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Dezembro de 2022

DEBATE
DICTOMIA ESQUERDA-DIREITA

1. GASTOS PÚ BLICOS
Por quase meio século algo tem desaparecido na política de esquerda dos países
ocidentais. Desde os anos 70 a esquerda deixou de ter políticas econó micas e passou a
ser escrava do capitalismo, procurando aliviar os seus erros sem os corrigir.
Por muitas décadas, dois analistas críticos do capitalismo, Karl Marx e John Maynard
Keynes, nomes relevantes na economia, continuaram a dominar a imaginaçã o
econó mica da esquerda. MAS Marx morreu em 1883 e Keynes em 1946. A ú ltima vez que
suas ideias tiveram uma influência significativa nos governos ou eleitores ocidentais foi
há 40 anos, durante os turbulentos ú ltimos dias da social-democracia do pó s-guerra.
Desde entã o a esquerda perdeu a sua identidade econó mica e os direitistas passaram a
caricaturar qualquer argumento apresentado à reforma do capitalismo – como se esse
fosse o caminho para "voltar aos anos 70".
E, no entanto, nos ú ltimos anos, esse sistema começou a falhar. Em vez de prosperidade
sustentá vel, produziu estagnaçã o salarial, cada vez mais trabalhadores na pobreza, cada
vez mais desigualdade, crises bancá rias, o ressurgimento do populismo e a iminente
catá strofe climá tica.
Hoje reconhecemos todos que um novo ou renovado tipo gestã o pú blica mais justo, mais
inclusivo, menos explorador, menos destrutivo da sociedade e do planeta é necessá rio e
emergente.
Na crise financeira de 2008, a grande recessã o, as intervençõ es governamentais
anteriormente impensá veis desacreditaram duas ortodoxias neoliberais: que o
capitalismo nã o pode falhar e que os governos nã o podem intervir no funcionamento da
economia.
A social democracia acredita hoje, como acreditou no passado, que as intervençõ es do
estado na economia em vez de limitas e bem-sucedidas devem passar ser sistémicas e
permanentes, tendo pelo menos a capacidade para mudar a forma como o capitalismo
funciona, mesmo sem o erradicar. Deve ser uma mudança orgâ nica alocando os recursos
pú blicos conforme a inclinaçã o da sociedade sem perder de vista a proteçã o contra o
desemprego, previdência e assistência sociais, saú de, educaçã o e outros serviços bá sicos
e essenciais a qualquer sociedade pró spera.
Neste sentido, os orçamentos dos Estados, nos quais constam os seus gastos, devem
para além de garantir o bem-estar social, promover ferramentas para o
desenvolvimento macroeconó mico das naçõ es como é caso das infraestruturas, a
habitaçã o, e a mitigaçã o do desemprego. Com estas ferramentas o dinheiro investido do
governo passa a ter um efeito multiplicador. Por exemplo, se desempregados passarem
a ter emprego, terã o mais dinheiro para gastar, levando a um aumento adicional na
demanda agregada.
Para além disso e tendo por base a teses de Keynes no seu modelo do Estado de bem-
estar social acreditamos que o governo assume o papel de organizar a economia com a
dupla missã o de promover o progresso econó mico e oferecer aos cidadã os redes de
proteçã o social. Ora, isso significa que os gastos pú blicos devem incidir na saú de, na
educaçã o e na política social. O estado deve garantir direitos sociais bá sicos e atender à s
diferenças econó micas e sociais, assente no princípio da justiça social, tal como
introduzido por Jonh Rawls, nã o menosprezando aqueles que por sorte natural ou social
sã o mais desfavorecidos.

O valor essencial da liberdade sem igualdade torna-se aristocrático privilégio de uns


quantos.
Francisco Sá Carneiro

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