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PSICOLOGIA JURÍDICA E O SISTEMA PENAL

SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................ 3

Ramificações da Psicologia Jurídica .................................................... 5


A Atuação do Psicólogo Jurídico e o Código de Ética dos Psicólogos
.................................................................................................................... 7

Evolução das Penas........................................................................... 11


Criminologia ....................................................................................... 15
Direito X Criminologia ..................................................................... 19

Crime para o Direito Penal ............................................................. 19

Crime para a Criminologia .............................................................. 20

Marcos legais para a atuação do psicólogo no sistema penal e prisional


...................................................................................................................... 20
Integralidade ................................................................................... 28

Intersetorialidade ............................................................................ 29

Hierarquização ............................................................................... 29

Humanização .................................................................................. 29

Participação Social ......................................................................... 30

Subjetividade e Fatores Desencadeantes para o Ato Delituoso ........ 32


Os Direitos Humanos ......................................................................... 37
O Trabalho da Psicologia Junto aos Egressos do Sistema Penal
Prisional ........................................................................................................ 41
Trabalho Junto aos Agentes Penais ............................................... 45

Atenção Individualizada à Pessoa em Cumprimento de Pena ....... 47

Atenção Grupal Realizada pelo Psicólogo ...................................... 49

Atendimento aos Familiares ........................................................... 51

REFERÊNCIAS ..................................................................................... 53

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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Introdução

A psicologia jurídica é uma prática interdisciplinar, que surgiu de acordo


com as demandas que foram aparecendo nas áreas destinadas às práticas
jurídicas, porém a psicologia, de acordo com Arantes (2004) ainda não se
movimenta sozinha em função das exigências especificas ditadas pelo Direito,
logo, a demanda psicológica é indicada pelo Direito.

A relação da psicologia com o direito é uma relação que já estava prevista,


pois as duas ciências estão diretamente ligadas ao comportamento humano. A
Psicologia busca a compreensão do comportamento humano e o direito com as
regras de condutas “certas” para que esse comportamento se enquadre no
contrato social para se viver em comunidade. O Direito também age para
solucionar conflitos que surgem para a mesma finalidade acima (TRINDADE,
2009).

Jesus (2001), também destaca a certeza de que essa relação Psicologia


e Direito teria que acontecer pela mesma razão colocada por Trindade (2009),
tendo em vista o complemento que a psicologia fornece ao direito, e a
importância de não querer ir além do que lhe compete:

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De acordo com Jesus (2001), a Psicologia Jurídica tem como finalidade


estudar o comportamento dos atores que formam o jurídico se constituindo de
uma investigação especializada da psicologia. Também é conhecida como
Psicologia Forense, mas o mais adequado é a primeira denominação que
abrange atividades além das realizadas no foro.

Segundo Kendra Kerry:

De acordo com Kolker (2004), a instituição denominada prisão surge junto


ao capitalismo. Essa instituição nasce para que se tenha o controle das pessoas
que de alguma forma eram consideradas perigosas. No século XIV as prisões

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eram lugares onde os criminosos aguardavam o seu julgamento, e para que


pudessem aplicar penas como a de trabalho forçado.

Ramificações da Psicologia Jurídica

Uma vez que, conforme já vimos, a Psicologia Jurídica corresponde a toda


a aplicação da Psicologia em interface com o Direito, sua denominação torna-se
bastante genérica perante as múltiplas possibilidades de interação entre essas
duas ciências. Assim, a Psicologia Jurídica divide-se em múltiplas ramificações,
segundo nos aponta Leal (2008). Essas ramificações foram por mim
esquematizadas na Figura 1.1 apresentada a seguir:

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Como podemos ver na Figura 1.1, a Psicologia Jurídica possui diversas


subdivisões, sendo a Psicologia Judiciária e a Psicologia Criminal aquelas com
o maior campo de atuação. Cada qual possui seu próprio objeto de estudo, área
de abrangência e quadro de profissionais que nelas atuam. Segundo Leal (2008),
a Psicologia Jurídica abrange ainda diversas outras áreas. Todas estão
elencadas abaixo, junto de alguns exemplos dos objetos de estudo próprios a
cada uma delas:

• Psicologia Jurídica e questões relativas à infância e a juventude (adoção,


acolhimento).

• Psicologia Jurídica e o Direito de Família (separação, disputa de guarda).

• Psicologia Jurídica e o Direito Cível (interdições, indenizações).

• Psicologia Jurídica do Trabalho (acidente de trabalho, dano psíquico).

• Psicologia Jurídica e o Direito Penal (perícia, insanidade mental e crime).

• Psicologia Judicial ou do Testemunho (estudo do testemunho, falsas


memórias).

• Psicologia Penitenciária (penas alternativas, egressos).

• Psicologia Policial e Forças Armadas (atendimento e seleção de


policiais).

• Mediação.

• Psicologia Jurídica e Direitos Humanos (defesa e promoção dos Direitos


Humanos).

• Proteção a Testemunhas.

• Formação e Atendimento a Juízes e Promotores.

• Vitimologia.

• Autópsia Psicológica (avaliação de características psicológicas mediante


informação de terceiros).

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A Atuação do Psicólogo Jurídico e o Código de Ética dos Psicólogos

A Psicologia, enquanto profissão, foi regulamentada em 1962, por meio


da Lei nº 4.119, de 1962, em seu 13º artigo. Já a atuação do psicólogo, enquanto
auxiliar dos juízes, é prevista pelo Código de Processo Civil (CPC) (2015, p. 61-
2):

O novo CPC reconhece a importância da prova pericial e apresenta


grandes inovações para a designação do perito. Assim, o juiz pode recorrer ao
auxílio de peritos, dentre os quais o psicólogo, sempre que a prova depender de
conhecimento técnico. A perícia técnica passa a ter, então, a função de auxiliar
o juiz, fornecendo-lhe conhecimentos técnicos dos quais ele não dispõe,
objetivando o melhor subsídio possível para a tomada da sua decisão (REIS,
2015).

O perito a ser nomeado pelo juiz deve ser, obrigatoriamente, um expert


na área relativa à dúvida técnica apresentada pelo magistrado, de maneira que,
ao emitir um laudo ou parecer, o profissional, automaticamente, está assumindo
sua aptidão de fazê-lo. O cuidado de manifestar-se tecnicamente apenas sobre
aquilo para o qual esteja capacitado é dever dos psicólogos, conforme o Código
de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) (CFP, 2005):

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Os resultados das avaliações técnicas obtidas pelo perito, manifestadas


no laudo, têm o potencial de influenciar o magistrado de maneira determinante,
sendo uma das provas mais importantes em um processo, o que enseja grande
responsabilidade por parte do perito psicólogo, uma vez que as decisões judiciais
podem causar grande impacto na vida das pessoas.

Nos Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas, os


psicólogos peritos são servidores públicos habilitados por concurso público,
sendo classificados através da realização de exames ou provas de
conhecimento teórico e provas de títulos. Porém, nas localidades onde inexistem
peritos concursados, o juiz poderá determinar a realização da perícia técnica por
qualquer profissional de sua confiança.

O perito deve ser sempre imparcial e neutro em relação aos interesses


das partes processuais, condição que o diferencia dos assistentes técnicos
(profissionais contratados pelos envolvidos para defender seus interesses,
conforme veremos mais à frente). Assim, mesmo que uma das partes solicite ao
magistrado a realização de uma perícia, cabe ao juiz decidir se deve determiná-
la ou não.

A relação do psicólogo com a Justiça é regulamentada pelo Código de


Ética Profissional do Psicólogo anterior (CFP, 1987):

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Já no novo CEPP (CFP, 2005), a relação entre a Psicologia e a Justiça é


assim regulamentada:

Também é importante conhecermos a resolução do Conselho Federal de


Psicologia que dispõe exclusivamente sobre a atuação do psicólogo como perito
e assistente técnico no Poder Judiciário (CFP, 2010), valendo a pena que
discutamos alguns pontos importantes.

A referida resolução surge com o objetivo de esclarecer a relação entre o


perito e o assistente técnico, bem como a interação de ambos para com a
Justiça. Por perito, entende-se o psicólogo de confiança do juiz, por ele indicado

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para atuar no caso, normalmente profissional concursado do Tribunal de Justiça.


Já o termo assistente técnico se refere ao psicólogo contratado por uma das
partes para assessorá-la, garantindo-lhe o direito ao contraditório.

A resolução considera que o psicólogo deverá compartilhar com


profissionais não psicólogos, tais como o juiz, apenas informações relevantes
para qualificar o resultado de sua avaliação, observando a importância do sigilo.
Sobre a realização da perícia, faz apontamentos importantes:

Esse artigo da resolução objetiva esclarecer que tanto o perito, quanto o


assistente técnico, não podem estar presentes junto às partes durante os
procedimentos realizados pelo outro.

De toda forma, é oportunizado ao assistente técnico formular questões ou


quesitos a serem respondidos pelo perito, caso encontre contradições ou pontos
não contemplados em seu laudo.

A Resolução CFP nº 008/2010 também dispõe, em seu quinto capítulo,


sobre os impedimentos para a atuação do perito e do assistente técnico. O
documento explicita que é vedado ao psicólogo, que atua como psicoterapeuta
das partes envolvidas em litígio judicial, trabalhar como perito ou assistente
técnico em processo que as envolva. Já ao psicoterapeuta é vedado produzir
documentos advindos do processo terapêutico com a finalidade de fornecer
informações à instância judiciária sem o consentimento formal de seus
pacientes.

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Evolução das Penas

De acordo com Bessa (2007) a vida em sociedade naturalmente nos leva


a colocar as regras de convívio, sendo condutas aceitáveis e não aceitáveis.
Com o surgimento do Estado o mesmo fica responsável por observar a
sociedade como um todo, punindo os que se enquadram nas condutas não
aceitáveis. Bem no início do que chamamos de civilização, antes da formação
do Estado como citado acima, a religião impunha suas regras, sendo a ordem
política confundida com a ordem religiosa, logo está a causa de algumas penas
aplicadas.

A pena nessa época tinha um caráter vingativo, a vingança era quase


sempre maior do que o ato de infração cometido, e por esta razão não existia
limites na aplicação da pena. Essa fase é citada como “[...] fase da vingança
privada” (BESSA, 2007 p. 17). A sociedade foi evoluindo e consequentemente
as formas de punição também, surgindo assim a Lei de Talião conhecido como
Olho no olho dente por dente abandonando um pouco a desproporcional
vingança privada. A composição também é mencionada, como uma forma de
punição mais branda, em que o ofensor fica livre das punições, uma vez que
tenha como pagar por meio de armas, gados, entre outros, o ofendido. Surgindo
daí a lei das doze tábuas em que está escrito na tabua VII: se alguém fere
alguém, que sofra a lei de talião, salve se houver composição.

Já na idade antiga, as punições estavam totalmente voltadas para a


religiosidade, assim as punições eram aplicadas pelos sacerdotes, na crença de
que eram deuses quem estavam ali punindo. As punições eram muito duras
chegando a ser totalmente desumanas, a fim de purificar a alma do criminoso.

Com o passar do tempo e a então introdução do Estado, as formas


punitivas eram aplicadas em praça pública, sendo conhecida como suplício.
Foucault (apud BESSA, 2007) diz ser o suplício um ritual de manifestação do
poder, não sendo apenas um ato de punição, mas sim uma forma para que esse
poder se tornasse mais poderoso. Essa forma de punir expressava o total poder

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de controle do soberano sobre a sociedade. Um exemplo clássico de punição


por forma de suplício no Brasil foi a morte de Tiradentes.

Como se pode perceber as formas de punição mudam de acordo com as


mudanças da sociedade em geral Kolker (2004) e Silva (2007) confirmam essa
colocação quando falam do surgimento da nova forma de punir denominada por
Foucault de disciplina, que se caracteriza por uma forma de punição onde o foco
é a vigilância individual, perpétua e ininterrupta. Essa nova aplicação de pena
surgiu logo após o chamado suplício em decorrência da sociedade que deixou
de feudal monárquica e passou a ser considerada como sociedade capitalista.
De acordo com Foucault (apud KOLKER, 2004, p. 166) “[...] mais eficaz e mais
rentável vigiar que punir”.

Surgindo assim a nova ordem jurídico administrativa, em que a justiça


deixa de funcionar através de tribunais arbitrários e passa a ser administrada
pelo Estado. A partir dos princípios dessa nova forma de justiça, todos deveriam
ser tratados de forma igual perante a lei, ao contrário do que era visto no período
feudal, quando não havia leis e sim castigos definidos pelo soberano. A partir daí
surge a noção de infração, que pode ser considerada como um ato que
descumpre as ordens do Estado, sendo o infrator alguém que rompeu o pacto
social (KOLKER, 2004).

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Para Foucault (apud KOLKER, 2004) a sociedade tem a liberdade como


sendo seu bem maior, assim a pena passa a ser a privação da mesma onde sua
medida principal é o tempo de sua suspensão. “A pena passa a representar uma
represália da própria sociedade aquele que violou o pacto social” (BESSA, 2007,
p. 23), sendo assim até os dias de hoje. Porém, com o passar do tempo, surgiu
a humanização das penas, uma vez que o século XIX teve essa característica
de penas mais brandas e de respeito aos direitos humanos (SILVA, 2007).

De acordo com Bessa (2007) Cesare de Beccaria com sua obra Dos
Delitos e das Penas 1764, John Howard 1777 que escreveu The State of Prisions
in England and Wales e Jeremy Bentham autor de Teoria das Penas e das
Recompensas do ano de 1811, foram importantes pensadores nesse período de
humanização das penas.

Guimarães (apud SILVA, 2007) apresenta brevemente um histórico das


penas desde o século XIX até a Lei de Execução Penal. O autor relata que em
1808 inaugurou a prisão de Aljurbe, ressaltando a superlotação da mesma, onde
a capacidade era de 20 pessoas em cumprimento de pena privativa de liberdade,
porém havia 390. No ano de 1812 inaugurou a Cadeia Velha na capital imperial,
onde a mesma foi desativada em 1841. Foi em 1890 o surgimento do código
penal da república, em 1940 a introdução do regime progressivo de penas e por
fim no ano de 1984, surge a Lei de Execução Penal.

De acordo com Pedroso (apud SILVA, 2007), foi em 1769 que ocorreu a
instalação da primeira casa de correção no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro,
a mando da Carta Régia do mesmo ano. Porém não fica claro se houve ou não
nesse período a instalação de fato dessa casa de correção, pois segundo Araújo
(2004), esse projeto não saiu do papel por falta de capital.

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A primeira referência à prisão no Brasil está no Livro V das Ordenações


Filipinas de Reino, sendo este o “código de leis portuguesas que foi implantado
no Brasil durante o período colonial” (PEDROSO apud SILVA, 2004, p. 32),
quando eram segregados aqueles culpados por ferimentos por arma de fogo,
quem tentava ou invadia as casas dos outros, aqueles que descumpriam as
ordens judiciais, falsificavam documentos e os que contrabandeavam metais e
pedras preciosas (SILVA, 2007).

Nesse período, as prisões não eram realizadas em presídios ou cadeias,


os aprisionamentos eram realizados em diversos locais, como as masmorras,
torres, castelos, enfim, qualquer lugar que servisse para essa finalidade.

De acordo com Silva (2007) e Bessa (2007), um sofisticado modelo de


prisão foi criado por Jeremy Bentham, já citado acima como figura importante na
fase de humanização das penas, o chamado Panóptico que se caracterizava por
ser uma construção circular onde no centro situa uma torre com visibilidade total
das pessoas em cumprimento de pena privativa de liberdade ali encarceradas.
Assim, as mesmas se sentiam vigiados o tempo todo, sendo esse o objetivo
descrito por Foucault (apud SILVA, 2007, p.19).

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Porém, esse modelo criado por Bentham não surtiu o efeito esperado,
pois não se obteve a recuperação das pessoas em cumprimento de pena
privativa de liberdade, fato previsto já naquela época e esperado até os dias
atuais (SILVA, 2007).

Foucault, (apud Silva 2007) afirma que a prisão de alguma forma cola um
rótulo naqueles que ali passam, surgindo uma “[...] patologização do sujeito,
apresentando à sociedade como portador de um vírus imbatível, o vírus da
delinquência” (SILVA, 2007, p. 19).

Criminologia

A criminologia é uma ciência interdisciplinar e empírica, que se ocupa do


estudo do crime, do delinquente, da vítima e dos mecanismos de controle social.
Assim, a criminologia se aproxima do fenômeno criminal com o intuito de
entender sua origem, suas causas, individuais e sociais, suas consequências e
o funcionamento das instâncias de controle.

Enquanto o direito penal valora a sociedade, dizendo o que pode e o que


não pode ser feito e prevendo a aplicação de sanções para o descumprimento
das normas, a criminologia se encarrega de encarar o fenômeno de forma
objetiva, sem conotação valorativa, sem mediação, sem julgamentos. Entre a
criminologia e o direito penal se interpõe a política criminal, disciplina que está a
todo tempo avaliando se o direito penal está cumprindo seus objetivos, sejam

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eles de proteção do bem jurídico, de prevenção ou de repressão. A política


criminal oferece aos governantes opções concretas para bem equacionar a
questão criminal.

Na imagem representativa abaixo, colocamos a política criminal como


uma ponte entre a criminologia e o direito penal, mas inserimos uma seta
bidirecional conectando as disciplinas. Afinal, ao mesmo tempo em que a
criminologia estuda a realidade e tenta compreender o crime, a vítima, o
criminoso e o controle social, com isso fornecendo ao direito penal um arcabouço
fenomenológico traduzido em opções concretas pela política criminal, o próprio
direito penal molda a atuação das instâncias de controle social, que são objeto
da criminologia. Uma disciplina conversa com a outra a todo tempo.

Para Shecaira, Criminologia pode ser entendida como: “Estudo e a


explicação da infração legal; os meios formais e informais de que a sociedade
se utiliza para lidar com o crime e com os atos desviantes; a natureza das
posturas com que as vítimas desses crimes são atendidas pela sociedade; e, por
derradeiro, o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes” (SHECAIRA, 2012,
p. 35).

O campo de estudo da Criminologia é muito amplo, diferentemente da


Dogmática Penal. A Criminologia observa de maneira ampla o crime em si, assim
como a interação entre o criminoso, a vítima, o controle social e de que maneira
tais fatores interferirão no exame do fenômeno criminoso. Não se examina,

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então, o fato criminoso isoladamente, mas em conjunto, como se observa do


esquema abaixo:

É possível perceber que a infração irá se relacionar com o autor do fato,


com a vítima do crime e com os diferentes meios de controle social. Ao longo do
curso, serão abordados, em momentos distintos, o exame do crime, o exame da
vítima do crime, de que forma o estudo da vítima tem se alterado ao longo dos
anos, também de que maneira o controle social tem se apresentado como uma
forma de combate (sistema punitivo).

A criminologia não possui, então, objeto próprio de estudo, uma vez que
os elementos por ela estudados (o autor do fato, com a vítima do crime e com
os diferentes meios de controle social) também são estudados por outras
ciências, tais como a política criminal e o próprio direito penal. Entretanto, a
principal diferença de abordagem trazida pela criminologia estaria no método
utilizado para a explicação de tais elementos, uma vez que ela se utiliza,
notadamente, de método diverso daquele verificado na dogmática penal.

Um estudo completo do crime, portanto, exige uma análise ampla, em que


a utilização de mais de uma forma de abordagem pode trazer resultados úteis
de investigação. Desse modo, é possível falar na interdisciplinaridade, pois o
objeto de estudo da criminologia ultrapassa os limites dessa disciplina, sendo
estudado, como vimos, por algumas outras. Assim, todos os campos de estudo
dialogarão com o mesmo patamar de importância.

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É importante notar que a maior parte dos autores define a criminologia


como uma ciência. Ainda que essa não seja a visão absoluta da doutrina, a
maioria dos doutrinadores veem um método próprio, um objeto e uma função
atribuíveis à criminologia. É por isso que, mesmo entendendo a ciência como
uma forma de procurar o conhecimento diversa daquela que pode existir a partir
do senso comum, não se tem dúvidas em afirmar que a criminologia é uma
ciência (SHECAIRA, 2012, p.36).

Majoritariamente, a Criminologia é considerada ciência, tem objeto de


estudo amplo, não possui um único método (a depender da corrente de
pensamento que se adote), tem finalidades próprias que a destacam de outros
campos do conhecimento. Contudo, há pensamento em sentido oposto. O
pensamento de Augusto Thompson traz uma análise crítica à Criminologia,
colocando que o criminólogo é um generalista. Thompson chega a discutir se o
criminólogo não estaria cumprindo meramente a função de alardear informações
extraídas do senso comum, em razão da abertura do estudo do crime. Por esta
razão, para Augusto Thompson, a Criminologia não poderia ser considerada
uma ciência propriamente dita pela falta de delimitação de seu objeto e pela falta
de um método próprio de abordagem, ainda que seja importante para o estudo
do crime.

Salo de Carvalho tem uma obra sensacional chamada “Antimanual de


Criminologia”. Nesta obra, Salo coloca que o grande desafio da Criminologia está
na sua abertura para diálogo com outras fontes de saber, de maneira que o
objetivo não seria criar modelos integrados de ciências criminais, mas, sim,
modelos de integração de diferentes ramos. (CARVALHO, 2008)

Se examinamos um determinado fato criminoso, é necessário ter uma


abordagem que esteja atenta às peculiaridades deste campo de estudo. O
estudo do crime a partir de um único ponto de vista e a partir de um único objeto
caracteriza um estudo incompleto. A abertura objetiva e metodológica seriam
características peculiares da Criminologia, justamente por esta ter como objeto
de estudo o crime.

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Dentro da lógica interdisciplinar, afirma-se que a Criminologia é ciência. É


um saber científico diferente da dogmática e das ciências exatas, mas continua
sendo um saber científico social com suas peculiaridades.

Como ciência do “ser”, não é uma ciência “exata”, que traduz pretensões
de segurança e certeza inabaláveis. Não é considerada uma ciência “dura”,
como são aquelas que possuem conclusões que as aproximam das universais.
(SHECAIRA, 2012).

Direito X Criminologia

O direito é uma ciência normativa (“dever ser”), se refere a uma hipótese


mas não algo concreto. A criminologia é uma ciência empírica (“ser”), lida com o
mundo concreto. O direito possui um método dedutivo (parte-se de valores e
princípios gerais para imputar a um particular, sai do geral e vai ao particular) e
a criminologia possui um método indutivo (sai do particular para entender o geral,
se analisa a realidade concreta a partir do sujeito).

Para o direito, há uma base axiológica (valores – lida com bem jurídico,
princípios, etc) e na criminologia há uma base ontológica (ontologia – estudo do
objeto, não trata de uma análise normativa ou valorativa mas sim de fatos). O
direito penal valora para ordenar (comportamento conforme à norma é o
desejado devido ao X valor, bem jurídico, etc) e a criminologia observa para
explicar (“analisando, verifica-se seletividade na aplicação da política criminal,
etc”). Para o direito, se está no mundo dos valores (cultura) e para a criminologia
há o mundo dos fatos.

Crime para o Direito Penal

Há três conceitos sobre o crime para o direito penal.

1º conceito – Formal: Crime é aquela conduta que colide com a lei penal.

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2º conceito – Material: O crime é aquela conduta que possui uma


reprovabilidade social, violando um bem jurídico valioso para a sociedade. Ou
seja, lida com uma reprovação não só formal mas também social.

3º conceito – Analítico: Crime é o fato típico, antijurídico e culpável.

Crime para a Criminologia

Para a escola clássica: o crime é um ente jurídico que prevê a reprovação


de determinada conduta.

Para a escola positivista: Crime consiste em uma qualidade do ato do


delinquente, pois trabalham com a ideia de criminoso nato. O crime seria fruto
de aspectos físicos e psicológicos pré-determinados. É a ideia de um crime
ontológico, não importa o fato importa o sujeito, é o chamado direito penal do
autor (aquele indivíduo é propenso ao crime não estando em questão a conduta
que ele pratica e sim o seu perfil).

Para a escola crítica: a questão não é definir o que é crime mas sim os
processos de criminalização.

Para a escola científica moderna: o crime tem relação com a cultura e as


estruturas sociais (a desigualdade é importante para a criminalidade por
exemplo).

Marcos legais para a atuação do psicólogo no sistema


penal e prisional

Uma profissão regulamentada tem compromissos com a realidade social


e com o modo como essa profissão é ofertada à população, ela não é apenas
um bem de consumo, um serviço oferecido ou uma atividade de trabalho, ela é
um bem social. A profissão de psicólogo foi regulamentada com a promulgação
da Lei 4.119 de 27/08/62, que, ao delegar deveres e atribuir direitos, colocou o
psicólogo o único profissional habilitado para utilizar métodos e técnicas

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psicológicas, já indicando um compromisso desse profissional com a formação


e qualificação para a utilização desses métodos e técnicas.

Outra especificidade das profissões regulamentadas é a criação de uma


instância fiscalizadora, no caso da Psicologia, o Conselho Federal de Psicologia
(CFP), criado via lei 5.766/71, com a atribuição de regulação do exercício
profissional, qualificado como entidade que tem o dever de definir o limite de
competência do exercício profissional.

Nessa atribuição de fiscalizar e normatizar o exercício profissional do


psicólogo, o CFP, por meio de suas instâncias deliberativas, publica resoluções
(marcos legais para atuação do psicólogo) que tratam de especificidades do
exercício profissional, sempre amparado no Código de Ética Profissional, nas
legislações vigentes correlatas e no imperativo dos Direitos Humanos.

Também constitui marco legal para a atuação do psicólogo no sistema


prisional a Lei de Execução Penal, publicada em 1984, e que previu a
formalização da atuação do psicólogo em dois momentos: (1º.) nos pareceres
da Comissão Técnica de Classificação (CTC) e (2º.) nas manifestações do
Centro de Observação Criminológico (COC).

Nesse sentido, a LEP cria dois mecanismos distintos para atuação do


psicólogo no sistema penal, em situações igualmente distintas: (a) exame
diagnóstico, com objetivo de elaboração do projeto individualizador e (b) exame
prognóstico, voltado à instrução dos incidentes do processo de execução penal.

O trabalho designado para a Comissão Técnica é o da análise inicial do


apenado e elaboração do programa individualizador da pena privativa de
liberdade, nos casos de condenados ao regime fechado e semiaberto (Artigos
5º, 6º, 8º e Parágrafo único da LEP). Tal fundamento é reforçado pelos artigos
34 e 35 do Código Penal, que igualmente determinam a realização de exame
criminológico de classificação no início do cumprimento da pena privativa de
liberdade.

Assim, de acordo com o texto legal vigente desde 2003 (Lei 10.792/03),
caberia à Comissão, com caráter interdisciplinar, a atribuição de:

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1) Realização de exame criminológico diagnóstico.

2) Propositura do programa individualizador.

Vale destacar que em nenhum outro trecho da LEP há referência ao


psicólogo, nem na assistência, portanto, a prática psicológica como prevista na
LEP vincula-se a elaboração dos exames, além do programa individualizador e
do acompanhamento individualizado da pena. Entretanto, no cotidiano das
prisões a prática psicológica se restringiu à elaboração do exame criminológico
que geralmente era realizado durante o cumprimento da pena.

Essa limitação da atuação do profissional psicólogo possui relação com o


histórico da Psicologia nas prisões que foi atrelada ao modelo médico, ao
positivismo científico, assim como nos referimos anteriormente. O conhecimento
psicológico a respeito dos reclusos produziu elementos para melhor controlá-los
e, assim, contribuir para ratificação da disciplina social. Cabe ressaltar que o
conteúdo das perícias psicológicas, por vezes, se referia aos aspectos negativos
da personalidade do examinando, geralmente, não se mencionavam
capacidades e potencialidades, ao contrário, constatava-se a patologização do
indivíduo. O estudo também desconsiderava a intersecção entre os aspectos
subjetivos do preso e o ambiente prisional.

Outro fator importante que contribuiu para a ratificação da ação laudatória


dos psicólogos se refere à própria finalidade social da prisão, bem como às
relações estabelecidas entre os atores dessa instituição. Se ao psicólogo cabia,
juntamente com os outros membros da CTC, elaborar o programa
individualizador a ser desenvolvido no decorrer da pena, sendo a finalidade
última a reinserção social do indivíduo recluso, a prisão deveria ser um ambiente
que propiciasse esse trabalho, entretanto, sua origem histórica nega essa
possibilidade. Por essa razão, não foi sem fundamento que a atuação psicológica
se tornou marcadamente pericial. Por fim, seguindo essa linha de análise sobre
a atuação do psicólogo nas prisões, destacamos o papel do judiciário
representado na figura do juiz da execução e dos promotores. Considerando a
característica do Direito positivo e a relação estabelecida entre as ciências
humanas (Psiquiatria e Psicologia) e o direito, os laudos tornam-se úteis à

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garantia da defesa social, portanto úteis ao controle social formal exercido pelo
sistema punitivo.

Em relatos de psicólogos é comum a menção ao fato de o juiz, ao indeferir


um benefício, citar trechos do exame criminológico como fundamento de sua
decisão. Outra questão referente ao relacionamento entre Psicologia e Judiciário
é a expectativa, por parte do Judiciário, de que as conclusões desses exames
sejam assertivas, de acordo com o espírito do Direito penal positivo. Esses fatos
nos levam a retomar a seguinte indagação: a Psicologia desenvolvida nas
prisões responde ao Judiciário e à sociedade conforme suas expectativas? Para
refletirmos adequadamente sobre tal questão, devemos considerar ainda a
complexidade da inserção do psicólogo no sistema prisional, como veremos a
seguir.

Além da CTC, que atuaria no início e durante a execução da pena,


realizando o diagnóstico, propondo e executando o projeto individualizador, a
LEP também determinou a criação de uma unidade autônoma do
estabelecimento penal, que é o Centro de Observação Criminológica (COC).

Se cabe à CTC o exame diagnóstico, o COC seria responsável pela


elaboração do exame prognóstico, ou seja, a perícia criminológica que é prova
voltada ao convencimento judicial em suas decisões sobre os incidentes de
execução penal (p. ex. progressão de regime, livramento condicional). Dessa
forma, os dois corpos técnicos multidisciplinares previstos na LEP (CTC e COC)
são autônomos, com funções e composições distintas.

Importante destacar que a Lei de Execução Penal, apesar da delimitação


dos campos distintos de atuação, incorre em paradoxo quando permite que o
exame para subsidiar decisão judicial seja realizado pela Comissão de
Classificação em caso de inexistência de Centro de Observação. E é exatamente
neste paradoxo que se percebe a dificuldade de os atores jurídicos
compreenderem os limites ético-profissionais de atuação do psicólogo no
sistema penal.

Há um sentido de a Lei de Execução criar dois órgãos distintos (CTC e


COC), pois, no caso da Psicologia, o trabalho do profissional que acompanha o

23
24

cotidiano do preso não é, nem poderia ser, o de perito onipresente. Se cabe ao


profissional elaborar o programa individualizador e atuar no acompanhamento
do condenado, imprescindível o estabelecimento do vínculo de confiança.
Ademais, cabe ao profissional da Psicologia, no acompanhamento do preso,
atuar no sentido de proporcionar ao condenado o fortalecimento dos laços
sociais, o resgate de sua cidadania e a inserção na sociedade extramuros e,
conforme determina a Legislação que regula a execução penal,“observando a
ética profissional” (art. 9º da LEP).

O psicólogo deve atuar prestando assistência psicológica, sendo


garantida, inclusive, a confidencialidade das informações, nos termos do art. 9º
do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Logicamente, como define a Lei
de Execução, o profissional inserido no sistema prisional pode prestar
informações dentro dos limites da ética profissional estabelecidas no referido
Código de Ética.

Há que se reforçar, portanto, esta diferença entre as duas esferas de


intervenção do psicólogo na Execução Penal – (a) exame diagnóstico e
acompanhamento profissional e (b) exame pericial prognóstico.

Aliado a isso, está a compreensão de que é cabível no processo de


execução penal o requerimento e o deferimento de perícia psiquiátrica ou
psicológica no condenado (mesmo se inexistissem as Súmulas ou qualquer
dispositivo legal que se referisse ao exame criminológico). Isso porque a
natureza da execução penal e processual e, em consequência, o juiz deve
decidir sobre os incidentes processuais de forma fundamentada, conforme sua
livre convicção, amparado em prova processual válida. A possibilidade de
produção probatória em contraditório é decorrência do princípio da
jurisdicionalização da execução penal, instituído pela Lei de Execução Penal,
com objetivo de minimizar o arbítrio da administração prisional. Nesse contexto,
são admitidas legalmente como provas no processo penal a testemunhal, a
documental e a pericial e, dessa forma, é lícito às partes postularem e ao juiz
deferir a realização da perícia criminológica.

24
25

No entanto, certas vedações são igualmente previstas em Lei, como por


exemplo, a de o juiz utilizar exclusivamente o laudo como fundamento de sua
decisão3 (decisão adesiva); ou de o julgador admitir no processo, e utilizar como
peça informativa da decisão, exame prognóstico que não respeite minimamente
os requisitos formais e materiais. Estes argumentos e os marcos legais
apresentados serão retomados ao tratarmos da atuação psicológica na função
de perito na Execução Penal.

Em relação à atuação psicológica no exame diagnóstico, há que se


aprofundar sobre as limitações e impossibilidades éticas e técnicas de elaborar
avaliação psicológica a partir dos pressupostos do denominado exame
criminológico. A própria LEP, ao explicar o exame criminológico, confunde as
finalidades para quais pode ser utilizado, tais como exame diagnóstico ou
prognóstico. Conforme a Exposição de Motivos da LEP (nº 213, de 9 de maio de
1983), o exame criminológico trata-se de “uma investigação médica, psicológica
e social” que “parte do binômio delito- delinquente, numa interação de causa e
efeito (...) sob as perspectivas da causalidade e da prevenção do delito”. Ainda,
na Exposição de Motivos da LEP, temos que o exame criminológico: “se
orientará no sentido de conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios
morais do preso, para determinar a sua inserção no grupo com o qual conviverá
no curso da execução da pena” (nº 31).

Nota-se, portanto, a ambiguidade no texto da LEP em relação às


finalidades e aos momentos da Execução da Pena em que se realizará o exame
criminológico: ora como exame diagnóstico de entrada, para construção de
subsídios para o projeto de individualização da pena, ora como exame
prognóstico para concessão de benefícios e liberdade condicional. Cabe-nos,
pois, discriminar tais questões, tendo em vista a necessidade de uma prática
qualificada e compromissada eticamente do psicólogo no contexto da execução
da pena.

Embora apresente uma atuação multidisciplinar (nem sequer


interdisciplinar) na elaboração de tal exame diagnóstico, o texto legal ao se referir
ao binômio delito- delinquente, reflete o pensamento de uma criminologia

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positivista e biologizante que busca no indivíduo as razões para o delito,


individualizando a responsabilidade, ocultando os processos de produção social
da criminalidade e os determinantes da própria execução penal. Ao tratar o crime
como uma categoria natural e buscar encontrar suas motivações na história da
vida dos ‘criminosos’, “circula-se tautologicamente sobre este tipo de raciocínio:
se tenho diante de mim alguém que está preso e condenado, este alguém só
pode ser criminoso e, como criminoso, só pode ter história de criminoso” (Rauter,
2003, p. 91).

Na abordagem da criminologia positivista qualificava-se o criminoso como


perigoso, não como estado do ser, mas sim como ser, pois tal caráter vincula-se
às determinações orgânicas. Por essa razão o indivíduo em questão deveria ser
segregado pura e simplesmente. Sem dúvidas a LEP traz em seu espírito a
concepção do criminoso como nocivo, por isso a aplicação da pena com caráter
retributivo. No entanto a finalidade da pena não deve se reduzir a isto, ao
contrário, deve buscar alternativas adequadas àquele indivíduo para promover a
reinserção social.

Esta definição posta pelo marco legal sobre o exame criminológico,


compreendido aqui em sua função de exame diagnóstico (conforme consta como
papel da CTC na LEP), contrapõe-se frontalmente aos avanços que a Psicologia
consolidou no que diz respeito à Avaliação Psicológica, senão, vejamos. (Falta
algo?)

O Conselho Federal de Psicologia, em diálogo com a categoria,


Academia, Associações e Entidades da Psicologia Brasileira, publicou
recentemente textos orientadores e Resoluções que versam sobre a prática da
Avaliação Psicológica (Resolução nº 007/2003, que institui o “Manual para
elaboração de documentos escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de
avaliação psicológica”; a “Cartilha sobre a Avaliação Psicológica”, publicada em
2007; e o livro “Avaliação Psicológica: Diretrizes na regulamentação da
profissão”, publicado em 2010). Nesses documentos, temos a seguinte
compreensão a respeito da atuação em Avaliação Psicológica:

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É importante considerar que o trabalho do psicólogo, ao realizar


processos de investigação psicológica (para finalidades científicas e
profissionais) é concebido em um plano descritivo-interpretativo, que envolve
rigor na descrição do objeto de investigação (ou demanda) e dos aspectos
apurados, além de sensibilidade e percepção apurada de fatos e processos
subjetivos envolvidos.

No âmbito da intervenção profissional, os processos de investigação


psicológica são denominados de avaliação psicológica, descritos em termos de
suas modalidades – psicodiagnóstico, exame psicológico, psicotécnico ou
perícia. Avaliação psicológica, portanto, é um produto do exercício profissional
dos psicólogos, que envolve, necessariamente, a elaboração de um informe
psicológico, ou seja, um documento escrito que tem por finalidade comunicar os
resultados e conclusões da avaliação realizada acerca de fenômenos
psicológicos. E aqui, cabe lembrar que, embora produzam efeitos sobre a
subjetividade, o crime, a reincidência e a periculosidade não são fenômenos
psicológicos.

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Diante dos argumentos apresentados, compreende-se que a atuação do


psicólogo nas CTCs realizando o exame diagnóstico não pode se dar nos moldes
postos pelo exame criminológico, pois este é definido pela construção do nexo
causal a partir do binômio delito-delinquente e a Avaliação Psicológica,
necessariamente, deve partir da compreensão processual da constituição
psicológica. Não obstante, reside a necessidade de avançarmos para uma
prática interdisciplinar na Avaliação, bem como a discussão a respeito das
informações que devem ser partilhadas pela equipe que irá desenvolver o plano
individualizador da pena e o acompanhamento dos indivíduos presos.

Em relação ao acompanhamento profissional e à atuação na Assistência


Psicológica aos presos, os profissionais do Executivo e do Judiciário tem como
importante referência o Plano Nacional de Saúde do Sistema Prisional (PNSSP),
criado a partir de Portaria Interministerial (Ministério da Saúde e Ministério da
Justiça) nº 1.777/2001. Este Plano foi revisado recentemente e está sob consulta
pública, vigente até 27/11/2010, contudo, suas diretrizes (emanadas dos
princípios do SUS) devem ser consideradas:

Integralidade

As equipes de saúde no sistema penitenciário devem estar orientadas e


capacitadas para prestar atenção integral à saúde da população privada de
liberdade contemplando a promoção da saúde e o controle dos agravos
prevalentes;

A gestão das ações de saúde no sistema penitenciário deverão estabelecer uma


dinâmica inclusiva para atender às demandas emergentes ou antigas, em todos
os níveis de atenção;

A atenção integral à saúde da população privada de liberdade refere-se ao


conjunto de ações de promoção, proteção, assistência e recuperação da saúde
executadas nos diferentes níveis de atenção à saúde (da básica à alta
complexidade).

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Intersetorialidade

As ações de saúde no sistema penitenciário deverão ser compreendidas em sua


dimensão mais ampla objetivando a criação e a ampliação das condições
necessárias ao exercício dos direitos das pessoas privadas de liberdade no
âmbito do SUS e em parceria com outros setores governamentais,
especialmente segurança, justiça, trabalho, previdência social e educação.

Hierarquização

A atenção integral à saúde da PP [pessoa presa] é responsabilidade dos três


níveis gestores, de acordo com as competências de cada um.

Humanização

As práticas em saúde deverão nortear-se pelo princípio da humanização, aqui


compreendida como atitudes e comportamentos do profissional de saúde que
contribuam para reforçar o caráter da atenção à saúde como direito;

O atendimento à saúde da população penitenciária deverá nortear-se pelo


respeito a todas as diferenças sem discriminação de qualquer espécie e sem
imposição de valores e crenças pessoais por parte dos profissionais de saúde;

Esse enfoque inclusivo deverá ser incorporado aos processos de sensibilização


e capacitação para humanização das práticas em saúde.

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Participação Social

A elaboração, execução e avaliação das ações de saúde para a população


penitenciária deverão ser estimuladas e apoiadas pela participação da
sociedade civil organizada.

Além disso, de acordo com o texto em vigor que está sob consulta pública
do PNSSP, a atuação em equipe interdisciplinar (Médico, Psicólogo, Assistente
Social, Odontólogo, Enfermeiro, Auxiliar ou Técnico em Enfermagem),
pressupõe que os profissionais, convivendo com as pessoas em privação de
liberdade, possam induzir mudanças significativas no Sistema Penitenciário
Brasileiro. Apresenta-se, portanto, na seara da assistência à saúde, um vasto
campo de atuação para o psicólogo, em que a constituição de vínculos entre
profissional e atendido é condição para se buscar o resgate dos laços sociais e
a construção de projetos que apontem para a vida extra- muros.

Em relação à atuação do psicólogo voltada à produção de documentos


escritos, ainda que no âmbito da execução penal, que cumprirá função de prova
pericial no julgamento de benefícios ou progressão de regime na execução da
pena, esta deve estar pautada pelas diretrizes já construídas pela Psicologia
como ciência e profissão. Dessa forma, a atuação do psicólogo no contexto de
avaliação psicológica com caráter prognóstico deve se dar a partir da elaboração
de avaliação psicológica pericial, com consequente elaboração de documento
escrito.

A perícia é o exame de situações ou fatos relacionados a coisas e


pessoas, praticado por especialista na matéria que lhe é submetida, com o
objetivo de elucidar determinados aspectos técnicos ou, ainda, no âmbito
processual, o meio de prova que consiste em exame, vistoria ou avaliação,
visando comprovar fato que dependa de conhecimento técnico ou científico (Art.
421 e 421, CPC, 1992). O objetivo da perícia é subsidiar, dar suporte técnico,
oferecer legitimidade a julgamentos e decisões judiciais (Maciel, 2002).

Já a perícia psicológica é uma avaliação psicológica de problemas ou


situações que exijam juízo crítico por parte de psicólogos. Normalmente,

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resultado de uma solicitação ou em resposta a um quesito legal, sua função


básica é fornecer subsídios (provas técnicas) que contribuam na decisão judicial
(Rovinski, 2004; Cruz & Maciel, 2005).

De acordo com os parâmetros já apresentados para a Avaliação


Psicológica (da qual a perícia é uma de suas modalidades), temos evidenciada
a contradição posta pelo fundamento e procedimentos do “exame criminológico”,
ou mesmo pela elaboração de um “Prognóstico Criminológico”, que aponte se
haverá reincidência do sentenciado. Assim, os objetivos da perícia psicológica
não coadunam com a finalidade posta pelo exame criminológico, ou seja, à
ciência psicológica não se pode imputar uma prática que se proponha à previsão
de resultados em relação à predição de reincidência criminal.

Diante dos últimos acontecimentos sobre a Resolução nº 09/2010 que


teve seus efeitos suspensos dois meses após sua publicação, por
recomendação do Ministério Público Federal (Recomendação PRDC/RS nº
01/2010), sob alegação de que “esvaziam consideravelmente as atribuições
funcionais dos psicólogos (...) restringindo o respectivo exercício profissional em
prejuízo do regular funcionamento do sistema prisional”; que os debates que
resultaram na Resolução nº 09/2010, “se restringiu, via de regra, ao âmbito da
referida categoria profissional e foi conduzido pelo próprio Conselho Federal” (p.
1 e 5), cabe lembrar que a questão para os psicólogos é ética e não jurídica.

Conforme nos lembra a manifestação da Pastoral Carcerária Nacional


sobre os projetos de lei que visam à reintrodução do exame criminológico, “No
estado democrático de direito não é permitido a devassa da personalidade
interior e privacidade de ninguém (art. 5º, X e LXIII, CF 88.), bem como
desrespeitam, diametralmente, a norma, que cada um pode criminalmente
somente responder pelos atos e não por eventuais propósitos. Ademais,
representam deste modo “provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI, CF 88).

No caso das propostas da obrigatoriedade do exame/parecer


criminológico, o preso estaria sendo tratado como objeto, ferindo a garantia
fundamental da dignidade humana (art. 1º, III, CF/88), do respeito à integridade
física e moral (art. 5º, XLIX, CF/88) e da privacidade (art. 5, X, CF/88). O

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processo da ressocialização como objetivo central do tratamento e da terapia


penal deve partir de uma relação simétrica entre o técnico e o atendido, com
base no respeito da liberdade e do direito à privacidade e num consenso livre e
na ética do sigilo profissional”.

Além disso, a impossibilidade de auferir a periculosidade do preso e


realizar um prognóstico de reincidência está calcada na constatação de
obsolescência e superação das teorias da Criminologia Clássica, que concebia
o crime um fato anormal, uma expressão de anomalia física ou psíquica, sendo
justificada, assim, a busca de causas dessa anomalia na figura do criminoso.

No interior das instituições prisionais está caracterizada uma população


expropriada dos direitos sociais, num movimento incessante de criminalização
das questões sociais, processo que ZAFFARONI (2001) denomina de
“culpabilidade por vulnerabilidade”. Cabe, assim, aos operadores do sistema
penal compreender o estado de vulnerabilidade do indivíduo que é facilmente
criminalizado pelo sistema punitivo, buscando sua reintegração social e a
diminuição de sua vulnerabilidade frente a esse sistema penal, por meio da
retomada dos laços sociais e garantia de direitos.

Subjetividade e Fatores Desencadeantes para o Ato


Delituoso

O comportamento criminoso está em crescente vigência no que se refere


à violação das leis, da moral e da ética necessária no convívio social, os
indivíduos que cometem atos delituosos estão cada vez mais ousados fazendo
com que cada vez mais desperte a curiosidade dos estudiosos em pesquisas
sobre esse comportamento antissocial.

De acordo com Fiorelli (2010) desde a antiguidade se busca resposta para


o que vem a ser o fenômeno delitivo. O delinquente na Grécia antiga era expulso
do clã, sendo considerado um ser anormal. No século III, segundo o mesmo
autor as pessoas que não cumpriam as regras sociais tinham esse

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comportamento por estarem sendo influenciados pelo demônio. Somente depois


passam a ver o homem “[...] como dono de seu próprio destino e reconduzido à
sua condição humana...” (FIORELI, 2010, p.322). É nessa fase que começa a
busca da humanização da pena como citado no tópico anterior.

Alguns autores se destacaram pelos estudos realizados sobre a pessoa


que infringe as leis de convívio social. De acordo com Kolker (2007) o primeiro
foi Morel que no ano de 1857 apresentou sua tese sobre degeneração, em que
mencionou que “[...] esta condição engendrava verdadeiros tipos antropológicos
desviantes, hereditariamente destinados a uma vida imoral, à alienação e ao
crime” (KOLKER, 2007, p. 176).

Já para Serafim (2003), foi Prichard o primeiro a estudar sobre as


condutas antissociais no ano de 1835, colocando a insanidade moral em
destaque. Em seguida no ano de 1838 é Esquirol quem estuda os indivíduos
com a visão das monomanias, já em 1858 Boudert denominou de enfermidade
do caráter. Só então o autor cita Morel, no ano de 1853 descrevendo os
indivíduos de comportamentos antissociais como degenerados. No ano de 1887
surge Lombroso, referido como pai da criminologia e criador da antropologia
criminal (LEAL, 2008).

Na teoria de Lombroso, o indivíduo já nascia criminoso, posto que o crime


era um fenômeno hereditário, como também suas características físicas e
psicológicas serviam para identificá-los, além da reincidência ser uma regra
entre eles (KOLKER, 2004).

De acordo com Leal (2008) o fundador da psicologia criminal foi Despine,


que estudou os aspectos psicológicos das pessoas que cometiam algum crime.
Em sua opinião o delinquente não tem interesse em si próprio, possuindo assim
uma deficiência no que diz respeito à empatia ao próximo, a consciência moral,
e a sentimento de dever e o indivíduo também não se arrepende de seus atos.

No que diz respeito às pesquisas mais atuais, o ato criminoso está


relacionado a vários aspectos. Para Serafim (2003) os parâmetros biológicos
contemporâneos estão divididos em fatores genéticos, bioquímicos,

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neurológicos e psicofisiológicos. O autor ressalta a importância de se analisar


também os parâmetros psicológicos e sociais do indivíduo antissocial.

De acordo com Fiorelli (2010) a delinquência pode surgir em decorrência


de vários fatores. O autor afirma que pessoas que sente prazer em ver o outro
sentir dor, pode se caracterizar como uma pessoa de personalidade antissocial
onde “[...] o indivíduo agride a sociedade, representada pelo objeto da raiva; o
agredido não passa de coisa; o prazer de agredir contrabalança a frustração de
não poder destruir; eventualmente, chega à fatalidade” (FIORELLI, 2010, p. 223).
Mencionando também a importância de se observar dois tipos de fenômenos: o
condicionamento e a observação de modelos, sendo o primeiro relacionado ao
reforço positivo, em que o indivíduo que está exposto sempre à mesma situação
acaba aprendendo e colocando-a em prática. Já o segundo diz respeito às
formas observadas aos comportamentos agressivos e repeti-los mais tarde. O
autor diz ser na infância que esses fatores são adquiridos.

Davoglio (2010) coloca a dificuldade de se avaliar os aspectos de


personalidade principalmente no que diz respeito a implicação legal, pois
geralmente os indivíduos que obtém um desvio de conduta, como um transtorno
de personalidade antissocial (TPAs) e ou traços psicopatas tendem a negar ou
minimizar esses desvios. E ressalta a importância de não confundir o indivíduo
com TPAs com psicopatas, pois geralmente os dois estão associados, contudo
o psicopata geralmente apresenta tal transtorno mas os indivíduos que os
possuem nem sempre podem ser comparados a um psicopata.

Partindo desses contextos de que é preciso verificar toda a história do


indivíduo, passando pelos aspectos biológicos, psicológicos e sociais para se
chegar a uma conclusão referente ao ato criminoso, além de ser interessante
colocar a questão da imputabilidade e inimputabilidade.

De acordo com Trindade (2010) imputável diz respeito àquela pessoa que
cometeu o fato delituoso e é capaz de entender sua conduta. Nas palavras de
Davoglio (2010), a pessoa considerada imputável é aquela capaz de
responsabilizar-se por suas condutas. Quando o indivíduo não é legalmente
responsável por seus atos, ou quando “o delito envolve a capacidade de

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julgamento do indivíduo ou o controle do próprio comportamento“ (DAVOGLIO,


2010, p. 113) são considerados inimputáveis. Existem também os casos de semi-
imputabilidade, neste caso a culpabilidade é diminuída no caso do indivíduo
apresentar transtorno de intensidades leves (TRINDADE, 2010). De acordo com
o art.26 do Código Penal:

O primeiro caso brasileiro de inimputabilidade foi reconhecido na década


de 20 e foi o primeiro preso da instituição Manicômio Judiciário do Brasil. O preso
de número um tinha o nome de Febronio Índio do Brasil. De acordo com Silva
(2007), foi ele quem permaneceu mais tempo preso em nosso país. Teve sua
prisão decretada pela primeira vez com 21 anos, sua trajetória no crime passou
por práticas ilícitas de menor importância, falsidade ideologia entre outros,
chegando ao episódio em que Febronio abusou sexualmente e estrangulou dois
rapazes em 1927, porém havia relatos de outras vítimas onde o criminoso tinha
de praxe tatuar o corpo das vítimas. A partir dessa época não saiu mais da prisão
onde morreu aos 89 anos de edema pulmonar e completamente senil (SILVA,
2007).

A psicologia no que diz respeito aos atos antissociais necessita investigar


todos os fenômenos ligados ao comportamento do indivíduo que transgride a lei.
É importante a verificação do que levou o indivíduo cometer o ato, quais as
circunstâncias em que ele cometeu e seu histórico, como já mencionado, para
que se possa fazer uma elaboração de planos de intervenção, sendo assim, o
processo de reabilitação fica mais fácil de ser atingido e trabalhos preventivos
podem ser realizados de forma mais positiva (SERAFIM, 2003).

Porém, é difícil na prática a realização desse trabalho de análise do


indivíduo infrator mencionada como de grande importância, pois de acordo com

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Fernandes (2000) o número de profissionais é bem reduzido em relação à


demanda existente.

Enfim, os sujeitos que cometem ato ilegal existem desde o início da


sociedade, porém a forma de lidar e enxergar esses indivíduos não mudou quase
nada. Fiorelli (2010) afirma que devemos nos alertar da mesma forma que
Foucault disse no final do século XVIII, que vivemos em uma crise de ilegalidade
popular, onde “[...] o preconceito se encarrega de colocar um rótulo geográfico
nos acontecimentos”. (FIORELLI, 2010, p. 245).

Foucault (1987 apud FIORELLI, 2010) já apontava o desequilíbrio das


penas para as diferentes formas de infração, sendo a justiça mais eficaz no que
se refere às penas das pessoas menos desfavorecidas. Furto e roubo são
associados ao moreno pobre enquanto fraude está ligada ao branco rico e
respeitado.

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Os Direitos Humanos

Os direitos das pessoas foram surgindo na sociedade de acordo com as


necessidades de cada época, assim as pessoas lutam pela efetivação dos seus
direitos conforme a demanda social. Os primeiros registros de documentos que
garantiam direitos às pessoas é o código de Hamurabi, do ano de 1694, e a partir
desse ano os direitos foram sendo adquiridos lentamente de acordo com a
evolução da sociedade, no que se refere à política, economia e tecnologia
(FIORELLI, 2010).

As leis e normas de uma sociedade servem para disciplinar as relações


de identidade, cidadania e o respeito às diversidades existentes. O código penal
e o código civil são normas constantes, e há também as normas gerais das
convenções de direitos que são relativas aos direitos humanos e possuem
características como a imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade,
inviolabilidade, interdependência, universalidade, efetividade e
complementaridade (FIORELLI, 2010).

As Organizações das Nações Unidas (ONU) aprovou em 10 de dezembro


de 1948 a Declaração dos Direitos Humanos. Os direitos humanos constituem
em direitos básicos e liberdades fundamentais que pertence a todos os seres
humanos. A declaração é formada por 30 artigos classificados por cinco
categorias de direito: civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

Fiorelli (2010) ressalta a importância de destacar que a discriminação


racial, discriminação contra a mulher, os direitos das crianças e dos adolescentes
e estatuto dos refugiados foram itens dos anos posteriores a data acima.

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Os direitos humanos surgiram para valorizar as pessoas e para que haja


uma igualdade entre as mesmas, visando uma melhoria referente às relações
sociais promovendo assim o progresso e a melhoria na qualidade de vida.

A Lei de Execução Penal de 1984 (LEP), além de prever a individualização


da pena dos indivíduos que estão cumprindo pena privativa de liberdade e a
readaptação dos mesmos à sociedade, reconhece os direitos humanos
garantindo assistência médica, jurídica educacional, social, religiosa e material.
Em seu terceiro artigo, no parágrafo único, ressalta que não poderá haver
qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política no que se refere
à aplicação das penas (BRASIL, 1984).

Porém não é isso que vemos no Brasil, pois há relatos encontrados em


que a Lei é descumprida nos estabelecimentos prisionais, ao contrário do que
prevê a LEP. “Nossas prisões são muito diferentes do que estabelece a lei”
(KOLKER, 2004, p.197).

Segundo Machado (2009), as prisões são lugares impróprios para se


conseguir algum efeito benéfico em respeito ao desenvolvimento e a
ressocialização da pessoa encarcerada, pois enquanto está cumprindo sua pena

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é influenciado pelas leis internas que predominam no sistema carcerário não


sendo permitida a ele uma fuga nem dos comportamentos ali exigidos.

Foucault (apud ARANTES, 2004) em Vigiar e Punir relata bem a


ineficiência das prisões, sendo a mesma inútil no que se refere a qualquer
mudança positiva da pessoa que ali cumpre sua pena. O mesmo autor em seus
estudos sobre a prisão concluiu que a mesma “destina-se a realizar um ideal de
exclusão por inclusão”. (FOUCAULT apud ROCHA, 2000, p. 205).

ROCHA (2000, p. 207) também coloca sua opinião a respeito do sistema


penal:

Os principais problemas, no que tange à instituição prisional, são: a


superlotações carcerárias, a violências exercidas entre os próprios detentos, os
abusos de autoridades que estão relacionados aos maus tratos e as torturas,
não havendo a existência da garantia aos direitos humanos dentro do cárcere.
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2008).

De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2008), além de todos


esses fatores, a lei também não se faz cumprir quando as estatísticas mostram
que o perfil dos indivíduos apenados é na maioria pobre, com baixa escolaridade
e do sexo masculino, sugerindo a veracidade do dito popular: “quem tem dinheiro
não fica preso”.

Nas palavras de Zaluar (apud Guedes 2006, p. 563)

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O termo penitenciária se define como lugar destinado aos indivíduos que


já teriam conhecimento de sua pena e essa seria caracterizada pela reclusão de
regime fechado por um determinado tempo, sendo que este local por lei deveria
ter condições essenciais para abrigar o apenado, determinando condições que
não afetam a saúde do mesmo e alojando-os em celas individuais. Para as
mulheres, prevê a inclusão de uma seção para gestantes e uma creche para o
abrigo e assistência aos filhos das mesmas,

Entretanto, a situação real das penitenciárias no Brasil não está de acordo


com o citado acima, pois “[...] as penitenciárias no país vem se tornando cruéis
masmorras, onde se encontram pessoas em cumprimento de pena privativa de
liberdade provisórios misturados com condenados, empilhados num espaço
físico mínimo, prevalecendo o mais absoluto caos” (MACHADO, 2009, p. 2).

Apesar de todas essas colocações a respeito do sistema prisional,


Azevedo (2000) relata um interesse por parte de algumas penitenciárias no Brasil
de uma política com o foco na ressocialização, resgatando o direito de cidadão
dos indivíduos apenados, tentando assim colocar a LEP em prática. O trabalho
do psicólogo está totalmente voltado para o compromisso social e a práticas que
possam contribuir para que se faça cumprir essa Lei de 1984 a partir de
intervenções baseadas na prevenção, educação, justiça e responsabilização dos
sujeitos e da sociedade (SILVA, 2007).

Para Azevedo (2000) o trabalho do psicólogo na área dos Direitos


Humanos tem como objetivo defender os mesmos, combatendo as várias formas
de exclusões existentes na sociedade, contribuindo para a cidadania e fazendo
com que a sociedade reflita sobre a violação desses direitos.

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No ano de 1998 foi fundada a comissão dos direitos humanos na cidade


de São Paulo, no aniversário de 50 anos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, o trabalho tem como base o Código de Ética do Psicólogo seguindo
assim os seus princípios fundamentais (AZEVEDO, 2000).

O Trabalho da Psicologia Junto aos Egressos do Sistema


Penal Prisional

A Lei de Execução Penal de 1984, em seus Art. 25, 26 e 27, prevê a


assistência aos egressos do sistema prisional orientando e apoiando na
reintegração a vida social, se necessário disponibilizando abrigo e alimentação
durante dois meses, prazo esse para que o egresso busque emprego e
condições de moradia. Caso seja comprovada a necessidade, pode ocorrer uma
prorrogação desse período. É dever dos profissionais capacitados colaborarem
para a que o egresso consiga trabalho. São considerados egressos todos os
indivíduos liberados do sistema prisional até um ano após esse fato, e os que
são liberados condicionais e estão no período de prova (BRASIL, 1984).

Porém, de acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2008) não se


vê o cumprimento da lei em todo o Brasil, uma vez que muitos egressos não
possuem nem a passagem de ônibus quando retornam à sociedade. Portanto, é
necessário e urgente que o “Estado brasileiro viabilize a construção de um
programa nacional de apoio aos egressos, envolvendo – entre outras medidas -
a atenção psicossocial” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2008, p. 32).

O objetivo de um programa para atender a população egressa no Brasil


não deve se focar na diminuição de casos reincidentes e sim na promoção da
reintegração do egresso na sociedade, pois assim consequentemente o índice
de reincidência diminui naturalmente. A forma mais eficaz de isso acontecer é
colaborar para que o egresso gere sua própria renda de forma legal, pois esta é
uma forma do indivíduo ser visto não só pelos familiares, mas pela sociedade

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como um integrante da mesma facilitando a reintegração dentro do contexto


família sociedade (ILANUD, 19--).

Para um bom funcionamento do programa é importante que haja uma


equipe multiprofissional atuando junto aos egressos. De acordo com Ilanud (19-
-), os assistentes sociais, os psicólogos e advogados são profissionais
indispensáveis na equipe dando ênfase ao trabalho psicólogo, sendo colocado
como o mais importante, tendo em vista o grau de vulnerabilidade em que se
encontram os indivíduos quando saem de dentro do sistema prisional.

De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2009) o trabalho com


os egressos não é tarefa fácil, pois há muito preconceito da comunidade e dos
próprios familiares, dificultando a reabilitação social, além da grande falta de
políticas públicas referentes a essa área.

Diante desse contexto, existe o instituto Elo, que é uma associação


privada sem fins lucrativos fundada por profissionais capacitados da área social,
na qual elaboram projetos, visando a inclusão dos indivíduos em situação de
vulnerabilidade social. Os programas CEAPA, Fica Vivo!, Mediação de Conflitos,
e o Programa de reintegração do Egresso do Sistema Prisional (PrEsp), fazem
parte desse instituto

De acordo com Assis (2009), O PrEsp visa trabalhar junto aos egressos
do sistema prisional os direitos humanos, seus deveres e direitos, discutir
questões como a vulnerabilidade social, as causas e consequências do seu
ingresso no crime, a família, a afetividade, além de promover formas de
crescimento e inclusão através da educação, profissão e sociedade executando
projetos em prol disso (ASSIS, 2009). Quando os indivíduos saem do sistema
prisional, os mesmos são informados do programa e da obrigatoriedade da
presença para atendimento. Esse programa tem o objetivo de:

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Diante desse contexto, oficinas são realizadas com o intuito de trabalhar


temas como cidadania, afetividade, violência doméstica, questões de gênero e
racial, atividade cultural, que ajudariam em uma nova interpretação de suas vidas
para que tenham novas perspectivas do futuro. Os temas variam de acordo com
as necessidades apresentadas pelos egressos.

No que se refere aos cursos profissionalizantes, Assis (2009) menciona a


dificuldade da realização do mesmo para a qualificação dos indivíduos no sentido
de ajudá-los a ter mais chances no concorrido muno dos trabalhos.

São muitas as dificuldades para realizar cursos profissionalizantes, devido


a falta de uma rede mais organizada e por se tratar de um público que em sua
maioria não tem documentação, tem baixa escolaridade e não tem recursos
financeiros para o transporte (ASSIS, 2009, p. 19).

Em relação à obtenção de renda e oportunidades de emprego por parte


dos egressos é importante destacar o paradoxo existente, pois o Estado
promove a reinserção do indivíduo no campo de trabalho referente à iniciativa
privada, porém não aceita o egresso para cargos públicos. De acordo com Inalud
(19--) a proibição do egresso a cargos públicos deveria ser revista:

Tomar a condenação criminal como sinônimo de inidoneidade moral


importa a equivalência, a priori, entre violação de regra jurídica (crime) e violação
de regra moral; tal equivalência pressupõe a fundamentação moral de todo e
qualquer crime, algo que contesta desde a laicização do Estado (que o Brasil
deu-se coma constituição de 1891). E por fim, a incapacidade eterna de exercício
de cargo público terminaria por perpetuar um dos efeitos da sentença penal
condenatória (Código Penal, art. 92), e a CR proíbe, em absoluto, as penas de
caráter perpétuo (art. 5º, inc. XLVII, alínea b) (INALUD, 19--, p. 111).

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Inalud (19--) descreve a falta de documentação uma importante causa das


situações constrangedoras que o egresso do sistema prisional passa, pois ao
sair, muitos não possuem documento, portando somente a carteirinha de
livramento, aumentando assim, o sentimento de vulnerabilidade pessoal.

Portanto é essencial que os programas de atendimento aos egressos


ofereçam primeiramente orientações para a obtenção de documentos pessoais,
pois é também uma forma do egresso se sentir cidadão, aumentando o
sentimento de integração social, além de a documentação ser necessária para
“[...] o exercício de muitas atividades inerentes ao status de cidadão: desde o
direito de voto [...] até a possibilidade de abrir um crediário em uma loja”
(INALUD, 19--, p. 107).

É importante também que seja determinado um tempo específico para o


atendimento ao egresso para que diminua a possibilidade de se criar um vínculo
de dependência entre os programas e os atendidos, já que os mesmos saberão
que as atividades que eles realizam têm data certa para acabar. “O importante é
que , seja qual for a atividade a se desempenhar, haja sempre um prazo máximo
de duração para cada uma delas, e que esse prazo seja pré-estabelecido e
informado ao egresso desde o início do tratamento“ (INALUD, 19--, p. 109).

Muitos são os caminhos que estão sendo desenvolvidos para lidar com
esse desafio da reintegração dos egressos na sociedade, onde primeiramente
devem ser resolvidos as lacunas inerentes a baixa escolaridade e, como citado
acima, a falta de documentação, conscientizar e responsabilizar a comunidade
como um todo para a ressocialização dos egressos (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2009).

De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2008), no Brasil não se


acredita na readaptação das pessoas em cumprimento de pena privativa de
liberdade na sociedade,

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Porém não há fundamentação teórica sobre essa colocação, conforme


pode ser evidenciado em pesquisas realizadas sobre a reabilitação das pessoas
em cumprimento de pena privativa de liberdade. Nas quais mostram de forma
positiva o resultado dos trabalhos com os egressos do sistema prisional, que
apontam uma diminuição no que se refere à reincidência criminal. Vale ressaltar
que não importa o tipo de abordagem que é usada nos programas, o importante
é que os “[...] programas de reabilitação com detentos ou egressos do sistema
penitenciário devem ser implementados de forma correta” (GENDREAU apud
CFP, 2008, p. 35) para que se tenha um resultado positivo.

Trabalho Junto aos Agentes Penais

A profissão agente penal é bastante antiga. Foram várias as


denominações já existentes no decorrer dos anos, como carrascos, carcereiros,
guarda de presídio, entre outras. De acordo com Lopes (2000), independente da
fase histórica os agente penitenciários estão sempre ligados a situações de
“exclusão, vigilância, fiscalização, humilhação, agressão, e tortura [...] utilizados
regularmente com a finalidade de aplicar o castigo considerado justo, punir o
desvio, promover a adequação e manter uma determinada ordem social”
(LOPES, 2000, p. 330).

Segundo Lopes (2000) as prisões são vistas pelos agentes penais como
sendo pertencentes a um outro mundo, caracterizado por ser um lugar pesado,
cheio de ameaças, em que as pessoas em cumprimento de pena privativa de
liberdade são o perigo maior. Eles denominam os indivíduos encarcerados como

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“[...] seres de outra espécie dotados apenas de qualidades negativas” (LOPES,


2000, p. 330). Para solucionar problemas gerados dentro do sistema pelas
pessoas em cumprimento de pena privativa de liberdade, os agentes usam de
humilhação verbal até tortura, guiados pela precipitação, pelo preconceito, por
falta de orientação e até mesmo por pura vingança.

O mesmo autor cita que de acordo com o ambiente de trabalho que se


encontra a instituição prisional fica difícil a atuação do agente de forma saudável,
não havendo condições de desenvolvimento para isso.

Se considerarmos que o ambiente de trabalho e a relação que o


trabalhador mantém com ele é parte da identidade do equilíbrio psíquico
daqueles que trabalham, é possível imaginar qual a realidade de saúde dos
agentes de segurança em ambientes como prisões (LOPES, 2000, p. 331).

Podemos então colocar o trabalho do agente penitenciário como árduo,


difícil, gerador de stress. Segundo dados de uma pesquisa realizada por Rocha
(2000) a maioria dos agentes penais apresentam grau elevado de stress, onde
os sintomas principais são irritação, estado de tensão, sugerindo em parte a
causa dos atos violentos realizados dentro do sistema prisional. Porém nada
justifica tal violência.

Lopes (2000, p. 331) também concorda quando coloca que a dinâmica do


trabalho dentro do sistema prisional “agentes/sentenciados/prisões” acaba
resultando em muito stress e se manifestando na maioria das vezes por meio da
violência. “Parecem ter a função de baixar os níveis de tensão na prática
cotidiana”. E quando a violência não está direcionada as pessoas em
cumprimento de pena privativa de liberdade, está voltada para o próprio agente,
que acaba adoecendo e tendo que se afastar do trabalho.

Portanto, é visível a necessidade de um trabalho dos psicólogos junto aos


agentes penais. Segundo Lopes (2000, p.332) os próprios agentes reclamam da
falta de atendimento referentes a eles. “Os agentes se sentem menosprezados
em relação aos sentenciados, no entendimento deles seria o mesmo que dizer
que aqueles que cometem crimes merecem mais respeito do que aqueles que
trabalham na prisão”.

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Em algumas penitenciárias brasileiras isso já ocorre, de acordo com o


Conselho Federal de Psicologia (2009), os psicólogos que atuam dentro do
sistema prisional oferecem aos funcionários do presídio atenção psicológica,
realizando orientações, avaliações, entrevistas e se necessário fazem o
encaminhamento aos serviços especializados. Além dos atendimentos
individuais, podem ser realizados trabalhos em grupo, com palestras, debates
entre outros. Como todo trabalho em grupo, os temas trabalhados podem ser
diversos e a escolha do mesmo surge de acordo com as demandas dos
participantes (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009).

“Foi apontado como tarefa do (a) profissional psicólogo (a), o


compromisso de melhorar as condições de vida do presídio, bem como
transformar a cultura institucional e garantir os direitos das pessoas presas”
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p. 24).
De acordo com Jesus (2001) a Psicologia é totalmente capaz de realizar um
ótimo trabalho dentro do sistema prisional, seu saber é de suma importância e
visivelmente necessário para atender as diversas demandas existentes dentro
do sistema prisional.

Atenção Individualizada à Pessoa em Cumprimento de Pena

A atenção individualizada à pessoa em cumprimento de pena diz respeito


a todo atendimento “psicológico, psicoterapêutico, diálogo, acolhimento,
acompanhamento, orientação, psicoterapia breve, psicoterapia de apoio,
atendimento ambulatorial entre outros” (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2009, p. 19) que podem ser realizados pelos psicólogos junto aos
sentenciados que cumprem pena privativa de liberdade. De acordo com o
Conselho Federal de Psicologia (2009), os atendimentos individuais podem ser
solicitados não só pelo próprio apenado como também pelos funcionários da
instituição prisional ou até mesmo pelos familiares. Este tem como objetivo
compreender as pessoas em cumprimento de pena privativa de liberdade,

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avaliar sua saúde mental, dar acolhimento, escutar suas demandas, promover
saúde e defender os direitos humanos.

Segundo Fernandes (2000), o atendimento individual é composto por


várias entrevistas. Quando há uma demanda de emergência o autor denomina
de entrevista de adaptação ou emergência, que são realizadas no caso de crise
do preso, tendo como objetivo ajudar o mesmo a encontrar soluções para que
não acarrete em indisciplinas ou em algum tipo de comportamento que o
prejudique dentro do sistema prisional. Outro tipo é colocado pelo autor como
entrevista de acompanhamento que se caracteriza por um atendimento breve ou
limitado e pode ser determinado pelo Juiz, encaminhado por professores e
administradores ou a pedido do próprio preso.

Nascimento (2000) nomeia como entrevista de orientação o


acompanhamento do preso pelo psicólogo durante a execução da pena. O
apenado encaminha um bilhete ao psicólogo solicitando a entrevista na busca
de orientação sobre saúde, família, situação jurídica, sobre dificuldades a
respeito do convívio com as outras pessoas em cumprimento de pena privativa
de liberdade, como também dificuldades pessoais. É a partir dessa entrevista
que se observa a demanda e a vontade do indivíduo para o trabalho de
orientação psicológica. Esse procedimento atende melhor as solicitações do
sujeito quando o mesmo está disposto a aceitar a intervenção, pois tem uma
função mais terapêutica.

Podem também ser realizados plantões psicológicos. Esse tipo de


intervenção é realizado de forma individual visando um atendimento de
emergência e tem como objetivo o acolhimento ao indivíduo que está cumprindo
pena restritiva de liberdade fornecendo assim uma atenção psicossocial aos
mesmos. “Esse sistema pede uma disponibilidade para se defrontar com o não
planejado e com a possibilidade de que o encontro seja único” (MAHFOUND,
apud GUEDES, 2006, p. 562).

Para Silva (2000, p. 378) é responsabilidade do psicólogo que trabalha


dentro do sistema prisional abranger sua prática para além da tarefa de
classificação do apenado, oferecendo possibilidades “terapêuticas” a esses

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indivíduos excluídos pela sociedade. “Longe de se revelar como uma proposta


utópica, o que a experiência tem demonstrado é que para além da miséria social
e moral, o acesso à própria verdade é o que possibilita ao ser humano seu
próprio crescimento”.

O atendimento psicológico é valorizado pelas pessoas que cumprem pena


privativa de liberdade, quando os mesmos passam a enxergar que ali é um
espaço que oferece a eles uma reflexão sobre sua atuação como indivíduo social
que fica escondido enquanto pessoas encarceradas, como também um
momento de privacidade, o qual é praticamente impossível de acontecer no
âmbito do cárcere (GUEDES, 2006).

Atenção Grupal Realizada pelo Psicólogo

Os trabalhos realizados em grupo são na maioria das vezes uma


oportunidade de oferecer aos sentenciados algum tipo de intervenção, pelo
grande número de pessoas e de poucos profissionais da área sendo também um
espaço único de convivência, podendo o preso se relacionar e trocar
experiências. Esses grupos podem surtir efeitos internos em seus participantes
e com isso pode ser mudada a forma como eles se relacionam com a sociedade
como um todo (CHAVES, 2010). A dinâmica do grupo dentro das prisões é a
mesma realizada fora delas se baseando na maioria das vezes nas
características dos indivíduos que compõe o grupo.

Os grupos dentro das instituições prisionais podem servir para várias


finalidades, dependendo das demandas apresentadas pelas pessoas que estão
em cumprimento de pena privativa de liberdade, podendo também ser usadas
técnicas de diferentes tipos como oficinas terapêuticas, grupos de reflexão e
conscientização, grupo operativo, psicoterapia de grupo entre outros
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009).

De acordo com Nascimento (2000, p.105) o trabalho em grupo tem como


objetivo a interação entre os indivíduos em cumprimento de pena privativa de

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liberdade e também possibilitar reflexões “sobre aspectos referentes à


dignidade, ética, autoestima, respeito por si e pelo outro, cidadania, participação
política, favorecendo a vida em sociedade”.

Para Azevedo (2000) os grupos podem ser formados com o intuito de


trabalhar situações da vida prisional, como as penas, conhecimento da história
do sistema em que ele está inserido, as drogas, questões de saúde (DST/AIDS),
conflitos que surgem no cotidiano dos apenados, relações interpessoais, bem
como seus direitos e deveres.

De acordo com Chaves (2010), Conselho Federal de Psicologia (2009) e


Fernandes (2000), o trabalho grupal dentro do sistema prisional é muitas vezes
visto como um trabalho arriscado, nem sempre possível de ser realizado diante
das regras de segurança de algumas unidades. Sendo assim, é necessário
tomar medidas de segurança, como informações do clima da instituição no dia
da realização do trabalho, entre outras.

Apesar da colocação acima, muitos são os trabalhos realizados em


grupos com as pessoas que estão cumprindo sua pena privativa de liberdade no
sistema prisional brasileiro.

Grupos com preso em regime fechado têm a finalidade de preparar o


indivíduo que está encarcerado para a progressão da sua pena, visando a
diminuição da ansiedade causada pelo cárcere, para dar possibilidade de
condutas positivas e saídas mais saudáveis, sendo empregadas várias técnicas,
como dramatização, filmes e debates, temas livres, entre outras (FERNANDES,
2000).

Nos grupos de dependentes químicos, o objetivo é tratar os detentos


dependentes de substancias psicoativas dos variados tipos, maconha, cocaína,
álcool entre outras (FERNANDES, 2000).

Nos grupos de prevenção a DST/AIDS, o objetivo é orientar e esclarecer


a respeito das doenças sexualmente transmissíveis, visando mudanças na
conduta do preso com base na conscientização do comportamento que pode ser
de risco (FERNANDES, 2000).

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Nos grupos psicoterapêuticos, em cada encontro é debatido um tema


específico, como família, sociedade, crime, futuro. E são utilizadas dinâmicas
como forma de trabalho. Porém, segundo Chaves (2009), é uma prática limitada,
pois dentro do sistema prisional não há muito espaço e não se pode tocar um no
outro por motivos de segurança e preservação dos membros.

Atendimento aos Familiares

Os psicólogos que trabalham dentro do sistema prisional podem também


atuar juntamente aos familiares dos indivíduos que estão cumprindo pena dentro
do sistema prisional. Essa intervenção pode ser realizada através de entrevistas
que geralmente tem objetivo de se obter uma melhor compreensão do caso de
cada indivíduo que cumpre pena privativa de liberdade. Orientações a respeito
de como receber o familiar que se encontra preso de volta ao lar. Acolhimento e
escuta, pois muitas vezes os familiares não aceitam a situação na qual se
encontram, como também podem ser realizados atendimentos para compartilhar
informações sobre o preso, as condições de saúde e o acompanhamento do
caso (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009).

O atendimento familiar é muito importante, pois além de esclarecer as


dúvidas sobre o sistema carcerário e sobre a situação do preso para a família,
tem objetivo de resgatar e manter esse vínculo familiar (NASCIMENTO 2000).

Para Fichtner (apud HASSON, 2003), a família é essencial para o ser


humano podendo a mesma interferir na vida do indivíduo de forma positiva ou
negativa dependendo da sua estrutura.

A família é a matriz mais importante do desenvolvimento humano e


também principal fonte de saúde. Entretanto, quando não se constitui uma
unidade de experiência, de aprendizagem e de criatividade, poderá se tornar um
fator de doença (FICHTNER apud HASSON, 2003, p. 81).

De acordo com Guedes (2006) muitos são os indivíduos que cumprem


pena privativa de liberdade que depois de serem presos dizem valorizar mais a

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estrutura e o convívio familiar. Os familiares que são presentes na vida da


pessoa que se encontra encarcerada acabam sendo uma ponte de ligação do
mundo dentro do sistema carcerário e o mundo fora dele, a sociedade (BASTOS
apud GUEDES, 2006).

É importante o trabalho com a família do indivíduo que está encarcerado,


visto que quando a mesma está preparada para receber a pessoa que estava
presa como integrante do núcleo familiar auxilia na sua readaptação na
sociedade (INALUD, [19--]).

Muitos familiares justificam a ausência nas visitas pela dificuldade de se


deslocar da sua residência até a prisão, por não terem condições financeiras
para isso, pela tristeza de ver seu familiar preso e também pelo constrangimento
de passar pela revista íntima obrigatória para entrar na prisão. A revista íntima
de acordo com Soares e Ilgenfritz é apontada “como um procedimento
constrangedor, humilhante e ineficiente, já que nem sempre consegue impedir a
entrada de drogas, celulares e outros objetos ilícitos dentro do cárcere”
(SOARES; ILGENFRITZ apud GUEDES, 2006, p. 567).

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