “(...) a lista de diferentes
tipos de capitalismo identificada por outros autores é agora acrescida de formas
capitalistas pós-comunistas.”
Enfim, a discussão da natureza da transição é importante para definir as caracte-
rísticas de um tipo de capitalismo que nasce de toda essa longa trajetória histórica,
conforme a sugestão de Szelényi (2008).
A transição em direção a uma variedade de capitalismo estatal tem uma história —
e uma periodização. Essa é a contribuição dos dois livros de Naughton (1995; 2007).

t*%? Growing out of the plan (1978-1992)

Em Growing out of the plan, Naughton (1995) sugere a existência de uma coe-
rência ex-post para o conjunto das reformas do processo chinês pós-1978 (p. 13). À
importância dessa coerência ex-post pode ser avaliada de diversas formas. À primeira
delas pela ausência de esquema preciso pelos reformadores do sistema (p. 59), ponto
com o qual Perkins (1988, p. 601) também concorda. Segundo Naughton (1995, p.
59), “a força motriz das mudanças em 1978-1979 foi a reorientação da estratégia de
desenvolvimento chinesa”. Dessa reorientação surge o compromisso com a reforma
como um efeito colateral (p. 59). O autor insiste nessa natureza não prevista das
reformas. Por um lado, destaca o improviso e a ausência de formulações prévias claras
(p. 20). Por outro, o padrão de reforma foi moldado mais por condições econômicas
e pela interação entre política e economia do que por ideologia política (p. 21-23).
Em um sumário do processo de reforma na China, Naughton (1995) avalia suas
características distintivas (p. 7-13):
Caprtulo 4
À Chuna e à reconfiguração do
caprtabismo mundiat | 137

D dual-track system: coexistência do plano tradicional e de canais de mercado


para a alocação de determinados bens e mercado para a alocação de outros
produtos; ao invés de desmantelar o plano, os reformadores o preservaram
para assegurar estabilidade e o alcance dos objetivos de governo. Destaque-
-se que o dual-track system refere-se à coexistência de dois mecanismos de
coordenação, e não de dois sistemas de propriedade;
2) growing out of the plan: um mecanismo definidor para todo o processo,
através do congelamento do tamanho do plano em termos absolutos —
dado o crescimento rápido da economia, o plano ficaria cada vez menos
importante em termos proporcionais;
3) entrada: relaxamento do monopólio do governo central em relação às
firmas, cujo resultado foi um grande número de start-nps, especialmente
de empresas rurais, o que ampliou a competição no setor industrial; a
maior parte das novas empresas eram propriedade coletiva e algumas eram
privadas (nacionais e estrangeiras);
4) crescimento das transações definidas por preços de mercado: processo que
inclui empresas estatais e suas relações com o setor não estatal;

5) reformas gerenciais incrementais no setor estatal: melhoras no desempenho


das empresas estatais, criação de mecanismos de monitoramento, reformas
como uma alternativa à privatização em larga escala;
6) desarticulação: identificação de atividades econômicas menos integradas
com o plano e o estímulo a reformas mais amplas nessas áreas (as Zonas
Econômicas Especiais seriam exemplos dessa linha); reformas no campo
antecederam as demais por essa razão;
7) estabilização macroeconômica através do plano: uso dos instrumentos do
planejamento econômico para canalizar recursos para as famílias, aliviando
problemas macroeconômicos no começo das reformas;
8) persistência de ciclos macroeconômicos durante o processo de reforma;
9) continuidade de altas taxas de poupança e investimentos;
10) coerência ex-post.

Essa lista de características explicita a singularidade do processo chinês e o


arranjo original na articulação entre plano e mercado.
Capitulo 4
A China e à reconfiguração do
caprtatismo mundia! | 139

t1*º? Segunda fase das reformas (1993-2007)

Em The Chinese economy: transitions and growth, Naughton (2007) preserva a


periodização e a caracterização do período growing out of the plan e acrescenta uma
nova fase: após o “interlúdio” da Praça Celestial (o massacre de junho de 1989),
inicia-se uma “segunda fase de reforma”.
A demarcação entre duas fases distintas é explorada em uma tabela síntese
(tabela 4.1, p. 91). Se o estilo de reforma dos anos de 1980 baseava-se na dual-track
strategy, as reformas dos anos de 1990 buscam a unificação de mercado, unindo os
dois caminhos (dual-tracks) da estratégia anterior. Se nos de 1980 a introdução de
mercados deveria ocorrer onde fosse viável, nos de 1990 o foco é o fortalecimento
das instituições da economia de mercado. Enquanto nos de 1980 a comperição
realizava-se via entrada e não havia privatização, nos de 1990 há uma redução nas
empresas do setor estatal, com o início de privatizações. Finalmente, a ênfase em
descentralização de controles e recursos do estilo das reformas dos anos de 1980 é
substituída pela recentralização de recursos e a emergência mais forte de controles
macroeconômicos.
Os pré-requisitos para a nova fase envolvem três elementos: 1) unificação de mer-
cado (com o desaparecimento do dual-track system); 2) recentralização, envolvendo
uma nova divisão de rtarefas entre o governo central e os governos locais — com
destaque para as funções regulatórias e de gerência macroeconômica (que envolve
a construção de um sistema tributário moderno); 3) austeridade macroeconômica
(p. 101-103).
As transformações estruturais prosseguem. Nessa fase de reformas o papel de
instituições como bolsas de valores cresce de forma significativa. O peso das empresas
listadas em bolsa passa a ser expressivo. Segundo a World Federation of Exchanges
(2009, p. 58), em 2009 a Bolsa de Shangai ocupou a sexta posição global, com
uma capirtalização de mercado das empresas listadas, totalizando US$ 2,7 bilhões
(quase o mesmo valor da Bolsa de Londres).
Naughton (2007, p. 300 e 303) apresenta dados da transformação estrutural em
termos de propriedade e governança empresarial no período.ó As empresas estatais
€ as listadas em bolsa controladas pelo Estado respondiam por 49,6% do produto
industrial em 1998 e 38% em 2004. As sociedades anônimas passaram de 6,4% para

* —“Emtermosda população empregada, a porcentagem empregada no setor primário passa de cerca de 70% de
um total de 402 milhões de pessoas em 1978 para cerca de 49% de um total de 744 milhões de pessoas em 2003
(Naughton, 2007, p. 151 e 182). O setor secundário passa de 18% em 1978 para 23% do totai em 2004, enquanto o
setor terciário amplia-se de 11% em 1978 para 30% em 2094 (p. 151),
138
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Um elemento importante que não aparece com o devido destaque nesse esquema
de Naughton é a estrutura do sistema financeiro chinês. Um estudo da OECD
(2002, p. 240) avaliou o sistema chinês e relatou que “a característica distintiva
do sistema bancário da China é a propriedade e o controle público, virtualmente
completo, dos bancos nacionais” - uma indicação importante para compor um
diagnóstico da natureza do capitalismo em desenvolvimento na China.
Outro elemento importante é o papel das Townships and Villages Enterprises
(TVEs) na economia. Essas empresas de economia pública, segundo a OECD (2002,
p. 86), empregaram em 2000 um total de 128 milhões de trabalhadores, responden-
do no mesmo ano por cerca de 42% das exportações do país. Na medida em que
esse setor de propriedade coletiva tem a sua origem na indústria rural desenvolvida
entre 1949 e 1978, é importante destacar a sua contribuição para a complexidade e
singularidade da transição na China. Segundo a OECD (2002, p. 132), as empresas
de propriedade coletiva respondiam por cerca de 22% da produção industrial em
1980, com as empresas estatais respondendo pelos 78% restantes. Em 1999, após
intenso crescimento da economia chinesa, as empresas públicas respondiam por
cerca de 33% da produção industrial, com o setor estatal respondendo por 30% do
total (o setor privado cresceu cerca de 37% da produção industrial).
Naughton (1995) organiza o processo de transição em três grandes períodos.
Entre 1979 e 1983 houve a fase de “experimentos iniciais”ó Entre 1984 e 1988,
“as reformas avançam”. À partir de 1988, um movimento em direção a uma
“economia socialista de mercado”. O autor destaca a explicitação pela direção do
PCC em 1993 do objetivo final da transição: transformar a economia chinesa em
uma economia de mercado (1995, p. 306). Nesse período, segundo Naughron,
o governo teria conseguido desfazer os últimos vestígios de planejamento. As
reformas implementadas entre 1978 e 1994 alteraram a natureza da economia
chinesa, identificada como “uma economia de mercado com uma estrutura mista
de propriedade” (1995, p. 307),
A avaliação da OECD, que utiliza amplamente a contribuição de Naughton,
sintetiza uma apreensão corrente no início do século XXI: qual a capacidade de
manutenção do ritmo de crescimento da economia chinesa. Segundo a OECD
(2002, p. 10-11), até aquele momenrto a dinâmica do growing out of the plan teria
sido bem-sucedida. À partir de então, “se tornou crescentemente aparente que a sua
capacidade de impulsionar o desenvolvimento econômico chinês está se esgotando”.

* —“Nesse período é proclamada a política das *Quatro Modernizações”, A prioridade à ciência e tecnologia está
definida desde então, na medida em que ela é a “quarta modernização”; um programa de treinamento concentrado
para 800.000 trabalhadores em pesquisa científica (Spence, 1990, p. 811).
AGENDA ROSDOLSKY
| Eduardo da Motta e Albuquerque

42,1% no mesmo período. As empresas de propriedade coletiva caíram de 19,6%


para 5,3%, enquanto as estrangeiras passaram de 24,7% em 1998 para 30,8% em
2004. A avaliação de Naughton no capítulo “Indústria: propriedade e governan-
ça” é até certo ponto contraditória com sua avaliação mais geral da transição da
economia chinesa para uma economia de mercado: “Apesar da enorme distância
percorrida, a China ainda tem inúmeros passos até a criação de uma economia de
mercado plena” (p. 326). Naughton (2007, p. 308) avalia ainda o papel dos bancos
na economia chinesa, sugerindo um modelo mais próximo do alemão, em termos
de relação entre sistema financeiro e firmas. Em sua avaliação do sistema financeiro,
ele afirma que os bancos importantes são todos estatais (p. 320), o que caracterizaria
o sistema financeiro chinês como “dominado pelo Estado” (p. 454).
Todas essas especificidades colocam uma questão crucial: qual a natureza da
economia chinesa contemporânea?

*5 —A natureza da economia chinesa:


uma nova articulação plano versus mercado

Uma comparação útil seria com os casos do Japão e da Coreia do Sul durante
os seus processos de catch up. À singularidade do caso japonês está na interação
entre o setor público e o privado, descrita por Ohkawa e Kohama (1989, cap. 7).
No pós-guerra, o mecanismo de adminstrative guidance caracterizava uma forma
de política industrial, na qual o governo tinha a capacidade de orientar bancos e
empresas privadas em direção a áreas que definia como estratégicas” O caso da
Coreia do Sul amplia a presença do Estado em relação ao caso japonês, porque os
bancos são estatais, o que torna mais direto o processo de alocação de crédito para

? —Zysman(1983) atribui um status importante ao mecanismo de admíinistrative guidance em sua discussão sobre
arelação entre os sistemas financeiros e a industrialização. Para Zysman, as especificidades do arranjo financeiro
japonês — um sistema baseado no crédito e com preços administrados — possibilitam uma maior capacidade de
intervenção na política industrial, O administrative guidance tipifica uma situação de dependência das firmas em
relação aos bancos. Por sua vez, estes encontram-se em uma situação de dependência em relação ao governo.
Essa hierarquia (governo-bancos-firmas) é crucia! para a compreensão da capacidade governamental de intervenção
na política industrial. Em função do baixo nível dos juros (preço adminisírado pelo governo), os bancos atuam
concedendo um montante elevado de empréstimos (overlending, segundo Zysman), o que determina a necessidade
de recorrer ao Banco do Japão (o único emprestador aos bancos). Havendo uma “fila" de demandantes desses
empréstimos, pode o Banco do Japão adotar um procedimento que prioriza a concessão de empréstimos para os
bancos que estejam acompanhando orientações sinalizadas pelo governo e seus ministérios. Os bancos, portanto,
dada essa hierarquia, acompanham de forma atenta os sinais emanados pelas agências governamentais quanto
a prioridades de políticas industriais.
Capítulo 4
A China e a reconfiguracão do
capitahsmo mundiat | 141

empresas de acordo com prioridades definidas pelo governo (Amsden, 1989). O


caso chinês representaria um passo adicional na presença do Estado, na medida em
que, além de um expressivo setor bancário estatal, há um setor industrial estatal,
um conjunto de empresas de natureza pública (TVEs) e diversos mecanismos de
presença mais ou menos direta do governo em empresas.
Historicamente, o início do processo de reforma chinês é uma estrutura econô-
mica e industrial heterogênea descrita por Naughton (1995, p. 401), e desde então
o arranjo plano-mercado passou por diversas mudanças. Em seu formato mais
recente, de acordo com uma descrição de Naughton (2007), o arranjo teria uma
vasta e complexa presença do Estado no processo.
Em primeiro lugar, mantém-se o PCC em um papel central no processo (p.
317). À natureza do PCC sofre transformação, segundo Naughrton, trocando o
seu conteúdo ideológico por uma postura mais meritocrática e orientada para o
desenvolvimento. À mudança da natureza do PCC — agora tão pró-capitalista como
a ditadura da Coreia do Sul durante o catch up — foi ressaltada por Kornai (2000).
Em segundo lugar, Naughton (2007, p. 100) avalia que, na “segunda fase das
reformas”, houve um movimento de recentralização (relacionada a políticas fiscais
€ gestão macroeconômica). AÀs políticas de Zhu Rongji estariam associadas a “ins-
tituições governamentais mais fortes e com mais autoridade e processos de tomada
de decisão mais efetivos” (p. 100). No tópico relativo a essa nova fase das reformas,
um tema persistente é o controle pelo Estado e pelo governo de todos os movimen-
tos de reestruturação -- movimentos que podem ser lidos como uma permanente
reorganização das interações entre o público e o privado.
Em terceiro lugar, existe um amplo conjunto de empresas sob controle do
Estado, direto ou indireto — através da State Asset Supervision and Administration
Comission (SASAC). Segundo Naughton (2007, p. 303), “a persistência de um
setor estatal controlado centralmente, de larga escala e fortemente capitalizado
representa um elemento significativo de continuidade na estrutura de propriedade
industrial chinesa”. Em 2004 as firmas controladas pelo Estado foram responsáveis
por 29% das vendas industriais” (p. 304). Segundo a revista The Economist (2012,
p. 2), “empresas estatais representam 80% do valor das Bolsas de Valores na China”.
Em quarto lugar, o sistema financeiro chinês é dominado pelo Estado (p. 454).
Todos os bancos importantes são estatais (p. 320). As operações desses bancos são
extremamente relevantes, com uma importante participação na indústria (p. 308) e
vastas injeções de recursos na economia — durante os anos de 1990 injetaram cerca
de 30% do PIB para impulsionar reestruturações (p. 308). O 7The Economist (2010b)
captou essa característica em um dos seus special reports (“They might be giants”).
Caprtulo 4
À China e a reconfiguração do
capitalismo mundia! | 143

p. 1) houve um início da mudança do fluxo tecnológico entre o Reino Unido e os


Estados Unidos — a feira industrial de Londres de 1851 seria um marco nesse tópico.
Se a reversão do fluxo tecnológico (1851) e a ultrapassagem em termos de renda
nacional (início da década de 1870) ou ultrapassagem em termos de produtividade
do trabalho (1890) são referência para o início da transição hegemônica, o final
dessa transição pode ser demarcado pela definição do dólar como dinheiro mundial
(Bretton Woods, em 1945). Ou seja, entre os Estados Unidos se transformarem no
maior PIB do mundo (em meados da década de 1870) e sua moeda transformar-se
em dinheiro mundial (expressão da hegemonia construída e reconhecida mundial-
mente) passaram-se 75 anos (e duas guerras mundiais). Isso pode ser um indicador
simples — que evidentemente deve ser tomado com toda cautela — para uma avaliação
de quão distante está o capitalismo mundial do fim de uma (possível) transição
de hegemonia. É importante lembrar que, segundo o The Economist (2011c, p. 2),
apenas em 2020 a China ultrapassaria os Estados Unidos em termos de PIB.º
Aliás, a discussão sobre o dinheiro mundial e suas transformações pode ser
tomada como um indicador da transição sistêmica. Nesse sentido, estudos como os
editados por Helleiner e Kirshner (2009) e os de Eichengreen (2011, em especial p.
143-147) indicam o longo percurso que a moeda chinesa deve perseguir para even-
tualmente substituir o dólar como dinheiro mundial. Por outro lado, esses estudos
são também indicadores da perda de posição hegemônica dos Estados Unidos.!º
Há ainda questões decisivas que devem ser superadas para que condições efe-
tivas para uma hegemonia se apresentem: problemas internos à China nos próxi-
mos 30 anos — democracia, energia, peso científico e cultural." Esses problemas

* —Umindicadordemudançasjá ocorridas é a nova preocupação com questões estratêgicas presentes na literatura


(ver a apresentação de Arrighi, 2007, capítulo 10) e na imprensa (The Economist, 2010d).
º “Uma resenha desses estudos e das vicissítudes atuais do dinheiro mundial pode ser encontrada em Avritzer
(2011).
* As condições de trabalho são bastante precárias em parte expressiva do setor industrial chinês, em especial
no setor informal, que, segundo Naughton (2007, p. 190), envolveria cerca de 160 milhões de trabalhadores (em
2004), A migração do campo forneceria a mão de obra mais importante para esse setor. Naughton (2007, p. 190-191)
descreve o trabalho aí como cansativo e pouco interessante para os trabalhadores urbanos. Uma matéria do The
New York Times apresenta a condição de trabalho no setor formal — na Foxconn, fornecedora da Apple. Segundo
essa matéria, as instalações da Foxconn empregariam 230.000 trabalhadores, “muitos trabalhando seis dias por
semana, muitas vezes permancendo até 12 horas por dia na fábrica. Cerca de um quarto dos trabalhadores da
Foxconn vive em acampamentos da companhia e muitos recebem menos de US$ 17 por dia” (“How U.S. lost out
on iPhone work", The New York Times, 21 jan. 2012). As condições de trabalho que se aproximam das condições
da Revolução Industrial inglesa do século XIX representam uma fonte de acumulação de capital - e um retrato da
heterogeneidade da atual estrutura indusíria! chinesa.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Essa sistematização da presença do Estado no momento atual na economia chi-


nesa realizada por Naughton (2007) ilustra em direção de qual economia capitalista
transita a economia chinesa. Além disso, confirma a caracterização de Szelényi
(2008) sobre a variedade chinesa de capiralismo “pós-comunista” — uma variedade
na qual a presença do Estado é mais abrangente do que em outros casos da Ásia
Oriental —, Japão e Coreia do Sul. A revista The Economist (2012, p. 1) chega a
sugerir um nova fase do capitalismo de Estado: “(...) elementos de capitalismo de
Estado foram vistos no passado, por exemplo na ascensão do Japão na década de
1950 ou mesmo na Alemanha da década de 1870, mas nunca antes ele operou em
tal escala e com instrumentos tão sofisticados.”

*6 —Limites da ascensão chinesa e


persistência da turbulência sistêmica

Essa discussão sobre a China leva a quatro conclusões evidentemente provisórias.


A primeira refere-se ao longo percurso ainda a ser percorrido pela China antes de se
tornar uma alternativa hegemônica real. Um pré-requisito fundamental é o térmi-
no do processo de catching up — que está longe de ter se encerrado, pois o PIB per
capita chinês, em 2010, ainda era 16,1% do americano.º Conforme corretamente
lembra Naughton (2007, p. 349), a China pode tornar-se um país de renda média.
O fim do processo de catch up é uma precondição para o processo de transição
hegemônica. Os estudos de Angus Maddison contribuem para uma cronologia da
transição sistêmica anterior, oferecendo algumas referências. Uma primeira seria
a partir de produtividade do trabalho, medida por PIB por trabalhador (algo for-
temente relacionado a PIB per capita). Desse ponto de vista, a liderança britânica
teria persistido até aproximadamente 1890 e “os Estados Unidos têm sido o país
líder desde então” (Maddison, 1991, p. 30). Outro critério poderia ser o PIB total,
que indicaria a ultrapassagem dos Estados Unidos um pouco antes, no início da
década de 1870 — Maddison (2001, p. 184) apresenta dados de PIB em 1870: Reino
Unido com US$ 100 bilhões e Estados Unidos com US$ 98 bilhões. Outro dado
relevante, mais qualitativo, refere-se ao ano de 1851, quando para Rosenberg (1969,

? — Segundodados do Banco Mundial, o PIB per capita da China em 2010 era US$6.816,00, enquanto o dos Estados
Unidos alcançava US$ 42.297,00 (critério PPP, dólares internacionais de 2005) (dados acessados em <http:/fdata.
worldbank.orgiindicator/NY. GDP.PCAP.PP KD>)
AGENDA ROSDOLSKY
1 Eduardo da Motta e Albuquerque

indicam que não há perspectiva de curto prazo para a ascensão da China como
alternativa hegemônica.
A segunda conclusão indica que o processo chinês atual já é uma fonte de fôlego
para o capitalismo mundial -- um sinal de mudanças importantes no capitalismo
contemporâneo. À dinâmica econômica da China já foi relevante para a atenuação
dos efeitos e da duração da crise de 2007-2008, detonada nos Estados Unidos. Os
indicadores relativos à responsabilidade da China sobre o crescimento econômico
mundial devem ser aqui lembrados (The Economist, 2004, p. 4). Outra forma de
ressaltar a contribuição chinesa à retomada de fôlego do capitalismo mundial é a
observação de Richard Freeman (2007, p. 26), que analisa a inclusão de 1,47 bilhão
de trabalhadores no mercado internacional de trabalho — parte de um movimento
de transição em curso — decorrente da incorporação, durante as décadas de 1980
e 1990, de países como a China e a Índia, em especial, no mercado global. Essa
“duplicação” do mercado global de trabalho (p. 25) relaciona-se com uma queda na
relação capital-trabalho em termos globais para cerca de 60% da proporção existente
antes da inclusão das economias da China e da Índia na economia mundial — uma
poderosa causa contrariante da queda da taxa de lucro.
A contribuição da China a uma maior internacionalização do capital também não
pode ser subestimada — uma fonte de fôlego adicional, saída clássica do capital em
busca de novos territórios para aplicação. Essa contribuição viria da multiplicação
em curso nas últimas três décadas dos fluxos financeiros, produtivos e tecnológi-
cos em direção da China (UNCTAD, 2010), da emergência de uma nova fase da
internacionalização aberta com as global innovation networks (Ernst, 2006) e da
crescente presença de transnacionais de origem chinesa no cenário internacional
(UNCTAD, 2010; Ernst; Naughton, 2008). É notável a ampliação da participação
das empresas chinesas entre as 500 maiores empresas globais, segundo a revista
Fortune — em 2011 a China era o terceiro país na lista, com 61 empresas, logo após
os Estados Unidos (com 133) e o Japão (com 68).
À terceira conclusão aponta para os elementos distintivos da articulação entre
plano e mercado no caso chinês, As singularidades seriam de tal monta que é pos-
sível mencionar uma nova variedade de capiralismo, que nasce da singularidade da
transição chinesa para uma “economia de mercado” (Kornai, 2000; King; Szelényi,
2005), processo que incorporou as lições da transição russa (negativas, nesse caso)
e do desenvolvimento do Japão, da Coreia do Sul e de Taiwan. O resultante é uma
nova variedade de capitalismo no qual o peso do Estado e o estilo da articulação
planejamento e mercado é bastante distinto do existente nos Estados Unidos. As
mudanças são importantes, a ponto de a revista The Economist sugerir que a disputa
Capitulo 4
A Cluna e a reconfiguração do
caprtaiismo mundial | 145

no século XX não é entre capitalismo e socialismo, mas entre “diferentes versões


de capitalismo” (p. 14).
AÀ quarta conclusão é relativa à natureza da atual transição sistêmica. Dado o
longo percurso que a China tem pela frente, duas alternativas restam para a discus-
são. Por um lado, é possível uma transição da hegemonia dos Estados Unidos para
um novo arranjo multipolar, com toda a instabilidade e pressão para construção
de instituições internacionais capazes de lidar como esse cenário — que apresentam
estudiosos do dinheiro mundial, como Eichengreen (2011, p. 150). Por outro,
pode persistir o quadro de turbulência sistêmica sem uma redefinição do arranjo
internacional atual, com a preservação de impasses no cenário internacional — uma
situação mais clássica da transição entre dois “ciclos sistêmicos de acumulação”,
segundo Arrighi. Nesse caso, uma nação anteriormente hegemônica perde esse
status, embora a nação que se candidata a essa posição ainda não tenha condição
para ocupá-la. Em ambos os cenários vislumbram-se décadas de conflitos de nova
natureza, com enormes desafios para a construção de alternativas ao capitalismo
global nesse processo de transformação.
Finalmente, a quinta questão é relativa às metamorfoses do capitalismo, que
sinalizaria uma possível mudança na natureza das transições sistêmicas: a crescente
heterogeneidade e diferenciação no “trabalhador coletivo”, com a ampliação da
polarização entre o trabalho intelectual e o trabalho manual — o reposiciona-
mento do trabalho em termos globais. Arrighi (1994) menciona a relação entre
“oficina do mundo” e o papel de banco de compensações internacional!? (para o
caso da Inglaterra, ver p. 179). Porém, com a crescente polaridade entre trabalho
intelectual e manual, há espaço para uma divisão internacional do trabalho mais
complexa, com o descolamento entre a “oficina do mundo” e o “laboratório do
mundo”. Entre as dúvidas de Naughton (2007, p. 349) está a possibilidade de a
China preservar a sua posição de fábrica do mundo sem alcançar uma posição
expressiva como “centro de inovação”."? A transferência para a China do posto de
“oficina do mundo” deveria se completar, em algum momento, com o alcance da
posição de “laboratório do mundo”.

? "Uma observação sobre diferenças entre transições sistêmicas: segundo Arrighi (1994, p. 179), “o papel da
Inglaterra como câmara de compensação da economia mundial precedeu e durou mais do que o seu papel como
oficina do mundo”.
* Ernst(2006, p. 28) também apresenta as suas dúvidas, ao considerar enganosas as metáforas sobre a queda
dos Estados Unidos e a ascensão da Ásia Oriental: aponta a concentração nos Estados Unidos das “fontes de
inovação”, Mas Ernst avalia que há razões para uma erosão no longo prazo da liderança dos Estados Unidos (p. 29)
e sugere um conjunto de políticas para impedir o seu enfraquecimento do sistema de inovação (p. 30-36).
Capítulo 5

Limite econômico
ou metamorfoses do capitalismo?

Introdução: barreiras em “escala mais poderosa”

Há um processo conjunto e, possivelmente, coevolucionário entre dinâmicas


da dimensão industrial-inovativa (decorrente da aplicação tecnológica da ciência)
e da dimensão monetário-financeira (decorrente do desenvolvimento do sistema de
crédito). Essas dinâmicas associam-se a mudanças no Estado.
À análise do caso dos Estados Unidos, ao justapor geograficamente as duas
dinâmicas, acompanha a crescente participação do Estado na economia. O Estado,
com todo o seu crescimento quantitativo — corporificado na formulação de Minsky
sobre o big government -- seria um ator-chave para conter a explosão do sistema
fundado na produção de valor? Essa pergunta sugere uma articulação específica
não apenas entre as dimensões inovativa e financeira, mas acrescenta uma terceira
dimensão — o Estado.
AÀ discussão sobre a China e a reconfiguração do capitalismo mundial apresenta
novas questões para o papel do Estado nessa dinâmica geral, na medida em que
explora transformações em curso e sua relação com variedades de capitalismo.
A relação entre as dimensões tecnológica e financeira não é suave ou linear,
ao contrário, há uma natureza conflituosa e contraditória, revelada pelas crises.
Schumpeter e Freeman apresentam diversos elementos sobre a não linearidade
do progresso tecnológico, enquanto Minsky apresenta a recorrência de mudanças
estruturais no sistema financeiro, À justaposição dessas duas dinâmicas complexas
e das relações de causa e efeito entre elas é necessária para captar sua operação a
longo prazo. Os efeitos causais e suas consequências, que articulam a dimensão
industrial-inovativa e a dimensão monetário-financeira, estão sujeitos a defasagens,
146
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Essa transição para uma posição de “laboratório do mundo” é também plena de


incertezas. Por um lado, a China tem realizado esforços relevantes na questão da
ciência e da tecnologia — uma evidência importante é a sua posição como a segunda
nação produtora de ciência em 2009, também ulktrapassando o Japão (NSB, 2012,
p. 5-34)* Por outro lado, Jefferson (2007) avalia que os movimentos relacionados
às redes globais de produção (GPNs) e às redes globais de inovação (GINs) não
apenas reconfiguram a divisão internacional do trabalho, mas também podem
preservar hierarquias tecnológicas. Segundo ele,

assim como os fenômenos do investimento direto no estrangeiro e a reali-


zação de P&D por subsidiárias (offshoring) levam a transbordamentos que
induzem firmas chinesas a estabelecerem operações rudimentares, o mesmo
padrão de offshoring também motiva multinacionais dos Estados Unidos e de
outros países da OCDE a aperfeiçoarem e diversificarem as suas atividades de
P&D para manterem o controle sobre o desenvolvimento e o deslocamento
de tecnologias críticas (Jefferson, 2007, p. 213).

A questão colocada por uma possível reorganização da divisão internacional do


trabalho com a introdução de uma nova clivagem não discutida por Arrighi (oficina
do mundo versus laboratório do mundo) é fonte de desafios para a China e para a
sua relação na Ásia Oriental: depende de novos farores que tornam mais complexa
a presente transição sistêmica e que deixam em aberto o seu resultado.

* Ribeiroefal (2006, p. 92) apresentam dados de artigos e patentes que apontam o crescimento da produção
da China tanto na dimensão científica como na tecnológica.
I AGENDA ROSDOLSKY
| Eduardo da Motta e Albuquerque

desacerrtos intertemporais, descasamentos e desconexões, todos esses fenômenos


relacionados a diversas possibilidades de crises — crises que levam a transformações
estruturais duradouras. Essas transformações estruturais envolvem o Estado e as
mudanças quantitativas e qualitativas em seu papel.
A dinâmica sugerida entre a aplicação tecnológica da ciência — que colapsa fun-
damentos da produção baseada no valor — e o sistema financeiro - que conteria esse
colapso — cobra a participação do Estado para superar crises, algumas iniciadas a
partir do sistema financeiro — mecanismo de contenção da explosão do valor. Esse
esquema simples sugere, então, uma dinâmica que envolve as três dimensões — tec-
nologia, finanças e Estado (poder).
Para lidar com essas três dimensões, propõe-se uma discussão integrada das
abordagens relativas às “ondas longas do desenvolvimento capitalista” (Freeman;
Louçã, 2001) e aos “ciclos sistêmicos de acumulação” (Arrighi, 1994). Sumariamente,
a abordagem relativa às ondas longas contribui para a percepção das metamorfoses
na dimensão tecnológica, enquanto a abordagem relativa aos “ciclos sistêêmicos de
acumulação” engloba as dimensões do dinheiro e do poder.!
A possibilidade de diálogo existe porque as duas elaborações reconhecem a impor-
tância dos seus pontos fracos (dinheiro e poder nas “ondas longas” e tecnologia nos
“ciclos sistêmicos de acumulação”). No esquema de Freeman e Soete (1997, p. 65-70,
coluna 13), há referências aos “aspectos dos regimes regulatórios internacionais”,
nos quais a Pax Brittanica, a Pax Americana e a multipolaridade são mencionadas.?
Por sua vez, o esquema dos ciclos sistêênicos de acumulação enfatiza como o poder
na escala mundial é baseado na indústria bélica, dependente da “aplicação da ciên-
cia à guerra”. Esses elementos devem ser integrados, necessariamente, à discussão
sobre o Estado — na qual a descrição de O'Connor (1973) inclui o Warfare State,
característico dos Estados Unidos do pós-guerra. Com essa integração, portanto,
é possível lidar com as três dimensões: tecnologia, finanças e poder — Estado. Esse
diálogo justifica-se, entre outras razões, pelos focos específicos das duas elaborações:
tecnologia, em um caso; dinheiro e poder, em outro. Por isso, as duas elaborações
se reforçariam com a articulação entre os seus respectivos pontos fortes. Além do

* —Um especialista em regimes monetários internacionais, Eichengreen, não tem dúvidas sobre a relação entre
dinheiro e poder no plano internacional: “historicamente, a moeda internacional mais importante é emitida pelo poder
internacional mais importante” (2011, p. 133).
? —“Polanyi(1944,p.32) refere-se à Pax Brittanica comao um equilibrio às vezes mantido “através dos canhões de
seus navios, entretanto, mais frequentemente, ela prevalecia puxando os cordéis da rede monetária internacional”:
dinheiro (mundial) e poder no centro da hegemonia britânica.
Capítulo &
Limite econômico ou metamortoses
do capitaismo? | 149

mais, esse diálogo não foi até hoje realizado entre os autores mais importantes das
duas abordagens.
De forma às vezes direta, às vezes indireta, um tema foi se introduzindo nas dis-
cussões dos capítulos anteriores: há limites para o sistema capitalista? Essa questão é
colocada pelo constante reaparecimento de crises e de subsequentes transformações
estruturais para contê-las e superá-las. Essa repetição coloca uma outra questão sobre
a renovação permanente da capacidade do capitalismo em contê-las. Essas questões
podem ser sintetizadas em um diagnóstico do próprio Marx sobre o capitalismo:
“(...) [a] produção capitalista procura constantemente superar essas barreiras que
lhe são imanentes, mas só as supera por meios que lhe antepõem novamente essas
barreiras e em escala mais poderosa” (Marx, 1894, p. 189).
Tratar da existência de limites econômicos para o capitalismo como uma questão
acadêmica não é simples. Para tanto, é necessário lidar com elaborações capazes
de integrar os elementos relacionados com a dinâmica de longo prazo. O ponto de
partida em Marx (1894), que sintetiza e supera o tratamento dos clássicos da econo-
mia política, é a lei da queda tendencial da taxa de lucro. À importância atribuída
por Rosdolsky (1968, cap. 26 e Apêndice do cap. 27) ao tema deve ser lembrada.
Grossmann (1929) apresenta uma ampla discussão sobre a tendência decrescente
da taxa de lucro. Ao tratar da “teoria da derrocada” em Marx, Grossmann siste-
matiza e avalia diversas contratendências à queda da taxa de lucro e à derrocada,
que permite a elaboração de uma visão dinâmica do capitalismo, que o leva à
vizinhança da elaboração sobre as ondas longas (ver, em especial, Grossmann,
1929, p. 92-95).º Por isso, Grossmann pode ser lido como um teórico das con-
tratendências e da dificuldade da derrocada — sua análise contempla a flexibili-
dade do capitalismo e o vasto estoque de circunstâncias contrariantes à queda
do lucro, que contribuem para moldar seu dinamismo a longo prazo. Além do
mais, Grossmann (1929, p. 19 e 119) trabalha com a referência de Lênin sobre
a “inexistência de situações sem saída”, inclusive para criticar elaborações que
sugeririam um fim automático ou mecânico do capitalismo.
A relação teórica das elaborações sobre ondas longas e ciclos sistêmicos de
acumulação com a obra de Marx merece um comentário específico. Freeman e

? —“Rosdoisky (1968, cap, 26) elogia a intervenção de Grossmann nos debates sobre à queda do lucro e sabre a
derrocada.
* —“Grossmann (1929) discute a derrocada do capitalismo entre as páginas 54 e 186 e as contratendências entre
as páginas 187 e 373.
* — Grossmann (1929, p. 19) considera que “na base da concepção de Rosa Luxemburgo está suposto um fim
mecânico do capitalismo" - certamente uma injustiça com a autora do slogan “socialismo ou barbárie",
Capitulo 5 |
Limite econômico ou metamorfoses :
do capitahismo? | 151

impressionismos ou análises que exagerem problemas acumulados, subestimando


uma característica básica do sistema capitalista — a sua capacidade de superar bar-
reiras através da criação de novas barreiras.
Desde a incorporação por Schumperter das inovações na determinação dos ciclos
longos de Kondratiev, na sua obra Business Cycles (1939), a elaboração sobre as ondas
longas atribui um papel central às questões relacionadas ao progresso tecnológico.
A tipologia de inovações sintetizada por Freeman (1994) avança no sentido de
explicitar que as inovações radicais estão na raiz dos movimentos associados às
ondas longas, que devem ser integradas às inovações incrementais, que estão mais
associadas à difusão de novos produtos e processos.” À elaboração sobre as ondas
longas permite identificar mudanças estruturais na dinâmica capitalista necessárias
para a vigência dos novos paradigmas técnico-econômicos: a natureza das empresas
associada a cada fase do capitalismo, as murações em termos de indústrias líderes
e emergentes e as características básicas dos sistemas de inovação em cada fase. O
quadro de possibilidades de desenvolvimentos teóricos a partir dos textos e esque-
mas presentes em Freeman e Perez (1988) e Freeman e Louçã (2001) é bastante
amplo. Um exemplo é a menção à alternância entre países líderes e emergentes na
sequência das ondas longas, um possível ponto de diálogo com a elaboração dos
ciclos sistêêmicos de acumulação.
A elaboração sobre a questão financeira não está explicitamente desenvolvida
nessas formulações, mas em um esquema apresentado por Freeman e Perez (1988)
há uma indicação de relacionamentos gerais entre a forma de organização da
empresa líder de cada período e mecanismos de financiamento disponíveis para
elas. Na primeira onda longa, as firmas pequenas e os empresários dispunham de
sua riqueza individual e tinham acesso a capital local; na segunda onda longa,
as firmas, já um pouco maiores, contavam com sociedades por ações; na terceira
onda longa, a emergência da grande empresa estava associada à concentração das
atividades bancárias e ao capital financeiro; na quarta onda longa, a difusão das
multinacionais implica o papel dos investimentos diretos no estrangeiro e, na quinta
onda longa, há referência a estruturas como mercados de capitais internos às grandes
corporações. No geral, Freeman e Perez sugerem uma necessária coevolução entre
as duas dimensões, embora não a desenvolvam.º

? —Aelaboraçãosobre as General Purpose Technologies (Heipman, 1998) é interessante por reconhecer o papei
distintivo de inovações radicaís de ampla aplicação geral, que estão na raiz de movimentos econômicos como as
ondas longas.
* —“Essareflexão sobre as ondas longas e a listagem de diferentes interações entre a dimensão industrial e a
financeira está apresentada em trabalho anterior (Albuquerque, 2010a),
150
ã AGENDA ROSDOLSKY
| Eduardo da Motta e Albuquerque

Louçã (2001) apresentam uma síntese atualizada, um conjunto amplo de referên-


cias sobre o tema, materializando um diálogo entre as elaborações de inspiração
neo-schumpeterianas e a elaboração de Mandel. Quanto aos ciclos sistêmicos de
acumulação, a exposição de Arrighi, na introdução de O longo século XX (1994,
p. 1-26) é rica o suficiente para destacar uma síntese entre a elaboração de Marx
e os estudos históricos de Braudel, além de enfatizar no próprio Marx (1894)
elaborações relativas a transições de hegemonia históricas descritas com detalhe
na obra de Braudel (1986). A percepção por Marx da transformação dos Estados
Unidos no caso clássico do desenvolvimento capitalista é uma indicação de outro
possível diálogo em torno da mudança de centros hegemônicos.
O diálogo entre essas duas abordagens permite tratar da dinâmica de crise e dos
limites do capitalismo em um contexto histórico mais amplo. Em O declínio do
capitalismo, Preobrajensky (1931) localiza um momento especial do capitalismo dos
Estados Unidos, quando há uma acumulação de (novos) problemas — decorrentes
de uma transição estrutural importante (do capitalismo da livre concorrência para o
capitalismo dos monopólios, que retira do capiralismo monopolista os mecanismos
de superação de crises disponíveis na fase anterior). Ele tem consciência de mudanças
estruturais no capitalismo e das diferenças entre fases. Preobrajensky, nessa análise,
chega a identificar no capitalismo monopolista menor flexibilidade em relação ao
capitalismo de livre concorrência (p. 15).º A referência a Preobrajensky aqui é para
ressaltar que a observação de um período histórico maior permite identificar a
flexibilidade do capitalismo e suas metamorfoses. Ao invés de declínio, houve uma
longa fase de expansão. O custo humano envolvido na gestação das condições da
nova expansão não pode ser esquecido e é um tema da dinâmica de longo prazo
do sistema capitalista. À elaboração de Preobrajensky indica os problemas que se
acumulam e que serão resolvidos com a transição para uma nova fase, que envolve
revoluções tecnológicas, mudanças no sistera de crédito e relocalização do centro
hegemônico. Embora em outro contexto, raciocínio similar pode ser apresentado
em relação ao diagnóstico de Steind! (1952) sobre a estagnação no capitalismo dos
Estados Unidos. Como o próprio Steindl reavalia, criticamente, em prefácio de
1976, a subestimação da inovação tecnológica e da emergência da empresa multi-
nacional determinou o seu diagnóstico de estagnação. Por isso, são importantes e
necessárias as análises de longo prazo, que permitem contextualizar conjunturas
específicas em cenários mais amplos. À ausência dessas análises abre espaço para

* —“Aemergênciadagrande empresa, motorda transformação do capitalismo em monopolista, é uma fonte de mais


flexibrlidade ao sistema. Preobrajensky aparentemente subestima esse aspecto. Ao mesmo tempo, as mudanças
estruturais provocadas pela crise que ele analisa, uma vez implementadas, forneceram ao sistema maior flexibilidade.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Perez (2002), por sua vez, focaliza as diversas regularidades existentes ao longo das
diversas fases em termos do que ela identifica como capital financeiro e capital pro-
dutivo, em cujo relacionamento ela aponta a dinâmica de sinergia e crise existente.º
À elaboração dos ciclos sistêmicos de acumulação, na medida em que absorve as
contribuições de Marx e Braudel, traz implícito o papel da tecnologia na definição
de sua dinâmica. A contribuição mais importante dessa elaboração está em sua
ênfase na questão financeira, desenvolvida através da extensão do ciclo do capiral
dinheiro (D-M-D”) para períodos históricos mais amplos. Arrighi (1994) reinter-
preta esse ciclo a longo prazo, sugerindo a existência de uma sequência de duas
fases. À primeira, de expansão material (que corresponderia ao D-M), na qual as
condições de produção e as oportunidades de investimentos são tais que as massas
monetárias geradas no processo produtivo são continuamente reinvestidas no
processo produtivo, o que permite caracterizar o país no qual tal processo está em
curso como “oficina do mundo”. A segunda fase, inspirada na narrativa histórica
de Braudel, seria a fase de expansão financeira, caracterizada por uma combinação
entre a existência de massas monetárias amplas, geradas pelo sucesso da expansão
material em curso, e o surgimento de mais dificuldades em termos de oportunidades
de investimento, com perspectivas de queda do lucro no país da expansão mate-
rial — superabundância de capitais e rarefação das oportunidades de investimento.
À elaboração sobre os ciclos sistêêmicos não enfatiza a questão da recnologia,
embora ela esteja implícita de diversas formas, especialmente no poderio militar
associado às regiões ou aos países hegemônicos. Uma contribuição importante dessa
elaboração, baseada na obra de Braudel (1986), é a apresentação de um quadro
histórico que permite identificar a colocalização nos centros hegemônicos da lide-
rança em termos científicos, tecnológicos e monetário-financeiros (Veneza-Gênova,
Amsterdá, Inglaterra e Estados Unidos).

? —Essetrabalho é uma grande contribuição às tentativas de articular teoricamente a dimensão inovativa com a
dimensão financeira, mas o set esforço enfatiza o que se repete ao longo das ondas longas, com o destaque para
as diversas formas de relacionamento entre o que a autora define como capital financeiro e as atividades inovativas.
À partir da existência de acoplamento e desacoplamento entre instituições ao longo das mudanças de paradigmas,
Perez sugere quatro tipos de relacionamento entre o capítal produtivo e o financeiro (p. 74): 1) irrupção (“love affair”);
2) frenesi ('desacoplamento”); 3) sinergia (“reacoplamento”); 4) maturidade (“sinais de separação”). Por 18so, não
são objeto de sua investigação as enormes transformações estruturais na dimensão financeira. Como Perez (2002)
focaliza as regularidades no interior das fases das ondas longas, fica em aberto a questão das profundas mudanças
institucionais que têm lugar entre as diferentes ondas longas, tal como parece ser a sugestão do esquema de Freeman
e Perez (1988).
Capítulo &
Limite económico ou metamorfoses
do capitalismo? | 153

Qual a melhor integração entre essas duas abordagens? De uma forma explo-
ratória, é possível identificar como os pontos fortes de cada uma das abordagens
podem enriquecer a outra.
Por um lado, a elaboração das ondas longas pode enriquecer a elaboração dos
ciclos sistêmicos de acumulação através de uma melhor articulação entre revoluções
tecnológicas, emergência de novos paradigmas e transições de hegemonia. Não é
difícil a associação entre novas tecnologias € as relocalizações dos centros líderes
no capitalismo mundial. Possivelmente, há uma lógica espacial nesses movimentos,
associada às “vantagens do atraso” discutidas por Gerschenkron (1952), em que se
combinam o esgotamento das oportunidades de investimento no centro hegemônico
€ o aparecimento de novas oportunidades e novos setores em centros emergentes. Às
diferenças de cronologia podem ser elucidarivas — pois pelo menos nos dois últimos
ciclos sistêmicos de acumulação (Inglaterra e Estados Unidos), há duas ondas longas
que persistem sob um mesmo centro hegemônico (Inglaterra, nas duas primeiras
ondas longas; Estados Unidos, na quarta e na quinta ondas longas).
Por outro lado, a elaboração dos ciclos sistêmicos de acumulação traz inúmeras
contribuições para a elaboração das ondas longas, especialmente quanto à questão
monetário-financeira e à questão do poder (Estado).
Na questão monetário-financeira, são importantes as questões relativas à
expansão financeira como uma fase recorrente desses ciclos e ao poder do centro
hegemônico derivado da emissão do dinheiro mundial. Essas duas questões estão
fortemente associadas na medida em que o país destinatário dos capitais excedentes
do centro em declínio — a expansão financeira como “sinal do outono” (Braudel,
1986, p. 225-226) — é aquele cuja moeda se tornará o dinheiro mundial. Ou, de
outra forma, a “função de banco central de compensação” é “inseparável do papel
de oficina do mundo” (Arrighi et al., 1999, p. 72).
Há aqui uma articulação teórica que envolve tanto a narrativa histórica de Villar
quanto a elaboração teórica de Preobrajenslky.
Villar (1974) sugere uma sequência dos diversos “dólares do mundo”: o florim, de
Florença; o ducado, de Veneza, durante a Idade Média (p. 41); a moeda holandesa,
no século XVII como o “dólar' de sua época” (p. 208); a emergência da Inglaterra
como o país do “padrão ouro” (p. 216 e 325); e o dólar dos Estados Unidos como
base de pagamentos internacionais após a Segunda Guerra Mundial (p. 348).
Preobrajensky (1926, p. 176) apresenta reflexões sobre a hegemonia do dólar, asso-
ciada à “crescente tendência da hegemonia norte-americana na economia mundial”
(p. 177). Em uma nora de rodapé, Preobrajensky lembra que, “no desenvolvimento da
história, a ditadura das divisas pertencia habitualmente ao país que desempenhava o
Caprtulo 5
Limite econômico ou metamorfoses
do camitatismo? | 155

** — Contratendências à queda da taxa de lucro


e dinâmica de longo prazo

A combinação entre a discussão da queda tendencial da taxa de lucro, ondas


longas de desenvolvimento capitalista e ciclos sistêmicos de acumulação oferece um
horizonte teórico para lidar com a questão de Marx sobre as “barreiras em escala
mais poderosa”, ou seja, o horizonte do sistema capitalista é uma sucessão infinita de
ondas longas e ciclos sistêêmicos de acumulação? Por que combinar essas discussões
sobre a dinâmica de longo prazo na economia capitalista?
Primeiro, porque a aplicação tecnológica da ciência e o sistema de crédito cum-
prem o papel contradirtório de contribuir para a tendência à queda da taxa de lucro;
ao mesmo tempo, contêm o colapso do valor, raciocínio que tem relação direta com
a elaboração de Marx. É uma luta sempre renovada, que define problemas, limites,
flexibilidade e fôlego do capitalismo.
Segundo, porque o enfoque da tendência decrescente da taxa de lucro, em espe-
cial a ênfase nas contratendências a essa queda, permite diversas articulações entre
a elaboração das ondas longas e dos ciclos sistêêmicos de acumulação. O diálogo
entre essas duas abordagens pode ser realizado através da lei da queda tendencial
da taxa de lucro. A aplicação tecnológica da ciência está na origem de um poderoso
elemento de contraposição à queda da taxa de lucro — a abertura de novos setores
industriais, que estão na raiz das revoluções tecnológicas que moldam as ondas
longas do desenvolvimento capitalista. O desenvolvimento do sistema de crédito
e o crescimento do sistema financeiro são um mecanismo que oferece ao capital
uma enorme flexibilidade, manifestada nos deslocamentos que ocorrem duranrte as
fases de expansão financeira, tão decisiva na definição dos períodos de turbulência
sistêmica que caracterizam as transições de hegemonia.
De outra forma, durante as fases de tonalidade depressiva das ondas longas, a
queda da taxa de lucro atua como um poderoso fator de estímulo para a busca de
novos métodos e novos produtos que pode associar-se a revoluções tecnológicas e
a novos setores industriais.
Durante as fases de “expansão financeira”, por um lado, a queda da taxa de lucro
no país hegemônico e a consequente rarefação de oportunidades para investimento
154 i
| AGENDA ROSDOLSKY
| Eduardo da Motta e Albuquerque

papel dominante no comércio e na economia mundial numa época determinada”


(p. 176). A sequência apresentada por Preobrajensky é basicamente a mesma de
Villar (talento, florim, florim holandês, libra e dólar). Apenas há uma referência
à moeda espanhola, a piastra.
À questão militar está associada com a natureza bélica do capital (Grossmann,
1929, p. 36), e o peso dos gastos em P&D de nartureza militar é definidor da
natureza do sistema nacional de inovação dos Estados Unidos. A elaboração dos
ciclos sistêmicos de acumulação incorpora o papel do poderio militar na cons-
tituição das hegemonias mundiais. Arrighi er a/. (1999, p. 93) destacam o papel
da “industrialização da guerra” na diferenciação entre as hegemonias dos dois
lados do Atlântico. Para os autores, os Estados Unidos estão entre os pioneiros
dessa aplicação. Esse pioneirismo esteve na base do sucesso na Segunda Guerra
Mundial, uma guerra de máquinas, na caracterização de Kennedy (1999, p. 615-
668). Arrighi (1994, p. 21) ressalta um elemento de continuidade entre a Segunda
Guerra Mundial e o pós-guerra ao mencionar a inexistência de precedentes his-
tóricos para a “imensa rede de bases militares ultramarinas quase permanentes,
instaurada pelos Estados Unidos antes e depois da Segunda Guerra Mundial”,
Essa articulação geopolítica fundamental na elaboração dos ciclos sistêmicos de
acumulação oferece uma perspectiva mais abrangente para a própria elaboração
sobre os sistemas nacionais de inovação."º
Enfim, as áreas de fertilização cruzada entre as duas abordagens são inúmeras,
constituindo-se em uma rica agenda de pesquisas.
Para a realização de um diálogo entre essas duas abordagens, a discussão da luta
entre as tendências e contratendências à queda da raxa de lucro oferece um canal
articulador na medida em que incorpora integralmente os efeitos contraditórios
da aplicação da ciência à produção, do desenvolvimento do sistema de crédito e da
atuação do Estado como um ator na contenção de crises.
Enfim, o diálogo entre as ondas longas e os ciclos sistêmicos de acumulação,
portanto, oferece uma boa oportunidade para tratar de quatro temas: 1) sistematizar
as metamorfoses do capitalismo; 2) articular essas metamorfoses com mudanças
no Estado; 3) localizar a posição dos Estados Unidos (ascensão e queda de sua
liderança, conforme os capítulos anteriores); 4) enquadrar de forma dinâmica a
discussão sobre os limites do capitalismo.

º —“Esseponto está presente nos estudos comparativos sobre sistemas de inovação. Mowery e Rosenberg (1993)
destacam o peso dos gastos militares no sistema de inovação americano, enquanto Keck (1993) destaca limítes para
pesquisas em algumas áreas estratégicas decorrentes do resultado da Segunda Guerra Mundial como um elemento
que estimula a persistência de competências da Alemanha em áreas mais tradicionais do país.
156
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

levam à “superabundância de capital monetário” (Arrighi, 1994, p. 238)." Estimula-


-se a busca de novas aplicações para esses capitais excedentes especialmente em
regiões emergentes que eventualmente podem substituir o antigo centro hegemô-
nico (Arrighi, 2005b, p. 89). Por outro lado, a busca de aplicações mais rentáveis
e a mobilidade que a expansão financeira oferece ao capital social estão na raiz de
movimentos gerais que determinam transições de hegemonias. AÀ realização de
lucros mais elevados em novas localizações é uma contribuição histórica recorrente
das expansões financeiras. É importante reiterar que já na narrativa histórica de
Braudel está presente a referência a essa busca de aplicações mais rentáveis. É o caso
da elaboração de Braudel sobre as expansões financeiras como “sinal de outono”:
“dinheiro em excesso e sem emprego na praça”, o declínio de Amsterdã, “capitais
para o estrangeiro” e a ascensão de Londres como centro hegemônico (Braudel,
1986, p. 225-226).
O progresso tecnológico, a aplicação da ciência à produção, está entre os prin-
cipais determinantes da rendência à queda da taxa de lucro no capitalismo. Todas
as menções de Marx, desde os Grundrisse, relacionam-se ao crescimento do peso e
da sofisticação das máquinas utilizadas no processo produtivo (o mecanismo que
incorpora a aplicação da ciência e do general intelect). À dinâmica de crescimento
da composição orgânica de capital é consequência da busca na concorrência inter-
capitalista de superlucros derivados da produção em condições técnicas melhores
em relação aos outros capitalistas industriais."?
Porém, o progresso tecnológico tem uma natureza contraditória também nesse
aspecto. Ele está direta e indiretamente relacionado a diversos fatores que se con-
trapóem à queda da taxa de lucro.

* —Asreferências de Arrighi à queda dos lucros são importantes para a explicação da origem dos capitais excedentes
gerados pelo não reinvestimento dos lucros em atividades comerciais/manufatureiras: quando os rendimentos do
capita! caem abaixo de um nível crítico, “todos os excedentes de caixa que eles acumularam são desviados do
mercado dos produtos para os mercados financeiros" (p. 236). Em diversas passagens o autor insiste e destaca o
pape! da queda dos lucros como condição de movimentos e superacumulação de capitais monetários, característicos
de fases de expansão financeira (p. 239). Arrighi (2007, p. 87) também destaca o papel do sistema de crédito para
transferir recursos de áreas em declínio para áreas em ascensão.
* Essa dinâmica de longo prazo é identificada, através da utilização de outros conceitos, por estudiosos do
desenvolvimento tecnológico no capitalismo Nelson e Winter (1977, p. 58) descrevem o papel de “trajetórias naturais”
na “geração de inovação” no capitalismo. Entre essas trajetórias naturais, destacam duas — “exploração progressiva
de economias de escala latentes” e “crescente mecanização de operações manuais” — como importantes avenidas
para o progresso tecnológico nos séculos XIX e XX. Essas duas trajetórias envolvem a ampliação da intensidade
de capitais na indústria, com a consequente ampliação da composição orgânica Klevorick et al. (1995, p. 200), em
pesquisa empírica posterior, mostram que essa trajetória natural — “mecanização” - é considerada relevante para
mais de 2/3 das empresas entrevistadas pelo Yafe Survey.
Caprtulo 5
Limite económico ou metamorfoses |
do captaismo? : 157

Rosdolsky ressalta a reflexão de Marx sobre a lei da tendência declinante da


taxa de lucto como a mais importante da economia política (Rosdolsky, 1968,
p. 319). Essa observação enfatiza a sua importância na economia política clássica
(Grossmann, 1929, p. 75-79).
AÀ queda do lucro é discutida por Adam Smith (1776, v. 1, p. 109), que quase
simultaneamente indica também como “a aquisição de um novo território, ou de
novos setores de comércio, às vezes, pode aumentar os lucros do capital” (p. 113).
David Ricardo (1821, p. 197-201) discorda do diagnóstico de Smith (queda do
lucro por aumento da competição entre capitais), mas apresenta a sua explicação
do que determinaria a queda da taxa de lucro (o aumento dos preços dos gêneros
de primeira necessidade). John Stuart Mill (1848, livro 4) tem uma elaboração
safisticada sobre o tema — Grossmann (1929, p. 76) destaca a “maturidade da teoria
da derrocada” em Mill (p. 76). A elaboração de Mill é mais desenvolvida que as
anteriores, em especial pela discussão das “circunstâncias neutralizantes” da queda
da taxa de lucro (1848, v. 2, p. 236-245).? Entre essas “circunstâncias neutralizantes”
estão crises, aperfeiçoamentos da produção (com destaque aos aperfeiçoamentos
que afetam “os artigos consumidos pelo trabalhador”), importação de mercadorias
baratas e exportação de capitais. Novamente, assim como em Smith, a resposta à
queda da taxa de lucro estimula o movimento do capital em direção a novas regiões
(“emigração de capital”) e a aperfeiçoamentos da produção (associados à ampliação
do “campo de aplicação” do capital). Ou seja, já nos clássicos, o estudo da queda
da taxa de lucro esclarece uma lógica na movimentação do capital — em busca de
novas regiões e novos ramos de produção.
Na apresentação de Marx sobre as “causas contrariantes” da queda da taxa de
lucro, há uma lista de seis causas, das quais três estariam diretamente relacionadas
aos impactos da “aplicação da ciência à produção”: “barateamento dos elementos
do capital constante”, “superpopulação relativa” e o “aumento do capital por ações”.
Novamente, nas “causas contrariantes” apresentadas por Marx (1894, p. 177, 182),
aparecem o progresso tecnológico e a busca de novas regiões (“comércio exrerior”
como causa contrariante, também indiretamente relacionada à capacitação tecno-
lógica) — além de mudanças institucionais (“o aumento do capital por ações”). Em
“superpopulação relativa”, Marx apresenta a abertura de “novos ramos de produção”,
“sobretudo para consumo de luxo”, que “rtepousam no predomínio do elemento
constituído pelo trabalho ativo — que só pouco a pouco percorrem o mesmo cami-
nho que os outros ramos de produção” (1894, t. 1, p. 180).

* Grossmann (1929, p. 78) menciona como essa elaboração de Miil influenciou a de Marx.
Capitulo &
Limite económico ou metamarfoses
do capitalismo? | 159

internacionalmente, para a transferência de capitais excedentes de centros capita-


listas de comércio e produção declinanres para os centros ascendentes”. Portanto,
um poderoso elemento de flexibilidade do sistema, do ponto de vista locacional:
problemas de dinâmica econômica em um país líder não expressam uma “crise
final do capitalismo” — nem naquele país —, mas apenas uma mudança geográfica
e/ou setorial do centro hegemônico do sistema — o que fornece novo fôlego para o
sistema como um todo, em novas bases, identificadas pela nova configuração da
onda longa e do ciclo sistêmico de acumulação. Um novo patamar para o recomeço
da operação dos fatores que impulsionam a queda da taxa de lucro.
Essa dinâmica relacionada às causas contrariantes da queda da taxa de lucro — em
especial a busca por novas regiões ou incorporação de novos territórios — é bastante
atual. A inclusão de 1,47 bilhão de trabalhadores no mercado internaciona!l de tra-
balho, decorrente da incorporação de países como a China e a Índia, em especial,
ao mercado global relaciona-se com uma queda na relação capital-trabalho em
termos globais (Freeman, 2007, p. 26). Na presente transição para uma economia
mais internacionalizada, essa incorporação de trabalhadores em empresas de mais
baixa composição orgânica descreve a operação contemporânea de uma poderosa
causa contrariante da queda da taxa de lucro — a incorporação de novas esferas de
produção com menor composição orgânica — e um direcionador de fluxos de capitais.
Essa transição a uma economia mais internacionalizada pode também significar
uma nova forma de superação da atual fase de turbulência sistêmica. Wood (1998,
p. 45) sugere que uma espécie de “grande transformação” polanyiana estaria em
curso, pois, agora, na esfera internacional, “o capitalismo estaria vivendo apenas
com as suas contradições internas”.” Essa transformação - transnacionalização de
mercados e do capital —, ressalta Wood, “apoia-se no Estado como seu principal
instrumento” (p. 47).
Finalmente, a análise de Grossmann também auxilia identificar as mudanças
na dinâmica capitalista pós-1930: o Estado e os seus recursos não estão colocados
direta e explicitamente na extensa lista de contratendências à queda da taxa de
lucro (p. 187-373). A referência, entre as “funções econômicas do Estado”, ao papel
“fundamental” como contratendência está na obra de Poulantzas (1978, p. 199),
para quem as intervenções do Estado deveriam ser investigadas como “recursos de
contratendências a esta baixa tendencial em relação às novas coordenadas, na fase
atual”. Essa posição é objeto de controvérsias, como a crítica de Przeworsky (1990,
p. 105 e 109) comprova. Porém, essa crítica é suficiente para indicar o mérito de

* —Essa nova fase está relacionada também com uma nova fase do impertalismo - “imperialismo capitalista” —,
distinta da fase clássica do imperialismo discutida por Hilferding, Lênin, Rosa Luxemburgo, entre outros (Wood,
2003, p. 124-130).
AGENDA ROSDOLSKY
* Eduardo da Motta e Albuquerque

Grossmann (1929), por sua vez, no capítulo 3 de seu livro A lei da acumulação
e a derrocada do sistema capitalista, discute exaustivamente as “contratendências
modificantes” relativas à tendência à derrocada. A primeira parte do capítulo 3
trata do “restabelecimento da rentabilidade por modificações estruturais internas
no mecanismo dos Estados capitalistas”, enquanto a segunda trata do “mercado
mundial: o restabelecimento da rentabilidade através do domínio do mercado
mundial”. Entre os 13 fatores envolvidos no “restabelecimento da rentabilidade”,
pelo menos sete deles estão diretamente relacionados ao progresso tecnológico
(barateamento do capital constante, redução dos custos do capital variável pelo
progresso da maquinaria, redução do tempo de rotação, barateamento dos elemen-
tos da produção, surgimento de novas esferas de produção com menor composição
orgânica de capital, luta para eliminação do lucro comercial, influência das des-
valorizações periódicas do capiral existente,* aumento do capital por ações). Em
relação ao mercado mundial, para Grossmann (1929, p. 235), o peso do progresso
tecnológico é uma precondição elementar, pois “o avanço técnico constitui o único
método para afirmar-se no mercado mundial”. Grossmann (1929, p. 217) explicita-
mente avalia “o surgimento de novas esferas de produção com menor composição
orgânica de capital” — claramente se apoiando no que identifica em Marx —, “o
capital penetra sempre em novas esferas” (p. 217). Novamente, entre as contraten-
dências encontram-se elemenros para a compreensão da mobilidade dos capitais,
para fugas em direção a áreas de maior rentabilidade.
Na medida em que as ondas longas se sucedem, esses elementos centrais mudam
de formato. Por exemplo: a emigração de capitais (Mill, 1848) ou o “comércio
exterior” (Marx, 1894) — causas neutralizantes ou contrariantes da queda da taxa
de lucro — estão relacionados a uma dinâmica que, através do envolvimento de
empresas com o comércio exterior, é o início de um processo relacionado à inter-
nacionalização das empresas (Dunning, 1994, p. 193-208), processo típico das
empresas líderes especialmente após a Segunda Guerra Mundial — e as empresas
multinacionais tornam-se as empresas líderes da quarta onda longa no esquema de
Freeman e Perez (1988).
A identificação das expansões financeiras como movimentos de capirais supe-
rabundantes (em busca de áreas de maior rentabilidade) é outra relação entre a
elaboração dos ciclos sistêmicos de acumulação e a lei da queda tendencial da taxa
de lucro. Arrighi (1997, p. 157) esclarece que “(...) eu me apoio na hipótese de
Marx sobre o sistema de crédito como um instrumento-chave, tanto nacional como

* — Grossmann, no tópico sobre desvalorizações periódicas, refere-se a guerras. Essa referência é importante por
destacar a natureza bélica do capitalismo e por, indiretamente, tocar na associação entre tecnologia e a questão
mílitar.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta é Albuquerque

Poulantzas no tratamento da relação entre o Estado e as contrarendências à queda


da taxa de lucro. Relação que pode introduzir uma investigação sobre a associação
entre metamorfoses do capitalismo e as mudanças no Estado.

? —(Des)compasso entre as metamorfoses


do Estado e do capitalismo

A reflexão sobre as relações entre as mudanças na configuração do Estado e


as metamorfoses no capitalismo é necessária por três razões. Em primeiro lugar,
porque já se identificou que o Estado sempre esteve presente, participando e con-
tribuindo para as mudanças tanto na área da ciência e da tecnologia, como no setor
financeiro, além de ser um ator estratégico na história dos Estados Unidos e da
China. Os crescimentos quantitativo e qualitativo do Estado foram precondições
para desenvolvimentos na tecnologia e nas finanças. Em segundo lugar, a elabo-
ração sobre os ciclos sistêêmicos de acumulação coloca de forma explícita o papel
do poder — Estado — na ascensão e queda das hegemonias mundiais, abordagem
que oferece um referencial de longo prazo para tratar dessa questão. Em rterceiro
lugar, as transformações estruturais do Estado — para utilizar a expressão da
análise de Claus Offe (1984) — são um componente essencial das mertamorfoses
do capitalismo e devem ser incorporadas na análise.
Os limites dessa discussão devem ser desde já mencionados: a questão do
Estado é complexa e multidimensional, pois compreende toda uma agenda de
pesquisa — que não será tratada aqui."* Habermas (1981) apresenta uma discus-
são abrangente e de longo prazo sobre o Estado — um quadro de sua evolução a
partir das jornadas de juridificação, didática por indicar metamorfoses no Estado.
Habermas (1981, v. 2, p. 505-527) sugere a existência de quatro tipos de Estado
ao longo da história do capitalismo: 1) o Estado Burguês (que se desenvolveu
durante o Absolutismo); 2) o Estado de Direito (que corresponderia à monar-
quia constitucional alemã do século XIX); 3) o Estado Democrático de Direito

* Umdosprimeirostópicos dessa agenda seria uma avaliação da elaboração de Marx sobre o Estado, que, como
Rosdolsky (1968, p. 27) informa, seria um dos temas do livro 8 do plano de redação de O capital, que consta dos
Grundrisse (Marx, 1857-1858a, p. 264). Há obras importantes de Marx sobre o tema (por exempio, O 18 brumário).
E um balanço acabado da elaboração de Marx ainda não foi realizado, até mesmo porque, conforme Krãike (2008a),
o Projeto MEGA 2 conterá um conjunto de escritos sobre a Espanha (redigidos em 1854) que apresenta uma teoria
política de Marx (Krâike, 2008a),
Capitulo 5
Limte econômico ou metamorfoses
do capttaismo? | 161

(resultado da Revolução Francesa e da Revolução Americana); e 4) o Estado Social


e Democrático de Direito, do século XX, fruto das lutas do movimento operário
europeu. Nas meramorfoses entre esses quatro tipos de Estado, há questões direta-
mente relacionadas, tidas como questões legais (Estado e contratos), há movimentos
que o Estado necessariamente deve realizar em função de complexas articulações
com demandas dos movimentos sociais que, uma vez incorporadas, transformam
o Estado — dinâmica especialmente ressaltada pela tipologia de Habermas —” além
da própria dinâmica econômica.
Nesse sentido, Habermas (1981, p. 520, v. 2) é um autor que contribui para a
compreensão da dinâmica combinada entre as metamorfoses do Estado e do capi-
talismo ao mencionar que “os subsistemas Economia e Estado se tornam cada vez
mais complexos em consequência do crescimento capitalista”.º
Para tentar rastrear esse crescimento da complexidade do Estado, a literatura
disponível constrói um quadro simplificado das suas transformações estruturais
a longo prazo — quadro que pode ser cotejado com as outras transformações na
tecnologia e nas finanças.
O Estado é um ator central nas metamorfoses do capitalismo. Os diversos
papéis assumidos por ele em relação à ciência, à tecnologia e às finanças, tanto na
história dos Estados Unidos como na da China, podem ser um roteiro para captar
essas transformações estruturais. Funções novas e diversificadas são assumidas
pelo Estado ao longo do tempo: ele fornece a infraestrutura da economia — as
condições gerais de produção, cada vez mais complexas —, canaliza recursos para
a infraestrutura científica e educacional — que também são modernas condições
gerais de produção —, estabelece políticas industriais, transfere recursos para empre-
sas privadas — em setores ou posições estratégicas —, organiza a indústria bélica,
organiza a(s) economia(s) de guerra, organiza a exploração espacial, contribui para

* —Nessa relação entre demandas sociais e inovações institucionais, há uma dinâmica particular sugerida por
Faria (2005): “o Estado em movimento”, em reação a iniciativas de mudança institucional que emergem de novas
correlações de força na sociedade e propostas decorrentes dessas novas situações. Essa sugestão contribui para
diferenciar germes visíveis do socialismo e transformações estruturais no Estado. Especialmente porque germes
visíveis do socialismo incidem sobre o Estado e podem contribuir para a sua reconfiguração. Daí a importância do
conceito de “Estado em movimento",
* Habermas(1973,p. 53-60) apresenta quatro categorias da atividade governamental. 1) Estado constituí o mercado
(leis, proteção contra elementos autodestrutivos do mercado, organiza as condições gerais de produção, promove a
competitividade da sconomia nacional nos mercados internacionais); 2) adaptação do sistema legal às novas formas
de organização, competição e finanças; 3) ações do Estado que substituem o mercado, assumindo funções que o
mercado não assumíria (como gastos em P&D, formação profissional); 4) compensação para disfunções sistêmicas
— gastos sociais Para Habermas, as duas úÚltimas categorias são típicas do capitalismo organizado — o capitalismo
do pós-guerra. A elaboração de Habermas é uma referência para investigações sobre metamorfoses do Estado.
Capiítulo 8
Limite econômico ou metamorfoses
do capitalismo? | 163

Heckscher (1931, p. 767-768) investiga a construção do Estado durante a


“época mercantilista” e explica a associação entre o mercantilismo e o liberalismo
do século XIX: o Estado forte sonhado pelo mercantilismo se tornou realidade no
século XIX em função de uma delimitação das funções do Estado, estabelecidas
pelo liberalismo.*
Essa delimitação das funções do Estado pode ser articulada com a elaboração de
Weber (1922), na qual o Estado moderno (cuja emergência está descrita pela obra
de Heckscher) foi resultado do processo mais geral de racionalização que esteve na
origem do capitalismo e de suas instituições, que envolve a centralização dos meios
administrativos e de coerção, que estabeleceram o monopólio legítimo do uso da
violência (poder). Ao tratar da emergência do monopólio dos meios de violência,
Weber refere-se a Trotsky, em uma reflexão sobre o “o Estado racional como asso-
ciação de domínio institucional com o monopólio do poder legítimo” (p. 1.056):
““Todo Estado se baseia na força', disse Trotsky no seu dia em Brest-Litowsky. E isso
é efetivamente assim” (Weber, 1922, p. 1.056). Essa referência contém, de forma
condensada, toda uma relação teórica entre o que seria uma concepção de Estado
em Marx (e desenvolvimentos até o início do século XX) e a elaboração de Weber.
Por sua vez, Habermas (1981) realiza um diálogo explícito entre as elaborações de
Marx e Weber.
Essa delimitação de funções descrita por Heckscher (1931) também pode ser
acompanhada pela obra de Adam Smith (1776), que, em seu livro 4, trata da “receita
do soberano ou do Estado”. Na discussão relativa aos “gastos do soberano ou do
Estado” (cap. 1, livro 5), Smith menciona gastos com a “defesa”, com a “justiça”,
com “as obras € as instituições públicas” (instituições para facilitar o comércio da
sociedade, para a educação da juventude e para a instrução de pessoas de todas as
idades) e com o “sustento da dignidade do soberano” (1776, v. 2, p. 149-238). O
terceiro capítulo do livro 5 trata das “dívidas públicas” (p. 313-344). É interessante
anotar que Adam Smith indica a tendência de a defesa tornar-se, progressivamente,
mais dispendiosa, na medida em que a civilização progride e há avanços na “arte
bélica” (p. 163).
A leitura que Hayek realiza dessa delimitação de funções do Estado, apresentada
por Adam Smith, merece ser discutida por tocar em um ponto relacionado à questão

?º? Tilly (1993), em seu estudo sobre a formação dos Estados na Europa, a partir do século X, discute “como a
guerra fez os Estados e více-versa” (p. 123-156), expondo uma dinâmica em que na origem está a preparação para
a guerra, mas que por diversos mecanismos força os Estados em construção a expandirem “atividades não militares”
(p. 180) Essa dinâmica inclui “encargos não planejados” (p. 182) e termina com um “resultado surpreendente”: “o
controle civil do governo” (p. 188).
162
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

a fundação e expansão de mercado de capirais (Sylla, 1999; Chesnais, 2004, p. 2).


Também organiza o sistema monetário e financeiro, o sistema de bem-estar social
— em sua versão mais pública ou mais privada —, provê serviços sociais e de saúde,
estabelece mecanismos econômicos anticíclicos — chegando ao que Warkins (2010)
denomina Treasury-Wall Street Nexus (o Estado como uma barreira de contenção da
crise de 2007-2008) — e contribui para a organização do capitalismo global (Wood,
1999; 2003; Panitch; Gintis, 2005).
Há uma dinâmica histórica de progressiva incorporação de novas funções e novas
tarefas pelo Estado. Estudos que focalizam períodos históricos diferentes descrevem
“novas funções do Estado” (Polanyi, 1944, p. 144) e “aumento e variedade das fun-
ções econômicas do Estado” (O'Connor, 1973, p. 81). A Figura 3.1 (na Seção 3.3)
expressa o crescimento quantitativo do peso econômico do Estado para o caso dos
Estados Unidos — crescimento sistemático, mas não linear, fortemente influenciado
pela dimensão militar (Atack; Passell, 1996, p. 652). O resultado desse processo
histórico é um Estado que em 2009 — medido pelos gastos governamentais — alcança
42,2% do PIB dos Estados Unidos (The Economist, 2011a, p. 2), qualitativamente
estabelece-se uma efetiva economia mista e uma articulação sui generis entre plano
e mercado.* Essas questões são relevantes para a discussão sobre o alcance da
democracia no capitalismo contemporâneo e a necessidade de alternativas.
Há uma dialética específica entre as metamorfoses do capitalismo e as meta-
morfoses do Estado. Afinal, o Estado é um ator que está na origem do capitalismo,
contribuindo para a emergência combinada da moderna classe trabalhadora e da
economia de mercado (Polanyi, 1944, p. 109). Foi parte da acumulação primitiva
(Marx, 1867, t. 2, p. 285-286) e veve um papel-chave na preparação das bases da
Revolução Industrial através da articulação do sistema de crédito britânico em torno
da dívida pública (Braudel, 1986).ºº

* —“OpesodoEstado no caso dos Estados Unidos é parte de caracteristicas definidas pela vaniedade de capitalismo
que ele representa. Outras variedades de capitalismo também detêm expressivas participações do Estado: Japão
(39,7% do PÍB), Alemanha (47,8%), França (56,0%) e Suécia (52,7%) (The Economist, 2011a, p. 2).
* — Diversaselaborações sugerem essa relação de interdependência entre as mudanças no Estado e na economia.
Em Marx (1869), há uma passagem na qua! é sintetizada uma dinâmica de mudanças no Estado trancês desde a
monarquia absoluta até o “segundo Bonaparte”: ao lado das mudanças políticas, Marxindica como uma maior divisão
do trabalho no interior da “máquina estata!” “(...) que crescia na mesma proporção em que a divisão de trabalho dentro
da sociedade burguesa criava novos grupos de interesse e, por conseguinte, nova material para a administração
do Estado" (p. 113-114). Offe (1984, p. 265) sintetiza a visão de Weber, que trataria como paralelas a expansão da
burocratização do Estado e da forma capitalista de produção — uma unease coexistence. Poulantzas (1978, p. 136)
apresenta uma periodização das formas do Estado capitalista que acompanha as diversas fases do capitalismo:
Estado liberal, Estado intervencionista e estatismo autoritário seriam as três formas de Estado. Poulantzas (1968,
p. 151) menciona “fenômenos de defasagem” nessa relação.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

monetária. Hayek (1976b, p. 33), ao apresentar a sua contestação ao monopólio


governamental da emissão de dinheiro, cita Adam Smith, buscando apoio para
sua posição. Segundo ele, “é talvez significativo, entretanto, que Adam Smith não
mencione o controle da emissão monetária entre as “apenas três obrigações das
quais, de acordo com o sistema da liberdade natural, o soberano deve cuidar”, Na
verdade, a discussão de Adam Smith no livro 5 vai além desses três pontos, envol-
vendo no capítulo 3 “as dívidas públicas”. Ao não apresentar a estrutura completa
da discussão de Adam Smith sobre “a receita do soberano ou do Estado”, Hayek
perde uma sutil relação entre as “dívidas públicas” e a defesa: “(..) em tempos de
guerra torna-se necessário dispor (...) de uma receita três ou quatro vezes superior
à suficiente para tempos de paz” (v. 2, p. 315). À origem dos “fundamentos que
começaram a pesar sobre a enorme dívida atual da Grá-Bretanha” está na “guerra
iniciada em 1688, e encerrada pelo tratado de Ryswick, em 1697” (v. 2, p. 324).
No meio dessa guerra, em 1694, foi fundado o Banco da Inglaterra — a partir de
um “empréstimo de guerra para a Coroa” (Villar, 1974, p. 219; Kindleberger;
Aliber, 2005, p. 55), uma instituição específica para a administração dessa dívida
pública (v. 2, p. 317-8). À natureza simultaneamente pública e privada do Banco
da Inglaterra é descrita por Adam Smith: “Ele age, não somente como qualquer
banco comum, mas como uma grande máquina do Estado” (v. 1, p. 276).
Adam Smith descreve as operações relacionadas a essa “grande máquina do
Estado”: “Recebe e paga a maior parte das anuidades devidas aos credores do
Estado, coloca em circulação títulos do Tesouro e adianta ao Governo o montante
anual dos impostos territoriais e taxas sobre o malte, dinheiro que muitas vezes só
é pago anos depois” (v. 1, p. 276-277). O autor chega a mencionar que “em virtude
de suas obrigações para com o Estado, ele [o Banco da Inglaterra] às vezes pode ser
obrigado a emitir papel-moeda em excesso” (p. 277). Ou seja, ao contrário da leitura
de Hayek, a elaboração de Adam Smith é capaz de descrever a complexa articulação
entre as funções do Estado, o papel da dívida pública já naquela fase histórica e a
necessidade de uma instituição específica para a administração dessa dívida pública
— o Banco da Inglaterra —, que, inclusive, emitia papel-moeda, segundo o autor.
Polanyi (1944), discutindo a “civilização do século XTX”, refere-se às funções
limitadas do Estado no tempo de Adam Smith e aponta como a instalação efetiva
do laissez-faire — a criação do mercado de trabalho foi implementada pelo Estado
— exigiria “um aumento enorme das funções administrativas do Estado” (p. 144)
— em função da complexidade das cláusulas das leis do cercamento, o controle
burocrático das New Poor Laws. Segundo Polanyi, “o caminho para o mercado livre
estava aberto e se mantinha através de um intervencionismo contínuo, controlado e
Capitulo 5
Limite econômico ou metamorfoses
do capitatismo? | 165

organizado de forma centralizada” (p. 146). Polanyi (p. 139) especifica o papel da
legislação fabril e das leis sociais, leis para a terra, tarifas agrárias, bancos centrais
e gestão do sistema monetário para a autoproteção da sociedade em relação aos
mercados autorregulados de trabalho, terra e dinheiro.
A elaboração de Polanyi descortina um elemento dinâmico importante na
ampliação das funções do Estado, ao discutir o “duplo movimento” (p. 139 e 153)
relacionado à emergência dos mercados autorreguláveis e à reação espontânea de
autoproteção da sociedade. Como afirma Polanyi, “o laissez-faire foi planejado, o
planejamento não” (p. 146). Essa dinâmica de autoproteção da sociedade, no racio-
cínio de Polanyi, leva a um crescimento qualitativo de funções do Estado, como
a legislação fabril e as leis sociais, leis e tarifas para a terra, necessidade de bancos
centrais para a gestão do sistema monertário (p. 139).ºº
Preobrajensky (1926, p. 173-181) estuda mudanças estruturais durante a Primeira
Guerra Mundial, avaliando os efeitos das mudanças dos tempos de guerra sobre
a dinâmica econômica dos tempos de paz. Adam Smith antecipa essa formulação
de Preobrajensky ao chamar atenção para um fenômeno relacionado à forma de
financiamento de guerras: “A redução da dívida pública em tempo de paz nunca
manteve proporção alguma com o acúmulo da mesma em tempo de guerra” (1776,
v. 2, p. 324).º Essa elaboração de Preobrajensky é parte de um raciocínio mais
amplo sobre os limites à operação da lei do valor no capitalismo monopolista.
Inicia-se com a identificação, por ele, de quatro fases do capitalismo: clássico,

?? A persistência e os novos ditemas da operação desse “duplo movimento” polanyiano são discutidos por Block
e Evans (2005, p. 516-517) ao tratarem da construção de instituições globais na era atual.
* Osmovimentos da dívida pública apontam uma Íntima relação entre o desenvolvimento da dimensão financeira
e períodos de guerra. É vasta a lista de eventos que relacionam esforços para administrar em tempos de paz gastos
com a guerra anterior e que implicam saltos consideráveis na articulação interna de sistemas financeiros — mercados
para lidar com os títulos públicos criados para administrar gastos incorridos em tempos de guerra. Alguns exempilos:
1) a criação de um mercado de capitais nos Estados Unidos após a Guerra da independência (Sylia, 1999, p. 259-
260); 2) durante a Guerra Civil, a venda de US$ 1 bilhão em bônus de guerra, operação que envolveu Jay Cooke,
significa um salto na história de Wall Street (Geisst, 2004, p. 57); 3) durante a Primeira Guerra Mundial, o lado
financeiro do esforço de guerra nos Estados Unidos fez saltar o número de detentores de títulos de 350 mil em 1917
para 11 milhões em 1919, que subscreveram os empréstimos de guerra (Geisst, 2004, p. 151). Como comenta Geisst,
“inadvertidamente, o esforço de guerra deu a uma vasta maioria de pequenos investidores um gosto por títulos que
cresceria durante a década de 1920” (p. 151). Quando esses títuios venceram e o dinheiro estava disponível para
novos investimentos, “Wail Street e o sistema bancário estavam bem preparados para atender a essa nova classe de
investidores" (p. 158); 4) na Segunda Guerra Mundial, emissões de títulos pelo Tesouro alcançaram US$ 11 bilhões
em 1944 e chegaram a US$ 53 bilhões em 1945, Após Pear! Harbor, o Tesouro rapidamente levantou US$ 2,5 bilhões.
Para essas iniciativas, “o Tesouro solicitou aos banqueiros de investimento e às companhias que não ofertassem
nenhum título (...) para evitar que eles se chocassem com as suas emissões. Quando as operações de mercado
foram combinadas com o esforço industrial dirigido pela Defense Plant Corporation, esse esforço coordenado se
tornou o maior da história” (Geisst, 2004, p. 267).
Capiítulo 5 i
Limite econômico ou metamorfoses
do capitahismo? | 167

avaliado por Preobrajensky sobre a transformação estrutural das relações entre


Estado e economia.*
A revolução keynesiana é parte de um movimento ideológico que prepara uma
ampliação da participação do Estado na economia (Bordo et al., 1998, p. 11). Essa
revolução e o New Deal estabelecem um novo patamar de participação do Estado.
Segundo Bordo e a/. (p. 19), o enorme papel do Estado, hoje, é consequência da
crise dos anos de 1930. Um “momento decisivo” na história econômica, que, para
Polanyi (p. 202), fora um tardio movimento de autoproteção nos Estados Unidos
— contramovimento retardado pelas condições específicas do país, com a livre pro-
visão de terra, trabalho e dinheiro, impossibilitando a emergência de um mercado
autorregulável. À Segunda Guerra Mundial significou um novo salto da participação
do Estado — com a consequente operação do efeito discutido por Preobrajensky
após a Primeira Guerra Mundial.
O quadro derivado dessa combinação entre os efeitos do New Deale da Segunda
Guerra Mundial foi captado pelas obras de O'Connor (1973) e Minsky (1982). À
contribuição de Minsky enfatiza o chamado big government — um forte elemento
anticíclico. OConnor (1973), em um trabalho que é útil como uma descrição de
novas funções que são assumidas pelo Estado no pós-guerra, intitula tal articulação
como Warfare-Welfare State-- traduzido para o português como “Estado militarista
previdenciário” (p. 153-179), O'Connor escreveu em um contexto no qual “as des-
pesas governamentais totais dos Estados Unidos cresceram de menos de 8% para
mais de 30% do PNB, entre 1890 e 1960” (p. 103). Para explicar essa elevação,
O'Connor lista diversas causas: despesas com investimentos sociais, despesa com
consumo social e despesas sociais de produção. Essas, relativas ao Warfare-Welfare
State, relacionam-se aos capitais excedentes (o Warfare State) e à população exce-
dente (o Welfare State).
Habermas (1981) e Offe (1984) discutem as transformações estruturais no
Estado. Habermas, que se apoia nas pesquisas de Offe, aponta um processo de
“substituição de funções de mercado por funções do Estado”, processo submetido à

? O papel da questão militar na moidagem dos formatos de interação entre Estado e mercado não se limita
ao caso dos Estados Unidos, como a avaliação de Preobrajensky comprova. O efeito e os impactos dos
imperativos militares são importantes na esfera mundial e na construção, longa e lenta, do capitalismo global.
Wood (2003, p. 120-124) analisa o efeito de “pressões militares externas” (p. 123) sobre o desenvolvimento do
capitalismo e a industrialização na França e na Alemanha, no século XIX — passo importante para o que Wood
denomina “internalização dos imperativos capitalistas”. Esse raciocínio pode também ser aplicado ao processo
de industrialização do Japão no final do século XIX: pressão militar externa (Anderson, 1974, p. 536-539) e um
padrão de desenvolvimento no qual “a produção relacionada a questões míilitares ocupava uma parcela significativa
da economia do Japão” (Odagiri; Goto, 1993, p. 80).
166
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

monopolista, “capitalismo estatal alemão dos anos 1914-1918” e “as tendências


muito acentuadas nesta mesma direção na economia da Entente durante a guerra”
(p. 171). Avalia que “durante a guerra mundial”, em especial na Alemanha, “as
tendências monopolistas do capitalismo receberam grande impulso em direção
a um desenvolvimento ulterior que conduziu a economia de um país como a
Alemanha até ao capitalismo estatal” — pois “as necessidades da defesa obrigaram
o Estado a fazer um inventário de todas as possibilidades de produção do país”,
Segundo Preobrajensky (p. 173-174), “a regulação de toda a produção capitalista
pelo Estado burguês atingiu uma profundidade sem precedentes na história do
capitalismo”. Nos países da Entente, “o sistema econômico do perfodo de guerra
foi um capitalismo estatal num grau bem menor, mas aqui também as tendências
nessa direção foram poderosas” (p. 174). Quando terminou a guerra, Preobrajensky
ressalta que não havia uma volta à livre concorrência e que as tendências monopo-
listas do capitalismo entravam em uma fase mais avançada (p. 174), e a “limitação
da lei do valor” adquiriu uma “força ainda maior” (p. 175).
Essa avaliação de Preobrajensky contribui também para a identificação da
associação entre a natureza bélica do capitalismo e a conformação da ampliação do
papel do Estado — que sempre traz as marcas do período anterior de sua expansão. É
possível conjecturar que os países vencedores, ao rearticularem o cenário geopolítico
internacional, preservam algumas características da economia da guerra, dados os
maiores compromissos militares. Arrighi (1994, p. 21) comenta esse fenômeno nos
Estados Unidos no período posterior à Segunda Guerra Mundial.
Ao focalizar o efeito da Primeira Guerra Mundial sobre o papel do Estado na
economia, esse raciocínio ressalta o seu aumento durante os confrontos e a ausência
de recuo ao nível pré-guerra no período posterior. Essa observação de Preobrajensky
é ilustrada pela Figura 3.1 (Seção 3.3), na qual o salto do gasto público na eco-
nomia americana — e o posterior não retorno ao nível do pré-guerra — implicou
uma mudança na tendência de ampliação da participação do Estado na economia,
segundo a avaliação de Atack e Passell (p. 652).
Atack e Passell — que não discutem Preobrajensky — sugerem uma extensão
dessa interpretação, na qual não apenas em guerras, mas também em crises nas
quais a ação do Estado é uma ferramenta da política, o nível anterior de interven-
ção não é recomposto. Esse mecanismo — intitulado the ratehet effect — explicaria
como “novos serviços € atividades que são constantemente acrescentadas pelo
governo” (Atack; Passell, p. 653). Como a economia dos Estados Unidos passou
por guerras durante todo o século XX, é importante não subestimar esse efeito
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

restrição de não colocar em perigo “o nível de investimentos das empresas privadas,


que em princípio deve assegurar” (p. 486). Discutindo características do Estado
Social-Democrático de Direito — que em sua tipologia corresponde à quarta forma
de organização —, Habermas aponta três dimensões da intervenção estatal na eco-
nomia: 1) garantia militar e jurídico-institucional das condições de existência das
formas de produção; 2) influência sobre a conjuntura econômica; e 3) política de
infraestrutura tendente a manter as condições de realização do capital (1981, v. 2,
p. 486).
Lenhart e Offe (1977) discutem caracrerísticas do Estado capitalista na República
Federal da Alemanha no pós-guerra. É muito importante na elaboração de Offe a
discussão sobre o Estado de Bem-Estar Social — que contribuiu para as políticas de
reprodução da força de trabalho e para o estabelecimento do moderno mercado de
trabalho, com todas as salvaguardas criadas. Entreranto, é necessário esclarecer que
Offe trata do sistema de bem-estar social alemão — caracterizado na tipologia de
Esping-Andersen como “estratificante-conservador”. É diferente do modelo nórdico,
nessa mesma tipologia — que porta a mais ampla capacidade de desmercantiliza-
ção. Essa contextualização, à luz da tipologia de Esping-Andersen, é importante
para diferenciar o que há de correto na crítica de Offe (e também de Habermas)
ao Estado de Bem-Estar Social da Alemanha, “estratificante-conservador”, da
avaliação do experimento sueco. Esse modelo social-democrata, na caracterização
de Esping-Andersen, é o mais universalista, público e estimulador de mobilidade
social entre os tipos de sistemas de bem-estar social — será identificado como um
dos “germes visíveis" do socialismo.
As transformações estruturais do Estado capitalista possuem alguns elementos
de irreversibilidade — por um lado, a complexidade crescente da economia deter-
mina esse papel estrutural nas interações entre o Estado e o capital; por outro, os
movimentos polanyianos de autoproteção da sociedade parecem ser parte da dinã-
mica capitalista. Evidências dessa irreversibilidade encontram-se na preservação
de elementos dos sistemas de bem-estar nas economias avançadas mesmo após os
governos Thatcher e Reagan. Therborn (1984, p. 37), ainda no governo Thatcher,
avaliava que todas as evidências disponíveis sugeriam que o “capiralismo dos siste-
mas de bem-estar social (Welfare State capitalism) representa um desenvolvimento
irreversível do capitalismo avançado”. Esping-Andersen (1999, p. 172), após o fim
da Era Thatcher, avalia que, apesar das mudanças radicais em governos, “não há
nenhum caso de transformação profunda nos regimes de bem-estar social”.
Capitulo 5 ;
Limite econômico ou metamorfoses ]
do capitaismo? | 169

Finalmente, entre a ampliação das funções do Estado está a sua articulação


com o processo de “globalização”.** Essas funções do Estado do país hegemônico
(e dos Estados nacionais em torno dele) foram apresentadas por Arrighi em relação
a fases anteriores do capitalismo à medida que “a formação do mercado mundial e
a conquista militar do não Ocidente avançaram pari passu” (1994, p. 21).
Panitch (2000, p. 8) chama atenção para uma relação entre a “globalização”
e uma maior complexidade da natureza e da função do Estado. Wood (1999, p.
177), apoiada em sua análise do papel do Estado na origem do capitalismo, ressal-
ta a dependência do “capital global” em relação aos Estados nacionais — surgiria,
assim, uma nova função para o Estado nacional, para além daquelas relacionadas à
manutenção de condições favoráveis à acumulação: “Ajudá-la a navegar na economia
global” (p. 177), Wood (2003, p. 141) sustenta que

o mundo hoje é mais do que nunca um mundo de Estados-nação. A forma


política da globalização não é um Estado global ou soberania global (...) À
essência da globalização é uma economia global adminstrada por um sistema
global de Estados múltiplos e soberanias locais, estruturado em uma relação
complexa de dominação e subordinação.

Esse sistema de diversos Estados tem problemas próprios, adverte Wood (2003,
p. 1á4).
Esse papel do Estado nacional é também destacado por Block e Evans (2005,
p. 517): empresas transnacionais dependem de apoio dos Estados nacionais de suas
sedes. Panitch e Gindin (2005, p. 112), também investigando novas funções para o
Estado dos Estados Unidos, discutem o seu papel na formação e no gerenciamento
do capitalismo global. A construção atual do que Wood (1999) denomina “transna-
cionalização de mercados e do capital”, processo supervisionado pelos Estados nacio-
nais mais importantes, determina o surgimento de novos problemas. Hobsbawm
(2010, p. 140-141) identifica a existência de entidades e práticas transnacionais em
choque com o Estado nacional — choque que pode ser entendido não como um
enfraquecimento do Estado nacional em si, mas a sua crescente incapacidade para
lidar com os problemas derivados da “internacionalização dos mercados”. Isso coloca
em discussão a necessidade de emergência de controles supranacionais para lidar
com os problemas da nova fase do capitalismo. Block e Evans (2005) perguntam
sobre a possibilidade de um contramovimento polanyiano na esfera internacional.

?*? —“Globalização que, por sua vez, está relacionada à revolução das tecnologias da informação e da comunicação
— ligação que Hobsbawm acentua (2010, p. 140) e Wood (1998, p. 41) problematiza.
Captulo 5
Liunte econômico ou metamorfoses
do capitaismo? | 171

Arrighi tem sugerido a abertura de um período de “turbulência sistêmica”, que


caracterizaria a fase de transição de hegemonia.
Se, por um lado, o declínio dessa hegemonia pode ser identificado de diversas
formas (e em especial pela posição do dólar na economia mundial), a dificuldade da
transição de hegemonia em curso pode ser exemplificada pelos ajustes na avaliação de
Arrighi em relação aos candidatos a centro hegemônico. Inicialmente, o candidato
seria o Leste Asiático, liderado pelo Japão (Arrighi, 1994, p. 344). Posteriormente,
um bloco sino-nipônico (Arrighi; Silver, 1999, p. 296). Finalmente, Arrighi volta-
-se para a China como possível núcleo do bloco da Ásia Oriental (Arrighi er al.,
2003; Arrighi, 2007).
À transição entre diferentes “dinheiros mundiais” não é simples nem destituída
de atritos e choques. A transição entre a libra e o dólar completou-se com o resultado
da Segunda Guerra Mundial. O fim da hegemonia completa do dólar, possivel-
mente uma característica do atual período de turbulência sistêmica, é muito mais
complexo do que a perda dos Estados Unidos da posição de “oficina do mundo”. À
persistência do peso do centro hegemônico em declínio como importante centro
financeiro mundial é uma característica recorrente dos processos de transição de
hegemonia (Braudel, 1986, p. 245; Atrighi er a/., 1999, p. 94). No linguajar das
ondas longas, é um descasamento institucional que é fonte importante de crises
(Freeman; Perez, 1988). Essa persistência oferece uma margem de manobra resi-
dual — embora importante em termos conjunturais — à nação que está perdendo
sua posição hegemônica (Wood, 2003, p. 133).
Possivelmente, a subestimação da questão do dinheiro mundial está por trás de
um certo impressionismo em relação à emergência do Japão em elaborações de neo-
-schumpeterianos como Nelson (Nelson; Wright, 1992) e Freeman (Freeman; Perez,
1988). Na elaboração de Freeman, há um interessante lapso, que pode ser captado
no cotejamento entre duas edições de seus trabalhos. Em uma tabela preparada
por Freeeman e Perez (1988, p. 55 e 57), na quinta onda longa, o Japão alcançaria
a posição de país líder, com os Estados Unidos ocupando a segunda posição. Na
versão da mesma tabela apresentada na terceira edição do The Economics of Industrial
Trnovation, Freeman e Soete (1997, p. 70) recolocam os Estados Unidos como país
líder da quinta onda longa. Essa discreta oscilação talvez retrate um problema real
na avaliação da posição dos Estados Unidos no cenário internacional, aliás também
existente na elaboração de Chesnais. Os Estados Unidos persistem como o país
emissor do “dinheiro do mundo” (ou pelo menos da principal divisa internacional),
em especial, quando comparado com o papel tímido da moeda japonesa na esfera
internacional.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

A sistematização das diversas referências às mudanças no Estado serve para


apoiar uma sugestão básica sobre a relação entre as mudanças no capitalismo e no
Estado: as metamorfoses no capitalismo implicam e são consequência de mudan-
ças no Estado, Há, aqui, uma complexa causalidade, que explica o compasso e o
descompasso entre as metamorfoses do capitalismo e do Estado. De uma forma
bastante simples, há descompasso porque, por um lado, as crises vêm antes da res-
posta política que determina transformações no Estado; por outro, o Estado pode
assumir novas tarefas que criam novos setores econômicos e/ou revoluções tecno-
lógicas — investimentos em ciência e mesmo em pesquisa aplicada, que apoiaram,
por exemplo, a origem da internet (Fabrizio; Mowery, 2007).

3 — Mudanças de país hegemônico

A transformação dos Estados Unidos em “caso clássico” do capitalismo já contém


um importante elemento relacionado à ascensão e queda de países da posição de
liderança ou de hegemonia. A articulação entre as abordagens das ondas longas e
dos ciclos sistêêmicos de acumulação estabelece um cenário propício para o retorno
da discussão sobre os Estados Unidos. A substituição da Grá-Bretanha pelos Estados
Unidos na posição hegemônica foi identificada por diversos aurores. Preobrajensky
(1926), por exemplo, apresenta uma descrição da ascensão da hegemonia dos Estados
Unidos, em uma análise que envolve questões tecnológicas, creditícias (p. 178) e
militares (p. 179), Weber, a partir do resultado da Primeira Guerra Mundial, iden-
tifica a abertura de uma nova era caracterizada pela liderança dos Estados Unidos.?
A elaboração de Freeman e Perez (1988) destaca, entre as características mais
importantes da sucessão de ondas longas, os países “líderes tecnológicos” de cada
fase. Os Estados Unidos aparecem entre os países líderes na segunda onda longa,
atrás da Grá-Bretanha, França, Bélgica e Alemanha. Já na terceira, disputam a
liderança com a Alemanha. E passam a liderar a quarta, preservando a posição na
quinta onda longa (1997, p. 70-71).
ÀA abordagem dos ciclos sistêmicos de acumulação tem na transição de hegemo-
nias um elemento central (Arrighi, 1994), Essa elaboração tem insistido no declínio
da condição hegemônica dos Estados Unidos e tem sistematicamente aperfeiçoado
os argumentos em relação a esse declínio. Desde o seu livro O longo século XX,

? —Essaavaliação está em carta apresentada por Marianne Weber em sua biografia (Max Weber, carta de 24 nov.
1918, transcrita por Mariane Weber, 1926, p. 745).
172
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Inversamente, Arrighi subestima a importância da questão tecnológica na dinã-


mica capitalista, o que o leva a subestimar a capacidade de resistência dos Estados
Unidos como centro hegemônico. À dimensão e a sofisticação do sistema de inovação
dos Estados Unidos contribuem para a preservação de um papel importante, apesar
de diversos sinais relativos ao início da perda de posição hegemônica. A liderança
dos Estados Unidos, na revolução das tecnologias da informação e da comunicação
dos anos de 1990, demonstra a força do sistema de inovação do país.
A forma como Arrighi (2007, p. 99-172) dialoga com a elaboração de Brenner
(2002; 2006) sobre os Estados Unidos no cenário atual é instrutiva — uma limi-
tação da análise de Brenner, segundo Arrighi, seria exatamente a dificuldade para
incorporar os elementos que sinalizam essa perda da posição hegemônica e o quadro
internacional de turbulência sistêmica.
O acompanhamento da reemergência da China no cenário internacional é
importante para avaliar as mudanças no papel internacional dos Estados Unidos.
O processo na Ásia Oriental é difícil, pois requer um nível razoável de articulação
política e econômica entre a China, o Japão e a Coreia do Sul; além da solução de
questões delicadas como, por exemplo, o destino de Taiwan. Dada a história da
região no século XX e as diversas questões geopolíticas envolvidas, é possível sugerir
que o cenário mais provável, em termos de uma combinação entre as abordagens
das ondas longas e dos ciclos sistêêmicos de acumulação, seja um período de turbu-
lência sistêmica mais duradouro do que o usual. Essa conjectura deriva-se, por um
lado, do peso da persistente liderança científica e tecnológica dos Estados Unidos
(destacada pelos teóricos das ondas longas) — o que sinaliza a dificuldade de sua
queda rápida — e, por outro, pelos movimentos na esfera financeira (destacados pelos
teóricos dos ciclos sistêmicos de acumulação) — que sublinham as perdas atuais da
sua liderança.
Isso significaria um cenário internacional multipolar, com toda uma série de
fontes de tensões e de problemas daí resultantes. Em especial, dado ao descompasso
entre a dimensão internacional de vários problemas (como as crises financeiras) e
a inexistência de instituições internacionais capazes de intervenção suficiente para
resolver esses problemas.
Um problema adicional da atual transição de hegemonia é a natureza da expansão
financeira atual, centrada nos Estados Unidos. À natureza das expansões financeiras
se transforma, porque os títulos e produtos financeiros que as caracterizam mudam
com o tempo, € as instituições que ancoram os movimentos dos capitais excedentes
são diferentes. O arranjo institucional da atual expansão financeira é diferente do
anterior, qualitativa e quantitativamente — massas de capitais fictícios que represen-
tam um valor de mercado das empresas listadas em bolsa nos Estados Unidos, em
Capítulo &
Limite econômico ou metamorfoses
do caprtaismo? | 173

2007, US$ 19 trilhões, em 2008, US$ 11,5 trilhões. A própria expansão anterior à
crise do mercado subprime de hipotecas imobiliárias (Brenner, 2006, p. 316 e 322)
pode ser interpretada como uma tentativa de encontrar canais de “valorização”
interna das massas de capitais excedentes circulantes nos Estados Unidos — movi-
mentos de capitais excedentes em busca de aplicação em ativos não direcionados à
produção, dado os limites de rentabilidade existentes.
À atual fase de “turbulência sistêmica” caracteriza-se pela combinação de diver-
sos elementos: declínio da hegemonia dos Estados Unidos, emergência da Ásia
Oriental como “oficina do mundo” (mas a preservação dos Estados Unidos como
principal “laboratório do mundo”), im do monopólio do dólar como divisa das
reservas internacionais e inexistência de uma nação ou um grupo de nações como
alternativa imediarta à hegemonia dos Estados Unidos. Além deles, há o surgimento
de dois elementos novos: 1) iniciativas internacionais concertadas entre os bancos
centrais dos países avançados (superando uma fase em que as medidas nacionais
eram o elemento fundamental) -- iniciativas que indicam uma nova natureza das
ações estatais anticrise; 2) um novo salto no big government para conter nacional e
internacionalmente a difusão da crise. Essas iniciativas podem ter efeitos não des-
prezíveis sobre a velocidade da transição hegemônica e a duração da fase de turbu-
lência sistêmica. Porque são iniciativas que postergariam o reencontro em um país
(ou região) da “função de banco central de compensação” com o “papel de oficina
do mundo” — características básicas de um novo centro de um ciclo sistêmico de
acumulação (Arrighi er a/., 1999, p. 72).
Há uma vasta polêmica em torno do diagnóstico de Arrighi: Panitch e Gindin
(2005) consideram prematura a identificação do fim da hegemonia dos Estados
Unidos. Porém, Panitch e Gindin reconhecem que a China tem potencial para
emergir como rival do US empire, embora essa possibilidade ainda esteja distante
(p. 122-123). Um ponto de concordância entre a elaboração de Panitch (e mesmo de
Wood) e Arrighi estaria no diagnóstico da “bifurcação” entre o poder econômico e
militar aparentemente em curso. Arrighi e Silver (1999, p. 285) consideram que não
há precedente nas transições anteriores. Wood (2003, p. xil), por sua vez, reconhece
que a supremacia econômica dos Estados Unidos “não é mais tão incontestada como
antes”. Entre estudiosos da China há dúvidas sobre a sua capacidade em assumir
a liderança hegemônica no lugar dos Estados Unidos (Naughton, 2007, p. 349).
Para a discussão das metamorfoses do capitalismo, o crescimento do peso da
Ásia Oriental na dinâmica econômica atual é expressão de uma mudança estrutural
importante — e expressão da variedade de capitalismos. À natureza do capitalismo
no Japão (Ohkawa; Kohama, 1989), na Coreia do Sul (Amsden, 1989) e em Taiwan
(Wade, 1990) envolve uma nova forma de interação entre plano e mercado, dada
Capitulo 5
Limite econômico ou metamorfoses
do capitalismo? | 175

hegemonia da Inglaterra para a dos Estados Unidos; 2) novos elementos teóricos: a


edição dos Grundrisse trouxe mais clareza quanto aos problemas relativos à aplicação
da ciência à produção e todas as suas implicações — Preobrajensky, aparentemente,
não se beneficiou da leitura e das discussões dessa obra de Marx.
A elaboração de Preobrajensky discutiu a forma de operação da lei do valor
típica da primeira e da segunda ondas longas (o capitalismo mais próximo da livre
concorrência) e da terceira fase (o capitalismo dos monopólios). Ao generalizar o
esquema de Preobrajensky, é possível afirmar que cada fase do capitalismo tem
formas diferentes de operação da lei do valor, relacionadas com crescente erosão da
sua livre operação, determinada pela complexidade crescente da “dialética entre o
mercado e o planejamento”,
As mudanças estruturais que contribuem para “minar” a operação da lei do
valor” podem ser resumidas em cinco diferentes grupos.

%1 Aplicação da ciência à produção

No primeiro grupo estão as mudanças relacionadas à aplicação da ciência à pro-


dução, que cria um problema para a operação da lei do valor, porque ela apresenta
um sério problema de medida para o sistema, como Marx discute nos Grundrisse.
Esse problema é multiplicado ao longo do desenvolvimento do sistema capitalista.
Por um lado, para viabilizar a produção da ciência, o Estado deve desenvolver-se.
Uma de suas novas funções — que cresce de forma sistemática ao longo do século
XX - é o financiamento e a organização das atividades científicas. Esse desenvol-
vimento do Estado implica restrições à operação da lei do valor.
Por outro lado, para mitigar esses problemas de medida, o sistema de crédito
desenvolve-se — e ele tem as suas próprias restrições à operação da lei do valor.
Como consequência, o aperfeiçoamento do “estado geral da ciência e da tecno-
logia” amplia consideravelmente a criação dos problemas de medidajá identificados
por Marx em meados do século XIX.
O papel do Estado como financiador da ciência — um dos componentes básicos
da criação dos sistemas de inovação — altera a natureza da concorrência, por impor

? Emtrabalhoanterior é realizada uma resenha em relação às elaborações sobre ondas tongas (Albuquerque,
1990, cap. 1), basicamente a partir de um diálogo entre as contribuições de Mandel (1980) e Freeman (1984).
Nesse trabalho, tentam-se articular as metamorfoses que o sistema sofre em cada onda longa com mudanças
nos mecanismos de operação da lei do valor (Albuquerque, 1990, p. 28). Essa tentativa foi avaliada de forma
crítica posteriormente (Albuquerque, 1996, p. 191), o que levou à sugestão de existência de um “curto-circuito
no valor". À incorporação da dimensão financeira e de seu papel na contenção da explosão do valor amplia a
discussão do tema.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

a natureza da presença do Estado no desenvolvimento desses países. À narureza


do capitalismo chinês contemporâneo sugere uma nova combinação entre plano e
mercado nas economias capitalistas (Rawsky, 1979; Naughton, 1995; 2007; Kornai,
2000; OECD, 2002; King; Szelényi, 2005; The Economist, 2012).
Ou seja, o eventual fim do período de hegemonia dos Estados Unidos implica
também novas características estruturais da economia, a partir da natureza do
capitalismo que vai se moldando na região candidata a se tornar um novo centro
hegemônico. Essas mudanças estruturais são importantes desde o momento atual,
dada a reacomodação da posição internacional dos Estados Unidos, já imposta pela
dinâmica econômica da Ásia Oriental.

* — Dinâmicadelongo prazo e transformações


estruturais no capitalismo

Sistematizar e consolidar uma visão de permanente transformação e retransfor-


mação do sistema capitalista é uma introdução para a formulação de programas das
lutas em prol de uma nova sociedade — cada mudança estrutural implica atualizações
programáticas de orientação da luta socialista. Uma fotografia da realidade capitalista
contemporânea é também uma introdução para a definição de novos termos para
o debate sobre o socialismo — insistentemente estimulado pela Escola Austríaca.
O método de Rosdolsky sugere que a investigação do capitalismo contemporâneo
seja um pré-requisito para a discussão sobre socialismo.
Preobrajensky (1926, p. 170-182) apresenta um método para lidar com os efeitos
das transformações estruturais do capitalismo sobre a operação da lei do valor. O
efeito combinado dessas mudanças estruturais leva à “limitação da lei do valor”
(p. 175), na medida em que a “economia mercantil acha-se minada” (p. 182). O
período “relativamente mais perfeito, para a liberdade de concorrência e, consequen-
temente, mais favorável à ação da lei do valor, foi a época do capitalismo clássico,
que precedeu a passagem para a etapa imperialista” (p. 172).
A elaboração de Preobrajensky contextualiza as condições de operação da lei do
valor, com acento nas mudanças relacionadas ao advento do capitalismo das grandes
empresas. O quadro do capitalismo contemporâneo é bem mais complexo do que
o descrito por Preobrajensky na década de 1930. Quadro mais complexo por duas
razões: 1) contexto histórico: a elaboração de Preobrajensky realiza-se durante a
terceira onda longa e durante o período de turbulência sistêmica da transição da
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

às empresas a necessidade de gastos em P&D. Isso exige um padrão de investimen-


tos que as afaste dos ditames da competição característicos do capitalismo clássico,
com a emergência das sociedades anônimas.
Um resultado de longo prazo da aplicação da ciência à produção é a sucessão de
revoluções tecnológicas ressaltada pela formulação das ondas longas — as revoluções
tecnológicas relacionam-se com mudanças nas formas específicas de financiamento,
dependentes dos arranjos financeiros construídos até então.
Essas revoluções tecnológicas também abrem, periodicamente, espaço para a
incorporação pelo capital de novas áreas não industriais: cultura — indústria de
cinema —, saúde — via mercantilização da Medicina —, produção imaterial — software,
por exemplo. Essas novas áreas, em geral, criam diversos novos problemas para a
operação da lei do valor (questões de apropriabilidade das inovações, a natureza
especial de mercadorias como a atenção médica).

542 Aplicação da ciência à guerra

No segundo grupo, estão as mudanças relacionadas à variante bélica do primeiro


grupo — a aplicação da ciência — e o peso da questão militar sobre o papel do Estado
na dinâmica capitalista. Esses elementos ficam mais claros a partir da abordagem
dos ciclos sistêmicos de acumulação, dado o peso da questão militar para a definição
dos países hegemônicos.
Ellen Wood (2003, p. 153) atualiza o diagnóstico sobre a natureza belicista do
capitalismo ao ressaltar que “estamos agora descobrindo que a universalidade dos
imperativos capitalistas de forma alguma removeu a necessidade da força militar”.
A aplicação da ciência à guerra, seja direta ou indiretamente, por meio da “indus-
trialização da guerra”, contém elementos econômicos — através de novas áreas de
intervenção do setor público — e ideológicos — captura de cientistas pela conjuntura
da Guerra Fria (ver Greenberg, 2001), um mecanismo indireto de subordinação
da ciência ao capítal.
Para além dos episódios militares em si, as diversas guerras que foram estrutu-
radoras da atual ordem mundial, há os efeitos das economias de guerra sobre as
economias em tempos de paz. Essa incorporação permite a preservação de limites
discutidos por Preobrajensky para períodos mais amplos, o que tem impacto sobre a
natureza da dinâmica econômica (guerra como reforço às tendências monopolistas
e à presença do Estado e de elementos de planejamento).
Há ainda a forma como a natureza bélica do capitalismo impacta a dinâmica
econômica: um mecanismo de legitimação e de efetivação da ampliação do papel do
Capitulo 5
Linmite econômico ou metamorioses
do capitaismo? | 177

Estado. Essa contribuição para a legitimação da ampliação do Estado nas economias


ao longo do século XX tem impacto inclusive sobre a área de ciência e tecnologia,
na medida em que os efeitos indiretos dos spill-overs sobre a dinâmica tecnológica
representam uma justificativa para maiores gastos em P&D militar.
Finalmente, um elemento importante para a discussão da delimitação da área
de operação das forças de mercado no capitalismo contemporâneo, em especial, no
caso dos Estados Unidos, é ressaltado por Guttmann (1994, p. 169), que descreve
o complexo industrial-militar como uma construção institucional única: “Esse
complexo industrial-militar é fortemente isento das regras de mercado e opera como
uma economia centralmente planejada”. Ou seja, a organização industrial específica
da indústria bélica também contribui para a erosão da operação da lei do valor.

543 O sistema financeiro

No terceiro grupo, estão as mudanças relativas à questão financeira, em geral,


€ ao desenvolvimento do capital fictício, em particular.
O sistema de crédito — e toda a sua contribuição para “quebrar as medidas”
— também impõe severas mudanças à operação da lei do valor. Harvey (1982,
p. 149-150) relaciona a emergência da moderna empresa multidivisional e diversas
mudanças no processo competitivo. Dentre essas mudanças, “a competição por
capital monetário mudou o foco para os mercados de capitais” (p. 150). Nessa
visão há um deslocamento do lócus da concorrência capitalista, com a ampliação
da importância do mercado de capitais.ºº
FHá o desenvolvimento material e a concomitante acumulação de massas mone-
tárias, que acompanham a expansão material. Essas massas monetárias ampliam a
capacidade de capitais para se retirarem do raio de operação (ao menos imediata)
da lei do valor — como Marx sugere em O capital —, processo que prosseguiu e se
ampliou significativamente desde então. Além disso, a acumulação de dinheiro e
de títulos, a valorização de ações, tudo isso permite a multiplicação de caminhos
para “abolir as medidas” e para maior acesso ao capital social.
Uma mostra dessa característica é identificada pela magnitude da acumulação
de capital fictício em escala global: massas de capitais fictícios que representam
ativos globais das empresas listadas em bolsas totalizaram, no final de 2008, US$
32,5 trilhões (World Federation of Exchanges, 2008, p. 84); já em 2007, foram

* É verdade que Schumpeter (1911) já colocava o mercado de capítais como o “quartel-general” do sistema
capitalista.
Caprulo 5 |
Limite econônico ou metamorfoses
do capitalismo? | 179

Essa mudança estrutural em direção a uma economia mista, inicialmente, se


processa em escala nacional. Após a crise de 2007-2008 há um esboço de um salto
de qualidade na ação dos big governments nacionais, através de ações internacionais
articuladas para conter o aprofundamento de crises. O exemplo é a ação concertada
de diversos bancos centrais de países desenvolvidos para conter a crise em 2008 -- os
diversos big governments nacionais longamente construídos no período posterior à
Grande Depressão e à Segunda Guerra Mundial entram em ação organizada nos
dias 8 e 13 de outubro de 2008 (BIS, 2009, p. 18).
Finalmente, os desenvolvimentos das novas instituições e as metamorfoses
cobram novas funções do Estado no capitalismo contemporâneo. Essa questão não
se limita ao caso dos Estados Unidos. A China, eventual alternativa à hegemonia
dos Estados Unidos, representaria um novo arranjo no qual o Estado teria uma
participação quantitativa e qualitativamente mais importante, um novo formato
na “dialética entre mercado e planejamento”.
As mudanças mais relevantes, a longo prazo, estão exatamente na forma como
se realiza essa combinação entre plano e mercado. Nessa relação, ao longo do
tempo, está o processo de relativização do papel do mercado como mecanismo de
coordenação econômica no capitalismo, recuo e recolocação que se relaciona com
o crescimento da complexidade da economia.

545 — Mudanças de país hegemônico

No quinto e último grupo, estão as questões relativas às mudanças de centro


hegemônico do capitalismo mundial, uma demonstração da flexibilidade do sistema
capitalista.
As mudanças de hegemonia relacionam-se a transformações no mercado mun-
dial e na moderna operação das empresas multinacionais, na medida em que seus
movimentos permitem -- e às vezes antecedem — mudanças mais gerais.
Historicamente, essa flexibilidade geográfica tem custos humanos expressivos.
Durante o período de turbulência sistêmica surgiu o fenômeno do totalitarismo,
descrito por Hannah Arendr (1968). Na mesma cadeia de eventos ocorreram duas
guerras mundiais,
Finalmente, essa flexibilidade geográfica está associada à flexibilidade insti-
tucional, pois é pouco provável que a estrutura do capirtalismo do novo centro
hegemônico seja uma cópia da estrutura do centro em declínio — uma nova fonte
de fôlego para o sistema capitalista.
178
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

US$ 60,87 trilhões (World Federation of Exchanges, 2007, p. 74). Dentro de certos
limites, a acumulação de capital fictício pode ser uma arma na luta competitiva,
uma vez que firmas podem ser adquiridas por emissão de ações e a recomposição
da capacidade produtiva e inovativa pode ter lugar apenas com a utilização dessa
acumulação de capital fictício.
Dada a ampliação do peso do capital fictício, desenvolvem-se novas funções para
os sistemas estatais de administração monetária, entre elas está a função de barreira
de contenção da cotação das “ações” e do capital fictício em geral.
Finalmente, a flexibilidade do capital financeiro, seguindo a lógica enfatizada
pela abordagem dos ciclos sistêêmicos de acumulação, permite a fuga de problemas
derivados da operação minada da lei do valor, buscando novos locais de acumu-
lação — o mundo das finanças como o “antimercado”, como sugere Arrighi. Cada
expansão financeira tem um diferenrte formato institucional decorrente da natureza
das instituições financeiras mais importantes em cada fase, com destaque para as
diferenças entre os tipos e o peso do capital fictício envolvido.
Há aqui uma sucessão de formas organizacionais, que coevoluem com as organi-
zações econômicas e oferecem diversas alternativas de saída — de forma diferenciada
— aos entraves que surgem no processo de acumulação. As mudanças na organização
do sistema financeiro repercutem sobre o formato das crises que surgem.

544 O Estado

No quarto grupo, estão as mudanças em relação à natureza e ao tamanho do


Estado e às interações com o mercado — diversas novas funções impulsionadas pela
dinâmica aberta pela interação entre inovação e finanças.
À mudança estrutural resultante do crescimento sistemático, em termos quan-
titativos e qualitativos, do Estado ao longo do século XX foi a transformação da
economia capitalista em uma “economia mista”, na qual a “dialética entre o mercado
e o planejamento” define a atividade econômica. Essa transformação foi impulsio-
nada pela dinâmica da aplicação da ciência à produção, pela necessária presença
do Estado para bancar o acúmulo de capital fictício, pela sua natureza bélica e pela
sucessão de economias transitórias de guerra que preservam suas marcas no retorno
aos tempos de paz. Essa natureza crescentemente mista da economia capitalista
consolida essas mudanças, constrangendo a lei do valor a locais limitados. Esse
componente estrutural é trão marcante que, mesmo após Reagan/Bush e Thatcher,
não houve redução expressiva do Estado (The Economist, 2011a, p. 2).
1801
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

46 Transformações estruturais em três dimensões

Na tentativa de articular três dimensões da dinâmica capitalista de longo prazo


— tecnologia, finanças e poder — surgem elementos que indicam o crescimento da
complexidade entre os seus determinantes — e da economia capitalista. Essa crescente
complexidade interna a cada dimensão relaciona-se com uma maior complexidade
na inter-relação entre essas três dimensões. Um exemplo dessa complexidade cres-
cente e generalizada é a dificuldade de justapor as cronologias das ondas longas e
dos ciclos sistêmicos de acumulação — as cinco ondas longas posteriores à Revolução
Industrial correspondem a dois ciclos sistêmicos completos. Essas cronologias são
estabelecidas pelos fatores centrais na análise de cada abordagem.
Há superposição e desencontro nessas cronologias, que refletem a complexidade
dos processos que elas pretendem descrever. Na sucessão das tecnologias centrais das
cinco ondas longas — mecanização da indústria têxtil, máquina a vapor, eletricidade
€ química, motor a combustão e eletrônica e, finalmente, as tecnologias de infor-
mação e comunicação —, há por trás uma crescente complexidade das tecnologias,
grosso modo, determinada por seu crescente conteúdo científico. Isso demanda um
conjunto de articulações institucionais sintetizadas no conceito de sistema nacional
de inovação. O sistema financeiro e o dinheiro mundial se rearticulam de forma
que não se justapõem exatamente a essas mudanças técnicas — a cronologia dos
ciclos sistêmicos de acumulação acompanha com mais precisão as mudanças no
dinheiro mundial. O que é realmente útil na discussão entre essas duas abordagens
é a percepção da sistemática ampliação da complexidade das atividades econômicas,
com um possível corolário que é o desenvolvimento de sofisticadas interações entre
mercado e planejamento, entre o privado e o público-estaral na dinâmica econô-
mica. Essa dinâmica de longo prazo sublinha as metamorfoses do capitalismo, a
riqueza de alternativas existentes para a dinâmica capitalista e o resultado atual
dessas transformações: o capitalismo como uma economia mista. Indica também
o amplo espaço para a indeterminação, dada a multiplicidade e complexidade dos
atores envolvidos.”

? Wood(1998, p 38-40) discute questões relacionadas à periodização no capitalismo. O texto é uma crítica à
divisão entre a modernidade e a pós-modernidade, mas identifica um conjunto de questões que contribuiriam para um
debate (necessário) sobre como periodizar o capitalismo. Wood considera a existência de mudanças tecnológicas ao
longo da história do sistema, mas alerta para os riscos de determinismos tecnológicos. Wood sugere uma mudança
histórica importante na atualidade — mais um salto na internacionalização dos mercados.
Capitulo 5 !
Limite econômico ou metamorfoses ,
do capitalismo? 181

Por outro lado, esse resultado e essa compreensão teórica podem ser contrapostos
à elaboração de Hayek, que sugere que o mercado responderia à complexidade da
atividade econômica — e deve ser deixado à sua própria regulação.

** — Resultado indeterminado e metamorfoses


do capitalismo

A articulação entre a abordagem das ondas longas com os ciclos sistêmicos de acu-
mulação enfatiza a capacidade de persistente transformação do sistema capitalista.
Essa ênfase na capacidade de transformação do sistema capitalista é um elemento
de análise que muitas vezes falta em avaliações mais localizadas sobre o destino do
atual modo de produção. Essa lacuna pode ser percebida nas controvérsias sobre a
aplicação da ciência à produção e sobre o crédito,
A dinâmica de longo prazo é uma exposição sobre a superação de barreiras e a
criação de outras, como sugere Marx. A partir da ênfase colocada na capacidade
de transformação e na capacidade de superação de barreiras, recoloca-se a questão:
há um limite para esse processo? À escala dessas barreiras alcançaria um nível que
não pode ser ultrapassado?
A literatura econômica trata desse tema em diversos momentos.
Grossmann (1929) é explícito na formulação da teoria da derrocada. Porém,
uma leitura cuidadosa desse livro revela o arsenal de “circunstâncias neutralizantes”
à disposição do capitalismo para evitar a chegada da derrocada. O conjunto das
contratendências à queda da taxa de lucro é vasto o suficiente para sempre — até
aqui — conseguir se contrapor aos fatores determinanrtes da queda da taxa de lucro.
Nesse sentido, Grossmann traz uma importante contribuição para as elaborações
sobre ondas longas e ciclos sistêmicos ao escrever um livro que na verdade lida com
a flexibilidade do sistema, e não com a sua derrocada.
Schumperter (1942) é o autor mais enfático sobre o fim do capitalismo. À sua
superação seria resultado do seu sucesso, e o socialismo poderia ser democrático e
mais inovativo do que o capitalismo. É curioso que um autor tão importante na
elaboração da abordagem das ondas longas do desenvolvimento capitalista tenha
realizado esse diagnóstico. A ênfase de Schumpeter na emergência das grandes
sociedades anônimas no século XX, que tornaria obsoleta a função empresarial ao
tornar a atividade inovativa rotineira, é a base desse diagnóstico sobre os limirtes do
Capitulo &
Limite econômico ou metamorfoses
do capitaiismo? | 183

para se contrapor a essas barreiras mais poderosas também crescem de forma sig-
nificativa — o Estado tem aqui um papel central. A ação para a contenção da crise
implica o início de algumas transformações estruturais que afetam a natureza da
dinâmica capiralista, o que implica novas fontes para indeterminação em relação
aos resultados e novos testes para a flexibilidade do capitalismo como sistema global.
A ação para a contenção da crise de 2007-2008 pode significar o início de
uma nova fase, À ação concertada de Estados nacionais (BIS, 2009, p. 18) foi um
ponto-chave para a contenção da crise. Essa ação pode abrir uma nova fase para a
dinâmica capitalista global, em especial por definir um novo estágio para a ação
do Estado nos países centrais.
A resposta do governo dos Estados Unidos à crise financeira de 2008 é instrutiva,
dado o peso da intervenção pública para evitar a quebra de bancos importantes para
o sistema financeiro. Essa ampliação do alcance e da dimensão do setor público
estabelece, potencialmente, novas demandas para as instituições democráticas:
controle democrático sobre gastos públicos.
À crise de 2007-2008 e sua contenção devem ser entendidas como resultado de
uma dinâmica na qual os efeitos recíprocos (ou o interplay) entre o Estado e o merca-
do se processam de uma forma na qual predominam as negociações entre setores das
elites — classes dominantes -- com pequena participação popular: o sufrágio universal
é importante para conter ações mais pesadas de natureza antipopular — ver o special
report “Repent at leisure” (The Economist, 26 jun. 2010, p. 13) e a impossibilidade
de um free-market Stalin. Ou seja, o rearranjo entre Estado e mercado ocorre de
uma forma na qual a pressão popular está presente na parte defensiva — instituições
construídas em fases anteriores — e ausente na parte propositiva (fruto da debilidade
dos movimentos sociais e dos movimentos dos trabalhadores em escala mundial).
À mudança de tom nas matérias do The Economist é um indicador de uma nova
preocupação: em 2010 há um special report sobre endividamento, com especial
ênfase na dívida pública; em 2011 publica-se um special report sobre o Estado.
Novas funções de regulação para o Estados nos países capitalistas centrais devem
ser definidas (há um vasto consenso, que pode ser visto em publicações do BIS, do
FMI e do próprio The Economist). Problemas derivados da administração da dívida
pública devem determinar uma nova expansão dos Estados. Daí deve derivar-se
um novo arranjo.
À repercussão mais importante da ação combinada entre a crise e as medidas
para a sua contenção é a aceleração da transição para uma nova fase do capitalismo
global. As evidências são diversas:
182
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

capitalismo. Porém, a dinâmica da aplicação da ciência à produção permite quebrar


a lógica dos problemas derivados das consequências da monopolização, abrindo
novas áreas para a dinâmica econômica — e a possibilidade de emergência de novas
empresas que abririam novos setores, alimentando novas revoluções tecnológicas e
novo fôlego para a dinâmica capitalista. Nesse sentido, a quarta e a quinta ondas
longas desmentem a previsão de Schumpeter.
Minsky (1986), com o seu foco na questão financeira e na inerente instabilidade
que ela carrega, sugere apenas uma inevitável sucessão de crises ao longo do tempo
e a solução dessas crises por mudanças institucionais específicas para superá-las.
Arrighi (1994) avalia o prognóstico de Schumpeter a partir do arcabouço teórico
dos ciclos sistêmicos de acumulação, enfatiza a flexibilidade e discute a possibilidade
de “acumulação sem fim”, mas deixa em aberto o resultado.
A existência de limites do capitalismo deve ser avaliada levando em conta os
seguintes pontos:
1) a história do capitalismo confirma a avaliação de Marx sobre barreiras
superadas por novas barreiras;
2) a existência de uma enorme flexibilidade institucional, transformações
que envolvem a permanente criação de novas instituições e novos arranjos
interinstitucionais (formas novas de interação entre as instituições exis-
tentes e as instituições criadas) e permanentes deslocamentos geográficos;
3) os espaços abertos para transformações do sistema a partir da combina-
ção de um diagnóstico mais econômico de Marx (1894) — superação de
barreiras — com o célebre diagnóstico político de Lênin (1920) — “não há
situação sem saída para a burguesia”;º
4) uma dinâmica global que transforma o capitalismo em um sistema econô-
mico com novas características, possivelmente sintetizada pela expressão
“economia mista” — o que tem profundas implicações tanto para a avaliação
da dinâmica econômica em si como para a atualização programática da
luta pela superação desse sistema.

Não é simples a questão sobre a “escala” das barreiras erguidas pelo capitalismo.
Porque, por um lado, elas são de fato cada vez maiores. Por outro, porém, os recursos

* Lêninapresenta esse balanço no informe ao Segundo Congresso da !!! Internacional! tratando de uma conjuntura
que pode ser descrita como revolucionária — em especial na Alemanha (ver Broué, 1971). A ênfase nessa alta
capacidade de manobra da burguesia em um contexto desfavorávei é uma demonstração cabal da ausência de
qualquer determínismo na transição para o socialismo, O informe de Lênin utiliza-se ampla e elogiosamente de um
texto de Keynes (As consequências econômicas da paz).
184
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

D o The Economist menciona o retorno do state capitalism (2011a, p. 3) — por


acidente ou por planejamento: entre 2005 e 2009, o tamanho médio dos
Estados na OECD ampliou-se de 44,1% do PIB para 47,7% do PIB, com
o Estado nos Estados Unidos alcançando 42,2% do PIB;

há diversas referências à crise do modelo anglo-saxão, mas a sua capacidade


de recuperação deve ser registrada. O The Economist chegou a mencionar
uma nova bolha de TICs em formação (12 maio 2011);

3) acelerar a transição para uma moeda mundial mais multilateral


(Eichengreen, 2011, p. 150), incluindo o aperfeiçoamento de meca-
nismos internacionais de gestão de crises;
a crise bancária no centro e a situação dos bancos em países importantes
da periferia pode acelerar a ascensão da China e de outros países peri-
féricos (ver The Economist, 2010b, p. 1);”
maior internacionalização das atividades econômicas em geral — a
emergência das redes globais de inovação (Ernst, 2006) é uma evidência
adicional dessa nova fase — e consequente maior descompasso institu-
cional global entre a dimensão das instituições internacionais e a falta
de governança global. O BIS (2011, p. xil) explícita a necessidade de
melhorar os mecanismos de coordenação internacional;
6) o The Economist (2011d) avalia que a transferência do poder econômico
do Ocidente para o Oriente está se acelerando.
A partir dessas evidências, pode-se pensar na natureza das próximas crises, em
função da persistência da turbulência sistêmica, provocando esforços para um novo
ajuste frente a essas novas características — em especial em relação à mudança na
natureza do dinheiro mundial e ao aprofundamento do descompasso entre a inter-
nacionalização e a construção de instituições de governança adequadas.
Esse resultado indeterminado, e essas transformações em curso, porém, devem
ser cotejadas com duas questões importantes em relação ao longo prazo, que con-
tribuem para qualificar essa dinâmica de superação de barreiras a partir da criação
de novas barreiras. Em primeiro lugar, não se deve subestimar o custo humano e
social existente até aqui nas transições de hegemonia, Em segundo, a dinâmica do

E
Um special reportdo The Economistconsidera que “a crise do sistema bancário ocidental, ainda ressoando no sul
da Europa, parece ter acelerado a mudança da força dos bancos dos países ricos para o mundo em desenvolvimento”
(2010b, p. 1). O papel do sistema financeiro chinês é evidente nessa mudança.
Capitulo 5 |
Limite econômico ou metamorfoses :
do capitahsmo? : 185

capiralismo, a longo prazo, tem originado novos problemas que podem colocar um
limite à existência humana: os riscos de uma carástrofe ambiental expressam uma
nova escala dos problemas criados pelo capitalismo.”?
Esse resultado indeterminado em relação aos limites econômicos do capitalismo,
dada a sua flexibilidade, e esses novos desafios provocam a discussão de alternati-
vas ao capitalismo. Porque a eventual superação do modo de produção capitalista
depende do processo democrático (e de seu aprofundamento) e de uma escolha da
população no sentido da construção de uma nova sociedade.

* Comoumtrabalhorepresentativo dessas novas questões, Rockstróm ef at. (2009) descrevem um balanço delicado
para a existência humana na Terra. Existiriam nove condições planetárias cujo respeito garantiria a permanência do
nosso planeta habitável pela espécie humana. Entre essas condições estão “acidificação de oceanos”, espessura da
camada de ozônio, uso de água potável, poluição química. Segundo Rockstrom et a/. (2009), três dessas condições
já tiveram os limites toleráveis ultrapassados (mudança climática, ritmo de perda de biodiversidade e os ciclos de
nitrogênio e fósforo).
Parte 3

Alternativas ao capitalismo
Capitulo 6

Uma resenha do debate atual

Introdução: a quarta rodada do debate


sobre plano e mercado

As metamotfoses do capitalismo colocam permanentemente novas questões para


a perspectiva socialista: os termos do debate sobre o próprio socialismo devem mudar,
acompanhando as mudanças do sistema capitalista. À renovação permanente do
programa da transição para o socialismo é um corolário político e econômico das
metamorfoses do capitalismo. A própria presença social e política de forças sociais
envolvidas (direta e indiretamente) na perspectiva da transformação socialista impõe
mudanças no sistema capitalista que resultam em novas características estruturais.
A discussão da superação do sistema capitalista e da possibilidade, necessidade e
atualidade da transição para uma sociedade socialista e democrática não é um tema
restrito à economia. Ele é objeto de reflexões de teóricos de campos do pensamento
como a filosofia, a sociologia, a ciência política, a antropologia e a psicanálise. Na
Economia, é um tema de diversas áreas como teoria econômica, história econômica
e história do pensamento econômico. Autores do porte de Marx, Weber, Durkheim,
Simmel, Schumpeter e Hayek trataram do tema. Uma escola do pensamento
econômico, a chamada Escola Austríaca, desenvolveu-se, em grande medida, a
partir de debates e polêmicas em torno da (im)possibilidade da existência de uma
sociedade socialista. À natureza do sistema econômico existente na URSS é objeto
de inúmeras controvérsias e de estudos e investigações.
O sumário das disputas teóricas sobre o socialismo na teoria econômica envol-
veria um enorme esforço de síntese, que deve lidar inclusive com uma controvérsia
em torno da interpretação desse debate.
Cagtulo 6
Uma resenha do debate atual

1992; Shleifer; Vishny, 1992), o Journal of Economic Literature (Putterman et al.,


1998), o Cambridge Journal of Economics (Milonakis, 2003), além da New Lefi
Review (Blackburn, 1991).
A bancarrota da URSS também revitalizou a Escola Austríaca, que tem reiterado
convites à comunidade acadêmica para a reaberrura dos debates sobre o “cálculo
econômico sob o socialismo” (Caldwell, 1997),? ao mesmo tempo que interpreta a
experiência soviética (Boettke, 2001) e de outros países do Leste (Prychitko, 2002).
Por isso, é expressiva a contribuição da Escola Austríaca à importância acadêmica
do debate sobre o socialismo.
Finalmente, essa quarta rodada do grande debate entre plano e mercado realiza-se
em um contexto político e intelectual bastante distinto dos três anteriores, especial-
mente por representar o auge da influência de Hayek (Albuquerque, 2008, p. 386).
Portanto, tratar do socialismo como um tema acadêmico é legítimo — por se
constituir uma área academicamente vigorosa e expressiva. O tratamento acadê-
mico abrangente do socialismo envolve pelo menos seis sistematizações teóricas:?
1) localizar o tema do socialismo na teoria econômica dos séculos XIX, XX e XX;
2) realizar um balanço abrangente do toralitarismo stalinista e da experiência da
URSS e dos demais países do Leste Europeu;* 3) avaliar o processo histórico da

? Kirzner(1988,p.1)ressalta a importância dos debates entre 1908 e 1945 como um elemento impuisionador da
elaboração teórica da Escola Austriaca.

? —“Esseroteiro foi proposto em trabalho anterior (Albuquerque, 2005).

* —Emirabalho anterior (Albuquerque, 2008), avaliam-se as rodadas da discussão sobre plano e mercado no
século XX.

S —"Nesse balanço é crucial discutir por que o resultado da bancarrota das burocracias do Leste Europeu foi a
restauração da economia de mercado e não a transição para uma forma mais democrática de organização social
não capitalista. Essa alternativa é considerada por Mandel (1989, p. 15) como uma das possibilidades. É interessante
anotar que Mandel (1988), nessa análise realizada durante o períado Gorbatchov, avalia quatro cenários, dentre os
quais não consta a restauração do capitalismo. Essa alternativa, entretanto, é avaliada por Trotsky (1937), em seu livro
ÀA revolução traída. Nesse livro, Trotsky destaca a superioridade econômica e tecnológica do capitalismo, considera
a “intervenção das mercadorias a baixo preço” como o maior perigo para a URSS (p. 11) e pergunta se “os êxitos
econômicos e culturais obtidos previnem-nos do perigo de uma restauração capitalista” (p. 34). O final da URSS,
em 1991, responde essa pergunta de Trotsky. À natureza da bancarrota das burocracias demanda uma reavaliação
crítica da visão de Trotsky sobre a natureza do Estado soviético. À elaboração de Hannah Arendt (1968) é uma
referência teórica indispensável - para caracterizar a natureza totalitária do stalinismo. Essa caracterizaçãojá havia
$ido esboçada por Hilferding (1940) durante a Segunda Guerra Mundial. Um trabalho anterior (Albuquerque, 2005)
apresenta uma discussão inicial de um balanço da URSS, com ênfase na dimensão tecnológica. As duas principais
ausências desse trabalho são a crítica de Rosa Luxemburgo (1918) à dissolução da Assembleia Constituinte pelos
bolcheviques e a refiexão de Hannah Arendt (1968) sobre a natureza do totalitarismo stalinista.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

A importância do tema do socialismo na teoria acadêmica pode ser sintetizada


por uma formulação de Buchanan (1991) — o século XX foi o século do socialismo.
A teoria econômica despendeu considerável energia na discussão entre a alterna-
tiva mercado e planejamento, questão que teria sido resolvida pelo im da URSS,
argumenta Buchanan, O fim da URSS determinaria uma nova fase no debate eco-
nômico, com a entrada em um novo século pós-socialista. À equiparação realizada
por Buchanan entre o socialismo e a experiência stalinista é algo profundamente
questionável — objeto de controvérsia teórica —, mas o seu artigo é uma constatação
da importância acadêmica do tema ao longo do século XX.
Por isso, é necessário enfatizar que as discussões atuais sobre o socialismo são
apenas parte de uma controvérsia acadêmica muito mais longa. Para localizar o
debate atual, a controvérsia acadêmica é agrupada em quatro rodadas: 1) entre 1908
€ 1945, o debate sobre o “cálculo econômico no socialismo”, no qual os interlocutores
mais importantes foram Barone, von Mises, Lange e Hayek; 2) entre 1926 e 1929,
o “grande debate” sobre a industrialização na Rússia soviética, entre Preobrajensky
e Bukarin; 3) entre 1983 e 1991, o debate estimulado pela era Gorbatchov, sobre
plano, mercado e democracia, envolvendo Alec Nove, Ernest Mandel, Diane Elson;
4) a partir de 1991, o debate sobre o socialismo de mercado: os autores mais impor-
tantes são Roemer, Stiglitz e E. O. Wright.!
Nessa periodização, a quarta rodada dos debates sobre plano e mercado foi aberta
pelo fim da URSS. O fim da URSS, da experiência stalinista e variantes, ao invés
de terminar com o debate acadêmico sobre o tema, abriu uma nova fase e desper-
tou novos temas. À bancarrota da URSS abriu pelo menos quatro novas linhas de
investigação acadêmica: 1) balanços da experiência da URSS (bons exemplos dessa
linha são os trabalhos de Nove (1992) e Kornai (1992)); 2) discussões sobre como a
teoria econômica lidou com o tema ao longo do século XX (bons exemplos são os
trabalhos de Stiglitz (1991) e Boettke (2001)); 3) trabalhos derivados da abertura
de arquivos da antiga URSS (Gregory, 2004; Gregory; Harrison, 2005); 4) um
novo campo especializado na transição das economias do Leste para a economia de
mercado (Kornai, 2000), que também investiga a natureza dos regimes econômicos
dela resultantes (King; Szelényi, 2005).
Além dessas novas quatro linhas, a bancarrota da URSS revigorou a discussão
de alternativas socialistas, em especial, estimulou uma profusão de modelos de
socialismo de mercado, Essa nova rodada de debates sobre plano e mercado ocupa
páginas de revistas como o Jfournal of Economic Perspectives (ver Bardhan; Roemer,

* — Essa periodização está sugerida em Albuguerque (2008),


192
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

China;* 4) realizar um balanço dos processos de burocratização e de adaptação


aos limites da sociedade capitalista dos partidos socialistas europeus; 5) discutir
a fraqueza histórica dos partidos de esquerda nos Estados Unidos; e 6) tratar de
forma sistemática as análises da Escola Austríaca e as propostas atuais em torno
do socialismo de mercado.
A apresentação de uma abordagem representativa da Escola Austríaca (Lavoie,
1985b) é uma introdução a essa questão, que também envolve uma sistematização
de diversas propostas na rodada sobre o “socialismo de mercado” — propostas, por
sinal, fortemente influenciadas por sua elaboração.

* — Hayek, mercadoe o
“problema do conhecimento”

A definição dos novos termos do debate envolve uma visão crítica de pontos
centrais da elaboração da Escola Austríaca;em especial a visão sobre a natureza
do mercado na sociedade capitalista. Essa visão crítica é importante também
porque boa parte das propostas atuais de socialismo de mercado contém (explí-
cita ou implicitamente) a aceitação da interpretação de Hayek sobre o mercado.
Uma delas, explicitamente, propõe ser Hayek uma das vertentes básicas para a
construção de uma alternativa de socialismo, ao lado de Marx e de Aristóteles
(Burczak, 2006, p. 4)
A trajetória de Hayek inicia-se com a sistematização das posições de von Mises
na controvérsia sobre o cálculo socialista (1935), passa ao ataque de propostas
de socialismo de mercado (1940), ataca as políticas relacionadas ao New Deal
(1944), chega a uma crítica a políticas keynesianas em geral (1974) e aos sistemas
de bem-estar social em particular (1976a).
Uma das principais elaborações de Hayek é a definição do “problema do
conhecimento”, que se transformou em um tópico aceito de forma pouco crí-
tica nos debates atuais. À importância desse ponto é perceptível na elaboração

* —O Capítulo 4 deste livro é um início de reflexão sobre a natureza da experiência chinesa em relação ao
soclalismo. O número especial da Historical Materialism (v 18, n. 1, de 2010), um simpósio sobre a elaboração
de Arrighi sobre a China, é uma leitura importante.

? —Adamane Devine (1997), anteriormente, apresentaram uma proposta de “modelo austriaco de socialismo de
mercado" (ver Albuquerque, 2008).
Capitulo 6 |
Uma resenha do debate atual í
193

de Burczak (2006, p. 2). O “problema do conhecimento” é definido por Lavoie


(1985a) a partir da elabôração de Hayek (1937, 1940 e 1945) durante o debate sobre
o “cálculo socialista”.º
O problema do conhecimento deriva-se da complexidade da economia que não
pode ser capturada por nenhum agente econômico central, dada a multiplicidade
de informações parciais detidas por milhões de diferentes agentes econômicos
(consumidores, produtores, comerciantes etc.). Quem realiza a composição desses
milhões de diferentes planos individuais é o mercado, através do mecanismo de
preços, que é capaz de sintetizar as informações relevantes e necessárias para agentes
econômicos decidirem suas escolhas. Essa formulação de Hayek, elaborada a partir
de intervenções anteriores de von Mises (1920), cumpre dois papéis no debate: em
primeiro lugar, ataca a possibilidade de um planejamento central da economia, pois
nenhum planejador central será capaz de deter todas as informações necessárias
nem de processá-las adequadamente (crítica ao modelo stalinista de planejamento
central burocrático, então em vigência)º —; em segundo lugar, no confronto com os
modelos de Lange, essa formulação critica a possibilidade de reproduzir de forma
computacional a ação do mercado, implícita em modelos de socialismo de mercado.
A conclusão política nos dois casos é a necessidade de mercados operando livre e
plenamente para a existência de racionalidade econômica.
Essa elaboração de Hayek é resultado de intervenções na polêmica, durante as
quais — isso parece ser um elemento importante da Escola Austríaca — os argumentos
se aperfeiçoam."º
Em um primeiro texto (Hayek, 1937), é apresentado o início de sua argumenta-
ção, ao considerar a questão da informação e de sua divisão como a questão econô-
mica chave (p. 50). A informação e o conhecimento estão dispersos pela economia,
€ os indivíduos apenas podem deter e ter acesso a partes e fragmentos dessa massa
de informação e conhecimento, Por isso, a questão principal da economia é a “inte-
ração espontânea” de inúmeras pessoas, cada uma possuindo apenas “fragmentos
de conhecimento e informação”, o que resulta em uma situação em que “os preços

? —“Oproblema do conhecimento é o argumento de que um escritório de planejamento central, mesmo que bem-
“intencionado, não teria o conhecimento para combinar recursos de uma forma econômica o suficiente para sustentar
a tecnologia moderna” (Lavoie, 1985a, p. 52).
? —Acríticaaos problemas do planejamento centralizado, burocrático e autoritário da URSS foi realizada por Trotsky,
desde a década de 1920 (ver Nove, 1981).
* “Seriainteressante observarque o tom de Hayek contra a abordagem do equilíbrio geral cresce à medida que os
textos se sucedem,. O que está em curso, de forma paralela, é o desenvolvimento da visão de mercado por Hayek,
que o faz distanciar-se crescentemente da visão apresentada pela abordagem do equilíbrio geral. É importante
lembrar que a elaboração de Taylor e Lange apoia-se na abordagem do eguilíbrio geral.
Capítuto 6
Uma resenha do debate atual
195

o conhecimento (p. 223).* Nesse texto, Schumpeter é criticado por sua posição
no livro Capitalismo, socialismo e democracia (p. 222) em relação ao debate sobre
plano e mercado.
Após essas intervenções no debate específico sobre o “cálculo econômico sob o
socialismo”, Hayek avança na crítica a intervenções públicas ou estatais nas eco-
nomias capitalistas: critica o keynesianismo (1973) e tentativas de reformas sociais
(1976a). Esse caminho de FHayek pode ser captado desde o seu livro The road to
serfdom, no qual é apresentada a sua forte propensão teórica para insinuar que
tudo o que interfere no mercado (incluindo o New Deal, políticas keynesianas e o
Welfare State) tem o potencial de levar a sociedade ao full-fledged socialism — como
Hayek escreve na introdução da edição de 1956 do livro (Hayek, 1999, p. xxxiv).
Enfim, ele transita do debate sobre o “socialismo” para o debate sobre reformas no
capitalismo.”?
Em textos posteriores (1976a, p. 107-109; 1978), Hayek explicita uma visão mais
geral da ordem de mercado. Os problemas mais importantes dessa elaboração são o
seu caráter a-histórico (o mercado seria uma instituição que não se transforma com
o tempo) e a ausência de reflexões sobre a natureza da sua relação com o Estado
(que esteve na origem dos mercados modernos e preserva a capacidade de definir a
abertura de novas áreas para a atuação do mercado).
Nessa visão mais geral, há a associação entre mercado (como ordem espontâ-
nea) e complexidade, na qual a posição de Hayek é inequívoca: a complexidade da
economia só pode ser adequadamente processada pelo mercado, em função da sua
natureza como um organizador e coordenador de milhões de planos individuais e
informações dispersas que não são processadas e nem processáveis por nenhuma
entidade/instituição central (Hayek, 1945; 1976a, p. 107-109). Porém, historica-
mente, a crescente complexidade da economia tem se associado ao surgimento de
diversas novas instituições não mercantis para responder aos novos problemas e às
novas questões que emergem,

? “Nessetexto, Hayek considera que é errôneo considerar que "nossa análise de equilíbrio (..) tenha relevância
direta para a solução de problemas práticos" (1945, p. 223).

? Essamudançatambém pode ser acompanhada em Lavoie (1985a, p. 2-3), que parte da crítica ao “planejamento
compreensivo" (modelo stalinista) para a crítica do “planejamento não compreensivo”, que inclui experiências como
a da Reconsíruction Finance Corporation — criada em 1932 por H. Hoover — e a do MITI japonês.

* —A elaboração de Weber é importante para indicar essa relação Em uma resenha, Held (1989) sintetiza o que
seria a visão de Weber: “Na medida em que a vida econômica se torna mais complexa e diferenciada, a administração
burocrática se torna mais essencial” (p. 42).
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

correspondem aos custos” (p. 50). Essa narureza do conhecimento e da informação


inviabiliza que qualquer agência da sociedade detenha toda informação relevante
— uma introdução aos problemas do “planejamento central”. Em uma colocação
que sintetiza a elaboração desse texto, afirma Hayek: “Como pode a combinação
de fragmentos do conhecimento presentes em mentes diferentes alcançar resultados
que, se fossem tentados deliberadamente, requereriam um nível de conhecimento
da mente dirigente que nenhuma pessoa isoladamente pode possuir?” (p. 54).
Nesse estágio da elaboração de Hayek, já estão presentes os elementos mais
importantes de sua visão do conhecimento (disperso entre indivíduos que detêm
apenas fragmentos), a impossibilidade de uma “única mente” deter todo o conhe-
cimento relevante" e a menção aos limites da intervenção humana, que não obteria
de forma deliberada o que consegue de forma espontânea. Hayek, posteriormente,
elabora-essa questão através da oposição entre a ordem espontânea (de mercado) e
o planejamento humano (human design ou rational design), que fundamenta toda
uma apreciação sobre ação econômica e política (Hayek, 1973; 1976a; 1979).
Em um segundo texto (Hayek, 1940), os modelos de Lange e Taylor são cri-
ticados. Para Hayek, a introdução da competição nos modelos não resolveria os
problemas do plano. Conforme Lange (1936-1937) sugere, nesse modelo a substi-
tuição dos mercados pelo planejamento é possível e operacional (p. 83). É contra
esse ponto (e a teoria do equilíbrio geral que o fundamenta) que se volta a crítica
de Hayek. A ideia básica, em resposta a Lange, é a incapacidade de replicação dos
mercados por outros mecanismos que não a livre operação do sistema de preços — o
mercado não teria substitutos, uma recolocação dos argumentos sobre a dispersão
do conhecimento fragmentado. Além desse ponto-chave, há novos argumentos de
Hayek, em relação à atuação dos gerentes de produção responsáveis pelo encami-
nhamento do plano e seu monitoramento, questões relativas a incentivos e a riscos
— temas que a Escola Austríaca sugere que teriam antecipado a moderna economia
da informação (Caldwell, 1997).
Em um terceiro texto (Hayek, 1945), as teses em relação ao papel do conhe-
cimento na sociedade são apresentadas de forma mais acabada — é exposta a tese
da “maravilha do mercado” (p. 87). O conhecimento relevante é relacionado a
circunstâncias particulares de tempo e espaço, o sistema de preços é o mecanismo
para a comunicação da informação relevante e de coordenação das atividades eco-
nômicas. Mais uma vez, ressalta a impossibilidade de “uma única mente” deter todo

* Lavoie(1985a, p. 87) indica o papel da teoria do conhecimento de Hayek como base de toda a sua elaboração,
inclusive da crítica ao planejamento central.
1961
É AGENDA ROSDOLSKY
| Eduardo da Motta e Albuquerque

Possivelmente a limitação do mercado como instituição contribui para a emer-


gência de novas instituições. O padrão de complexidade da economia e do mercado
do tempo de Adam Smith é distinto do atual, tanto em termos da divisão de tra-
balho quanto da divisão de conhecimento e informação. Para lidar com a crescente
complexidade da economia — e a consequente multiplicação de atores e de interesses
que surgem e se estabelecem — novas instituições são criadas. Essa emergência his-
tórica e dinamicamente circunscreve as áreas de atuação do mercado e reorganiza
as funções e o relacionamento entre instituições mercantis e não mercantis.
Hayek não enfatiza a história do mercado e suas interações com outras insti-
tuições, em especial, com o Estado. Braudel (1979, p. 192) ressalta a existência de
transformações significativas no que ele chama de “complexo de mercado” - o mer-
cado tem história e não é uma instituição estática, que se repete sem transformações.
Embora em Hayek o papel da mudança seja importante, esta ocorre no interior
do mercado: o sistema de preços é definido por Hayek (1945, p. 219) como “um
tipo de máquina para registrar mudanças”. Essa maquinaria, ao contrário do que
Braudel considera, parece estar imune a mudanças.”* Além disso, Hayek subestima
o processo histórico no qual a emergência dos Estados modernos é crucial para a
conformação dos mercados no início do desenvolvimento capitalista (ver Heckscher,
1931; Polanyi, 1944; Wood, 1999).
Essa associação entre mercado e complexidade se tornou uma espécie de dogma,
com forte difusão e influência até mesmo entre proponentes de alternativas socia-
listas. Se essa associação fosse direta e incontestável, o desenvolvimento histórico
não teria gerado novas instituições para lidar com essa crescente complexidade e
para inclusive ampliar essa complexidade da sociedade e da economia. À posição de
Hayek relativa ao dinheiro, na qual sugere o fim do que ele chama de “monopólio
estatal” da emissão de papel-moeda, seria uma demonstração da sua subestimação
da complexa construção de instituições para lidar com a emissão monetária e a
administração de seus problemas (Hayek, 1976b).
Enfim, ao longo do desenvolvimento histórico do capitalismo, a crescente com-
plexidade da economia, do mercado e da sociedade determinou o surgimento e o
crescimento de inúmeras novas instituições, entre elas o enorme crescimento do
Estado e de seu entrelaçamento com as instituições mercantis (o Estado é impor-
tante para a criação de novos mercados). A dialética entre mercado e planejamento
utilizada por Arrighi para descrever o caso dos Estados Unidos no século XX é
bastante complexa. Essa dialética envolve interações “justapostas no espaço”, mas

* Pelikan(2003) formula explicitamente esse ponto, ao propor a ideia de uma “pausa evolucionária”.
Capitulo 6 |
Uma resenha do debate atual

também “sucessivas no tempo”." As interações “sucessivas no tempo” ocorreram


como efeito dos saltos do setor público nos tempos de guerra, que repercutem pos-
teriormente em tempos de paz e, por isso, seriam interações mais difíceis de caprar.
Caso o mercado como instituição fosse capaz de lidar com a crescente comple-
xidade da vida econômica e social, ele continuaria atuando sozinho e sem sofrer as
constantes restrições à sua operação pura que emerge de diversas fontes da dinâmica
do próprio capitalismo, Por exemplo, para lidar com a complexidade dos processos
de inovação tecnológica, as economias modernas utilizam-se de arranjos institucio-
nais, como os sistemas de inovação, nos quais o mercado tem um papel claramente
circunscrito. Os mercados sequer são os únicos mecanismos de seleção em operação
no capirtalismo dos Estados Unidos (Nelson; Winter, 1982).
Os problemas do mercado para o processamento de informações e de conheci-
mento estão associados a questões muito relevantes e diversas, como o crescimento
da firma, que substitui a coordenação de transações pelo mercado por hierarquias
(Williamson, 1975), o desenvolvimento de instituições específicas para a geração
de novas informações e novo conhecimento (Arrow, 1962), o desenvolvimento de
mecanismos públicos e estatais de regulação do dinheiro (Keynes, 1930), institui-
ções para lidar com problemas gerados pela dinâmica mercantil pura para mitigar
desemprego (Esping-Andersen, 1990) e agências especiais para sistematizar informa-
ções econômicas e estatísticas. As limitações do mecanismo de mercado para lidar
com problemas contemporâneos relativos à mudança climártica têm sido reiteradas
(Freeman; Soete, 1997, p. 415; Barrer, 2009, p. 73).
A ausência de reflexões sobre o processo histórico das economias capitalistas
modernas determina a absorção por elaborações inspiradas em Hayek de uma visão
teórica sobre o mercado que não conterpla as transformações relevantes.
O capirtalismo do final do século XX é caracterizado por um salto do peso do
conhecimento e da informação na dinâmica econômica — características aprofun-
dadas pela revolução das tecnologias da informação e comunicação (Freeman;
Louçã, 2001, cap. 9). Esse peso crescente traz novos elementos para a análise. Atrow
(1962) apresenta um questionamento implícito a Hayek ao colocar que, quando a
informação passa a ser uma mercadoria (especial), há diversos problemas na formu-
lação de que o sistema de preços contém todas as informações necessárias para os
agentes. Há ainda severas restrições para a extensão do mercado para áreas como a

* —“Essadistinção entre justaposição espacial e sucessão temporal é utilizada por Marx (1894, t. 1, p. 188) em outro
contexto,
Capítulo &
Uma resenha do debate atual
199

Na sua primeira contribuição específica, Lavoie (1985b, p. 28-47) apresenta


um capítulo intirulado “Marx's socialism: the critique of rivalry” (cap. 2). Para
Lavoie (1985b, p. 29), Marx tinha uma ideia bem definida sobre as características
principais da sociedade socialista, Na crítica aos socialistas utópicos, sugere Lavoie,
Marx teria desenvolvido um método para examinar a sociedade socialista. Isso é
uma crítica de Lavoie aos autores que argumentam que Marx teria escrito pouco
sobre o socialismo. Para Lavoie,

em diversos aspectos, onde O capital nos apresenta uma “fotografia” teórica


do capitalismo, o seu “negativo” nos informa a visão de Marx sobre o socia-
lismo. Assim, ao contrário da ideia difundida de que Marx apenas falou sobre
o capitalismo, eu argumento que está implícito nos escritos de Marx uma
visão de socialismo singular, unitária, coerente e notavelmente consistente
(1985b, p. 30).

Por isso, explicita Lavoie (1985b, p. 30), “(...) Marx ensinou que implícitos na sua
crítica negativa do capitalismo estavam os pontos essenciais de sua teoria positiva
do socialismo”.
Assim, todos os estudos de Marx sobre o capitalismo teriam por objetivo
compreendê-lo para, a partir do negativo de suas características estruturais, definir
as características constitutivas do socialismo. O roteiro de Lavoie sobre Marx está
organizado em torno da oposição entre a “produção social anárquica” do capita-
lismo e a “produção conscientemente organizada” do socialismo. Ou seja, a partir
do método do socialismo como o negativo do capitalismo, a abolição do mercado
assumiria uma característica-chave do socialismo na visão de Marx: Lavoie chega
a sugerir que a crítica de Marx ao capitalismo está fortemente interligada com
seu “conceito de planejamento econômico central” (1985b, p. 39). É interessante
observar que Bukharin, em sua fase de <comunista de esquerda”, é um autor ampla-
mente citado por Lavoie (1985b, p. 40). Nessa fase, Bukharin buscou sistematizar
as características do período como um caminho na transição ao socialismo — uma
formulação teórica apressada e pouco crítica em relação às condições históricas
peculiares ao período. Malle (1985, p. 8) descreve o principal trabalho de Bukharin
no período como uma racionalização da organização econômica do comunismo de
guerra. Lavoie (1985b, p. 40) justifica o uso das referências de Bukharin porque,
no momento em que Mises escreveu o seu ensaio, ele seria o teórico marxista mais
importante. Essa conexão teórica pode ser mais bem compreendida a partir da
segunda contribuição específica de Lavoie.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

saúde (Arrow, 1963), além de fortes contradições entre a natureza tendencialmente


pública das informações e a propriedade privada delas (Arrow, 1996, p. 651-652).
A incorporação na formulação das propostas sobre socialismo da relação hayekia-
na entre mercado e complexidade é problemática, pois essa incorporação desconsi-
dera a crítica dessa associação por diversas contribuições teóricas que apontam como
a complexidade crescente da economia tem sido mitigada por novas instituições
não mercantis. E ela interdita diversos setores e esferas de decisão à extensão da
democracia, ao deixá-los submetidos puramente à lógica do mercado.

62 —A Escola Austriaca, Marxe o


"comunismo de guerra”

Lavoie (1985b) é um livro representativo da abordagem da Escola Austríaca —


conforme a avaliação apresentada por Kirzner (1988) sobre a sua importância na
avaliação da controvérsia do “cálculo econômico socialista”. Esse livro complementa
um trabalho anterior, no qual Lavoie (1985a) discute o planejamento em geral, não
apenas na URSS.
O tema do trabalho de Lavoie (1985b) é uma rediscussão do debate sobre o
cálculo socialista.” Nessa reinterpretação, Lavoie sugere que, embora a atenção das
discussões sobre a controvérsia tenha se concentrado no debate entre Lange e Hayek,
teria ocorrido uma primeira rodada entre Mises e Marx."* Por isso, em relação à
intervenção de Hayek, Lavoie apresenta um novo balanço do debate e duas contri-
buições específicas: uma discussão sobre Marx — um autor razoavelmente ausente
nos debates sobre o cálculo econômico sob o socialismo e muito pouco discutido
por autores da Escola Austríaca — e uma avaliação do período do “comunismo de
guerra” em relação aos experimentos de planejamento — período analisado por Mises
(1920) na sua influente intervenção inicial.

17 —A profusão de avaliações desse grande debate chegou a um ponto em que é possíve! e úti! a redação de um
artigo específico sobre o debate em torno do debate - a primeira rodada do grande debate, de acordo com a
pariodização proposta anteriormente (Albuquerque, 2008), Interpretações como Murre! (1983), Caidwell (1997), Boetike
(2001), Stiglitz (1994), Howard e King (1992), entre outras, levantam diversos pontos e geram uma controvérsia rica
teoricamente.
* Oqueimplica uma divisão de trabalho entre Mises (que teria focalizado a visão de Marx sobre planejamento
central) e Hayek (que teria redirecionado a discussão para o socialismo de mercado) (Lavoie, 1985b, p. 50).
200
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

AÀ segunda contribuição ao debate está relacionada a uma implementação do


método de Marx: segundo Lavoie (1985a), o período do “comunismo de guerra” é
o experimento mais completo para a implementação do projeto socialista de Marx
— como uma experiência prática do planejamento (p. 49), e como o melhor exemplo
de implementação de um “planejamento compreensivo” (p. 238).
Essa interpretação é interessante para a compreensão do horizonte teórico da
Escola Austríaca, porque ilumina a influência, em termos da história do pensa-
mento econômico, do texto clássico de von Mises (1920). Nesse texto, von Mises
estava discutindo a economia existente na Rússia naquele momento — a fase do
comunismo de guerra. Como é conhecido, entre as características daquela fase está
a forte desmonetização da economia, a ausência de mecanismos de mercado em
operação e um fortíssimo controle estaral das atividades econômicas (Nove, 1992).
A influência do texto de von Mises sobre toda a elaboração da Escola Austríaca
acerca do socialismo é inegável (Kirzner, 1988), o que pode ter implicado a per-
sistente associação, na elaboração dessa escola, entre socialismo e as características
específicas do comunismo de guerra. À interpretação de Lavoie (1985a; 1985b)
explicita essa visão. Por sua vez, Lavoie é influente sobre a agenda de pesquisas da
Escola Austríaca: Boettke (2001, p. 105-139) busca identificar nas características
da economia do comunismo de guerra uma confirmação da interpretação de Marx
do socialismo como negativo do capitalismo. Segundo Boettke (2001, p. 114),
“as políticas do comunismo de guerra representam uma tentativa consciente e
deliberada de implementar a utopia de Marx”.
Um subproduto dessa abordagem é a abertura (ou reabertura) de discussões
em relação a esse período da história econômica da URSS, particularmente
contestando a posição de estudiosos da URSS, como Carr (1953), Nove (1992),
Cohen (1973) e Lewin (1974), que avaliam o peso de circunstâncias históricas
muito específicas na origem do período e nas suas características econômicas (ver
Boerttke, 2001, p. 105-107).º
Dada a influência da experiência do “comunismo de guerra” na formação do
modelo stalinista de economia de comando (Lewin, 1974), é possível sugerir que a

* —Adiscussão crítica dessas duas posições é importante e necessária, mas ultrapassa os limites deste capítulo.
Em uma avaliação recente da trajetória geral do processo histórico da URSS (em contraste com a China), Perry
Anderson (2010) contribui para o entendimento das peculiaridades do período pós-revolucionário (e das diversas
possibilidades alternativas de desenvolvimento histórico). Um elemento definidor da trajetória da revolução russa é
a sequência entre a revolução e a guerra civil - enquanto na Rússia essa foi a ordem, na China ocorreu o inverso (a
revolução foi posterior à guerra civil). Essa sequência tem enorme repercussão sobre o desdobramento do processo
revolucionário.
Capitulo 6 ;
Uma resenha do debate atual |
201

Escola Austríaca desenvolveu-se na crítica de um modelo específico de organização


econômica (comunismo de guerra e economia de comando stalinista). Dessa origem
teórica podem ser derivados diversos problemas metodológicos decorrentes de uma
extrapolação de características econômicas específicas dessa organização social para
outras formas existentes ou potenciais de organização social e econômica. Daí o
descaso das elaborações da Escola Austríaca com críticas de esquerda ao modelo
stalinista,.
A avaliação de Lavoie sobre a visão de Marx tem implicações sobre a questão
da tecnologia. Para Lavoie (1985b, p. 34), há uma incompatibilidade entre duas
características da visão de Marx sobre o socialismo: não é possível compatibilizar
planejamento central e sistemas econômicos tecnologicamente avançados, global-
mente integrados e altamente produtivos. À associação entre a organização não pla-
nejada da produção no capitalismo e sua tecnologia avançada e altamente produtiva
forçaria o abandono da visão de Marx de socialismo por ser utópica. Essa passagem
é influente, tendo sido incorporada por Howard e King (1994) e Pollin (1995).
A discussão sobre Hayek e a Escola Austríaca ressalta quatro argumentos que
influem no formato das diversas propostas atuais sobre o socialismo: 1) o “proble-
ma do conhecimento” determina o papel dos mercados em qualquer proposta de
socialismos; 2) o socialismo é entendido como o sistema econômico do comunismo
de guerra e do modelo stalinista;?º 3) Marx não é um autor relevante na discussão
do socialismo; 4) a crescente complexidade da economia e a natureza do progresso
tecnológico determinam a permanência do mercado ou a impossibilidade de uma
sociedade socialista.

3 — Socialismo de mercado na rodada atual

Com o fim da URSS, em 1991, teria sido aberta a quarta rodada do grande debate
econômico entre plano e mercado — rodada relativa ao “socialismo de mercado”.
Em relação às características discutidas anteriormente (Albuquerque, 2008), três
tópicos sintetizam essa rodada.

?º Aassociação entre stalinismo e socialismo é explicitada em Hayek (1944, p. 32), que também se esforça para
associar socialismo com o nazifascismo. Para Hayek (1944, p. 6), “a ascensão do fascismo e do nazismo não foi uma
reação contra as tendências socialistas do período precedente, mas um resultado necessário dessas tendências”.
Caprtulo 6
Uma resenha do debate atual

A discussão de Roemer é bem informada em termos das mudanças mais impor-


tantes do capitalismo ao longo do século XX, com referências ao crescimento do
setor público, a experiências de redistribuição de renda (países nórdicos), à ampla
intervenção do governo no caso dos “milagres” da Coreia do Sul e de Taiwan,
ao aprendizado para lidar com complexos problemas de informações (“agente
principal”) nas grandes sociedades anônimas e ao reconhecimento teórico da pos-
sibilidade de desemprego em economias em equilíbrio (p. 35-36). Há também o
reconhecimento de que no Japão e nos “tigres asiáticos” existe uma combinação
entre plano e mercado (p. 3).
O modelo tem quatro atores econômicos (Roemer, 1994, p. 19-20): 1) cidadãos
adultos; 2) firmas públicas (que não são propriedade estatal) — todas as grandes
firmas devem pertencer a esse setor; 3) fundos mútuos; 4) tesouro estaral. Roemer
(1994, p. 78) discute a existência de pequenas firmas privadas como um elemento
importante para o dinamismo tecnológico da economia. Porém, ele sugere um
estatuto que requeira a nacionalização das empresas privadas que alcancem um
determinado tamanho, nacionalização que preveniria a emergência de uma classe
de capitalistas capaz de influenciar a política e a economia em função do seu poder
econômico sobre parcelas significativas dos meios de produção (1994, p. 79).
Todos os cidadãos adultos recebem do tesouro estatal uma dotação igual de
cupons. Esses cupons podem ser usados para comprar ações de fundos mútuos,
que por sua vez podem comprar ações das firmas públicas, utilizando-se apenas
esses cupons (dinheiro não compra ações, e os cupons não podem ser trocados por
dinheiro) (Roemer, 1996, p. 20). Há nessa economia bolsa de valores para os cupons,
com duas das três funções da bolsa de valores no capitalismo: o preço das ações
das firmas em termos de cupons sinaliza o que se espera do desempenho da firma
e permite aos cidadãos a escolha de como lidar com o risco. À terceira função, o
levantamento de capital, é realizada por bancos públicos (Roemer, 1994, p. 76).º
Não há herança dos cupons, que retornam para o tesouro estatal com a morte do
seu detentor.
Em um capítulo sobre planejamento do investimento (Roemer, 1994, p. 95-108),
a referência é o planejamento indicativo da França, do MITI japonês e das políticas
tributárias escandinavas, além da experiência do planejamento do investimento
em Taiwan — a referência é Wade (1990). Na discussão reórica, Roemer combina o

?? —Asofisticação dos mercados financeiros e da regulação pública desses mercados é pré-requisito para a proposta
de socialismo de ações (coupon economy) - o caso dos Estados Unidos, Para países com níveis mais baixos de
desenvolvimento, o modelo apoiado em bancos — estilo keiratsu — é sugerido (Roemer, 1994, p. 83).
202| AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Nessa nova rodada, há uma profusão de propostas mais circunscritas, como as


discuridas nos seminários do projeto Real Utopias, coordenado por E. O. Wrighr,
no MIT: Bowles e Gintis (1998); Ackerman, Allstott e van Parijs (2006); Fung
e Wright (2003); Coben e Rogers (1995), Fung et a/. (2001). Por um lado, essas
propostas sinalizam a persistência de problemas sociais importantes nos países capi-
talistas avançados ao representarem esforços de superação da pobreza, da privação,
de mortes evitáveis e desigualdades persistentes e crescentes.*' À persistência desses
problemas no interior do país mais desenvolvido é uma demonstração da incapacida-
de do capitalismo, mesmo como uma economia mista, em resolver esses problemas
básicos da sociedade contemporânea. Por outro lado, essas propostas sugerem uma
maior especialização acadêmica na discussão de alternativas ao tratarem de temas
mais localizados (renda básica, dotação de recursos, poder dos fundos de pensão,
democracia local). Essa especialização tem um papel na renovação da elaboração
programática.
Entre as propostas mais gerais, é possível considerar que o modelo de Roemer
(1994; 1996) teria conquistado mais representatividade nos últimos anos, transfor-
mando-se em uma referência para outras discussões (Pollin, 1995; Blackburn, 2002).
Por sua vez, a influência de Hayek e da Escola Austríaca sobre a elaboração de
alternativas socialistas é cristalizada por Burczak (2006; 2009a; 2009b), com uma
proposta de socialismo hayekiano.

631 " Roemer e o socialismo de ações

Para Roemer (1994), os modelos da atual fase dos debates (“quinta geração”
na sua cronologia) partem de três circunstâncias. Em primeiro lugar, “os propo-
nentes do socialismo de mercado não apenas deixaram de insistir como Lange na
determinação dos preços industriais pelos planejadores, e não pelo mercado, mas
também dispensaram a propriedade pública ( no sentido de um controle exclusivo
pelo Estado)” (1994, p. 33). Em segundo, “o ponto de Kornai e de Hayek foi aceito,
na medida em que os governos não podem comprometer-se com a não interferência
no processo competitivo e que, portanto, os gerentes não serão maximizadores de
lucro e a ineficiência econômica será o resultado” (p. 34). Em terceiro, esses modelos
de quinta geração seriam socialistas porque as firmas não são propriedade privada
(p. 34).

*º Parauma apresentação geral de propostas em discussão, ver Miguel (2006).


204
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

modelo de Lange (empréstimos subsidiados pelo governo) e a experiência de Taiwan,


No cenário internacional, Roemer (1994, p. 82) considera que devam existir limites
à exportação de capital.?*º
No capítulo final do ÀA future for socialism, Roemer (1994) reconhece a baixa
viabilidade política da proposta para os países capitalistas avançados. Nesses países,
argumenta, as mudanças poderiam vir mais por concessões ao estilo da social-
-democracia do que pela nacionalização de ativos privados — embora catástrofes
econômicas possam eventualmente abrir espaço para essa proposta (p. 129). À
proposta seria mais viável em países democráticos em desenvolvimento, como o
México e o Brasil (p. 129).

$3º? Burczake o socialismo hayekiano

AÀ motivação básica da proposta de Burczak é reorganizar a discussão sobre o


socialismo de forma a levar em conta as críticas de Hayek, o que as eleva e a sua
visão de mercado como uma referência para balizar e avaliar propostas. Por isso,
“o socialismo pos-hayekiano deve inevitavelmente ser um socialismo de mercado;
planejamento econômico nacional é uma ambição duvidosa para o futuro do socia-
lismo” (p. 13). Essa preocupação leva ao persistente esclarecimento de que o processo
de mercado deve atuar efetivamente, como quer Hayek (p. 137). Há uma crítica ao
modelo de Roemer derivada do papel dos bancos públicos no direcionamento dos
investimentos. Burczak explicita: “Este atributo do modelo de Roemer é mais uma
evidência de que ele não caprou as lições essenciais da economia de Hayek” (p. 129).
Burczak desagrega o “problema do conhecimento” de Lavoie em duas dimensões:
uma factual (factual knowledge problem) e outra ética (ethical knowledge problem). À
dimensão factual é equivalente à discussão de Hayek sobre a informação dispersa
e a impossibilidade do planejamento central. A dimensão ética é uma espécie de
subproduto desse problema, aplicado à avaliação das consequências de intervenções
de agentes governamentais sobre resultados do processo de mercado.* Segundo
Burczak (2006, p. 2), “sempre que membros do governo tentam alterar a distribuição
de renda ou riqueza, estão impondo suas avaliações subjetivas sobre os outros”. Esse

* Umacontribuição teórica adiciona! desse modelo é a inclusão dos chamados public bads, que são gerados pelo
processo produtivo capitalista. A inclusão dessa variável na avaliação do modelo é importante em nosso tempo de
enormes problemas ambientais.
* — Hayek(1976a,p.67-70) discute a inaplicabilidade do conceito de justiça para os resuitados da “ordem espontânea”,
Capituto 6
Uma resenha do debate atual E
205

aspecto é um obstáculo hayekiano para a construção de um sistema de bem-estar,


esclarece Burczak.
As três fontes para a proposta de socialismo de Burczak (2006, p. 4) são Hayek
(com a sua elaboração sobre o processo de mercado), Marx (reelaborado pela aborda-
gem pós-moderna da “Escola de Ambherst”, para os temas da produção e exploração)
e Sen e Nussbaum (para uma teoria aristoteliana de capacitações).
A estratégia de elaboração de Burczak parte de uma avaliação da elaboração de
Hayek (nos cap. 2, 3 e 4), basicamente para fundamentar de forma teórica os dois
problemas do conhecimento. Nessa elaboração, Burczak apresenta uma interessante
crítica à visão jurídica de Hayek, baseada em um diálogo com a tradição do “rea-
lismo legal” — o papel da common law como única base aceitável para a definição
das regras da lei (Burczak, 2006a, p. 59-66). Esse é um ponto forte do seu livro.
Posteriormente, a discussão volta-se para as teorias de justiça social, quando
Burczak introduz a elaboração de Sen e Nussbaum (cap. 6). A elaboração desses
autores é utilizada como contraposição a Hayek (p. 91), dadas as dificuldades advin-
das da consistência entre a sua visão sobre igualdade e formas de privação, como a
fome. A estratégia aqui é demonstrar a superioridade da abordagem em torno de
capacitação sobre a visão utilitarista de justiça social. Uma debilidade do trabalho
de Burczak, nesse capítulo, é em relação aos sistemas de bem-estar social. Às vezes,
trata dos sistemas de bem-estar como se fossem restritos ao modelo anglo-saxão,
basicamente means-tested — e, portanto, abertos à ação discricionária de agentes
do governo — explorando pouco a natureza universalista dos modelos nórdicos.
Pelos critérios apresentados por Burczak, os sistemas de bem-estar social nórdicos
passariam pelo teste do ethical knowledge problem. Nussbaum é citada para sugerir
essa característica dos sistemas nórdicos (p. 97-98).
O próximo passo é a discussão do fim da exploração, com uma atribuição de
um papel central para as empresas autogeridas por trabalhadores, que seriam os
proprietários dessas empresas. Aqui, o diálogo é com Vanek, que propõe uma
emenda constitucional que proíba o trabalho assalariado (Burczak, 2006, p. 118),
e com Bowles e Gintis (1998), que propóem a transferência da propriedade para
os trabalhadores, instaurando a autogestão nas empresas. Com essas medidas, os
trabalhadores se apropriariam inteiramente do produto de seu trabalho, superando
a exploração discutida por Marx. As firmas autogeridas e de propriedade dos traba-
lhadores teriam diversas características positivas, incluindo uma maior capacidade
de gerar progresso tecnológico, pois “firmas capitalistas frequentemente não provêm
Caprtulo 6
Uma resenha do debate atual

6.3.3 Um balanço preliminar

As propostas aqui apresentadas demonstram a vitalidade dos debates em torno


de alternativas ao capitalismo nos países desenvolvidos. É importante ressaltar que
todas as propostas aplicam-se diretamente a esse conjunto de países.
As propostas baseiam-se em aspectos tão diversos como renda básica (van Parijs),
distribuição de dotações (Ackerman e Alstrtot), autogestão de empresas (Bowles
e Gintis), diversificação de formas de democracia (Cohen e Rogers), propriedade
pública de grandes empresas (Roemer) e proibição constitucional do trabalho assa-
lariado (Burczal). Essa diversidade pode ser lida como um indicativo das múltiplas
fontes de problemas e de desigualdade no capitalismo avançado.
Todas as propostas são profundamente influenciadas pelas rodadas anteriores
do debate sobre plano e mercado. É notável a influência das posições de Hayek e
da Escola Austríaca sobre essas elaborações, com o resultante peso dos processos
de mercado em todas as propostas apresentadas.
As propostas mais abrangentes de Roemer e Burczak têm em comum o baixo
realismo político: apesar de todo o esforço no sentido de preservar a operação real
dos mercados, implicam o fim imediato do formato atual da propriedade privada
dos meios de produção nos Estados Unidos — as empresas serão públicas (Roemer)
ou propriedade dos trabalhadores em autogestão (Burczak). O caráter acadêmico das
propostas muitas vezes limita as preocupações com sua viabilidade política. Ellen
Wood (1995) e Susan Watkins (2010) comentam a separação entre as propostas de
alternativas, o debate acadêmico e o movimento social.
As duas propostas têm uma diferença em termos da proximidade com os inter-
locutores da primeira rodada dos debares sobre plano e mercado: Roemer é da
tradição de Lange; Burczak busca uma alternativa que envolva Hayek.
Finalmente, todas as propostas, sejam as mais localizadas (stakeholder society),
sejam as mais gerais (Roemer e Burczak), são propostas nacionais, que implicam
discriminação de imigrantes, pois apenas os cidadãos com residência legal teriam
acesso a esses direitos e dotações (Burczak, 2006, p. 132).º

? —Miguel (2006, p. 106) destaca esse ponto com muita propriedade em sua avaliação da proposta de van Parijs.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

incentivos para que todos os trabalhadores informem melhoramentos na tecnologia


da empresa” (p. 119).
No capítulo seguinte (cap. 7), Burczak incorpora a proposta de Ackerman e
Allstot (2006) de uma stateholder society. Essa proposta implica uma distribui-
ção de riqueza — todos os cidadãos dos Estados Unidos receberiam uma dotação
(em torno de US$ 100 mil), montanrte calculado de forma a financiar a educação
superior. Na fundamentação pró-mercado dessa proposta, está presente a ideia de
maior igualdade de oportunidades, que seria importante para o funcionamento
mais adequado dos processos de mercado.
À partir dessa exposição, Burczak (2006a) pode sintetizar, no capítulo final
(cap. 8), sua proposta de socialism after Hayete:

A apropriação do trabalho (em firmas democráticas, autogeridas) é uma


característica necessária do que eu tenho denominado “justiça socialista apro-
priativa” (...) A proibição do trabalho assalariado e da apropriação capitalista
e sua substituição pela autogestão operária e apropriação do trabalho trarão
fim à alienação legal dos trabalhadores da responsabilidade pela produção.
A apropriação dos trabalhadores em empresas cooperativas estimulará a dig-
nidade humana e é consistente com a reivindicação de Marx pela abolição
do sistema de salários. Se as cooperativas apropriadoras do trabalho operam
em um ambiente no qual indivíduos independentes possuem a propriedade
produtiva e os mercados são efetivamente livres, então, pelo menos em prin-
cípio, um sistema de firmas apropriadoras de trabalho pode ser uma forma
socialista de organização econômica que evita o problema hayekiano do
conhecimento (p. 138-139).

Burczak (2006) ressalta os elementos de síntese que sua proposta contém, sempre
com o objetivo de preservar os mercados competitivos: “se fosse adotada alguma
versão da proposta de Ackerman e Alsttot (statkeholder society) e alguma forma da
emenda de Vanek (abolição do trabalho assalariado), a autogestão operária poderia
funcionar bem em um processo de mercado competítivo” (p. 140).
Finalmente, a similaridade à proposta de Bowles e de Gintis (1998) é reconhe-
cida: um socialismo de mercado que contenha democracia no local de trabalho e
distribuição de ativos (p. 144),
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

$ —“Uma nota sobre o papel da tecnologia nesse debate

O papel do progresso tecnológico na sustentação tanto da impossibilidade da


superação do capitalismo quanto na fundamentação de diversas posições de socia-
lismo de mercado está em completa contradição com a interpretação de Rosdolsky.
O método sugerido por esse autor para tratar da transição envolve a identificação
do progresso tecnológico como um dos pré-requisitos para a superação da “barreira
do valor”, assim como um elemento de demonstração da possibilidade do socialis-
mo. Rosdolsky ressalta também que, à medida que o capitalismo avança, as bases
tecnológicas para tal transição se ampliam, pois, “hoje, o desenvolvimento técnico
chegou a um ponto no qual os trabalhadores poderão finalmente se libertar das
“serpentes dos seus tormentos” (Rosdolsky, 1968, p. 356).º Para a sustentação da
posição da tecnologia como um elemento de interdição da possibilidade da superação
do capitalismo a influência teórica da Escola Austríaca não pode ser subestimada.
Dois exemplos ilustrativos dessa influência são Hodgson (1999) e Howard e
King (1994).
Hodgson (1999, p. 46), que expressa a influência de Hayek nesses debates, afirma:

Um problema crucial e generalizado com todas as propostas — sejam buro-


cráticas ou democráticas — para um planejamenro socialista abrangente diz
respeito ao espaço para novidade, inovação, aprendizado e mudança. Essas
questões emergiram no centro da contribuição austríaca para o debate sobre
o cálculo econômico socialista.

Howard e King (1994), por sua vez, atribuem à capacidade tecnológica do


capitalismo (p. 143) uma razão da impossibilidade de uma alternativa socialista,
apoiando-se em Hayek e Lavoie (1985b).
Porém, esse ponto vai além de autores direta ou explicitamente influenciados
pela elaboração de Hayek e da Escola Austríaca.
A capacidade tecnológica do capitalismo, bem como a associação entre mercado
e inovação, são fundamentos para a crítica da possibilidade do socialismo. Esse é
um argumento central na posição de Pelikan (1988).

* Namesmalinhaderaciocínio está a elaboração de Mandel (1967), com um capítulo no qual discute “os Grundrisse
e a dialética do tempo de trabalho e tempo livre”.
Capitulo &
Uma resenha do debate atual

A posição de Pelikan (1988), dada a sua presença em uma obra teórica de refe-
rência da abordagem evolucionista (Dosi et al., 1988), merece uma discussão mais
cuidadosa. Na medida em que esse trabalho de Pelikan conclui a parte 5 do livro de
Dosi et a/. (1988), relativa aos sistemas nacionais de inovação, a pergunta do título é
relevante: “Can the imperfect innovation systems of capitalism be outperformed?” A
resposta de Pelikan é negativa. Para ele, “os regimes mais avançados, que promovem
o progresso tecnológico melhor do que todos os outros regimes, pertencem à classe
de regimes capitalistas — ou seja, regimes que permitem a propriedade privada de
capital, transferível através dos mercados de capital” (1988, p. 389-393). A razão
para isso, desenvolve Pelikan, envolve a alocação de “competência econômica”, tarefa
da “auto-organização econômica”: “a auto-organização econômica não pode ser
planejada previamente de forma ótima, mas deve envolver experimentação através
de tentativa e erro” (p. 390). Isso envolve “a geração de tentativas e eliminação de
erros subsequentes ou, alternativamente, a seleção de sucessos”.”/
A influência de Hayek, nesse texto de Pelikan, também é perceptível — mais clara
em texto posterior (Pelikan, 2005). Em um livro com a importância e a ambição
de Dosi et al. (1988), deve ser observado o tratamento ligeiro dado a autores como
Marx e Schumpeter no texto de Pelikan — que trataria de alternativas socialistas.
Afinal, Schumpeter (1942) tem uma avaliação sobre o destino do capitalismo, sobre a
viabilidade do socialismo (nos países maduros para tal experiência) e sobre a possível
superioridade tecnológica do socialismo sobre o capitalismo. Esses temas não são
tratados por Pelikan (1988), que ilustra empiricamente a superioridade do sistema
capitalista a partir de comparações com a URSS (país avaliado por Schumpeter
como não maduro para um experimento socialista).
Para um trabalho em um livro associado a uma abordagem evolucionista da
economia, seria bastante curiosa a definição do sistema capitalista como o fim
da evolução econômica. Aliás, outro texto de Pelikan (2005) trata desse tema e
chega a uma formulação paradoxal em termos evolucionários — a defesa de uma
“pausa evolucionária” (p. 255). Essa pausa seria justificada porque “evolução é
menos um processo de mudança incessante do que uma busca por uma solução

? —Aposição do editor da parte relativa aos sistemas de inovação no livro de Dosi et ai. (1988), Richard Nelson, pode
ser interpretada como um distanciamento elegante, Nelson, na introdução da parte 5, anota o ponto que considera
mais importante no capítulo de Pelikan (sua crítica à incapacidade gerencial dos responsáveis pelas empresas
socializadas), mas ressalta como ausentes temas como os problemas existentes para a dinâmica estritamente
mercantil e toda a discussão realizada nos demais capítulos do livro. Em outro trabalho (Neison, 2005), no qual
discute temas relacionados ao capítulo de Pelikan, é notável a inexistência de qualquer referência a esse trabalho.
Essas indicações podem sinalizar um relativo desconforto de Nelson com a elaboração de Pelikan.
Capítulo 6
Urma resenha do debate atua!
1211

atribuídas apenas ao mercado. Essa postura teórica e histórica perpassa boa parte
das elaborações relativas à impossibilidade do socialismo e sobre o socialismo de
mercado.
Nesse ponto, a contribuição dos neo-schumpeterianos é importante. Não parece
ser causal, portanto, a reprimenda que Kirzner (1988, p. 16) faz em relação à visão de
Richard Nelson sobre a natureza do progresso tecnológico no capitalismo moderno.
A discussão da natureza do progresso tecnológico no capitalismo contemporâneo
é importante porque prepara a elaboração sobre o papel do arranjo institucional,
sintetizado pelo conceito de sistema de inovação, como um dos “germes visíveis”
do socialismo.

6º — Em busca de novos termos para o debate

O debate sobre a possibilidade do socialismo pode ser retomado a partir de novos


termos. Em primeiro lugar, há a discussão acerca da necessidade do socialismo —
corolário da persistente incapacidade do capitalismo como sistema mundial de
resolver os problemas mais elementares da humanidade e da persistente capacidade
de criar, consolidar e ampliar desigualdades de renda e riqueza. Em segundo, é
necessário lidar com os novos problemas criados pela persistência do sistema capi-
talista, inclusive os problemas ambientais. Em terceiro, é necessário sistematizar as
mudanças que foram realizadas no capitalismo, em sua dinâmica de transformações
tecnológicas, financeiras e institucionais. Em quarto lugar, dada a necessidade de
discutir alternativas ao capitalismo, é necessário avaliar qual o método mais adequa-
do para tratar de tal transição. Finalmente, se uma alternativa socialista é possível,
ela deve necessariamente estar contida, como potencial, em desenvolvimentos do
próprio sistema capitalista.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

trabalhável, e portanto pode parar, ou pelo menos fazer uma pausa longa, sempre
que uma solução bem-sucedida é encontrada” (p. 255). À economia capitalista
contemporânea teria alcançado essa posição (p. 256).
Entre os dois textos de Pelikan há uma associação: em um (1988) o autor negaa
possibilidade de sistemas de inovação mais produtivos do que os “imperfeitos siste-
mas capitalistas de inovação”, enquanto em outro (2003) sugere que a evolução deve
tomar uma patisa. Fica aí uma contradição importante: uma economia evolucionista
sem evolução, em termos de sistemas econômicos. Para essa pausa evolucionária,
a justificativa é a elevada taxa de mudança tecnológica no capitalismo (p. 256).º8
Há nessas colocações outro elemento curioso. Afinal, essa visão sobre tecnolo-
gia e a sua relação imediata e não qualificada com o mercado é uma peça central
seja para justificar a impossibilidade do socialismo (Lavoie, 1985b, p. 34; Pelikan,
1988; Howard; King, 1994, p. 143), seja para sustentar teoricamente o papel do
mercado nos diversos modelos de socialismo de mercado (Hodgson, 1999, p. 46;
Stiglitz, 1994, p. 152). Roemer (1996, p. 8) é um bom exemplo dessa associação: “a
eficiência dinâmica com a qual os mercados são sempre relacionados — eles geram
inovações em tecnologia e mercadorias mais efetivamente do que qualquer outro
mecanismo econômico (...).”
O problema principal dessa visão é o descaso com os estudos da economia da
tecnologia, em especial as investigações a partir do conceito de sistemas nacionais
de inovação, que ressaltam como o progresso tecnológico é produto não apenas
do mercado, mas de um complexo arranjo institucional que envolve muiro mais
do que o mercado.** O vigor do progresso tecnológico das economias avançadas
é consequência de uma singular interação entre instituições governamentais, não
governamentais e o mercado — a interação é tão forte que chega a caracterizar a
moderna economia capitalista como uma economia mista, e não puramente mer-
cantil. Esse complexo arranjo institucional é posto de lado na avaliação do progresso
tecnológico nas sociedades capitalistas desenvolvidas e na discussão de proposições
e de avaliações de longo prazo das sociedades capitalistas. Ou seja, as realizações do
capitalismo como uma economia mista (Nelson, 2009) e da singular combinação
entre plano e mercado existente no capitalismo moderno (Arrighi, 1994) são todas

* Uma questão para avaliação posterior é relativa à possível influência de Pelikan (1988) na contenção da
capacidade crítica da elaboração neo-schumpeteriana e no estímulo a uma ênfase exagerada na limitação de todas
as discussões dessa importante corrente teórica aos limites do sistema capitalista.
?? —A elaboração de Hayek sobre o mercado como processo de descoberta, no qua! a ação empresarial descobre
oportunidades, não inclui na análise o papel das oportunidades abertas por avanços na ciência financiados
publicamente. Essa é uma limitação importante das análises da Escola Austriaca.
Capítulo 7

Uma proposta para o debate

Introdução: Marx, tempo livre e o crédito como uma


alavanca para a transição

Uma proposta para atualizar a elaboração de alternativas ao capitalismo deve


investigar, na dinâmica de longo prazo do desenvolvimento capitalista, tendências e
processos que possam conter elementos de progresso em direção a uma nova socie-
dade. O ponto de partida dessa investigação é a interpretação, do próprio Marx,
da existência de elementos de um novo modo de produção na aplicação da ciência
à produção e no desenvolvimento do sistema de crédito.
A aplicação da ciência à produção cria tempo livre potencial, e o sistema de
crédito é uma “poderosa alavanca” para um novo modo de produção.
A discussão do papel do tempo livre na transição ao socialismo — maquinaria,
ampliação da produtividade do trabalho e papel do tempo livre — encontra-se no
terceiro volume de O capital, na seção “Os rendimentos e suas fontes” (1894, t. 2,
p. 273). Nessa seção, há trechos bastanrte similares ao raciocínio dos Grundrisse:

Um dos aspectos civilizadores do capital é que ele extrai esse mais-trabalho


de uma maneira e sob tais condições que são mais vantajosas para o desen-
volvimento das forças produtivas, das relações sociais e para a criação dos
elementos para uma nova formação mais elevada do que sob as formas ante-
riores da escravidão, servidão etc. Por um lado, leva assim a um nível em que
desaparece a coerção e a monopolização do desenvolvimento social (...) por
meio de uma parte da sociedade à custa da outra; por outro lado, produz os
meios materiais e o germe para relações que, numa forma mais elevada da
sociedade, permitem unir esse mais-trabalho a uma limitação maior do tempo
Caprtulo 7
Uma proposta para o debate

“excessiva contenção” em relação ao tema. Hayek (1935, p. 128) * e Nove (1983)


podem ser identificados nessa posição. Prychitko (2002) classifica essa postura como
“ortodoxa”. Em geral, essa posição faz referência a poucos textos de Marx — por
exemplo, na coletânea Socialist Economics, organizada por Nove e Nutti (1972, p.
19-26), há apenas três textos de Marx (uma passagem da Crítica do programa de
Gotha, uma do Manifesto e uma dos Manuscritos de 1844).
A segunda posição é a de Lavoie (1985b, p. 30): o socialismo para Marx seria o
negativo do capitalismo. Na opinião de Prychitko (2002), essa posição seria a de
Marx como um teórico organizacional.
ÀA terceira posição, apresentada por Rosdolsky (1968), contém dois componentes
importantes. O seu ponto de partida é um método sugerido por Marx: a investi-
gação sobre o capitalismo, sobre as suas tendências de desenvolvimento, serve para
indicar elementos existentes na sociedade atual que conteriam potencialmente
características da nova sociedade. Assim, os elementos utópicos seriam superados,
pois o socialismo não seria fruto de idealizações ou da pura imaginação, mas de
processos cujo desenvolvimento seria perceptível na sociedade atual — nos países
capirtalistas mais avançados.
Em uma generalização dessa perspectiva, Rosdolsky (1968, p. 345) interpreta a
concepção de Marx de uma forma que “só se poderia falar de uma futura nova for-
mação social, de tipo socialista, quando já se pudessem visualizar germes dessa nova
formação na história vivida, bem como compreender as suas tendências evolutivas”.
A proposição de Rosdolsky é uma elaboração sobre os “germes visíveis” para uma
transição para o socialismo. Essa interpretação ressalta que as bases da nova socie-
dade originam-se na sociedade capitalista, em seu desenvolvimento contraditório
— que inclui a organização e as conquistas históricas da classe trabalhadora — e em
sua dinâmica interna. Esses elementos devem ser “visualizáveis” na história vivida.
Essa dinâmica é um elemento importante para o próprio capitalismo a longo prazo,
uma fonte adicional para as suas metamorfoses.
Para explicitar o significado dos “germes visíveis” do socialismo são necessárias
duas delimitações.
Em primeiro lugar, germes visíveis não se resumem apenas às transformações
estruturais do Estado. As transformações quantitativas e qualitativas que o Estado
sofre ao longo da história do capitalismo não configuram germes visíveis. A lógica
dessas transformações tem que ver tanto com a dinâmica específica das metamor-
foses do capitalismo quanto com a complexa relação com movimentos sociais, que
inclui a incorporação de demandas e esforços de integração de sindicartos e partidos
? —“ParaHayek,“opróprio Marx tinha apenas desprezo por tais tentativas de construir um plano trabalhável
para tal utopia” (1935, p. 128).
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

em geral dedicado ao trabalho material. Pois, conforme o desenvolvimento da


força produtiva, o mais-trabalho pode ser grande com uma pequena jornada
global de trabalho (p. 273).

Adiante, esclarece: “[A] riqueza real da sociedade e a possibilidade de constante


expansão de seu processo de produção não depende, portanto, da duração do
mais-trabalho, mas da sua produtividade e das condições mais ou menos ricas de
produção em que ele transcorre.” Finalmente, após um comentário sobre o “reino
da liberdade”, retoma outro tema dos Grundrisse: “(...) a redução da jornada de
trabalho é a condição fundamental” (p. 273).
A discussão do crédito como poderosa alavanca encontra-se nas inúmeras referên-
cias de Marx à transição para uma forma superior no capítulo 27 do terceiro volume
de O capital. Há pelo menos cinco menções a uma nova ordem e outras cinco a
“antíteses” e abolição da propriedade privada na base do próprio sistema capitalista.
Destaquem-se as referências ao papel do crédito como “forma de passagem a um
novo modo de produção” (1894, t. 1, p. 335).' Outra referência importante é às
“sociedades por ação”, tratadas como “esse resultado do máximo desenvolvimento
da produção capitalista” que permite a separação da “função e da propriedade do
capital” (p. 332). O tema é retomado no capítulo 36, onde é realizado balanço das
posições dos saint-simonianos. Marx menciona o papel de “poderosa alavanca” que
o sistema de crédito desempenharia na transição (1894, t. 2, p. 117).2

?! —Uma questão de método

À forma como Marx lida com o tema do socialismo é alvo de uma polêmica
entre diversas abordagens. É possível organizar as diferentes interpretações em pelo
menos três posições distintas.
À primeira posição considera que Marx desenvolveu pouco a questão do socialis-
mo, sintetizada na formulação de Blackburn (1991), que avalia a existência de uma

* —“HánoMEGA2, blocoll,v.15,p 1142, uma nota na qual os editores informam que a passagem foi traduzida
por Rubel de forma diferente, pois ele considerou que Engeis teria confundido a letra de Marx, trocando um rpor
um $ (seria es ao invés de er). O que mudaria a interpretação da passagem, pois quem se manifesta seria não a
contradição (er, Widerspruch), mas o sistema de ações (es, Atkienwesen)
? —“Paraumbalançodacríticade Marx sobre o papel do crédito na transição nas propostas proudhontanas e saint-
“Simonianas, ver Albuquerque (2010b).
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

operários à ordem capitalista (com as diversas concessões necessárias para tal objetivo
político). Por isso, políticas sociais, certas medidas isoladas relacionadas aos sistemas
de bem-estar social, não correspondem aos germes visíveis.
Em segundo lugar, há outras elaborações que explicitam a origem de uma nova
sociedade a partir de elementos presentes na dinâmica da sociedade capiralista.
Autores como Vadée (1992) avaliam “tendências imanentes” no coração da dinâmica
capitalista apontando para a transformação. Paula (2003, p. 150) discorre sobre as
“virtualidades emancipatórias” das cidades no capitalismo. Essas elaborações enfa-
tizam no que a formulação sobre “germes visíveis” busca insistir: a possibilidade
do socialismo está ancorada na própria realidade do capitalismo. Embora exista
essa similaridade metodológica, a identificação de germes visíveis acrescenta a essas
duas importantes forças potencialmente transformadoras — tendências imanentes no
capitalismo e virtualidades emancipatórias de diversas construções humanas — um
novo elemento institucional,
Germes visíveis do socialismo são arranjos institucionais que se desenvolvem ao
longo da história do capitalismo. Germes visíveis se materializam em instituições e
arranjos institucionais, corporificam-se e passam a ser parte da própria dinâmica da
sociedade capitalista. Como arranjos institucionais específicos, têm vida e dinâmica
que lhes são singulares. Por isso, não se confundem com o Estado ou com suas
transformações estruturais ou com outras forças potencialmente transformacdoras.
A ênfase na natureza distinta e específica desses germes visíveis é apoiada
em estudos voltados para esses arranjos institucionais. Por exemplo, a literatura
neo-schumpeteriana sobre sistemas de inovação insiste na singularidade desses
arranjos institucionais específicos (Freeman, 1988; Nelson, 1993). Sobre o sistema
de bem-estar social, Esping-Andersen (1995, p. 714) avalia “a emergência de uma
construção institucional historicamente nova e única”, enquanto Goodin (1988,
p. 3) o descreve como “um artefato político”.é
Em geral, os “germes visíveis” são resultado de lutas sociais, de forças fortemente
emancipatórias ou de elementos intrinsecamente comunitários incrustados nesses
arranjos institucionais. O potencial emancipatório da ciência é básico para a carac-
terização do arranjo institucional “sistema de inovação” como um germe visível — a
dificuldade da subordinação completa da ciência ao capital é uma demonstração
dessa natureza. À origem anticapital e a força civilizatória dos sistemas de bem-estar
social, com a sua capacidade de incorporar parcelas excluídas, desmercantilizar a
força de trabalho e gerar mobilidade social ascendente, permitem a sua caracterização

* — Rosdolsky não pôde beneficiar-se das elaborações acadêmicas sobre sistemas de inovação (a elaboração de
Freeman é de meados da década de 1980) e sobre os sistemas de hem-estar social (o trabalho de Esping-Andersen
é publicado em 1990),
Capitulo 7
Uma proposta para o debate
1217

como “germe visível”ó À natureza social do crédito — e a chancela comunitária


implícita na própria natureza do dinheiro (Simmel, 1907, p. 177) — comporiam uma
base da caracterização do sistema financeiro como um germe visível. Finalmente, os
arranjos institucionais em torno da democracia têm um confronto persistente com
a lógica do capital e — como será ressaltado - constituem-se na base da superação
do capitalismo. As origens dos “germes visíveis” são, portanto, diversas.
Germes visíveis do socialismo são gerados a partir de processos que reaparecem
de forma sistemática ao longo da história, cristalizam-se em novas instituições,
resultados não intencionais desses processos. Essas novas instituições condensam
importantes experimentos humanos. Podem ter sido limitados, válidos em curtos
períodos de tempo ou localizados territorialmente, mas são possibilidades concre-
tas, tentativas bem-sucedidas e, por isso, são contribuições para a reflexão sobre o
socialismo (existem outros germes visíveis além dos quatro arranjos institucionais
apresentados neste capítulo).
A identificação de “germes visíveis” não implica nenhum automatismo quanto ao
seu destino. Aqui, um dos significados da palavra germe é bastante claro: “Estado
rudimentar” que contém como alternariva o seu não crescimento. Porém, na medida
em que os “germes visíveis” são a condensação institucional de resultados de lutas
sociais ou da ação de forças emancipatórias, esses resultados têm uma dinâmica
própria — novamente, com forte indeterminação quanto ao seu desenvolvimento.
As instituições que corporificam os germes visíveis representam a possibilidade
de ruptura com a lógica do capital. Enquanto o capital tem a sua dinâmica definida
pela incessante busca do lucro e dos superlucros, as instituições que corporificam os
germes visíveis podem quebrá-la através da introdução de perguntas sobre as conse-
quências de decisões, ações e prioridades. Essas perguntas, colocadas por uma lógica
distinta da lógica do capital, reforçam a questão relativa a quem decide: o tema da
democracia está implícito nessa lógica distinta. Portanto, há nos germes visíveis — e
na sua dinâmica potencial -- uma base para uma nova sociabilidade, alternativa à
sociabilidade inautêntica e problemática imposta pelo capiral (Paula, 2003).
O segundo componente da posição de Rosdolsky sugere que a luta pelo socialismo
não é indiferente aos avanços existentes na própria sociedade capitalista. Em uma
passagem de seu livro clássico, após discutir amplamente o papel da maquinaria
como base para a transição para o socialismo em Marx, comenta como o desen-
volvimento tecnológico do período posterior à Segunda Guerra Mundial — “uma
nova revolução industrial em curso” — multiplicou aquele potencial (1968, p. 356).

* — Adicionalmente, a restrição da experiência mais avançada de sistemas de bem-estar social a uma sociedade,
pequena e homogênea, como a sueca é uma demonstração das dificuldades enormes que o capital tem em generalizar
o potencial! contido nesse arranjo institucional.
Capitulo 7 ;
Uma proposta para o debate
219

muito provocadas pela presença de movimentos sociais na vida política dos países
capitalistas centrais, determinaram (de forma não intencional) mudanças no capi-
talismo que implicaram expansão de mercado, melhorias na distribuição de renda e
diversos novos impactos sobre a dinâmica do sistema, que ofereceram novas fontes
para o crescimento de mercados e novas oportunidades para economias de escala
e de escopo.
Essa dinâmica é importante até mesmo para a definição da natureza do dinheiro,
como Eichengreen (2008, p. 30, 42-43) sugere: uma nova configuração político-
“institucional, com a emergência de sindicatos e partidos operários na cena nacional,
contribuiu para a crise do padrão-ouro e a substituição pelo papel-moeda adminis-
trado por instituições estatais.
A própria dinâmica dos movimentos sociais também determina o surgimen-
to de inovações institucionais, exemplificadas pela implementação de medidas
relacionadas à proteção social em relação a doenças (1883), acidentes de trabalho
(1884) e aposentadorias (1889) por Bismarck — ao mesmo tempo que a legislação
antissocialista era implantada na Alemanha (Stachura, 2003, p. 229). Essas medi-
das são importantes para a história dos sistemas de bem-estar social do século XX
(Polanyi, 1944, p. 177; Esping-Andersen, 1990, p. 24). O resultado histórico dessas
complexas interações é o processo de formação desses sistemas de bem-estar social
nos países capitalistas avançados, que se transformaram em uma importante fonte
de vitalidade para o próprio sistema capitalista. Há autores que associam o ápice dos
sistemas de bem-estar social com uma das melhores fases do capitalismo central,
no pós-guerra (Putterman er a/., 1998).
Finalmente, uma quarta fonte para as metamorfoses do capitalismo central é a
reação defensiva frente a temores reais ou imaginários de acontecimentos importan-
tes no cenário internacional. Abendroth (1977, p. 178-179), por exemplo, destaca
como a existência da URSS contribuiu para importantes concessões às classes
trabalhadoras na Europa Ocidental, tanto em termos de padrão de vida quanto
em termos de direitos democráricos. Amsden (1989) e Wade (1990) associam as
reformas agrárias realizadas, sob influência dos Estados Unidos, na Coreia do Sul
e em Taiwan como reações à fundação da República Popular da China.
As metamorfoses do capitalismo, assim, seriam determinadas por essas quatro
diferentes, embora entrelaçadas, fontes de mudanças. À resultante dessas fontes
entrelaçadas de mudanças são as diversas fases do capitalismo, com suas caracterís-
ticas estruturais distintas. Por isso, a dinâmica do sistema capitalista a longo prazo
coloca sistematicamente novas questões ao conjunto dos movimentos sociais e dos
movimentos políticos socialistas. As exigências de recomposições programáticas são
elevadas. Wood (1995, p. 4) enfatiza a necessidade e complexidade desse esforço.
AGENDA ROSDOLSKY
i Eduardo da Motta « Albuquerque

Desse modo, Rosdolsky chama atenção para a necessária identificação de diferen-


ças entre o período de Marx (a pré-história da aplicação tecnológica da ciência) e
o atual. Esse segundo componente da posição de Rosdolsky apresenta o desafio
de buscar a permanente atualização da elaboração programártica em função do
progresso tecnológico do capitalismo avançado — um desafio permanente para a
atualização programática, em função não apenas dos avanços tecnológicos, mas em
todos os seus elementos (até porque os elementos tecnológicos permitem uma ampla
flexibilidade ao sistema capiralista, que em suas múltiplas interações e interplays se
transforma continuamente).

7? —“Metamorfoses do capitalismo e recomposição


programática da perspectiva socialista

O sistema capitalista é pleno de contradições, com capacidade para superar anti-


gas à custa da criação de novas contradições. Ou seja, o sistema capitalista tem alta
flexibilidade a longo prazo, com a sua história composta por diversas metamorfoses
importantes — como sistematizam as periodizações superpostas das ondas longas e
dos ciclos sistêmicos de acumulação.
As fontes para essas metamorfoses são diversas. Há metamorfoses determinadas
pela articulação entre a dinâmica tecnológica e a financeira inerente ao sistema
capiralista. Há a incorporação do Estado e elementos políticos como guerras (com
toda a mobilização econômica e industrial que estabelecem) na conformação dessas
metamorfoses. Os efeitos recíprocos entre essas dinâmicas e as lutas sociais são um
fator crucial na moldagem do capitalismo contemporâneo. Essa interação é com-
plexa, pois envolve pressões, demandas e muitas vezes a incorporação, pelo sistema
capitalista, de pelo menos parte dessas reivindicações. O dinamismo tecnológico
do capitalismo determina uma margem de manobra ao sistema que o capacita a
incorporar parte dessas demandas.
A interação entre as lutas sociais e a dinâmica capitalista envolve reivindi-
cações tão elementares quanto a redução de jornada de trabalho, proibição de
trabalho infantil, elevação de salários, melhorias nas condições de trabalho.
Marx, em O capital, destaca a importância dessas lutas na primeira merade do
século XIX. Na medida em que as reivindicações mais básicas são atendidas, novas
demandas são necessariamente apresentadas, em função do próprio progresso dos
movimentos sociais e do progresso econômico e tecnológico. Essas mudanças, em
220
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Essas exigências de recomposições programáticas podem ainda ser combinadas


com elementos relativos à história e à transição geracional dos movimentos sociais.
Possivelmente, a capacidade de absorção de demandas sociais pela dinâmica capi-
talista deve ter impressionado diversas gerações de sindicalistas e socialistas. Essa
perspectiva permite colocar em um horizonte histórico mais amplo processos
sociais e políticos tão decisivos como a incorporação da social-democracia alemá no
início do século XX ao status quo do seu país. Kautsky e Bernstein expressaram em
termos programáticos esse espanto quanto à capacidade de metamorfose do sistema
capitalista, que havia viabilizado jornadas de trabalho e níveis de vida para a classe
trabalhadora distintos do existente em meados do século XIX. Além disso, longos
processos de lutas, prévios a essas conquistas, podem levar a verdadeiros esgotamen-
tos de energias para a mobilização continuada.º À medida que conquistam avanços,
têm mais condições de retomar o fôlego para novos avanços.
Há um timing específico e complexo para essas retomadas de mobilização em
novas condições. Além dessas complexas questões de riming e fôlego, eventuais
retomadas de processos de mobilização requerem importantes reconfigurações
programáricas. Possivelmente as metamorfoses do capitalismo estiveram mais asso-
ciadas a desarranjos programáticos na esquerda do que a adequadas recomposições
programáticas. Em termos acadêmicos, é possível afirmar que o fenômeno tratado
por Rosa Luxemburgo como “reformismo” tinha uma base objetiva forte, uma
existência materialmente determinada. As metamorfoses do capitalismo constituem
uma das bases sociais para a emergência desse fenômeno. Por outro lado, o contra-
ponto desse fenômeno do “reformismo” pode também ser caracterizado como parte
dos desarranjos programáticos, na medida em que setores e políticas que buscavam
associar-se com a negação do reformismo tiveram dificuldades sérias de compreender
e reorganizar o programa socialista para responder às novas realidades capitalistas.
Como as metamorfoses do capitalismo determinam os contornos para a recom-
posição programática?”?
Aqui está o ponto no qual a posição de Rosdolsky pode ser percebida em sua
riqueza. Por um lado, sua visão enfatiza a necessidade de se identificar o nível

* —“MaxWeber- em uma carta escrita em novembro de 1918, transcrita por Marianne Weber (1926, p. 746) - e
Trotsky (1937, p 65 e p. 76) referem-se a esse fenômeno social em situações mais extremas: o esgotamento de
energias nas mobilizações da classe trabalhadora após períodos de intensa atividade potítica em crises revoltucionárias
ou nacionais. Esse esgotamento de energias tem consequências para a estruturação política do período seguinte.
? LoeSmyth(2004) apresentam uma interessante reinterpretação do debate sobre o cálculo econômico sob
o socialismo no qual articulam como as transições de paradigmas tecnoeconômicos (Freeman; Perez, 1988)
determinariam mudanças nas propostas socialistas. Para eles o paradigma tecnosconômico cria condições para a
emergência de modelos de “socialismo participativo”,
Capitulo 7
Uma proposta para o debate
221

tecnológico e científico de cada fase, em especial pelo potencial libertário contido


na crescente aplicação tecnológica da ciência. Avanços tecnológicos abrem novas
possibilidades para a redução de jornada de trabalho, para o aprimoramento de con-
dições de trabalho, para o enfrentamento de desafios colocados para a humanidade,
tal como a questão do meio ambiente na atualidade — questão decisiva, que cobra
tanto a ampliação como um redirecionamento do progresso tecnológico. Por outro
lado, a posição de Rosdolsky sugere que se busquem identificar os “germes visíveis”
da nova sociedade presentes no interior da sociedade capitalista contemporânea.
Essas formulações são compatíveis com uma passagem de Marx, na Crítica do
programa de Gotha: a nova sociedade traz as marcas da velha sociedade da qual
provém. Quanto mais avançada a “velha sociedade”, melhor o ponto de partida
para a construção da nova. Essa linha, aliás, é também discutida por Preobrajensky
(1926), em sua elaboração sobre a “acumulação socialista primitiva”. Fortemente
influenciado pela experiência russa, Preobrajensky avaliava que quanto mais íntegra
emergir a sociedade e a economia no início da transição, melhor o ponto de partida
(uma justificativa para uma transição pacífica). Para a discussão aqui realizada, essas
observações têm importância por exigir que a identificação do ponto de partida
da nova sociedade seja realizada de forma muito precisa, pois ele se altera perma-
nentemente, À identificação dos “germes visíveis”, portanto, traz uma contribuição
para organizar a recomposição programática.
Nessa recomposição programática, é também útil a incorporação de experimentos
mais localizados. Num certo sentido, a experiência sueca é um experimento sobre
o Welfare State. Keynes trata a Suécia como experimento importante, lamentando
a sua pouca visibilidade (Skidelsky, 1992, p. 488). Cohen e Rogers (1995) apre-
sentam diversas experiências mais localizadas, entre as quais está a experiência do
orçamento participativo no Brasil.º
À preocupação com a permanente recomposição programática decorre da neces-
sidade da existência de um programa socialista coerente, atraente, com capacidade
de estimular energias de mobilização — um importante fator civilizatório sobre
o capitalismo. A inexistência desse programa determina a ausência de uma força
civilizatória sobre o capitalismo, o que estimularia o desenvolvimento dos elementos
mais antissociais do capital — com consequências desastrosas para o conjunto da
humanidade.

? — Areferência ao orçamento participativo, originada em um país da periferia capitalista -- portanto fora do escopo
deste livro — justifica-se por sua inclusão no livro de Cohen e Rogers (1995), mencionado como parte da literatura
acadêmica sobre alternativas ao capitalismo na introdução deste livro. Para uma avaliação sobre o orçamento
participativo em municípios e em um estado do Brasil, ver Faria (2005).
Capitulo 7
Uma proposta para o debate

Essa pode ser uma vantagem importante sobre outras propostas presentes no debarte
atual sobre o socialismo.

731 Sistemas de inovação

O progresso tecnológico nas sociedades capitalistas avançadas é impulsionado


por complexos arranjos institucionais que envolvem firmas, universidades, institutos
de pesquisa, instituições mercantis e não mercantis de seleção, recursos e políticas
públicas, além de investimentos privados. Esse complexo arranjo institucional desen-
volveu-se ao longo dos séculos XIX e XX para viabilizar tanto o desenvolvimento
da ciência e da pesquisa básica quanto a sua aplicação e incorporação por empresas.
AÀ incorporação dos sistemas de inovação na elaboração de alternativas ao capi-
talismo é um corolário do papel da tecnologia nesse processo de transformação.
Sistema de inovação pode ser considerado como um “germe visível”, por se tratar
de um componente essencial na transição para uma sociedade socialista: o sistema
de inovação é o arranjo que faz evoluir o “estado da ciência e da tecnologia”, com-
ponente básico para a redução da jornada de trabalho e para a transformação da
natureza do trabalho.
Inúmeras questões essenciais para o desenvolvimento da humanidade exigem
enormes investimentos no campo da ciência e da tecnologia, para além da deci-
siva questão da natureza do trabalho. À experiência com os sistemas de inovação,
com a complexa interação entre as suas diversas instituições constitutivas é um
ponto de partida importante para a articulação entre as prioridades em termos
de ciência e tecnologia e demandas da sociedade — a questão da sofisticação e
do aperfeiçoamento dos mecanismos de discussão e deliberação democráticas é
decisiva aqui, na afirmação da precedência da democracia. A reflexão de Freeman
(1996) sobre a relação cada vez mais importante entre tecnologia e meio ambiente
é uma excelente introdução para essa ampla reorientação. Há mecanismos, já
experimentados, que permitem o desenvolvimento de projetos que articulam
as dimensões científicas e tecnológicas, em busca de objetivos bem definidos —
Freeman menciona os projetos orientados por missão de inspiração militar. Esses
mecanismos são passíveis de reordenação para uma reorientação do progresso
tecnológico, através da criação de novos mecanismos de focalização da orientação
do progresso tecnológico, conforme define Rosenberg.
- Esses novos mecanismos de focalização da orientação do progresso tecnológico
são plenamente alcançáveis se uma análise detida de diversas experiências nacionais
de sistemas de inovação for realizada. Nesse sentido, há inúmeros experimentos
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

Finalmente, na metamorfose em curso no sistema capitalista, há uma transição


para um capitalismo mais internacionalizado e global — que cobra maior interna-
cionalização das propostas de alternativas.

73 — Germes visíveis do socialismo

A presente fase do capitalismo nos países avançados, resultado de transformações


decorrentes das quatro fontes de metamorfoses do capitalismo, contém diversos
germes visíveis do socialismo. Os mais importantes são os sistemas de inovação, os
sistemas de bem-estar social, a dinâmica estabelecida pela organização financeira
atual e a democracia. Este último tem precedência sobre os demais.
O capitalismo contemporâneo não pode ser compreendido sem a incorporação
dessas quatro construções institucionais. Todas são produto de desenvolvimentos
históricos, resultado de combinações entre as quatro fontes das metamorfoses do
capitalismo. Diferentes combinações e diferentes formatos institucionais relativos
a essas quatro instituições geram diferentes tipos de capitalismo entre os países
localizados no centro. A identificação dessas variedades de capitalismo é importante
para contextualizar os Estados Unidos como caso “clássico”, mas não único, de
capitalismo. AÀ discussão das variedades de capitalismo é uma área rica nos debates
acadêmicos, cuja resenha e avaliação ultrapassam os objetivos deste livro. É suficiente
mencionar que a literatura relativa é rica em elementos que diferenciam os países
capitalistas centrais em cada um desses tópicos: 1) para sistemas de inovação, ver
Nelson (1993); 2) para sistemas de bem-estar social, ver Esping-Andersen (1990);
3) para sistemas financeiros, ver Zysman (1982); 4) para democracia, ver Lijpharde
(1999). AÀ combinação das diferenças entre esses quatro elementos oferece um
mosaico de variedades de capitalismo — estas são importantes para localizar o que
há de singular no “caso clássico” representado pelos Estados Unidos e também a
possibilidade de mudanças institucionais nos processos de transição de hegemonia.
A questão aqui é identificar cada um desses arranjos institucionais como par-
tadores de potencial de transformação suficientemente rico para justificar a sua
utilização nas discussões sobre alternativas ao capirtalismo no início da segunda
dêcada do século XXI. Há um pressuposto metodológico que é o de avaliar cada
uma dessas instituições como invenções humanas singulares, que potencialmente
podem ultrapassar os limites do capitalismo. Como são instituições já desenvolvidas,
lidar com elas no início do século XXI não é um exercício puramente ficcional.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

realizados e bem-sucedidos, de forma localizada ou setorial. A sensibilidade das


especializações científicas em relação a prioridades tecnológicas é perceptível no
caso dos países nórdicos, nos quais se identifica uma forte especialização científica
em disciplinas relacionadas ao setor da saúde — sugerindo uma forte influência da
construção dos sistemas de bem-estar social sobre o sistema de inovação (Chaves,
2005, p. 61-62).
A reorientação democrática de prioridades para o desenvolvimento científico e
tecnológico é um elemento crucial aqui. AÀ demanda que essa reorientação coloca
para as instituições democráticas não é simples, em particular, pelas diversas lógicas
existentes em termos do progresso científico em geral e das suas diversas aplica-
ções e múltiplas interações entre as diversas instituições do sistema. Um exemplo
da necessidade dessa nova dinâmica é a decisiva questão ambiental, cuja solução
depende de importantes avanços “no estado geral da ciência e da tecnologia”.
Para a incorporação e a adequação dos sistemas de inovação aos projetos alterna-
tivos ao capitalismo, um mecanismo inicial é a transformação em ação consciente e
passível de discussão e deliberação democrática de diversos mecanismos públicos e
estatais que têm sido amplamente utilizados e que são tratados como mecanismos
implícitos na definição dessas políticas.º A explicitação desses mecanismos, ao
mesmo tempo, viabiliza essas discussões mais amplas e a adequação dos sistemas
de inovação como efetivas ferramentas de políticas públicas conscientes.
Em relação aos projetos de socialismo de mercado, é notável a ausência de qual-
quer discussão mais acabada em relação à questão tecnológica, na medida em que
em geral a tecnologia é uma questão de mercado. Na abordagem aqui apresentada,
os sistemas de inovação são elementos essenciais para a definição da interação entre
plano e mercado na transição para o socialismo.
A incorporação dos sistemas de inovação, por fim, é uma decorrência das mera-
morfoses sofridas pelo capitalismo nos séculos XIX e XX. Além disso, os sistemas
de inovação terão inúmeras interações com outros “germes visíveis”,

732 Sistemas de bem-estar social

Há uma diversidade de estruturas de sistemas de bem-estar nas economias


capitalistas desenvolvidas (Esping-Andersen, 1990). Há um vasto espectro que
inclui, em um extremo, a experiência sueca — com os sistemas universalistas - €,

* — Freemane Soete(1997, p. 369-432) sistematizam mecanismos e políticas disponíveis.


Caprtuto 7
Uma proposta para o debate
1225

em outro, os Estados Unidos, com o sistema de bem-estar mais mercantil entre os


países avançados. O poder da dinâmica dos “germes visíveis” pode ser caprurado
aqui, na medida em que até mesmo a solução de mercado desenvolvida nos Estados
Unidos — pensões no setor privado, com os fundos de pensão adquirindo ações de
empresas — gerou um enorme potencia! de transformação da propriedade patrimo-
nial, identificada por Peter Drucker (1976) como o potencial do “socialismo dos
fundos de pensão”,
À lógica do desenvolvimento dos sistemas de bem-estar envolve uma interação
singular com movimentos sociais e com políticas públicas para a contenção da ação
do capital. À tipologia de Esping-Andersen (1990) antecipa um padrão de disputa
em torno desse germe visível, na medida em que, nos sistemas de tipo corporativo
(Alemanha), há a tendência à cristalização da estrutura social existente, enquanto
nos sistemas mais privatistas (Estados Unidos), o mercado de capitais busca tornar
as aposentadorias mais um setor de sua atividade. Nesse sentido, o modelo uni-
versalista representado pela experiência sueca é o formato que, de fato, corporifica
um germe visível. A tipologia de Esping-Andersen (1990) permite ao Estado de
Bem-Estar Social o dialogar com a correta crítica de Offe e Habermas, pois esses
autores tratam da versão alemã desses sistemas. ÃÀo mesmo tempo, essa tipologia é
capaz de demonstrar que a versão sueca é a que mais avança em direção à desmer-
cantilização do trabalho e do conjunto das atividades relacionadas ao sistema de
bem-estar social."º
Uma limitação da tipologia de Esping-Andersen é a não incorporação do sistema
de saúde no sistema de bem-estar social — Barr (1998), por exemplo, trata de forma
mais abrangente os sistemas de bem-estar social. Caso Esping-Andersen tivesse
incluído o sistema de saúde no interior do sistema de bem-estar social, teria ressal-
tado ainda mais a especificidade da experiência sueca, em especial por destacar a
desmercantilização da saúde também (ver Lassey et al., 1997)." Na medida em que
o capitalismo é identificado com a crescente mercantilização da vida (Wood, 2003,
p. 11), a desmercantilização do trabalho e da saúde por sistemas de bem-estar social
demonstra o seu potencial transformador — para a reversão da lógica do capital.

* — Segundo Esping-Andersen (1990, p. 23), “sistemas de bem-estar social desmercantilizadores são, na prática,
muito recentes. Uma definição mínima deve implicar que os cidadãos podem livremente, sem risco de perda de
emprego ou de bem-estar, optar por não trabalhar quando eles próprios considerarem necessário.”
* — Adicionalmente, a inclusão dos sistemas de saúde contribuiria para diferenciar o caso britânico (com o seu
National Healih Service) do caso dos Estados Unidos (com o sistema de saúde muito mais apoiado no setor privado,
apesar da presença do Medicare).
Capitulo 7
Uma proposta para o debate
227

do seu potencial de reconfiguração estrutural das sociedades capitalistas, como


discutido na seção anterior."º

733 Desenvolvimento do sistema financeiro

As referências de Marx ao sistema de crédito como uma poderosa alavanca na


transição para a nova sociedade (1894, r. 2, p. 117) e às sociedades por ações como
“forma de transição” para a nova sociedade (1894, t. 1, p. 332-333) podem ser
avaliadas como razoavelmente fragmentadas e não desenvolvidas (afinal, estão em
um volume escrito, mas não revisado para publicação, por Marx). Porém, são con-
firmadas por diversos desenvolvimentos reais ou potenciais do capitalismo moderno.
Do diálogo com a elaboração pós-keynesiana emerge um importante paradoxo,
de acordo com a análise de Minsky (1982, p. 201): o paradoxo das dificuldades do
sisterna capitalista exatamente com indústrias de alta intensidade de capital.
Nesta passagem, Minsky discure o papel da propriedade pública.
Desenvolvimentos reais (crescimento do sistema de crédito, desenvolvimento
das sociedades por ações no final do século XX) foram avaliados por Bernstein
(1899) e por Weber (1918, p. 113) como uma demonstração da possibilidade de
desenvolvimentos evolucionistas (em contraposição aos revolucionários).
Drucker (1976) é perspicaz para identificar uma tendência real existente na
economia dos Estados Unidos, que configura uma variedade de capitalismo na
qual as bolsas de valores e as sociedades anônimas têm papel central: os fundos de
pensão detêm mais de 70% do PNB dos Estados Unidos em ativos financeiros, dos
quais mais de 70% estão em ações de empresas. Esse desenvolvimento abre espaço
para elaborações como a de Blackburn (2002), que parte da natureza das pensões
(no modelo anglo-saxão) — um elemento do mercado financeiro convencional — e
discute dois caminhos possíveis. Um deles levaria à “progressiva socialização do
processo de acumulação” (p. 528). Blackburn (2002) articula essa perspectiva com a
elaboração de “socialização do mercado” apresentada, na terceira rodada do debate,
por Diane Elson (1985).
A discussão do significado dos fundos de pensão e do seu potencial transformador
é tema de extensa literatura disponível. Uma cipologia elementar de possibilidades de
atuação desses fundos conteria três categorias: 1) fundos de pensão passivos, apenas

? Há um curioso elemento na iustória dos sistemas de bem-estar social. Instituíções criadas inicialmente como
parte de uma lei antissocialista (Bismarck) tornam-se, no processo de seu desenvolvimento, elementos socializantes,
de acordo com Hayek. Essa transformação diz algo sobre a dinâmica dos sistemas de bem-estar social e de seus
componentes.
26 |
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

A contribuição dos sistemas de bem-estar universalistas para a transformação


social envolve desde políticas para a mitigação da pobreza e da exclusão social até
políticas que contribuem para um maior dinamismo tecnológico das sociedades.
Há aqui uma importante interseção entre os sistemas de inovação e os sistemas de
bem-estar, uma vez que o progresso tecnológico deixa de ter uma natureza criadora
de desemprego -- ampliação do exército industrial de reserva — e passa para uma
natureza de transferência de trabalhadores de velhas indústrias para novas indústrias,
via instituições de retreinamento e educação em novas tecnologias.
A interação entre os sistemas de bem-estar e de inovação também contribui para a
construção de mecanismos de refocalização da orientação do progresso tecnológico,
com o fortalecimento da área de saúde no desenvolvimento econômico (tendência,
aliás, já em curso nas sociedades capitalistas avançadas). Esse fortalecimento do
setor saúde, por sua vez, deve ter novas implicações em termos de qualidade de vida
e de geração de capacidade humana criativa, o que tem impacto sobre a dinâmica
inovativa da nova sociedade.
Esse é o “germe visível” que recebeu mais atenção de Marx em uma das suas
reflexões explícitas sobre a natureza da transição para o socialismo, embora esse
germe ainda não fosse visualizável naquela época. Na Crítica ao programa de
Gotha, ao discutir a formulação da “retribuição integral do trabalho”, Marx expõe
as deduções necessárias no início da transição ao socialismo — as “deduções” da
“totalidade do produto social”: 1) reposição de meios de produção; 2) ampliação
da produção; 3) fundo de reserva ou de seguro contra acidentes; 4) despesas gerais
de administração; 5) “a parte que se destina a satisfazer necessidades coletivas,
tais como escolas, instituições de saúde” (“Gesundheitsvorrichtungen”); 6) “os
fundos de manutenção das pessoas não capacitadas para o trabalho” (Marx,
1875, p. 230-231). Nessa elaboração, há três elementos diretamente relacionados
ao que vieram a ser os modernos sistemas de bem-estar social (pontos 3, 5 e 6).
Marx esclarece que, nessa sociedade em transição, enquanto as despesas relativas à
administração tenderão a cair, a parte relativa às necessidades coletivas “aumentará
consideravelmente desde o primeiro momento, em comparação com a sociedade
atual, e irá aumentando à medida que essa sociedade se desenvolva” (p. 231).?
O enorme desenvolvimento desses gastos nas sociedades capitalistas durante o
século XX, em um processo cuja dinâmica inicial Marx havia capturado em O
capital — os movimentos sociais impondo conquistas sociais como a redução de
jornada de trabalho —, é uma expressão do vigor dos “germes visíveis” e, nesse caso,

? Putterman(1996, p. 141) comenta a moderação de Marx nesse programa. O ponto de partida pode ser tímido,
em termos das realizações dos sistemas de bem-estar no século XX, mas Marx ressalta algo que Putterman não
destaca: o aumento desses investimentos à medida que progrida a transição para a nova sociedade.
228 I
| AGENDA ROSDOLSKY
| Eduardo da Motta e Albuquerque

um elemento do sistema financeiro moderno atuando de acordo com as regras gerais


desses mercados (Mishkin; Eakins, 2009; The Economist, 2008; OECD, 2002);
2) fundos de pensão como um elemento importante para transformar segmentos
da classe trabalhadora em agentes ativos do capitalismo — Chesnais (2004, p. 33)
avalia a possibilidade de uma “nova classe”, e Drucker (1976, p. 149) destaca o caráter
ambíguo dos empregados que detêm o controle acionário de empresas; 3) parte de
uma estratégia de reorientação econômica e social — o que o The Economist trata
como ativismo dos investidores (social responsible investments) — como as propostas
de Blackburn (2002, p. 465), Fung et a/. (2001)"* e Engelen (2006). A dinâmica
dos germes visíveis tem a ver com essa terceira categoria.”
A dependência dos fundos de pensão em relação ao desempenho das empresas
(dado o risco de desvalorização de suas ações) leva aos trabalhadores uma preocu-
pação nova: como garantir o futuro das suas aposentadorias? O mercado financeiro
é capaz de garanti-las? Na crise de 2007-2008, de acordo com o relatório do Bank
for International Settlements (BIS), os fundos de pensão perdem 20% do valor dos
seus ativos (BIS, 2009, p. 48). As inevitáveis turbulências do sistema financeiro
€ as repercussões sobre esses ativos tornam-se novas fontes de preocupação dos
detentores dos títulos dos fundos de pensão em relação aos rumos mais gerais da
economia, o que pode gerar novos experimentos institucionais relativos à democracia
(extensão da democracia para dar conta dessas novas áreas de ação). Hebb (2001)
apresenta desafios e oportunidades de uma “worker-owner agenda” para os fundos
de pensão. Um tópico dessa agenda sempre mencionado é o relativo sucesso do
uso das posições acionárias de fundos de pensão para pressionar empresas durante
a luta antiapartheid (Becker; MacVeigh, 2001, p. 47-50).
Por outro caminho, Esping-Andersen (1985, p. 297) descreve como a consoli-
dação do sistema de bem-estar sueco relaciona-se com uma dinâmica específica de
avanços, que origina o Plano Meidner, aprovado pela central sindical sueca (LO)
em 1976. Esse plano tinha por alvo os superlucros gerados pelo arranjo do sistema
de bem-estar sueco para as grandes empresas nacionais. À proposta era a criação

* Hebb (2001, p. 6) aponta uma mudança estruturai importante, na medida em que “crescentemente os
trabalhadores descobrem que a sua habilidade de influenciar a gerência decorre da sua posição como acionistas
da empresa e não como trabalhadores”.
* Essa perspectiva está presente na proposta de Maurício Borges Lemos (1991) - uma alternativa às
privatizações no Brasil baseada em uma transferência patrimomal do Estado brasileiro para dois novos institutos,
que teriam “diretorias eleitas pelo voto de todos os trabalhadores sindicalizados” (p. 81). Esses dois novos
instítutos, segundo a proposta de Lemos, receberiam “uma transferência maciça de ações de posse direta ou
indireta do Tesouro Nacional” (1991, p. 81). À existência de uma “dívida histórica do Estado brasileiro para com
os trabalhadores” justífica tal transferência patrimonial (p. 79-81). Essa dívida foi criada pelo uso estatal dos
recursos da Previdência Social, cujos saldos financiaram o Tesouro Nacional até 1979 (1991, p. 79).
Caprtulo 7
Uma proposta para o debate

de fundos por empresa para os assalariados, fundos constituídos pela transferência


anual de 20% dos lucros das empresas, sob a forma de ações (p. 298). A longo prazo,
o plano significaria uma representação majoritária dos trabalhadores no controle
dessas empresas. À resistência dos empregadores foi grande (p. 299), e, mesmo
alterado, o plano não foi vitorioso. Entretanto, essa proposta persiste no debare e
foi objeto de comentários de Drucker (1976, p. 41-42)'6 e de Blackburn (2002).
Essa referência, adicionalmente, ilustra o papel representado pelas ações no Plano
Meidner como um mecanismo de uma transformação estrutural.
Em outro plano, a resposta do governo dos Estados Unidos à crise financeira
de 2008 é instrutiva, dado o peso da intervenção pública para evitar a quebra de
bancos importantes para o sistema financeiro. O resultado dessas intervenções
abriu uma discussão sobre a nacionalização (temporária) dos bancos, o que não
deixa de ser uma expressão dessa dinâmica bastante singular (“Nartionalization
gets a new, serious look”, New York Times, 26 jan. 2009). Nas páginas do New
York Times, economistas como Krugman (“Banking on the brink”, 23 fev. 2009)
e Stiglitz (“Obama's Ersatz Capitalism”, 1º abr. 2009) argumentaram a favor dessa
nacionalização temporária dos bancos. Essa ampliação (necessária) do alcance e
da dimensão do setor público estabelece, potencialmente, novas demandas para as
instituições democráticas: controle democrático sobre gastos públicos. Essa questão
já tem alguns tratamentos teóricos explícitos na literatura, como a proposta de Pollin
(1995), que busca “métodos para ampliar dramaticamente o controle democrático
sobre os mercados financeiros e a alocação de crédito”, por meio da articulação de
avanços na democracia associativa com o sistema financeiro (p. 47).
Por um caminho diferente, que parte de questões políticas macroeconômicas mais
gerais, propostas de inspiração keynesiana podem levar a construção de sistemas de
bem-estar social e a contribuir para reformas estruturais na economia. Carvalho
(2008, p. 209) enfatiza que a social-democracia escandinava é keynesiana por aceitar
as visões de Keynes sobre mudança estrutural no setor produtivo. O comentário
sobre os caminhos diferentes envolve uma comparação com a discussão sobre sis-
temas de bem-estar social. Em um caso, a preocupação com políticas específicas
relativas ao bem-estar leva a reformas financeiras (Plano Meidner); no outro caso, o
caminho é inverso, uma vez que preocupações com a questão monetária e financeira
levam a propostas de construção de elementos de um sistema de bem-estar social.
A interpretação apresentada por Carvalho (2008) encontra em Keynes — no geral
um reformador do capitalismo — elementos para uma reforma estrutural importante,

1 Drucker (1976, p. 42-43) critica a proposta e a compara com a estrutura dos fundos de pensão nos Estados
Unidos.
Capítulo 7 ;
Uma proposta para o debate
1231

O diálogo com estudiosos da questão democrática é, portanto, decisivo. Essa


questão é tema de uma área acadêmica específica, que exige uma interação muito
especial entre a economia e a ciência política — uma área na qual a economia tem
muito a aprender. Uma introdução acadêmica possível para esse diálogo pode ser
encontrada em Cohen (1989, p. 26): “Um compromisso com o socialismo decorre
naturalmente de um compromisso com a democracia, democracia sendo entendida
como uma associação que realiza o ideal da livre deliberação entre cidadãos iguais.”
O autor intitula essa abordagem como uma concepção de“extensão da democracia”.
Chantal Mouffe (1992, p. 1), em um texto importante para a teoria democrática por
discutir as implicações do fim dos regimes burocráticos do Leste Europeu, reitera
que “os objetivos da esquerda devem ser a extensão e o aprofundamento da revolu-
ção democrática iniciada há 200 anos”. O tema que emerge dessa perspectiva é até
onde o capitalismo como sistema comporta efetivas extensões e aprofundamentos
da democracia. Por isso, a abordagem de Cohen (1989) é rica, por apontar tanto a
tensão entre democracia e capitalismo quanto uma dinâmica de desenvolvimento
democrático que pode colocar em questão o capitalismo.
Esse elemento dinâmico, no raciocínio de Cohen, deriva-se de um conjunto de
considerações que levam “de um compromisso com a associação democrática a um
compromisso com uma forma de socialismo” (p. 26).
Para fundamentar a sua elaboração, Cohen realiza uma criteriosa revisão da
literatura sobre a democracia. Apresenta o que é chave para a compreensão de uma
dinâmica que defina um processo que articularia democracia e socialismo: as diversas
fontes de tensão e contradição entre a democracia e o capitalismo, que são também
argumentos em apoio a alguma forma de “propriedade social de capital” (p. 30).
Cohen (1989, p. 27-30) apresenta quatro argumentos que retiram conclusões
socialistas a partir de princípios democráticos.
O primeiro argumento — o argumento paralelo (“the paralellel case argument”)
— baseia a defesa de autogestão em empresas a partir do paralelismo com o caso
do governo democrático do Estado. O teórico que apresenta esse argumento,
segundo Cohen, é Dahl (1985). Os trabalhadores em uma empresa, como atores
que cooperam nela, têm capacidade de avaliar as regras que definem essa ativida-
de cooperativa e se sujeitar a elas. Por isso, eles têm o direito de determinar essas
regras. Em consequência, “como a propriedade privada de capital entra em conflito
com esse direito, ela deve ser abolida, ou pelo menos cuidadosamente circunscrita”
(Cohen, 1989, p. 27).
O segundo argumento — o argumento do constrangimento estrutural (“the
structural constraint argument”) — refere-se aos limites impostos à democracia pelo
controle privado dos investimentos. Esse argumento é apresentado por Przeworski
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

ao tocar em dois pontos problemáticos do capitalismo: a dificuldade de alcançar


pleno emprego e as desigualdades em termos de renda e riqueza. Carvalho (2008)
avalia as propostas de Keynes apresentadas em How to pay for the war e as inter-
venções em defesa do Beveridge Plan e sugere que elas poderiam ser consideradas
socialistas por duas razões: em primeiro lugar, por quebrarem o vínculo entre renda
e desempenho no mercado; em segundo, porque o Estado teria responsabilidade
direta na redistribuição de renda (Carvalho, 2008, p. 208-209).
Finalmente, em termos de alternativas no plano teórico, é interessante destacar
as propostas que utilizam ações ou a natureza das empresas por ações para refor-
mar o capitalismo ou construir o socialismo de mercado: Roemer (1994) é um
exemplo, e Keynes, segundo Carvalho (2008, p. 209), também teria pensado em
reorganização do sistema produtivo: “Baseada principalmente na ideia de que as
empresas sociedades anônimas são mais próximas de uma empresa pública do que
do capitalismo individualista do século XTX”
Há aqui uma multiplicidade de caminhos e experimentos, que podem compor
um vasto leque de opções para concretizar a transformação do sistema de crédito
em uma “poderosa alavanca” para a construção de uma nova sociedade.

734 A precedência da democracia

À democracia é a instituição mais importante na transição para o socialismo.


Este deve ser considerado uma consequência de avanços na democracia e uma
decorrência de decisões democráticas. À tensão entre capitalismo e democracia é
discutida por Habermas (1981, v. 2, p. 487).
Na história dos debates sobre planejamento econômico, o tema da democracia
entra na agenda apenas na terceira rodada, em especial, a partir da intervenção de
Mandel (1986)."? Na rodada atual, a proposta de E. O. Wright (2006) enfatiza a
qualidade das instituições democráticas — em termos da sua presença na sociedade
e das instituições que influencia -- em detrimento da estrutura de propriedade. Em
termos dinâmicos, essa abordagem é perfeitamente compatível com a sugestão de
Mandel, a partir de uma reinterpretação de sua intervenção no debate realizada
anteriormente (Albuquerque, 2008, p. 384-385). Essa postura é um elemento básico
para a elaboração programática.

” Cohene Rogers (1983, p. 158) citam à posição de Mandel, entre outros, para fundamentar a natureza
multipartidária da democracia. Essa menção — e o que ela pode significar em termos de um diálogo com a teoria
democrática -- é importante para sublinhar a relevância da elaboração de Mandel sobre a questão da democracia e
o seu papei estratégico e estrutura! na transição e no socialismo.
232
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

(1985). À decisão tomada por capitalistas pode impedir a implementação de deci-


sões tomadas em uma democracia capitalista. Por isso, “como o controle privado
do investimento impõe importantes restrições na escolha coletiva dos cidadãos, o
controle público dos investimentos é requerido como uma solução” (Cohen, 1989,
p. 28).
O terceiro argumento — o argumento da base psicológica (“the psychological
support argument”) — trata de formas de pensamento, sentimento e autocompreensão
que dão substância à cidadania democrática. Pateman (1970) e Dahl (1985) são os
autores que apresentam esse argumento. Este defende a extensão do autogoverno
para esferas não democráticas do trabalho. Esse ponto de vista esclarece que, “como
as relações capitalistas de propriedade atribuem autoridade final aos proprietários
de capital, elas limitam a extensão da democracia no local de trabalho, portanto
estimulam a passividade e uma base estreita para o julgamento político. Por isso
elas não são bem talhadas para uma sociedade democrática” (Cohen, 1989, p. 29).
O quarto argumento — o argumento do constrangimento de recursos (“the resour-
ce constraint argument”) — trata da influência negativa da distribuição desigual de
riqueza e renda sobre o processo democrárico. Essa desigualdade impede a igualdade
de acesso à arena política e a igualdade no poder de influir nos resultados do processo
democrático. Esse aspecto é discutido por Downs (1957). Em consequência, “uma
democracia aperfeiçoada, baseada no princípio de que as oportunidades políticas
não devem depender da posição econômica, deveria portanto ser ajudada por uma
distribuição mais equitativa de recursos materiais do que a que é característica do
capitalismo” (Cohen, 1989, p. 29).
Para lidar com essas quatro diferentes fontes de tensão entre capitalismo e
democracia, Cohen (1989) discute o papel da democracia deliberativa, apoiada em
diversos autores, incluindo Habermas (1981). Sugere-se pensar em diversas formas
institucionais da democracia que, necessariamente, devem ir além da democracia
representativa. Após a discussão sobre democracia deliberativa, Cohen (1989, p.
39-49) trata das relações entre democracia e socialismo, detalhando a operação de
instituições democráticas para responder a duas questões: 1) o controle público de
investimentos; 2) a autogestão das empresas pelos trabalhadores. No debate aca-
dêmico, essa posição de Cohen é importante porque apresenta argumentos para a
autogestão mesmo em grandes empresas (p. 48). Nove (1983), na terceira rodada
do debate, é bastante cético acerca dessa possibilidade de democratização. À inter-
pretação da posição de Cohen (1989) aqui apresentada enfatiza uma postura teórica
que reconhece a crescente complexidade das esferas da economia e do Estado; mas,
ao contrário de Habermas, não as retira do alcance da democratização.
Capdulo 7
Uma proposta para o debate

Ellen Wood (1995) apresenta outro elemento central para as discussões sobre
democracia: o seu papel na substituição do mecanismo de mercado. Wood sugere que
a democracia se torne o novo mecanismo diretor da economia (“driving mechanism
of the economy”) (p. 290), um novo regulador econômico (p. 292)'*
Essa abordagem do processo democrático, associada a uma forte capacidade de
inovação institucional, é necessária para responder às diversas demandas colocadas
pelos “germes visíveis”. Sistemas de inovação, sistemas de bem-estar social, institui-
ções financeiras e ordenação internacional cobram maior capacidade das instituições
democrárticas para lidar com esses temas de complexidade crescente. De outra forma,
essa articulação explicita a precedência da democracia — e a sua associação com um
pré-requisito essencial, a redução da jornada de trabalho, possibilitada pela aplicação
científica da tecnologia, como Marx sugere desde 1857-1858.
Outro resultado importante do processo de metamorfose do sistema capitalista —
a ampliação quantitativa e qualitativa da ação do Estado — coloca sempre a questão
do seu controle democrático. Por isso, o desenvolvimento e aperfeiçoamento das
instituições democráticas são pré-requisitos para a definição de prioridades de gastos
e de utilização dos recursos públicos. Esse crescimento quantitativo e qualitativo
da intervenção estatal deve ter como contrapartida avanços similares em rermos
do alcance das instituições democráticas.
A vitalidade do processo democrático, entretanto, depende da ação política
cotidiana de cidadãos e cidadãs conscientes e com capacidade de intervenção em
novos fóruns de participação direta. Essa fonte do desenvolvimento democrático
está presente no que Hannah Arendt denomina “o tesouro perdido da tradição
revolucionária”, diretamente relacionada à emergência espontânea de conselhos
operários nas grandes revoluções: Comuna de Paris, 1871, revoluções russas de
1905 e 1917, Revolução Alemã de 1918-1919 e Revolução Húngara de 1956. Os
conselhos são para Hannah Arendt “espaços da liberdade” (1963, p. 256). Esses
“espaços da liberdade”, produro da ação espontânea e dependentes de processos
tevolucionários, são fundamentos para a precedência da democracia em relação aos
outros germes visíveis aqui discutidos.
Finalmente, é também necessário ressaltar que a precedência da democracia
determina o papel da discussão programática, dado o seu papel na conquista de
apoio e simpatia para a experimentação — o debate acadêmico e teórico tem uma
contribuição nesse ponrto.

** G.A Cohen(2009,p.82) apresenta a sua concepção de socialismo como alternativa democrática ao mercado.
Capitulo 7
Uma proposta para o debate E
1235

alteração na propriedade sem ainda determinar uma alteração correspondente em


termos de controle (Hebb, 2001, p. 2). Alternativas estão disponíveis para que o
controle também seja alterado (Blackburn, 2002; Engelen, 2006).
A democracia e suas instituições também estão em permanente dispura. Há
autores que enfatizam como as conquistas de direitos democráticos (e sociais) das
classes trabalhadoras, nos países avançados, constituíram-se em elementos de esta-
bilização do capiralismo. Delfim Neto, por exemplo, é um polemista que ressalta
esse ponto. Para ele, o sufrágio universal foi uma concessão-chave para comprometer
a classe trabalhadora com a estabilidade do capitalismo: “A profecia marxista só
não se realizou por causa do sufrágio universal” (Valor Econômico, 26 nov. 2007).
Alternativamente, o ponto de vista deste livro sugere que a conquista custosa do
sufrágio universal estabelece um novo patamar para a transformação socialista,
um passo para novas formas de luta e para uma transição pacífica, embora não
isenta de conflitos. Em O 18 brumário, Marx chega a associar o sufrágio universal
como uma manifestação específica da luta de classes.”* A possibilidade de transição
pacífica é explorada em um rascunho de 1878 de um artigo de Marx sobre as leis
antissocialistas de Bismarck (Marx; Engels, 1975, v. 24, p. 248), no qual relaciona
o desenvolvimento histórico propício, o estabelecimento de eventuais maiorias
parlamentares em países como a Inglaterra e os Estados Unidos e, dependendo
do alcance de um “desenvolvimento suficientemente maduro”, a possibilidade de
eliminar as leis que bloqueiem o avanço da classe trabalhadora. Dado o progresso
do sufrágio universal, avalia Marx, seria possível chegar por meios pacíficos aos
objetivos do movimento socialista — não custa lembrar a timidez dos avanços do
sufrágio universal no tempo de Marx e a longa luta para torná-lo de fato universal
(Held, 1989). Marx ressalta que a violência no caso poderia vir dos setores sociais
que resistiriam às mudanças definidas por essa maioria parlamentar, como a reação
do sul dos Estados Unidos antes da Guerra Civil (p. 249).
Todo o crescimento do peso do Estado implica novas tarefas para as insti-
tuições democráticas e um novo terreno de disputa entre um germe visível — a
democracia -- e o capiral.
Em suma, a identificação dos “germes visíveis” pressupõe essa disputa permanen-
te, que termina incorporada à própria dinâmica capitalista e que pode se constituir
em um elemento civilizatório sobre o capitalismo.
Essa abordagem em relação ao destino dos “germes visíveis” oferece uma nova
perspectiva para alguns debates acadêmicos, em especial com a Escola Austríaca:

* —“Segundo Marx, “uma vez que a burguesia liquidara temporariamente a luta de classes, ao abolir o sufrágio
universal” (1869, p. 77).
'
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

74 —A permanente disputa em torno dos


germes visíveis

Na medida em que os germes visíveis são a materialização institucional de resulta-


dos importantes de lutas sociais ou de elementos fortemente emancipatórios, a incer-
teza sobre o seu destino deve ser reenfatizada. Porém, além dessa indeterminação
mais geral, há ainda uma disputa específica entre o capital e as potencialidades em
termos de uma perspectiva socialista. À emergência desses germes visíveis pode ser
percebida pelo capital como potencial para a expansão da sua área de atuação. Essas
disputas, que são bastante generalizadas, podem constituir inclusive um elemento
responsável por mudanças estruturais no sistema capitalista — transformando-se em
parte da dinâmica capitalista a longo prazo. Essas disputas dizem respeito a todos
os germes visíveis aqui discutidos.
Em relação aos sistemas de inovação, pode-se afirmar que o processo de tenta-
tiva de subordinação da ciência ao capital prossegue. O fato de esse processo não
ter terminado é um indicador da natureza desse germe visível — a lógica da ciência
tem problemas para ser completamente subordinada à lógica do capital. À atuali-
dade dessa dispura em torno do sistema científico dos Estados Unidos é avaliada
por Mirowsky e Sent (2002) e por Nelson (2004). Haveria aqui uma dinâmica
específica, relacionada à entrada do capital em áreas como a atividade científica?
O comportamento do moderno venture capital — que circula em torno da infraes-
trutura pública de pesquisa (Fabrizio; Mowery, 2007, p. 311, nota 1) — seria outra
demonstração do caráter inconcluso dessa subordinação.
Historicamente, o sistema de inovação apoia-se em universidades e no progresso
da ciência, instituições que dependem de capacidade crítica para seu funcionamen-
to. Liberdade é um pressuposto para o desenvolvimento científico. Por exemplo,
na Alemanha nazista, a regressão no número de estudanrtes universitários é uma
indicação dessa dependência (Keck, 1993, p. 132 e 119).
A aplicação da ciência à guerra, com o seu impacto sobre as prioridades de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico dos sistemas de inovação, é também um
componente dessas dispurtas.
Em relação aos sistemas de bem-estar social, a história do sistema de pensão nos
Estados Unidos é uma demonstração dessa disputa — a privatização do sistema de
pensões é um momento crucial dessa disputa (Esping-Andersen, 1990). Em geral,
bá uma persistente batalha para que os mercados de capirais assumam essa fatia dos
sistemas de bem-estar social. Porém, em sentido inverso, o resultado da estrutura
do sistema de bem-estar social nos Estados Unidos determinou uma importante
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

a elaboração de Hayek pode ser identificada com um enfrentamento sistemático à


emergência e/ou evolução dos germes visíveis.
Em relação à tecnologia (1979, p. 47), a orientação básica de Hayek é o desen-
volvimento de técnicas que viabilizem a operação do mercado. Ou seja, aquilo que
a tecnologia tem de bem público ou de potencial para o uso coletivo deve ser con-
tido, e invenções que viabilizem o uso estritamente privado devem ser prioridade.?º
Em relação aos sistemas de bem-estar social, Hayek apresenta severas restrições a
quaisquer tentativas de redistribuição (1979, p. 150), desqualifica a busca por justiça
social (1976a) e insiste na neutralidade dos resultados da operação do mercado — o
que determina a inaplicabilidade do conceito de justiça para os resultados da “ordem
espontânea” (1979, p. 67-70). Há uma crítica geral do sistema de bem-estar social
— para o qual teriam se voltado os socialistas após 1948 (1944, p. xxxiv). Entre os
elementos propulsores do sistema de bem-estar social, Hayek não contempla espaço
para a ação de sindicatos — ao contrário, há restrições severas ao que ele chama de
labour monopoly (1979, p. 83).
Quanto à questão financeira, Hayek (1976b) propõe retirar do Estado o mono-
pólio da emissão de dinheiro, desmantelando um dos mecanismos de autoproteção
da sociedade descritos por Polanyi (1944). Em um contexto no qual bancos centrais
operam em coordenação internacional para conter a crise de 2007-2008 (BIS, 2009,
p. 18), a posição de Hayek tem limitações para a compreensão de novos problemas
do capitalismo contemporâneo.
Em relação à democracia, Hayek tem restrições gerais (1979, p. 38) * e restrições
à sua extensão em outras áreas para além do governo (p. 39). Ou seja, em relação
a esse germe visível estratégico, ele tem uma posição exatamente contrária à neces-
sária extensão da democracia como resposta às metamorfoses do capitalismo no
século XX.
Finalmente, Hayek (1973) tem uma postura geral contra experimentos sociais
e democráticos, identificada pela aderência à “ordem espontânea” e pela total opo-
sição a quaisquer tentativas de inovação institucional através da democracia e do

? — “Novos métodos podem ser encontrados para tornar um serviço vendável, serviços que antes não poderiam ser
restritos àqueles que desejam pagar por ele, e assim o método do mercado pode ser aplicável a áreas a que antes
não poderia ser" O exemplo que ele apresenta é a televisão (wireless broadcasting): “(...) avanços técnicos podem
abrir a possibilidade de confinar a recepção a quem utiliza um equipamento específico, tornando a operação do
mercado possível” (Hayek, 1979, p. 47).
?? —Segundo Aarons, em Hayek a prioridade do mercado é tal que justifica a existência temporária de ditaduras —
uma entrevista de Hayek ao periódico chileno E! Mercurio, em 12 abr. 1981, é citada por Aarons (2009, p. 134-135).
Disponível em: <http:lwww fahayek.orgiindex.php?option=com content&viewsarticie&id=121 linstitut-hayek-publie-
dewx-interviews-intes-en-anglais-de-fa-hayek&catid=79:divers&ltemid=54>. Acesso em: 3 fev, 2010. Burczak (2008,
p. 80) lembra essa forte deficiência em Hayek.
Capitulo 7
Uma proposta para o debate
237

rational design.** Enfim, é possível considerar Hayek como um intelectual atento


à emergência de germes visíveis do socialismo e sempre posicionado para combarê-
los.** Essa forma de interpretar debates contemporâneos é um elemento final da
proposta de novos termos para a reabertura dos debates sobre a possibilidade do
socialismo proposta pela Escola Austríaca.

”* —"Uma nota sobre a interação entre os germes visíveis

Uma atualização programática da transição ao socialismo não se esgota na


incorporação dos “germes visíveis” aqui discutidos. Uma discussão mais completa
ultrapassa os limites de um trabalho acadêmico. Em termos metodológicos, há uma
associação entre a elaboração dos germes visíveis e a superação da dicotomia entre
“reforma ou revolução”: conforme a reconceituação proposta por Paula (1995, p.
235), os termos não devem ser contraditórios — “reforma e revolução”.*
Uma maior interação entre os arranjos institucionais aqui apresentados seria
resultado da ação política, da capacidade de um programa atualizado e com

?? Parauma avaliação da dimensão da participação eleitoral de acordo com a visão de democracia de Hayek, o
trecho a seguir é didático. Hayek (1973, p. 20) discute a participação no legislativo. Segundo ele, “tal assembleia
tegislativa poderia ser implementada se, em primeiro lugar, seus membros fossem eleitos por períodos longos; em
segundo lugar, eles não poderiam ser reeleitos; e, em terceiro lugar, para assegurar uma renovação contínua do
corpo legislativo de acordo com as opiniões que mudam gradualmente entre o eleitorado, seus membros não seriam
eleitos todos ao mesmo tempo, mas uma fração constante de seu total seria substituída cada ano, à medida que
seus mandatos expirassem; ou, em outras palavras, se todos fossem eleitos, por exemplo, por quinze anos e um
quinzeavos de seu total renovado a cada ano. Para mim isso seria conveniente por proporcionar que a cada eleição
os representantes fossem escolhidos por e entre apenas um grupo etário, de forma que cada cidadão poderia votar
apenas uma vez em sua vida, por exemplo, aos 40 anos, para uma representação escolhida de seu grupo etário”
(grifos do autor). v
* — Anaturezapolemista de Hayek é identificada pelos diversos meios para propagar as suas ideias. Destaque-se
a edição compacta de The road to serfdaom em um número especial em 1945 da revista Seleção Reader's Digest,
com uma tiragem de 800 mil exemplares — conforme relata Milton Friedman na intradução de 1994 de uma reedição
da obra (Friedman, 1994, p. xix).
* Oestudoacadêmicodasrevoluções sociais é uma contribuição importante de Theda Skocpoi (1979), em especial
para repensar o significado e a possibilidade de revoluções sociais como as discutidas em seu livro (França, Rússia
e China). Skocpol avalia que é impossível, em países capitalistas avançados, que Estados modernos se desintegrem
como ocorreu nos três casos discutidos em seu livro. Essa avaliação pode ser reforçada por uma análise do destino
do processo revolucionário na Alemanha, em especia! entre 1918 e 1919 (Broué, 1971). Essa reavaliação, ao lado
da percepção do significado apontado por Hannah Arendt da contribuição dos processos de formação de conselhos
de trabalhadores e da ação política revolucionária para a vitalidade da experiência democrática (1963), reconfigura
a antiga dicotomia “reforma ou revolução”: para Skocpol (1979), a articulação de “reformas não reformistas”, como
sugere Gorz.
Capitulo 7
Uma proposta para o debate
239

as fontes da dinâmica do conjunto do processo -- a sua subordinação aos processos


democráticos. O resultado final não pode ser previsto ex-ante. À multiplicação da
interação e ação recíproca entre os diversos germes visíveis aqui discutidos deve
definir uma dinâmica que apresentará importantes metamorfoses ao longo do
processo. O resultado dessa dinâmica democrática contribui para a superação do
capitalismo. Serão definidos, nesse processo, o destino e o papel de diversas insti-
tuições, inclusive do dinheiro e do mercado (a natureza internacional do processo
€ a necessária inclusão de países mais atrasados em termos de desenvolvimento
econômico e social determinam a utilização dos mecanismos de mercado por um
longo período).
À dimensão internacional desse processo deve ser aqui contemplada. À dinâmica
mundial do capitalismo exige o surgimento de elementos internacionalistas que
são componentes básicos de qualquer proposta de transição para o socialismo. Os
“germes visíveis” têm um forte componente internacionalizante,
Os sistemas de inovação têm uma dinâmica de superação potencial de limites
nacionais em função do caráter mundial da ciência. Há muito intercâmbio e o
desenvolvimento cada vez maior de cooperação internacional, que devem ter impacto
mais forte sobre o desenvolvimento de consciência e perspectivas internacionalistas.
Do ponto de vista tecnológico, a organização multidivisional e multinacional dessas
empresas coloca novas possibilidades (Dunning, 1993). Por mais tímida que seja
neste momento, a emergência de global innovation networks pode sinalizar novos
passos para a internacionalização das atividades inovativas, um primeiro passo em
direção a um sistema global de inovação.
Em relação aos sistemas de bem-estar social, há, aqui, também uma dinâmica
potencialmente internacionalizante. O crescente contato entre os diversos povos,
a sua intensificação em função da própria dinâmica capitalista (comércio, interna-
cionalização de atividades produtivas e econômicas, cooperação científica) exige
maior cooperação internacional nessa área. Iniciativas como o Global Forum for
Health Research podem ser ainda tímidas, mas são expressivas do potencial desse
desenvolvimento. De uma forma explícita, há inclusive propostas que sugerem a
internacionalização dos sistemas de bem-estar social (Rosenstein-Rodan, 1984, p.
221) — uma questão-chave para lidar com as enormes desigualdades de renda de
acesso a serviços de saúde no contexto atual.
A articulação dos processos de internacionalização dos sistemas de bem-estar
social e dos sistemas de inovação permitiria mais interação entre esses dois arran-
jos institucionais e a definição de novas prioridades para as atividades científicas,
tecnológicas e dos serviços de saúde.
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

perspectiva socialista de influenciar o desenvolvimento social. Essa maior interação


pode representar um salto de qualidade na luta política e acrescentar um elemento
dinâmico novo na moldagem de estruturas sociais.
O inter-relacionamento entre esses quatro arranjos institucionais pressupõe o
estabelecimento de uma dinâmica própria, decorrente de influências positivas recí-
procas entre eles. À precedência da democracia e o desenvolvimento das instituições
democráticas são importantes também para viabilizar uma nova dinâmica para o
funcionamento dos sistemas de inovação, para os sistemas de bem-estar social e
para a reforma do sistema financeiro.
Nos sistemas de inovação, uma maior influência dos mecanismos democráticos
envolveria uma reorientação do “mecanismo de focalização do progresso tecnoló-
gico”, que poderia, de forma mais explícita, buscar metas ambientais (Freeman,
1996), sanitárias e sociais. O fortalecimento dos sistemas de bem-estar social, com
uma ampliação das áreas desmercantilizadas, por sua vez, possibilitaria uma maior
interação entre eles e os sistemas de inovação, que contribuíriam para uma maior
prioridade para desenvolvimentos relacionados à saúde humana e à qualidade de
vida, que, por sua vez, teriam importantes reflexos sobre a dinâmica econômica e
social* O envolvimento da dimensão financeira, por sua vez, poderia viabilizar essas
reorientações, estabelecendo de fato novas metas para os investimentos, inclusive
para aqueles derivados dos fundos de pensão, que passariam a ter um novo sentido
e uma nova orientação, a partir de uma worker-owner agenda, como sugere Hebb
(200D), por exemplo.
O que se quer destacar aqui é o potencial de surgimento de uma nova dinâmica,
que articule esses arranjos institucionais. Essa nova dinâmita, entretanto, como todos
os processos sociais e econômicos, não pode ter o seu resultado conhecido previa-
mente, pois há inúmeras possibilidades de desenvolvimento e diversas possibilidades
de resultados não intencionais. Não é possível, agora, detalhar os elementos finais
desse processo de transição ao socialismo.* Basta delimitar os elementos iniciais e

?* —Aampliaçãoda expectativa de vida e as transformações demográficas associadas apresentam novos desafios


ao progresso tecnológico relacionados a questões intergeracionais (Milter, 2011). Um novo determinante do progresso
tecnológico surge: a pressão demográfica resultante da ampliação da expectativa de vida, que coloca novas questões
para a interação entre sistemas de inovação e sistemas de bem-estar social. AÀ pressão demográfica pressiona o
progresso tecnológico para ampliar a produtividade do trabalho da população ativa, com maior tempo de formação,
ao mesmo tempo que enfrenta novos desafios epidemiológicos decorrentes de vidas mais longas. Às mudanças de
dinâmica tecnológica e econômica para responder a esses novos desafios demográficos podem ser uma importante
força para a superação do capitalismo.
* Essa observação é baseada na reinterpretação do debate Mandel versus Nove, realizada em texto anterior
(Albuquerque, 2008). Essa reinterpretação permite a integração teórica entre a ênfase de Mandei e de Wright na
democracia como base da transição ao socialismo. Em termos programáticos, essa é a principal definição necessária
para um processo de transição ao socialismo.
40 |
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| eduardo da Motta e Albuquerque

Essa articulação internacional deve também ter como meta o enfrentamento


da enorme e crescente desigualdade de renda e de riqueza na esfera internacional
(UNDP, 2001). Essas desigualdades são uma das origens dos movimentos interna-
cionais de migração — questão que não pode ser tratada de uma forma consequente
a não ser desde um ponto de vista internacional.
Em relação à demoacracia, a sua internacionalização está presente em pelo menos
três pontos cruciais. Em primeiro lugar, em uma esfera na qual a democracia se
combina com os sistemas de inovação, está o enfrentamento de uma questão humana
decisiva — o aquecimento global. Essa questão só pode ser tratada de forma mundial,
tanto do ponto de vista tecnológico (dada a natureza do problema e das soluções,
um novo estímulo para a internacionalização de sistemas de inovação) quanto do
ponto de vista financeiro (que é uma interseção com o ponto anterior em relação
à redução das desigualdades internacionais).”º Em segundo lugar, a extensão da
democracia no cenário internacional é crucial, entre outros elementos, para quebrar
a lógica belicísta do capital,”º o que, por sua vez, estimularia uma significativa eli-
minação da aplicação da ciência à guerra e uma concentração de esforços em novas
prioridades para os sistemas de inovação. Em terceiro lugar, o direito internacional
de ir e vir é essencial em uma nova ordem internacional, democrática.

? Barret (2009, p. 73) expressa a natureza necessariamente internaciona! dessas iniciativas: “A cooperação
internacional é necessária para estabelecer
uma penalidade de carbono, para ampliar o gasto em P&D e para realizar
investimentos complementares, para coordenar o estabelecimento de padrões e para governar o uso de novas
tecnologias (..) À mudança climática está ocorrendo, e nossas instituições globais e a base tecnológica mundial
estão iniciando um processo de coevolução.”
* Theda Skocpol (1979, p. 451-452) destaca que “para que seja possível uma verdadeira democratização dentro
de qualquer país industrialmente avançado, sem dúvida seria necessário que os movimentos democratizantes
procedessem quase simultaneamente em todos os países avançados e que o objetivo-chave de cada movimento
fosse um progresso contínuo em direção ao desarme e à paz internacional”.
Conclusão

Este livro artícula metamorfoses do capitalismo e germes visíveis do socialismo.


A identificação de germes visíveis do socialismo é uma base para a elaboração e a
atualização de alternativas socialistas.
Na “história vivida”, que inclui poderosos confrontos sociais e a persistência de
elementos com componentes emancipatórios, desenvolveram-se instituições que
materializam resultados de processos sociais ocorridos no interior do sistema capi-
talista. Essas instituições representam a condensação de experimentos importantes.
Essas corporificações institucionais são os germes visíveis do socialismo, que passam
a compor um elemento singular da dinâmica capitalista, em especial a partir das
disputas em relação ao seu destino. Mesmo a incorporação parcial desses germes
visíveis pelo sistema capitalista pode representar transformações estruturais signi-
ficativas, muitas vezes, com forte componente civilizatório — eis uma nova fonte de
metamorfoses do capitalismo.
A proposta deste livro é reconceituar a elaboração de Hayek, ao apresentá-lo
também como um intelectual voltado à identificação e à crítica dos germes visíveis
do socialismo.
Essa abordagem pode contribuir para um balanço dos últimos dois séculos de
luta em prol da superação do capitalismo. Em recente editorial da revista New Left
Review, Susan Watkins (2010, p. 21), amargamente, avalia que “o trabalho pode
estar há algumas gerações da reconstrução de uma alternativa hegemônica capaz
de pender ou transformar o mundo em favor dos bilhões de trabalhadores”. AÀ
dificuldade encontrada pela recente hegemonia neoliberal para destruir elementos
estruturais de sistemas de bem-estar social incorporados pelo Estado no capitalismo
avançado — como resultado de lutas sociais — pode ser um indício pequeno, mas
valioso, de que o ponto de partida para uma nova fase de lutas foi preservado (um
ponto de partida mais avançado, mas rambém mais complexo, do que em meados
do século XDX). Os desafios programáticos não são pequenos — mas não são insu-
peráveis —, e a recomposição programática é uma precondição para a reconstrução
da alternativa hegemônica cobrada por Watkins. A identificação dos germes visíveis
CONCLUSÃO [

243

potencial em termos de solução de problemas como pobreza e privação, construção


de condições de trabalho saudáveis e jornadas menores de trabalho.
Em segundo lugar, a sistematização dos problemas criados pela persistência do
capitalismo como sistema, que envolve a enorme desigualdade internacional de
capacitações, renda e riqueza (Sen, 2000; UNDF, 2001), problemas decorrentes da
abundância de certas mercadorias em determinadas regiões do planera e os esforços
a partir da lógica do capital de garantir a sua venda — um exemplo são os proble-
mas urbanos decorrentes das prioridades da indústria automobilística (Rothschild,
2009) — e os enormes riscos ambientais criados pela lógica do capital.
Em terceiro lugar, o aprofundamento dos diálogos com as abordagens teóricas
tratadas neste livro, de forma a gerar uma capacidade maior de explorar os pontos
fortes de cada uma delas e possibilitar uma maior complementaridade entre as suas
contribuições.
Em quarto lugar, a ampliação do horizonte do mundo do trabalho definido pelo
seu reposicionamento impulsionado pela aplicação tecnológica da ciência — e todas
as metamorfoses a ela associadas. Essa visão do mundo do trabalho abre espaço
para a incorporação, na discussão programática, de setores profissionais diretamente
envolvidos com ciência, inovação, engenharia e finanças. À incorporação desses
novos setores -- mais relacionados com os aspectos do trabalho intelectual que
cresce no interior do trabalho coletivo — à elaboração programática contribui para
que a diversidade e a heterogeneidade do mundo do trabalho ganhem expressão
no esforço de construção de alternativas. i
Finalmente, a periferia do capitalismo é um tema indispensável. Não é casual que
a inspiração para a utilização da expressão metamorfoses do capitalismo venha de
Celso Furtado (2002) — elas são cruciais para entendermos a periferia e suas mudan-
ças. Essas metamorfoses do capitalismo, as mudanças no centro — tecnológicas,
financeiras e políticas —, transformam dinamicamente as relações com a periferia.
Compreender os impactos dessas mudanças é um primeiro passo. As lições para os
processos de desenvolvimento — parte do esforço global de redução da desigualdade
internacional — são diversas. As metas do próprio processo de desenvolvimento se
transformam, acompanhando as metamorfoses no centro. AÀs transformações e a
natureza das interações entre plano e mercado, entre instituições públicas e priva-
das podem ser absorvidas na construção institucional necessária para impulsionar
processos de cateh up e de desenvolvimento.
Na medida em que a transição para o socialismo inicia-se nos países centrais, os
processos de desenvolvimento na periferia devem ter clareza quanto a esse timing.
O processo de desenvolvimento na periferia é uma preparação para a participação
desse conjunto de países em um processo internacional de transição. Por isso, uma
AGENDA ROSDOLSKY
Eduardo da Motta e Albuquerque

do socialismo — materializações institucionais de avanços conquistados ao longo da


“história vivida” — significa também o reconhecimento de que a elaboração progra-
mática no início do século XXI beneficia-se dessas construções institucionais, que
compõem novos pontos de partida para a construção de alternativas ao capitalismo.
O que há de potencial nessas novas instituições (sistema de inovação, sistema
de bem-estar social, sistema financeiro, instituições democráticas) é objeto de
investigação deste livro. AÁo mesmo tempo, a disputa em torno dessas instituições
(a subordinação à lógica do capital versus o seu potencial emancipatório) determina
a presença da incerteza em relação ao seu futuro,
Em termos teóricos, o desafio não é pequeno, por envolver o permanente estudo
das metamorfoses do capitalismo e dos germes visíveis do socialismo.
Para tanto, é necessário aprofundar diálogos entre a elaboração de Marx e abor-
dagens como a evolucionista, a pós-keynesiana e a teoria democrática. O diálogo
com essas abordagens é realizado neste livro a partir da identificação dos diferentes
contextos histórico-institucionais em que elas se desenvolveram, o que molda a visão
dessas abordagens e oferece pontos de observação distintos dos disponíveis para
Marx. Por isso, esses diálogos são essenciais para avaliar as mudanças mais impor-
tantes do capitalismo, as suas metamorfoses, e focalizar as novas instituições que
se desenvolvem, investigando o seu potencial transformador. As outras abordagens
beneficiam a elaboração de Marx, enriquecendo a compreensão de características
específicas do capitalismo contemporâneo.
Por outro lado, a elaboração de Marx pode contribuir para as abordagens
neo-schumpeteriana e pós-keynesiana em dois aspectos adicionais. Em primeiro
lugar, ao oferecer canais teóricos de integração entre os focos mais fortes de cada
abordagem, na medida em que a elaboração de Marx contempla tanto a dimensão
industrial-inovativa quanto a monetário-financeira. Em segundo lugar, a capacidade
de interpretação dos elementos dinâmicos a longo prazo e a permanente preocupa-
ção com a identificação de possibilidades de superação do capitalismo contida na
elaboração de Marx podem fortalecer os elementos críticos e reformadores presentes
nas elaborações neo-schumpeteriana e pós-keynesiana.
A Agenda Rosdolsky — metamorfoses do capitalismo e germes visíveis do socia-
lismo — sugere um programa amplo de pesquisas acadêmicas, que envolvem, pelo
menos, cinco tópicos.
Em primeiro lugar, a sistematização das características essenciais do capitalismo
contemporâneo, para definição do ponto de partida de um processo de transição para
o socialismo -- aqui elementos como a elevada capacidade tecnológica e produtiva
do capitalismo atual devem ser cuidadosamente avaliados: não se pode subestimar o
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| Eduardo da Motta e Albuquerque

inovação institucional para processos de catc/ up — desenvolvimento da periferia — é


a utilização dos elementos civilizatórios do capitalismo contidos nos germes visíveis
do socialismo — gerados nos países centrais. Para processos de desenvolvimento, a
combinação entre sistemas de inovação, sistemas de bem-estar social, reforma de
sistemas financeiros e ampla construção democrárica é uma alternativa civilizatória,
necessária para lidar com os enormes problemas legados pelo atraso econômico e
social.
Nesse caso, ter-se-ia uma importante contribuição de germes visíveis do socia-
lismo para o desenvolvimento periférico. Uma vez bem-sucedido, o processo de
desenvolvimento da periferia repercutiria positivamente sobre a própria dinâmica
dos países centrais.
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Sobre o autor

Eduardo da Motta e Albuquerque é doutor em Economia pela UFRJ. Professor do


Departamento de Ciências Econômicas e do Cedeplar da UFMG. Aurtor do artigo
“Inadequacy of technology and innovation systems at the periphery”, publicado
pela Cambridge Journal of Economics, em 2007.
A presente edição foi composta pela Editora UFMG e impressa pela Formato Artes
Gráficas em sistema offset, papel pólen soft 80g (miolo) e cartão supremo 250g
(capa), em agosto de 2012,
etamorfoses do capitalismo exigem a
recomposição de altemativas socialistas :

Novos póhtos' de partida para a superação do


capitalismo — germes visíveis do socialismo. À
. Agenda Rosdolsky articula as metamorfoses do
capitalismo e os germes visíveis do socialismo.

mo
&Cedeplar

POPULAÇÃO ê
BRONOMIA

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