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Introdução

A Resolução no 75, de 12 de maio de 2009, do Conselho Nacional de Jus-


tiça (CNJ), apresenta as diretrizes normativas dos concursos públicos para
ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário
nacional. Conforme consta, a referida resolução exige que todos os con-
cursos para ingresso na carreira da magistratura disponham obrigatoria-
mente de 5 (cinco) etapas.
 primeira etapa: prova objetiva seletiva, de caráter eliminatório e clas-
sificatório;
 segunda etapa: duas provas escritas, de caráter eliminatório e classi-
ficatório;
 terceira etapa: de caráter eliminatório, com as seguintes fases:

a. sindicância da vida pregressa e investigação social;


b. exame de sanidade física e mental;
c. exame psicotécnico;
 quarta etapa: prova oral, de caráter eliminatório e classificatório;

 quinta etapa: avaliação de títulos, de caráter classificatório.

Importante aspectos a destacar refere-se às provas da segunda (primeira


prova escrita) e quarta (prova oral) etapas, as quais versarão sobre as
disciplinas constantes dos Anexos I, II, III, IV, e V (conteúdo específicos
das áreas jurídicas), e ademais, conteúdos de Formação Humanística.
Os conteúdos inerentes à Formação Humanística (Anexo VI da Reso-
lução no 75/2009 do CNJ) são cobrados em duas etapas do concurso: na
primeira prova escrita e na prova oral. Denota-se a importância que estas
disciplinas receberam no processo de seleção dos novos magistrados no
Brasil. Importa ressaltar que o procedimento classificatório do concurso
também realça a prioridade do conhecimento de Humanidades.
A Resolução, em seu artigo 7o, Seção III, dispõe a seguinte ponderação:

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I – da prova objetiva seletiva: peso 1;


II – da primeira (conteúdo de Humanidades) e da segunda prova escrita:
peso 3 para cada prova;
III – da prova oral (conteúdo de Humanidades): peso 2;
IV – da prova de títulos: peso 1.
A primeira prova escrita (2a etapa) e a oral (4a etapa), as quais contem-
plam os conteúdos de Formação Humanística, dispõem de maior peso
no concurso. Isso demonstra a importância que os conhecimentos de
Humanidades passaram a ocupar na feitura das provas para os concursos
da magistratura. Inclusive, ao se tratar de desempate, a resolução faz pre-
valecer a seguinte ordem de notas:
I – a das duas provas escritas somadas (conteúdo de Humanidades, 1a
Prova);
II – a da prova oral (conteúdo de Humanidades);
III – a da prova objetiva seletiva;
É preciso, portanto, que o candidato esteja atento para a segunda etapa
do concurso, que será composta, conforme artigo 46 da Resolução, de 2
(duas) provas escritas.
A primeira prova escrita será discursiva e consistirá:
I – de questões relativas a noções gerais de Direito e Formação Humanís-
2 tica previstas no Anexo VI;
II – de questões sobre quaisquer pontos do programa específico do res-
pectivo ramo do Poder Judiciário nacional.
E a quarta etapa do concurso, prova oral, – cujas disciplinas cobradas são
as mesmas concernentes à segunda etapa – destaca novamente o anexo
VI que contempla os conteúdos de Formação Humanística.
Seguem as disciplinas e os respectivos temas destacados no Anexo VI da
Resolução no 75/2009 do CNJ.

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Introdução

ANEXO VI
(Resolução no 75/2009 CNJ)
NOÇÕES GERAIS DE DIREITO E FORMAÇÃO HUMANÍSTICA

SOCIOLOGIA DO DIREITO
1. Introdução à sociologia da administração judiciária. Aspectos geren-
ciais da atividade judiciária (administração e economia). Gestão.
Gestão de pessoas.
2. Relações sociais e relações jurídicas. Controle social e o Direito. Trans-
formações sociais e Direito.
3. Direito, Comunicação Social e opinião pública.
4. Conflitos sociais e mecanismos de resolução. Sistemas não-judiciais de
composição de litígios.

PSICOLOGIA JUDICIÁRIA
1. Psicologia e Comunicação: relacionamento interpessoal, relaciona-
mento do magistrado com a sociedade e a mídia.
2. Problemas atuais da psicologia com reflexos no direito: assédio moral
e assédio sexual.
3. Teoria do conflito e os mecanismos autocompositivos. Técnicas de
negociação e mediação. Procedimentos, posturas, condutas e meca- 3
nismos aptos a obter a solução conciliada dos conflitos.
4. O processo psicológico e a obtenção da verdade judicial. O compor-
tamento de partes e testemunhas.

ÉTICA E ESTATUTO JURÍDICO DA MAGISTRATURA NACIONAL


1. Regime jurídico da magistratura nacional: carreiras, ingresso, promo-
ções, remoções.
2. Direitos e deveres funcionais da magistratura.
3. Código de Ética da Magistratura Nacional.
4. Sistemas de controle interno do Poder Judiciário: Corregedorias, Ouvi-
dorias, Conselhos Superiores e Conselho Nacional de Justiça.
5. Responsabilidade administrativa, civil e criminal dos magistrados.
6. Administração judicial. Planejamento estratégico. Modernização da
gestão.

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FILOSOFIA DO DIREITO
1. O conceito de Justiça. Sentido lato de Justiça, como valor universal.
Sentido estrito de Justiça, como valor jurídico-político. Divergências
sobre o conteúdo do conceito.
2. O conceito de Direito. Equidade. Direito e Moral.
3. A interpretação do Direito. A superação dos métodos de interpretação
mediante puro raciocínio lógico-dedutivo. O método de interpretação
pela lógica do razoável.

TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA


1. Direito objetivo e direito subjetivo.
2. Fontes do Direito objetivo. Princípios gerais de Direito. Jurisprudência.
Súmula vinculante.
3. Eficácia da lei no tempo. Conflito de normas jurídicas no tempo e o
Direito brasileiro: Direito Penal, Direito Civil, Direito Constitucional e
Direito do Trabalho.
4. O conceito de Política. Política e Direito.
5. Ideologias.
6. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU).

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1a Questão

(TJ/DF 1a Região – XII Concurso Magistratura – 2009)


Questão 01 – Discorra sobre a finalidade da pena como sanção espe-
cífica do direito penal, abordando as principais teorias relacionadas ao
tema, com ênfase da doutrina de Kant.

Análise da Questãox
Dentre os pontos do anexo VI da Resolução 75 do CNJ, a questão espraia-se
pelos conteúdos da área de Sociologia do Direito, com destaque no
item 2, especialmente na relação Controle social e o Direito. Cuida-se
de questão discursiva a respeito de um dos principais pontos de direito
penal. A bem da verdade, o enunciado exige a elaboração de um curto
texto versando sobre a sanção penal com ênfase na teleologia desse insti-
tuto, ou seja, nesta indagação: penalizamos o delinquente para quê? Com
esse desiderato, o candidato deverá organizar-se. Um pequeno planeja-
mento, por mais improvisado que seja, ajudará – e muito – no momento
de organizar o raciocínio para confeccionar a melhor resposta. Nesse
eito, um bom texto poderia ser dividido em três partes. Primeiro, uma
breve noção de sanção penal é ponto importante que deve anteceder a
segunda parte, consubstanciada na descrição das principais teorias que
tratam de sua finalidade. Por fim, a exposição da visão kantiana dispo-
nível na obra Metafísica dos Costumes1. Vejamos, a seguir, uma sugestão
de resposta com base na qual o candidato poderia orientar-se.

Resposta Possível
Porque um sistema sem coerção não pode ser jurídico, a sanção é

1 Boas traduções para português foram publicadas em Lisboa pela Edições 70 (dois volumes), no Brasil, pela
EDIPRO.

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medida que se impõe como consectário da conduta antijurídica. Sanções


há cíveis, administrativas e penais. Dentre estas últimas, pena é aquela
sanção imposta pelo Estado ao culpado pela prática de uma infração
penal consistente na restrição ou privação de um bem jurídico. Trata-se
de instrumento essencial no controle social.
Tomando essa noção, a sanção específica do direito penal, de um lado,
objetiva retribuir o mal decorrente da conduta contrária ao direito com
outro mal, este estabelecido conforme o direito (punitur quia peccatum
est, literalmente: pune-se porque pecou); de outro, visa a prevenir para
que o delinquente (prevenção especial) e outros cidadãos (prevenção
geral) não venham a repetir o ato delituoso (punitur ne peccetur, pune-se
para que não volte a pecar). Como se vê, a prevenção divide-se em geral,
diz respeito a toda a sociedade no sentido de motivar o cumprimento da
lei, e especial, que se direciona diretamente ao violador da norma penal,
intimidando-o quanto ao cometimento de novos delitos. Acrescente-se,
ainda, uma finalidade ressocializadora à pena, preparando o condenado
para o retorno à sociedade como dispõe o Pacto de São José da Costa
Rica2. Daí, três teorias acerca da finalidade da pena vieram a lume:
i] a que prestigia a finalidade retributiva da pena denominou-se teo-
ria absoluta, retribucionista ou da retribuição. A finalidade da pena,
com efeito, seria tão somente compensar proporcionalmente o mal
6 que o infrator provocou com o delito perpetrado. Para essa teoria
pouco importa se a pena produz efeitos outros. Enfim, o fim da pena
é o castigo, o pagamento na exata medida do mal praticado. Um
olhar para o passado. Aristóteles, na Ética a Nicômaco,3 e Kant, na
Metafísica dos Costumes, apregoam a pena como forma de restabe-
lecimento proporcional da justiça por meio da expiação do infrator.
ii] a que dá primazia à finalidade preventiva e ressocializadora da pena
denominou-se teoria relativa, finalista, utilitária ou da prevenção, se-
gundo a qual a finalidade da pena seria apenas precaver a socie-
dade de novos delitos, a desmotivar não só o delinquente apenado
por meio de sua segregação e reabilitação (prevenção específica e
ressocialização), mas também os demais cidadãos pela intimidação

2 A Comissão Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) estabelece: “As penas privativas
da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados” (art. 5o, 6).
3 A propósito da justiça corretiva, escreveu Aristóteles: “Mas a justiça nas transações entre um homem e outro
é efetivamente uma espécie de igualdade, e a injustiça uma espécie de desigualdade; não de acordo com
essa espécie de proporção, todavia, mas de acordo com uma proporção aritmética. (...) no caso em que
um recebeu e o outro infligiu um ferimento, ou um matou e o outro foi morto, o sofrimento e a ação foram
desigualmente distribuídos; mas o juiz procura igualá-los por meio da pena, tomando uma parte do ganho
do acusado” (Ét., 1.132 a 5).

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1a Questão

proporcionada em todo grupo social do qual os envolvidos fazem


parte (prevenção geral). Destarte, privilegia-se não o castigo, senão
a prática de evitar novos delitos e ressocializar o delinquente. Um
olhar para o futuro. Nesse sentido, no famigerado Dos delitos e das
penas, Beccaria sustenta que a finalidade das penas é justamente
desestimular o infrator para que não volte a delinquir e retrair os
demais para que não o façam (1993, p. 80).
iii] a que prestigia todas as finalidades mencionadas, vale dizer, retribu-
tiva, preventiva e ressocializadora, designou-se teoria mista, eclética,
intermediária, de união, unitária ou conciliatória. Como a própria
terminologia indica, trata-se de teoria que assume várias funções nos
termos acima já expostos.
O ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema misto na determinação
da finalidade da pena, como se pode facilmente perceber do teor do art. 59,
caput, do Código Penal4 e de outros dispositivos da LEP5, todos eles em con-
sonância com pressupostos do moderno Estado Democrático de Direito.
Por seu turno, a doutrina do direito alinhavada por Kant na obra Metafísica dos
Costumes deixa antever a imposição da pena como um fim em si mesmo6,
sem nenhuma outra finalidade. Kant, inclusive, critica a pena como meio para
prevenção do crime, pois aplicá-la com essa finalidade implicaria tratar o ser
humano como meio, o que contraria o imperativo categórico7. Segundo Kant, 7
pois, pune-se porque praticou o delito, e ponto final. A finalidade da pena é a pena
em si, o castigo, nada mais importa8. E a medida da punição é estabelecida no pon-
teiro da balança. Daí a estima de Kant pela lei de talião (ius talionis) quando apli-
cada pelo Estado9. Com efeito, a atual doutrina penal inclui Kant como defensor
das teoria absoluta ou da retribuição (GOMES; MOLINA, 2007, p. 664).

4 CP, art. 59 – “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do
agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.
5 LEP (Lei 7.210/1984): “Art. 1o A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão
criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”; “Art. 22.
A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade.”
6 A pena – diz Kant – “jamais pode ser infligida meramente como um meio de promover algum outro bem
a favor do próprio criminoso ou da sociedade civil. Precisa sempre ser a ele infligida somente porque ele
cometeu um crime...” (KANT, 2003, p. 174).
7 Eis a terceira formulação do imperativo categórico kantiano: “Age de tal maneira que uses a humanidade,
tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca
simplesmente como meio” (KANT, 1988, p. 69). Observo que algumas traduções em substituição ao termo
“nunca”, usam a expressão “não apenas”.
8 ‘É melhor que um homem morra do que pereça um povo inteiro.’ Se a justiça desaparecer não haverá mais
valor algum na vida dos seres humanos sobre a Terra” (KANT, 2003, p. 175).
9 “Mas somente a Lei de Talião (ius talionis) – entendida, é claro, como aplicada por um tribunal (não por
teu julgamento particular) – é capaz de especificar definitivamente a qualidade e a quantidade de punição;
todos os demais princípios são flutuantes e inadequados a uma sentença de pura e estrita justiça, pois neles
estão combinadas considerações estranhas” (KANT, 2003, p. 175).

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 Conceitos Relevantes
Imperativo categórico: enunciação da estrutura formal de nossos juízos morais10.
Cuida-se de um enunciado prático, que, diferente do teórico, não diz o que é, mas
o que deve ser. Categórico é o imperativo que expressa uma ação que deve ser
por si mesma, independente de qualquer finalidade (Imperativo categórico. In:
CAYGILL, 2000). Como se pressente, a moral kantiana, longe de ser teleológica,
é tipicamente deontológica. Em sua primeira formulação, eis o IC: age apenas
segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei
universal (KANT, 1988). É a lei moral kantiana. Toda ação possui valor moral, é boa
em si mesma, se pudermos querer que ela ser torne uma lei universal.
Metafísica dos Costumes: trata-se da denominação kantiana, em oposição à filo-
sofia especulativa (meramente teórica), da filosofia prática (conhecimento ético e
político), estabelecida a partir do dever ser, daquilo que deve ocorrer, mesmo que
não ocorra. Noutras palavras, a filosofia das ações humanas preconiza como elas
devem ser, não como são efetivamente.
Pena: sanção penal imposta pelo Estado ao culpado pela prática de uma infração
penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico de acordo com a
culpabilidade. Segundo o Código Penal, as penas são: a) privativas de liberdade
(reclusão e detenção); b) restritivas de direitos (prestação pecuniária, perda de bens
e valores, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição
8 temporária de direitos, limitação de fim de semana); c) de multa. A Constituição
proíbe as penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada; b) de caráter per-
pétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis (CF, art. 5o, XLVII).
Sanção: no âmbito jurídico, dois significados: (i) ato praticado pelo Presidente da
República após aprovação do projeto de lei (CF, art. 66, caput e § 1o); (ii) meio
coercitivo imposto pelo Direito como consequência da não observância de seus
mandamentos. Nessa segunda acepção, as sanções podem ser civis, administra-
tivas, penais; repressivas ou preventivas.
Sanção penal: consequência decorrente da violação da norma penal incriminadora.
Trata-se de sanção penal repressiva cujas espécies são: pena, medida de segurança
e medidas alternativas. Quanto à primeira, vide página anterior. Medida de segu-
rança é a sanção penal destinada ao inimputável ou ao semi-imputável de acordo
com sua periculosidade. Medidas alternativas não são penas, mas se inserem no
gênero sanções penais, pois constituem consectários da violação da norma penal,
exemplos delas são a composição dos danos civis, a transação penal e a suspensão
condicional do processo (Lei no 9.099/1995, respectivamente arts. 72 a 75, 76 e 89).

10 “Embora a representação de um objeto que comanda a Vontade seja um mandamento, a fórmula de tal
mandamento é um imperativo” (Imperativo. In: CAYGILL, 2000).

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