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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


COLEGIADO DE FILOSOFIA
CURSO DE FILOSOFIA
ATIVIDADE DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - RESUMO
DOCENTE: DRA. CAROLINE VASCONCELOS RIBEIRO

ABRAÃO VINICIUS VIEIRA GUIMARÃES

Artigo: Automutilações: uma problemática dos limites

!
Os episódios de automutilação de Vincent van Gogh poderiam ser interpretados como
uma manifestação dos estados extremos de vulnerabilidade psíquica em que ele se
encontrava? Seriam atos de automutilação uma tentativa de aliviar um sofrimento
insuportável, para o qual ele não conseguia encontrar outra saída?
No artigo, as autoras destacam que a automutilação não se limita apenas a cortes
superficiais na pele, mas abrange uma série de condutas prejudiciais adotadas contra o
próprio corpo. Elas ressaltam que a pele representa a integração e a unidade do corpo quando
o indivíduo ainda não desenvolveu completamente. Nesse estágio, a pele se dá como o palco
das sensações, antes das capacidades de linguagem (simbolização e representação) se
desenvolverem. Seriam essas condutas prejudiciais à pele uma representação de traumas que
precederam a integração do eu e que podem remeter à falhas primordiais dos cuidados
destinados ao sujeito.
A vida de Van Gogh foi permeada por inúmeros estresses que culminaram em
sensações de desintegração. Ele parecia regredir a um estado de desintegração no qual não
conseguia controlar o que via e o que fazia. Ele deixava de habitar a própria pele.
No artigo, as autoras destacam que tanto nas automutilações quanto na adolescência, o
corpo assume um papel central, permitindo a liberação da excitação por meio de ações.
Segundo elas, a parte da palavra "auto" sugere uma tentativa dos sujeitos de recuperar a
atividade diante de alguma experiência anterior à qual foram passivamente submetidos
(Matha, 2010). Dessa forma, os próprios sujeitos fazem o corpo sofrer, na esperança de obter
algum controle, mesmo que precário, sobre uma dor psíquica intensa. Elas trazem
Pommereau (2006), que também aponta essa característica da automutilação como uma
tentativa de retomar uma posição ativa. As automutilações de Vincent podem indicar o
quanto ele estava sofrendo psiquicamente?
As autoras apresentam o modelo de vesícula proposto por Freud, o qual consiste “em
um dispositivo protetor contra estímulos, que nos protege contra excitações excessivas,
reduzindo sua intensidade. No entanto, quando a excitação aumenta além da capacidade da
vesícula de proteção, ela pode se romper, liberando um excesso pulsional que transborda as
possibilidades psíquicas de representação” (Cidade e Zornig, 2022, p. 4). Poderiam os
traumas e falhas ambientais sofridos por Vincent ter transbordado as possibilidades psíquicas
de representação, sendo convertidos em ataques direcionados ao próprio corpo? Seriam esses
sofrimentos psíquicos que não conseguiram ser expressos de outra forma senão por meio de
ataques ao corpo?
Diante desses sofrimentos que não conseguem ser representados e simbolizados, a
ação contra o corpo se torna predominante.
As autoras destacam que a pele está relacionada à sensorialidade e às primeiras
noções de eu, e que desde o início do psiquismo, a pele atua como mediadora entre o
ambiente e o sujeito, inicialmente ligada à sobrevivência e aos cuidados de um outro sujeito,
e somente depois relacionada à construção de funções psíquicas e ao sentimento de si. Elas
destacam que, de acordo com Anzieu (1985/2000), a pele é simultaneamente substrato
orgânico e imaginário, com a função de proteger nossa individualidade e fundamentar nossa
troca com o outro (Cidade e Zornig, 2022, p. 4). Nesse sentido, o psiquismo se baseia nessa
função reflexiva da pele para, posteriormente, desenvolver um eu consciente reflexivo, de
modo que o pensamento surge a partir do corpo. Segundo Anzieu (1985/2000), o eu-pele é a
primeira representação que o sujeito faz de si mesmo, e a automutilação sugere uma
fragilidade nessa relação de representação, indicando uma falha na constituição do eu-pele.
Para Anzieu, a pele desempenha duas funções: a de proteger e ser o limite orgânico entre o eu
e o outro, sendo o invólucro do sujeito, e a de filtrar as trocas entre instâncias psíquicas
internas e o mundo externo/mundo interno.
As autoras continuam, trazendo as contribuições de Anzieu (1985/2000), que afirmam
que a relação eu-pele se desenvolve desde a vida intrauterina e no neonato. O eu-pele envolve
o psiquismo da mesma forma que a pele envolve o corpo e os órgãos. A mãe se torna uma
fronteira para proteger o bebê e sua vida psíquica, oferecendo suporte para que o psiquismo
se integre ao corpo. No caso das automutilações, isso pode refletir que esse provimento de
proteção e segurança pode ter falhado, causando danos ao desenvolvimento do limite eu-pele,
e as falhas acabam sendo registradas no corpo.
Segundo as autoras, se a qualidade da presença do outro não foi suficiente, gerando
problemas nos vínculos e nas relações com os objetos, a capacidade do sujeito de habitar a
própria pele e de se sentir integrado e coeso pode ficar prejudicada. Elas concluem
defendendo que a automutilação é uma defesa contra a ameaça de perda do outro, que é
sentida como uma perda do próprio eu, devido a separações precoces ou faltas do objeto
primordial. O sujeito perde a capacidade de se distinguir do ambiente e de habitar a sua
própria pele.
Por fim, podemos refletir sobre a vida do pintor e questionar: até que ponto Vincent
van Gogh estava doente e desconectado do corpo que habitava? Quanto sofrimento
emocional ele carregava? Algumas das questões levantadas no artigo podem nos ajudar a
entender o sofrimento emocional que o pintor enfrentava e a automutilação que o levou a
cortar sua orelha esquerda. Podemos também questionar em que medida o aspecto somático
de Vincent estava desintegrado? Quais falhas ambientais nos primórdios de sua vida e de seu
psiquismo foram inscritas em seu corpo?

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