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FD - 02 - OAB Esquematizado - Saraivaaprova - 2022 - FILOSOFIA DO DIREITO - FORMATADO
FD - 02 - OAB Esquematizado - Saraivaaprova - 2022 - FILOSOFIA DO DIREITO - FORMATADO
Filosofia do Direito
Clodomiro Bannwart
Sumário
2.13. Realismo jurídico; 2.13.1. A teoria de Alf Ross; 2.14. Reações ao positivismo
jurídico; 2.14.1. Teoria do neokantismo; 2.14.2. Pensamento jusfilosófico
brasileiro. A teoria tridimensional do direito de Miguel Reale; 2.14.3. Gustav
Radbruch; 2.15. Variações do positivismo jurídico; 2.15.1. Herbert Hart; 2.15.2.
Norberto Bobbio – 3. Direito e moral: 3.1. Ética utilitarista; 3.1.1. John Stuart Mill;
3.2. Teoria de Immanuel Kant; 3.3. Princípio universal do direito – 4. Direito:
coação e correção: 4.1. Direito e coação; 4.2. Direito e correção – 5. Direito e
ciência: 5.1. A ciência moderna; 5.2. Ciência do Direito como teoria da
interpretação; 5.3. Crítica ao Direito como ciência e nova concepção de
interpretação no; 5.3.1. Teoria da jurisprudência dos interesses; 5.3.2. Escola do
direito livre; 5.4. A lógica do razoável; 5.5. Chaïm Perelman; 5.6. Racionalidade
jurídica; 5.7. Hannah Arendt – Referências.
Fé Natureza Autoridade
conhecido por Tribunal dos Setenta, que compreendia a suprema magistratura dos
hebreus. A interpretação da lei escrita – “Torá” – não podia se afastar dos mandamentos
imutáveis dados por Deus.
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chefe: o Imperador. Daí a noção de o Direito para os romanos ser decorrente da ideia
de autoridade.
e, mais tarde, a ciência moderna buscaram alcançar, por caminhos diferentes, a verdade.
Na Filosofia, esse campo de investigação ficou conhecido por Epistemologia
(epistéme = conhecimento; logia = estudo) ou Teoria do Conhecimento. Para os gregos
e igualmente para os cientistas modernos o ponto de referência da investigação
epistemológica encontra-se dado na natureza (Physis). A Filosofia nasceu da
observação da natureza, da constatação de sua regularidade, da ordem nela inscrita e,
acima de tudo, da verificação de que a Physis é regida pelo princípio da causalidade.
O princípio causal é importante ferramenta para epistemólogos e cientistas confirmarem
suas hipóteses e assegurar um conhecimento passível de previsibilidade. A Filosofia
utiliza o princípio de causalidade sob a perspectiva lógica e a ciência moderna a
emprega como método de comprovação empírica.
■ 1.4.1.1. Epistemologia
A Filosofia surge, segundo Aristóteles, do thauma, traduzido por espanto,
perplexidade. A Filosofia é originária daquilo que capta a nossa atenção e nos põe a
refletir, indagar e apontar respostas. A Filosofia não nasce de um superpoder cognitivo,
mas da percepção sensorial, do olhar atento à natureza (Physis). A natureza desponta
como cosmos (o todo ordenado), manifestando, num primeiro momento, encanto e
beleza (dimensão estética). Daí o termo cosmética, associado àquilo que realça a beleza.
Num segundo momento, a natureza impõe um questionamento fundamental: qual o
princípio (arché) mantenedor dessa ordem? Essa é uma indagação que exige
conhecimento (dimensão epistemológica), e as respostas que os filósofos deram a esse
perturbador questionamento são inúmeras e inconclusas. Da natureza se depreende outra
importante observação, assinalada por Aristóteles: não há nada na natureza destituído de
finalidade; na natureza tudo concorre à realização de um determinado fim. Ou seja, a
natureza realiza um fim (telos) que lhe é imanente. Desta pauta inicial da Filosofia, três
importantes palavras devem ser registradas, pois guardam relação com o
Direito: ordem (cosmos), fim (telos/teleologia) e princípio (arché).
■ 1.4.2.1. Política
A natureza, como vimos, é tomada como centro referencial da atividade filosófica, a
ponto de a reflexão da ordem esculpida no cosmos ser transferida ao mundo social. A
pergunta sobre a possibilidade de poder haver uma ordem social no microcosmo
da Polis, semelhante à ordem inscrita no cosmos, deu ensejo ao nascimento da Filosofia
Política.
■ 1.4.2.2. Ética
Nessa mesma perspectiva, o questionamento foi direcionado à ação humana,
indagando se esta é fruto do acaso e da contingência ou se é passível de ser enquadrada
em uma possível ordem, semelhante à ordem cósmica. O homem como parte da
natureza se impõe, nesse sentido, questionamentos de fundo existencial: qual o fim
último (telos) de suas ações? As várias ações realizadas diuturnamente visam à
concretização de que propósito e fim? A ação humana é passível de enquadramento em
uma ordem social? Tais questionamentos conduziram ao nascimento da reflexão acerca
da Ética (ethos).
■ 1.4.2.3. Direito
Levando em consideração a possibilidade de uma ordem social (política), na qual as
ações humanas se interconectam por meio de uma base comum (ethos), o Direito surge
como condição de realização da lei (nomos). A palavra nomos expressa sentido e lei. Os
gregos não utilizavam o termo auto nomos, como é empregado na Modernidade,
sobretudo a partir de Kant. Autonomia (auto nomos) é a capacidade de o sujeito dar a si
próprio o sentido de sua ação. Trata-se do duplo posicionamento do sujeito que assume
a função de legislador e de súdito das suas próprias leis. Para os gregos, o nomos é a lei
que proclama o sentido último da ação coletiva (política). Na lei está a validade
normativa extensiva a todos os cidadãos da Polis. É a lei que impõe coletivamente e,
ao mesmo tempo, expressa o núcleo comum de pertencimento assegurado pelos valores
partilhados comumente no ethos.
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A ação humana é o espaço em que a ordem da natureza não fixou uma economia
restrita, determinista. É o espaço em que o homem faz uso da sua liberdade para
construir uma ordem artificial, sempre com o olhar voltado à ordem natural. Ele sabe
que está abandonado à sua própria sorte. Nem a natureza nem os deuses Olímpicos o
auxiliam nessa empreitada de conferir ordem às suas ações pessoais, ordem à sociedade
e, ainda, construir um ordenamento jurídico.
A razão prática opera em uma zona de instabilidade e de permanente contingência,
completamente ausente da ordem natural e de qualquer princípio lógico. Nela impera a
liberdade, cabendo ao homem dela se valer para construir culturalmente sua ordem
social e jurídica. Antes mesmo de a Filosofia ganhar estatura e maturidade teórica,
Homero já alertava que a dimensão mais essencial do ser humano é a sua ação, porém, a
mais perigosa. Nele reside a capacidade de deliberação, escolha e decisão. E toda
decisão é um movimento de ação cindida nela própria que desperta escolhas. E escolhas
equivocadas podem transformar o homem no palco em que ele encena a sua própria
tragédia. Liberdade e tragédia rimam para os gregos; daí a necessidade de a ética, com
seus valores, costumes e tradições, corroborar na construção de uma ordem social e
jurídica capaz de afastar a tragédia.
O núcleo essencial da razão prática recai na ética. Aqui deve haver o cuidado de não
confundir o termo ethos da tradição grega com o termo latino mores. Até por uma
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Filosofia
Direito Teorias sociais
Razão teórica Razão prática
Ética teleológica
Ontologia Jusnaturalismo Teleologia
Ética teológica
Antropologia
Sujeito Moral deontológica Juspositivismo
Filosofia da História
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das regras internas que a própria linguagem confere. A linguagem possui um conteúdo
normativo próprio que se impõe como condição de possibilidade e, ao mesmo tempo, de
legitimidade da interação social. As normas fáticas que resultam do consenso linguístico
não são legitimadas por valores éticos, tampouco por uma razão solipsista, mas por
meio de consenso linguístico produzido com base em pressupostos normativos oriundos
da linguagem. Esta abordagem é o que se convencionou chamar de Ética do discurso e
que deu ensejo ao nascimento do paradigma da Moral Pós-convencional.
■ 1.6.4.1. Jusnaturalismo
A natureza é o ponto de referência para o jusnaturalismo, visto que ela é portadora de
ordem, cabendo ao homem ocupar uma posição justa dentro dessa ordem. A ordem
jurídica construída pelo homem deve espelhar-se na ordem natural. Na Idade Média,
compreende-se que a ordem que rege universalmente a natureza vem de Deus, portanto,
o fundamento é divino. Na Modernidade, a ordem natural é reconhecida na
subjetividade humana. É por meio da razão, parte essencial da natureza humana, que se
reconhecem os direitos naturais, os quais estão inscritos de forma racional na natureza
externa.
■ 1.6.4.3. Pós-positivismo
■A lei divina ou eterna é a própria razão de Deus, que governa toda a criação,
sendo em boa medida desconhecida pelos homens. Dela os humanos têm algumas
noções quando contemplam a obra da criação e percebem a ordem e a regularidade
da racionalidade inscrita nas coisas.
■A lei natural é uma decorrência da Lei Eterna e possível de ser compreendida pelo
homem, visto que o ser humano, por ser racional, participa da criação e consegue
reconhecer a ordem da lei eterna.
■A lei humana é a criada pelo homem para a regulação de sua vida na comunida
A lei humana é a criada pelo homem para a regulação de sua vida na comunidade
política ou Estado. Ao conceder ao homem o direito de legislar, Aquino chama
atenção para o fato de que a lei criada (positiva) não pode estar em desacordo com
a lei natural e a lei eterna. Portanto, se a lei eterna e a lei natural revelam a
disposição racional das coisas na ordem da criação, não pode a lei humana
expressar a vontade humana, antes deve apreender a disposição racional que
permite conferir o bem comum. Aquino vê o mundo disposto racionalmente, sendo
para ele a razão e não a vontade que deve aferir legitimidade à lei positiva.
Estado era uma unidade social alargada, promovida a partir de uma tendência natural de
o homem viver em sociedade. A máxima aristotélica “O homem é por natureza um
animal político” fixava a convicção de que já estava dada na essência da natureza
humana, em potência, a tendência natural de constituição da vida em coletividade.
Havia um telos na natureza do homem que o destinava à realização da vida social e
política. No paradigma antropológico, com o abandono da metafísica e da ruptura
religiosa, o homem se percebe destituído de um telos ou essência que o destina à
sociabilidade. A sociedade passa a ser justificada como obra do engenho racional do
homem, sendo uma construção artificial que depende muito mais do esforço da razão
humana do que da própria natureza. E a artificialidade que a razão apresenta para
justificar o nascimento da vida social e civil é o contrato. O direito a partir daí passa a
ser lido, explicado e tematizado em uma perspectiva contratualista.
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bem comum. Porém, havendo atitudes arbitrárias da parte do soberano, cabe ao povo o
direito de resistência (desobediência civil).
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À luz do código, competia aos operadores do direito tão somente procurar a solução
dos problemas jurídicos na literalidade expressa nos artigos do código, deixando de
considerar outras importantes fontes para o direito, como os costumes, a jurisprudência
e a doutrina. Norberto Bobbio ressalta que a “escola da exegese deve seu nome à técnica
adotada pelos seus primeiros expoentes no estudo e exposição do Código de Napoleão,
técnica que consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de
distribuição da matéria seguida pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a
um comentário, artigo por artigo, do próprio código” (BOBBIO, 2006, p. 83). A escola
da exegese representou, nesse sentido, uma limitação do trabalho da ciência jurídica e
teve enorme influência na primeira metade do século XIX.
Algumas características importantes a respeito da escola da exegese, na leitura de
Norberto Bobbio, e que ajudam na resolução de questões da prova da OAB, são:
a) A desvalorização dos direitos naturais. Não há uma negação explícita dos
direitos naturais por parte dos exegetas, porém eles acreditam que os direitos naturais
são formados por princípios absolutos, por demais vagos e abstratos, e que pouco
contribuem ao jurista quanto à sua aplicabilidade prática. É possível aferir relevância
aos direitos naturais somente quando puderem ser incorporados à lei, ao direito
positivo. A escola da exegese impugna a ideia corrente de que o direito positivo deve
se valer dos direitos naturais. Os exegetas, ao contrário, avalizam que os direitos
naturais são passíveis de concretização somente se assimilados a uma legislação
escrita (direito positivo).
b) Defendem a concepção segundo a qual a norma, para ser jurídica, deve ser
imposta pelo Estado. É a compreensão de que o direito é fruto do caráter
obrigatório imposto pelo Estado. Cabe ao legislador a tarefa de selecionar, dentre
tantas normas – éticas, morais, culturais, religiosas etc. –, aquelas que serão
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Kelsen é um pensador do século XX, porém suas ideias não podem ser lidas sem o
pano de fundo do século XIX. Uma boa síntese com o escopo de introduzir o
pensamento de Kelsen fora realizada por Gianluigi Palombella. “Se o direito até
Kelsen fora inteiramente atraído para a órbita do Estado, agora o Estado é inteiramente
atraído para a órbita do direito” (PALOMBELLA, 2005, p. 166). O Estado, para Kelsen,
é considerado produto da construção jurídica.
remeta aos direitos naturais. E, vinculado a uma teoria normativista, Kelsen quer separar
o direito do fato, a saber, separar o direito do poder. Essa separação é fundamental e
remonta a Santo Agostinho quando este indaga o que permite distinguir os
mandamentos ofertados pelo legislador das ordens dadas por um bando de ladrões. O
projeto teórico de Kelsen não deixa de ser audacioso e cumpre em sua obra mais
conhecida, Teoria Pura do Direito, a intenção de assegurar uma base científica ao
direito.
Há uma diferenciação fundamental que seguirá o pensamento kelseniano: a
separação entre normas e fatos. O direito (norma) é distinto do poder (fato). Na relação
entre normas e fatos, Kelsen faz o peso da balança pender para as normas, o que o torna,
nesse sentido, um normativista. O Estado deve ter sua atuação regulada por normas
portadoras de objetividade. Contudo, Kelsen não abre mão (não desiste) de entender o
direito como resultado da vontade do legislador, o que o coloca muito próximo ao
positivismo tradicional. Se a fonte do direito é a vontade e não a razão, então é preciso
justificar como essa vontade pode adquirir um caráter objetivo, sem correr o risco de a
mesma ser mera expressão da subjetividade manifesta em nome do Estado. Ou ainda,
em se tratando da aplicação do direito, evitar o psicologismo daquele que
instrumentalmente opera a norma ao caso concreto.
algo impensável a um sistema jurídico lógico-formal, tal como projetado por Kelsen,
que sequer admite lacunas do direito.
Se no âmbito da aplicação das normas é necessário o caráter decisório, a mesma
regra aplica-se quando a questão é relativa ao fundamento da ordem jurídica, a saber, a
legitimidade do sistema jurídico. “No topo da ordem jurídica, não se encontra nenhuma
norma, menos ainda uma norma fundamental hipotética. No fundamento da ordem
jurídica, não se descobre senão a decisão do soberano. A ordem jurídica repousa
sobre uma decisão e não sobre uma norma” (BILLIER, 2005, p. 240).
expresso na seguinte formulação: “Age de tal forma que a máxima da tua ação possa se
enquadrar em uma legislação universal”. Significa que o sujeito, antes de agir, deve
confrontar sua máxima de ação (intenção de agir) com o imperativo categórico,
verificando se aquilo que ele pretende subjetivamente realizar pode ser universalizável
e, desse modo, passível de ser objetivamente realizado por todos.
O imperativo categórico é uma regra procedimental dada pela razão que serve para
discriminar máximas subjetivas de ação, verificando quais delas são passíveis de
universalização. Quando a máxima de ação é reprovada pelo imperativo categórico, não
sendo possível sua universalização, e, ainda assim, o sujeito a pratica, significa que a
ação realizada foi uma ação imoral. A ação imoral, portanto, é a ação executada
subjetivamente, porém reprovada objetivamente pelo imperativo categórico. Quando, no
entanto, o imperativo categórico aprova uma máxima de ação, ela se torna uma lei
moral, pois assume o status de ação que pode ser praticada por todos, dispondo de
objetividade e de universalidade. Contudo, o agir de acordo com a lei moral implica
uma disposição subjetiva da vontade. Quando a ação é realizada conforme a lei moral,
mas subjetivamente o sujeito a pratica motivado por interesses outros, Kant diz que
estamos diante de uma ação legal. Quando a ação é realizada conforme a lei moral e o
agente em sua subjetividade a realiza pelo estrito dever (obrigação) de cumprir o que a
lei moral determina, então se está diante de uma ação moral. Kant demonstra haver
uma distinção fundamental entre legalidade e moralidade (vide 3.2).
A separação entre moral e direito e a sua aproximação marcam boa parte do debate
no âmbito da Filosofia do Direito. Como já vimos, um dos pilares do positivismo
jurídico é a tese da separação entre direito e moral e, inclusive, os positivistas se valem
do próprio Kant para demonstrar que o estatuto da legalidade não se confunde com o da
moralidade. Porém, entre as reações contrárias ao positivismo jurídico encontra-se a
teoria do neokantismo, que retornará a Kant para justificar a tese da correlação entre
direito e moral.
(aspecto fático). E, por último, o direito busca aferir valor, sobretudo quando assume
a pretensão de expressar a justiça (aspecto axiológico).
de direitos racionais. Ainda que não se alcance uma base segura para falar de tais
direitos, a experiência histórica conseguiu reuni-los, de forma segura, nas declarações
dos direitos do homem. Radbruch é um jurista que, ao refletir as tragédias da primeira
metade do século XX, reavivou o jusnaturalismo, defendendo a correlação entre direito
e justiça, entre direito e valores.
legislador, exercendo uma atividade destituída de legitimidade para a qual ele não foi
chamado.
Hart apresenta dois modelos de regras que compõem o sistema jurídico, a saber:
regras de conduta e regras de reconhecimento.
Regras de conduta: são regras aceitas como válidas dentro do sistema de direito, as
quais devem ser obedecidas. São chamadas de regras primárias.
■Regras de reconhecimento: são regras que incidem no critério de validade das
regras de conduta, as quais devem ser reconhecidas pelas autoridades no processo
de criação, modificação ou revogação e aplicação das regras de conduta. São
chamadas de regras secundárias.
justa a lei que for capaz de promover o bem-estar (prazer ou felicidade) ao maior
número possível de pessoas (maioria).
John Rawls, crítico contemporâneo do utilitarismo, dirá que a realização do bem-
estar da maioria não é um critério adequado de justiça, visto que pode desconsiderar ou
preterir os direitos individuais ou de minorias. O bem-estar da maioria pode aniquilar ou
desrespeitar o bem-estar individual.
Kant, que a vontade, como faculdade humana, ao agir determinada pela razão,
estará em condições de concretizar a ação moral.
Porém, a vontade humana não é perfeita, uma vez que em nós, humanos, não há uma
identificação perfeita entre vontade e razão. A vontade humana é subjetivamente
contingente e só age em consonância à determinação objetiva da razão mediante
obrigação (caráter deontológico). A mediação do imperativo categórico, enquanto
princípio objetivo e obrigante para uma vontade, consolida o perfil da vontade humana,
que não é perfeita, mas está a caminho desta. Certamente que o imperativo categórico
somente adquire sentido tendo por base a imperfeição da vontade humana. A
incompletude desta proporciona condições para que se argumente a favor da coerção
racional da vontade como caminho necessário para a realização de uma ação moral
(vide 2.11.1).
existencial querer ou não a regulação pelo direito, então o liame entre direito e correção
não deixa de apresentar-se como uma conexão conceitual que correlaciona direito e
moral. A pretensão de correção tem, pois, uma implicação existencial, uma decisão
ética, por assim dizer, ao passo que a pretensão de coerção que acompanha o direito
tem sua necessidade referendada por uma exigência instrumental de fazer prevalecer
a segurança jurídica e a eficiência do próprio sistema jurídico.
5. DIREITO E CIÊNCIA
Na Antiguidade grega, o direito era visto como área de reflexão situada no âmbito da
razão prática, e o discurso acerca da esfera jurídica era um discurso prático associado à
ética e à política. A ação ética, assim como a ação jurídica, eram muito mais
dependentes de orientações prudenciais do que propriamente de reflexões teóricas.
No contexto romano, o direito passou a ser visto como técnica de resolução de
problemas, havendo a compreensão de que seria necessário um estudo mais
aprofundado dos textos legais, assegurando-lhes coerência e, ao mesmo tempo,
autoridade para que pudessem se impor socialmente. O direito deixa de ser mera
conduta de prudência e se converte em um saber dogmático.
Na Modernidade, o direito se aproxima da ciência e passa a requerer que o conjunto
de suas leis, normas, doutrina e jurisprudência seja constituído na forma de um saber
científico. O positivismo jurídico se enquadra neste terceiro momento ao considerar que
os fatos jurídicos produzidos socialmente são semelhantes aos fatos que o cientista
observa na natureza.
Assim como o cientista mantém uma postura de observador em relação à natureza e
descreve suas descobertas de forma neutra, objetiva e avalorativa, o positivismo jurídico
também requer ao estudo do direito as mesmas caraterísticas do pesquisador das
ciências naturais. A primeira consequência dessa postura é a distinção entre fatos e
valores, devendo, pois, o fenômeno jurídico ser analisado despido de qualquer conteúdo
valorativo. O direito deve se ater aos fatos, deixando de lado a ética e os juízos de valor.
O positivismo jurídico impôs de maneira radical a separação entre direito e moral. A
segunda consequência refere-se à validade do direito, que deve se valer da própria
estrutura formal jurídica (formalismo jurídico) e não da disposição de valores para a
sua legitimidade social.
direito – também se faça presente no caso concreto? Diante da variabilidade dos casos
concretos, torna-se praticamente impossível estabelecer uma regra geral que seja capaz
de regular a aplicação da norma geral ao caso particular. Esse problema foi enfrentado
de maneira distinta pelas correntes teóricas a seguir: hermenêutica jurídica; realismo
jurídico; positivismo jurídico; e pós-positivismo.
■Hermenêutica jurídica. Aponta que a aplicação do direito, a saber, a relação que
se faz entre a norma jurídica e o fato concreto, já está inserida em uma pré-
compreensão de valores e costumes albergados no contexto histórico-social em
que o sistema de direito está localizado. O problema da hermenêutica, segundo
Habermas, por exemplo, é que a racionalidade da decisão estaria adstrita aos
valores éticos, não sendo compatível com um modelo de sociedade complexa,
como a atual, que comporta uma expressiva quantidade de valores éticos. A
racionalidade da decisão judicial ficaria reduzida ao caráter preferencial de
valores.
■Realismo jurídico. Compreende existir uma variabilidade de posições ideológicas
e políticas, além de interesses diversos dentro da sociedade, o que afetaria a
racionalidade da decisão, visto que, a depender da posição ideológica dos juízes,
os resultados fatalmente serão diferentes. Em regra, os realistas são céticos quanto
à racionalidade das decisões judiciais.
■Positivismo jurídico. Afirma que o direito é um sistema normativo, com regras e
conceitos formais próprios, que permitiria elaborar uma decisão judicial
independente de fatores extrajudiciais, tais como valores éticos (Hermenêutica) e
posições ideológicas e políticas (Realismo). A racionalidade da decisão seria
decorrência do procedimento formal e sistêmico do direito. Porém, em casos
difíceis, não resolvidos com a subsunção do caso concreto às normas, o
positivismo jurídico abre o expediente da discricionariedade do juiz.
■Pós-positivismo. Destacamos Dworkin, que critica as três correntes anteriores e
busca ir além delas. Na concepção de Dworkin, as normas são subdivididas
em regras e princípios. As regras são elaboradas pelo legislador e possuem
um caráter binário: válido e inválido. Os princípios são comandos
normativos que se impõem motivados pela justiça e a moral. Dworkin defende
que a formulação do sistema de direito incorpora pressupostos deontológicos
(justiça), não sendo o sistema todo ele condicionado à ideologia, interesses,
valores ou restrito ao formalismo sistêmico. O direito é um processo construtivo e
deve ser apreendido como um todo por aquele que o opera e a partir dele efetua a
decidibilidade.
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■ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Oliveira Mendes. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
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