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Objetivos
• Identificar os
pressupostos da ética e deontologia profissionais.
• Reconhecer os princípios éticos e deontológicos da atividade
profissional do/a mediador/a intercultural.
• Reconhecer as orientações do código de ética do/a
mediador/a intercultural e respetivas regras de conduta
profissional.
:

Conteúdos
• Pressupostos básicos o Ética e deontologia –
conceitos e fundamentos o Ética e valores
humanos essenciais o Escalas de valores e
conflito de valores o Tradições culturais vs.
Direitos humanos e democracia o Consciência
moral – origem e fatores de desenvolvimento
• Princípios e exigências éticas o Justiça e
imparcialidade o Igualdade o Colaboração e boa
fé o Lealdade e integridade o Competência e
responsabilidade o Confidencialidade o

Disponibilidade e proatividade
:

oInformação/comunicação o
Qualidade o Solidariedade
social o Objetividade o
Cooperação o Assiduidade e
pontualidade o Respeito e
confiança
• Ética e deontologia aplicada à organização o Aptidões e
competências o Participação nos objetivos da organização o
Promoção do desenvolvimento da imagem da
organização o Valorização pessoal e
profissional dos
colegas
o Consideração por sugestões, problemas e
:

necessidades dos outros


o Sigilo profissional

• Deveres do/a mediador/a intercultural o Respeito pelos direitos


humanos e dignidade de todas
as pessoas atuando com honestidade e integridade no
desempenho das suas funções
o Garantia de igualdade no acesso aos direitos,
respeitando os pressupostos legais e os procedimentos
administrativos
o Responsabilização pela ajuda/apoio aos/às
interessados/as na procura de soluções mutuamente
satisfatórias e no seu melhor interesse
o Proatividade, capacidade de reação e desenvolvimento
de ações preventivas fundamentadas
:

o Sigilo e
confidencialidade sobre a informação obtida
durante a sua atividade profissional
o Isenção e objetividade no uso das suas atribuições e
poderes em razão de qualquer tipo de fator ou
condição
o Respeito pelas tradições e cultura das comunidades com
que intervém, desde que estas sejam compatíveis com os
princípios essenciais dos direitos humanos e
da democracia
o Equidade no tratamento de todos os membros das
comunidades com que intervém, tornando
públicas quaisquer situações de conflito de
interesses o Distinção clara entre a atividade
profissional e a
:

atividade privada o Colaboração com todos


os profissionais que intervêm
com a população-alvo

• PRESSUPOSTOS BÁSICOS
• ÉTICA E DEONTOLOGIA, CONCEITOS E FUNDAMENTOS

Ética:
A palavra ética originou-se do grego “ethos”, que significa modo de ser,
costume ou hábito. Esse termo reflete o
:

caráter e a natureza de
cada indivíduo enquanto forma
de vida adquirida ou conquistada. Provavelmente, os conceitos relacionados à
ética surgiram pela convivência do ser humano em sociedade, como forma de
balizar o comportamento das pessoas para o bem-estar e a segurança. Ética é
a área da filosofia dedicada às ações e ao comportamento humano, filosofia
moral. O objeto de estudo da ética são os princípios que orientam as ações
humanas e a capacidade de avaliar essas ações.

Trata-se de uma disciplina normativa que tem como objetivo estabelecer os princípios,
regras e valores que devem regular a ação humana, tendo em vista a sua harmonia.
Num grande número de filosofias estes princípios, regras e valores aspiram a afirmarem-
se como "imperativos" da consciência como valor universal. A ética preocupa-se não
como os homens são, mas como devem ser. Em
:

qualquer
caso o

homem é entendido como a autoridade última das suas decisões.

A ética é uma virtude que está sempre presente no comportamento humano, portanto é
um fator essencial na tessitura da vida social. Ela leva o Homem a questionar
constantemente as suas ações e as atitudes alheias, tentando definir se elas são boas ou
más, corretas ou incorretas. Enquanto disciplina, esta ciência preocupa-se com a análise
das ideias que envolvem a produção do Bem e do Mal, ou seja, ela dedica-se aos seus
aspetos excecionalmente teóricos.
O tema já é discutido há muito tempo. Platão, que viveu em 428–348 a.c., é
identificado como o primeiro grande filósofo grego a tematizar em sua obra as
principais questões éticas que chegaram até nossos dias. Em seus diálogos
iniciais, chamados “socráticos”, Platão denota que Sócrates (470–399 a.c.)
levanta as questões éticas fundamentais que a filosofia iria discutir e ainda discute
nos dias atuais, tais como o entendimento dos
:

conceitos de ética e moral


e os critérios para a sua
aplicação em situações concretas com as quais nos confrontamos, nossa
coerência na aplicação dessas ideias e as razões e argumentos a que devemos

apelar para justificá-las.


:

A ética de Aristóteles (384 a.C — 322 a.C.) é uma teoria da


virtude, isso quer dizer que os princípios éticos estão determinados
pelo caráter, ou melhor, pelo caráter virtuoso de uma pessoa. A teoria
ética aristotélica está presente na obra Ética a Nicómaco, uma das obras
fundamentais do filósofo clássico grego.
Nesta obra, Aristóteles afirma que os seres humanos possuem uma
essência, uma natureza e também uma finalidade. Essa finalidade seria
o sentido da vida, que nos seres humanos seria a eudemonia, que
significa uma vida bem vivida ou felicidade.
Assim, a ética aristotélica é uma ética teleológica (busca um fim) e
eudemónica (o fim é identificado como felicidade). Para Aristóteles, a
felicidade é o sumo bem, o objetivo último das ações humanas.
Aristóteles compara a eudemónia ao alvo que orienta a pontaria de um arqueiro.
Assim, a felicidade é o alvo que orienta as ações humanas.
:

Para ele, a busca pela felicidade faz parte da natureza humana e essa
felicidade só pode ser alcançada a partir da virtude. As boas ações
conduzem os seres humanos para o bem e as más ações só são
praticadas por ignorância, porque vão contra a sua própria natureza. Ou
seja, os seres humanos são naturalmente bons e se agirem de acordo
com sua natureza buscarão o bem, e suas ações serão ações virtuosas. A
virtude só pode ser alcançada pela prudência (phrónesis), a ponderação e
deliberação sobre a justa medida (ou justo meio), a mediana entre os
vícios por omissão ou por excesso.
A virtude da coragem, por exemplo, é a justa medida entre a covardia
(omissão) e a temeridade (excesso).
:
:

Para Aristóteles, a virtude, mesmo sendo relativa ao caráter de uma


pessoa, poderia ser desenvolvida e exercitada, pois era adquirida através
do hábito.
Para desenvolver hábito da virtude era necessário ser prudente e possuir
pessoas e comportamentos que pudessem servir de exemplos de boa
ação.
Assim, com bastante ponderação racional, era possível alcançar uma
vida bem vivida e feliz (eudemónia). Tabela das virtudes de Aristóteles
Ao longo da Ética para Nicómaco, Aristóteles dá vários exemplos sobre as
virtudes a partir de suas observações sobre as pessoas. Ele define o que é
a virtude e os vícios por omissão e por excesso.
Alguns exemplos são:
:

Vício por Omissão VIRTUDE Vício por Excesso

Covardia Coragem Temeridade

Generosidade Desperdício
Avareza
(liberalidade) (prodigalidade)

Humildade indébita Justo orgulho Vaidade

Falsa modéstia Veracidade Vanglória

Pacatez Calma Irascibilidade

Servilidade Amabilidade Mal-humor

Timidez Modéstia Desânimo

A justiça na ética aristotélica


:

Para Aristóteles, a justiça é a virtude que faz a ligação entre


a ética e a política. Isto ocorre por a justiça ser responsável
por submeter o interesse individual ao interesse comum.
Assim, a justiça orienta a criação de leis que possam guiar as
ações para o bem comum e a felicidade da comunidade.
Ética kantiana:
Immanuel Kant (1724–1804) foi um filósofo que buscou desenvolver uma ética
fundamentada no entendimento humano sobre o dever. A ética kantiana, por se
basear no dever, é chamada ética deontológica (deon significa "dever" em grego).
Kant acreditava na autonomia da razão e que os seres são plenamente capazes
de agir racionalmente, motivados pelo dever, ou seja, sabem racionalmente o
que devem fazer.
A ética kantiana rompe com a tradição filosófica que associou sempre a moral
com algo externo à ação, por exemplo, a religião, a felicidade, ou a utilidade da
ação. Para Kant, a ação deve ser julgada em si mesma.
:

Isso significa dizer que para julgar a moralidade de uma ação, não se deve
considerar a história ou o contexto anterior a ela, ou suas possíveis
consequências. Ao afastar tudo o que é externo à ação, o indivíduo tem de
decidir se sua ação é correta e deve ser praticada.
Para Kant, o dever é a única motivação possível para uma ação moralmente
correta. Nenhuma outra motivação (a busca de benefícios, de recompensa, de
felicidade, de agradar a Deus, etc.) serve para guiar o comportamento. A partir do
imperativo categórico, Kant acreditou ter encontrado um meio de julgar se uma
ação é moral.

O que é o Imperativo Categórico?


O imperativo categórico é uma fórmula moral incondicional e absoluta
desenvolvida para fundamentar as ações humanas. Com ele, Kant acreditou ter
resolvido a questão da ação moral autónoma.
:

•Autonomia: do grego auto (por si mesmo) e nomos (norma, regra) - criar ou seguir
a própria regra. Exemplo: a vontade.
•Heteronomia: do grego hetero (pelo outro) e nomos (norma, regra) - seguir regras
criadas pelos outros. Exemplo: os mandamentos, as leis, as regras de um jogo.
:

O imperativo categórico seria o "princípio supremo de moralidade". Ao


longo de sua obra, Kant propôs três formulações para o imperativo
categórico:
•"Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na
outra pessoa, sempre como um fim e nunca como um meio.“

•"Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para
todos os seres racionais.“

•"Age como se a máxima de tua ação devesse ser transformada em lei


universal da Natureza.“

Para Kant, se antes de agir o juízo da ação passasse pelo crivo do imperativo
categórico, a ação seria sempre uma ação moral (uma boa ação).
:
:

Segundo a ética kantiana, o imperativo categórico permite que


os indivíduos sejam livres, já que a vontade (anterior à ação)
estaria determinada pela lei moral.

Assim, as pessoas só sentiriam vontade de agir bem, podendo


agir livremente, sem qualquer receio. Estas ações jamais seriam
conflitantes, todas teriam a humanidade como objetivo e
qualquer ação seria uma ação moral.
Diferença entre ética e moral.

Ética e moral

“Os especialistas de filosofia moral não se entendem


quanto à repartição do sentido entre os termos moral e
ética. A
:

etimologia é a este propósito inútil, na medida em que um dos termos vem do


latim e outro do grego e os dois se referem, de uma maneira ou de outra, ao
domínio comum dos costumes.”

Paul Ricoeur, Un Siécle de Philosophie, Gallimard/ Centre


Pompidou
O texto indica-nos que a etimologia dos termos moral e ética
não é suficiente para clarificar as diferenças que existem entre
eles.

✓ Moral provém do latim mores, ou seja, hábitos, costumes.

✓ Ética provém do grego ethos, isto é, costume, maneira de proceder.


:

✓ A moral distingue-se da ética como uma realidade se distingue do


pensamento que sobre ela se exerce.

✓ Numa primeira aproximação, podemos dizer que a ética é uma


reflexão sobre a moral.
✓ A moral é um conjunto de princípios, normas, juízos e valores de
carácter prescritivo que, vigentes numa dada sociedade, são
interiorizados pelos seus membros, antes de qualquer reflexão
sobre o seu significado e a sua importância.

✓ A ética será a reflexão sobre essa esfera da conduta humana,


tendo por finalidade encontrar o agir bem, a vida orientada pelo
bem.
:

✓ Refletindo sobre a conduta e o comportamento dos seres humanos,


sob o prisma da bondade e da maldade, da justiça e da injustiça, a
ética propõe-se encontrar o sentido moral da vida, com vista à sua
realização.
Afinal o que é a moral?

A moral é o conjunto de regras, normas de uma sociedade ou região, é


importante porque há muitas pessoas que desrespeitam as leis e são de um
instinto mal.
A Moral é importante por que não temos piloto automático e nossa sociedade
é muito cruel. A moral é um conjunto de conduta, A moral é o ” TU DEVES”. A
Moral e a ética são temporais, ou seja, ao longo do tempo se vai
modificando, evoluindo, por que estão abertos a novos conceitos e críticas.
:

A moral não pensa na Liberdade e na dignidade do indivíduo, e a ética tem como


ponto de partida esses dois valores.
Existe, por conseguinte, um primado da ética sobre a moral.
A lei moral, a norma, será apenas um meio para alcançar a verdadeira finalidade,
isto é, uma vida moralmente realizada.

A disciplina que reflete sobre essa finalidade é, obviamente, a ética. Cabe à ética
estudar os comportamentos e os diversos códigos morais:

❑ Analisando os problemas morais;

❑ Proporcionando princípios e critérios que justifiquem estas ou aquelas normas.


Nesse sentido:
:

•A moral é objeto da ética ao nível da fundamentação, proporcionando à


ética um conjunto de códigos e normas sobre as quais ela reflete.

Sendo uma reflexão teórica sobre a moral, a ética fornece a justificação e


a validação da moral, influenciando assim os comportamentos e as
atitudes.

Ela analisa a natureza, a função e o valor dos juízos morais, ajudando-nos


a fazer avaliações morais mais ponderadas, quer quanto ao
comportamento alheio e ao papel das instituições, quer, sobretudo, quanto
ao nosso comportamento e às nossas decisões.
“ O filósofo não cria a moral, reflete sobre a que já existe,
critica-a, depura-a e sistematiza-a, mas não a inventa. O que
:

faz é: (1) analisar a linguagem da moral(…); (2) mostrar o


carácter moral do homem individualmente e em
comunidade; e (3) rever filosoficamente a moral histórica já
criada e, especialmente, os problemas da atualidade.”
J.L.Aranguren, Propuestas Morales, Terrama
Esta tarefa do filósofo revela-nos a importância da ética na nossa vida.

Ela ajuda-nos a fazer avaliações morais mais justas, a fundamentar


racionalmente as nossas decisões, a conhecermo-nos melhor e a
aperfeiçoarmo-nos, possibilitando-nos um maior discernimento em
matéria de moral individual e no âmbito da moral pública.
A ética tem sempre um caráter universal e visa sempre o bem estar e a
dignidade Humana.
:

Em especial, recorremos à reflexão ética quando se nos deparam


dilemas morais. Tratam-se de situações de conflito de valores,
decorrente da circunstância de esses valores se revestirem de extrema
importância.
Um exemplo simples permite perceber este problema:

Suponhamos que um amigo meu cometeu um roubo. Se me inquirirem quanto


ao crime, devo denunciar o meu amigo ou não?

A verdade e a amizade são os dois valores que aqui estão em conflito.

Existem inúmeras situações na nossa vida que nos colocam perante estes
conflitos.
:

A eutanásia, o aborto, a fecundação in vitro, a poluição ambiental, etc.,


representam outras tantas situações que nos colocam perante a necessidade da
reflexão ética, sublinhando a sua importância, não só na esfera íntima como
também no domínio público.
Vejamos mais este dilema:

“Os pais de uma menina que padece de uma enfermidade mortal


(leucemia crónica da medula óssea) queriam a todo o custo
salvála da morte e estavam dispostos a oferecer-se, eles próprios,
como doadores para o transplante de medula de que a filha
necessitava para continuar a viver. O médico informou-os de que
isso não seria possível e que só o transplante de medula de um
irmão poderia resolver o problema. Então, os pais tomaram a
seguinte decisão: conceber outro filho para poder salvar a irmã de
uma morte certa.”
:

In J. Neves Vicente, Razão e Diálogo, Porto Editor

O Dilema de Henrique “Numa cidade da Europa, uma mulher estava a


morrer de cancro. Um medicamento descoberto recentemente por um
farmacêutico dessa cidade podia salvar-lhe a vida. A descoberta desse
medicamento tinha custado muito dinheiro ao farmacêutico, que agora
pedia dez vezes mais por uma pequena porção desse remédio.
Henrique (Heinz), o marido da mulher que estava a morrer, foi ter com
as pessoas suas conhecidas para lhe emprestarem dinheiro e, assim,
poder comprar o medicamento. Apenas conseguiu juntar metade do
dinheiro pedido pelo farmacêutico . Foi, ter, então, com ele, contou-lhe
que a sua mulher estava a morrer e pediu-lhe para lhe vender o
medicamento mais barato. O farmacêutico respondeu que não, que
tinha descoberto o medicamento e que queria ganhar o dinheiro com a
sua descoberta.
:

O Henrique, que tinha feito tudo ao seu alcance para comprar o


medicamento, ficou desesperado e estava a pensar assaltar a farmácia e
roubar o medicamento para a sua mulher", L. Köhlberg, Tradução de O.M.
Lourenço.
:

Os valores

“Nem só de pão vive o homem”


Moisés

Em todas as sociedades existem valores referentes ao bem e


ao mal, ao que é desejável e indesejável, que geram apreço e
que são respeitados.
São ideais coletivos mais ou menos estáveis.
Alguns valores da nossa sociedade ocidental:

Liberdade
Igualdade
Democracia Respeito
:

Noutras Sociedades…

Países muçulmanos – não valorizam a igualdade


entre Homem e Mulher, condenação à pena de
morte por homossexualidade, poligamia…
Os valores variam:
❑ Em função da pessoa: são referências individuais para a ação,
justificam-na.
❑ Em função do grupo social: os valores são partilhados por
uma comunidade, um grupo.
❑ Em função da cultura, da sociedade.

Características dos valores:


:

❑ Matéria – a justiça e a beleza dizem respeito a realidades


diferentes
❑ Polaridade – para cada valor encontramos um pólo positivo e
outro negativo
❑ Hierarquia – todos os valores valem, mas uns são mais
valiosos que outros, a justiça é mais importante que a beleza
Os valores regem a ação humana

Faz parte integrante do ser humano a tendência para preferir uns


objetos em detrimento de outros. A existência humana insere-se
num campo de possibilidades e escolhas a que os desejos atribuem
maior ou menor preferência, ou aos quais o espírito confere mais ou
menos sentido. Escolher uma possibilidade em detrimento de
outras é atribuir uma ordem de preferência às coisas. Por exemplo,
:

escolher participar numa angariação de fundos em favor das


vítimas do maremoto asiático significa que estamos a atribuir uma
grande importância à solidariedade, isto é, que a nossa ação está a
ser orientada pelo valor da solidariedade. Os valores fornecem a
justificação para as nossas ações.
Hierarquização dos Valores

Não atribuímos a todos os nossos valores a mesma importância.


Na hora de tomar uma decisão, cada um de nós, hierarquiza os
valores de forma muito diversa. A hierarquização é a propriedade
que têm os valores de se subordinarem uns aos outros, isto é, de
serem uns mais valiosos que outros. As razões porque o fazemos
são múltiplas.
:

Exemplo: A maioria da população mundial continua a sofrer


graves carências alimentares. Todos os anos morrem milhões de
pessoas por subnutrição. Portanto, é natural que na hierarquia
dos seus valores destas pessoas a satisfação das necessidades
biológicas surja em primeiro lugar.
Polaridade dos Valores

Os nossos valores tendem a organizar-se em termos de


oposições ou polaridades. Preferimos e opomos a verdade à
mentira, a justiça à injustiça, o bem ao mal, a beleza à
fealdade, a generosidade ao egoísmo. A palavra valor
costuma apenas ser aplicada num sentido positivo. Embora o
valor seja tudo aquilo sobre o qual recaia o ato de estima
:

positiva ou negativamente. Valor é tanto o bem, como o mal, o


justo como o injusto.
Ideologia: Sistema de ideias (sociais, políticas, Ideologia:
económicas, religiosas, pedagógicas), conceções da realidade, que
traduzem interesses de classe e mais não são do que o fundamento
das suas aspirações, imaginário (desejos, sonhos, frustrações).
É uma teoria ou visão do mundo - acrítica e dogmática, parcial e
subjetiva (não científica). Ex: ideologia capitalista, marxista.

O interesse da ideologia é tornar-se numa doutrina:


Doutrina: Conjunto de princípios, ensinamentos, recomendações,
regras fechadas, tanto na área económica, política, social, religiosa.
Se é um ensinamento, tende a fazer “escola”, e a ser seguido por
muitos.
:

Exemplos de doutrinas:
Doutrinas económicas: o protecionismo; o liberalismo…
Doutrinas religiosas: dogmas, crenças e rituais do cristianismo, o
budismo…
O termo deontologia surge das palavras gregas “déon, déontos” que
significa dever e “logos” que se traduz por discurso ou estudo. Sendo
assim, a deontologia seria o estudo do dever ou o conjunto de
deveres, princípios e normas adotadas por um determinado grupo
profissional.

A deontologia é uma disciplina da ética especial adaptada ao


exercício da uma profissão.

Existem inúmeros códigos de deontologia, sendo esta codificação da


responsabilidade de associações ou ordens profissionais.
:

A deontologia é um tratado dos deveres e da moral. É uma teoria sobre


as escolhas dos indivíduos, o que é moralmente necessário e serve para
nortear o que realmente deve ser feito.
O termo deontologia foi criado no ano de 1834, pelo filósofo inglês
Jeremy Bentham, para falar sobre o ramo da ética em que o objeto de
estudo é o fundamento do dever e das normas. A deontologia é ainda
conhecida como “Teoria do Dever”.
A deontologia também pode ser o conjunto de princípios e regras de
conduta ou deveres de uma determinada profissão, ou seja, cada
profissional deve ter a sua deontologia própria para regular o exercício da
profissão, e de acordo com o Código de Ética de sua categoria.
Para os profissionais, deontologia são normas estabelecidas não pela moral e
sim para a correção de suas intenções, ações, direitos,
deveres e princípios.
:

O primeiro Código de Deontologia foi feito na área da medicina, nos Estados


Unidos.
:

• ÉTICA E VALORES HUMANOS ESSENCIAIS


“Por que matamos as pessoas?” A ética tenta dar resposta a esta questão, mas
vai mais além e também tenta dar resposta, no que diz respeito, a agressões
menores.
A ética consiste em propostas universais de comportamento. Isso significa que
se devem aplicar a todos em um grupo, igualmente, e devem ser lógicos, sem
erros e falácias. Caso contrário, é uma ética má. Ou não verdadeira, ou falsa. Ou
inexistente.
Podemos afirmar que os valores humanos são valores morais que afetam a
conduta das pessoas. Esses valores morais podem também ser considerados
valores sociais que constituem, em última análise a ética, um conjunto de regras
estabelecidas para uma convivência saudável dentro de uma sociedade. Sem
respeito aos princípios éticos, uma sociedade adoece.
:

Os valores humanos devem ser universais e o seu conjunto estabelece


comportamentos éticos, essenciais à vida. Simplesmente.
Cultivar valores humanos é importante para o convívio em sociedade em
qualquer campo – entre amigos, no exercício profissional, na política.. Não
há uma receita pronta. Vamos lembrar alguns valores que sustentam o
comportamento ético desejável.

Aceitação: ter uma atitude objetiva em relação a outras ideias e práticas que
diferem da sua.
Compaixão: entender o sofrimento dos outros ou de si mesmo e querer fazer
algo a respeito para minorá-lo.
Coragem: vontade de agir em prol do outro ou de si, mesmo diante de
dificuldades
:

Igualdade: acreditar que todos merecem direitos iguais, serem tratados


com respeito, sem preconceitos de nenhuma espécie. Justiça: agir de
maneira justa, afastando as paixões e sabendo também o que é
compartilhar e preocupar-se com o outro, seja ele quem for. Ser justo
em suas análises e atitudes. Justiça é primordial. Generosidade: ter
disposição para doar, sejam recursos, ajuda em ações ou mesmo
tempo para outros. Para ouvir, apenas, muitas vezes – uma forma de
compartilhar.
Honestidade: ser confiável e sincero e aqui nos referimos à
honestidade de ser, nas atitudes. Não se trata apenas de não roubar –
para isso existem as leis – é honestidade de caráter, sem hipocrisia ou
fingimento.
:

Integridade: aderir plenamente aos seus princípios e valores morais e


éticos em qualquer situação.
Bondade: ser atencioso e tratar bem os outros, sempre.
Perseverança: persistir em um curso de ação, crença ou propósito.
Não desistir ao primeiro obstáculo.
Polidez: usar boas maneiras, agir de maneira socialmente aceitável em
qualquer situação.
Respeito: mostrar consideração por alguém ou algo, sem juízo de valor.
Responsabilidade: ser confiável em suas obrigações. Autocontrole:
permanecer no controle de suas palavras e comportamento diante de
situações adversas ou que causam estresse.
Estamos a viver uma verdadeira revolução no mundo com o advento
das redes sociais. As pessoas sentem-se autorizadas, por estarem
diante de um ecrã de um computador, tablet ou telemóvel, a destilarem
:

veneno e ódio, revelando desprezo ao conjunto de valores humanos


que permitem uma vida harmoniosa e respeitosa em sociedade.
Citamos esse conjunto de valores dirigindo nosso olhar à formação das
nossas crianças, para que tenhamos um futuro de mais aceitação do
outro, mais respeito e cordialidade. Depende de nós, adultos, pais,
educadores ajudar a construir um futuro melhor. Também depende de
cada um de nós nas nossas ações construirmos um presente melhor,
pois só assim nos é possível termos uma vida mais calma, tranquila,
harmoniosa e prazerosa.
• ESCALAS DE VALORES E CONFLITOS DE VALORES

Na antiguidade, os valores eram associados às virtudes, como


qualidades que compõem a “excelência” de uma pessoa. Já nos
tempos modernos, a questão dos valores tem sido amplamente tratada
:

no campo das humanidades e, particularmente, na sociologia


(disciplina que deu origem a sociologia dos valores, como área
específica). Do ponto de vista das ciências sociais, os valores
desempenham uma função na regulação da vida cotidiana, por meio
da constituição de um ethos compartilhado, ou seja, de um senso
comum que organiza as perceções e orienta os comportamentos dos
membros de um grupo social. No entanto, embora todos os indivíduos
estimem determinados valores, nem sempre estes são compartilhados
por todos.
Nesse sentido, coexistem sistemas de valores conflitantes dentro
de cada sociedade, propondo distintas escalas. de valores, na
medida em que hierarquizam valores diferentes.
:

Os sistemas ou escalas de valores são o resultado das condições


históricas e contextuais de cada sociedade, razão pela qual são
considerados epocais, pois mudam de acordo com o tempo e o lugar em
questão. Assim, por exemplo, os valores tradicionais de um povo,
associados aos costumes que praticavam no passado, em muitos casos,
conflitam com os valores modernos que assumem as pessoas na
sociedade atual.
Nem todos os seres humanos compartilham os mesmos valores, uma vez
que os processos de avaliação envolvem uma dimensão complexa de
condições pessoais, intelectuais, afetivas e históricas. Consequentemente,
não há uma escala única de valores, mas sim uma organização hierárquica
que muda de acordo com as mudanças nos contextos sociais. A partir da
perspetiva das ciências humanas e sociais, foram propostas diferentes
escalas de valores.
:

Um exemplo é a escala de valores desenvolvida pelo filósofo alemão Max


Scheler (1874-1928), segundo a qual os valores são organizados em base
nas perceções que temos deles como superiores, iguais ou inferiores a
outros valores. Por sua vez, estes são classificados em três categorias: os
valores do que é agradável e desagradável, valores vitais (saudáveis e
doentes) e valores espirituais (estéticos, legais, intelectuais e religiosos).
:

Por sua vez, o psicólogo social polaco-americano Milton Rokeach (1918-1988)


propôs uma escala de valores baseada na conceitualização do valor como
aquela crença que as pessoas têm sobre quais comportamentos são
desejáveis, revestindo de um caráter prescritivo sobre eles. A organização
hierárquica dos valores dependerá da relevância que cada individuo confere
às diferentes orientações axiológicas: moral, pessoal, social e competência.
:

Valores Terminais Valores Instrumentais

Vida confortável (vida próspera) Ambição (trabalho árduo, aspirações)

Vida excitante (vida ativa, estimulante) Capacidade (competência, efetividade)

Senso de realização (contribuição duradora) Divertimento (alegria, contentamento)

Mundo de paz (livre de guerra e conflitos) Limpeza (asseio, higiene)

Mundo de beleza (da natureza e das artes) Coragem (defesa das próprias ideias)

Igualdade (irmandade, oportunidade para todos) Perdão (querer perdoar os outros)

Segurança da família (cuidado com as pessoas próximas) Ajuda (trabalho para o bem-estar de outros)

Liberdade (independência, livre conduta) Honestidade (sinceridade, confiança)

Felicidade (contentamento) Imaginação (criatividade, ousadia)

Harmonia interna (livre de conflito interno) Independência (auto-realização, auto-suficiência)

Amor maduro (intimidade sexual e espiritual) Intelectualidade (inteligência, reflexão)

Segurança nacional (proteção contra ataques) Lógica (consistência, racionalidade)

Prazer (vida com diversão e descanso) Amor (afetividade, ternura)

Salvação (vida eterna) Obediência (deveres, responsabilidade)

Auto- respeito (auto-estima) Polidez (cortesia, boas maneiras)

Reconhecimento social (respeito, admiração) Responsabilidade (confiança, realização)

Amizades verdadeiras (proximidade dos companheiros) Autocontrole (autodisciplina, restrito)

Sabedoria (maturidade para entender a vida) Mente aberta


:

Na verdade, os valores surgem como uma expressão cultural específica


das necessidades, das motivações básicas e dos requisitos do
desenvolvimento comuns a todos os seres humanos. Estas necessidades
incluem segurança, identidade, reconhecimento e desenvolvimento em
geral. Normalmente, as partes cujas necessidades foram violadas não
respondem à coação a longo prazo. Quando as necessidades básicas para
a sobrevivência de um grupo ou para sua identidade não são satisfeitas, os
integrantes do grupo tendem a lutar para conseguir o querem, de uma
maneira ou outra. As necessidades e sua satisfação não podem ser
negociadas. Todavia, é possível identificar uma série de maneiras para
satisfazer as necessidades humanas básicas, e as metas de solução de
conflitos podem ser obtidas por meio do processo de identificação e
satisfação daquelas necessidades.
:

O conflito surge quando há a necessidade de escolha entre


situações que podem ser consideradas incompatíveis. Todas
as situações de conflito são antagónicas e perturbaram a ação
ou a tomada de decisão por parte da pessoa ou de grupos.
Kurt Lewin define o conflito no indivíduo como "a convergência
de forças de sentidos opostos e igual intensidade, que surge
quando existe atração por duas valências positivas, mas
opostas (desejo de assistir a uma peça de teatro e a um filme
exibidos no mesmo horário e em locais diferentes); ou duas
valências negativas (enfrentar uma operação ou ter o estado
de saúde agravado); ou uma positiva e outra negativa, ambas
na mesma direção (desejo de pedir aumento salarial e medo
de ser demitido por isso) ".
:

O conflito, no entanto, pode ter efeitos negativos como positivos, mas


em certos casos e circunstâncias, como fator motivacional da atividade
criadora.

O conflito de valores é um problema entre os grupos dentro das


sociedades e entre as nações em um mundo em rápida mudança. A
mudança em todo o mundo de valores tradicionais para valores
contemporâneos envolve uma ênfase maior na relatividade e a
importância do indivíduo acima da tradição e da fé. Uma maior interação
entre as nações levou à criação de programas e pesquisas projetados
para atender conflitos internacionais. Dentro das sociedades, o
multiculturalismo tenta resolver os problemas de uma forma diferente do
conceito de caldeirão cultural.
• TRADIÇÕES CULTURAIS VS DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA
:

Cada país tem as suas tradições, cultura, usos, e costumes e mesmo


dentro desse país cada região também tem as suas festividades, os
seus pratos típicos, as suas tradições religiosas e pagãs. O mundo não
é todo igual somos ricos culturalmente, da mesma forma os Homens
também não são todos iguais, todos temos direito à diferença, às
nossas diferenças individuais.
A pensar no Homem e no seu bem estar foi criada a “Declaração dos
direitos do Homem.” O conceito de direitos humanos universais é, desse
ponto de vista, uma ideia unificadora, algo que torna cada um de nós
importante (pouco importa onde vivamos e a que país pertençamos),
algo que podemos todos partilhar (apesar da diversidade dos sistemas
jurídicos dos nossos respetivos países).
E no entanto o tema dos direitos humanos frequentemente
degenera em campo de batalha no qual se defrontam diversas
:

crenças e reivindicações. Nos debates políticos, pode surgir como


tema de diferenciação, mais que como ideia unitária. Tais
oposições têm por vezes sido consideradas “choques de
civilizações” ou “batalhas entre culturas”. Por exemplo, diz-se com
frequência que os países ocidentais reconhecem numerosos
direitos humanos, especialmente os que estão ligados à liberdade
pública, ao passo que os países asiáticos não o fazem. Muitos
vêm nisso um importante fator de divisão. A tentação de pensar
de acordo com tais esquemas regionais e culturais é muito forte
no mundo contemporâneo. Os partidários e os adversários dos
direitos humanos frequentemente utilizam esses argumentos
culturais, baseados nas tradições e nas crenças existentes em
determinada sociedade.
Existirão efetivamente diferenças irredutíveis entre as tradições
culturais e as crenças
:

políticas do mundo? Será esta divisão incontornável quando se


trata de direitos humanos? É verdade que os porta-vozes dos
governos de vários países asiáticos têm discutido a pertinência e
o fundamento dos direitos humanos universais. Fazem-no
frequentemente em nome de “valores asiáticos” específicos, que
diferem das prioridades ocidentais. Insistem muitas vezes em
afirmar que o apelo à aceitação universal dos direitos humanos
reflete a imposição dos valores ocidentais sobre as outras
culturas. Como disse o ministro de Relações Exteriores de
Singapura na conferência de Viena sobre os direitos humanos em
1993 (com total apoio dos porta-vozes oficiais de vários países
asiáticos): “O reconhecimento universal do ideal dos direitos
humanos pode ser nefasto se a universalidade é utilizada para
contestar ou mascarar a realidade da diversidade”.
:

O ministro das Relações Exteriores da China também


manifestou vivas reservas às conceções “ocidentais” dos
direitos humanos. A filosofia confuciana, em particular, daria
ênfase não aos direitos ou liberdades, mas ao li, quer dizer, à
ordem e à disciplina. Mas existirá realmente esta “diversidade”
entre a Ásia e os países ocidentais? Uma certa tendência na
Europa e na América estabelece às vezes implicitamente que
é no Ocidente — e apenas no Ocidente — que os direitos
humanos têm sido valorizados desde épocas antigas. Esta
característica pretensamente única da civilização ocidental
teria sido um conceito estranho no resto do mundo. Insistindo
nas especificidades regionais e culturais, tais teorias
ocidentais sobre a origem dos direitos humanos tendem a
:

questionar a existência de direitos humanos universais nas


sociedades não ocidentais.
Sustentando que o valor atribuído à liberdade pessoal, à tolerância
e aos direitos civis é uma contribuição própria da civilização
ocidental, os partidários ocidentais desses direitos dão
frequentemente argumentos aos críticos não ocidentais dos
direitos humanos, pois pode-se considerar que o apoio a uma ideia
pretensamente “estrangeira” é uma manifestação do imperialismo
cultural imposto pelo Ocidente. Que fundo de verdade se poderá
atribuir a essa grande dicotomia cultural entre as civilizações
ocidentais e não ocidentais a respeito da liberdade e dos direitos?
Pretendo demonstrar que tudo isso é inexaco de um ponto de vista
histórico. Na tentativa de interpretar a civilização ocidental como a
base natural da liberdade individual e da democracia política,
identificamos uma
:

tendência para fazer extrapolações retrospetivas a partir do


presente.
Os valores que o século das Luzes na Europa e acontecimentos
mais recentes banalizaram e difundiram são frequentemente
considerados — de forma absolutamente arbitrária — uma parte
da longa herança ocidental que se desenvolveu ao longo de
milénios. O conceito dos direitos humanos universais no sentido
amplo do Iluminismo, de direitos de todo ser humano, é na
realidade uma ideia relativamente nova, tão difícil de encontrar no
Ocidente como no Oriente antigo.
Todavia, outras ideias — como o valor da tolerância ou a
importância da liberdade individual — foram apoiadas e
defendidas por muito tempo, não raras vezes por uma pequena
elite. Desse modo, no pensamento ocidental, os escritos de
Aristóteles sobre a
:

liberdade e o florescimento humano fornecem um bom material


de base para as ideias contemporâneas dos direitos humanos.
Podemos reconhecer esta importante filiação, sem ignorar a
falta de universalidade das éticas subjacentes (a exclusão das
mulheres e dos escravos por parte de Aristóteles é uma boa
ilustração dessa ausência de universalidade). Podemos
igualmente observar as contribuições positivas de certos
elementos da filosofia ocidental para as noções modernas de
direito humano, sem ignorar que outros filósofos ocidentais
sustentaram outras teses. Assim, as preferências de Platão e
de Santo Agostinho pela ordem e pela disciplina, mais que
pela liberdade, não eram menos evidentes que as prioridades
de Confúcio. Se procurarmos tais filiações como pano de
:

fundo do pensamento contemporâneo, podemos encontrar


relações semelhantes nas culturas não ocidentais.
Confúcio não é o único filósofo na Ásia, nem mesmo na China.
As tradições intelectuais são muito variadas na Ásia, e muitos
autores deram ênfase à importância da liberdade e da
tolerância, chegando alguns a ver nisso a própria definição do
ser humano. A linguagem da liberdade é muito importante, por
exemplo, no budismo, que nasceu e se desenvolveu na Índia
para em seguida se estender ao sudeste asiático e ao leste da
Ásia, China, Japão, Coreia, Tailândia e Birmânia. Esta
abordagem contrasta realmente com a ideia central de
Confúcio: a disciplina. O imperador indiano Asoka, que viveu na
Índia no século III
a.C. e comandou um império maior que o dos outros reis
indianos, dos mongóis e
:

mesmo dos britânicos, interessou-se pela ética pública e


praticou uma política “esclarecida” depois de se horrorizar com
a visão das carnificinas nas suas vitoriosas batalhas.
Converteu-se ao budismo e contribuiu para transformá-lo numa religião
mundial, enviando emissários, portadores da mensagem budista, ao
exterior, tanto ao Oriente como ao Ocidente. Espalhou pelo território
lousas nas quais estavam gravados os princípios de uma vida boa e os
deveres do indivíduo e do estado. Essas inscrições conferem particular
importância à tolerância face à diversidade: considera-se que “cada ser
humano” tem direito a essa tolerância — que diz respeito às liberdades
individuais e às maneiras de viver — por parte do estado e dos outros
indivíduos. Muitos outros autores da antiguidade e da idade média (além
de contemporâneos) em diferentes regiões da Ásia também se
empenharam, segundo os mais variados registos, em favor da
tolerância. O objetivo é apenas
:

mostrar que as culturas asiáticas desenvolvem tanto quanto as tradições


ocidentais uma grande diversidade de posições.
Tanto na Ásia quanto no Ocidente, alguns valorizaram a ordem e a disciplina,
ao passo que outros se centraram na liberdade e na tolerância.
Temos de admitir que a ideia dos direitos humanos enquanto
direitos de todo o ser humano, com um alcance universal
absoluto e uma argumentação bem desenvolvida, é recente. Na
sua forma precisa, não é uma ideia antiga nem no Ocidente nem
em qualquer outra parte. Nas tradições e pensamentos antigos,
encontramos elementos (como a valorização da tolerância e da
liberdade) muito próximos e absolutamente coerentes com a
noção moderna de direitos humanos. Podemos encontrá-los nos
escritos de certos pensadores asiáticos e nos de autores
ocidentais. Podemos assim afirmar que não existe dicotomia
cultural global, seja
:

reivindicada pelos que acreditam na “particularidade” do Ocidente


ou pelos partidários do autoritarismo asiático.
Colocam-se frequentemente questões particulares a respeito da
tradição islâmica. Em razão dos conflitos políticos
contemporâneos, em particular no Médio Oriente, descreve-se
muitas vezes a civilização islâmica como fundamentalmente
intolerante e hostil à liberdade individual. No entanto, a
diversidade e a diversidade inerentes a cada tradição também
se encontram no islamismo. Os imperadores turcos foram não
raras vezes bastante mais tolerantes que os seus
contemporâneos europeus, e os mongóis na Índia
(especialmente o imperador Akbar) chegaram a construir teorias
sobre a necessidade de tolerar a diversidade. Os sábios árabes
foram recetivos às ideias estrangeiras (a filosofia grega, as
matemáticas indianas
:

etc.) e por sua vez empenharam-se em difundir os frutos de seu


trabalho intelectual por todo o velho mundo.
Um sábio judeu como Maimónides, no século XII, fugiu de uma Europa
intolerante (onde nasceu) e da perseguição dos judeus em busca da
segurança que lhe oferecia o Cairo e a proteção do sultão Saladin. Al-
Biruni, o matemático iraniano que escreveu o primeiro livro geral sobre
a Índia no início do século XI (além das suas traduções para o árabe de
tratados indianos de matemática), foi um dos primeiros antropólogos do
mundo. Observou — e insurgiu-se contra — o facto de que “a
depreciação dos estrangeiros é comum a todas as nações, exercendo-
a umas contra as outras”, e dedicou grande parte de sua vida a
favorecer a compreensão mútua e a tolerância. Existem naturalmente
outros teóricos islâmicos e dirigentes que foram intolerantes e hostis
aos direitos individuais, mas devemos levar em conta o alcance da
diversidade no interior das
:

tradições islâmicas. Não se pode pretender que a civilização islâmica


se oponha de forma genérica à tolerância ou à liberdade individual.
Ao concentrarmo-nos na diversidade no interior das culturas,
não temos como objetivo afirmar que atualmente os países e as
culturas estão divididos igualmente, ao longo do mundo, quanto
ao apoio que deve ser dado aos direitos humanos. Por causa da
história particular do século das Luzes, do capitalismo de
mercado e do estado social, os direitos humanos são muito
mais celebrados na maioria das sociedades ocidentais que em
muitos países da Ásia e da África. Mas trata-se de uma
característica do mundo contemporâneo, e não de uma
dicotomia antiga. É bastante importante não apresentar uma
distinção moderna como uma oposição antiga, em virtude da
qual a pretensa “essência” das culturas asiáticas ou o suposto
“fundamento” dos
:

costumes do Oriente se oporia a uma presumida “natureza” da


civilização ocidental. Esta leitura sem fundamento da história
não só é intelectualmente superficial como contribui para os
fatores de divisão no mundo em que vivemos. A indelicadeza
gera a violência.
Tentar “vender” os direitos humanos como uma contribuição do
Ocidente ao resto do mundo não é apenas historicamente
superficial e culturalmente chauvinista como profundamente
contraproducente. Isso provoca uma alienação artificial, que não é
justificada pelos fatos e não contribui para uma melhor
compreensão entre uns e outros. As ideias fundamentais
subjacentes aos direitos humanos surgiram sob uma forma ou
outra em diferentes culturas. Constituem materiais sólidos e
positivos para sustentar a história e a tradição de toda a grande
civilização. Mesmo no
:

mundo contemporâneo, é importante ouvir as vozes dos


dissidentes de cada sociedade, pois os ministros de Relações
Exteriores, os representantes dos governos ou os chefes
religiosos não têm o monopólio da interpretação dos valores ou
das prioridades morais. A diversidade de opiniões em cada cultura
— à qual nos referíamos acima — reflete-se nas dissidências
contemporâneas e na heterodoxia (opiniões diferentes).
Os dissidentes podem tomar-se líderes importantes (como
Mahatma
Gandi ou Nelson Mandela) ou continuar perseguidos e
vulneráveis (como os militantes do movimento pró-democracia
na China atual); no entanto, as suas opiniões e críticas não
podem ser rejeitadas como “estrangeiras” às nações nas quais
atuam. A necessidade de reconhecer a diversidade não se
aplica apenas entre as
:

nações e as culturas, mas igualmente no interior de cada nação


e de cada cultura.

O conceito de direitos humanos universais oferece bastantes


atrativos para o senso comum e para a boa compreensão da
nossa humanidade comum.
Hoje em dia existe uma grande unanimidade no que diz
respeito ao reconhecimento dos Direitos Humanos.

Contudo, em muitas regiões do planeta não são ainda


satisfeitos os direitos do Homem, pois estes vão contra
a tradição, a religião e o comportamento social, o que
impede os indivíduos de obterem o que lhes é devido,
:

pondo em causa a validade universal destes mesmos


direitos.
• A CONSCIÊNCIA MORAL- ORIGEM E FATORES DE DESENVOLVIMENTO.

Um ato moral pressupõe um sujeito dotado de uma consciência moral, isto é,


uma pessoa cuja consciência é capaz de distinguir o bem do mal, de orientar os
seus atos e julgá-los segundo o seu valor.

A consciência moral é inata ou adquirida? Esta questão tem dividido os filósofos


ao longos dos tempos. Até ao século XVIII predominaram as teorias morais que
defendem que esta consciência é inata, sendo portanto anterior a qualquer
experiência. Na época contemporânea, predominam as teorias que afirmam que
a mesma adquirida em sociedade na nossa relação com os outros. Estas teorias
foram defendidas por pensadores tão diversos como K.Marx, F.Engels, F.
Nietzsche, E. Durkheim ou S. Freud.
:

A formação e desenvolvimento da consciência moral, foi objeto no


século XX, de importantes estudos, nomeadamente por Jean Piaget e
Lawrence Kohlberg.

Jean Piaget

A moralidade desenvolve-se paralelamente à inteligência, e há um


progresso que vai da heteronomia à autonomia moral.

1ª.Etapa: Moral de Obrigação-heteronomia (entre os 2 e os 6 anos): a


criança vive numa atitude unilateral de respeito absoluto com os mais
velhos.
:

As normas são totalmente exteriores à criança.


2ª. Etapa: Moral da Solidariedade entre iguais (entre os 7 e os
11 anos): O respeito unilateral é substituído pelo mútuo e a
noção de igualdade entre todos. As normas aplicam-se de uma
forma rígida.

3ª. Etapa: Moral de equidade-autonomia (a partir dos 12 anos):


aparece o altruísmo, o interesse pelo outro e a compaixão. A
moral torna-se autónoma. O respeito pelas normas coletivas
faz-se de um modo pessoal.
:

L. Köhlberg

A consciência moral forma-se através de sucessivas


adaptações do conhecimento às fases da aprendizagem
social. Este filósofo e psicólogo identificou três níveis de
desenvolvimento moral, sendo cada um deles caracterizado
pelas considerações que o sujeito faz sobre questões no
âmbito da justiça, tais como:
a) a igualdade em termos de direitos e deveres e a extensão dos
mesmos;
b) a relatividade ou universalidade da justiça;
:

c) as atenuantes ou agravantes em relação na concretização


destes direitos e deveres; etc
Níveis de Desenvolvimento Moral

Nível Pré-convencional (pré-moral): As normas sobre o que é bom


ou mau são respeitadas atendendo às suas consequências
(prémio ou castigo) e ao poder físico dos que as estabelecem.

Nível Convencional: Vive-se identificado com um grupo e procura-se


cumprir bem o próprio papel, respondendo às expectativas dos
outros, mantendo a ordem estabelecida (a ordem convencional).

Nível Pós-convencional (autónomo ou de princípios): Há um


esforço para definir valores e princípios de validade universal,
isto é, acima das convenções
:

sociais e das pessoas que são autoridade nos grupos. O valor


moral reside na conformidade com esses princípios, direitos e
deveres que podem ser universais.
Princípios e Dever Moral

A consciência moral implica que o homem ultrapasse uma


dimensão meramente egoísta na sua conduta. O Outro deve
ser tido sempre em conta na sua ação moral. Os princípios
morais são normas que orientam e fundamentam a sua
conduta, pois são assumidos como os mais adequados para
a harmonia global e a felicidade individual. Exemplo de um
princípio moral: "Não faças aos outros aquilo que não
queres que te façam a ti". Uma vez definidos livremente
estes princípios, por respeito e coerência com os mesmos,
:

certos atos passam a ser assumidos como obrigações


interiores, isto é, como deveres morais. Se não os fizermos
sentimos que estamos a trair as nossas convicções, aquilo
em que acreditamos.

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