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Piezas sueltas

Jacques-Alain Miller

Terceira sessão do Curso Peças Avulsas, Orientação lacaniana III, 7. 4ª feira,


01/12/2004.

Resenha: No Seminário O Sinthoma, Lacan compactua com Spinoza: pensar é


da natureza do homem e seu corpo, subjetivamente constituído, é afetado
pelos infinitos modos de pensar. O que afeta o corpo é um modo de gozo, o
pensamento falha,

portanto, Lacan especifica: se o gozo é do corpo, se a falha fatal – denominada


debilidadade –, é do pensamento, ela é consequência do corpo e de seu gozo,
logo, é uma falha na sexualidade. Para Lacan toda falha é sexual. Uma
definição lacaniana importante por que é exatamente dessa falha que se fala
numa análise.

Miller pontua o mito de Joyce como a demonstração de que cada um se deixa


tocar pela língua como uma câmara de eco – um deixar-se tocar contingencial,
traumático -, cuja desarmonia é impossível de ser consertada ou curada. Como
transformar os efeitos desse traumatismo contingencial, desse acontecimento
de corpo? O que forjar ou inventar a partir do afeto do corpo, para Spinoza, do
sintoma, para Freud e que Lacan vai modificar para sinthoma?

Joyce transformou seu acontecimento de corpo sintomático numa eternidade


que continua para além de seu corpo, um sinthoma – a obra de escrita
enigmática -, diferente do acontecimento de corpo de qualquer outro falasser.
Pode-se fazer um paralelo entre a obra de Joyce, a de Mallarmé e Yayoi
Kusama, como invenções de amarração, o quarto nó singular de cada um.

Entretanto, neuróticos analisandos, desconfortáveis em seus sintomas, os


utilizam apenas para viver. Satisfazem-se com a falha do pensar e a chamam
de alegria de viver. A análise, como um caminho para a felicidade a partir do
sintoma, leva o sujeito a encontrar um dizer no acontecimento de corpo, o
inconsciente, e, consequentemente a desapegar-se do deciframento e a
desenvolver parceria com a impotência do pensamento, com o constante
defrontar-se com o indizível. Aí, sim, há o encontro com o saber fazer com o
sintoma, o saber responder à sexualidade via sintoma.
Miller finaliza a 3ª sessão do Curso Peças Avulsas, ressaltando a possibilidade
oferecida pela psicanálise para saída do traumatismo gerado pela submissão à
linguagem, via significantização do gozo, para atingir um mais além que
consiste na diferença mais nobre de cada sujeito. Miller marca, mais uma vez,
a necessidade do sintoma como invenção sustentadora dos três registros - real,
simbólico e imaginário. Uma invenção enraizada no sintoma, uma obra, como
Joyce a construiu com seu dizer, e assim também o fez Lacan com seus
Seminários e Escritos. E por que não dizer, Miller, no presente, ao dar
prosseguimento à orientação lacaniana.

E ao chegar ao final, pode-se entender a metáfora da perna de pau, logo no


início dessa aula de Miller. A perna de pau, uma peça avulsa, tão caminhante
quanto uma perna viva, em torno da qual o corpo se forma para amarrá-la,
para lhe dar uma função.

Palavras chaves: Lacan; Spinoza; pensamento; corpo; linguagem; trauma;


gozo; falha; sexualidade; sintoma; invenção; sinthoma; psicanálise.

Claudia Aldigueri Rodriguez

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