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RESENHA — O QUE PODE A ESCOLA?

O vídeo “Território de Partilhas Ciclo III — Abertura: o que pode a escola?” foi um
dos trabalhos organizados pelo Territória de Partilhas que propõe rodas de conversa a partir da
pergunta: “Como Voltar para a Escola?”. Na prosa em questão, o Prof. João Valdir Souza —
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais — propôs uma reflexão
a partir do tema: “O que pode a escola?”, fazendo uma trajetória da instituição escola, suas
origens, fundamentos, transformações e momentos no decorrer do tempo. O Prof. João Valdir
Souza busca responder ainda o seguinte questionamento: “De onde vem o discurso
salvacionista da escola?”. Para tal, ele divide sua fala em quatro momentos: a) o nascimento
da escola, na Idade Média; b) a consolidação da escola, na Idade Moderna; c) a crítica à
escola, no período após a Segunda Guerra Mundial; d) e por fim, a escola nos dias de hoje.
Voltando sua atenção à Idade Média, João Valdir recorre a Émile Durkheim em “A
Evolução Pedagógica” para reforçar a inerente conexão entre a escola e o cristianismo. Ele
afirma que a escola é uma criação da igreja, que nasce e se institui dentro da religião. De sua
origem, herda algumas características relevantes à discussão. A primeira é a figura do
“Mestre” associado ao Magistério, dotado de importância e respeito, a figura que viria se
tornar o professor como conhecemos. A segunda é a conexão com a palavra cristã: é inerente
que o indivíduo devoto ao cristianismo convença e converta o outro. Este ato de conversão se
dá através da palavra, que ao mesmo tempo institui este pertencimento ao universal e
contribui para a formação do bom cristão. Se na Igreja a palavra e a pregação são essenciais,
na escola isso se reflete no próprio método de ensino. Começa a se formar um cenário
reconhecível: a importância da palavra transmitida por um Mestre, o professor.
Avançando cronologicamente para a Idade Moderna, o Prof. se adianta em dizer que,
para ele, a modernidade vai além do período instituído pelo período normalmente. Ele reforça
veemente a seguinte afirmação: o que caracteriza a modernidade é a disputa de hegemonia
cultural entre o estado moderno e a igreja. Então, questiona: Como isso reverbera na escola?
Responde: imensamente. A modernidade, para ele, deve ser compreendida como um conjunto
sistemático de mudanças que tem o poder de mudar a vida das pessoas extensamente,
mudança tal que possui uma outra característica: a de resistir à passagem do tempo. O
eurocentrismo é um efeito que descreve claramente a fala do Prof. João.
Com a modernidade, surgem compreensões acerca da própria ciência, de seus
métodos e aplicações e, principalmente, do saber. É a expressão do reconhecimento da
mudança e, muito mais que isso, a visualização do controle humano sobre ela. A razão
protagoniza o debate em questão, e passa ela a ser o fato que define a igualdade entre os
homens no momento. Deste ideário da burguesia crescente, nasce outro: educação é um
direito de todos e um dever do estado. O movimento positivista assume a responsabilidade de
reivindicar esse ideal, sendo Émile Durkheim um agente importantíssimo nesse processo.
O Prof. João Valdir toca agora o período dos trinta anos após a Segunda guerra
Mundial. O avanço da ciência e a consolidação do capitalismo instigam um desejo de se
conhecer tudo em relação a escola. Depois de anos de pesquisas quantitativas em relação aos
ambientes escolares (entrada, evasão, etc), percebe-se que, ao contrário do que se esperava, a
escola reproduz a sociedade com todas as suas desigualdades. A instituição escolar é desigual
por estar numa sociedade desigual e, mesmo sendo republicana, não tratará os desiguais da
mesma forma. A crítica a essa estrutura capitalista da escola incita uma série de reflexões que
culminam em conceitos importantíssimos para a prática docente, como o de Capital Cultural.
Trata-se, segundo o Prof., de um período de contraponto à visão otimista da escola.
Finalizando sua fala, o João Valdir vira a sua atenção aos dias de hoje, em que alguns
frutos das indagações do período anterior começaram a ser colhidos: a política de cotas e as
políticas de inclusão de pessoas com deficiência, por exemplo. Mas, ele reforça que ainda há
muito caminho a se trilhar e que ainda não universalizamos a educação. Afirma que devemos
apostar na escola, mas questiona: por que nossa escola continua sendo para tão poucos?
Finaliza voltando à pergunta inicial, “O que pode a escola?” a qual responde: não há uma
resposta pontual. A escola é diversa, diversificada e desigual como a sociedade em que ela se
encontra.
A fala do Prof. João Valdir é extremamente relevante em diversos pontos. Desde sua
análise da história da instituição escola como um todo desde a dissecação dos movimentos
que a moldaram como a conhecemos hoje, é possível exportar diversas indagações. Por
exemplo: se a escola como é hoje possui herança tão carregada da igreja e do estado burguês,
é possível que ela sirva verdadeiramente a alguma esfera se não essas? É possível que uma
escola seja verdadeiramente laica se sua base é inerentemente cristã? Qual a melhor
alternativa para lidar com tais enfrentamentos? Reorganizar a escola como um todo com base
em preceitos de igualdade e de formação humana? Como a sociedade reagiria a tal mudança?
São inúmeras questões que dificilmente terão resposta imediata. O que nos resta é continuar
tentando compreender essa parte essencial da sociedade e direcioná-la para um caminho
humano e proveitoso.

Guilherme Stuhr dos Santos Lopes

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