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Filósofo Grego

Filosofia Contemporânea, especialmente Filosofia do Direito, Filosofia Moral e


Filosofia Política.
SÁBADO, 10 DE NOVEMBRO DE 2007
Filosofia Moral: Ética e Moral
Parte I - Escrita em 10/11/2007

A Filosofia Moral distingue entre ética e moral. Ética tem a ver com o "bom": é o
conjunto de valores que apontam qual é a vida boa na concepção de um indivíduo ou
de uma comunidade. Moral tem a ver com o "justo": é o conjunto de regras que fixam
condições equitativas de convivência com respeito e liberdade. Éticas cada qual tem e
vive de acordo com a sua; moral é o que torna possível que as diversas éticas convivam
entre si sem se violarem ou se sobreporem umas às outras. Por isso mesmo, a moral
prevalece sobre a ética.

No terreno da ética estão as noções de felicidade, de caráter e de virtudes. As decisões


de qual propósito dá sentido à minha vida, que tipo de pessoa eu sou e quero vir a ser e
qual a melhor maneira de confrontar situações de medo, de excassez, de solidão, de
arrependimento etc. são todas decisões éticas.

No terreno da moral estão as noções de justiça, ação, intenção, responsabilidade,


respeito, limites, dever e punição. A moral tem tudo a ver com a questão do exercício do
direito de um até os limites que não violem os direitos do outro.

As duas coisas, claro, são indispensáveis. Sem moral, a convivência é impossível. Sem
ética, é infeliz e lamentável. Diz-se que quem age moralmente (por exemplo, não
mentindo, não roubando, não matando etc.) faz o mínimo e não tem mérito, mas quem
não age moralmente deixa de fazer o mínimo e tem culpa (por isso pode ser punido).
Por outro lado, quem age eticamente (sendo generoso, corajoso, perseverante etc.) faz o
máximo e tem mérito, mas quem não age eticamente apenas faz menos que o máximo e
deixa de ter mérito, mas sem ter culpa (por isso não pode ser punido, mas, no máximo,
lamentado).

Parte II - Escrita em 28/09/2010

A postagem "Filosofia Moral: Ética e Moral", que publiquei em 10 de novembro de


2007, se tornou ao longo do tempo a postagem mais comentada e visualizada dos 5 anos
de meu blog, tendo até o momento 38 comentários e mais de 9.000 visualizações. Em
homenagem a essa marca, que sem dúvida me surpreende e naturalmente me deixa
muito contente, decidi publicar uma segunda postagem, que ao mesmo tempo
prossegue, complementa e aperfeiçoa aquela primeira. Principalmente para aqueles que
procuram aquela minha postagem atrás de leitura introdutória para suas pesquisas penso
que esta postagem complementar será muito útil. Organizarei a postagem em tópicos, de
modo a facilitar a apreensão de seu conteúdo.
1) Origem dos termos "ética" e "moral"

Ética vem do grego "éthos" e moral, do latim "mos". Tanto "ethos" quanto "mos"
significam a mesma coisa: hábito, costume. Quando os filósofos gregos quiseram
cunhar um nome para a parte da filosofia que se ocupa com as ações cotidianas do
indivíduo, criaram a expressão "ethiké epistéme", que significava "ciência dos
costumes" ou, como ficou conhecida, "ciência ética", ou simplesmente "ética". Já
quando os filósofos romanos, que eram atentos leitores dos gregos, quiseram traduzir
para o latim a expressão "ethiké epistéme", tentaram encontrar um equivalente em sua
língua e cunharam "scientia moralis", que significava "ciência dos costumes" ou, como
ficou conhecida, "ciência moral", ou simplesmente "moral". Assim, qualquer diferença
que se possa encontrar entre "ética" e "moral" não advém do significado original dos
dois termos, pois estes, em sua origem, eram apenas a tradução um do outro.

Há também uma versão segundo a qual "ética" não teria sua origem no grego "éthos",
escrito "έθος", com "ε" (épsilon, letra grega que soa como um "e" curto e aberto),
"costume", e sim no grego "éthos" escrito "ήθος", com "η" (eta, letra grega que soa
como um "e" longo e fechado), "habitação". Para os que defendem essa versão, essa
segunda forma de "éthos" ("ήθος", com "η") designaria um modo de ser, um caráter
habitual, um conjunto de traços e ações que constituem a identidade de quem se é, nos
quais se está à vontade, "em casa". Nesse caso, a "ethiké epistéme" significaria não a
ciência dos costumes, e sim a ciência do estar em casa, do ser si mesmo, do encontrar-se
em sua própria identidade, sem distanciar-se de si nem de seus valores. O fato de que
"ética" era escrita "ηθικά", com "η", nos tratados gregos parece corroborar essa versão.
Nesse caso, a tradução de "ηθικά" por "moralis" teria sido um erro dos filósofos
romanos.

2) Formas de distinção entre ética e moral

Há duas tradições de distinção entre os dois termos. Uma delas é francesa e ganhou
fama no Período das Luzes, no qual a célebre "Enciclopédia" de D'Alembert e Diderrot
atribuiu a "moral" o sentido de conjunto de normas e valores em que os homens de certa
época e lugar acreditam e que realizam mediante suas ações, enquanto a ética seria o
conjunto de teorias filosóficas, racionais e reflexivas, sobre as normas e os valores em
que os homens deveriam acreditar e que eles deveriam realizar em suas ações. Nessa
tradição, a moral tem a ver com as normas e valores que já são seguidos na prática, os
quais podem ser habituais, preconceituosos, supersticiosos, cruéis e irracionais de várias
maneiras. A ética, ao contrário, é coisa dos filósofos, está no plano da teoria, da
especulação, da reflexão e argumentação racional. Em suma: A moral seria aquilo que
os homens comuns aceitam e praticam como certo e errado; a ética seria aquilo que os
filósofos pensam e propõem como certo e errado. Outra forma de dizer a mesma coisa
seria que a ética é uma reflexão sobre a moral; ou ainda que a ética é a moral quando
submetida à crítica da razão.

A segunda tradição é alemã e tem origem nas maneiras distintas como Kant e Hegel
conceberam (ou pelo menos nas maneiras distintas como geralmente se alega queeles
conceberam) a reflexão sobre o bem e o mal. Segundo geralmente se alega, Kant
imaginou a moral como um conjunto de normas ditadas pela razão, as quais seriam as
mesmas para todos os homens, em todas as épocas e lugares. Já Hegel, contrapondo-se a
Kant, chamou o que este propunha de "moralidade" e disse que ela era demasiadamente
abstrata, vazia, inflexível e incapaz de motivar o ser humano. Em lugar da "moralidade"
kantiana, Hegel propôs-se falar de uma "eticidade", a qual seria, segundo se alega, um
conjunto de crenças, valores e ideais que os homens de certa época e certo lugar
carregam consigo, porque foram formados neles desde a infância e porque por meio
deles se entendem e convivem uns com os outros, formando sua identidade individual e
coletiva. Assim, "moralidade" e "eticidade" se tornam rótulos convenientes para duas
abordagens da ética: Uma com base em normas racionais válidas para todos
(moralidade, Kant) e outra com base nas convicções culturais de cada povo (eticidade,
Hegel). Embora essas estejam longe de ser boas caracterizações das concepções éticas
de Kant e Hegel, é importante tê-las em vista para compreender de que modo moral e
ética vieram a significar duas diferentes abordagens das questões do que se deve fazer.

3) Objeto da ética e da moral

A ética é uma teoria da vida boa para mim. Como assim? É uma teoria que procura
responder: De todas as coisas possíveis de serem feitas, vivenciadas e realizadas na
vida, qual delas é a que vale mais e realmente a pena? De que modo devo viver a minha
vida? Que tipo de pessoa eu sou e que tipo de pessoa eu quero ser? O que espero ter
sido e feito na vida, quando estiver velho e olhar para ela retrospectivamente? Todas
essas são questões éticas. Responder a elas é traçar para si um propósito, um fim, um
"télos" na vida. É definir para onde se quer caminhar e como se pretende chegar lá. Um
homem de negócios, um filantropo, um artista, um sacerdote, todos eles são homens que
se fizeram as mesmas questões éticas acima, mas deram a elas diferentes respostas. O
que importa no fim das contas? Ter riqueza, sucesso e poder? Dedicar-se aos outros e
aliviar as dores do mundo? Viver o prazer, o amor e a beleza? Voltar-se para Deus e ter
uma vida neste mundo como preparação para uma vida noutro mundo? Essas são
algumas das alternativas que se abrem para todo aquele que se pergunta o que pretende
fazer de sua vida.

A moral é uma teoria da convivência justa com os outros. Não tem a ver com o que
quero para mim, e sim com o respeito que devo aos outros. Não tem a ver com os meus
fins, e sim com os limites que todos temos que respeitar, quaisquer que sejam os fins
que estejamos perseguindo. A moral responde à seguinte questão: Quais são as
condições de uma convivência pacífica, respeitosa e solidária com os demais seres
humanos? Ou, o que é o mesmo: Uma vez que todos somos livres e iguais e todos temos
direito a perseguir nossos fins éticos, mas sem prejudicar-nos ou causarmos danos uns
aos outros, quais são os atos que devo obrigatoriamente praticar e que devo
obrigatoriamente evitar? Quais são os deveres dos homens uns em relação aos outros,
quaisquer que sejam seus projetos éticos? Nesse caso, o homem de negócios pode
querer riquezas, mas não pode consegui-las à custa de apropriação indevida dos bens
dos outros. O filantropo pode querer fazer o bem a outrem, mas não pode fazê-lo à custa
de eliminar a liberdade do outro de escolher o que é melhor para si. O artista pode
querer dedicar-se somente à beleza, mas não pode simplesmente não contribuir para o
sustento da prole que tenha ajudado a gerar. O sacerdote pode querer dedicar-se a Deus,
mas não pode fazê-lo de forma tal a desprezar ou perseguir os homens que partilham de
outras crenças ou que não aderem a crença alguma. Isso é assim porque há, ao lado dos
fins éticos, que variam de pessoa para pessoa, deveres morais, que se impõem a todos
indistintamente.
Espero dessa maneira haver contribuído para esclarecer e aprofundar a compreensão da
distinção entre ética e moral que já havia abordado na postagem anterior.
Parte III - Escrita em 23/08/2012

Para terem um conhecimento introdutório sobre o campo da ética, os livros que


recomendo fortemente são os seguintes:

Sandel, Michael. Justiça: O que é fazer a coisa certa. Ed. Civilização Brasileira:
Excelente curso, ministrado em Harvard, para leigos e curiosos em geral, sobre as
grandes questões da filosofia moral, juntamente com o pensamento de alguns dos
grandes filósofos morais na história. A linguagem é muito acessível e os exemplos são
muito didáticos e interessantes.

Rachels, James. Os Elementos da Filosofia Moral. Ed. Manole: Excelente manual


para compreender o campo da filosofia moral e as várias abordagens e escolas
concorrentes, com seus respectivos representantes e argumentos, pontos fortes e fracos.
Leitura simples e de fácil compreensão.

Singer, Peter. Ética Prática. Ed. Martins Editora: Ótimo livro para encontrar
discussões éticas contemporâneas, como meio-ambiente, aborto, eutanásia, pena de
morte, mentira etc., com argumentos provocativos e bem construídos para ambos os
lados em cada controvérsia. Ideal para fomentar debates, para ampliar a reflexão e para
robustecer os argumentos.

Se quiserem ir além de leituras introdutórias e quiserem conhecer as obras clássicas do


campo da ética, uma lista mínima de clássicos teria que incluir os seguintes:

Aristóteles. Ética a Nicômaco (versão recomendada: Ed. EDIPRO): O clássico


eterno da disciplina. Aristóteles elabora uma concepção da vida humana como dirigida
para a felicidade e da felicidade como consistindo numa vida vivida de modo racional e
virtuoso. Aborda virtudes como a temperança, a coragem e a justiça. Fala do papel do
prazer e da amizade na vida humana. Todas as abordagens posteriores, inclusive as
modernas, precisarão fazer referência a Aristóteles, seja para concordar, seja para
discordar. Uma leitura que vai fazer diferença na sua formação e na sua vida.

Kant, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes (versão


recomendada: Ed. Almedina): Outro clássico indispensável. Kant elabora uma ética
baseada na ideia de cumprimento do dever motivado exclusivamente pelo dever,
independentemente de considerações de felicidade ou de consequências da ação.
Fornece as três formulações do seu famosíssimo imperativo categórico e defende uma
concepção da liberdade do homem com base na consciência moral. De leitura muito
mais árida, mas com conteúdo indispensável. Ideal para ser lido após os livros
introdutórios já terem dado uma ideia sobre o pensamento ético de Kant.

Mill, John Stuart. Utilitarismo (versão recomendada: Ed. Martins Fontes): O


terceiro nesta trinca de clássicos incontornáveis. Mill desenvolve de forma mais
convincente a ideia de Bentham de uma ética baseada no cálculo das consequências
positivas e negativas das ações sobre a vida das pessoas. As ideias de responsabilidade,
de virtude, de dever e de justiça recebem novas abordagens a partir daquela ideia
fundamental. De leitura simples, clara e prazerosa.
Dan² disse...
Olá, professor,
Não é um comentário, apenas um agradecimento por ter me remetido a esse
outro texto seu que com certeza vai ajudar na sistematização da minha
pesquisa.

Gostaria de lhe fazer uma pergunta apenas. O trabalho que estou fazendo tem
como tema "ciência da computação e ética". Como a ética tem fins
nítidamente mais subjetivistas e pouco partilháveis em relação à moral, que no
meu entendimento, acaba se relacionando melhor, inclusive, com a legislação
a respeito de computação (quem cumpre a legislação é um sujeito moral, faz
"o mínimo"), não seria o tema desse trabalho, talvez, mal desenvolvido,
querendo verdadeiramente perguntar ao aluno de ciência da computação a
relação entre sua área de estudo e a moral? Agora me questiono, inclusive, se
em nossas aulas de deontologia jurídica, o tema em questão não seria a ética e
sim a moral do advogado...

Obrigado e até mais!

Anônimo disse...
Danilo, vamos por partes:

1) A legislação de computação tem caráter ético ou moral? Bom, em princípio


eu responderia "moral", porque, provavelmente, diz respeito à questão do que
devo ou não devo fazer para manter o respeito pelos direitos dos demais
usuários.

2) Seu trabalho versa então sobre "ciência da computação e moral"? Mais ou


menos, porque, se há uma legislação a respeito, já não é apenas o "senso de
dever", ou "senso de justiça", que levará o sujeito a agir ou deixar de agir
dessa ou daquela maneira, mas também o fundado receio de sanção, o que
torna as obrigações respectivas jurídicas, e não (apenas) morais.

3) O uso de "ética" na deontologia (jurídica, médica, computacional etc.) está


errado? Está. Na medida em que a ética tem a ver com valores e com a
concepção de vida boa de cada um (quer dizer, do que vale a pena na vida e de
que tipo de vida vale a pena viver), ela não pode se justificar no respeito
recíproco nem se expressar num conjunto de regras. A expressão "código de
ética" é uma contradição, porque um código é um conjunto de regras comuns,
postas para pautar a conduta de indivíduos com diferentes orientações, nada
tendo que ver com a ética. Se é código, não é de ética. Se é ética, não poderia
ser código, muito menos imposto e comum. Outra contradição é que
"deontologia" quer dizer "ciência dos deveres", e "dever" é uma noção
nitidamente moral, e não ética.

4) Então por que diabos se usa tanto o termo "ética" para referir-se às
deontologias profissonais? É que no Brasil se sofreu a influência do
pensamento francês do final do Séc. XIX, segundo o qual "moral" era o
conjunto dos costumes vividos numa sociedade (tendo caráter "prático e
irrefletido"), enquanto "ética" era a reflexão sobre o bem e as boas ações
(tendo caráter "teórico e reflexivo"). Por isso, moral adquiriu o sentido, um
tantinho pejorativo até, de moralidade social vigente, quer dizer, o conjunto
daquelas crenças e instituições mais ou menos tradicionais, preconceituosas,
conservadoras, retrógradas (ou seja, moral = moralismo hipócrita). Daí usar-se
o termo ética, que adquire a conotação de algo mais refletido, sofisticado,
racional, a que se chega como demonstração de cultura elevada, e não de
apego excessivo aos padrões moralistas da sociedade. Mas essa distinção, que
tem um fundo aristocrata (a ética pertence aos "espíritos esclarecidos"),
classista (a ética é a moral burguesa, intelectual e laica) e discriminatória (a
ética dos outros não é ética, é apenas um conjunto de preconceitos que eles
abraçam por não serem racionais o bastante para questioná-los), está para lá de
ultrapassada e não deveria mais ser sequer mencionada.

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