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Filosofia e Ética

PROFESSOR
Dr. José Francisco de Assis Dias

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FICHA CATALOGRÁFICA

Coordenador(a) de Conteúdo C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.


Priscilla Campiolo Manesco Paixão Núcleo de Educação a Distância. DIAS, José Francisco de Assis.
Projeto Gráfico e Capa Filosofia e Ética.
André Morais, Arthur Cantareli e José Francisco de Assis Dias.
Matheus Silva
Editoração Maringá - PR.: UniCesumar, 2021. Reimpresso em 2022.
Produção Digital
232 p.
Fotos
“Graduação - EaD”.
Shutterstock
I. Título.

Impresso por: CDD - 22 ed. 342.08


CIP - NBR 12899 - AACR/2
ISBN 978-65-5615-558-6

Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

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avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade,
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mente para que nossa educação à distância continue
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como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre
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a educação de qualidade nas
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profissional, o emocional e o espiritual. formando profissionais
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qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, for- o desenvolvimento de uma
mando profissionais cidadãos que contribuam para o sociedade justa e solidária.
desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”.
Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio impor-
tante para o cumprimento integral desta missão: o
coletivo. São os nossos professores e equipe que
produzem a cada dia uma inovação, uma transforma-
ção na forma de pensar e de aprender. É assim que
fazemos juntos um novo conhecimento diariamente.

São mais de 800 títulos de livros didáticos como este


produzidos anualmente, com a distribuição de mais
de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nos-
sos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700
polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina,
Ponta Grossa e Corumbá), o que nos posiciona entre
os 10 maiores grupos educacionais do país.

Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima


história da jornada do conhecimento. Mário Quin-
tana diz que “Livros não mudam o mundo, quem
muda o mundo são as pessoas. Os livros só
mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportu-
nidade de fazer a sua mudança!

Reitor
Wilson de Matos Silva
Dr. José Francisco de Assis Dias

De longa data não mais se discute a importância da filoso-


fia para a formação do jurista e nos últimos tempos, dada
a complexidade da sociedade do século XXI o conheci-
mento da filosofia e os métodos para o desenvolvimento
do pensamento filosófico adquiriram uma importância
ainda maior.

De forma mais específica é fundamental analisar a filo-


sofia a partir da ideia de uma Filosofia do Direito, campo
de análise este, que procura dar a formação do jurista
uma visão e conhecimento associado diretamente com
o exercício de sua atividade, sendo assim, concentra-se o
Curso no estudo de uma teoria da justiça, desde o mun-
do clássico grego, até chegar finalmente das teorias do
século XX e XXI.

Outro conhecimento importante e que se constitui numa


das divisões da grande área do conhecimento nominada
como Filosofia é a Ética, mas no caso deste Curso, o princi-
pal objetivo é a ética necessário ao exercício da atividade
jurídica de uma forma geral.

O presente material didático se propõe a introduzir o Aca-


dêmico na filosofia, mas expondo uma visão específica da
filosofia, que é a Filosofia do Direito.
REALIDADE AUMENTADA PENSANDO JUNTOS

Sempre que encontrar esse ícone, Ao longo do livro, você será convida-
esteja conectado à internet e inicie do(a) a refletir, questionar e trans-
o aplicativo Unicesumar Experien- formar. Aproveite este momento.
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plore as ferramentas do App para
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e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
RODA DE CONVERSA

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NOVAS DESCOBERTAS
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de maneira interativa usando a tec-
PÍLULA DE APRENDIZAGEM
nologia a seu favor.
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CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

1
9 2
23
POSITIVISMO A RELATIVIDADE
JURÍDICO E DO CONCEITO DE
EPISTEMOLOGIA JUSTIÇA

3
35 4
47
MODERNAS MODERNAS
TEORIAS DA TEORIAS DA
JUSTIÇA: JUSTIÇA: JEREMY
ROUSSEAU E KANT BENTHAM E JOHN
STUART MILL

5
59
TEORIAS
COMTEMPORÂNEAS
DA JUSTIÇA: JOHN
RAWLS
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

6
71 7
83
TEORIAS TEORIAS
COMTEMPORÂNEAS CONTEMPORÂNEAS
DA JUSTIÇA: DA JUSTIÇA:
RONALD DWORKIN AMARTYA SEN

8
95 9
106
FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS
FILOSÓFICOS DA FILOSÓFICOS DA
FORMAÇÃO DA FORMAÇÃO DA
CULTURA MODERNA CULTURA MODERNA
OCIDENTAL: BARUCH OCIDENTAL: FRIEDRICH
SPINOZA NIETZSCHE

10
119
ÉTICA E JUSTIÇA
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

11
131 12
143
DEONTOLOGIA PRINCÍPIOS DA
JURÍDICA DEONTOLOGIA
JURÍDICA

13
159 14
173
ADVOGADO CÓDIGO DE ÉTICA
E DISCIPLINA DA
OAB

15
189 16
207
A MAGISTRATURA MINISTÉRIO
PÚBLICO
Positivismo
jurídico e
epistemologia
Dr. José Francisco de Assis Dias

• Introduzir os acadêmicos ao estudo dos fundamentos filosóficos da for-

mação da Cultura Moderna Ocidental, partindo do Positivismo Jurídico e

da Epistemologia Jurídica.
UNIDADE 1

O presente Capítulo tem como proposta inicial tratar das questões perti-
nentes ao surgimento e desenvolvimento do positivismo jurídico, assim como,
apresentar uma definição sobre o campo de estudo da Filosofia do Direito.
Com o desenvolvimento do positivismo jurídico, ao mesmo tempo em que
a solução de inúmeros problemas fora apresentada, como, por exemplo, os pro-
cedimentos técnicos necessários para que o Direito possa ser reconhecido como
uma ciência, outros problemas começam a se apresentar, pois a concepção de
Direito Natural perde influência em detrimento á ideia de Direito Positivo, ou
melhor dizendo, direito escrito.
O desenvolvimento do Estado Moderno também contribui para o Direito
Moderno sofresse inúmeras mudanças e ampliasse o seu campo de participação
no desenvolvimento da sociedade moderna.

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UNICESUMAR

O que é a Filosofia do Direito?

Segundo o grande jurista italiano Pizzorni, a resposta mais elementar à per-


gunta sobre o que é a Filosofia do Direito é a seguinte: Filosofia do Direito é o
estudo filosófico do Direito [Cf. PIZZORNI, 1982, p. 14].
Esta resposta pressupõe duas noções prévias: a noção de “Filosofia” e de “Di-
reito”. Podemos considerar a Filosofia como uma reflexão profunda e rigorosa
sobre a atividade teórica ou também prática do homem em vista de compreender
a sua própria natureza, a razão do “ser” e as finalidades de todas as coisas.
Classicamente a Filosofia é o conhecimento certo e evidente (ou a pesquisa)
das causas últimas (ou dos porquês ou razões últimos) das coisas, feitas à luz
da razão: “cognitio certa et evidens rerum per ultimas causas, lumine rationis
comparata” [PIZZORNI, 1982, p. 14].
Manzoni (1785-1873) definiu a Filosofia como a ciência dos subentendidos,
isto é, das coisas comuns das quais todos os homens falam: Deus, homem, mun-
do..., pressupondo sempre o seu significado ou a sua definição.
O homem comum, não “filósofo”, possui a ideia do Direito como de uma
experiência vivida e de um complexo de regras ou de leis, de disposições codi-
ficadas e impostas por uma Autoridade, punindo quem as transgride; tornando
possível a existência pacífica da Sociedade.
Podemos, portanto, definir o Direito como um sistema normativo, regulador
da vida social, como a realização de uma convivência ordenada [Cf. PIZZORNI,
1982, p. 15].
As dificuldades que surgem são as seguintes:
- depois de tanto “positivismo” imperante em todos os campos do pensa-
mento humano, e diante do conhecimento mais rigoroso e verdadeiro que é a
Ciência, seria ainda possível falarmos de um conhecimento filosófico do Direito?
- o Direito existe verdadeiramente ou seria reduzível a outra forma de con-
trole da conduta humana, tais como a moral, a política e a economia?
- o Direito ainda é “aceitável” ou é um sistema repressivo incompatível com
a Dignidade da Pessoa Humana, que deve ser repudiado com vigor ou abolido
para sempre?
Pizzorni argumenta com clareza:
- alguns cientistas negam a Filosofia e falam somente de Ciência do Direito,
que estuda o Direito em sentido particular – “quid juris”, e não o Direito em

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UNIDADE 1

sentido universal – “quid jus”;


- alguns filósofos negam o Direito e falam somente de Filosofia da Moral,
reduzindo o Direito à Moral, à Política ou à Economia, enfim, à sua “utilidade”;
- negando-se a utilidade do Direito, a Filosofia se reduziria a propugnar o
desaparecimento do seu objeto próprio e, portanto, de si mesma [Cf. PIZZORNI,
1982, p. 15].
Antes de respondermos à pergunta sobre “o que é a Filosofia do Direito”,
precisamos demonstrar:
- a sua legitimidade como Filosofia verdadeira: esta legitimidade nós a con-
sideramos como “postulado”, ou seja, como pressuposto;
- depois devemos colocar o problema da “autonomia” do Direito em relação
às outras “formas” de controle da conduta humana, especialmente da Moral;
- sem, porém, negligenciar a necessidade do Direito para a vida do homem
em sociedade.
Fazemos uma verdadeira Filosofia do Direito somente quando pesquisamos
as causas últimas ou universais do Direito: O quê é o Direito e quais são as suas
propriedades essenciais? Qual são o objeto e o sujeito do Direito? Quais são as
causas e a finalidade do Direito?
As principais questões teóricas da Filosofia do Direito são: determinar a na-
tureza do Direito; estudar as questões que o conceito de Direito evoca; remontar
ao fundamento do Direito; estabelecer a finalidade do Direito: a Justiça e o bem
comum [Cf. PIZZORNI, 1982, p. 16].
Com Antônio Rosmini, pai italiano da Filosofia do Direito, podemos reduzir
as tarefas teóricas da nossa disciplina, entendida como a Ciência da Justiça [Cf.
ROSMINI, Filosofia del diritto, vol. I, p. 12] a apenas três:
- primeira, determinar os princípios do Direito e os direitos humanos que
dele derivam: podendo ser chamada de “Direito Natural” ou “Racional”;
- segunda, aplicar o Direito Natural às leis positivas e sua viabilidade: poden-
do ser chamada de Teoria das Leis Positivas;
- terceira, aplicar a teoria das leis positivas aos vários ordenamentos jurídicos
dos Estados, avaliando se são leis justas ou injustas: pode ser chamada de Crítica
das leis Positivas [Cf. ROSMINI, Filosofia del diritto, vol. I, p. 16]: “A filosofia do
direito é a vida das leis positivas e da arte da jurisprudência”.
Também para Vanni (1855-1903) três são os problemas da Filosofia do Di-
reito:

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UNICESUMAR

- primeiro problema é o “saber”: pesquisa crítica, que indaga sobre a natureza


do Direito;
- segundo problema é o “ser”: pesquisa fenomenológica, que estuda as trans-
formações do Direito na história da humanidade;
- terceiro problema é o agir: pesquisa ética e deontológica, enquanto diante
do Direito positivo surge a necessidade de uma avaliação [Cf. PIZZORNI, 1982,
p. 17].
O jurista e filósofo italiano Del Vecchio (1878-1970) nos fala dessas três pes-
quisas fundamentais:
- a pesquisa lógica – a definição e conceituação universal do Direito;
- a pesquisa fenomenológica – o desenvolvimento histórico do Direito;
- a pesquisa deontológica – julga e avalia o Direito positivo segundo a virtude
da Justiça ou Direito Natural.
Del Vecchio define a Filosofia do Direito como a disciplina que define o Di-
reito na sua universalidade lógica, pesquisa as origens e os caracteres gerais do
seu desenvolvimento histórico, e o avalia segundo o ideal da justiça deduzido da
pura razão [Cf. DEL VECCHIO, 1965, pp. 192-194].
Segundo Graneris (1888-1981) são também três os grandes problemas da
Filosofia do Direito:
- o problema lógico – a pesquisa da noção e definição, que nos indica os ele-
mentos constitutivos de todo Ordenamento Jurídico; pesquisa das causas formal
e material do Direito;
- o problema ontológico – a pesquisa da causa “eficiente” do Direito, isto é, a
busca pela fonte da qual o Direito tira a sua primeira origem e o seu valor;
- o problema deontológico – a pesquisa do método jurídico, do qual o Direito
recebe a medida da própria perfeição. [Cf. GRANERIS, 1961, pp. 1-3]
Após estas considerações podemos afirmar que o Direito é “Lei”, ditame de
razão que dirige a ação e regula o viver humano em sociedade civil . O seu le-
gislador imediato é o homem, segundo os imperativos da sua razão prática e
as exigências das suas relações civis. A chamada “lei natural” é constituída pela
mente – est aliquid per mentem constitutum – como expressão de vida huma-
na, fórmula de necessárias relações civis, eco em forma de império da natureza
racional do homem [Cf. PIZZORNI, 1982, p. 18].
O Direito é o “justo” – justum; é aquilo que se conecta necessariamente com
a “humanitas” (“humanidade”, essência humana), com a “natura hominis” (na-

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UNIDADE 1

tureza humana). “Justo” é aquilo que é “bem” para que o homem possa realizar
plenamente a sua humanidade, ou seja, sua racionalidade que se expressa na sua
inteligência e liberdade.
Não é possível uma adequada investigação da “lei” e do Direito sem remontar
aos mais árduos problemas filosóficos de todos os tempos. A Metafísica, tratado
da Filosofia que estuda as realidades que superam a natureza física, estabelecerá o
fundamento do Direito; a Metafísica é a “ciência” que conduz o espírito humano
àqueles conceitos basilares de “ser”, “verdade”, “finalidade”, “bem” e “justo”, sem
os quais não existe ciência moral e nem jurídica [Cf. PIZZORNI, 1982, p. 18].
Na primeira metade do século XIX, o Direito Natural foi considerado como
puro “nome”, produto cultural inautêntico e a priori, baseado em esquemas ra-
cionais e teológicos deteriorados a serem repudiados e ignorados totalmente.
Nas Universidades Europeias, mudou-se o nome da disciplina acadêmica
Juris Naturalis Scientia – Ciência do Direito Natural – para “Filosofia do Direito”,
porém, partindo-se do pressuposto que não se deveria considerar no Direito o
ideal abstrato, mas somente o fato histórico-positivo-jurídico, ou seja, a “Lei Po-
sitiva”, o Direito “posto”, não se fez “Filosofia do Direito” nem “Ciência do Direito”,
mas sim uma grotesca “Fenomenologia do Direito”: pura descrição do fenômeno
jurídico [Cf. PIZZORNI, 1982, p. 18-19].
O problema do “Direito Natural”, essencial para a Filosofia do Direito, acom-
panhou a Humanidade em todo o seu curso histórico. Se a Filosofia do Direito
não chegar ao conceito de “Justo Natural” não justificará plenamente o Direito
Positivo e não será verdadeira “Ciência”.
Concluamos este item com as palavras esclarecedoras de Ahrens (1808-1874),
afirmando que a Filosofia do Direito é a ciência que expõe os primeiros princí-
pios do Direito concebidos pela razão e fundados sobre a natureza do Homem,
considerada em si mesma e nas suas relações com a ordem universal das coisas. A
humanidade crê firmemente à existência de certos princípios de justiça indepen-
dentes das leis e das instituições positivas, próprios a servir de base e aos juízos que
são trazidos sobre estas, e às reformas de que são capazes. Ora desta crença intima-
mente ligada às convicções gerais que os homens se formam sobre a ordem moral
do mundo e sobre a causa suprema, que foi a leva mais potente de todo progresso
social, o ponto luminoso que no passado ilumina o caminho da humanidade, e no
futuro faz intraver uma ordem social mais conforme aos princípios de verdade, de
bem e de justiça, repete a sua origem a Filosofia do Direito [AHRENS, 1855, p. 1].

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UNICESUMAR

Legitimidade da Filosofia do Direito

O problema da legitimidade da Filosofia do Direito analisa se a Filosofia do


Direito, que existe “de fato”, exista também “de jure”; ou seja, se o encontro entre
Filosofia e Direito seja cientificamente atuável em modo a constituir ao inter-
no das ordens filosófica e jurídica um terceiro saber: a Filosofia do Direito [Cf.
COMPOSTA, 1991, p. 26].
A Filosofia, pela sua busca do conhecimento universal, não pode limitar-se
ao estudo do “ser” em geral (ou seja, Ontologia), e nem mesmo daqueles “seres”
particulares como o homem (ou seja, Antropologia) e nem dos “corpos” naturais
(ou seja, Cosmologia).
A Filosofia do Homem não colhe somente os valores mais universais da vida
moral (ou seja, Ética), mas impulsiona o seu intuito também em setor ainda mais
particularizado da Arte, História, Religião, Economia, etc. Não é estranho a estes
interesses humanos o discurso sobre o Direito, porque nele se revela o duplo
aspecto do Homem enquanto “individuo” e “sociedade”. A Filosofia explora em
nível filosófico o dado jurídico: uma descida do “geral” ao particular da vida
humana [cf. COMPOSTA, 1991, p. 27].
A Ciência do Direito, ao contrário da Filosofia, tem como interesse a Lei.
Muitos juristas depois de ter escrutado as disposições legais estatais e de tê-las
comparado com outros ordenamentos jurídicos, sentem necessidade de “elevar-
-se” a um “Direito Ideal”, que fosse “o” Direito por antonomásia. As várias disci-
plinas do Direito tendem, portanto, ao universal por ascensão [Cf. COMPOSTA,
1991, p. 27].
Cícero (Marcus Tullius Cicero, 106-43 a.C.), filósofo, orador, escritor, advo-
gado e político romano, no seu De Legibus, considerava não ser possível uma
adequada investigação sobre as leis sem acesso aos mais complexos problemas
da Filosofia.
Se examinarmos separadamente as exigências da Filosofia e da Ciência do
Direito, parece justificada a legitimidade de uma Filosofia do Direito, mas se
aproximamos as mentalidades dos filósofos e dos juristas, dificilmente encon-
traremos concordância. Não é raro nos depararmos com declarações de mútua
desconfiança e acusações: os filósofos juristas são acusados de formular uma
“Filosofia” pseudojurídica, e os juristas são acusados pelos filósofos de construir
teorias jurídicas pseudofilosóficas. O filósofo e jurista italiano Composta, coloca

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UNIDADE 1

uma pergunta intrigante: é possível uma Filosofia do Direito que seja verdadei-
ramente “filosófica” e “jurídica”? [Cf. COMPOSTA, 1991, p. 28].
Uma resposta exaustiva a esta pergunta não podemos dar aqui, mas podemos
estabelecer o quanto segue:
- o conhecimento do Direito não é privilégio do jurista;
- é provável que a problemática do jurista divirja daquela do filósofo: o objeto
comum é considerado sob prismas diferentes, por causa da formação científica
e psicológica;
- a Filosofia do jurista não se eleva acima de uma Teoria Geral do Direito, que
por definição não é filosófica;
- a transcendência dos fatos e das normas jurídicas é indicada pelos orde-
namentos jurídicos; as ciências jurídicas se sentem perdidas, não sendo capazes
de formular as últimas razões a partir da estrutura do fenômeno jurídico: esta é
tarefa da Filosofia [Cf. COMPOSTA, 1991, p. 29].
Dario Composta crê que da delimitação das tarefas entre a Ciência Jurídica e a
Filosofia do Direito, derive garantia de segurança e acuidade científica a ambos os
saberes; e que somente a Filosofia é capaz de esclarecer os últimos interrogativos
da realidade jurídica; somente a ela compete de jure o estudo do fundamento do
Direito [Cf. COMPOSTA, 1991, p. 30].

A Relação entre Direito Natural e Direito Positivo

Até o final do século XVIII, os juristas e pensadores individuavam duas espé-


cies de Direito: Direito Natural e Direito Positivo. Estas duas espécies não eram
consideradas diversas quanto à sua “qualificação”, mas eram postos em níveis
axiológicos diversos [Cf. BOBBIO, 1996, p. 13].
Em período clássico, o Direito Natural não era considerado superior ao Di-
reito Positivo, o Direito “posto” pelo legislador humano. O Direito Natural era
concebido como Direito Comum – Aristóteles o chamava Koinós Nómos – e
o Direito Positivo, considerado “especial” ou particular de uma determinada
Civitas – Estado.
Em base ao princípio pelo qual o Direito particular prevalece sobre aquele
geral – Lex specialis derogat generali – o Direito Positivo prevalecia sobre o Di-
reito Natural todas as vezes que acontecesse um conflito insanável entre eles [Cf.

16
UNICESUMAR

BOBBIO, 1996, p. 13-14].


Na Idade Média, essa relação de submissão jurídica se inverteu: o Direito
Natural foi considerado superior ao Direito Positivo, enquanto não é visto como
simples “Direito Comum”, mas como norma fundada na vontade divina e trans-
mitida por Deus à razão humana: a Lei escrita por Deus no coração dos homens.
Esta concepção do Direito Natural encontrou sua consagração na definição
que dele é dada no Decretum Gratiani (ou Concordia Discordantium Canonum
- Concordância das Discordâncias dos Cânones), do monge italiano Graciano,
jurista e teólogo, que viveu entre os séc. XII-XIII. Seu Decreto é a primeira gran-
de coletânea de Direito Canônico, que constituirá a primeira parte do chamado
Corpus Juris Canonici, em vigor na Igreja até a promulgação do Codex Juris
Canonici, de 1917. Graciano afirma: Jus naturale est quod in Lege et in Evangelio
continetur – “O direito natural é aquele contido na Lei Mosaica e no Evangelho”.


“Em período clássico, o Direito Natural não era con-
siderado superior ao Direito Positivo, o Direito “posto”
pelo legislador humano.”

Desta concepção derivou a tendência permanente no pensamento filosófico


a considerar o Direito Natural superior ao Direito Positivo, posto pelos homens.
Esta superioridade é afirmada no próprio Decretum Gratiani, onde se lê: Dig-
nitate vero jus naturale praeponitur legibus ac constitutionibus ac consuetudi-
nibus – “A dignidade do Direito Natural verdadeiramente se sobrepõe às leis,
constituições e costumes [apud BOBBIO, 1996, p. 14].
Segundo Bobbio, o Positivismo Jurídico é uma concepção do Direito que
nasce quando “Direito”, em sentido próprio, é considerado somente o “Direito”
posto, aquele “positum”, posto, pelo Legislador humano: redução do “Direito”
ao Direito Positivo. O “Direito Natural” foi excluído como categoria jurídica:
o Direito Positivo foi considerado o único verdadeiro “Direito” [Cf. BOBBIO,
1996, p. 14-15].

Características do Positivismo Jurídico

Segundo Norberto Bobbio, nós podemos evidenciar sete problemas jurídicos

17
UNIDADE 1

que caracterizam a doutrina do Positivismo Jurídico, a saber:


- primeiro, o modo de aproximar-se ao estudo do Direito: o Positivismo con-
sidera o Direito como um complexo de fatos e não como um valor, por isto o
jurista deve estudá-lo do mesmo “modo” em que o cientista estuda a natureza,
abstendo-se de formular juízos valorativos [Cf. BOBBIO, 1996, p. 129].
- segundo, a definição do Direito: o Positivismo define o Direito em função
do elemento da coação de onde deriva a Teoria da Coatividade do Direito.
- terceiro, as fontes do Direito: o Positivismo considera o Direito sub specie
legis – “sob o aspecto da Lei”; esta teoria comporta a exclusão da consuetude
contra legem – “contrária à lei”, admitindo somente a secundum legem – “em
conformidade com a Lei” e, eventualmente, a praeter legem – “além da Lei”; ainda
enfrenta o problema das fontes chamadas “presumidas” ou “aparentes”, tais como
a equidade e a natureza das coisas.
- quarto, a Teoria da Norma Jurídica: o Positivismo considera a norma como
um “comando”, um “imperativo” [Cf. BOBBIO, 1996, p. 130-131].
- quinto, a Teoria do Ordenamento Jurídico: considera a estrutura do com-
plexo de normas jurídicas vigentes em uma Sociedade, afirmando a teoria da
coerência e da completude do Ordenamento Jurídico.
- sexto, o método da ciência jurídica: o Positivismo afirma a teoria da inter-
pretação mecanicista, que faz prevalecer o elemento “declarativo” sobre aquele
produtivo ou criativo do Direito [Cf. BOBBIO, 1996, p. 131].
- sétimo, a Teoria da Obediência: o Positivismo elabora a teoria da obediên-
cia absoluta da lei enquanto tal: dura Lex, sed Lex (A Lei é dura, mas é Lei) [Cf.
BOBBIO, 1996, p. 132].
Com Bobbio ainda podemos considerar o Positivismo Jurídico sob três as-
pectos diferentes: como “método” de estudo do Direito; como “teoria” do Direito;
e como “ideologia” do Direito.
1ª O Positivismo Jurídico como ideologia: o “positivismo ético”.
2ª O Positivismo Jurídico como teoria: esta teoria se fundamenta sobre a
concepção do ordenamento jurídico, compreendendo os princípios da coerência
e da completude do Direito [Cf. BOBBIO, 1996, pp. 248-249].
3ª O Positivismo Jurídico como método: o método positivista é pura e sim-
plesmente o “método científico”, acolhido para se fazer “Ciência Jurídica” ou “Teo-
ria do Direito”, do contrário se faria apenas “ideologia” do Direito [Cf. BOBBIO,
1996, p. 248-250].

18
UNICESUMAR

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


A Lei posta pelo Legislador é sempre justa?
No caso de a Lei positiva ser “injusta”, onde buscar os critérios para afirmar
seu “valor” efetivo?
É possível fundamentar epistemologicamente a Filosofia do Direito? Qual
sua importância na formação jurídica do operador do Direito?

Leitura Complementar

BOBBIO, Norberto. O positivis- REALE, Miguel. O direito como


mo jurídico: lições de filosofia do di- experiência: (introdução à epistemo-
reito. São Paulo: Icone, 2006. 239 p. logia jurídica). 2. ed. São Paulo: Sarai-
va, 1992. 294p.

Saiba mais

Academia - Positivismo jurídico e a teoria geral do direito:


http://www.youtube.com/watch?v=4PXJ9EnLL_0
Epistemologia Jurídica - PauloSeniseLisboa
http://www.youtube.com/watch?v=k8u-lmkyhW4

19
UNIDADE 1

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre o Positivismo Jurídico e Epis-
temologia, Fundamentos Filosóficos da Formação da Cultura Moderna Oci-
dental, nós nos ativemos a apresentar elementos introdutórios sobre a Filosofia
e o Direito, em vista de distinguirmos entre “Ciência do Direito” e “Filosofia do
Direito”.
Foi possível também fazermos, mesmo que sumariamente, uma justificati-
va da legitimidade epistemológica da Filosofia do Direito, passando por uma
apresentação crítica do “Direito Natural” e do “Direito Positivo”; chegamos às
principais características do Positivismo Jurídico.

20
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Conceitue “Filosofia”, “Direito” e “Filosofia do Direito”.

2. Justifique a legitimidade epistemológica da Filosofia do Direito.

3. Conceitue criticamente “Direito Natural” e “Direito Positivo”.

4. Apresente as principais características do Positivismo Jurídico.

21
A Relatividade
do Conceito de
Justiça
Dr. José Francisco de Assis Dias

• Introduzir os acadêmicos ao estudo da Justiça, partindo das principais

questões e conceitos básicos sobre o Justo, o Seu, Atos Justos e Ordem de

Justiça; sem negligenciar sua relatividade conceitual; podendo chegar a

uma ontologia da Justiça e aos elementos para uma definição do Direito.


UNIDADE 2

A proposta deste capítulo é tratar de um tema muito caro e específico da


Filosofia do Direito, que é a construção de uma teoria da justiça.
O desenvolvimento deste Capítulo consistirá num recorte transversal ao
longo da história da filosofia e do direito, procurando compreender o conceito
de justiça no mundo clássico grego e romano, passando pela medievalidade e
finalmente chegando na modernidade.
Ainda neste mesmo Capítulo, a proposta é procurar compreender a ontologia
da ideia de justiça, sua relação com o Direito e finalmente, qual o papel do homem
nesta construção filosófica.

24
UNICESUMAR

Introdução ao Estudo da Justiça

Segundo o jurista italiano Dario Composta, a Filosofia do Direito se ocupa de


uma Ontologia peculiar, ou seja, do estudo do Universo Jurídico. Esta ontologia
jurídica não é geral, mas compreende uma Metafísica da “Ordem” jurídica natu-
ral, uma Metafísica da “lei” natural e também Metafísica dos “direitos” naturais
da Pessoa humana.
Essa Metafísica jurídica deixa em aberto outro estudo jurídico-filosófico que
Composta chama de Diceologia: a parte da Filosofia do Direito que se ocupa da
“Justiça”. Sobre a “Diceologia” devemos considerar:
- a justiça enquanto Justum – justo – não é superior ao próprio Direito Na-
tural, mas o pressupõe;
- a justiça enquanto “virtude cardeal” se liga à Moral; todavia se distingue da
“prudência”, da “fortaleza” e da “temperança”, enquanto realiza a moral renden-
do-a legal [Cf. COMPOSTA, 1994, p. 217].
“Justiça” é um conceito transcendente e analógico: transcendente é o conceito
de “Ente”, de “Verdadeiro”, de “Bem”. A transcendência da Justiça se explica através
da analogia, porque a obrigatoriedade da Justiça não se atua em modo “unívoco”,
mas por proporção e por diferentes inter-relações. A Justiça participa do “ethos”
– costume – humano e é, por sua natureza, “de-ontologia”. Como afirma o juris-
ta italiano Del Vecchio, se a obrigatoriedade da Justiça moraliza o Direito, isto
acontece pela legalização da moral [DEL VECCHIO, 1946, p. 46].

O Conceito de Justiça no Mundo Pré-cristão

A Justiça é uma virtude que supõe um modo de viver organizado em socie-


dade. Ela é eminentemente altruísta. Segundo Composta, os antigos indianos
unem o conceito objetivo cósmico de rhitam àquele antropológico de satyam
ou Sattvam, ou seja, “verdade”; assim também os egípcios.
Junto aos hebreus a concepção da Justiça – sedeq – se une à misericórdia de
Deus (Cf. Salmos, 118, 34, 49ss); mas não falta a exigência de uma estreita retri-
buição no sentido grego de Dikaiosyne e na acepção da Justitia romana como no
livro de Tobias ou no Levítico.
O sentido sacral da Justiça se encontrava já junto aos filósofos Pitagóricos:

25
UNIDADE 2

pensaram as figuras geométricas como símbolos para determinar o valor da Jus-


tiça. Os Gregos veneravam a deusa Themis como tutora da Justiça [Cf. COM-
POSTA, 1994, pp. 218-219].
O oposto da Justiça é a hybris, que aparece junto aos gregos trágicos e líricos.
A doutrina de Platão (428/427-348/347 a.C.), na República, apresenta Sócrates
levantando algumas teses sobre a Justiça:
- Justiça é dizer a verdade e restituir aos outros aquilo que a eles é devido (Cf.
República, 321d);
- Justiça é render a cada um aquilo que lhe se deve, como havia afirmado
Simônides (Cf. República, 322 c).
Platão reconhece que as relações privadas se fundamentam na ideia de Polis
– Estado: “cada um faça o próprio dever” (Cf. República, 433a). O conceito da
Justiça como restituição aparece no diálogo platônico Político (Cf. Político, I,
333d, 331), mas a Justiça se refere também aos estrangeiros, principalmente no
âmbito da verdade (Cf. Político, 331c).
Composta observa que para Platão a Justiça é a virtude perfeita – teleîa, por-
que é o coroamento das outras três virtudes: “prudência” – virtude dos políticos;
“fortaleza” – virtude dos guerreiros; “temperança” – virtude dos artesãos. Platão
subordina a Moral à Política, como subordina as três virtudes menores à Justiça
[Cf. COMPOSTA, 1994, p. 220].
Aristóteles (384-322 a.C.), por sua vez, na Ética a Nicômaco, distingue uma
Justiça Geral e uma Justiça Particular, subdividida em “comutativa” e “distribu-
tiva”.
A Justiça Geral é uma virtude total ou holística – hóle – porque pode servir-se
das outras virtudes ao escopo de atingir o “bem comum”. A Justiça Comutativa
regula a troca – synállagma – dos bens e dos serviços e a reciprocidade – antipe-
ponthós – junto à Justiça Distributiva – e convenções voluntárias e involuntárias
[Cf. COMPOSTA, 1994, p. 220].
Aristóteles admite que a Justiça se exercita em uma Sociedade politicamente
organizada, mas admite também que existe uma Justiça pré-positiva ou Justum
Naturale – díkaion physikón (Cf. Ética a Nicômaco, V, 1134). Plotino sublinhou
o caráter subjetivo da doutrina aristotélica:

A verdadeira Justiça em si não é outra coisa que pura relação de uma unida-
de com si mesma; tal, que nela não exista uma parte e outra parte. Conclusão:

26
UNICESUMAR

também para a alma Justiça (entendo esta maior Justiça) é mover o próprio ato
rumo o Espírito. [PLOTINO, Enneade, I, 2, 6 Bari, 1647]

A concepção romana da Justiça é mais perfeita do que aquela grega porque


não se refere àquilo que se pode “exigir”, mas àquilo que se “recebe”, independen-
temente da sua vontade [cf. COMPOSTA, 1994, p. 221].

O Conceito de Justiça na Idade Média e Moderna

Lactâncio (Lucio Célio Firmiano Lactâncio, 240-320 d.C.) insistiu sobre o


conceito de vindicta como reparação da Justiça ofendida. É notável o tratado De
jure et justitia de Ambrósio (340-397). Aberto Magno (1193/1206-1280) admitiu
que existe uma Justiça ante legem que se radica na natureza humana, uma Justiça
post legem quando o seu contrário é proibido pelo ordenamento positivo [apud
Cf. COMPOSTA, 1994, p. 221-222].
Tomás de Aquino (1225-1274) admitiu a bipartição de Justiça Geral e Justiça
Particular, de Justiça Natural e Justiça Política ou civil. A Justiça não é separada da
Prudência pela qual o medium rei – a mediação da coisa – pressupõe o medium
rationis – a mediação da razão – do Juiz; a Justiça ainda não implica apenas uma
responsabilidade mundana, mas também ultramundana enquanto se une com
a virtude da Religião [Cf. Summa Theologiae, II, II, 57-122].
Tomás de Aquino, porém, reivindica à Justiça uma dimensão não só moral,
como Alberto Magno ensinava, mas também jurídica [Cf. COMPOSTA, 1994,
p. 222].
Francisco Suárez (1548-1617) distingue uma Justiça Atual e uma Justiça Po-
tencial (Cf. De Legibus, I, II, 3) segundo que ela é exercício ou pura relação.
Depois da Reforma, os Jusnaturalistas como Hugo Grócio (1583-1645) re-
tomam Aristóteles, para aderir à distinção entre Justiça Natural e Justiça Civil,
mas variando a sua terminologia, dando o apelativo de Justitia Expletrix à antiga
justiça comunitativa e de Justitia Assignatrix àquela distributiva [Cf. COMPOS-
TA, 1994, p. 222-223].
Mais articulada e complexa é a tripartição proposta por Leibniz (1646-1716):
Justitia Divina, Justiça Humana e Justiça Civil. A herança grega tinha sido ali-
mentada pela altíssima doutrina dos jurisconsultos romanos; até a definição do

27
UNIDADE 2

jurista romano Ulpiano (Eneo Domitius Ulpianus, 170-228), que também na


Idade Média conseguiu a devida admiração, resistiu até hoje a todas as objeções
dos filósofos do Direito: Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cui-
que tribuendi - Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu
próprio. [cf. COMPOSTA, 1994, p. 224].

Ontologia da justiça

A Justiça não é uma criação do sujeito (Johann Gottlieb Fichte, 1762-1814);


a Justiça não é forma a priori (Giorgio Del Vecchio, 1878-1970); a Justiça não é
uma fórmula lógica (Chaïm Perelman, 1912-1984); a Justiça não é hipótese ideal
de uma Cidade do Sol ou de uma sociedade utópica, mas uma relação interpes-
soal de um dever moral – rectum – e também jurídica – justum – que Tomás de
Aquino chamou de alietas ou alteridade (Cf. Summa Theologiae, II, II, 58, 8).
A pesquisa desta relação de alteridade constitui uma investigação ontológica
enquanto se determina, por um lado, a dimensão ética (deontologia) que é a
perfeição do sujeito (Cf. Ética a Nicômaco, V, 1129b 1130a) e, de outro lado, a
responsabilidade da pessoa justa para com o bem do outro (sociabilidade). Esta
trans-subjetividade, como disse Del Vecchio, pode ser ilustrada mediante dois
confrontos: justiça-sapiência, amizade-justiça [cf. COMPOSTA, 1994, p. 244].
A Justiça não promove uma comunhão física nem espiritual, mas uma cola-
boração ou uma comunhão de “coordenação”; por isto ela põe entre parênteses
os trâmites da identidade, da proximidade, da participação; e erige as barreiras
da alteridade, da sociabilidade.
Sujeito e termo constituem entidade distintas como partes extra partes, cada
uma marcada por função social. A Justiça não considera o “Tu”, mas etiqueta
toda parte segundo o papel público. A Justiça termina ao sócio não diretamente
à pessoa; como sócio, ele é também “Outro” ou um “Tu” tipificado como pessoa
anônima: juridicamente terceiro e gramaticalmente “ele” [Cf. COMPOSTA, 1994,
p. 247].
A Justiça assim concebida, poderia conduzir ao aniquilamento do “outro”,
antes de todos os “outros”: Pereat mundus sed Fiat iustitia – Pereça o mundo, mas
faça Justiça; Hegel inverte esta fórmula, dizendo: Fiat iustitia ne pereat mundus
– Faça justiça não pereça o mundo. Ele observa que tal “crueldade” da Justiça

28
UNICESUMAR

a todo custo, foge do conceito de bem; uma Justiça sem bem, ou pior com a
destruição da Sociedade – pereat mundus – é inadmissível. Segundo Composta
uma Justiça sacral extrapola a estrutura natural de nossa “natureza” humana [Cf.
COMPOSTA, 1994, p. 247-248].

Fundamento e Relação da Justiça

Esta análise ontológica da Justiça exige um aprofundamento do seu funda-


mento e da relação que constituem os sistemas de “coexistência” social. O italiano
Composta observa que se a coexistência é o sistema que recolhe em convivência
os sócios dentro do Ethos humano, através da fidelidade, do respeito, da amizade,
da compaixão, etc., a colaboração acrescenta o vínculo dos compromissos [Cf.
COMPOSTA, 1994, p. 249].
Nós podemos identificar as bases desta “colaboração”: remotamente a cola-
boração deve ser atribuída à condição humana, enquanto “criatura”; exatamente
por isto o homem tem a obrigação incondicionada de dar ao outro indivíduo
aquilo que lhe pertence. A “condição” humana não constitui apenas um “limite”,
mas confere às pessoas uma dignidade que é a fonte de inserção social, mesmo
se condicionadas por convenções culturais (por exemplo, nos atos bilaterais em
geral), pela Lei Natural e pelas Normas Positivas.
Composta ainda observa que esta inserção da Pessoa humana na rede social
cria a ordem da Justiça, ou seja, a dinâmica das relações. Esta ordem da Justiça
não comporta por si mesma a Justiça como série de atos obrigatórios [Cf. COM-
POSTA, 1994, p. 250].
Tomás de Aquino (1225-1274), na sua Contra Gentiles, afirmou:
Assim como o ato da justiça consiste em dar a cada um o seu, resulta que o
ato de justiça precede o ato mediante o qual uma coisa se torna objeto de alguém,
como se pode ver nos atos humanos. De fato, um trabalhador trabalhando obtém
aquilo que se chama “seu”; este “seu” deve ser restituído a ele pelo gestor mediante
um ato de respeito antes ainda que de justiça. Este ato não pode ser ato de justiça.
(Contra Gentiles, II, 28)

Composta conclui que a ação humana em si, precede axiologicamente a sua


valoração social: o fundamento da Justiça é o “suum” – o “seu” – em sentido

29
UNIDADE 2

formal; em sentido material o “suum” consiste na posse atual daquilo que lhe é
devido por um “direito” Subjetivo adquirido mediante o “suum”.
Assim, no exemplo oferecido por Tomás de Aquino, o momento ético jurídi-
co da Justiça não é o pagamento do salário devido, ma o cumprimento do con-
trato de trabalho. Portanto, seria um erro de Hans Kelsen (1881-1973) quando
afirma que a expressão unicuique suum – a cada um o seu – seria uma tautologia
enquanto o “suum” seria igual à “cuique”.
Composta evoca a sutileza do Direito Romano e a brilhante explicação de
Tomás de Aquino: o “suum” é uma relação espiritual exigente que não implica a
posse factual do respectivo bem material. O “suum” indica a passagem da ordem
de Justiça à “obra” de Justiça; portanto, o instaurar-se de uma alteridade obriga-
tória entre o Sujeito e o “termo” [Cf. COMPOSTA, 1994, p. 250-251].
O “suum” não existe pra consigo mesmo; portanto, como afirma Aristóteles
(384-322 a.C.) ninguém pode ser injusto, em sentido próprio, para consigo mes-
mo (Cf. Ética a Nicômaco, V, 1134b).
Na obra de Justiça pode-se prescindir do habitus justitiae: para se realizar um
“ato justo” não se requer que o Sujeito seja um “homem justo”, ou seja, possuidor
da virtude da Justiça (Cf. Summa Theologiae, I-II, 100, 9 ad. I).
Não basta ao Sujeito sentir-se justo em consciência (Cf. Summa Theologiae,
II-II, 63, 2 ad III) enquanto o ato justo é regulado pela conformidade à ordem
objetiva de Justiça [Cf. COMPOSTA, 1994, p. 251].
Esta sutil ontologia da ordem de Justiça e do ato justo postula uma reciproci-
dade que Aristóteles chamou antipeponthós: uma igualdade não necessariamente
aritmética, mas axiológica que Tomás de Aquino chamou proporção, enquanto
o suum não é idêntico para todos, mas tende à igualação segundo relações va-
riáveis, mas objetivas. Por exemplo, alguém empresta um automóvel a um ter-
ceiro, por um dia; apesar de o veículo estar nas mãos de terceiros, ele permanece
sempre no dominium rei suae (Cf. Summa Theologiae, II-II, 62, 1). Composta
observa que a base da dívida é o medium rei, ou seja, o compromisso do usuário
à restituição depois da compensação pelo uso [Cf. COMPOSTA, 1994, p. 252].
O medium rei e o medium rationis – “meio da coisa” e “meio da razão” – que
Aristóteles (384-322 a.C.) chamou mesótes e que Marcus Tullius Cicero (106-43
a.C.) traduziu por medietas, distinguem-se como a Justiça se diferencia das outras
três virtudes: Prudência, Fortaleza e Temperança.
A medietas – média – de Cícero não é a distância espacial, mas o nexo espi-

30
UNICESUMAR

ritual: o médium rei é o dever de um em relação ao outro; e o dominium rei é o


direito do proprietário a reaver o que lhe pertence.
Utilizando o termo “dever” nós estamos indicando uma “ação” e não a pura
consideração intelectual da relação ou ordem de Justiça. Por isto os Romanos
pedem que a Justiça seja confiada à vontade constante no agir – constans – e
perpetua como habitus adquirido, e não somente à razão prática. Segundo Com-
posta, reconhecer a ordem de Justiça é momento prévio ao ato de Justiça, que
deve ser executado: com ato positivo – fazendo – ou negativo – deixando de fazer
alguma coisa [Cf. COMPOSTA, 1994, p. 252].

Os elementos para a Definição do Direito

Segundo Composta, o conceito de “Direito” compreende a Ordem, a Norma


e o Sujeito, ou seja, o Justum – justo – a Lex – Lei – e a Facultas – Faculdade de
agir. Estas dimensões do Direito, que se aproxima das posições do italiano Pasini
ou do brasileiro Miguel Reale põe a coisa justa – o Justo – ao centro do universo
jurídico; a Norma e o Sujeito ocupariam um papel menor [Cf. COMPOSTA,
1994, p. 310].
A coisa justa não deve ser confundida com as ações ou as coisas materiais
das quais provêm utilidade econômicas ou bens patrimoniais. Todos estes ob-
jetos não determinam o conceito de Justo senão metaforicamente, em sentido
material; ao contrário a coisa justa em sentido próprio implica em si mesma
um sentido final. É justa a coisa enquanto conduz a uma finalidade social seja
em sentido privado que público; a finalidade é a formalidade que transfigura as
utilidades, os interesses, os bens econômicos e até mesmo não econômicos em
valores jurídicos.
Tomás de Aquino afirma que a destinação das coisas e o seu finalismo é
anterior à ação atribuidora; a coisa é Justa não porque eu a realizo, mas porque
antecedentemente à minha ação ela se situa na Sociedade como “dever”, como um
bem social a ser realizado etiam non considerato qualiter a agente fiat – mesmo
não considerado a qualidade [apud Cf. COMPOSTA, 1994, p. 310].
As disposições interiores com que eu realizo esta ordem do Justo não des-
troem o seu finalismo objetivo. Nem mesmo as disposições exteriores determi-
nam claramente o conceito do Suum. Segundo Composta, o “seu” não coincide

31
UNIDADE 2

com a manipulação, trabalho, fabricação ou produção da “coisa”, mas sua utili-


dade não determina o conceito de “pertença” ou “competência”, como é exigido
pela Justiça [Cf. COMPOSTA, 1994, p. 310-311].
O “interesse” é um fim subjetivo particular aleatório que pode ser chamado
de “escopo”. Composta observa que o “Justo” é um fim objetivo, geral, estável,
essencial. Mesmo no caso do “justo” atuado em um negócio jurídico, não se
olha às intenções dos contratantes, mas à finalidade que acompanha a transa-
ção. Percebemos a passagem do momento econômico, utilitarista do negócio ao
momento jurídico.
Rudolf Von Ihering (1818-1892), jurista e romancista alemão, definiu o Di-
reito como interesse protegido pela coação exterior; mas este interesse teria ao
menos uma referência a um fim que vai além dos seus escopos [Cf. COMPOSTA,
1994, p. 311].

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


A Lei posta pelo Legislador é sempre justa?
No caso de a Lei positiva ser “injusta”, onde buscar os critérios para afirmar
seu “valor” efetivo?
É possível fundamentar epistemologicamente a Filosofia do Direito? Qual
sua importância na formação jurídica do operador do Direito?

Saiba mais

Justice - O princípio supremo da moralidade:


http://www.youtube.com/watch?v=bnzMZ3TnZPI
O Conceito de Justiça (Filosofia) por MARCO MAIA
http://www.youtube.com/playlist?list=PL224EB064EDF9549B

32
UNICESUMAR

Leitura Complementar

RAWLS, John. Uma teoria da jus- KELSEN, Hans. O problema da


tiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008. justiça. São Paulo: Martins Fontes,
764 p. 2003. 149 p.

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre as Questões e Conceitos Bá-
sicos sobre o Justo. A Relatividade do Conceito de Justiça, nós apresentamos ele-
mentos sobre o conceito de Justiça, bem como da Ordem Justa e dos Atos Justos.

33
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Como o pensamento pré-cristão, medieval e moderno concebeu a “Justiça”?

2. Em quê consiste o “Justo”?

3. Quais os elementos para a definição do Direito?

34
Modernas teorias
da justiça:
Rousseau e Kant
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo do Contratualismo, partindo das

posições defendidas por Rousseau, principalmente dos conceitos de

“vontade particular” e “vontade geral”; concluindo com as posições de

Kant sobre a humanidade como fim absoluto do agir ético da Pessoa

moral, trabalhando os conceitos de “homo noumenon” e de “homo pha-

enomenon”.
UNIDADE 3

A proposta deste Capítulo é tratar do tema da justiça no pensamento filo-


sófico moderna, tomando como referência as obras de Jean-Jacques Rousseau e
Immanuel Kant.
Analisa o romantismo filosófico de Rousseau e sua concepção de justiça, em
contraponto a racionalidade Kant, cuja obra se aprofunda de forma mais inten-
sa no campo do Direito, do que a do primeiro filósofo, sem deixar de levar em
consideração a admiração de Kant pela obra de Rousseau.

36
UNICESUMAR

O pensamento de Jean-Jacques Rousseau

Rousseau retomou e prosseguiu a sua tentativa de reunir a positividade e a


idealidade do Direito. Frequentemente se fez referência às estreitas relações que
correm entre a doutrina do Direito Natural de Hobbes e aquela de Rousseau.
Rousseau rejeita a suposição de um impulso social originário no homem – de
Hugo Grotius (1583-1645, considerado um dos precursores do Direito Interna-
cional, baseando-se no Direito natural) – e assume a doutrina da rivalidade de
todos contra todos, de Thomas Hobbes (1588-1679, teórico político e filósofo
inglês).
Rousseau atenua a doutrina de Hobbes, atribui um egoísmo passivo aos ho-
mens, no estado de natureza. No estado de natureza os homens não são do-
minados pela luta de todos contra todos, mas existe somente uma indiferença
recíproca entre eles. Segundo Welzel é mais estreita a afinidade entre Hobbes e
Rousseau quanto ao conceito de “Estado” [Cf. WELZEL, 1965, p. 235].
Para Rousseau a vontade do Estado – volonté générale – é onipotente. O
ingresso no Estado significa para o indivíduo o seu resolver-se completo, com
todos os seus direitos, na comunidade... sem reservas... e sem que tenha nada a
pretender [Cf. Contrat Social, I, 6].
Diante do Estado nenhum cidadão tem direito próprio, mas é por graça do
Estado que ele recebe os seus direitos: também para Rousseau, o Estado é o deus
mortal, o Leviathan, que tem direito de regular autoritariamente as ações, as
ideias e as convicções religiosas dos seus cidadãos. Para Rousseau, a Religião é a
superstição permitida pelo Estado: a esta Religião civil todo cidadão deve aderir,
sob pena de exílio; e dela não pode apostatar, sob pena de morte [Cf. Contrat
Social, IV, 8].
Rousseau não é totalitário; funda a instituição do Estado não para garantir a
liberdade do indivíduo. A renúncia à liberdade do indivíduo é para ele a injus-
tiça primeira, porque equivale a renunciar á humanidade em nós, aos direitos
humanos em absoluto, ao agir ético [Cf. Contrat Social, I, 4]


“A renúncia à liberdade do indivíduo é para ele a in-
justiça primeira, porque equivale a renunciar á huma-
nidade em nós, aos direitos humanos em absoluto, ao
agir ético.”

37
UNIDADE 3

O problema mais importante para Rousseau é: Como encontrar uma for-


ma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e as
faculdades de todo cidadão, e pela qual cada um, mesmo sendo unido a todos,
obedeça somente a si mesmo, e assim permaneça livre como antes? [Cf. Contrat
Social, I, 6]

este havia visto a bondade de uma Lei na identidade do interesse geral com
o interesse particular, mas havia crido que a realização desta identidade fosse
apenas um compromisso moral do Soberano para com os súditos. Em Hobbes,
portanto, a potentia absoluta – potência absoluta – e a potentia ordinata – potên-
cia ordenada – permanecem distintas [Cf. WELZEL, 1965, p. 236-237].
A potentia ordinata – a identidade do bem particular e do bem geral – é a
finalidade ideal do Estado. Na realidade domina a potentia absoluta, o poder
ilimitado do Estado, que nunca pode fazer o mal. Segundo Welzel a intenção de-
clarada de Rousseau a este propósito é de encontrar uma Constituição Política em
que a vontade do Estado seja uma potência absoluta e igualmente uma potência
ordenada [Cf. WELZEL, 1965, p. 237]: uma Constituição em que a vontade do
Estado seja sempre “justa” [Cf. Contrat Social, I, 7].
Rousseau se liga, mais uma vez, à Hobbes: este justificava a sua tese que o
Estado nunca pode fazer o mal alegando que, ao “firmar” o pacto de submissão, o
indivíduo aprovou tudo aquilo que o Estado poderá dispor. Se o indivíduo tenta
opor-se ao Estado, põe-se em contraste com o “contrato”, age injustamente. Welzel
observa que esta identidade lógica entre a vontade particular do indivíduo e a
vontade geral do Estado, Rousseau procura convertê-la em uma identidade real,
mediante a sua teoria da volonté générale [Cf. WELZEL, 1965, p. 237].
Segundo Rousseau, um Estado é possível somente se os interesses de todos os
cidadãos coincidirem ao menos parcialmente: quanto ao que constitui o vínculo
social. A comunidade deve ser governada exclusivamente segundo este vínculo
comum [Cf. Contrat Social, II, I].
O caráter comum de um interesse é aquele que rende possível a todo cidadão
perseguir o seu próprio interesse, perseguindo o interesse da comunidade. Toda
vez que o indivíduo age assim, age de acordo com a volonté générale. Somente
se pretende para si um interesse que não participa do interesse comum, a sua
vontade cessa de corresponder com a volonté générale e se converte em volonté
particulière [Cf. Contrat Social, II, 4 e IV, I].

38
UNICESUMAR

A contraposição entre volonté générale e volonté particulière é determinada


pelo fato que o interesse particular do indivíduo aparece somente como “parte”
do interesse comum, enquanto nesta se persegue um interesse singular, não con-
tido no interesse comum. Segundo Welzel daqui decorre o princípio da Justiça
existencial permanente da vontade geral. A vontade geral é sempre justa, porque
compreende o interesse proporcionalmente comum para todos os cidadãos, de
modo que todo indivíduo, ao perseguir o interesse comum, persegue o seu pró-
prio interesse; e vice-versa [Cf. WELZEL, 1965, pp. 237-238].
Deste conceito de interesse comum seguem todas as ulteriores consequências
da doutrina do Estado de Rousseau:
- cada indivíduo deve submeter-se às condições que põe aos outros;
- o objeto de um regulamente legislativo deve ser comum a todos;
- cada indivíduo é “livre” e “submisso” às leis;
- a proporcional comunhão de um interesse é o princípio da sua Justiça,
quanto ao seu conteúdo.
O núcleo central da doutrina de Rousseau é: se um interesse é “comum” em
modo que todo indivíduo o reconhece como próprio, ele é necessariamente tam-
bém justo quanto ao seu conteúdo, mesmo se do ponto de vista objetivo da Justiça
material não seja um verdadeiro interesse [Cf. Contrat Social, II, 6].
Consequentemente, para a justiça de um regulamento legislativo importa
somente a observância do seu objeto comum, não a bondade objetiva do seu
conteúdo. Rousseau repete o argumento de Thomas Hobbes, que tal Lei nunca
pode ser injusta, porque ninguém é injusto para consigo mesmo. Não é um con-
teúdo material de valor a condição que rende justo um interesse comum, mas é
a consequência de um interesse comum [Cf. Contrat Social, I, 7]. Welzel explica
que neste sentido podemos dizer que em Rousseau o soberano – volonté générale
– é aquilo que deve ser [Cf. WELZEL, 1965, pp. 238-239].
A realidade tornando-se matura para gerar por si o Justo, a “transcendência”
tornou-se supérflua: aquele que é bom em si e conforme à ordem, o é indepen-
dentemente de convenções humanas, e simplesmente pela natureza das coisas.
Toda justiça provém de Deus, e ele é a sua fonte; se nós fossemos capazes de re-
cebê-la imediatamente do alto, não teríamos necessidade nem de governo nem
de lei [Cf. Contrat Social, II, 6].
Welzel observa que em Rousseau, as leis da Justiça, privadas de sanções na-
turais, entre os homens são inteiramente ineficazes; precisamos de contratos e de

39
UNIDADE 3

leis para vincular os direitos aos deveres; e para conduzir a Justiça ao seu objeto
[Cf. WELZEL, 1965, p. 239].
O neokantismo tentou converter a volonté générale de Rousseau em um cri-
tério ideal de validade geral. Welzel esclarece que este é um grave erro interpre-
tativo da instância mais profunda de Rousseau: a vontade geral não é ideal mas
existencial.
Rousseau queria superar a antinomia entre poder do Estado e finalidade do
Estado, entre potentia absoluta e potentia ordinata – não resolvida por Hobbes
– e construir o Estado real em modo que o “Justo” surja por si mesmo, tornando
supérfluo um “critério ideal”. Welzel observa que Rousseau, exatamente por isto,
devia dar importância decisiva ao método através do qual se constitui a vontade
geral no Estado [Cf. WELZEL, 1965, pp. 239-240].
Rousseau deu indicações precisas sobre o método de formação da “justa”
vontade estatal: precisamos partir do conceito de volonté particulière. Esta é o
interesse particular que o indivíduo busca, sem considerar o “interesse comum”.
A vontade particular, na sua expressão extrema, quando exclui totalmente o in-
teresse comum, existe somente em tempos de decadência política [Cf. Contrat
Social, IV, I).

Segundo Welzel, para resolver este problema, Rousseau partiu


daquele ponto ignorado por Thomas Hobbes:

Em tempos de normalidade política, a vontade particular compreende dois


elementos: a primeira “vontade” coincide com o interesse geral; a segunda, busca
exclusivamente um interesse singular. A soma destas volontés particulières –
vontades particulares – é a volonté de tous – vontade de todos. Nas votações, as
partes das volontés particulières que perseguem somente interesses particulares
se anulam reciprocamente, porque se contradizem, restando somente a volon-
té générale, como a outra parte das vontades particulares, comum a todos [Cf.
Contrat social, II, 3].
Pressuposto disto é que não se formem grupos de interesses iguais, porque
diversamente residiria, do lado dos grupos mais fortes, um resto de volontés
particulières não eliminadas, a impedir o surgir da vontade geral. Uma vontade
majoritária desta espécie não possuiria a marca característica da vontade geral,
isto é, a uniformidade do interesse [Cf. Contrat Social, II, 3]

40
UNICESUMAR

Dado que este princípio é puramente formal, são possíveis muitos conteú-
dos de vontade que correspondem a ele formalmente mas que objetivamente
divergem entre eles. Neste caso será a maioria a decidir qual vontade é a volonté
générale:
Do cômputo dos votos se retira a demonstração da vontade geral. Quando,
por tal modo, a minha opinião cede à opinião contrária, isto não prova outra
coisa se não que eu tinha me enganado, e que isto que eu considerava ser vontade
geral não o era. [Contrat social, IV, 2]

Fragilidade do Pensamento de Rousseau

Com Welzel podemos indicar dois pontos frágeis principais da doutrina de


Rousseau: a sua supervaloração da razão; e a sua insuficiente valorização das
paixões e dos interesses do grupo.
Não obstante isto, a sua doutrina contém a tentativa mais audaz, no campo da
Filosofia Política, para fechar a cisão entre “ideia” e “existência”; e para organizar
a realidade, em modo que gere por si mesma o Justo.
Welzel observa que Platão, em seu pensamento político, não confiou nada
à realidade, mas havia depositado todas as suas esperanças no evento único da
aparição de um grande homem, do “Rei filósofo”, investido de poderes ditatoriais,
o qual imporia a realização da ideia, mesmo contra a vontade dos seus súditos
[Cf. WELZEL, 1965, pp. 240-241].
Rousseau, ao contrário de Platão, confiou na realidade. Ele acreditava poder
organizá-la institucionalmente, gerando por si mesma o Justo, através da identi-
ficação entre “interesse geral” e “interesse particular”, entre “vontade particular” e
“vontade geral”. O grande problema da Ética Jurídica material –encontrar a Regra
Justa – parece finalmente solucionado. Mas mesmo se pudessem eliminar todos
os elementos que perturbam a formação da volonté générale, a crença que com
a volonté générale se poderia atingir diretamente o Justo material, continuaria
sendo um sonho [Cf. WELZEL, 1965, p. 241].
Welzel observa que o princípio formal da uniformidade comum permanece
aberto a múltiplos interesses totalmente diversos no seu conteúdo. Qual deles
seja um “bem” verdadeiro e objetivamente fundamentado, nenhum princípio
formal pode dizê-lo. Mas enquanto exprime a pretensão de ser sempre justo

41
UNIDADE 3

pelo simples fato de existir, aquele princípio destrói a transcendência, sobre a


qual pode somente orientar-se todo valor em terra [Cf. WELZEL, 1965, p. 242].
Hegel indicou o erro decisivo do sistema de Rousseau, afirmando que en-
quanto concebe a vontade somente na forma determinada da vontade singular
e da vontade geral, não como o racional em si e por si da vontade, mas somente
como o elemento comum, que surge desta vontade singular enquanto consciente,
derivam as suas ulteriores consequências puramente conceituais, destruidoras
do divino existente em si e por si da sua absoluta majestade [Cf. Filosofia do
Direito, § 258].

Immanuel Kant

Segundo Welzel, Kant toca o ponto mais frágil da posição jus-naturalista.


Nenhuma lei, que comporte necessidade absoluta pode ser deduzida do conhe-
cimento da Natureza Humana, obtido somente da experiência [Cf. WELZEL,
1965, p. 252]
Segundo Kant, o fundamento da obrigatoriedade das leis morais não pode
ser buscado na natureza do homem ou nas circunstâncias do mundo, mas pode
ser encontrado somente a priori nos conceitos da razão pura; toda outra pres-
crição, que se funde sobre os princípios da simples experiência, e também uma
prescrição que seja, sob determinado aspecto, de ordem geral, enquanto também
em mínima parte, e talvez até mesmo por um só motivo, se funde sobre bases
empíricas, poderá ser uma regra prática, mas não poderá nunca ser chamada lei
moral [Cf. Fundação da Metafísica dos Costumes, p. 5].
Para Kant toda filosofia moral se funda inteiramente sobre a sua parte “pura”,
e, aplicada ao homem, não toma emprestado nem mesmo a mínima parte do
conhecimento desta (antropologia), mas sim dá a ele, como ser racional, leis a
priori [Cf. Fundação da Metafísica dos Costumes, p. 6]. Somente depois de haver
desenvolvido as suas leis independentemente das peculiaridades da natureza
humana, a filosofia moral precisa, para ser aplicada aos homens, da antropologia
[Cf. Fundação da Metafísica dos Costumes, p. 33]
Segundo Welzel, Kant vê todo conteúdo material da Ética exclusivamente a
partir da ótica da Ética da Felicidade do Iluminismo. Reduzindo o problema da
Ética Material, crê que todos os princípios práticos materiais como tais são, juntos

42
UNICESUMAR

tomados, de uma só e mesma espécie, e são governados pelo princípio geral do


egoísmo e da própria felicidade [Cf. WELZEL, 1965, p. 254].
O motivo determinante da vontade está na nossa faculdade apetitiva (instin-
tos e inclinações). Relativamente aos fins materiais do agir, não só é impossível
qualquer lei a priori, mas devem ser excluídos do âmbito da Ética [Cf. WELZEL,
1965, p. 254]: Aquilo que é empírico não só é totalmente inútil, como acréscimo
ao princípio da moralidade, mas é também altamente nocivo à pureza dos cos-
tumes. O princípio do agir moral deve ser inteiramente livre de toda influência
de motivos ocasionais, que só a experiência pode fornecer [Cf. Fundação da
Metafísica dos Costumes, p. 50].
No lugar dos problemas objetivos da Ética Material, Kant põe em primeiro
plano o problema da moralidade subjetiva. Welzel observa que a autonomia mo-
ral do indivíduo se torna a lei fundamental do mundo moral: ela é o princípio da
vontade livre [Cf. WELZEL, 1965, p. 254-255].
Este princípio pressupõe uma ordem ético-material objetiva, à qual a von-
tade deve se conformar, submeter-se livremente. Apesar disto, a Ética kantiana
pressupõe uma ordem ético-objetiva das coisas. Kant não representa um puro
Subjetivismo Ético, mas ele não viu exatamente o lado ético-material da moral.
Ele desconhece o significado autônomo que compete ao problema da Ética ma-
terial – o quid do agir ético – diante do problema moral subjetivo – o quomodo
do agir moral.
Segundo Welzel, ele crê de poder isolar do quomodo o quid: para isto, vale-se
do Imperativo Categórico. Da máxima subjetiva da vontade obtém-se o conteúdo
material da obrigação [Cf. WELZEL, 1965, p. 255].
As tentativas de derivar de princípios gerais (“Faça o bem!”) os critérios para a
decisão Justa na situação concreta, tornaram-se supérfluas, dado que da situação
concreta seria possível tirar imediatamente o Justo ético. Bastaria a perguntar:
Podes tu querer que a tua máxima se torne uma lei universal? Se não o podes,
ela deve ser condenada [Cf. Fundação da Metafísica dos Costumes, p. 22]. Va-
lendo-se deste “instrumento” cada pessoa pode saber e distinguir exatamente o
que é “bem” e o que é “mal”; que é segundo o dever e o que é contrário a ele [Cf.
WELZEL, 1965, p. 256].
Todo conteúdo de vontade pode converter-se em Lei Geral somente se tomar
sobre si as relativas consequências. A validade objetiva dos conteúdos da ação,
no nível da Ética Material, é mais o pressuposto de possibilidade da autonomia,

43
UNIDADE 3

mas não pode ser deduzida desta [Cf. WELZEL, 1965, p. 256].
Segundo Welzel, em virtude da autonomia da liberdade, a Pessoa é susten-
tação do ordenamento ético do mundo; portanto, como sujeito da esfera moral,
ela é o escopo [Cf. WELZEL, 1965, p. 257]. A autonomia é o fundamento da
dignidade de toda criatura racional. Todo ser racional existe como fim para si
mesmo, não somente como meio para uso qualquer, por outra vontade, mas ele
deve ser considerado como “fim” em todas as suas ações, seja dirigidas a si mesmo
seja a outros seres racionais [Cf. Fundação da Metafísica dos Costumes, p. 52].
Porque, através da autonomia e livre submissão à exigência ética, a pessoa
atinge um valor “em si”, ela deve ser reconhecida pelos outros seres morais en-
quanto valor ético absoluto, subtraído a toda consideração utilitária. Segundo
Kant, o valor da moralidade subjetiva é, para todas as outras pessoas, um bem
ético-material de validade absoluta. A liberdade ética da Pessoa (responsabilida-
de), para as outras, intocável. A Pessoa Autônoma nunca pode ser considerada
como mero instrumento, mas sempre como fim a si mesmo [Cf. WELZEL, 1965,
p. 257].
Segundo Welzel, Kant não desenvolveu sistematicamente as consequências
desse princípio; aproximou-se da moral verdadeira e própria [WELZEL, 1965,
p. 257-258]. Os princípios também valem para a autolesão: o homem não é uma
coisa, mas deve sempre ser considerado como fim para si mesmo, eu não pos-
so na minha pessoa dispor do homem, mutilá-lo, corrompê-lo ou matá-lo [Cf.
Fundação da Metafísica dos Costumes, p. 54].
Kant remete à moral verdadeira e própria a tarefa de uma determinação mais
precisa, para evitar equívocos. Anular o sujeito da moralidade na própria Pessoa
é o mesmo que fazer desaparecer a Moral, na sua existência. Portanto, dispor de
si mesmo como mero instrumento para um escopo qualquer significa degradar
a própria humanidade – homo noumenon (homem numênico) – confiada ao
homem – homo phaenomenon (homem fenomênico) – para a sua conservação.
Segundo Welzel, a partir deste princípios Kant admite que se possa amputar
um órgão morto ou nocivo à vida do corpo, mas não o fazer por dinheiro. De-
grada-se na própria pessoa a humanidade quando se dispõe de si como mero
instrumento por um escopo qualquer, o sacrifício da vida em favor de outros é
um suicídio, como tal ilícito, um delito contra a humanidade, em nós mesmos
[Cf. WELZEL, 1965, pp. 258-259].
A casuística kantiana, com a sua rigidez absolutista, supera a casuística esco-

44
UNICESUMAR

lástica, que punha como absoluto somente a proibição da blasfêmia e da mentira.


Welzel observa que Kant recai exatamente no defeito do “velho” Direito Natural:
pôr ao lugar da Pessoa Moral o homem empírico; e, assim, introduzir de novo a
Antropologia na Ética [Cf. WELZEL, 1965, p. 259-260].
Não o homem empírico, o corpo, a vida, a liberdade, a propriedade são fins
absolutos, bem sim somente a Pessoa Moral. Exatamente por isto, a anulação do
homem empírico pode ser a atuação mais alta da Pessoa Moral. Não o homem,
mas somente a pessoa autônoma deve ser considerada eticamente como bem
intocável, como fim supremo [Cf. WELZEL, 1965, p. 260].
Somente a existência empírica do homem pode ser usada como meio. Só
a liberdade externa, não a interna – Autonomia – pode ser anulada a partir de
fora. Só a Pessoa mesma pode destruir a própria humanidade através do seu agir
heterônomo [Cf. WELZEL, 1965, p. 260].

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


- Os interesses particulares dos cidadãos sempre coincidem com os interesses
gerais da Nação?
- Em caso de conflito entre o meu interesse pessoal e os interesses da Nação,
qual dos dois interesses deve prevalecer?
- É possível aplicar os princípios kantianos da moralidade à vida social, nos
ordenamentos jurídicos atuais?

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre as modernas teorias da Jus-
tiça, demos particular atenção ao tema da teoria contratualista em Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) e em Immanuel Kant (1724-1804); principalmente os
conceitos rousseaunianos de “vontade particular” e “vontade geral”; concluímos
com as posições de Kant sobre a humanidade como fim absoluto do agir ético
da Pessoa moral, trabalhando também os conceitos de “homo noumenon” e de
“homo phaenomenon”.

45
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Qual a relação da vontade geral com a “Justiça”, em Jean-Jacques Rousseau?

2. Como Kant concebe a relação ente “homem empírico” e “pessoa moral”?

46
Modernas teorias
da justiça:
Jeremy Bentham
e John Stuart
Mill
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo do Utilitarismo de Jeremy Bentham

e de John Stuart Mill, partindo do conceito de “utilidade” e dos motivos

que levam Bentham a propor o “princípio de utilidade” como regra ou

norma suprema do agir individual e social.


UNIDADE 4

Este Capítulo será dedicado a estudar a teoria da justiça de vertente utilita-


rista e liberal, tendo autores de referência a filosofia de John Stuart Mill e Jeremy
Bentham.
A proposta de aprendizagem é a de procurar compreender como o libera-
lismo utilitarista de vertente inglesa trata as questões pertinentes à justiça. Na
realidade, o que caracteriza as ideias liberais e utilitaristas é a proteção máximo
dos direitos do indivíduo, contudo, ao contrário do que se poderia pensar, não
se suprime o coletivo, apenas adota-se uma outra perspectiva de análise.

48
UNICESUMAR

Premissa ao Pensamento de Bentham

O utilitarismo de Jeremy Bentham parte dos seus estudos sobre a Ciência do


Direito, especialmente da sua teoria do Direito Natural: pressupõe supõe a exis-
tência de um “contrato social original”; os súditos devem obediência ao Príncipe,
mesmo quando ele não cumpre suas obrigações.
A doutrina do Direito Natural é insatisfatória, segundo Bentham: não é possí-
vel provarmos historicamente a existência do Contrato; mesmo se a provássemos,
ainda permaneceria o problema insolúvel por que os homens estão obrigados a
cumprir compromissos em geral.
Segundo Bentham, portanto, a única solução possível a este “problema” está
nas vantagens sociais do Contrato. O indivíduo em sociedade obedece ao Esta-
do, na medida em que obedecendo é mais felicidade do que na desobediência.
A felicidade geral dos súditos é, portanto, o interesse da comunidade em geral e
resultado da soma dos “prazeres” individuais.
Bentham substitui a teoria do “Direito Natural” pela teoria da “utilidade”. O
significado dessa transformação está na passagem de um mundo de ficções para
um mundo de fatos. Somente a experiência pode comprovar a “utilidade” de uma
Instituição [Cf. MOTTA PESSANHA, 1979, p. IX].
Bentham criticou severamente as instituições tradicionais, em modo peculiar
a Legislação de seu país; ele indicou Cesare Beccaria (1738-1794) como o seu
predecessor mais importante.
Para Cesare Beccaria (1738-1794) o objetivo último de toda Legislação é a
maior felicidade para o maior número possível de pessoas. Bentham ampliou
esse princípio e colocou-se contrário aos conservadores; opondo-se também aos
revolucionários franceses, quando estes apelavam ao Direito Natural, afirmando
os direitos “universais” do homem: o indivíduo possui direitos na medida em
que conduz suas ações para o bem da Sociedade como um todo, e a proclamação
dos direitos humanos seria individualista e egoísta. O que deve ser procurado é
a reconciliação entre o “indivíduo” e a “sociedade”, mesmo que seja necessário
o sacrifício dos direitos humanos [Cf. MOTTA PESSANHA, 1979, pp. IX-X]
Jeremy Bentham, em sua obra Princípios da Moral e da Legislação, estuda
a aplicação do princípio de utilidade como fundamento da conduta individual
e social. Ele investiga as circunstâncias do prazer: intensidade, duração, proxi-
midade, certeza, fecundidade e pureza; os castigos e recompensas; os motivos

49
UNIDADE 4

determinantes das ações humanas, e seus valores morais [Cf. MOTTA PESSA-
NHA, 1979, p. X].
Segundo Bentham os “motivos” da ação são “bons” na medida em que geram
harmonia entre os meus interesses e os alheios; “maus” são aqueles que contra-
riassem esse equilíbrio.
Dentre os motivos bons, a boa vontade é o mais útil; depois poderíamos co-
locar a necessidade de estima, o desejo de receber amor, a religião e os instintos
de autopreservação, prazer, privilégio e poder [Cf. MOTTA PESSANHA, 1979,
p. X].

O Princípio da Utilidade em Bentham

Segundo Bentham, a natureza nos colocou sob o domínio da dor e do prazer.


Eles nos apontam o que devemos ou não devemos fazer, determinando nossas
ações. Eles nos estabelecem a norma distintiva do “reto” e do “errado”, e a cadeia
das “causas” e “efeitos”. Eles nos governam em tudo o que fazemos, dizemos, pen-
samos; qualquer tentativa de nos libertarmos deste domínio apenas o demonstra
e confirma.
O princípio da utilidade de Bentham reconhece esta sujeição à “dor” e ao
“prazer”; ela é o fundamento do sistema, cujo objetivo é construir a felicidade
através da razão e da lei. Os sistemas que questionam o princípio da utilidade são
palavras vazias e não atitude razoável, razão e luz [Cf. BENTHAM, 1984, p. 3].
Bentham entende, por Princípio de Utilidade aquele “princípio” que aprova
ou desaprova qualquer ação, segundo a tendência a promover ou a comprometer
a felicidade. Isto vale não somente para qualquer ação de um indivíduo particular,
mas vale igualmente para qualquer ato ou medida de governo [Cf. BENTHAM,
1984, p. 4].
Em Bentham “utilidade” designa uma propriedade existente em qualquer
coisa, em virtude da qual o objeto tende a produzir ou proporcionar benefício,
vantagem, prazer, bem ou felicidade; dito em forma negativa: impedir que acon-
teça o dano, a dor, o mal, ou a infelicidade [Cf. BENTHAM, 1984, p. 4].
Segundo Bentham, quando falamos do interesse da comunidade, nós estamos
dizendo que a comunidade constitui um corpo fictício, composto de pessoas
individuais que se consideram seus membros; o interesse da comunidade, por-

50
UNICESUMAR

tanto, é a soma dos interesses individuais dos diversos membros [Cf. BENTHAM,
1984, p. 4].
Bentham observa que é inútil falar do interesse da comunidade, sem com-
preender o interesse do indivíduo: uma coisa promove o interesse de um indi-
víduo quando tende a aumentar a soma total dos seus prazeres, diminuindo a
soma total das suas dores [Cf. BENTHAM, 1984, p. 4].
Portanto, segundo Bentham uma determinada ação está em conformidade
com o princípio da utilidade, quando a tendência a aumentar a felicidade for
maior do que a tendência a diminui-la [Cf. BENTHAM, 1984, p. 4]
Bentham conclui que uma medida governativa está em conformidade com o
princípio de utilidade quando a sua tendência a aumentar a felicidade da comu-
nidade for maior do que a tendência a diminuí-la [Cf. BENTHAM, 1984, p. 4].
Podemos afirmar que um cidadão é partidário do princípio de utilidade
quando aprova ou desaprova uma ação ou medida governativa, em vista do au-
mento ou diminuição da felicidade da comunidade; pela sua conformidade com
as “leis” da utilidade [Cf. BENTHAM, 1984, p. 5].
Segundo Bentham quando uma ação for conforme ao princípio de utilidade,
ela “deve” ou, ao menos, “pode” ser praticada; é “reto” ou, ao menos, “não é errado”
praticá-la; é uma ação reta ou, ao menos, não é errada [BENTHAM, 1984, p. 5].
Apesar de seu princípio de utilidade não ser demonstrável diretamente, Ben-
tham é convencido da sua validade absoluta e afirma que fornecer tal demons-
tração é tão impossível quanto supérfluo [Cf. BENTHAM, 1984, p. 5].
Bentham observa que em virtude da própria constituição natural da estrutura
humana, os homens abraçam o princípio de utilidade instintivamente, ao menos
para julgar as suas próprias ações, bem como a dos outros. Muitos homens o
contestam porque não conseguem aceitar todas as suas consequências. A qua-
lidade humana mais rara é a coerência e a constância no modo de agir e pensar
[Cf. BENTHAM, 1984, p. 5].
Segundo Bentham, quando alguém tenta impugnar o princípio de utilidade,
fundamenta-se “inconscientemente” em razões tiradas do mesmo princípio. Tais
argumentos não provam que o princípio de utilidade seja errôneo, mas apenas
que o princípio foi “mal aplicado” [Cf. BENTHAM, 1984, pp. 5-6].
É impossível refutar o princípio de utilidade com argumentos. Em virtude
de uma visão confusa e limitada que se tem dele, é possível não apreciá-lo [Cf.
BENTHAM, 1984, p. 6]. Para ajudar as pessoas a saírem desta visão medíocre,

51
UNIDADE 4

Bentham nos apresenta dez “passos”:


Primeiro passo: refletir se deseja descartar totalmente este princípio; então,
considerar a que se reduzem todos os nossos argumentos, sobretudo em matéria
de política;
Segundo passo: discutir sobre estas perguntas:
- estamos dispostos a julgar e agir sem nos basear em nenhum princípio?
- existiria outro princípio sobre o qual estamos dispostos a basear o nosso
julgamento e a nossa ação?
Terceiro passo: examinar se o princípio que acredita haver encontrado consti-
tui um princípio inteligível diferente, ou se não seria apenas um pseudoprincípio
ou mero jogo de palavras;
Quarto passo: refletir sobre a seguinte questão:
- o seu modo de pensar deve ser considerado como norma do reto e do errado
para todos os outros homens?
- será que a convicção de cada um tem o mesmo privilégio de constituir uma
norma-padrão?
Quinto passo: se responder afirmativamente à primeira, perguntar-se a si
mesma se o seu princípio não é despótico e hostil a todos os outros homens;
Sexto passo: se responder afirmativamente à segunda, perguntemos se tal
princípio não leva ao anarquismo, e se não haveria tantas normas do reto e do
errado quantos são os homens [Cf. BENTHAM, 1984, p. 6-7].
Sétimo passo: se a reflexão tiver por objeto pontos particulares relacionados
com a utilidade do ato, perguntemos-lhe se isto não significa abandonar o seu
próprio princípio e recorrer ao princípio de utilidade;
Oitavo passo: façamos com que pergunte a si mesma até que ponto adota o
princípio da utilidade;
Nono passo: façamos com que pergunte a si mesma como justifica o fato de
tê-lo adotado até este ponto e por que não o adota na sua totalidade;
Décimo passo: perguntemos se pode existir o que se denomina motivo, que
uma pessoa pode ter para seguir os ditames do princípio; se a pessoa responder
que existe tal motivo, perguntemos-lhe qual é, e de que maneira se pode distin-
gui-lo daqueles que nos levam a seguir os ditames do princípio da utilidade [Cf.
BENTHAM, 1984, p. 7].

52
UNICESUMAR

A Defesa da Liberdade do Indivíduo

John Stuart Mill dedica à liberdade individual o ensaio Sobre a liberdade,


1859, que é a defesa mais lúcida e mais rica de argumentações da autonomia do
indivíduo, até hoje conhecida. O seu núcleo teórico está em reforçar a importân-
cia, para o homem e para a sociedade, de uma larga variedade de caráter e de uma
completa liberdade da natureza humana de expandir-se em direções diversas e
contrastantes [Cf. REALE-ANTISERI, 2005, p. 310].
Segundo Stuart Mill não é suficiente que a liberdade seja protegida do des-
potismo do governo, mas precisa ser protegida contra a tirania da opinião e do
sentimento predominantes; ou seja, contra a tendência da sociedade a impor,
com outros meios, as suas próprias ideias e costumes como regras de conduta
àqueles que discordam destas [Cf. REALE-ANTISERI, 2005, p. 310].
Stuart Mill defende o direito do indivíduo de viver como lhe agrada; isto,
pelo motivo fundamental que o desenvolvimento social, segundo ele, é uma
consequência do desenvolvimento das mais variadas iniciativas individuais. A
liberdade de cada indivíduo, porém, encontra o seu limite na liberdade do ou-
tro. O indivíduo está obrigado a não lesar os interesses alheios; ou a não lesar
determinado grupo de interesses que, por expressa disposição da lei ou por tácito
consenso geral, deve ser considerado como direitos. Está também obrigado a as-
sumir a sua parcela de responsabilidade e de sacrifícios necessários para a defesa
da sociedade e dos seus membros contra todo dano ou moléstia [Cf. REALE-
-ANTISERI, 2005, p. 310].
Segundo Stuart Mill, a Liberdade Civil implica, necessariamente, uma liber-
dade de pensamento, de religião e de expressão; também a liberdade dos gostos,
de projetar a vida segundo o próprio caráter; e ainda, a liberdade de associação.
Portanto, o núcleo central do pensamento de Stuart Mill é a ideia da maior li-
berdade possível de cada um para o bem estar de todos [Cf. REALE-ANTISERI,
2005, p. 310].
Stuart Mill escreveu, em 1869, o ensaio Sobre a servidão das mulheres. Trata-
-se de uma obra de grande sensibilidade moral e acuidade analítica. Ele observa
que a mulher, há séculos considerada inferior pela natureza, é “inferior” por uma
natureza feminina artificial, histórica. As mulheres foram relegadas às margens
da sociedade em benefício dos homens.
Segundo Stuart Mill, o problema deve ser resolvido com meios políticos, ou

53
UNIDADE 4

seja, criando condições sociais de paridade entre os homens e as mulheres [Cf.


REALE-ANTISERI, 2005, p. 310].

O Utilitarismo de John Stuart Mill

Segundo Giannotti, o pensamento de Stuart Mil se insere na corrente do


Empirismo, que caracteriza a Filosofia inglesa. Sua abordagem dos problemas
éticos, políticos e lógicos supõe certa concepção da experiência, segundo a qual
a mesma se compõe de representações estanques, que se reúnem por processos
mentais de associação, das quais resultam as ideias. Stuart Mill concebe os fatos
psíquicos como estados elementares que se reúnem formando conjuntos; estes,
não possuem substancialidade [Cf. GIANNOTTI, 1979, p. 74]
Stuart Mill formulou quatro leis de associação psicológica:
- a primeira é a lei da contiguidade: afirma que dois fenômenos semelhantes
tendem a ser pensados juntos – é a lei da semelhança;
- a segunda é a lei da contiguidade: afirma que fenômenos experimentados
ou concebidos em contiguidade íntima tendem a ser pensados conjuntamente;
- a terceira é a lei da repetição: estabelece que as associações produzidas por
contiguidade tornam-se mais certas e mais rápidas pelo efeito da repetição;
- a quarta lei é da associação inseparável: afirma que, quando dois fenôme-
nos são encontrados sempre juntos e jamais separados, dá-se entre eles uma
associação fortíssima, de tal forma que se concebem como inseparáveis as ideias
desses fenômenos, e as coisas por eles representadas [Cf. GIANNOTTI, 1979,
pp. 74-75].
Destas leis temos a constituição de duas “ordens”, a partir de um conjunto de
representações neutrais: o mundo dos objetos, e o mundo da vida mental.
John Stuart Mill passa do campo da psicologia para o da filosofia; nessa pas-
sagem desempenha papel central seu conceito de crença, tomado em sentido
lógico e psicológico. Para ele as afecções do espírito, conhecidas imediatamente,
dão o testemunho de si mesmas; e os estados mentais surgem como modelos de
segurança por trazerem em seu interior a crença em sua própria existência. A
existência das coisas exteriores se fundamenta na crença psicológica: a psicologia
fornece as bases da concepção do mundo. Segundo Giannotti, a filosofia de Mill
poderia ser caracterizada como “psicologista” [Cf. GIANNOTTI, 1979, p. 75].

54
UNICESUMAR

Ainda segundo Giannotti, as quatro leis de associação psicológica constitui-


riam a explicação dos fenômenos psíquicos. Estes “fenômenos” seriam produtos
de impressões proporcionadas pela experiência. Segundo Stuart Mill, as ciências
e o saber que não estejam fundamentados na experiência e pretendam alcançar
algum conhecimento fora dos seus limites são falsos. Esta vinculação vale tanto
para as ciências da natureza e do homem quanto para as ciências matemáticas.
A lógica, entendida como teoria do conhecimento, deve estudar principalmente
a teoria da “indução” [Cf. GIANNOTTI, 1979, p. 75].
John Stuart Mill desenvolve a tese de que os fenômenos da vida social ou in-
dividual não constituem exceção à lei da causalidade e que é possível determinar
as leis naturais do comportamento humano. Ele pensava que esses fenômenos
resultam das leis de elementos separados. Segundo Giannotti, neste caso os ele-
mentos separados são os homens, todas as leis e regularidades acerca dos fenô-
menos sociais deveriam ser deduzidas a partir das leis de associação psicológica.
Devido ao enorme número de elementos interagentes, a complexidade da ação
social não permite qualquer dedução de suas regularidades simplesmente a partir
das leis psicológicas básicas [Cf. GIANNOTTI, 1979, p. 78].
Segundo Stuart Mill, a ordem do progresso humano, em todos os seus aspec-
tos, dependerá principalmente da ordem de evolução das convicções intelectuais
da humanidade. A “concordância” humana acerca das crenças morais é essencial
para se obter a coesão social: onde ela não se concretizasse a sociedade não po-
deria ser unificada [Cf. GIANNOTTI, 1979, p. 79].
Segundo Giannotti, a moralidade liberal de Stuart Mill também apresentou
influências na área da filosofia política. A liberdade não significa nem a liberação
interior do romântico, nem a liberdade de atividades do utilitário. Pareceu-lhe
não haver nada tão estranho e antipático ao espírito moderno quanto o ideal de
vida dos românticos; as necessidades da vida moderna e os instintos do espírito
moderno exigem expansão ampla e livre em todas as direções [Cf. GIANNOTTI,
1979, p. 79].
A liberdade de ação, segundo Stuart Mill, repousaria em uma força de caráter
independente das opiniões. Diante da liberdade utilitarista, ele vê que a liberdade
econômica limitada é incompatível com a verdadeira liberdade, por não permi-
tir a justa distribuição dos frutos do trabalho. Ele se simpatiza, portanto, com o
socialismo, vendo na cooperação social um meio de liberdade social.
Segundo Giannotti, uma das maiores preocupações políticas de Stuart Mill

55
UNIDADE 4

refere-se às tendências da democracia para suprimir a individualidade e dominar


as minorias. Em seus escritos sobre filosofia política e social, sua preocupação era
mostrar a importância da liberdade pessoal, do desenvolvimento de um caráter
individual forte, e esboçar maneiras de encorajar seu crescimento em sociedade
[Cf. GIANNOTTI, 1979, pp. 79-80].

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


Em quê consiste o Princípio de Utilidade e como se dá a relação entre os
“interesses individuais” e “coletivos”?

Leitura complementar

BENTHAM, Jeremy. Uma In- Mill, John Stuart. A Liberdade


trodução aos Princípios da Moral e Utilitarismo. Martins Editora
da Legislação. Tradução de Luiz João
Baraúna. (Os pensadores), 3ª edição,
São Paulo: Abril, 1984.

56
UNICESUMAR

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre as modernas teorias da Jus-
tiça, demos particular atenção ao tema da teoria utilitarista em Jeremy Bentham
(1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873). Demos particular atenção ao princí-
pio fundamental de Bentham: a máxima felicidade possível para o maior número
possível de pessoas; e ao princípio fundamental para Mill: a liberdade civil é a
maior liberdade possível de cada um para o bem de todos e implica a liberdade
de pensamento, de religião e de expressão; liberdade dos gostos, de projetar a
nossa vida segundo o nosso caráter e a liberdade de associação.

57
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1.Em que consiste o critério da felicidade pessoal e social?

2. O prazer pode ser útil à felicidade?

3. Em que consiste o critério da “utilidade” de um interesse?

4.O “útil” é sinônimo de “necessário”?

58
Teorias
comtemporâneas
da justiça: John
Rawls
Dr. José Francisco de Assis Dias

• Introduzir os acadêmicos ao estudo da teoria da Justiça, de John Rawls

(1921-2002); trabalhando a Justiça na Perspectiva do Neocontratualismo,

a Justiça e Utilitarismo em Rawls, e a Teoria da Justiça de John Rawls.


UNIDADE 5

A proposta deste Capítulo é o de apresentar uma introdução à Teoria da


Justiça de John Rawls, considerada umas das obras mais complexas e digna re-
presentante da visão de justiça do século XX.
O autor faz a construção de uma Teoria da Justiça partindo de um campo
amplo de análise, mas tendo como ponto de análise questões de ordem econô-
mica. É uma visão liberal de um dos maiores expoentes do neocontratuslismo.
Outro aspecto importante da teoria da justiça de John Rawls é a importância
que o mesmo reconhece na Constituição, como centro de construção deste novo
contrato social, e por consequência, de uma nova teoria da justiça.

60
UNICESUMAR

A Justiça na Perspectiva do Neocontratualismo

Qual deverá ser a substância da nova pergunta de justiça?


Depois da crise do paradigma epistemológico reducionista da época moder-
na, depois da crise do formalismo jurídico, quais critérios orientadores poderão
se impor?
D’Agostino observa que da multiplicidade de estudos e de propostas elabora-
das nos últimos decênios não emergem linhas unívocas de pensamento: emerge o
temor que se deva considerar como um processo irreversível aquele consumar-se
das tradições e dos costumes como regras do agir que caracteriza todas as socie-
dades ocidentais. No entanto as novas discussões sobre a Justiça não podem ser
privadas de significado [Cf. D’AGOSTINO, 200, pp. 134-135].
O tema central de A Theory of Justice de John Rawls é o “acordo universal
e racional” entre os homens: o mais relevante tratado de Filosofia da Justiça dos
últimos decênios. Segundo D’Agostino a originalidade de Rawls depende da sua
capacidade de elaborar um discurso caracterizado por um universalismo e por
um antiutilitarismo de matriz kantiana, sem entanto recorrer a esquemas me-
tafísicos.
Notemos que John Rawls está muito distante do relativismo, está convencido
que se possa vencê-lo: considera que os homens – desde que possam decidir
em base à estreita razão e não em base ao interesse – têm a possibilidade real de
encontrar um acordo sobre alguns critérios objetivos de Justiça. A insistência
sobre o tema do acordo faz D’Agostino qualificar a doutrina de Rawls como
neo-contratualista [Cf. D’AGOSTINO, 2000, p. 135].
Para John Rawls a referência contratualista possui um valor mais ético que
político: o acordo originário não tem tanto a função de dar vida e de legitimar
uma ordem social artificial, quanto postular como necessário a priori de uma or-
dem social justa a absoluta igualdade dos sujeitos chamados a estipular o Contra-
to Social. Segundo Rawls não existe Justiça se não em um sistema cujos membros
sejam e se reconheçam como iguais entre eles e concorram a dar um fundamento
à sociedade a partir desta sua igualdade de princípio [Cf. D’AGOSTINO, 2000,
pp. 135-136].
O pressuposto operativo do contrato rawlsiano é o véu de ignorância, atrás
do qual deverão ser considerados como postos os sujeitos chamados a individuar
os princípios de Justiça em base aos quais será modelada a comunidade social

61
UNIDADE 5

[D’AGOSTINO, 2000, p. 136].


Rawls reduz tais critérios a dois:

O primeiro requer a igualdade na atribuição dos direitos e dos deveres fun-


damentais, o segundo sustenta que as desigualdades econômicas e sociais, como
aquelas de riqueza e de poder, são justas somente se produzem benefícios com-
pensativos para cada um e em particular para os membros menos avantajados
da sociedade. Estes princípios excluem a possibilidade de justificar as instituições
em base ao fato que os sacrifícios de alguns são compensados por um maior bem
agregado. O fato que alguns tenham menos afim que outros prosperem pode ser
útil, mas não é justo [RAWLS, 2008, I, 3].

A aplicação do primeiro princípio – a igualdade – requer uma ação social


forte e inovadora, voltada a reparar as desvantagens sociais, econômicas e até
mesmo naturais que possam atingir alguns membros da sociedade: desvantagens
que para Rawls devem ser qualificadas como verdadeiros e próprios erros. Para
ele não existe nada, nem mesmo a natureza, que possa justificar os privilégios.
O segundo princípio – a diferença – foi submetido por Rawls a longas e
acuradas análises e foi por ele fundado na lógica do princípio do maximin, as-
sim como vem elaborado pela teoria dos jogos. O maximin implica que todo
aumento de benefício para os mais avantajados socialmente é justo somente se a
ele corresponda e ele seja condição de um maior aumento de benefício para os
menos avantajados [Cf. D’AGOSTINO, 2000, p. 136].
D’Agostino questiona como devemos considerar estes dois princípios de justi-
ça individuados por Rawls? Eles tiram a sua validade do seu caráter estreitamente
racional, ou podem ser considerados como síntese reflexiva e argumentada pelo
ethos do nosso tempo?
Rawls reconhece que a ordem dos valores é historicamente mutável. Se for
verdadeiro que a ideia de liberdade nasceu na história e somente nela encontrou
as suas concretizações jurídicas e institucionais, adquiriu tamanha força como
ideia guia da práxis individual e coletiva, ao ponto de na liberdade e somente nela
o homem reconheceu a sua especificidade e o seu destino [Cf. D’AGOSTINO,
2000, pp. 136-137].
O tema da liberdade, além da sua valência histórica, jurídica e institucional,
possui uma valência metafísica radical. Sob este prisma a Filosofia da Justiça é

62
UNICESUMAR

inadequada a refletir sobre a liberdade e deve limitar-se a considerá-la secundum


quid, isto é, nos limites em que esta ideia incida no seu âmbito problemático.
Segundo D’Agostino, a relutância de Rawls a acrescentar considerações ulte-
riores sobre este ponto é ainda uma vez indício da sua seriedade metodológica e
da sua vontade de permanecer ao interno dos confins por ele mesmo prefixados
[Cf. D’AGOSTINO, 2000, p. 137].

Justiça e Utilitarismo em Rawls

Rawls é um explícito adversário do Utilitarismo. A Justiça não nasce de um


cálculo ou de um estreito balanceamento de interesses, mas sim de uma opção
a priori, que pode também haver uma vaga aparência utilitária, dado que leva
em contas o risco que corre todo sujeito de ser confiado aos papéis sociais me-
nos prestigiosos, mas que na realidade não encontra no desejo de enfrentar este
risco a sua razão última de ser. O utilitarismo deveria comportar o sacrifício da
liberdade e da vida de um indivíduo singular ao bem estar do maior número:
incompatível com o paradigma de Rawls [Cf. D’AGOSTINO, 2000, pp. 137-138].
Mas porque não é compatível? Porque uma opção utilitarista requer um pre-
ciso conhecimento do contexto social real em que é chamada a operar e não teria
sentido se assumida atrás de um “véu de ignorância”. Conclui D’Agostino que
entre o discurso de Justiça e o discurso de útil existe absoluta incompatibilidade.
Submetendo a cálculo o agir humano, o Utilitarismo implica na redução do valor
do homem ao seu “preço”, àquilo que se daria para adquirir o uso do seu poder
[Cf. D’AGOSTINO, 2000, p. 138].
Segundo D’Agostino, o kantismo fundamental de Rawls implica que o ho-
mem tenha uma dignidade e não um “preço”: único fundamento do postulado
da igualdade radical dos sujeitos. O esforço de Rawls é aquele de mostrar como o
princípio da dignidade do homem possa ser respeitado e defendido sem negar os
vínculos e os condicionamentos que a coexistência social impõe a todo indivíduo
[Cf. D’AGOSTINO, 2000, pp. 138-139].

63
UNIDADE 5

A Teoria da Justiça de John Rawls

Rawls mesmo determina o núcleo central de sua teoria da Justiça:

Meu objetivo é apresentar uma concepção de justiça que generalize e eleve a


um nível mais alto de abstração a conhecida teoria do contrato social conforme
encontrada em, digamos, Locke, Rousseau e Kant. Para isso, não devemos achar
que o contrato original tem a finalidade de inaugurar determinada sociedade ou
de estabelecer uma forma específica de governo. Pelo contrário, a ideia norteado-
ra é que os princípios de justiça para a estrutura básica da sociedade constituem
o objeto do acordo original. São eles os princípios que pessoas livres e racionais,
interessadas em promover seus próprios interesses, acertariam em uma situação
inicial de igualdade como definidores das condições fundamentais de sua asso-
ciação. Esses princípios devem reger todos os acordos subsequentes; especificam
os tipos de cooperação social que se podem realizar e as formas de governo que
se podem instituir. Chamarei de justiça como equidade essa maneira de encarar
os princípios da justiça. [RAWLS, 2008, pp. 13-14]

Segundo Rawls, os indivíduos que entram em cooperação social escolhem


juntos os princípios que devem atribuir os direitos e os deveres fundamentais e
determinar a divisão dos benefícios sociais. Os indivíduos devem decidir como
devem regular suas reivindicações mútuas e qual deve ser a constituição funda-
mental da Sociedade.
Assim como cada pessoa deve decidir por meio de reflexão o sistema de fins
que lhe é racional procurar também um grupo de pessoas deve decidir o que
entre elas será considerado justo ou injusto. Para Rawls, a escolha que seres ra-
cionais fariam nessa situação hipotética de igual liberdade definiria os princípios
da justiça [Cf. RAWLS, 2008, p. 14].
Rawls observa que na Justiça como “equidade”, a situação original de igual-
dade corresponde ao estado de natureza da teoria tradicional do contrato social.
Essa “situação” não é tida como situação histórica real, muito menos como situa-
ção primitiva da cultura.
Ele a entende como situação puramente hipotética para levar a determinada
concepção de Justiça. Uma das características dessa situação é o fato de que nin-
guém conhece seu lugar na sociedade, sua classe ou seu status social; e também

64
UNICESUMAR

ninguém conhece sua sorte na distribuição dos recursos e das habilidades natu-
rais, sua inteligência, força e coisas do gênero [Cf. RAWLS, 2008, p. 14]
Rawls presume que as partes não conhecem suas concepções do bem nem
suas propensões psicológicas especiais: os princípios de Justiça são escolhidos
por trás de um véu de ignorância. Segundo ele, esta ignorância natural garante
que ninguém seja discriminado na escolha dos princípios; assim, os princípios
de justiça são resultantes de um acordo ou pacto justo. A simetria das relações
de todos para com todos os demais é equitativa entre os indivíduos tidos como
“pessoas morais” – seres racionais – para se ter um senso de Justiça. A posição
original dos indivíduos é o status quo apropriado; assim os consensos fundamen-
tais alcançados nela são equitativos.
Segundo Rawls, os princípios da Justiça são definidos por acordo em uma
situação inicial que é “equitativa”. A expressão “Justiça como Equidade” não sig-
nifica que estes conceitos sejam idênticos [Cf. RAWLS, 2008, p. 14-15].
Rawls afirma que a Justiça como Equidade começa com a escolha dos princí-
pios primeiros de uma concepção de Justiça que objetiva regular todas as críticas
e reformas das instituições. Assim, elas devem escolher uma Constituição e uma
Legislatura para promulgar leis em consonância com os princípios da Justiça
inicialmente acordados. A situação social será justa se tivermos compactuado o
Sistema Geral de normas que a define.
Segundo Rawls, a posição original define um conjunto de princípios; todos
considerariam seus arranjos sociais como satisfazendo as estipulações que acei-
tariam em uma situação inicial contendo restrições razoáveis e aceitas à escolha
de princípios. O reconhecimento geral desse fato é o fundamento da aceitação
pública dos princípios correspondentes da Justiça.
Rawls observa ainda que nenhuma sociedade pode ser um sistema de coope-
ração no qual se ingressa “voluntariamente”: ao nascer, cada pessoa se encontra
em determinada situação em alguma sociedade específica, e a natureza dessa
situação repercute em suas perspectivas de vida. Uma sociedade que satisfaça os
princípios da Justiça como equidade aproxima-se de ser um Sistema Voluntário,
pois obedece aos princípios com os quais pessoas livres e iguais concordariam
em circunstâncias equitativas: seus membros são autônomos e as obrigações que
reconhecem são autoassumidas [Cf. RAWLS, 2008, pp. 15-16].
Em Rawls, a principal característica da Justiça como equidade é conceber as
partes na posição inicial como racionais e mutuamente desinteressadas. Isso não

65
UNIDADE 5

significa que as partes sejam egoístas, mas são concebidas como pessoas que não
têm interesse nos interesses alheios. Deve-se interpretar o conceito de raciona-
lidade no sentido estrito, que é o mais comum na teoria econômica, de adotar
os meios mais eficazes para determinados fins [Cf. RAWLS, 2008, pp. 16-17].

Segundo Rawls, na elaboração da concepção de Justiça como


equidade, uma das principais tarefas é decidir que princípios da
Justiça seriam escolhidos na posição original.

Ele salienta que, uma vez que os princípios de justiça são considerados decor-
rentes de um pacto original em uma situação de igualdade, não há como saber
se o princípio da utilidade seria reconhecido. Parece pouco provável que pessoas
“iguais” aceitassem um princípio que exija perspectivas de vida inferiores em
troca de uma soma maior de vantagens.
Rawls observa que um homem racional não aceitaria uma estrutura básica
só porque eleva ao máximo a soma algébrica de vantagens, fossem quais fossem
as consequências permanentes dessa estrutura sobre seus próprios direitos e in-
teresses fundamentais. O princípio da utilidade é incompatível com a concep-
ção de cooperação social entre iguais para se obterem vantagens mútuas. Parece
incompatível com a ideia de reciprocidade implícita na ideia de sociedade bem
ordenada [Cf. RAWLS, 2008, p. 17].
Rawls sustenta que as pessoas presentes na situação inicial escolheriam dois
princípios bem diferentes:
- o primeiro princípio requer igualdade na atribuição dos direitos e dos de-
veres fundamentais;
- o segundo princípio afirma que as desigualdades sociais e econômicas só
serão justas se resultarem em vantagens recompensadoras para todos; especial-
mente para os menos favorecidos.
Rawls notou que esses princípios excluem a justificativa de instituições com
base na argumentação de que as privações de alguns são compensadas por um
bem maior agregado. Ele ainda nota que não é justo que alguns tenham menos
para que outros tenham “mais”, porém, não há injustiça nos benefícios maiores
recebidos por poucos, contanto que melhore a situação dos desafortunados.
Se o bem-estar de todos depende da “cooperação” social, a divisão das vanta-
gens deve suscitar a cooperação voluntária de todos que dela participam, inclu-

66
UNICESUMAR

sive dos menos favorecidos. Segundo Rawls, os princípios, acima, são uma base
equitativa sobre a qual os naturalmente mais favorecidos ou socialmente mais
afortunados, possam esperar a cooperação voluntária dos outros quando algum
sistema viável seja uma condição necessária para o bem-estar de todos. Esses
princípios, portanto, expressam a consequência do fato de deixarmos de lado
os aspectos do mundo social que parecem moralmente arbitrários [Cf. RAWLS,
2008, pp. 17-18].
A Justiça como equidade consiste em duas partes: uma interpretação da si-
tuação inicial e do problema da escolha que nela se apresenta; e um conjunto
de princípios que seriam acordados. Segundo Rawls, pode-se aceitar a primeira
parte da teoria, mas não a segunda, e vice-versa. A concepção mais apropriada
dessa situação inicial conduz a princípios de Justiça distintos do Utilitarismo e
do Perfeccionismo, e que a doutrina contratualista é uma alternativa para essas
visões.
A Justiça como equidade é um exemplo do que Rawls chama de Teoria Con-
tratualista. Os termos “utilidade” e “utilitarismo” têm conotações indesejáveis,
não obstante isto, eles são suficientemente claros para quem está disposto a es-
tudar a Doutrina Utilitarista. O mesmo deveria ocorrer com o termo “Contrato”
aplicado às teorias morais: para entendê-lo é preciso ter em mente que implica
certo nível de abstração. Rawls observa que o teor do “acordo” inicial visa aceitar
certos princípios morais: estes seriam aceitos em uma situação inicial bem defi-
nida [Cf. RAWLS, 2008, pp. 18-19].
Segundo Rawls, o mérito da terminologia contratualista é expressar a ideia de
que os princípios da Justiça podem ser concebidos como princípios que seriam
escolhidos por pessoas racionais e que é possível explicar e justificar as concep-
ções de Justiça [Cf. RAWLS, 2008, p. 19].
Rawls afirma que a Teoria da Justiça é uma parte da teoria da escolha racio-
nal. Os princípios de Justiça tratam de reivindicações conflitantes das vantagens
conquistadas pela cooperação social; aplicam-se às relações entre várias pessoas
ou grupos. O termo Contrato indica essa pluralidade, bem como a condição de
que a divisão apropriada das vantagens esteja de acordo com princípios aceitáveis
por todos os cidadãos [RAWLS, 2008, p. 20].
A Justiça como equidade não é uma teoria contratualista completa. Rawls
não afirma com veemência que a noção de Contrato ofereça um modo de tratar
dessa; precisamos reconhecer a abrangência limitada da Justiça como equidade

67
UNIDADE 5

e do tipo geral de visão que exemplifica. Segundo ele não é possível decidir até
que ponto suas conclusões teriam de ser reformuladas, uma vez que essas outras
questões tivessem sido compreendidas [Cf. RAWLS, 2008, pp. 20-21].

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


O quê é “Justiça” e qual sua relação com o Direito? O valor do “Justo” seria
relativo ou absoluto?

Leitura complementar

RAWLS, John. Uma teoria da jus- Rawls, J. O Direito dos Povos, São
tiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Paulo: Martins Editora
764 p.

Saiba mais

John Rawls e o renascimento do liberalismo - Luiz Bernardo Araújo:


http://www.youtube.com/watch?v=Zz4YxPetGLA

68
UNICESUMAR

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre as modernas teorias da Justi-
ça, demos particular atenção ao tema da teoria da Justiça em John Ralws (1921-
2002); em modo peculiar a Justiça como equidade, estabelecida na situação inicial
da sociedade, onde os cidadãos celebram um “contrato” desigual, mas équo.

69
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Como entender o conceito de “Justiça” em Rawls?

2. Como Rawls concebe o conceito de “Equidade”?

3. Em que consiste a Justiça como equidade?

70
Teorias
comtemporâneas
da justiça:
Ronald Dworkin
Dr. José Francisco de Assis Dias

• Introduzir os acadêmicos ao estudo do positivismo e neopositivismo jurí-

dico a partir das reflexões de Ronald Dworkin (1931-2013).


UNIDADE 6

Este Capítulo propõe a análise e estudo de uma teoria da justiça a partir do


pensamento de Ronald Dworkin que se sustenta a partir da defesa do positivismo
jurídico e suas relações com o realismo jurídico.

72
UNICESUMAR

Os Fundamentos do Direito

Segundo Dwordin, o ponto de vista do Direito como simples questão de fato


sustenta que o Direito apoia-se apenas em “mero” fato histórico. Ele coloca o
seguinte desafio ao ponto de vista do Direito como simples fato: Por que insistir
em que a aparência é aqui uma ilusão?
Alguns filósofos do Direito dizem que a divergência teórica sobre os fun-
damentos do Direito deve ser um pretexto, pois o próprio significado do termo
“direito” faz com que o “Direito” dependa de critérios específicos [Cf. DWORKIN,
1999, pp. 38-39].
Segundo Dworkin nossas regras para o uso do termo “direito” ligam o Direito
ao fato histórico puro e simples; todos nós seguimos regras ditadas pela língua
que falamos, e delas não temos plena consciência. À Filosofia cabe explicá-las a
nós; esta tarefa pode apresentar certa dificuldade e divergências. Todos nós usa-
mos critérios factuais para formular, aceitar e rejeitar afirmações sobre a natureza
do “Direito”: os filósofos do Direito devem elucidá-los a nós. Eles podem divergir
entre si, mas compartilhamos alguns padrões sobre o uso que deve ser dado ao
termo “direito” [Cf. DWORKIN, 1999, pp. 39-40].
Os filósofos que insistem em que os advogados seguem, todos, certos critérios
linguísticos para avaliar as proposições jurídicas, talvez inadvertidamente, pro-
duziram teorias que identificam esses critérios. Dworkin dá ao conjunto dessas
teorias o nome de “teorias semânticas do direito”, mas o termo em si requer uma
elaboração. Durante muito tempo, os filósofos do direito embalaram seus pro-
dutos e os apresentaram como definições do direito. John Austin, por exemplo,
de cuja teoria apresentarei uma breve descrição, dizia estar explicando o “signifi-
cado” do Direito. Quando os filósofos da linguagem desenvolveram teorias mais
sofisticadas do significado, os filósofos do direito tornaram-se mais cuidadosos
em suas definições, e passaram então a afirmar que estavam descrevendo o “uso”
dos conceitos jurídicos, com o que queriam dizer, em nosso vocabulário, as cir-
cunstâncias nas quais as proposições jurídicas são consideradas como verdadei-
ras ou falsas por todos os juristas competentes. Na opinião de Dworkin isso não
foi muito além de uma troca de embalagem; de qualquer modo, pretendo incluir
as teorias sobre o “uso” no grupo das teorias semânticas do direito, bem como as
teorias anteriores, que tinham um caráter de definição mais claro. [DWORKIN,
1999, p. 40]

73
UNIDADE 6

O Positivismo Jurídico

Dworkin observa que as Teorias Semânticas pressupõem que os advogados


realmente estejam de acordo quanto aos fundamentos do Direito. Essas teorias
divergem sobre quais critérios eles compartilham e sobre os fundamentos que
estipulam: sustentam que os critérios comuns levam a verdade das proposições
jurídicas a depender de certos eventos históricos específicos. Essas Teorias Po-
sitivistas sustentam o ponto de vista do Direito como “simples questão de fato”,
segundo o qual a verdadeira divergência sobre a natureza do Direito deve ser uma
divergência empírica sobre a história das Instituições Jurídicas [Cf. DWORKIN,
1999, p. 41].
John Austin dizia que uma proposição jurídica é verdadeira no interior de
uma determinada Sociedade Política desde que transmita o comando precedente
de alguma pessoa ou grupo que ocupe a posição soberana em tal sociedade. Ele
definia um soberano como uma pessoa ou grupo cujas ordens “costumam” ser
obedecidas e que não tenha o “costume” de obedecer a ninguém. Sua ideia central
de que o Direito é uma questão de decisões históricas tomadas por aqueles que
detêm o Poder Político, nunca perdeu totalmente a sua força [Cf. DWORKIN,
1999, pp. 41-42].
No livro The Concepto of Law – O conceito do Direito, 1961, H. L. A. Hart
refutava a opinião de Austin de que a autoridade jurídica era um fato puramente
físico de comando e obediência “costumeiros”. Segundo ele, os verdadeiros funda-
mentos do Direito encontram-se na aceitação de uma “regra de reconhecimento”
que atribui a pessoas ou grupos específicos a autoridade “fazer” leis. As proposi-
ções jurídicas são verdadeiras em virtude de convenções sociais que representam
a aceitação de um sistema de regras que outorga a tais indivíduos ou grupos o
poder de criar leis válidas [Cf. DWORKIN, 1999, pp. 42-43].
Com Dworkin podemos nos perguntar em que consiste a “aceitação” de uma
regra de reconhecimento? A ideia fundamental de Hart, a verdade das propo-
sições jurídicas depende essencialmente de padrões convencionais de reconhe-
cimento do Direito, conquistou um amplo assenso [DWORKIN, 1999, p. 43].

74
UNICESUMAR

“Escola do Direito Natural” e “Realismo Jurídico”

A “escola do direito natural” agrupa teorias que sustentam que os juristas


seguem até certo ponto, morais, para decidirem que proposições jurídicas são
verdadeiras. Segundo Dworkin a mais radical dessas teorias afirma que o Direito
e a Justiça são idênticos, de tal modo que nenhuma proposição jurídica injusta
pode ser verdadeira: essa teoria é bastante implausível enquanto teoria semântica,
pois os advogados frequentemente falam de maneira que a contradiz.
Algumas teorias menos radicais do “direito natural” afirmam apenas que
às vezes, a moral é relevante para a verdade das proposições jurídicas. Sugerem
que quando uma lei permite diferentes interpretações a interpretação que foi
moralmente superior será afirmação mais exata do Direito. Dworkin observa
que mesmo essa versão moderada do “Direito natural” é pouco convincente se
a tomarmos como uma teoria semântica sobre o modo como todos os juristas
usam a palavra “Direito” [Cf. DWORKIN, 1999, pp. 38-39].
O segundo rival do Positivismo Jurídico é o Realismo Jurídico. Dworkin
observa que as teorias realistas foram desenvolvidas no início do século XX, so-
bretudo nas escolas de Direito Norte-americanas. Se as tratarmos como teorias
semânticas, elas afirmam que as regras linguísticas seguidas pelos advogados
tornam as proposições jurídicas adjuvantes e pré-anunciativas. O exato signi-
ficado de uma proposição jurídica depende do seu “contexto”. Alguns realistas
afirmaram que o Direito não existe: eles queriam dizer que não existe nada que
se possa chamar de “Direito”, a não serem esses diferentes tipos de previsões.
Porém, o Realismo Jurídico permanece extremamente implausível enquanto
teoria semântica [Cf. DWORKIN, 1999, p. 45].

Uma Defesa do Positivismo Jurídico

Dworkin se concentra no Positivismo Jurídico porque essa é a teoria semân-


tica que sustenta o ponto de vista do “direito como simples questão de fato”;
alega que o verdadeiro argumento jurídico deve ser empírico, não teórico. Se
o positivismo está certo, então a aparente divergência teórica sobre os funda-
mentos do direito, de certo modo é enganadora. Segundo alguns positivistas os
juízes fingem divergir sobre a natureza do Direito porque o público acredita que

75
UNIDADE 6

o Direito existe e que os juízes devem segui-lo. Advogados e juízes conspirariam


sistematicamente para esconder a verdade das pessoas, para não desiludi-las nem
provocar sua raiva ignorante [Cf. DWORKIN, 1999, pp. 45-46].
Segundo Dworkin, não existe nenhuma evidência de que, quando advoga-
dos e juízes parecem discordar sobre o sentido da Lei, eles não estejam falando
a verdade. Ele enfatiza a importância de se estabelecer uma distinção entre o
uso padrão ou intrínseco do termo “direito” e os seus usos: todos os advogados
e juízes seguem aquilo que é basicamente a mesma regra para o uso da palavra
“direito”; portanto, todos concordam.


“(...)sustenta o ponto de vista do “direito como sim-
ples questão de fato”; alega que o verdadeiro argumen-
to jurídico deve ser empírico, não teórico.”

Dworkin observa que os juristas podem usar a palavra “direito” de modo dife-
rente nos casos excepcionais em que alguns fundamentos especificados pela regra
principal são respeitados. Cada um utiliza uma versão ligeiramente diferente da
regra principal, e as diferenças tornam-se manifestas nesses casos específicos. O
uso da palavra “direito” não é diferente de nosso uso de muitas outras palavras
que não consideramos problemáticas [Cf. DWORKIN, 1999, pp. 48-49].
A defesa do Positivismo narra uma história bem diferente daquela de um
simples “fingimento”. Segundo Dworkin, de acordo com essa explicação do “po-
sitivismo”, é melhor pensar que seus argumentos seriam mais adequados ao aper-
feiçoamento do Direito, àquilo que o Direito deveria ser, porque entenderemos
melhor o processo jurídico se usarmos a palavra “direito” somente para descrever
o que se encontra no âmago desse conceito, isto é, se a usarmos somente para
abranger proposições jurídicas verdadeiras segundo a regra central ou principal
do uso de “direito” aceito por todos, como as proposições das leis de trânsito.

Ainda observa Dworkin que seria melhor que os advogados e


juízes usassem “direito” nesse sentido. O Positivismo, assim con-
cebido, tem um caráter tanto reformador quanto descritivo: a tese
do Direito como simples questão de fato [Cf. DWORKIN, 1999, pp.
49-50].

76
UNICESUMAR

Se o problema do conceito de “Direito” é apenas semântico, Dworkin se per-


gunta por que os juristas deveriam discutir se o Direito realmente dá ao Ministro
do Interior o poder de interromper uma barragem quase pronta para salvar um
peixinho; ou se a Lei proíbe a segregação racial nas escolas? Como poderíamos
usar a palavra em um sentido e não em outro? Como poderiam pensar que de-
cisões importantes sobre o uso do poder do Estado pudessem se transformar em
um mero jogo de palavras?
Muitos dos argumentos que os juízes utilizam para sustentar suas afirmações
polêmicas sobre o Direito não são apropriados a essas questões diretamente liga-
das à Política. A nova defesa do Positivismo é uma crítica mais radical da prática
profissional do que poderia parecer à primeira vista. Dworkin conclui que a
tese do “fingimento” mostra os juízes como mentirosos bem-intencionados; já a
tese do “caso limítrofe” mostra-os como indivíduos simplórios [Cf. DWORKIN,
1999, p. 50].
Dworkin ainda observa que a tese do “caso limítrofe” ignora a importante
distinção entre dois tipos de divergência conceptual: a distinção entre casos li-
mítrofes e casos experimentais ou essenciais. Às vezes as pessoas se equivocam
ao interpretar umas às outras: elas concordam sobre a maneira correta de ve-
rificar a aplicação de algum termo em contextos que consideram como casos
normais, mas usam a palavra de modo muito diferente nos contextos que todos
reconhecem como casos excepcionais. Às vezes discutem a adequação de alguma
palavra ou descrição porque divergem sobre a maneira correta de verificar o uso
da palavra ou expressão em qualquer ocasião [Cf. DWORKIN, 1999, pp. 51-52].
Segundo Dworkin, a defesa “sofisticada” do Positivismo interpreta mal a prá-
tica jurídica exatamente nesse sentido: os diferentes advogados e juízes que de-
batem casos polêmicos não pensam estar defendendo direitos marginais ou lato
sensu. Suas divergências sobre a legislação são fundamentais; eles divergem não
só quanto ao “fato”, mas sobre a “razão” pela qual qualquer ato legislativo impõe
os direitos e deveres que todos reconhecem. Eles divergem sobre aquilo que torna
uma proposição jurídica verdadeira, não superficialmente, mas também em sua
essência [Cf. DWORKIN, 1999, p. 52].

77
UNIDADE 6

Argumento a Favor das Teorias Semânticas

Segundo Dworkin, se o argumento jurídico diz respeito a questões vitais, os


advogados não podem usar os mesmos critérios factuais para decidirem quando
as proposições jurídicas são verdadeiras ou falsas: seus argumentos diriam res-
peito à quais critérios utilizar. O esquema das teorias semânticas – extrair regras
comuns de um criterioso estudo daquilo que os advogados dizem e fazem – es-
taria condenado ao fracasso.
Dworkin se pergunta: Por que os positivistas estão tão convencidos de que
o argumento jurídico não é o que parece ser? Por que estão tão seguros, contra
todas as evidências, de que os advogados seguem regras comuns para o uso da
palavra “direito”? A experiência nos ensina exatamente o contrário! [Cf. DWOR-
KIN, 1999, pp. 52-53]
Se dois advogados estão de fato seguindo regras diferentes ao empregar a
palavra “direito”, usando critérios factuais diferentes para decidir quando uma
proposição jurídica é verdadeira, então cada um deles deve ter em sua mente
um conceito diferente quando afirma o que é o “direito”. Os dois não estão diver-
gindo quando um nega e o outro afirma essa proposição: eles estão falando sem
entender um ao outro. Seus argumentos são “inúteis”. Mesmo quando parecem
estar de acordo sobre a natureza do Direito, seu acordo se mostra igualmente
falso [Cf. DWORKIN, 1999, p. 53].
Essas bizarras conclusões devem ser falsas. O direito é uma profissão flo-
rescente e, apesar dos seus defeitos, não se trata de uma “piada grotesca”, afirma
Dworkin: significa alguma coisa afirmar que os juízes devem aplicar a lei, em vez
de ignorá-la; que o cidadão deve obedecer à lei, a não ser em casos muito raros;
e que os funcionários públicos são regidos por suas normas.
Segundo Dworkin, não se pode negar tudo isso simplesmente porque às vezes
divergimos sobre o verdadeiro conteúdo conceptual do termo “direito”. Desse
modo, os filósofos do Direito afirmam que, nos casos difíceis, os juízes apenas
“fingem” divergir sobre o conteúdo conceptual do Direito, ou que os casos difíceis
não passam de discussões limítrofes, à margem daquilo que é claro e comum a
todos; ou então pensam que devem entrar em alguma forma de niilismo a pro-
pósito do Direito.
Dworkin observa que a lógica que preside a essa devastação semântica é o
argumento de que não poderá haver nenhuma ideia ou debate significativos sobre

78
UNICESUMAR

o que seja o Direito. Não temos outra opção a não ser confrontar esse argumento:
trata-se de um argumento filosófico [Cf. DWORKIN, 1999, pp. 53-54].

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


Seria possível afirmarmos o Positivismo Jurídico sem cairmos em um círcu-
lo vicioso que levaria, necessariamente, à dissolução do próprio Direito, como
“Justiça” aplicada à vida do indivíduo humano?

Saiba mais

Positivismo jurídico e a teoria geral do direito


http://www.youtube.com/watch?v=4PXJ9EnLL_0
O processo legislativo e o processo normativo com Eros Roberto Grau
http://www.youtube.com/watch?v=O8VoZMhOMiw

Leitura complementar

DWORKIN, R. O Império do Di- DWORKIN, R. A Justiça de Toga.


reito. Martins Editora. São Paulo: Martins Editora

79
UNIDADE 6

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre as modernas teorias da Jus-
tiça, demos particular atenção ao tema do positivismo e neopositivismo a partir
das reflexões de Ronald Dworkin (1931-2013); em modo peculiar trabalhamos
a teoria semântica do Direito.

80
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Quais seriam os fundamentos do Direito?

2. Como o Positivismo Jurídico concebe a “Lei”?

3. A teoria do “Direito Natural” é necessária para uma adequada compreensão do


“Direito”?

4. Quais seriam os prós e contra do “Positivismo Jurídico”?

5. As “Teorias Semânticas” do Direito podem prescindir de uma ideia natural do


Direito?

81
Teorias
contemporâneas
da justiça:
Amartya Sen
Dr. José Francisco de Assis Dias

• Introduzir os acadêmicos ao estudo da teoria contemporânea da Justi-

ça, entendendo a relação entre liberdade e igualdade no pensamento

de Amartya Sen (1933-?)


UNIDADE 7

A proposta deste Capítulo é a de analisar a teoria da justiça sob a visão de


Amartya Sem, um economista indiano que transita com propriedade pelo campo
da filosofia.
É um liberal que analisa a questão a justiça a partir da economia e os mes-
mo pelos quais, utilizando a economia, devemos caminhar em direção a ideia
de justiça. Como todo liberal, defende a ideia de que somos responsáveis pelas
consequências de nossas ações, que devem ser pautadas por um mínimo padrão
de moralidade.

84
UNICESUMAR

Liberdade e Direitos

Segundo Amartya Sen, a “vantagem” pode ser representada pela liberdade


que a pessoa tem e não pelo que ela realiza, com base nessa liberdade. Isto nos
conduz aos direitos, liberdades e oportunidades reais da pessoa humana. Se na
ponderação ética as vantagens da pessoa forem julgadas segundo as considera-
ções ligadas à liberdade, então não meramente o utilitarismo e o “welfarismo”
– a concepção de que as únicas coisas de valor intrínseco para o cálculo ético e a
avaliação dos estados são as utilidades individuais – mas também várias outras
abordagens que se concentram exclusivamente na realização, terão de ser rejei-
tados [Cf. SEN, 1999, pp. 63-64].
As teorias morais fundamentadas em direitos são bem antigas. Utilitaris-
tas como Jeremy Bentham (1748-1832) muito se empenharam em rejeitá-las,
depreciando as várias doutrinas como “simples bobagem”, “alarido no papel” e
“disparate retórico, retórica em pernas de pau”.
Segundo Amartya Sen, apesar do longo predomínio do Utilitarismo ético, es-
tas teorias dos direitos fundamentais reviveram de diferentes modos, por autores
como John Rawls (1971), Dworkin (1978) e outros [Cf. SEN, 1999, pp. 64-65].
Na tradição utilitarista, os direitos econômicos foram vistos como inteira-
mente “instrumentais” para a obtenção de outros bens, em particular utilidades:
não se atribui nenhuma importância intrínseca à existência ou fruição de direitos;
estes têm sido avaliados segundo sua capacidade de obter boas consequências,
entre as quais não figura o gozo de direitos [Cf. SEN, 1999, p. 65].
A rejeição da importância intrínseca dos direitos provém do “welfarismo”
em geral e não do utilitarismo per se. Segundo Amartya Sen, é justo dizer que a
concepção de que os direitos fundamentais não podem ser intrinsecamente im-
portantes está arraigada na tradição econômica hoje estabelecida; e isso se deve
à influência do utilitarismo e à falta de interesse que a economia do bem-estar
tem demonstrado por qualquer tipo de teoria ética complexa [Cf. SEN, 1999,
pp. 65-66].
Segundo Amartya, o critério utilitarista e também o da eficiência de Vilfredo
Pareto (1848-1923) foram atrativos por não exigirem demais da imaginação ética
do economista convencional [Cf. SEN, 1999, pp. 66-67].

85
UNIDADE 7

Direitos e Liberdade

Amartya nota que algumas teorias sobre direitos, por exemplo a de Robert
Nozick (1938-2002), defende o direito de uma pessoa empenhar-se por qualquer
coisa que lhe aprouver desde que com isso não viole as restrições deontológicas
que a impedem de interferir nas atividades legítimas de outra pessoa. O indivíduo
é livre para empenhar-se por seus interesses, contudo, é preciso reconhecer que a
existência desses direitos não indica que seria eticamente apropriado exercê-los
por meio do comportamento autointeressado: a existência de um direito como
esse serve de restrição para que outras pessoas não impeçam esse indivíduo caso
ele decida buscar a maximização de seu autointeresse, mas isso não é razão para
que ele realmente se empenhe por esse interesse [Cf. SEN, 1999, pp. 71-72].
Segundo Amartya, isso ocorre mesmo quando se concebem os direitos se-
gundo termos “negativos”: valorizar a “liberdade negativa” pode ter implicações
em favor de uma conduta em defesa positiva dessa liberdade para os outros.
Enfatizar a liberdade positiva e o dever de ajudar os outros nesse aspecto tam-
bém poderia reforçar a importância de considerações éticas na determinação
do comportamento real: a aceitação moral dos direitos pode requerer distancia-
mentos sistemáticos do comportamento autointeressado. Esta postura poderia
abalar os pressupostos comportamentais que fundamentam a Teoria Econômica
dominante [Cf. SEN, 1999, pp. 72-73].

Bem-estar, Ação e Liberdade

A martya identificou três limitações da concepção utilitarista, independentes


entre si: precisamos distinguir entre o “aspecto do bem-estar” e o “aspecto de
agente” de uma pessoa.
Ele observa que o “aspecto do bem-estar” abrange as realizações e oportuni-
dades do indivíduo no contexto de sua vantagem pessoal; o “aspecto de agente”
vai além e examina as realizações e oportunidades também em termos de outros
objetivos e valores, possivelmente extrapolando a busca do bem-estar da própria
pessoa humana.
O primeiro aspecto é particularmente importante na avaliação de questões
de Justiça Distributiva e na avaliação da natureza do “quinhão” que cabe à pessoa

86
UNICESUMAR

em termos de vantagem individual. O segundo aspecto contém uma visão mais


abrangente da pessoa humana como agente, incluindo a valorização de várias
coisas que ela gostaria que acontecessem e a capacidade de formar esses objetivos
e realizá-los [Cf. SEN, 1999, pp. 74-75].
Segundo Amartya, esta distinção não implica que a condição de agente de
uma pessoa humana seja independente de seu próprio bem-estar: é natural es-
perar que não se possa obter uma variação substancial em um dos aspectos sem
que haja alguma variação no outro. A abordagem utilitarista da pessoa humana
é prejudicada por não distinguir entre esses dois aspectos diferentes e por fun-
damentar a avaliação normativa somente no aspecto do bem-estar [Cf. SEN,
1999, p. 75].
A concepção utilitarista oferece, segundo Amartya, uma visão de bem-estar
deficiente: embora sentir-se feliz seja uma realização de grande importância,
não é a única realização que importa para o bem-estar de uma pessoa; embora o
desejo de alcançar algo seja um bom indicador da natureza valiosa daquilo que
se deseja, a métrica do desejo pode ser um reflexo muito inadequado do valor
[Cf. SEN, 1999, pp. 75-76].
A liberdade de uma pessoa pode ser considerada valiosa em adição às realiza-
ções dela mesma, observa Amartya: a liberdade pode ser valorizada também em
razão de sua própria importância, extrapolando o valor do “resultado” alcançado
[Cf. SEN, 1999, p. 76].
Amartya estabelece quatro categorias distintas de informações relevantes
sobre uma pessoa: “realização de bem-estar”, “liberdade de bem-estar”, “realização
da condição de agente” e “liberdade da condição de agente”.
Na economia do bem-estar, essa pluralidade se reduz a uma única categoria
graças a se considerar a liberdade valiosa apenas instrumentalmente; supor-se
que a condição de agente de toda pessoa se orienta exclusivamente para seus
interesses individuais [Cf. SEN, 1999, p. 77].

Pluralidade e avaliação

Segundo Amartya, na abordagem utilitarista, todos os diversos bens são re-


duzidos a uma magnitude descritiva homogênea e a avaliação ética simplesmente
assume a forma de uma transformação monotônica dessa magnitude. Segundo

87
UNIDADE 7

ele, na medida em que se supõe que a avaliação ética assume a forma de uma
ordenação completa e transitiva, não poderia existir nada formalmente estranho
em conceituar a bondade como um valor ético homogêneo.
Amartya demonstra que essa concepção da bondade em termos de uma orde-
nação necessariamente completa e transitiva é demasiado restritiva e deficiente,
mas a insistência na homogeneidade descritiva do objeto de valor na forma de
alguma quantidade de utilidade é um requisito adicional e muito mais restritivo.
Existe uma concepção unificada e completa da bondade ética; e os objetos de
valor têm de ser do mesmo tipo nessa concepção “monista” [Cf. SEN, 1999, pp.
77-78].
Amartya não menospreza a importância dessas questões gerais: recusa-se a
ver o problema em termos de uma necessidade a priori de homogeneidade des-
critiva do que deve ser valorizado. Esse requisito arbitrário da homogeneidade
descritiva dos objetos de valor tem de ser claramente distinguido da questão “se
a avaliação ética deve ou não conduzir a uma ordem completa e consistente”: a
questão da ordenação ética não deve ser confundida com a da homogeneidade
descritiva [Cf. SEN, 1999, pp. 78-79].
Segundo Amartya, a “realização de bem-estar” exigirá que se atente para as
várias coisas importantes que uma pessoa consegue fazer: é nessa lista que o
funcionamento de “estar feliz”, que alguns utilitaristas consideram a base de toda
valoração, pode inter alia figurar não sem razão [Cf. SEN, 1999, pp. 79-80].
Existem diversidades correspondentes no âmbito da “realização da condição
de agente” e da “liberdade da condição de agente”: quando passamos das reali-
zações e liberdade de uma pessoa para as de um conjunto de muitas pessoas,
salienta-se ainda mais a natureza dessa pluralidade. Segundo Amartya, nada
existe de particularmente embaraçoso em uma estrutura plural; ao contrário, a
estrutura “monista” não consegue escapar de ser arbitrariamente excludente [Cf.
SEN, 1999, p. 80].
O termo “utilidade” frequentemente é empregado de modo intercambiável
com “valoração”. Segundo Amartya, os problemas analíticos estudados no âmbito
da estrutura das “funções de utilidade” também permitem discernir aspectos
significativos da natureza da avaliação plural. Ainda segundo ele, a literatura
formal sobre teoria da escolha social está repleta de variados “teoremas da im-
possibilidade”, bem como de resultados de possibilidade positivos e teoremas de
caracterização construtiva [Cf. SEN, 1999, p. 80-81].

88
UNICESUMAR

Direitos e Consequências

Segundo Amartya, a riqueza de considerações éticas que poderiam ser im-


portantes tanto para a economia do bem-estar quanto para a economia preditiva
é muito maior do que tradicionalmente tem sido proposto nessas áreas. Ele nos
mostra que isso requer uma expansão reparadora no conjunto de variáveis e in-
fluências que encontram lugar na análise econômica [Cf. SEN, 1999, pp. 86-87].
Amartya admite que direitos morais ou liberdade não são conceitos que re-
cebem muita atenção da economia moderna. Segundo ele, na análise econô-
mica os direitos são vistos tipicamente como entidades puramente legais com
uso instrumental, sem nenhum valor intrínseco. Uma formulação adequada de
direitos e liberdade pode fazer bom uso do raciocínio consequencial do tipo
tradicionalmente encontrado em economia [Cf. SEN, 1999, p. 87].
No renascimento da ética fundamentada em direitos, os direitos têm sido
vistos em termos deontológicos, assumindo a forma de restrições às quais os
outros têm de obedecer. Segundo Amartya, o sistema de estrutura moral baseado
em direitos proposto por Robert Nozick é um exemplo desse caso.
Amartya nota que se pode dizer que esse tipo de estrutura deontológica talvez
não seja adequado para tratar dos problemas complexos de interdependência
generalizada encontrados na moralidade social (inclusive na economia norma-
tiva): se a obediência não for perfeita, com alguns desobedecendo às restrições
importantes, os outros não deveriam tentar impedir essas violações? Esses requi-
sitos morais não assumiriam a forma de restrições, mas sim de tentar impedir os
transgressores [Cf. SEN, 1999, pp. 87-88].
Amartya nos dá um exemplo ilustrador: se José estiver violando gravemente
um direito de Maria; João, que testemunha o fato, tem o dever de ajudar a vítima e
tentar impedir a agressão? Ainda, João estaria correto ao cometer alguma “peque-
na” violação de algum direito de Juliana (quarta pessoa coenvolvida) para ajudar
a impedir a violação maior e mais importante dos direitos de Maria, cometida
por José fortemente armado?


“Segundo ele, na análise econômica os direitos são
vistos tipicamente como entidades puramente legais
com uso instrumental (...)”

89
UNIDADE 7

Amartya observa se os direitos apenas assumem a forma de restrições – Não


viole os direitos dos outros – e as restrições são como as especificadas no sistema
de Robert Nozick, então João não deve tentar ajudar Maria dessa maneira, pois
ele não tem obrigação de ajudar Maria; e tem obrigação de não violar os direitos
de Juliana [Cf. SEN, 1999, pp. 88-89].
Segundo Amartya, esse tipo de “interdependência geral” requer a internaliza-
ção de cômputos externos, sendo mais praticável fazê-lo incorporando-se o valor
da fruição de direitos e o desvalor da violação de direitos à avaliação da situação
resultante: a estrutura de raciocínio consequencial e investigação de interdepen-
dências extensivamente desenvolvida em economia em muitos contextos facilita
o discernimento quando envolvidos na apreciação do valor dos direitos em uma
sociedade [Cf. SEN, 1999, p. 89].

Avaliação Consequencial e Deontologia

A martya nota que esse tipo de abordagem dos direitos encontra certa resis-
tência, especialmente porque o reavivamento da argumentação fundamentada
em direitos proveio com frequência de posições filosóficas suspeitas de empre-
gar raciocínio “consequencialista”: teme-se que rejeitar a concepção dos direitos
como restrições deontológicas inflexíveis pode resultar em “jogar fora o bebê
junto com a água suja” [Cf. SEN, 1999, p. 90].
Segundo Amartya, esses receios são essencialmente equivocados: eles surgem
da tradição de combinar consequencialismo com “welfarismo”, de modo que não
apenas as ações são julgadas segundo a bondade de estados de coisas, mas esta
também é julgada inteiramente segundo as utilidades consequentes. Ele ainda
nota que o fato de o utilitarismo incorporar tanto o consequencialismo quanto o
“welfarismo” tem dificultado dissociar os dois elementos; porém, é óbvio que eles
são elementos distintos e essencialmente independentes [Cf. SEN, 1999, p. 90].
Se as violações de direitos, observa Amartya, forem consideradas coisas más
e o gozo de direitos for considerado coisa boa, o “welfarismo” fica comprometi-
do, pois requer que nada além das utilidades possua valor intrínseco: quando os
diferentes elementos do utilitarismo são desmembrados, vê-se que pode muito
bem coexistir com o consequencialismo [Cf. SEN, 1999, pp. 90-81].
O segundo aspecto destacado por Amartya é que seria um erro não dar aten-

90
UNICESUMAR

ção às consequências mesmo quando se está lidando com objetos intrinsecamen-


te valiosos: o argumento em favor do raciocínio consequencial surge do fato de
que as atividades têm consequências; mesmo aquelas atividades intrinsecamente
valiosas podem ter outras consequências. O valor intrínseco de qualquer ativida-
de não é uma razão adequada para menosprezar seu papel instrumental; e, por
sua vez, a existência de uma importância instrumental não é uma negação do
valor intrínseco de uma atividade.
Amartya ainda nota que para chegar a uma avaliação global do status ético
de uma atividade é necessário não apenas considerar seu valor intrínseco, mas
também examinar as diversas consequências intrinsecamente valiosas ou não
valiosas que essa atividade pode ter [Cf. SEN, 1999, p. 91].
O terceiro aspecto que Amartya ressalta é que o raciocínio consequencial
pode ser empregado de modo proveitoso mesmo quando o consequencialismo
propriamente dito não é aceito. Ele observa que não fazer caso das consequên-
cias é deixar uma história ética pela metade. O consequencialismo exige que a
correção das ações seja julgada inteiramente segundo a bondade das suas con-
sequências, e isso é a exigência de deixar de lado todo o resto.
Segundo Amartya, é óbvio que essa dicotomia pode ser reduzida vendo as
consequências em termos amplos, incluindo o valor das ações empreendidas ou
o não valor dos direitos violados. Ele demonstra que essa ampliação é proveitosa;
ela é essencial, porém, mesmo depois de uma ampliação total, pode permanecer
uma lacuna entre a avaliação consequencialista e a avaliação deontológica sen-
sível às consequências. A análise consequencial pode ser considerada necessária,
mas não suficiente, para muitas decisões morais [Cf. SEN, 1999, pp. 91-92].
O quarto aspecto ressaltado por Amartya é que o raciocínio consequencial
pode ser combinado à “relatividade quanto à posição” da avaliação dos estados
de coisas. Ele nota que é uma questão de estrutura interna de uma abordagem
ética insistir, ou não insistir, em que pessoas diferentes, independentemente de
suas posições, devem avaliar um mesmo estado de coisas exatamente da mesma
maneira [Cf. SEN, 1999, pp. 92-93].
Amartya observa que as várias características da moralidade relativa ao agen-
te aplicada aos atos podem ser encaixadas em um sistema consequencialista: as
vantagens do raciocínio consequencial que usa a interdependência e a pondera-
ção instrumental podem ser combinadas à avaliação intrínseca, à sensibilidade
ao agente e relatividade à posição da avaliação moral [Cf. SEN, 1999, p. 93].

91
UNIDADE 7

Segundo Amartya, se o raciocínio consequencial for usado sem as limitações


adicionais impostas pela independência de posição e pela ignorância do possí-
vel valor intrínseco de variáveis instrumentalmente importantes, a abordagem
consequencial pode fornecer uma estrutura sensível e sólida para o pensamento
prescritivo em questões como direitos e liberdade [Cf. SEN, 1999, pp. 93-94].

Reflita

Nesta unidade vimos a base sobre a qual estão enraizados todos os direitos
dos trabalhadores celetistas: a relação de emprego.
É importante que você tenha apreendido e gravado os elementos que carac-
terizam a relação de emprego, para que em análise prática saiba identificar cada
um dos requisitos.
Ainda deve-se conhecer a fundamentação das duas correntes, contratualistas
e anticontratualistas, e suas teorias que tentam explicar a natureza jurídica da
relação de emprego.

Saiba mais

Academia - Direito à diferença (1/3):


http://www.youtube.com/watch?v=BrBz8V6eR1k&list=PLD637F-
D0A50F31758

92
UNICESUMAR

Leitura complementar

SEN, Amartya. A Ideia de Justiça. SEN , Amartya. Desenvolvimen-


COMPANHIA DAS LETRAS to Como Liberdade - Livro de Bolso.
Companhia de Bolso

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre as modernas teorias da Justi-
ça, demos particular atenção ao tema da “Relação Entre Liberdade e Igualdade em
Amartya Sen (1933-?)”, onde conhecemos o seu pensamento sobre “Liberdade e
Direitos”, “Direitos e Liberdade”, “Bem-estar, Ação e Liberdade”, “Pluralidade e
avaliação”, “Direitos e Consequências” e “Avaliação Consequencial e Deontologia”.

93
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Qual a relação entre liberdade e direitos?

2. Como se caracteriza a teoria do “Bem-estar”, em vista de conciliá-la à Liberdade?

3. Apresente os principais elementos éticos indispensáveis para que se possa con-


seguir uma “igualdade” de direitos na “pluralidade” de valores!

4. As “consequências” dos atos bons, às vezes podem ferir “Direitos” de terceiros:


apresente as posições de Amartya!

5. Apresente uma crítica à “Avaliação Consequencial”, fazendo uma análise da ética


“deontológica”.

94
Fundamentos
filosóficos da
formação da cultura
moderna ocidental:
Baruch Spinoza
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo dos fundamentos filosóficos da for-

mação da Cultura Moderna ocidental, em particular o anti-contratualis-

mo e o Direito Natural em Baruch Spinoza (1632-1677)


UNIDADE 8

A proposta deste Capítulo é o de analisar a filosofia do direito na perspectiva


de Baruch Spinosa, um filósofo influenciado tanto pela visão judaica de mundo,
quanto pela visão cristã.
Spinoza defende a ideia de que o verdadeiro propósito do governo deve ser
a liberdade, ainda que seja um autor polêmico, principalmente a partir de suas
análises da Bíblia sobre a veracidade histórica de seus conhecimentos, o autor se
apresenta com uma visão humanitária, com equilíbrio, perspectiva e tolerância,
são as consequências que decorrem do aspecto social da obra de Spinoza.

96
UNICESUMAR

O Estado e As Paixões

Segundo Spinoza, o Estado não é resultado da ação racional dos homens, mas
do choque de suas paixões: sozinhos, os homens não podem sobreviver. Quando
os homens se uniram e formaram um Estado, simplesmente trocaram seus medos
e esperanças individuais por medo e esperança comunitários.
Chauí conclui que, se o Estado nasce e vive da paixão, sua essência é a violên-
cia: escrever uma Ciência Política, deixando de lado a violência, é escrever uma
utopia, nunca uma verdadeira “teoria” política.
Segundo Spinoza, o Estado tem seu próprio conatus, que pode ou não estar
em conflito com o conatus dos indivíduos que o compõem. Se o conflito entre
estes dois “conatus” é tal que aniquila os cidadãos, estes naturalmente se revoltam:
a revolução está inscrita no interior do próprio Estado quando este é contrário
às necessidades da comunidade; portanto, o Estado menos violento e menos
conflituoso só pode ser o Estado democrático.
Segundo Spinoza, o Estado pode ser destruído internamente por uma re-
volução ou externamente por uma guerra ou invasão; por causa destes perigos
que se aceita a militarização do Estado como forma de sua conservação. Porém,
pode ocorrer que ou o exército disputa o poder com a autoridade civil e aniquila
o Estado com uma guerra interna; ou o exército toma o poder, mas o despotismo
leva a uma revolução dos súditos. Chauí evidencia que segundo Spinoza o Estado
só pode se preservar e se defender externamente se o povo puder estar armado,
em vez de entregar as armas aos mercenários ou a uma casta militar [Cf. CHAUÍ,
Os Pensadores, 1979, pp. XXII-XXIII].
Segundo Spinoza, quando o poder político, para assegurar-se, une-se com
o poder religioso e usa a superstição como arma, tende a censurar a liberdade
de pensamento e de expressão; a censura gera o descontentamento e este se ex-
pande pouco a pouco para a massa, a sublevação acaba por vir. No seu Tratado
Teológico-Político, ele afirma que a liberdade de pensamento e expressão não
são contrárias à paz do Estado, mas é a condição dessa paz.
Chauí nota que a Teoria Política de Spinoza se vincula diretamente à sua
teoria da ação e da paixão humana – o conflito das paixões aniquila o conatus;
os conflitos no interior do Estado também o aniquilam. Um Estado mais fraco –
despótico – é vencido pelo mais forte – democrático, sem que se deva confundir
a liberdade política, puramente passional, com a liberdade verdadeira, puramente

97
UNIDADE 8

racional. Ela ainda nota que o Estado está sempre sub specie durationis, sendo
que o conhecê-lo sub specie aeternitatis é apenas apresentar a essência do Estado
[Cf. CHAUÍ, Os Pensadores, 1979, pp. XXIII-XXIV].

O Direito Natural

Segundo Spinoza, o poder pelo qual existem e agem os seres da Natureza é o


próprio poder de Deus; que é o direito natural. Deus tem direito sobre todas as
coisas e o direito de Deus não é senão o Seu próprio poder considerado na sua
liberdade absoluta. Portanto, todo ser na Natureza tem dela tanto direito quanto
capacidade tem para existir e agir: a capacidade pela qual existe e age qualquer
ser da Natureza não é outra coisa senão o próprio poder de Deus, cuja liberdade
é absoluta [Cf. SPINOZA, Tratado Político, Capítulo II, § 3].
Portanto, por direito natural, Spinoza entende as próprias leis ou regras da
Natureza segundo as quais tudo acontece, isto é, o próprio poder da Natureza.
O direito natural da Natureza inteira, e consequentemente de cada indivíduo,
estende-se até onde vai a sua capacidade; portanto, segundo Spinoza, tudo o que
faz um homem, seguindo as leis da sua própria natureza, fá-lo em virtude de um
direito natural soberano, e tem sobre a Natureza tanto direito quanto poder [Cf.
SPINOZA, Tratado Político, Capítulo II, § 4].
Portanto, para Spinoza, se a natureza humana estivesse disposta de tal modo
que os homens vivessem seguindo unicamente as prescrições da Razão, se todo o
seu esforço tendesse apenas para isso, o Direito Natural, enquanto se considerasse
o que é próprio do gênero humano, seria determinado somente pela capacidade
da Razão.
Spinoza, porém, observa que os homens são mais conduzidos pelo desejo
cego do que pela Razão; por consequência, a capacidade natural dos homens, isto
é, o seu direito natural, deve ser definido não pela Razão mas por toda a vontade
que os determina a agir e através da qual se esforçam por se conservar.


“Portanto, por direito natural, Spinoza entende as
próprias leis ou regras da Natureza segundo as quais
tudo acontece, isto é, o próprio poder da Natureza.”

98
UNICESUMAR

Segundo Spinoza, estes desejos que não têm a sua origem na Razão não são
tanto ações como paixões humanas; mas como se trata aqui do poder universal
da Natureza, não podemos reconhecer neste momento nenhuma diferença entre
os desejos que a Razão engendra em nós e os que têm outra origem: são efeitos
da Natureza e manifestam a força natural pela qual o homem se esforça por
perseverar no seu ser.
Spinoza observa que, sábio ou insensato, o homem é sempre parte da Na-
tureza; o homem nada faz que não esteja conforme com as leis e as regras da
Natureza, ou seja, em virtude do Direito Natural [Cf. SPINOZA, Tratado Político,
Capítulo II, § 5].
A maioria dos homens, porém, crê que os insensatos perturbam a ordem da
Natureza mais do que a seguem, concebendo os homens na Natureza como um
império dentro de outro. Eles julgam que a alma humana, longe de ser produzida
por causas naturais, é imediatamente criada por Deus com poder absoluto para se
determinar a si mesma e para usar do direito da Razão. Spinoza, porém, observa
que a experiência ensina que está tanto no nosso poder ter uma alma sã quanto
um corpo são: tudo quanto existe em si mesmo se esforça por conservar o seu
ser; cada um obedece à atração do prazer que procura.

Spinoza ainda nota que esta dificuldade foi eliminada pelos teó-
logos, quando declaram que a causa desta incapacidade da natu-
reza humana é a queda do primeiro homem:

se este estivesse na posse de si mesmo e de uma natureza ainda não viciada,


como poderia, possuindo saber e prudência, ter caído?
Spinoza ainda pergunta: como pôde acontecer que o primeiro homem, na
posse de si mesmo e senhor da sua vontade, se tenha deixado seduzir e ludibriar?
Ele, tendo poder sobre si mesmo, se esforçaria necessariamente por conservar o
seu ser e a sua alma sãos: é preciso reconhecer que não estava no poder do pri-
meiro homem usar retamente da Razão, mas que ele estava, como nós o estamos,
submetido às paixões [Cf. SPINOZA, Tratado Político, Capítulo II, § 6].
O homem, assim como os outros indivíduos, esforça-se por conservar o seu
ser: quanto mais o homem é concebido como livre, mais somos obrigados a
julgar que deve necessariamente conservar o seu ser e possuir-se a si mesmo. A
liberdade é uma virtude, uma perfeição; consequentemente, nada do que atesta

99
UNIDADE 8

impotência no homem se pode relacionar com a sua liberdade.


Segundo Spinoza, o homem só pode ser qualificado como livre na medida em
que tem o poder de existir e de agir segundo as leis da natureza humana, portanto,
quanto mais consideramos que um homem é livre, menos podemos dizer que ele
não pode usar da Razão e preferir o mal ao bem. Consequentemente, Deus, por
ser absolutamente livre, conhece e age necessariamente, ou seja, existe, conhece
e age por uma necessidade da Sua própria natureza: Deus age com a mesma ne-
cessidade com que existe, com uma absoluta liberdade [Cf. SPINOZA, Tratado
Político, Capítulo II, § 7].
Spinoza conclui que não está no poder de cada homem usar sempre da Razão
e manter-se no cume da liberdade humana. Todavia, todos os homens sempre
se esforçam por conservar o seu ser tanto quanto está em si. Dado que o direito
de cada um tem por medida a sua potência, tudo por que se esforça e tudo o
que faz o faz por um direito soberano de natureza. Desta premissa se segue que
o “direito” e a “regra de natureza” sob os quais nascem todos os homens e sob
os quais vivem a maior parte do tempo, impedem somente aquilo que ninguém
tem o desejo ou o poder de fazer. Spinoza observa que não são contrários nem
às lutas, nem aos ódios, nem à cólera, nem ao dolo, nem absolutamente a nada
que a vontade aconselha.
Ele ainda afirma que nada há de surpreendente nisto, pois a Natureza de
modo algum está submetida às leis da Razão humana que tendem unicamente à
verdadeira utilidade e à conservação dos homens: a Natureza compreende uma
infinidade de outras “leis” que respeitam à ordem eterna, à Natureza inteira, das
quais o homem é uma parte.
Segundo Spinoza, é apenas pela necessidade desta “ordem” natural que todos
os indivíduos estão determinados a existir e a agir: tudo o que nos parece ridí-
culo na Natureza, absurdo ou mau, aparece assim apenas porque conhecemos
as coisas parcialmente, desconsiderando a “ordem” universal da Natureza e as
ligações existentes entre as coisas. Nós pretendemos, portanto, que tudo seja
dirigido conforme a nossa Razão, que afirma ser mau aquilo que realmente não
o é, se considerarmos a ordem e as leis universais [Cf. SPINOZA, Tratado Po-
lítico, Capítulo II, § 8]. Cada indivíduo humano depende do outro, na medida
em que está no poder dele; na medida em que pode repudiar qualquer violência,
castigar o dano que lhe é causado e viver segundo a sua própria compleição [Cf.
SPINOZA, Tratado Político, Capítulo II, § 9].

100
UNICESUMAR

Segundo Spinoza, o compromisso de fazer ou de não fazer alguma coisa,


quando se tem o poder de agir contrariamente à palavra dada, permanece em
vigor enquanto a vontade daquele que prometeu não se altera: quem tem poder
para romper os seus compromissos para com os outros, de modo algum alienou
os seus direitos, pois eram apenas compromissos verbais. Se quem é, por direito
natural, seu próprio juiz julgou retamente ou não – segundo Spinoza errar é pró-
prio do homem – que o compromisso tomado terá para si consequências mais
nocivas que úteis e se considera em sua alma que tem interesse em quebrá-lo,
pode quebrá-lo por direito natural [Cf. SPINOZA, Tratado Político, Capítulo II,
§ 12].
Spinoza ainda afirma que se duas pessoas concordam entre si e unem as suas
forças, terão mais poder conjuntamente e um direito superior sobre a Natureza
que cada uma delas não possuía sozinha; portanto, quanto mais numerosos fo-
rem os homens que ponham as suas forças em comum, mais direito terão eles
todos [Cf. SPINOZA, Tratado Político, Capítulo II, § 13].
Spinoza concebe que na medida em que os homens são tomados por qual-
quer sentimento de ódio se opõem e se contrariam mutuamente; tornam-se mais
temíveis do que os outros animais. Como os homens estão muito sujeitos por
Natureza a estes sentimentos, são também inimigos uns dos outros; o maior ini-
migo é aquele que para mim é mais temível e de quem mais devo defender-me
[Cf. SPINOZA, Tratado Político, Capítulo II, § 14].
Assim como no estado natural cada indivíduo humano é senhor de si mes-
mo, podendo defender-se da opressão dos outros. Segundo Spinoza, porque o
esforço de autodefesa se torna ineficaz sempre que o Direito Natural for deter-
minado pelo poder de cada indivíduo, esse “direito” será inexistente ou só terá
uma existência puramente teórica: não há nenhum meio seguro de conservá-lo.
Cada indivíduo tem tanto menos poder e menos “direito” quanto mais razões
tem para temer o outro.
Spinoza acrescenta que, sem mútua cooperação, os homens nunca poderão
viver bem e cultivar a sua própria alma: o Direito Natural dificilmente pode ser
concebido, a não ser quando os homens têm direitos comuns, terras que podem
habitar e cultivar em comum, quando podem vigiar a manutenção do seu poder,
proteger-se, combater qualquer violência e viver segundo uma vontade comum.
Consequentemente, quanto maior for o número dos que tenham formado um
corpo social, tanto mais direitos usufruirão também em comum [Cf. SPINOZA,

101
UNIDADE 8

Tratado Político, Capítulo II, § 15].


Segundo Spinoza, quando os homens têm direitos comuns e são todos con-
duzidos por um “único” pensamento, é certo que cada um possui menos direitos
quanto mais todos os outros reunidos o sobrelevem em poder: cada indivíduo
não tem direito sobre a Natureza, senão o que lhe confere a Lei Comum. O indiví-
duo tem de fazer tudo o que lhe é imposto pela vontade comum, pois a sociedade
há o “direito” de o obrigar [Cf. SPINOZA, Tratado Político, Capítulo II, § 16].
Spinoza, cita o costume de chamar “poder público” a este direito que define
o poder do número. Possui este “poder” quem, através da vontade geral, cuida
da “res publica” – a coisa pública: se esta tarefa é confiada a uma Assembleia de
todos os cidadãos, o Poder Público é chamado Democracia; se a Assembleia se
compõe de algumas pessoas escolhidas, então se tem a Aristocracia; por fim, se o
Poder Público pertence a um só indivíduo, chama-se Monarquia [Cf. SPINOZA,
Tratado Político, Capítulo II, §17].
Segundo Spinoza, a justiça e a injustiça não se podem conceber senão dentro
do Estado. Nada existe na Natureza que possa ser dito, por “direito”, pertencente
a este e não àquele indivíduo, mas tudo pertence a todos: cada indivíduo tem
direito na medida em que possui “poder”. Em um Estado em que a Lei Comum
decide o que pertence a cada indivíduo, “justo” é quem tem uma vontade cons-
tante de atribuir a cada um o que é seu, e injusto o que se esforça por tomar para
si o que pertence aos outros [Cf. SPINOZA, Tratado Político, Capítulo II, § 23].
Spinoza observa que um homem é senhor de si mesmo, quando vive sob a
conduta da Razão; também uma “cidade” é mais poderosa quando fundada e
governada segundo a Razão: a melhor “regra” para se conservar a si mesmo é
aquela instituída pela Razão. Daqui resulta que o melhor que um homem ou uma
cidade possam fazer é o que fizer enquanto completamente senhor de si próprios.
Porém, uma coisa é cultivar um campo em virtude de um direito, outra coisa
cultivar esse campo o melhor possível; uma coisa é defender-se, conservar-se, jul-
gar em virtude do direito próprio, outra coisa defender-se, conservar-se e julgar
o melhor possível; portanto, uma coisa é comandar em virtude do direito e ter o
encargo dos negócios públicos, outra é comandar e governar o melhor possível
a coisa pública [Cf. SPINOZA, Tratado Político, Capítulo V, § 1].
Segundo Spinoza, facilmente se conhece a condição de qualquer Estado con-
siderando o fim em vista do qual ele se funda: a paz e a segurança da vida. O
melhor governo é aquele sob o qual os homens passam a sua vida em concórdia

102
UNICESUMAR

e cujas leis são observadas sem violação: os homens não nascem cidadãos, mas
se formam tais. Ora, se reina uma maior malícia numa cidade e se aí se cometem
pecados em maior número, isso é devido a ela não promover suficientemente a
concórdia, as suas instituições não são suficientemente prudentes e não estabe-
leceu absolutamente um Direito Civil.
Spinoza conclui que um Estado Civil que não suprimiu as causas de sedição e
onde a guerra é constantemente temida, onde as leis são frequentemente violadas,
não difere muito do Estado Natural, em que cada um, com maior perigo para
a sua vida, age segundo a própria compleição [Cf. SPINOZA, Tratado Político,
Capítulo V, § 2].
Quando Spinoza diz que o melhor Estado é aquele em que os homens vivem
na concórdia, entende que é onde os homens vivem uma vida propriamente
“humana”, uma vida que não se define pela animalidade, mas principalmente
pela Razão, pela virtude da alma e pela vida verdadeira [Cf. SPINOZA, Tratado
Político, Capítulo V, § 5].
O Estado que Spinoza afirma como instituído com o fim de fazer reinar a
concórdia deve ser entendido como instituído por uma população livre; não
como estabelecido por direito de conquista sobre uma população vencida. Ele
observa que, sobre uma população livre, a esperança exerce maior influência do
que o medo; sobre uma população submetida pela força, é o medo o grande mo-
vente, não a esperança. Em uma população livre existe o culto da vida, em uma
população submetida existe apenas a procura por escapar à morte; a primeira se
esforça por viver por si mesma, a segunda obedece constrangida à lei do vencedor.
É o que Spinoza expressa ao dizer que uma é escrava e a outra livre: a finalidade
de um poder adquirido pelo direito da guerra é o domínio; quem o exerce tem
escravos e não súditos. Ainda que entre o Estado criado por uma população livre
e aquele originado pela conquista não haja diferença essencial, se considerarmos
a noção geral de Direito Civil, há entre eles uma grande diversidade, quer quanto
ao fim a atingir, quer quanto aos meios que cada um deve usar para subsistir [Cf.
SPINOZA, Tratado Político, Capítulo V, § 6].

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:

103
UNIDADE 8

A afirmação da existência real de um “Direito Natural” poderia enfraquecer


o “Direito Positivo” ou “posto”? Seria possível uma conciliação da teoria jurídica
“naturalista” com a teoria “positivista”, partindo do pensamento de Spinoza?

Leitura complementar

Espinosa, Baruch de. Tratado Po- Espinosa, Baruch de. Ética De-
lítico. Martins Fontes monstrada à Maneira dos Geômetras
- Coleção a Obra Prima de Cada Au-
tor - Série Ouro ... MARTIN CLARET

104
Fundamentos
filosóficos da
formação da cultura
moderna ocidental:
Friedrich Nietzsche
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo dos fundamentos filosóficos da for-

mação da Cultura Moderna ocidental, em particular o Imoralismo Friedri-

ch Nietzsche (1844-1900).
UNIDADE 9

A proposta deste Capítulo é analisar a contribuição do pensamento filosófico


de Nietzsche para a cultura ocidental, chamado de pessimista por uns e de realista
por outros, a sua obra, preferencialmente escrita em forma de “aforismos” requer
uma leitura atenta e não-reducionista de seu pensamento.
É um dos primeiros autores a apresentar uma nova visão sobre a moral e a
ética a partir do homem moderno, visão está bem delineada na obra Genealogia
da Moral.
Autor polêmico, principalmente quando se realiza a leitura de sua obra a
partir de frases e parágrafos polêmicas, como por exemplo, a expressão “Deus
está morto”, ou ainda, a “moral do senhor e do escravo” e outros, é um filósofo
que expressa bem o homem angustiado da modernidade.

106
UNICESUMAR

A Filosofia da Vida

Apesar da redução e da perversão da Razão, o Positivismo e o Marxismo ain-


da se movem dentro do quadro do “Racionalismo” europeu. Welzel observou que
a razão foi posta em discussão pelas potentes correntes do “Voluntarismo” e do
“Irracionalismo”, que irromperam com o pensamento de Arthur Schopenhauer
(1788-1860) e de Søren Kierkegaard (1813-1855); conduzindo, depois, à Filosofia
da Vida e ao Existencialismo [Cf. WELZEL, 1965, p. 305].
Segundo Welzel o problema se toca à Razão ou à Vontade o primado, ao longo
do Pensamento Ocidental, sempre foi reproposta, recebendo soluções diversas.
Nunca, porém, a razão tinha sido reduzida a mera função de uma “Vontade”, in-
terpretada como uma força natural, cega e instintiva [Cf. WELZEL, 1965, p. 305].
Depois de milênios de Filosofia, isto aconteceu com Arthur Schopenhauer:
segundo ele, a essência do mundo consiste em um impulso cego, em um instinto
imotivado, chamado de “Vontade” vital: instrumento e arma na luta pela exis-
tência. Na ascensão do animal ao homem, o intelecto se destaca sempre mais da
vontade, até que se torne capaz de considerar o mundo sem interesse; até que o
concebe em modo inteiramente objetivo e só por tal modo constrói, poetiza e
pensa. Welzel observa que, na maioria das vezes, a força secreta e imediata das
vontades há o predomínio no homem, de modo que os seus interesses perturbam
e entorpecem o juízo da razão. Improvisamente, acontece o milagre: o intelecto
se livra da servidão da vontade e se transmuda no puro sujeito, sem vontade, do
conhecimento; e procede ao conhecimento das ideias.
A metafísica voluntarista de Schopenhauer para diante do passo último e
decisivo: admite que na vontade surja a razão, mas não resolve a “razão” na “von-
tade”. Seu pensamento é dualista: a independência da razão, a sua plena diver-
sidade da vontade e a possibilidade de um conhecimento objetivo da verdade
permanecem intactos [Cf. WELZEL, 1965, pp. 305-306].
Friedrich Nietzsche realiza o último passo para a redução da Razão às forças
irracionais que se pretendem seja o seu fundamento. Segundo ele a objetividade
desinteressada do Pensador, no qual Schopenhauer ainda havia encontrado a
via para livrar o homem dos vínculos da vontade irracional, criou uma falsa
hierarquia: objetividade filosófica é sinal de pobreza de vontade de força [Cf.
WELZEL, 1965, p. 306].
Nietzsche leva a verdade e a exigência da verdade ao Estado: com a sociedade

107
UNIDADE 9

começa a exigência da verdade. O homem procurou viver no Estado Social e


gregário; por isto a rude guerra omnium contra omnes deve terminar em uma
conclusão de paz. Nesta paz foi fixado aquilo que deve ser verdade, isto é, foi en-
contrada uma designação igualmente válida e vinculante das coisas; a legislação
da linguagem dá também as primeiras leis da verdade [Cf. WELZEL, 1965, pp.
306-307].
Welzel observa que se Thomas Hobbes (1588-1679) havia deduzido os con-
ceitos de Bem, Mal, Certo e Errado da decisão do Estado, Nietzsche estendeu
esta “decisão” a todo conteúdo espiritual. Todas as pretensas verdades “objetivas”
são simplesmente “convenções”, um nobre exército de metáforas, metonímias,
antropomorfismos, uma suma de relações humanas. Só para esquecer o homem
fantasia de possuir uma “verdade”, em sentido objetivo: a verdade é só o manto
de emoções e instintos [Cf. WELZEL, 1965, p. 307].
Welzel nota que estas emoções e impulsos, mascarados pela pretensa verdade
foram interpretados por Nietzsche como Vontade de Potência: a “verdade” não
é alguma coisa que exista e que se trate de buscar e descobrir, mas alguma coisa
a ser criada e que dá o nome a uma vontade de domínio. A “verdade” e “deter-
minação ativa” são termos para indicar a Vontade de Potência. A verdade é uma
espécie de erro, sem o qual o homem não poderia viver: aquilo que “decide” é o
valor da vida [Cf. WELZEL, 1965, p. 307].
Welzel observa que a “vontade de potência” significa a transmutação de todos
os valores precedentes, operada pela força da vida em ascensão: o querer se tor-
nar mais fortes, o querer crescer. É o estabelecimento de novos valores, porque a
valoração mesma é esta vontade de potência [Cf. WELZEL, 1965, p. 308].
Nietzsche descreve estes “novos valores” que estão a serviço da Vontade de
Potência, até ao mais alto, como predicados tirados da esfera biológico-vital,
procedendo do corpo e utilizando-o como guia. No lugar dos “valores morais”
subentram “valores simplesmente naturalistas”, e uma “naturalização da moral”.
A tal fim ele opera com os mesmos métodos da redução ideológica usados por
Karl Marx (1818-1883).
Nietzsche quer a redução de todas as funções orgânicas fundamentais à von-
tade de potência. A moral é a expressão mímica dos afetos, e estes são a expressão
mímica das funções de tudo aquilo que é orgânico. O nosso pensamento e a nossa
avaliação são somente expressões das exigências que os subentendem, e a sua
“unidade” é a Vontade de Potência [Cf. WELZEL, 1965, p. 308].

108
UNICESUMAR

Nietzsche vincula mais a sua redução ideológica dos valores espirituais àque-
les biológicos com elementos sociológicos onde entende por Sociologia a doutri-
na das formas de domínio. Para ele a moral é a doutrina das relações de domínio
sob os quais surge o fenômeno “vida”. Existem dois tipos fundamentais de moral:
a moral dos patrões e a moral dos servos, a primeira é expressão da vida sã, as-
cendente e possuidora, a segunda da vida doente, fraca e decadente.
Welzel observa que a valoração moral se refere, em primeiro lugar, à distinção
entre homens ou castas mais altos e mais humildes. A moral é autoglorificação
dos potentes; e, referente aos fracos, a moral é “despeito”. Portanto, para Nietzs-
che o Direito é a vontade de eternizar qualquer relação de força. Quem é mais
alto e mais forte anuncia e impõe o seu sentimento como lei para os outros [Cf.
WELZEL, 1965, pp. 308-309]. Verdade e justiça perdem todo conteúdo objetivo,
e representam somente a superestrutura ideológica elevada sobre o fato “vida”;
são simplesmente sublimações, mascaramentos da última substância da vida: a
vontade de potência.
Nietzsche vê claramente chegar a idade em que a luta pelo domínio da Terra
será conduzida em nome de teorias filosóficas fundamentais: como verdade se
afirmará sempre aquilo que corresponde às condições necessárias de vida, em
uma época, do grupo. A exigência da conservação da vida se porá tiranicamente
ao lugar do sentido da verdade, ou seja, tomará dele o nome e o manterá [Cf.
WELZEL, 1965, pp. 309-310].


“Portanto, por direito natural, Spinoza entende as
próprias leis ou regras da Natureza segundo as quais
tudo acontece, isto é, o próprio poder da Natureza.”

Welzel observou que Nietzsche levou ao extremo o voluntarismo vital mo-


derno; exercendo sobre ele um vasto e profundo influxo. Ele é a música de fundo
dos assustadores eventos de violência e morte que lavaram o século XX, com o
sangue de milhões de indivíduos humanos [Cf. WELZEL, 1965, p. 310].
Segundo De Finance, Nietzsche deve ser considerado como o negador e o des-
truidor do valor moral. Em outro sentido, este i-moralista é um “moralista” que
propôs uma moral de sua composição, uma nova távola de valores. Segundo ele, a
ética nietzscheana pode ser chamada “vitalista” e “evolucionista”: enquanto exalta
a vontade de potência, ou seja, a vida afirmadora dela mesma e enquanto atribui

109
UNIDADE 9

como tarefa à humanidade preparar a vinda do Ultra-homem (Uebermensch). Os


“Senhores”, dos quais Nietzsche prega a moral, são precisamente os indivíduos em
que a vida se afirma plenamente: só eles possuem os valores superiores, só eles são
dignos de consideração; o resto não passa de um bando miserável, desprezível e
malcheiroso: a vida é o valor supremo [Cf. DE FINANCE, 1997, p. 143].

A Noção de Valor

Segundo Marton, existem fortes razões para denominar o terceiro período da


obra de Nietzsche de trans-valoração dos valores; é nele que se torna “operatória”
a noção de valor.
Na Aurora Nietzsche representava os pensamentos sobre preconceitos mo-
rais; em O andarilho e sua sombra ele tratava de sentimentos morais; Humano,
demasiado humano ele examinava os conceitos morais. Ele se ocupava de con-
ceitos, pré-juízos, sentimentos em suas considerações sobre a moral, e eventual-
mente até empregava o termo “valor” ou “apreciações de valor”, mas é a partir de
Assim falou Zaratustra, sua obra maior, que Nietzsche passa a trabalhar com a
noção de “valor”.
Marton observa que isso possibilita uma reorganização do pensamento niet-
zscheano: suas reflexões sobre os valores e, em particular, os valores morais ga-
nham nova consistência [Cf. MARTON, 1996, p. 50] .
A noção nietzscheana de valor opera uma subversão crítica: ela põe a questão
do valor dos valores; levantando, assim, a pergunta pela criação dos valores. Se
até agora não se questionou o valor dos valores Bem e Mal, é porque se supunha
que eles sempre existiram; teriam sido instituídos num “além”, encontravam legi-
timidade num mundo suprassensível. Uma vez questionados, porém, revelam-se
apenas humanos, demasiado humanos; em algum momento e em algum lugar,
simplesmente foram criados. Marton observa que, assim, o valor dos valores está
em relação com a perspectiva a partir da qual ganharam existência. Não basta
relacioná-los com os pontos de vista dos quais se originaram; é preciso ainda
investigar de que valor estes partiram para criá-los [Cf. MARTON, 1996, p. 50].
Nietzsche em Para a genealogia da Moral, propõe-se a tarefa de fazer uma
crítica dos valores morais, colocar em questão o valor mesmo desses valores. Isto
supõe o conhecimento das condições e circunstâncias de seu nascimento, de seu

110
UNICESUMAR

desenvolvimento, de sua modificação; a moral como consequência, sintoma,


máscara, tartufaria, doença, mal-entendido, mas também como causa, remédio,
simulans, empecilho ou veneno; enfim, um conhecimento tal como nunca existiu
até o presente e como nem mesmo se desejou [Cf. Prefácio, § 6].

Os Cordeiros e as Aves de Rapina

Na fábula do lobo e do cordeiro, mereceu consideração como são instituídos


e onde se acham fundamentados os valores morais. Marton conclui, primeiro,
que mau é aquele que causa “temor” e bom é aquele de quem não se há nada a
temer; segundo, que esses valores morais sempre existiram, pois não fomos nós
que os determinamos; terceiro, que até a nossa cultura concorre para mostrar
que eles são legítimos [Cf. MARTON, 1996, p. 51].
À fábula do lobo e do cordeiro, Nietzsche poderia contrapor aquela das aves
de rapina e dos cordeiros: reunidos, os cordeiros comentavam entre si: Essas aves
de rapina são muito más! Quem não for ave de rapina, quem for o seu oposto,
quem for por exemplo cordeiro, então esse deve ser bom. Assistindo à cena, as
aves de rapina diziam: Nós nada temos contra esses bons cordeiros; ao contrário,
nós os amamos até – não há nada mais saboroso do que um tenro cordeirinho!
Nietzsche conclui que exigir da força que não se manifeste como força, que
não seja uma vontade de subjugar, de abater, de dominar, de inimigos, resistências
e triunfos, isto é tão absurdo quanto exigir da fraqueza que se manifeste como
força [Cf. MARTON, 1996, p. 51].
O desejo que o forte não aja como tal ou que o fraco se comporte como
forte, são votos insensatos. O forte, para sentir-se instigado à ação, precisa dos
adversários; ele encarar o obstáculo como estímulo, por isto considera os oposi-
tores como seus parceiros: atribui a si mesmo a valoração de “bom” e de “mau”
aos desprezíveis; aqueles que não pertencem à casta dos fortes, aqueles que são
indignos de serem adversários [Cf. MARTON, 1996, pp. 51-52].
Marton observa que não se trata de simples inversão de perspectivas: Nietzs-
che substitui o lobo pelas aves de rapina; enquanto o lobo argumentava e se dava
ao trabalho de justificar sua atitude perante o animal que pretendia devorar, as
aves de rapina surgem impetuosas e apoderam-se dos cordeirinhos. É por isso
que o lobo não passa de invenção do cordeiro; ele nada mais é do que a imagem

111
UNIDADE 9

que o fraco tem do forte. Para Nietzsche, o forte é ave de rapina; não precisa de
palavras para tomar posse de sua presa, não tem de convencer o interlocutor de
que está com a razão. Portanto, em que consistem os valores morais? Em primei-
ro lugar, “na alma das raças e classes dominantes” e, em segundo, “na alma dos
oprimidos, dos impotentes” (Humano, demasiado humano, § 45): o forte é bom
e o fraco é mau [Cf. MARTON, 1996, p. 52]

A História de “Bem” e “Mal”

Nietzsche constata dois modos de comportamento, dois tipos fundamentais


de moral: a moral de senhores e a moral de escravos, em todas as civilizações
superiores e mais mistas, entram também em cena ensaios de mediação entre
ambas as morais, e ainda mais frequentemente a mescla de ambas... Até no mes-
mo homem, no interior de uma única alma (Cf. Para além de bem e mal, § 260).
Segundo Nietzsche, o escravo, o ressentido, o fraco, concebe primeiro a ideia
de “mau”, com que designa os nobres, os corajosos, os mais fortes do que ele;
então chega, como antítese, à concepção de “bom”, que se atribui a si mesmo.
O forte concebe espontaneamente o princípio “bom” a partir de si mesmo e só
depois cria a ideia de “ruim” como “uma pálida imagem-contraste” [Cf. MAR-
TON, 1996, p. 53].
Para Nietzsche, o fraco só consegue afirmar-se negando aquele a quem não se
pode igualar: a lógica da moral do ressentimento é negação e oposição. A moral
dos nobres surge da afirmação e da autoafirmação: enquanto toda moral nobre
brota de um triunfante dizer-sim a si próprio; a moral de escravos diz não, logo
de início, a um ‘fora’, a um ‘outro’, a um ‘não-mesmo’: e esse ‘não’ é seu ato criador
(Cf. Para a genealogia da moral, Primeira dissertação, § 10).
O valor “bom” da moral dos nobres deve ser diferente do valor “bom” da
moral dos escravos: enquanto os valores “bom” e “ruim” foram criados por um
ponto de vista nobre de apreciação, “bom” e “mau” foram engendrados a partir
da perspectiva avaliadora dos escravos; o valor “bom” de uma moral corresponde
exatamente ao valor “mau” da outra; a moral dos escravos surge de uma inversão
dos valores; seu ato inaugural não passa de reação [Cf. MARTON, 1996, pp.
53-54].

112
UNICESUMAR

O Procedimento dos Ressentidos

Segundo Nietzsche, os ressentidos querem transformar em força a própria


fraqueza: para poder dizer não a tudo o que representa na terra o movimento
ascendente da vida, a boa constituição física, a potência, a beleza, a afirmação de
si mesmo, o instinto do ressentimento, que aqui se tornou gênio, teve de inventar
outro mundo, a partir do qual essa afirmação da vida aparecesse como o mal em
si, como o que devia ser rejeitado (Cf. O Anticristo § 24).
Marton observa que o ressentido “traveste” sua impotência em bondade, a
baixeza temerosa em humildade, a submissão aos que odeia em obediência, a
covardia em paciência, o não poder vingar-se em não querer vingar-se e até per-
doar, a própria miséria em aprendizagem para a beatitude, o desejo de represália
em triunfo da justiça divina sobre os ímpios. E, por fim, o Reino de Deus aparece
como produto do ódio e do desejo de vingança dos fracos: é a recusa da diferença
que engendra o ódio. O ressentido quer vingar-se, mas, não podendo fazê-lo,
inventa a ocasião em que lhe será, finalmente, permitida a desforra: é da própria
impotência que nasce e se alimenta seu desejo de vingança; por ser impotente
para reagir, ao fraco só resta ressentir [Cf. MARTON, 1996, pp. 55-56].
O ressentimento lança mão da lógica que o caracteriza: o outro é ressentido,
portanto, ele mesmo não o é; encontra mil maneiras de depreciar, diminuir, di-
famar amigos e inimigos; é invejoso, enciumado, rancoroso; evidencia a própria
enfermidade.
Marton conclui notando que, para Nietzsche, os valores morais foram ins-
tituídos; não existiram desde sempre, mas têm uma origem e uma história. Se
não se pôs em causa o valor dos valores “bem” e “mal”, se nunca se hesitou em
atribuir ao homem “bom” um valor superior ao do “ruim”, é porque se considerou
os valores essenciais, imutáveis, eternos [Cf. MARTON, 1996, p. 56].

Transvaloração de todos os valores

Quando se trata de investigar o fundamento dos valores morais, observa-se


que se enraízam na Metafísica e na Religião. Marton observa que, ao entender os
valores como “humanos, demasiado humanos”, Nietzsche recusa que sejam fruto
de um poder superior ou obra de uma divindade; ao tomar a vida – enquanto

113
UNIDADE 9

vontade de potência – como critério de avaliação, ele rejeita a Metafísica e o


mundo suprassensível, a Religião Cristã e o Reino de Deus. Segundo ele, vida e
vontade de potência não são princípios transcendentes: a vida não se acha além
dos fenômenos; a vontade de potência não existe fora das forças [Cf. MARTON,
1996, p. 65].
Nietzsche se dispõe a explorar o que acredita estar por vir: o Niilismo consis-
tiria na total ausência de sentido provocada pelo desmoronamento dos valores
transcendentes; o niilismo radical deveria fazer a crítica do fundamento desses
valores.
Segundo Nietzsche, a visão cristã não é a única interpretação do mundo:
perniciosa, ela inventou a vida depois da morte para justificar a existência; ne-
fasta, fabricou o reino de Deus para legitimar avaliações humanas; na tentativa
de negar este mundo, procurou estabelecer outro mundo – essencial, imutável,
eterno; durante séculos, fez desse mundo a sede e a origem dos valores.
É evidente em Nietzsche a urgência de suprimir o além e voltar-se para a terra;
é premente entender que eterna é esta vida tal como a vivemos aqui e agora. O seu
projeto de transvaloração de todos os valores é fundamentar os valores a partir
de outras bases, fundamentá-los numa cosmologia que pretende apoiar-se em
dados científicos [Cf. MARTON, 1996, p. 65].

O “Além-do-homem”

Em Nietzsche, a ideia do eterno retorno lhe permite desmantelar os velhos


ideais de interpretação do mundo, demonstrando sua inutilidade; demolindo
os velhos ídolos (o Estado, as instituições, a cultura filisteia, a moral, a religião,
as ilusões da filosofia) mostrando que são incapazes de fornecer um alvo à exis-
tência. Marton observa que em suas mãos, a ideia do eterno retorno permite-lhe
distinguir os que diante dela sucumbem e os que a ela aderem, paralisando os
fracos e fortalecendo os fortes: contra o ressentimento, é preciso lembrar que não
há vida eterna; esta vida é eterna. A doutrina do eterno retorno acaba com as
oposições; eterniza o aqui e o agora, transforma em ser o vir-a-ser: transitório/
perene, mutável/permanente, aparente/essencial, sensível/inteligível, velhas dico-
tomias metafísicas, caem por terra. O Niilismo deve levar a uma superação destas
oposições, desembocando num gesto afirmativo, em um “sim” a este mundo, tal

114
UNICESUMAR

como é [Cf. MARTON, 1996, p. 68].


Se o apogeu da humanidade ocorre quando se suprime o dualismo entre
mundo verdadeiro e mundo aparente, o homem que se ultrapassa identifica-se ao
mundo: O homem é algo que deve ser superado. O além-do-homem é o sentido
da terra (Cf. Assim falou Zaratustra, Prefácio, § 3). Com a morte de Deus e a
visão dionisíaca do mundo, com a travessia do niilismo e sua superação no amor
fati – amor ao fado, aceitação total do destino – Nietzsche concilia os opostos,
recusando sua existência. O “Além-do-homem” não se trata de um tipo biológico
superior ou de uma nova espécie pela seleção natural, mas de quem organiza o
caos de suas paixões e integra numa totalidade cada traço de seu caráter, de quem
percebe que seu próprio ser está envolvido no cosmos, de sorte que afirmá-lo é
afirmar tudo o que é, foi e será. Fazendo surgir novos valores, o “Além-do-ho-
mem” intervém num momento qualquer do processo circular, que é o mundo, e
assim recria o passado e transforma o futuro [Cf. MARTON, 1996, p. 69].

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


Se nós aplicássemos, hoje, o “antimoralismo” de Nietzsche, quais consequên-
cias sociais poderíamos esperar? Seria ainda possível uma vida pacífica em socie-
dade? Até que ponto a “morte de Deus” não mata também o Homem?

115
UNIDADE 9

Leitura Complementar

Nietzsche, Friedrich. Genealogia Nietzsche, Friedrich. Além do


da Moral - Uma Polêmica - Ed. De Bem e do Mal - Ed. De Bolso. Com-
Bolso / Companhia de Bol panhia de Bolso

Saiba mais

Especial Nietzsche - Viviane Mosé - Café Filosófico (Exibido dia 29.03.2009):


http://www.youtube.com/watch?v=wszgKT2zS-c

Café Filosófico - O pensamento de Nietzsche - João Luiz Muzinatti


http://www.youtube.com/watch?v=bUvpP_sV33U

O impacto de Nietzche no século XX - Oswaldo Giacóia Jr


http://www.youtube.com/watch?v=H-osDVnX3w0

O “Além-do-homem”

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre os fundamentos filosófi-


cos da formação da Cultura Moderna ocidental, em particular o Imoralismo de
Friedrich Nietzsche (1844-1900), nós procuramos conhecer, mesmo que suma-
riamente, o “martelo” que pretendeu destruir todos os valores lógicos, morais e
ontológicos que sustentaram a sociedade moderna até o século XIX.

116
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Apresente o sentido da “Vida” na filosofia de Nietzsche?

2. Como Nietzsche concebe a Noção de Valor?

3. Na sociedade pós-moderna, quais seriam os “Cordeiros” e quais seriam as “Aves


de Rapina”?

4. Ainda é possível utilizarmos os conceitos “Bem” e “Mal” como princípios norteado-


res da conduta moral?

5. Quais seriam, em nossa Sociedade brasileira, os “Ressentidos”?

6. A “Transvaloração” de todos os valores pretendida por Nietzsche aconteceu na


Sociedade brasileira?

7. É possível uma leitura otimista do conceito “Além-do-homem”?

117
Ética e justiça
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo da doutrina ética em relação fun-

damental com a “diceologia”, ou seja, o estudo da Justiça como “Jus-

tum”.
UNIDADE 10

A proposta deste Capítulo é realizar uma análise sintética sobre os conceitos


de ética e justiça e sua relação com o direito.
A visão sobre o tema em análise tem como referencial principal a filosofia
aristotélica sobre virtude e justiça.

120
UNICESUMAR

A Virtude Moral da “Justiça”

Segundo John Rawls as virtudes morais são excelências e é razoável desejá-


-las para si e para os outros: é claro que estas excelências se manifestam na vida
pública de uma sociedade bem ordenada; assim, a atividade coletiva justa é a
forma mais importante da felicidade humana.
Assim como as virtudes morais equilibram e conduzem a um justo meio-
-termo as ações de cada pessoa, no plano coletivo, a justiça visa o equilíbrio e a
equidade na comunidade política. Segundo Pegoraro, sem diminuir o papel da
sabedoria prática – Phronesis – em Aristóteles a justiça é o ponto de convergência
dos seus tratados de Ética e de Política. As virtudes morais recebem da justiça seu
sentido pleno e nela a moralidade da vida política tem um sólido fundamento
[Cf. PEGORARO, 1997, pp. 31-32].
Aristóteles considera a virtude da justiça sob o ponto de vista da lei: justiça
legal. Como virtude moral, segundo ele a justiça é a disposição interior e subjetiva
que leva o cidadão a cumprir os atos prescritos pela lei. Pegoraro observa que
aqui o “meio-termo” é colocado pela Lei que define o justo equilíbrio da ação ao
prescrever o que se deve ou não se deve fazer. A justiça legal regula as relações
entre os cidadãos livres e iguais; a Lei determina que o justo meio da ação virtuosa
é o tratamento igual – ison [Cf. PEGORARO, 1997, p. 32].
Deste modo, a “injustiça” consistirá na desobediência à Lei e no tratamento
desigual entre iguais: o homem justo – dikaios – é aquele que se conforma à Lei e
respeita a igualdade; o homem injusto é aquele que contraria a Lei e a igualdade
(Cf. Etica a Nicômaco, V, 2, 1129b 1-4).
A Lei ordena os atos bons e justos de todas as outras virtudes morais; pres-
creve as virtudes e proíbe os vícios. Cumprir a Lei é viver justamente e praticar
todas as virtudes. Por isto a Justiça Legal chama-se também Justiça Geral, pois
determina os atos de todas as outras virtudes. Aristóteles diz que essa forma de
justiça é uma virtude completa, não em sentido absoluto, mas nas nossas rela-
ções com os outros. É por isso que muitas vezes a justiça é considerada como a
virtude mais perfeita e nem a estrela vespertina, nem a estrela matutina são mais
admiradas que ela: a justiça encerra toda a virtude (Cf. Etica a Nicômaco, V, 3,
1130b 26-29–1131 a 1-4).
Pegoraro destaca que a justiça, além de aperfeiçoar o indivíduo como as de-
mais virtudes, tem a peculiaridade exclusiva de procurar o bem dos outros – pros

121
UNIDADE 10

eteron [Cf. PEGORARO, 1997, p. 33]. Aristóteles afirma que unicamente a jus-
tiça entre todas as virtudes é um bem para os outros; referindo-se ao outro, ela
realiza aquilo que é vantajoso para o outro, seja ele um chefe ou um membro da
comunidade (Cf. Ética a Nicômaco, V, 3, 1130 a 1-4); o homem mais perfeito não
é aquele que exerce sua virtude somente para si mesmo, mas aquele que a pratica
também em relação aos outros e isso é uma obra difícil (Cf. Ética a Nicômaco,
V, 3, 1130a 7-8).
Segundo Aristóteles, a justiça é a virtude total, pois prescreve a obediência às
leis e o respeito da igualdade entre os cidadãos: esta forma de justiça não é parte
da virtude, mas a virtude inteira, e seu contrário, a injustiça, também não é uma
parte do vício, mas o vício inteiro (Cf. Ética a Nicômaco, V, 3, 1130a 9-12).
Aristóteles deduz duas modalidades de justiça particular: Distributiva e Co-
mutativa. A primeira tem por objetivo a justa distribuição dos bens públicos:
honras, riquezas, encargos sociais e obrigações. Pegoraro observa que o critério
da distribuição é a igualdade; não uma igualdade matemática e rígida, mas uma
igualdade proporcional que pesa os dotes naturais do cidadão, sua dignidade, o
nível de suas funções, sua formação e sua posição na hierarquia organizacional
da Polis [Cf. PEGORARO, 1997, p. 33].
A Justiça Comutativa regula as relações entre cidadãos. Pegoraro observa que
são as relações planejadas e voluntárias, como nos casos de contratos, compra e
venda, salários, empréstimos, etc. Aqui o critério é a igualdade matemática: tan-
to devo, tanto pago [Cf. PEGORARO, 1997, p. 34]. Em caso de furtos, traições,
estupros, assassinatos, cabe à sentença do juiz restabelecer a igualdade rompida
(Cf. Ética a Nicômaco, V, 7, 1131b 24–1132a 1-9).
Aristóteles mostra que a justiça, alma da Ética e da Política, longe de ser um
código de normas legais cegas e de aplicação inflexível, adapta-se a todas as si-
tuações humanas e às condições históricas de nossa natureza. Pegoraro destaca
três aspectos da justiça em Aristóteles que sustentam com muita ênfase a relativa
importância da lei escrita e sua subordinação ao juízo prudencial do sábio [Cf.
PEGORARO, 1997, p. 34].
Pegoraro recorda que, na ética aristotélica, a justiça é uma virtude moral ine-
rente à pessoa, uma disposição subjetiva de agir conforme a Lei. O valor qualita-
tivo das ações recai sobre a qualidade moral do sujeito. O cidadão não é virtuoso
pelo fato de cumprir a letra da Lei, mas pela sua disposição interior, formada
e cultivada com esforço de cumprir seus deveres legais no seio do Estado [Cf.

122
UNICESUMAR

PEGORARO, 1997, pp. 34-35].


Segundo Aristóteles, somente nestas condições o cidadão é responsável por
suas ações. Nossas ações são moralmente justas ou injustas quando forem volun-
tarias; as ações involuntárias são eticamente indiferentes: a justiça (ou a injustiça)
de uma ação é determinada pelo seu caráter subjetivo voluntário ou involuntário
(Cf. Ética a Nicômaco, V, 1135a 20).
O ato voluntário é aquele que, entre as coisas sujeitas ao poder do agente, é
cumprido com conhecimento de causa, sem ignorar nem a pessoa que padece a
ação, nem o instrumento usado e nem o fim alcançado (Cf. Ética a Nicômaco, V,
10, 1135a 22-25; III, 1, 1109b 35, 1110a 1-3). A justiça das ações depende intrin-
secamente da deliberação do agente: um homem é injusto quando seu ato viola
a proporção ou a igualdade (Cf. Ética a Nicômaco, V, 10, 1136a 1-4).
Pegoraro observa que a justiça geral e particular compatibiliza-se com as
condições e circunstâncias da natureza humana: para Aristóteles há uma con-
vergência entre justiça legal e direito natural, intrínseco à condição humana nas
diferentes situações históricas [Cf. PEGORARO, 1997, p. 35].
A natureza está em constante busca de um telos – finalidade: a natureza é
uma tendência, que procura realizar-se hic et nunc – aqui e agora – através de
diversificações segundo as circunstâncias, fazendo o melhor uso dos materiais
que ela encontra [Cf. PEGORARO, 1997, pp. 35-36].
Tratando-se do indivíduo humano, o Direito Natural se conforma à diver-
sidade das manifestações da natureza humana justamente como a justiça legal
(Direito Positivo) adapta-se às condições humanas de cada Estado. A justiça
natural e a justiça legal são mutáveis: em nosso mundo, embora exista uma certa
justiça natural, tudo é passível de mudança; podemos distinguir o que é natural
do que não o é. Entre as coisas que podem existir diversamente daquilo que são
é fácil constatar quais são naturais e quais não o são (e são regidas pela lei e pela
convenção), ficando, porém, umas e outras igualmente submetidas à mudança
(Cf. Ética a Nicômaco, V, 10, 1134b 28-33).
Pegoraro observa que tanto a lei natural quanto a lei positiva conformam-se
às condições reais da natureza humana. Segundo ele, está longe de Aristóteles
defender um Direito positivo arbitrário e mutável e uma Lei natural atemporal
e imutável deduzida a partir de essência humana abstrata: a Lei Natural é uma
norma imanente à Natureza humana mutável que suscita a justiça legal (Direito
Positivo) na variedade das culturas, dos tempos e das características de cada

123
UNIDADE 10

Estado. Aristóteles não considera absoluto o reino da justiça legal; ela não é um
fim, mas um meio: prolongando as intenções da natureza, tem por finalidade
harmonizar a comunidade política como condição da realização do homem [Cf.
PEGORARO, 1997, p. 36].
Aristóteles ainda prega a relatividade da Lei Positiva, subordinando-a ao juízo
prudencial do sábio: o problema é o conflito entre a Lei Universal e as condições
particulares em que cada pessoa faz as ações [Cf. PEGORARO, 1997, p. 37]. O
legislador não tem condições de prever todos os casos particulares e a varieda-
de das circunstâncias que acompanham os atos dos cidadãos. Para Aristóteles
quando um caso escapa à lei geral, assiste-nos o direito de corrigir a omissão
e fazer-nos intérpretes da intenção do legislador (Cf. Ética a Nicômaco, V, 14,
1137b 20-22). Pegoraro observa que esta função corretiva é desempenhada pela
virtude da Epikeia que é um complemento da virtude da justiça: é a virtude que
interpreta a Lei, flexibilizando sua rigidez, determinando o justo em cada situação
particular [Cf. PEGORARO, 1997, p. 37].


“Pegoraro destaca que a justiça, além de aperfeiçoar
o indivíduo como as demais virtudes, tem a peculiarida-
de exclusiva de procurar o bem dos outros.”

Para Aristóteles, a equidade é a justiça superior a um tipo de Justiça Legal;


daqui se deduz a natureza do homem equitativo: é aquele que tende a praticar
ações sem se agarrar rigorosamente a seus direitos e tende a exigir menos do que
lhe é devido, embora tenha a lei a seu favor. Este é o homem equitativo e esta dis-
posição é a equidade, que é uma forma especial de justiça e não uma disposição
inteiramente distinta (Cf. Ética a Nicômaco, V, 14, 1137b 32-1138a 1-4).
A força da Lei não vem do legislador ou de qualquer outro poder externo ao
Homem, mas surge da própria Natureza Humana que se ordena para alcançar
sua plena realização. Esta força interior ordenadora é a sabedoria prática – Phro-
nesis – que conduz o homem à harmonia interior e à participação política pela
prática da justiça: o legislador é um intérprete falível dos sentimentos virtuosos
e justos dos cidadãos [Cf. PEGORARO, 1997, p. 37].
A ética das virtudes é, em primeiro lugar, uma ética natural: a natureza hu-
mana está entregue a si mesma. Em segundo lugar, a natureza humana, em cada
indivíduo, é insuficiente (é incapaz) para realizar todo o seu potencial. Por isso o

124
UNICESUMAR

indivíduo expande-se, por força da sua natureza, em grupos sempre mais largos,
até inserir-se na Polis – Estado – que para Aristóteles também é natural. O supre-
mo fim histórico do ser humano – indivíduo e cidadão – é “viver bem” ou viver
conforme as excelências humanas na suficiência de bens materiais; portanto, a
vida ética consiste, portanto, na prática da justiça na comunidade humana [Cf.
PEGORARO, 1997, p. 38].

Justiça: Princípio e Virtude

John Rawls, como vimos na Unidade V, enfoca a justiça como base de um


novo contrato social, porém, esta ideia não é tomada nem em sentido aristotélico,
nem propriamente no sentido kantiano: em Rawls, a justiça não é uma virtude e
nem um direito, mas sim um princípio fundador de uma sociedade bem orde-
nada [Cf. PEGORARO, 1997, p. 68].
Pegoraro observa que a Ética Política de John Rawls é uma tentativa de solução
de um conflito básico de ordem social: a disputa dos bens primários produzidos
por uma comunidade política. Ele nota que, como os bens são quantitativamente
limitados e sem medida o apetite de cada cidadão, torna-se necessária a inter-
venção de um princípio que ordene a sua distribuição, no seio da comunidade
política [Cf. PEGORARO, 1997, p. 68].
Segundo Pegoraro, a partir da ideia de conflito social pode-se concentrar o
movimento da Ética Política de Rawls em três tempos:
Primeiro, reconhecimento do conflito entre os bens escassos e o desejo ili-
mitado de posse por parte dos indivíduos;
Segundo, intervenção da teoria da justiça instaurando a sociedade bem or-
denada (justa);
Terceiro, a consolidação da comunidade política onde prevalece a coopera-
ção, o senso da justiça e as virtudes da cidadania [Cf. PEGORARO, 1997, p. 68].
Paul Ricoeur dá, ao legado da tradição, o nome de visée éthique, visão ética
como “vida feliz (virtuosa) com os outros em instituições justas”. Na última parte
da obra de John Rawls, a filosofia contratualista se aproxima da ética naturalista
clássica. Pegoraro observa que neste quadro geral, a justiça como princípio e vir-
tude torna-se o ponto de confluência de toda a temática ética, pessoal e coletiva
[Cf. PEGORARO, 1997, p. 83].

125
UNIDADE 10

A teoria da justiça de John Rawls, inspirada na tradição kantiana, concen-


tra-se exclusivamente no aspecto jurídico da organização social: a intenção pú-
blica se restringe à ordem constitucional; e ainda, o fim da justiça não é o bem
e a felicidade do indivíduo, mas a ordem jurídica. A sociedade legal evolui para
o conceito de sociedade como comunidade de comunidades, onde os homens
praticam as virtudes de amizade, da solidariedade e do senso de mútua justiça.
Pegoraro observa que a atividade coletiva justa é também virtuosa e é a forma
mais importante da felicidade humana [Cf. PEGORARO, 1997, p. 84].

Para John Rawls, dois são os fins principais visados na teoria da


justiça: dignidade e senso de justiça (de ordem moral) nas pessoas;
uma forte estabilidade social.

Ele observa que cada pessoa procura o seu bem, os seus fins, pela realização
de um projeto pessoal que inclui o respeito a si mesmo. Pegoraro nota que a
autoestima não é simplesmente a convicção interior do próprio valor, mas é sua
tradução objetiva num projeto de vida como bem primário essencial que os prin-
cípios da justiça devem proteger e estimular [Cf. PEGORARO, 1997, p. 84-85].
A dignidade moral obriga as pessoas ao respeito do projeto dos outros cida-
dãos: desta maneira o projeto de vida particular situa-se no interior de um projeto
maior, realizado nas instituições públicas. O segundo objetivo, a estabilidade
social, resulta do respeito aos princípios da justiça e da coibição das tendências
contrárias: Graças a estas atitudes naturais, ninguém desejará satisfazer seus in-
teresses de modo injusto e em detrimento dos outros [Cf. PEGORARO, 1997,
p. 85].
Segundo Rawls, na realização destes dois objetivos, a justiça como equidade
será mais forte e eficaz se receber a colaboração e o reforço das disposições hu-
manas de ordem psicológica, moral e afetiva. Este é o “reforço vital” e “virtuoso”
postulado para a teoria da justiça; apoiado nas leis psicológicas da reciprocidade,
capitaliza para a ordem política o fato dos sentimentos do amor e da amizade
nascerem da intenção que os outros manifestam de agir para o nosso bem; em
reconhecimento ao bem que nos querem, nós nos preocupamos com o bem dos
outros; formam-se assim os laços afetivos entre pessoas e instituições [Cf. Teoria
da Justiça, § 75, 495].
Em Rawls, as normas éticas já não aparecem como imposições, mas são liga-

126
UNICESUMAR

das entre si numa concepção coerente; e o senso de justiça aparece aos indivíduos
como uma extensão de seus laços afetivos naturais e como uma maneira de se
preocupar com o bem comum [Cf. Teoria da Justiça, § 75].
Segundo Pegoraro, é evidente que John Rawls incorpora na sua teoria da jus-
tiça a ética das virtudes: as leis psicológicas e os sentimentos morais, aos poucos,
levam a sociedade bem ordenada a ultrapassar a rigidez da ordem legal condu-
zindo-a ao conceito de comunidade que coopera para o bem comum e à prática
das virtudes morais [Cf. PEGORARO, 1997, p. 86].
Segundo Rawls, temos necessidade uns dos outros, como parceiros que se
engajam juntos nos modos de vida válidos por si mesmos: a espécie humana
forma uma comunidade onde cada membro se beneficia das qualidades e da
personalidade de todos os outros [Cf. Teoria da Justiça, § 75].
Pegoraro observa que a teoria da justiça encontra apoio e vigor na sociabili-
dade da Natureza Humana, em sentido aristotélico: alinham-se as teses contra-
tualista e naturalista da vida sociopolítica [Cf. PEGORARO, 1997, p. 86].
John Rawls afirma que os princípios da justiça correspondem à sociabilidade
humana, pois uma sociedade bem ordenada é uma forma de comunidade: a
sociedade é uma comunidade de comunidades [Cf. Teoria da Justiça, § 79].
Não podemos eliminar os sentimentos morais sem eliminar certas atitudes
naturais como amizade, afeição, confiança mútua: estão ligados ao amor da hu-
manidade e ao desejo de defender o bem comum e consubstanciam-se nos prin-
cípios da justiça [Cf. PEGORARO, 1997, p. 86].
Pegoraro observa que estes sentimentos, disposições e tendências nos con-
duzem a desejar uma ordem social mais elevada. A sociedade natural convive
com a sociedade erguida pelo Contrato Social, visto que a justiça como equidade
reorienta e completa a ordem natural [Cf. PEGORARO, 1997, p. 87].

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


Qual a relação entre ética e Justiça? Como conceber a Justiça como “Virtu-
de”? O quê é “Justiça” e qual sua relação com o Direito? O valor do “Justo” seria
relativo ou absoluto?

127
UNIDADE 10

Leitura Complementar

Souza, Elton Luiz Leite. Filosofia Mota de Souza, Carlos Aurélio.


do Direito, Ética e Justiça - Filosofia Direitos Humanos. Ética e Justiça.
Contemporânea. Nuria Fabris Edito- Letras Juridicas Editora.
ra.

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre a Ética e a Justiça, demos
particular atenção ao tema da Justiça como virtude em Aristóteles e como “jus-
tiça social”, retomando o pensamento de John Ralws (1921-2002) sobre a Justiça
como equidade.

128
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1.O quê é a “Ética”?

2.A “Justiça” como equidade pode ser conciliável com a Justiça como “virtude”?

3.O quê significa “Justiça legal”?

129
Deontologia jurídica
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo da Deontologia em geral e em par-

ticular da Deontologia Jurídica, focando a sua importância no cotidiano

profissional do Operador do Direito.


UNIDADE 11

Este Capítulo tem como proposta estuda a deontologia jurídica, ou melhor


dizendo, a deontologia é um tratado dos deveres e da moral. É uma teoria sobre
as escolhas dos indivíduos, o que é moralmente necessário e serve para nortear
o que realmente deve ser feito, de forma específica associada ao exercício da
profissão de advogado.

132
UNICESUMAR

Objeto da Deontologia

Segundo o Costa, a Deontologia Jurídica é uma ciência prática e não especu-


lativa, não se propõe indagar sobre o quid sit jus, ou seja, o quê seja o Direito, que
é objeto de estudado da Ciência Jurídica e da Filosofia do Direito; nem indaga
sobre o quid sit juris, ou seja, qual é o Direito em vigor, estudado pela Dogmática
Jurídica.
A Deontologia Jurídica não estuda a natureza do Direito, nem quais as nor-
mas ou os fatos jurídicos, mas sobre como deve ser a conduta dos profissionais
operadores do Direito.
O objeto material da Deontologia Jurídica não é nem direito substantivo, nem
direito adjetivo, nem técnica forense, mas apenas a conduta do homem que tem
por profissão lidar com o Direito: advogado, magistrado, promotor de justiça,
serventuário da justiça ou notário [Cf. COSTA, 1996, p. 3].
A Deontologia Jurídica tem por objeto formal oferecer princípios e noções
capazes de informar a conduta moralmente boa, digna e perfeita do profissional
do Direito. A Deontologia é especulativa e prático axiológica, na medida em que
por ela se visa atingir o “por que” da conduta ideal e irrepreensível do operador
do Direito; de outro, porém, ela propõe meios práticos para efetivar essa reta
conduta [Cf. COSTA, 1996, pp. 3-4].
Costa observa que o termo “deontologia”, derivado de duas palavras gregas
“deon” que significa obrigatório, justo, adequado e “logos”, que significa estudo,
ciência, foi empregado por Jeremias Bentham (1748-1832), no sentido de ciência
que estuda os deveres que se devem cumprir a fim de alcançar o ideal utilitário do
maior número possível de indivíduos. Antonio Rosmini-Serbati (1797-1855) já
distinguira entre ciências ontológicas as que se ocupam do ser como é, e ciências
deontológicas as que versam sobre o ser como deve ser [Cf. COSTA, 1996, p. 4].
Segundo o Costa a “Deontologia” é, portanto, Sinônimo de Moral ou Ética.
“Moral” deriva do latim “mos, mores”, assim como “Ética” deriva do grego “ethos”:
significam a mesma coisa, a saber, costume [Cf. COSTA, 1996, p. 4]. Ulpiano,
em suas Instituições, afirma que a primeira fonte de deveres em qualquer so-
ciedade tem origem naquilo que uma longa e inveterada repetição de atos tiver
consagrado como necessário ao bom conviver: “tacitus consensus populi longa
consuetudine inveteratus” (ULPIANO, 1, 4, Inst., 1,2,9).
É bom observar que o termo grego Ethos escrito com a letra épsilon designava

133
UNIDADE 11

o conceito de costume; escrito com a letra eta, se referia ao conceito de caráter.


O sentido ético tem mais relação com o caráter do que com o costume; neste
segundo sentido foi usado por Aristóteles. Observa Costa que o mesmo termo
grego, escrito com a letra “e” longa, significa também moradia, lugar de estadia
permanente e habitual, cuja raiz semântica deu origem à significação de costume
[Cf.COSTA, 1996, pp. 4-5].
Quando focamos a natureza do ato moral e do dever moral, estamos no ter-
reno da “Ética Geral”; quando focamos os meios que permitem atingir o fim
último da ação moral, estamos no terreno da “Ética Especial”. Esta compreende as
subclasses da Ética Individual, que estuda os deveres que concernem à perfeição
individual; e da Ética Social, que estuda os deveres concernentes à perfeição do
agente enquanto vinculado à promoção do bem comum.
A “deontologia”, em sentido geral, se enquadra na segunda subclasse dessa
divisão epistemológica: é uma atividade científica que se preocupa em conhecer
tendo em vista a ação. Já a “deontologia jurídica”, em sentido particular, é o mes-
mo que ética das profissões jurídicas; faz do profissional do Direito acima de um
simples “técnico” [Cf. COSTA, 1996, pp. 5-6].

A Moral e o Direito

A Moral tem sua sede no interior do homem, na sua consciência, onde se


decide o destino da norma jurídica. Costa observa que somente quando o desti-
natário da norma jurídica tem a virtude moral da Justiça, cultiva o respeito pela
própria profissão; somente então que o Direito funciona [Cf. COSTA, 1996, p. 7].
A norma jurídica, apesar de vigente, às vezes, deixa de produzir os efeitos
a que se destina. O advogado que trai a confiança do cliente; o Juiz que prolata
sentença injusta e vende a própria consciência; o Promotor que também se vende,
em detrimento do interesse público ou que se omite a promover as ações públicas;
os Delegados que se deixam subornar; os serventuários que aceitam “favores”
para viciarem os atos judiciais; todos estes profissionais, apesar de conhecerem a
norma jurídica que lhes impõe uma conduta reta, porque lhes falta virtude moral,
eles agem como se o Direito não existisse [Cf. COSTA, 1996, p. 8].
A Moral nos impõe de acatar o Direito; este, por sua vez, tem como condi-
ção de sua eficácia, simplesmente a consciência moral. Podemos falar de dever

134
UNICESUMAR

ser jurídico, somente quando o imperativo jurídico for reforçado pela própria
consciência dos indivíduos com a força vinculante do dever moral [Cf. COSTA,
1996, pp. 8-9].
Não basta que o “técnico da prática forense” domine o universo do conheci-
mento jurídico: se lhe faltar a crença nos valores morais, quanto mais conhecedor
das leis e perito na arte forense, tanto mais perigoso e pernicioso para a sociedade
ele vai ser. Costa ainda frisa que o chamado “império da lei” jamais passou de
uma ilusória superstição positivista [Cf. COSTA, 1996, p. 9].

A “Deontologia Jurídica”

A “Deontologia Jurídica” consiste em servir de meio para o aperfeiçoamento


da humanidade do técnico do Direito, enquanto profissional. Costa lembra que
a Deontologia Jurídica nos oferece os princípios que podem enriquecer a nossa
própria – pessoal – personalidade: é a ciência que engrandece a pessoa do pro-
fissional [Cf. COSTA, 1996, p. 11].
Segundo Costa para um homem a quem lhe falte a perspectiva de retribuição
estável e perpétua em uma vida futura, pelo sacrifício que houver feito a fim de
cumprir os preceitos de moral, a deontologia e a ética não passam de infantil e
insensata novel [Cf. COSTA, 1996, p. 14].
A Deontologia Jurídica procura responder aos seguintes problemas: Qual é a
essência da moralidade? Quais os pressupostos da moralidade? Quais os critérios
específicos do ato moral? [Cf. COSTA, 1996, p. 15].

A essência da moralidade

O homem, inteligente e livre, tem a capacidade de se por “fins”, como metas


a serem atingidas, através de sua ação no mundo. Ele tende, por impulso natural
e incontrolável, a sobreviver e viver bem, viver feliz. Como Tomás de Aquino
afirmou é impossível encontrar alguém que queira ser miserável, ou seja, infeliz
[Cf. Summa Theologiae, I-II, q. 13, a. 6]. Costa observa que os instintos corporais
e espirituais do homem apontam para a existência desses fins que se colocam à
sua frente, logo ao vir à existência.
Os homens se acostumam a praticar condutas adequadas à realização dos

135
UNIDADE 11

seus fins existenciais, designando-os como costumes bons ou virtudes e o seu


oposto, vícios. Moralmente boa é a conduta aceita e aprovada pelos costumes
vigentes num grupo social; moralmente má é a conduta impeditiva de algum dos
fins existenciais consagrados pelo costume [Cf. COSTA, 1996, p. 16].
A essência da moralidade, portanto, consiste na qualidade da conduta que for
efetuada em harmonia e em adequação com os fins existenciais. Para os filósofos
tomistas a regra da moralidade está no dictamen rectae rationis, ou seja, na razão
prática informada pela Lei Divina que se manifesta nos princípios da Lei Natural
[Cf. COSTA, 1996, pp. 16-17].

Pressupostos da Moralidade

A moral repousa sobre fundamentos de natureza metafísica, tais como os


fundamentos que assentam sobre a própria essência do homem e que são racio-
nalmente demonstráveis [Cf. COSTA, 1996, p. 18].

1ª Critérios da Moralidade
A essência da moralidade consiste na qualidade da conduta que está em ade-
quação com os fins existenciais e com o fim último. O ato humano consiste em
fazer ou deixar de fazer algo, conservando-se a inteligência da ação e a liberdade
da vontade; o ato será bom ou mal, segundo seja adequado ou inadequado à
realização de algum dos fins existenciais da pessoa. Os pensadores escolásticos
definiam este “fim” objetivo como finis operis, ao qual a vontade se sente atraída
no seu agir [Cf. COSTA, 1996, pp. 33-34]. O finis operis, em si mesmo bom, pode
ser buscado por razões diversas, a estas razões ou “intenções” os escolásticos cha-
mavam de finis operantis. A intenção particular que motivou o agente a praticar
os atos imprimiu à conduta a especificação e a qualificação moral própria.
O critério objetivo da moralidade é, portanto, o finis operis, ou seja, aquilo
a que se procura conseguir com o ato de fazer ou de deixar de fazer, pode ter
a sua materialidade descaracterizada por uma circunstância concreta especial.
O finis operantis é aquela particular intenção decisória do ato humano. O que
qualifica como “bom” ou “mau”, moralmente falando, um ato humano é a relação
de adequação ou inadequação com os fins existenciais e o fim último do homem,
desses dois fatores: o finis operis e o finis operantis [Cf. COSTA, 1996, pp. 35].
2ª O princípio maquiavélico

136
UNICESUMAR

O princípio moral de Nicolò Machiavelli (1469-1527) segundo o qual os


fins justificam os meios. Segundo o Costa, este critério de moralidade de uma
ação humana é fundamentalmente imoral [Cf. Costa, 1996, pp. 35-36]. Mesmo
quando o fim buscado for bom, não muda a natureza ética dos meios utilizados:
se são maus continuarão maus.
3ª O critério subjetivo
O critério subjetivo da moralidade de uma conduta situa-se apenas no plano
do finis operantis: consiste na imputabilidade, entendida esta como a propriedade
do ato humano, em virtude do qual deverá ser o mesmo atribuído a alguém como
autor; pressupõe a existência de um nexo psicológico causal entre o ato humano e
o indivíduo humano que o realiza. É pressuposto para a responsabilidade moral,
requerendo a intenção visada no ato [Cf. COSTA, 1996, pp. 36-37].

4ª Ato humano e ato do homem


É bom ainda especificarmos que “ato humano” é aquele realizado por indiví-
duo em pleno uso da inteligência e de liberdade da vontade; já o “ato do homem”
é aquele realizado sem uma plena inteligência e sem liberdade para escolher os
fins da ação. O ato humano pode ser voluntário in causa: aquele ato não escolhi-
do, mas consequência de um ato escolhido conscientemente [Cf. COSTA, 1996,
p. 37].
A imputabilidade de um ato humano pode ser descaracterizada pela superve-
niência de vícios que venham a impedir o conhecimento do objeto – finis operis –
ou comprometer a livre determinação da vontade – finis operantis – contingência
esta que ocorre, ou por vícios da inteligência, obnubilando o conhecimento da
natureza do objeto, ou por vícios da voluntariedade, que desnaturem o movi-
mento da vontade para o objeto atingido. [COSTA, 1996, p. 38]
5ª A imputabilidade
O desconhecimento da norma jurídica não escusa o indivíduo do seu cum-
primento – ignorantia juris neminem excusat, no âmbito da moral, porém, é
necessário fazermos uma distinção entre a ignorância invencível, aquela que
elimina toda imputabilidade e a ignorância vencível, aquela que apenas atenua
a imputabilidade. Já o erro de fato, a fraude e o dolo impedem ás suas vítimas de
terem um conhecimento exato sobre a natureza do objeto da própria conduta.
No campo do Direito Penal, o problema é assim colocado pelo prof. Roque de
Brito Alves:

137
UNIDADE 11

Segundo o Alves, a Legislação brasileira, ao determinar que o desconheci-


mento da lei é inescusável (Cf. Art. 21, caput, 1ª parte, do CP) manteve o dogma
“ignorantia legis neminem excusat” [Cf. ALVES, 1986, p. 207].
Costa observa que a ignorância inculpável das circunstâncias poderá excluir
a imputabilidade pelas consequências do ato humano, porém, o mesmo não se
pode afirmar da ignorância das circunstâncias do ato [Cf. COSTA, 1996, pp.
38-39].
Por fim ainda é bom frisar que a coação, que pode ser externa ou interna,
afeta a autodeterminação do sujeito humano. O medo, coação interna, faz a razão
titubear diante do perigo externo iminente. Costa ainda observa que os estados
patológicos que afetam a razão e a vontade, na medida e no grau em que as afe-
tam, eliminam ou atenuam a imputabilidade [Cf. COSTA, 1996, p. 39].

Principais Fontes da Deontologia Jurídica

As principais fontes da Deontologia Jurídica são a “Lei Natural”, a “Lei Divina


Positiva” e a “Lei Positiva”, ou seja, o Jus Positum: a Lei Natural submete todos os
homens e mulheres, manifestando-se no senso moral que está presente em todos
os níveis de civilização humana, de todos os tempos e em todos os lugares; a Lei
Divina Positiva, revelada por Deus ao longo da História e compendiada em “Li-
vros Sagrados”; a Lei Positiva ou os atos normativos especificamente reguladores
da atividade dos profissionais do Direito.
Estas fontes acima citadas se referem à Ética Geral; as fontes da Ética especial,
em cuja espécie se insere a Ética profissional, dentro da qual se situa a Deon-
tologia Jurídica, como ética dos profissionais do Direito, constam de normas
“jurídicas” e “estatutárias” que regulam cada uma dessas profissões.
Como exemplo de normas jurídicas regulando a profissão advocatícia, nós
podemos citar a Lei n.º 8.906/1994 e artigos esparsos do Código de Processo
Civil; como normas regulamentares, temos o Código de Ética e Disciplina elabo-
rado em 1995, pelo Conselho Federal da OAB, por delegação do legislador da Lei
n.º 8.906/1994, temos ainda o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da
OAB, expedito pelo Conselho Federal da OAB (em 16/10/1994), os Provimentos
do Conselho Federal da OAB, no que se compatibilizam com o novo Estatuto
de 1994; e, como fonte apenas subsidiária, podemos citar o Código de Ética de

138
UNICESUMAR

1934, naquilo que não conflitar com o novo Código de Ética e Disciplina de 1995.
No que se refere às outras profissões jurídicas, podemos citar como fontes
deontológicas a Lei Complementar nº 35/1979, conhecida como Lei Orgânica
da Magistratura, regulando os deveres dos Juízes. Vários dispositivos do Código
de Processo Civil e do Código de Processo Penal, dispositivos da Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público nº 8.625 de 12.02.1993 regulando os deveres dos
membros do Ministério Público. Ainda temos a Lei Complementar nº 80, de
13.01.1994, regulando a Defensoria Pública; ainda a Lei nº 8.935, de 18.11.1994,
dispondo sobre os serviços notariais e de registro; por fim diversos dispositivos
do Código de Processo Civil concernentes à conduta profissional dos serven-
tuários da justiça.

Leitura Complementar

Carlin, Volnei Ivo. Deontologia Carvalho, Lucia Cunha de. Deon-


Jurídica - 4ª Ed. 2007. Conceito Edi- tologia Jurídica. Editora Forense.
torial (Jurídico )

139
UNIDADE 11

Saiba mais

Saber Direito - Estatuto da OAB (1/5):


http://www.youtube.com/watch?v=uOT35hcLURo&list=PLB603E2FA-
D86687F1

Saber Direito - Estatuto da OAB (2/5):


http://www.youtube.com/watch?v=OcYETLzn3jQ&list=PLB603E2FA-
D86687F1

Saber Direito - Estatuto da OAB (3/5):


http://www.youtube.com/watch?v=Sq0HiTrxE9M&list=PLB603E2FA-
D86687F1

Saber Direito - Estatuto da OAB (4/5):


http://www.youtube.com/watch?v=XqDf0jKSu3E&list=PLB603E2FA-
D86687F1

Saber Direito - Estatuto da OAB (5/5):


http://www.youtube.com/watch?v=hg_pI68BVQE&list=PLB603E2FA-
D86687F1

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre a Deontologia Jurídica, de-
mos particular atenção à sua importância no cotidiano profissional do Opera-
dor do Direito; concluindo com as principais fontes normativas da Deontologia
Jurídica

140
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Qual é o objeto formal da Deontológica Juírica?

2. Qual a relação existente entre a Moral e o Direito? Qual o papel da Moral na cons-
trução do Direito?

3. A essência da moralidade coincide com a essência do Direito? Por quê?

4. Faça uma distinção entre “ato humano” e “ato do homem”, exemplificando.

5. Apresente os pressupostos da imputabilidade moral e jurídica?

141
Princípios da
deontologia jurídica
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo dos princípios da deontologia jurídi-

ca, dando particular enfoque ao agir segundo a ciência e a consciência,

a lealdade e a verdade, a reserva e sigilo profissional, a dignidade e de-

coro profissional, e, por fim, o coleguismo tão importante na relação entre

os profissionais do Direito.
UNIDADE 12

A proposta deste Capítulo é o de estudar os princípios que norteiam a deon-


tologia jurídica, abordando questões pertinentes a atividade do advogado, a sua
relação com o sigilo, o respeito ao cliente, as formas de condução das relações
entre cliente-advogado, assim como a conduta diante do poder judiciário.

144
UNICESUMAR

O Código de Ética Profissional

Ao ser constituída a Ordem dos Advogados do Brasil, 1930, foi atribuído ao


seu Conselho Federal a competência para promulgar o Código de Ética Profissio-
nal. Em 27 de julho de 1934, foi aprovado o projeto de Código de Ética elaborado
pelo então Instituto dos Advogados Brasileiros, que entrou em vigor em 15 de
novembro de 1934.
O Costa observa com perspicácia que o conceito Código de Ética indica
um “código” de condutas a serem observadas na esfera da normatividade ética e
não “jurídica”; porém, a partir do momento em que o Legislador explicitamente
dispõe que o Advogado se obriga a cumprir rigorosamente os deveres consigna-
dos no Código de Ética e de Disciplina (Cf. Lei nº 8.906/94, Art. 33) e sanciona
a transgressão de seus dispositivos com a pena de censura, elevou tal obrigação
que era apenas ética, à categoria de norma jurídica [Cf. COSTA, 1996, p. 129].
Com a Lei nº 8.906/94, Art. 31, Caput, o Legislador entendeu atribuir força
coercitiva aos dispositivos do Código de Ética:
O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que
contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

O Sigilo Profissional

O sigilo profissional é uma das consequências mais importantes da conces-


são de prerrogativas aos advogados. O Sodré afirma que sigilo profissional não
pertence a quem faz a confidência nem ao que o recebe; pertence sim à sociedade
que exige essa segurança dos homens, aos quais é entregue o cuidado de seus
respeitáveis interesses [Cf. SODRÉ, apud COSTA, 1996, p. 130].
O Costa adverte que constitui matéria de sigilo profissional tudo quanto deve
ser reservado aos limites da defesa; bem como, tudo quanto possa prejudicar,
moral ou materialmente, se divulgado [Cf. COSTA, 1996, p. 131].
O Código de Ética e Disciplina, no Capítulo III, trata “Do Sigilo Profissional”,
leiamos abaixo os Artigos 25 a 27:

Art. 25. O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito,


salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja

145
UNIDADE 12

afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo,
porém sempre restrito ao interesse da causa.
Art. 26. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial,
sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como
testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato
relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que au-
torizado ou solicitado pelo constituinte.
Art. 27. As confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas
nos limites da necessidade da defesa, desde que autorizado aquele pelo consti-
tuinte.
Parágrafo único. Presumem-se confidenciais as comunicações epistolares
entre advogado e cliente, as quais não podem ser reveladas a terceiros.

Não só a Ética Profissional, mas também a Ordem Jurídica assume como


valor essencial.
O sigilo profissional é disciplinado pelos seguintes dispositivos:

1º) No Art. 154 do Código Penal, Violação do segredo profissional:


Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de
função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a
outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

2º) No Art. 229 do Código Civil, violação do segredo:


Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I - a cujo respeito, por estado
ou profissão, deva guardar segredo;[...].

3º) No inciso XIX, do Art. 7, da Lei nº 8.906/94, o Legislador corrobora o


Direito-dever que onera o advogado de recusar-se a depor como testemunha
em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com
pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado
pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional;[...].

4º) No art. 36, I, c/c art. 34, VII, da mesma Lei, o Legislador tipifica como
infração disciplinar, punível com pena de censura, violar sem justa causa, sigilo
profissional (Cf. Lei nº 8.906/94, art. 36, I, c/c art. 34, VII).

146
UNICESUMAR

Postulando contra ex-clientes ou ex-empregador em nome de terceiros, judi-


cial ou extrajudicialmente, o Advogado deve resguardar o segredo profissional e
as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas:

O advogado, ao postular em nome de terceiros, contra ex-cliente ou ex-em-


pregador, judicial e extrajudicialmente, deve resguardar o segredo profissional
e as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas.
(Código de Ética e Disciplina, Art. 19)

O zelo em preservar o sigilo profissional deve levar o Advogado a recusar o


patrocínio da causa, quando tenha sido convidado também pela parte contrária
e dela recebido confidências em caráter sigiloso:

O advogado deve abster-se de patrocinar causa contrária à ética, à moral ou


à validade de ato jurídico em que tenha colaborado, orientado ou conhecido em
consulta; da mesma forma, deve declinar seu impedimento ético quando tenha
sido convidado pela outra parte, se esta lhe houver revelado segredos ou obtido
seu parecer (Código de Ética e Disciplina, Art. 20).

Segundo Ruy de Abreu Sodré, as hipóteses em que o dever do sigilo profis-


sional cessa para o advogado são:
1ª quando estiver em jogo o direito à vida, à honra afetada ou a própria defesa
da Pátria;
2ª quando atacado pelo próprio cliente, a sua defesa implique em alegar fatos
conhecidos por informação confidencial do cliente;
3ª quando estiver em jogo grave dano à coletividade;
4ª quando autorizado pelo próprio cliente, o que, na medida do possível,
deverá fazê-lo por escrito [Cf. SODRÉ, apud COSTA, 1996, p. 133].

O Zelo e a Probidade Profissional

O Código de Ética e Disciplina, no seu Art. 2º, I, afirma que

O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado

147
UNIDADE 12

democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz


social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função
pública que exerce.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão,
zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;
II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade,
lealdade, dignidade e boa-fé; [...].

A “probidade”, do Latim probus (a essência de quem é “honesto”, “digno”),


implica um conjunto de virtudes que caracterizam a personalidade de alguém,
inatacável em sua honra, reputação, dignidade. Sinônimos de probus é bonus,
pius, honestus, castus, sanctus, integer, innocens. Portanto, a probidade que se
exige do Advogado é no exercício da profissão. O atual Código de Ética e Disci-
plina (Art. 2º, Parágrafo Único, III-IV), expressamente prescreve que

Parágrafo único. São deveres do advogado:


III – velar por sua reputação pessoal e profissional;
IV – empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e
profissional;

No restrito âmbito profissional, o Código de Ética e Disciplina impõe ao


Advogado:

VIII – abster-se de: a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do


cliente; b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia,
em que também atue; c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho ma-
nifestamente duvidoso; d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética,
a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana; e) entender-se direta-
mente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o assentimento
deste. (Art. 2º, Parágrafo Único, VIII).

O Código de Ética e Disciplina ainda dispõe que


Art. 4º O advogado vinculado ao cliente ou constituinte, mediante relação
empregatícia ou por contrato de prestação permanente de serviços, integrante

148
UNICESUMAR

de departamento jurídico, ou órgão de assessoria jurídica, público ou privado,


deve zelar pela sua liberdade e independência.
Parágrafo único. É legítima a recusa, pelo advogado, do patrocínio de pre-
tensão concernente a lei ou direito que também lhe seja aplicável, ou contrarie
expressa orientação sua, manifestada anteriormente. (Parágrafo Único, Art. 4º).

E ainda:
O advogado deve abster-se de patrocinar causa contrária à ética, à moral ou
à validade de ato jurídico em que tenha colaborado, orientado ou conhecido em
consulta; da mesma forma, deve declinar seu impedimento ético quando tenha
sido convidado pela outra parte, se esta lhe houver revelado segredos ou obtido
seu parecer. (Art. 20).

A Sinceridade e a Veracidade

O Código de Ética e Disciplina, em seu preâmbulo:

O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRA-


SIL, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que
formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de
sua conduta, tais como: os de lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar
pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta
seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que
se dirige e as exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à
Justiça como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé
em suas relações profissionais e em todos os atos do seu ofício; empenhar-se na
defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo
do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interes-
ses; comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o
mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o indispensável
senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o
anseio de ganho material sobreleve à finalidade social do seu trabalho; aprimo-
rar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a
tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos

149
UNIDADE 12

atributos intelectuais e pela probidade pessoal; agir, em suma, com a dignidade


das pessoas de bem e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a
sua classe. [O grifo é meu]

O Código de Ética e Disciplina, no Art. 2º, II, determina:

O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado


democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz
social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função
pública que exerce.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade,
lealdade, dignidade e boa-fé; [...].

O Código de Ética e Disciplina, explicitamente, no Art. 6º estabelece:


É defeso ao advogado expor os fatos em Juízo falseando deliberadamente a
verdade ou estribando-se na má-fé.

A Lei nº 8.906/94, Art. 34, XIV, enuncia entre as infrações disciplinares:


[...] deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julga-
do, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para
confundir o adversário ou iludir o juiz da causa; [...]

Segundo Calamandrei a mentira do defensor, ainda quando inspirada no zelo


pela parte confiada à sua defesa, constitui grave infração da honra profissional,
podendo, inclusive, dar lugar a correições disciplinares contra o advogado men-
tiroso [Cf. CALAMANDREI, apud COSTA, 1996, pp. 138-139].
E, por fim, devemos lembrar que o Código de Ética e Disciplina, no Art. 13,
estabelece que:
A renúncia ao patrocínio implica omissão do motivo e a continuidade da
responsabilidade profissional do advogado ou escritório de advocacia, durante
o prazo estabelecido em lei; não exclui, todavia, a responsabilidade pelos danos
causados dolosa ou culposamente aos clientes ou a terceiros.

150
UNICESUMAR

O Respeito para com o Cliente

A sensibilidade pessoal pela dignidade das pessoas inclina o Advogado a


tratar todas as pessoas com a máxima consideração e habilidade, cuidadoso em
não ferir a sensibilidade de quem quer que seja. Segundo o Costa, o ideal se-
ria que todo advogado pudesse dispor de uma sala reservada, na qual o cliente
se sentisse tranquilo para expor o seu problema. Quem procura o Advogado é
sempre alguém necessitado de orientação e remédio. O advogado tem muito de
“sacerdote”, quando ouve a confissão do criminoso, os fatos da intimidade do lar,
os meandros do negócio, as desavenças, os ódios. O Advogado não está diante do
cliente como Juiz nem como vingador, mas na condição de servidor da Sociedade
e de patrono dos necessitados. A profissão jurídica envolve um munus social e
público [Cf. COSTA, 1996, pp. 143-145].

A Lealdade Profissional

Código de Ética e Disciplina dispõe que o Advogado não deve aceitar pro-
curação de quem já tenha defensor constituído, sem prévio, conhecimento do
mesmo; salvo por motivo justo, para medidas judiciais urgentes ou inadiáveis:

O advogado não deve aceitar procuração de quem já tenha patrono cons-


tituído, sem prévio conhecimento deste, salvo por motivo justo ou para adoção
de medidas judiciais urgentes e inadiáveis (Art. 11).

Aconteceria deslealdade profissional na atitude de quem celebrasse convênios


para prestação de serviços jurídicos com redução dos valores estabelecidos na
Tabela de Honorários, na medida em que tal conduta implica captação indevida
de clientela:

A celebração de convênios para prestação de serviços jurídicos com redução dos


valores estabelecidos na Tabela de Honorários implica captação de clientes ou causa,
salvo se as condições peculiares da necessidade e dos carentes puderem ser demons-
tradas com a devida antecedência ao respectivo Tribunal de Ética e Disciplina, que
deve analisar a sua oportunidade. (Código de Ética e Disciplina, Art. 39)

151
UNIDADE 12

A Educação e a Polidez do Advogado

O Costa observa que, no trato forense educação e polidez, sobretudo cole-


guismo, não dão prejuízo. As causas passam, os profissionais ficam e a boa frater-
nidade também: O antagonismo das posições em que se vêm postos os advogados
deve ser testemunho da sinceridade e ardor com que cada um sustenta e inter-
greta a justeza de um ponto de vista humano [Cf. COSTA, 1996, pp. 150-151].
Daqui a importância do preceito do Código de Ética e Disciplina, no CAPÍ-
TULO VI - DO DEVER DE URBANIDADE:

Art. 44. Deve o advogado tratar o público, os colegas, as autoridades e os


funcionários do Juízo com respeito, discrição e independência, exigindo igual
tratamento e zelando pelas prerrogativas a que tem direito.
Art. 45. Impõe-se ao advogado lhaneza, emprego de linguagem escorreita e
polida, esmero e disciplina na execução dos serviços.
Art. 46. O advogado, na condição de defensor nomeado, conveniado ou
dativo, deve comportar-se com zelo, empenhando-se para que o cliente se sinta
amparado e tenha a expectativa de regular desenvolvimento da demanda.

A Boa Reputação do Advogado

A norma da Lei nº 8.906/94, Art. 31, prescreve ao advogado o dever de pro-


ceder de forma que se torne merecedor de respeito e contribua para o prestígio
da classe e da advocacia:

O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que


contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em
qualquer circunstância.
§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade,
nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da
profissão.

Esta é a razão pela qual o Código de Ética e Disciplina enumera dentre os

152
UNICESUMAR

deveres do Advogado:

II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade,


lealdade, dignidade e boa-fé;
III – velar por sua reputação pessoal e profissional; [...] (Art. 2º, Parágrafo
Único, II-III).

A Lei nº 8.906/94, Art. 34, XXV-XXIX e Parágrafo Único, define como con-
dutas incompatíveis com o exercício da advocacia:

XXV - manter conduta incompatível com a advocacia;


XXVI - fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na OAB;
XXVII - tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;
XXVIII - praticar crime infamante;
XXIX - praticar, o estagiário, ato excedente de sua habilitação.
Parágrafo único. Inclui-se na conduta incompatível:
a) prática reiterada de jogo de azar, não autorizado por lei;
b) incontinência pública e escandalosa;
c) embriaguez ou toxicomania habituais.

A Prudência do Advogado

O Código de Ética e Disciplina impõe “prudência” ao Advogado ao deter-


minar que

Parágrafo único. São deveres do advogado:


VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que pos-
sível, a instauração de litígios;
VII – aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial; [...] (Art. 2º,
Parágrafo Único, VI-VII).

Segundo o Costa,

a prudência aconselha ao Advogado que restitua ao cliente os papéis de que

153
UNIDADE 12

não precise, dê recibo das quantias que o cliente lhe pagar ou entregar a qual-
quer título, não apresente alegação grave, sobre matéria de fato ou deprimente
de qualquer das partes litigantes, sem que se funde, ao menos, em princípio de
prova atendível ou que o cliente a autorize por escrito; finalmente, não aceite
poderes irrevogáveis ou em causa própria, nem em regra os poderes de tran-
sigir, confessar e desistir, sem indicação precisa do objeto, ainda que fora do
instrumento do mandato. De igual maneira a prudência exige que sobrevindo
conflito de interesse entre seus constituintes, nãos e acordando os interessados,
o advogado renuncie ao mandato de uma das partes [COSTA, 1996, p. 154].

O Código de Ética e Disciplina ainda no campo da prudência introduz as


vedações:

VIII – abster-se de:


a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente;
b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia,
em que também atue;
c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente du-
vidoso;
d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade
e a dignidade da pessoa humana;
e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono consti-
tuído, sem o assentimento deste. [Art. 2º, Parágrafo Único, VIII, a, b, c].

O Art. 7º, proíbe:

É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou


indiretamente, inculcação ou captação de clientela.

Segundo o Art. 33, do Código de Ética e Disciplina, o Advogado deve abs-


ter-se de:

I – responder com habitualidade consulta sobre matéria jurídica, nos meios


de comunicação social, com intuito de promover-se profissionalmente;
II – debater, em qualquer veículo de divulgação, causa sob seu patrocínio

154
UNICESUMAR

ou patrocínio de colega;
III – abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da
instituição que o congrega;
IV – divulgar ou deixar que seja divulgada a lista de clientes e demandas;
V – insinuar-se para reportagens e declarações públicas.

O Código de Ética e Disciplina também impõe a discrição e a moderação ao


Advogado, ao fazer anúncios:

Art. 28. O advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual


ou coletivamente, com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente
informativa, vedada a divulgação em conjunto com outra atividade.

O Art. 29, completa a obrigação:

Art. 29. O anúncio deve mencionar o nome completo do advogado e o nú-


mero da inscrição na OAB, podendo fazer referência a títulos ou qualificações
profissionais, especialização técnico-científica e associações culturais e científi-
cas, endereços, horário do expediente e meios de comunicação, vedadas a sua
veiculação pelo rádio e televisão e a denominação de fantasia.
§ 1º Títulos ou qualificações profissionais são os relativos à profissão de
advogado, conferidos por universidades ou instituições de ensino superior, re-
conhecidas.
§ 2º Especialidades são os ramos do Direito, assim entendidos pelos doutri-
nadores ou legalmente reconhecidos.
§ 3º Correspondências, comunicados e publicações, versando sobre consti-
tuição, colaboração, composição e qualificação de componentes de escritório e
especificação de especialidades profissionais, bem como boletins informativos e
comentários sobre legislação, somente podem ser fornecidos a colegas, clientes,
ou pessoas que os solicitem ou os autorizem previamente.
§ 4º O anúncio de advogado não deve mencionar, direta ou indiretamente,
qualquer cargo, função pública ou relação de emprego e patrocínio que tenha
exercido, passível de captar clientela.

155
UNIDADE 12

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


Em quê consiste a dignidade própria do operador do Direito?
É possível tornar-se servidor da Justiça, sem se corromper em “usurpador”
da Justiça? Em que sentido?
Como a cultura brasileira “vê” a função social do Advogado, hoje?
Que papel desempenha o Juiz e o Promotor de Justiça no imaginário cultural
brasileiro?

Saiba mais

Ética Profissional - aula 1


http://www.youtube.com/watch?v=OhW95u7OopA
Ética Profissional - aula 2
http://www.youtube.com/watch?v=Yja_pVUymbc
Ética Profissional - aula 3
http://www.youtube.com/watch?v=nGcGl5uOb6s

Ética Profissional - aula 4


http://www.youtube.com/watch?v=9l7rjjtCST8

Ética Profissional - aula 5


http://www.youtube.com/watch?v=8n87kSvUnX4

156
UNICESUMAR

Leitura Complementar

Bizatto, Jose Ildefonso. Deontolo- Roque, Sebastiao Jose. Deonto-


gia Jurídica e Ética Profissional 2 ed. logia Jurídica - Ética Profissional do
LED Editora Advogado. ICONE Editora.

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre alguns PRINCÍPIOS DA


DEONTOLOGIA JURÍDICA, nós trabalhamos principalmente O Código de
Ética Profissional, O Sigilo Profissional, O Zelo e a Probidade Profissional, A
Sinceridade e a Veracidade, O Respeito para com o Cliente, A Lealdade Profis-
sional, A Educação e a Polidez do Advogado, A Boa Reputação do Advogado, A
Prudência do Advogado.

157
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Quais são os preceitos do Código de Ética Profissional dos operadores do Direito?

2. Fundamente a importância do sigilo profissional no exercício das profissões jurí-


dicas!

3. Quais são os fundamentos da responsabilidade profissional?

4. O que significa zelar pela própria reputação, mesmo fora do exercício profissional?

158
Advogado
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo das principais normas e regulamen-

tos que disciplinam a Ordem dos Advogados do Brasil, dando particular

enfoque ao Exame de Ordem; aos Regramentos Éticos Pertinentes; e à Lei

8.906/1994 e seu Regulamento Geral.


UNIDADE 13

A proposta deste Capítulo é o de estudar os deveres e direitos do Advogado


no exercício de sua função, assim como, apresentar a razões para a existência do
Exame de Ordem a fundamentação legal para a sua existência.

160
UNICESUMAR

Exame de Ordem

A finalidade seletiva da Ordem dos Advogados do Brasil é ressaltada pelo


Legislador ao estabelecer que somente aos seus inscritos é permitido o exercício
da advocacia; e que os que a postularem deverão preencher um mínimo de re-
quisitos técnicos, científicos e morais:
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:

I - capacidade civil;
II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de
ensino oficialmente autorizada e credenciada;
III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV - aprovação em Exame de Ordem;
V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VI - idoneidade moral;
VII - prestar compromisso perante o conselho.
[Lei nº 8.906/94, Art. 8º]

Pela inscrição OAB, o bacharel em Direito torna-se habilitado a exercer a


advocacia em qualquer parte do território nacional. A inscrição principal é feita
no Conselho Seccional da Ordem, em cujo território pretende estabelecer o seu
domicílio profissional:

Art. 10. A inscrição principal do advogado deve ser feita no Conselho Sec-
cional em cujo território pretende estabelecer o seu domicílio profissional, na
forma do regulamento geral.
§ 1º Considera-se domicílio profissional a sede principal da atividade de
advocacia, prevalecendo, na dúvida, o domicílio da pessoa física do advogado.
[Lei nº 8.906/94, Art. 10º, §1º]

Com a Inscrição Principal o Advogado pode exercer sua atividade profissio-


nal na respectiva Secção em caráter permanente; em caráter eventual ou tem-
porário, pode exercer em qualquer parte do território nacional, entendendo-se
intervenção judicial que não exceda de cinco causas por ano:

161
UNIDADE 13

§ 2º Além da principal, o advogado deve promover a inscrição suplementar


nos Conselhos Seccionais em cujos territórios passar a exercer habitualmente a
profissão considerando-se habitualidade a intervenção judicial que exceder de
cinco causas por ano.
[Lei nº 8.906/94, Art. 10º, § 2º]

No caso de mudança efetiva do domicílio profissional o Advogado deve re-


querer a sua transferência:

§ 3º No caso de mudança efetiva de domicílio profissional para outra uni-


dade federativa, deve o advogado requerer a transferência de sua inscrição para
o Conselho Seccional correspondente.
[Lei nº 8.906/94, Art. 10º, § 3º]

A propósito do requisito de idoneidade moral, o legislador estabelece que,


se for por alguém arguida inidoneidade moral do candidato, esta somente será
declarada se obtiver no mínimo dois terços de todos os membros do conselho
competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar

§ 3º A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser decla-


rada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos
os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos
do processo disciplinar.
[Lei nº 8.906/94, Art. 8º, § 3º]

A falta de idoneidade moral será evidente quando o candidato tiver sido


condenado por crime infamante:

§ 4º Não atende ao requisito de idone


idade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo
reabilitação judicial.
[Lei nº 8.906/94, Art. 8º, § 4º]
Paulo Luiz Neto Lobo, comentando o novo Estatuto,
observa que a extinção punitiva, no juízo criminal, de fato que caracterize
inidoneidade moral, não a elide, impedindo-se a inscrição e que é irrelevante

162
UNICESUMAR

a ausência de pena criminal ou administrativa como pressuposto do indeferi-


mento do pedido de inscrição. No seu entender, mesmo antes da condenação, a
inscrição pode ser negada, se os fatos forem suficientes para a configuração de
inidoneidade moral, comprovados por documentos ou testemunhos [COSTA,
1996, p. 98].

O Regulamento Geral da Ordem dos Advogados do Brasil (1994) ainda dis-


põe:

Art. 20. O requerente à inscrição principal no quadro de advogados presta o


seguinte compromisso perante o Conselho Seccional, a Diretoria ou o Conselho
da Subseção:
“Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a
ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem
jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa
aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento da
cultura e das instituições jurídicas.”
§ 1º É indelegável, por sua natureza solene e personalíssima, o compromisso
referido neste artigo.
§ 2º A conduta incompatível com a advocacia, comprovadamente imputável
ao requerente, impede a inscrição no quadro de advogados.

A conduta considerada incompatível com o exercício da advocacia aparece


no Estatuto [Lei nº 8.906] em vigor como uma dentre as infrações disciplinares
sancionadas com a pena de suspensão:

Art. 34. Constitui infração disciplinar:


XXVII - tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;
Art. 37. A suspensão é aplicável nos casos de:
I - infrações definidas nos incisos XVII a XXV do art. 34;
II - reincidência em infração disciplinar.

Ainda é necessário, para a inscrição no rol dos Advogados da OAB:

I - capacidade civil;

163
UNIDADE 13

II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de


ensino oficialmente autorizada e credenciada;
III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
[Lei nº 8.906/94, art. 8º, § 3º]

Paulo Luiz Neto Lobo afirma que

por crime infamante se deva entender todo aquele que acarreta para seu
autor a desonra, a indignidade e a má-fé e que essas desvalorizações da conduta
criminosa são potencializadas e caracterizadas como infames, quando o crime é
praticado por profissional do Direito, o qual tem o dever qualificado de defender
a ordem jurídica. E exemplifica com o furto que, se cometido por um ladrão
comum, não se equipara em grau de infâmia ao praticado por um advogado,
que é sempre presumida. [NETO LOBO, apud COSTA, 1996, p. 100]

Ele ainda pondera que

não é a gravidade do crime que o qualifica como infame, quando praticado


pelo advogado (seja como mandante, seja como executor) mas a repercussão
inevitável à dignidade da advocacia. O estelionato (por exemplo, a emissão
de cheque sem fundo) será infamante para o advogado; o crime de homicídio
(muito mais grave) poderá não o ser. [NETO LOBO, apud COSTA, 1996, p. 100]

O Legislador ainda previu [Lei nº 8.906/94, Art. 11] as hipóteses de cancela-


mento do Advogado da Ordem:

Art. 11. Cancela-se a inscrição do profissional que:


I - assim o requerer;
II - sofrer penalidade de exclusão;
III - falecer;
IV - passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a
advocacia;
V - perder qualquer um dos requisitos necessários para inscrição.

164
UNICESUMAR

A Natureza Ética dos Deveres Profissionais

O atual Estatuto, no Capítulo VIII – Da Ética do Advogado, estabelece:

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de res-
peito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em
qualquer circunstância.
§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade,
nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da
profissão.
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional,
praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamen-
te responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte
contrária, o que será apurado em ação própria.
Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consig-
nados no Código de Ética e Disciplina.
Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advo-
gado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publi-
cidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de
urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares.

O Costa observa que a deontologia buscará, como fonte primeira dos de-
veres éticos dos Advogados, o Código de Ética e de Disciplina, 1995; somente
subsidiariamente, buscará o Código de Ética de 1934 [Cf. COSTA, 1996, p. 115]:

Art. 66. Este Código entra em vigor, em todo o território nacional, na data
de sua publicação, cabendo aos Conselhos Federal e Seccionais e às Subseções da
OAB promover a sua ampla divulgação, revogadas as disposições em contrário.

Alguns Deveres Institucionais do Advogado

Em se tratando de deveres institucionais do Advogado, devemos ter presente

165
UNIDADE 13

o já citado Art. 20, do Regulamento Geral da Ordem dos Advogados do Brasil


(1994), em modo particular o teor do “compromisso”, perante o Conselho Sec-
cional, a Diretoria ou o Conselho da Subseção:

“Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a


ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem
jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa
aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento da
cultura e das instituições jurídicas.”

Defender a Constituição

“Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a


ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, ...”

A Constituição Federal de 1988 deferiu ao Conselho Federal da Ordem dos


Advogados do Brasil a competência para propor ação direta de inconstitucio-
nalidade:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação


declaratória de constitucionalidade:
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; [CF 1988,
Art. 103, VII]

Defender a Ordem do Estado Democrático

“...a ordem jurídica do Estado Democrático, ...”

A Lei nº 8.906/94 enumera, dentre as infrações disciplinares:

VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando


fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronuncia-
mento judicial anterior; [Art. 34, VI].

Defender os direitos humanos e a justiça social

166
UNICESUMAR

“... defender ... os direitos humanos, a justiça social, ...”

O Código de Ética e Disciplina, no Art. 2º, Parágrafo único, afirma como


dever do Advogado:

IX – pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos


seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade.

A Assistência judiciária

“...a boa aplicação das leis, ...”

A Lei nº 8.906/94 determina, dentre as infrações disciplinares:


Art. 34. Constitui infração disciplinar:
XII - recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando no-
meado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública;
O Código de Ética e Disciplina, no Capítulo VI – Do Dever de Urbanidade,
determina:

Art. 44. Deve o advogado tratar o público, os colegas, as autoridades e os


funcionários do Juízo com respeito, discrição e independência, exigindo igual
tratamento e zelando pelas prerrogativas a que tem direito.
Art. 45. Impõe-se ao advogado lhaneza, emprego de linguagem escorreita e
polida, esmero e disciplina na execução dos serviços.
Art. 46. O advogado, na condição de defensor nomeado, conveniado ou
dativo, deve comportar-se com zelo, empenhando-se para que o cliente se sinta
amparado e tenha a expectativa de regular desenvolvimento da demanda.

A Injustiça da Lei

Às vezes pode acontecer de uma Lei ser injusta, por isto o Código de Ética e
Disciplina, sabiamente, prescreve:

167
UNIDADE 13

Art. 3º O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de


mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um
instrumento para garantir a igualdade de todos.

O Costa observa que

O Direito legislativo ordinariamente evolui em seguida às manifestações de


novas descobertas axiológicas, tanto quanto o direito costumeiro, onde a elabo-
ração deste foi possível. Na rua não se acha o Direito, mas, com certeza, atuam
na rua as aspirações e reivindicações jurígenas, a alma do povo, numa palavra,
os valores que, a seu tempo, haverão de ser assumidos pelo legislador. Esta, po-
rém, não é uma atribuição institucional da advocacia. [COSTA, 1996, p. 126]

Ele ainda adverte que a principal atribuição institucional do Advogado, en-


quanto servidor da Justiça, é investigar e descobrir no texto legal o espírito da
lei, ou seja, a ratio legis:

... aquilo que deu motivo ao aparecimento da lei e sem o que a lei não teria
surgido. Na exposição de motivos ao Código de Ética e Disciplina, o Conselho
Federal inclui entre os princípios que representam imperativos da conduta do
advogado, o de lutar pelo respeito à lei, fazendo com que esta seja interpretada
com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigên-
cias do bem comum. [COSTA, 1996, p. 126-127]

Contribuir para o aprimoramento das instituições do Direito e das Leis

“... defender... o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.”

Este preceito vem enunciado no art. 2º, parágrafo único, inciso V, do Código
de Ética e de Disciplina.

V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis;

O Estatuto estabelece que compete ao Conselho Federal

168
UNICESUMAR

XIV - ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos


normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de
injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei;
[Lei nº 8.906/94, art. 54, XIV]

E ainda:

XV - colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, pre-


viamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reco-
nhecimento ou credenciamento desses cursos; [...].
[Lei nº 8.906/94, art. 54, XV]

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:

Por que, apesar de todas as normas éticas e disciplinares acima estudas, ainda
existem Advogados que agem em modo indigno da advocacia?
Por que, apesar de conhecer o bem que deve ser praticado, muitas vezes pra-
ticamos o mal que deveria ser evitado?

169
UNIDADE 13

Leitura Complementar

Marin, Marco Aurelio. Como Se Bittar, Eduardo C. B. Curso de


Preparar Para o Exame de Ordem - Ética Jurídica - Ética Geral e Profissio-
Ética Profissional 10 - 9ª Ed. 2012. nal - 10ª Ed. 2013. SARAIVA Editora
METODO Editora

Saiba mais

Saber Direito - Estatuto da OAB (1/5)


http://www.youtube.com/watch?v=uOT35hcLURo
Saber Direito - Estatuto da OAB (2/5)
http://www.youtube.com/watch?v=OcYETLzn3jQ
Saber Direito - Estatuto da OAB (3/5)
http://www.youtube.com/watch?v=Sq0HiTrxE9M
Saber Direito - Estatuto da OAB (4/5)
http://www.youtube.com/watch?v=XqDf0jKSu3E
Saber Direito - Estatuto da OAB (5/5)
http://www.youtube.com/watch?v=hg_pI68BVQE

170
UNICESUMAR

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre o Advogado, demos par-
ticular atenção ao Exame de Ordem, para a admissão à OAB; a natureza ética
dos deveres profissionais do Advogado; os principais deveres institucionais do
Advogado, a saber: defender a constituição, defender a ordem do estado demo-
crático, defender os direitos humanos e a justiça social, a assistência judiciária, a
injustiça da lei, e pugnar pela rápida administração da justiça.

171
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. O que é a Ordem dos Advogados do Brasil?

2.O que é o “Exame de Ordem”?

3. Qual a natureza ética dos deveres profissionais do Advogado?

4.Quais são os principais deveres institucionais do Advogado?

172
Código de ética e
disciplina da OAB
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo do Código de Ética e Disciplina da

OAB.
UNIDADE 14

A proposta de estudo deste Capítulo é o Código de Ética Disciplina da OAB,


como elementos norteadores da conduta do Advogado perante o seu cliente, a
sociedade e o Estado.

174
UNICESUMAR

A Ética do Advogado

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ao instituir o Código


de Ética e Disciplina, seguiu princípios que formam a consciência profissional
do Advogado e “representam imperativos de sua conduta”.
Estes imperativos são elencados no seu Preâmbulo, a saber:

- lutar sem receio pelo primado da Justiça;


- pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo
com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins
sociais a que se dirige e as exigências do bem comum;
- ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos
essenciais;
- proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos
os atos do seu ofício;
- empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao
constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de
seus legítimos interesses;
- comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com
o mesmo denodo humildes e poderosos;
- exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também
com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobre-
leve à finalidade social do seu trabalho;
- aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica,
de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um
todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal;
- agir, em suma, com a dignidade das pessoas de bem e a correção dos pro-
fissionais que honram e engrandecem a sua classe.

Foi inspirado nesses imperativos éticos que o Conselho Federal da Ordem


dos Advogados do Brasil, aprovou e editou o Código de Ética e Disciplina, “exor-
tando os advogados brasileiros à sua fiel observância”.

No Título I - Da Ética do Advogado, no Capítulo I - Das Regras Deontológicas


Fundamentais, quanto ao exercício da advocacia é afirmado:

175
UNIDADE 14

Art. 1º O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos


deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os
demais princípios da moral individual, social e profissional.
Sobre a administração da Justiça, o Código estabelece como deveres do Ad-
vogado [Art. 2º, Parágrafo único]:

I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão,


zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;
II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade,
lealdade, dignidade e boa-fé;
III – velar por sua reputação pessoal e profissional;
IV – empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e
profissional;
V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis;
VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que pos-
sível, a instauração de litígios;
VII – aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial;
VIII – abster-se de:
a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente;
b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia,
em que também atue;
c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente du-
vidoso;
d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade
e a dignidade da pessoa humana;
e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono consti-
tuído, sem o assentimento deste.
IX – pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos
seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade.

As Relações do Advogado com os Clientes

No Capítulo II - Das Relações Com o Cliente, do Art. 8º até o Art. 23º, são
tratadas as relações entre o Advogado e os seus clientes. Primeiramente um

176
UNICESUMAR

dever de “clareza”:

Art. 8º O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca,


quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das consequências que poderão
advir da demanda.

Depois, um dever de justiça em relação aos honorários e a prestação de con-


tas:

Art. 9º A conclusão ou desistência da causa, com ou sem a extinção do man-


dato, obriga o advogado à devolução de bens, valores e documentos recebidos no
exercício do mandato, e à pormenorizada prestação de contas, não excluindo
outras prestações solicitadas, pelo cliente, a qualquer momento.

No Art. 11, uma proibição visando as boas relações entre os advogados:

O advogado não deve aceitar procuração de quem já tenha patrono cons-


tituído, sem prévio conhecimento deste, salvo por motivo justo ou para adoção
de medidas judiciais urgentes e inadiáveis.

No Art. 13, sobre a renúncia ao patrocínio, a responsabilidade profissional e


os danos, é estabelecido

A renúncia ao patrocínio implica omissão do motivo e a continuidade da


responsabilidade profissional do advogado ou escritório de advocacia, durante
o prazo estabelecido em lei; não exclui, todavia, a responsabilidade pelos danos
causados dolosa ou culposamente aos clientes ou a terceiros.

O Art. 15 estabelece que o mandato deve ser outorgado individualmente aos


advogados:

O mandato judicial ou extrajudicial deve ser outorgado individualmente


aos advogados que integrem sociedade de que façam parte, e será exercido no
interesse do cliente, respeitada a liberdade de defesa.

177
UNIDADE 14

E o Art. 16 completa:

O mandato judicial ou extrajudicial não se extingue pelo decurso de tempo,


desde que permaneça a confiança recíproca entre o outorgante e o seu patrono
no interesse da causa.

O Art. 18 dirime eventuais conflitos de interesse entre os constituintes:

Sobrevindo conflitos de interesse entre seus constituintes, e não estando


acordes os interessados, com a devida prudência e discernimento, optará o ad-
vogado por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado o sigilo
profissional.

Sobre o segredo profissional e as informações reservadas ou privilegiadas, o


Art. 19, estabelece:

O advogado, ao postular em nome de terceiros, contra ex-cliente ou ex-em-


pregador, judicial e extrajudicialmente, deve resguardar o segredo profissional
e as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas.

O Art. 20 proíbe o Advogado de patrocinar causas contrárias à ética ou à


justiça:

O advogado deve abster-se de patrocinar causa contrária à ética, à moral


ou à validade de ato jurídico em que tenha colaborado, orientado ou conhecido
em consulta; da mesma forma, deve declinar seu impedimento ético quando
tenha sido convidado pela outra parte, se esta lhe houver revelado segredos ou
obtido seu parecer.

O Art. 21 determina como direito e dever do Advogado não emitir juízo


sobre seus clientes:

É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua


própria opinião sobre a culpa do acusado.

178
UNICESUMAR

Sobre o substabelecimento do mandato, o Art. 24 estabelece:

O substabelecimento do mandato, com reserva de poderes, é ato pessoal do


advogado da causa.
§ 1º O substabelecimento do mandato sem reservas de poderes exige o prévio
e inequívoco conhecimento do cliente.
§ 2º O substabelecido com reserva de poderes deve ajustar antecipadamente
seus honorários com o substabelecente.

O Sigilo Profissional

O Capítulo III - Do Sigilo Profissional, do Art. 25 ao Art. 27 disciplina o


“sigilo profissional” no exercício da advocacia. O Art. 25 afirma que:
O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo
grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afron-
tado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém
sempre restrito ao interesse da causa.

O Art. 26 determina que:


O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que
saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha
em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado
com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou
solicitado pelo constituinte.

E o Art. 27 disciplina as “confidências” feitas ao Advogado:

As confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos


limites da necessidade da defesa, desde que autorizado aquele pelo constituinte.
Parágrafo único. Presumem-se confidenciais as comunicações epistolares
entre advogado e cliente, as quais não podem ser reveladas a terceiros.

179
UNIDADE 14

Sobre a Publicidade do Advogado

O Capítulo IV - Da Publicidade, do Art. 28 até o Art. 34, disciplina a publi-


cidade do Advogado. O Art. 28 estabelece a necessária “discrição e moderação”
na publicidade:

O advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou co-


letivamente, com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente infor-
mativa, vedada a divulgação em conjunto com outra atividade.

O Art. 29 determina como devem ser feitos os anúncios de serviços jurídicos:

O anúncio deve mencionar o nome completo do advogado e o número da ins-


crição na OAB, podendo fazer referência a títulos ou qualificações profissionais,
especialização técnico-científica e associações culturais e científicas, endereços,
horário do expediente e meios de comunicação, vedadas a sua veiculação pelo
rádio e televisão e a denominação de fantasia.
§ 1º Títulos ou qualificações profissionais são os relativos à profissão de
advogado, conferidos por universidades ou instituições de ensino superior, re-
conhecidas.
§ 2º Especialidades são os ramos do Direito, assim entendidos pelos doutri-
nadores ou legalmente reconhecidos.
§ 3º Correspondências, comunicados e publicações, versando sobre consti-
tuição, colaboração, composição e qualificação de componentes de escritório e
especificação de especialidades profissionais, bem como boletins informativos e
comentários sobre legislação, somente podem ser fornecidos a colegas, clientes,
ou pessoas que os solicitem ou os autorizem previamente.
§ 4º O anúncio de advogado não deve mencionar, direta ou indiretamente,
qualquer cargo, função pública ou relação de emprego e patrocínio que tenha
exercido, passível de captar clientela.
§ 5º O uso das expressões “escritório de advocacia” ou “sociedade de advo-
gados” deve estar acompanhado da indicação de número de registro na OAB ou
do nome e do número de inscrição dos advogados que o integrem.
§ 6º O anúncio, no Brasil, deve adotar o idioma português, e, quando em
idioma estrangeiro, deve estar acompanhado da respectiva tradução.

180
UNICESUMAR

O Art. 30, novamente retoma o princípio da discrição quanto ao conteúdo


publicitário:

O anúncio sob a forma de placas, na sede profissional ou na residência do


advogado, deve observar discrição quanto ao conteúdo, forma e dimensões, sem
qualquer aspecto mercantilista, vedada a utilização de outdoor ou equivalente.

O Art. 31 impõe o princípio “sobriedade” na utilização de fotografias e outras


imagens na publicidade:

O anúncio não deve conter fotografias, ilustrações, cores, figuras, desenhos,


logotipos, marcas ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da advocacia,
sendo proibido o uso dos símbolos oficiais e dos que sejam utilizados pela Ordem
dos Advogados do Brasil.
§ 1º São vedadas referências a valores dos serviços, tabelas, gratuidade ou
forma de pagamento, termos ou expressões que possam iludir ou confundir
o público, informações de serviços jurídicos suscetíveis de implicar, direta ou
indiretamente, captação de causa ou clientes, bem como menção ao tamanho,
qualidade e estrutura da sede profissional.
§ 2º Considera-se imoderado o anúncio profissional do advogado mediante
remessa de correspondência a uma coletividade, salvo para comunicar a clientes
e colegas a instalação ou mudança de endereço, a indicação expressa do seu
nome e escritório em partes externas de veículo, ou a inserção de seu nome em
anúncio relativo a outras atividades não advocatícias, faça delas parte ou não.

O Art. 32 disciplina a participação dos advogados em transmissões televisivas


e radiofônicas:

O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de


rádio, de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou de qualquer
outro meio, para manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamen-
te ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou
profissional, vedados pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por
seus colegas de profissão.

181
UNIDADE 14


“O advogado pode anunciar (...) com discrição e mo-
deração, para finalidade exclusivamente informativa,
vedada a divulgação em conjunto com outra atividade.”

Parágrafo único. Quando convidado para manifestação pública, por qual-


quer modo e forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse
geral, deve o advogado evitar insinuações a promoção pessoal ou profissional,
bem como o debate de caráter sensacionalista.

O Art. 33 proíbe o Advogado:

I – responder com habitualidade consulta sobre matéria jurídica, nos meios


de comunicação social, com intuito de promover-se profissionalmente;
II – debater, em qualquer veículo de divulgação, causa sob seu patrocínio
ou patrocínio de colega;
III – abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da
instituição que o congrega;
IV – divulgar ou deixar que seja divulgada a lista de clientes e demandas;
V – insinuar-se para reportagens e declarações públicas.

O Art. 34, retoma o princípio do “sigilo profissional”, estabelecendo que:

A divulgação pública, pelo advogado, de assuntos técnicos ou jurídicos de


que tenha ciência em razão do exercício profissional como advogado constituído,
assessor jurídico ou parecerista, deve limitar-se a aspectos que não quebrem ou
violem o segredo ou o sigilo profissional.

Sobre os Honorários Advocatícios

O Capítulo V - Dos Honorários Profissionais, do Art. 35 até o Art. 43, disci-


plina os “honorários advocatícios”. O Art. 35 estabelece que:

Os honorários advocatícios e sua eventual correção, bem como sua majora-


ção decorrente do aumento dos atos judiciais que advierem como necessários,

182
UNICESUMAR

devem ser previstos em contrato escrito, qualquer que seja o objeto e o meio da
prestação do serviço profissional, contendo todas as especificações e forma de
pagamento, inclusive no caso de acordo.
§ 1º Os honorários da sucumbência não excluem os contratados, porém
devem ser levados em conta no acerto final com o cliente ou constituinte, tendo
sempre presente o que foi ajustado na aceitação da causa.
§ 2º A compensação ou o desconto dos honorários contratados e de valores
que devam ser entregues ao constituinte ou cliente só podem ocorrer se houver
prévia autorização ou previsão contratual.
§ 3º A forma e as condições de resgate dos encargos gerais, judiciais e extraju-
diciais, inclusive eventual remuneração de outro profissional, advogado ou não,
para desempenho de serviço auxiliar ou complementar técnico e especializado,
ou com incumbência pertinente fora da Comarca, devem integrar as condições
gerais do contrato.

O Art. 36 evoca o princípio da “moderação” ao se fixarem os honorários


advocatícios, estabelecendo os seguintes elementos, como critérios norteadores:

I – a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões ver-


sadas;
II – o trabalho e o tempo necessários;
III – a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros
casos, ou de se desavir com outros clientes ou terceiros;
IV – o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para ele
resultante do serviço profissional;
V – o caráter da intervenção, conforme se trate de serviço a cliente avulso,
habitual ou permanente;
VI – o lugar da prestação dos serviços, fora ou não do domicílio do advogado;
VII – a competência e o renome do profissional;
VIII – a praxe do foro sobre trabalhos análogos.

O Art. 38 disciplina a quota litis como critério para o estabelecimento dos


honorários:

Na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os honorários devem ser ne-

183
UNIDADE 14

cessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos de honorários


da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do
constituinte ou do cliente.
Parágrafo único. A participação do advogado em bens particulares de cliente,
comprovadamente sem condições pecuniárias, só é tolerada em caráter excep-
cional, e desde que contratada por escrito.

O Art. 39 proíbe os tão comuns “descontos” no valor dos honorários, abaixo


da Tabela de Honorários, como sendo captação de clientes:

A celebração de convênios para prestação de serviços jurídicos com redução


dos valores estabelecidos na Tabela de Honorários implica captação de clientes
ou causa, salvo se as condições peculiares da necessidade e dos carentes puderem
ser demonstradas com a devida antecedência ao respectivo Tribunal de Ética e
Disciplina, que deve analisar a sua oportunidade.

O Art. 40 estabelece que a verba honorária decorrente da sucumbência per-


tence ao advogado:

Os honorários advocatícios devidos ou fixados em tabelas no regime da


assistência judiciária não podem ser alterados no quantum estabelecido; mas a
verba honorária decorrente da sucumbência pertence ao advogado.

Sobre o Dever de Urbanidade

O Capítulo VI - Do Dever de Urbanidade, do Art. 44 até o Art. 46, estabelece


alguns princípios de “urbanidade”. O Art. 44 evoca os princípios do “respeito,
discrição e independência”:

Deve o advogado tratar o público, os colegas, as autoridades e os funcioná-


rios do Juízo com respeito, discrição e independência, exigindo igual tratamento
e zelando pelas prerrogativas a que tem direito.

O Art. 45 impõe ao Advogado “polidez, esmero e disciplina”:

184
UNICESUMAR

Impõe-se ao advogado lhaneza, emprego de linguagem escorreita e polida,


esmero e disciplina na execução dos serviços.

O Decálogo do Advogado

Neste último tópico desta unidade, achamos interessante apresentar o “decá-


logo” de Couture [Cf. COUTURE, apud COSTA, 1996, pp. 213-214], valemo-nos
do texto do Costa.

1º. Estudar: o Direito exige estudo contínuo e árduo, pois está em constante
transformação.

2º. Pensar: não basta estudar o Direito; este exige que o Advogado seja um
verdadeiro jurista, aquele que pensa o Direito.

3º. Trabalhar: a Advocacia é um fatigante e, às vezes, árduo trabalho a


serviço da Justiça.

4º. Lutar: o dever do Advogado é lutar pelo Direito justo.

5º. Ser leal: a leal para com o cliente, para com o adversário, para com o juiz.

6º. Tolerar: o Advogado deve tolerar a verdade alheia, como gostarias que a
sua fosse tolerada pelos outros.

7º. Ter paciência: o tempo é vingativo quando “atropelado”.

8º. Ter fé: o Advogado deve ter fé no Direito como o instrumento mais ade-
quado para a instauração de uma convivência humana; ainda deve ter fé na
Justiça, como meta final do Direito; deve ter fé na paz, como substituto benevo-
lente da Justiça; e, sobretudo, o Advogado deve ter fé na “liberdade”, sem a qual
não há Direito, nem Justiça e menos ainda “paz”.

9º. Esquecer: a Advocacia é uma luta de paixões; a cada batalha passada, o

185
UNIDADE 14

Advogado deve esquecer logo tanto a vitória quanto a derrota.

10º. Amar a profissão: o Advogado deve considerar a Advocacia uma “hon-


ra”.

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


É possível ser “plenamente” Advogado sem ética?
Como impedir que, nos dias atuais, a Justiça seja reduzida ao “Direito”?
O que podemos fazer para impedir que os “princípios éticos” sejam conside-
rados “boas intenções”?

Saiba mais

Ética Profissional - aula 1:


http://www.youtube.com/watch?v=Xdo6lvf6vAU&list=PL6-Ycg9uC_Fz-
5W7Ut2JwcxQ7Sg5dZTAkk
Ética Profissional - aula 2:
http://www.youtube.com/watch?v=Yja_pVUymbc&list=PL6-Ycg9uC_Fz-
5W7Ut2JwcxQ7Sg5dZTAkk
Ética Profissional - aula 3:
http://www.youtube.com/watch?v=nGcGl5uOb6s&list=PL6-Ycg9uC_Fz-
5W7Ut2JwcxQ7Sg5dZTAkk

Ética Profissional - aula 4:


http://www.youtube.com/watch?v=lrX01t1ms0g&list=PL6-Ycg9uC_Fz-
5W7Ut2JwcxQ7Sg5dZTAkk

Ética Profissional - aula 5:


http://www.youtube.com/watch?v=8n87kSvUnX4&list=PL6-Ycg9uC_Fz-
5W7Ut2JwcxQ7Sg5dZTAkk

186
UNICESUMAR

Leitura Complementar

Silva, Antonio Carlos. Exame de GAMA, Ricardo Rodrigues. Es-


Ordem em Estudo - Estatuto da Ad- tatuto da Advocacia e código de ética
vocacia e da Oab e Código de Ética da OAB. Edição 2009. Russel Editora.
e Disciplina. LUMEN JURIS Editora

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre o Código de Ética e Disci-
plina da OAB, demos particular enfoque à ética do advogado, às as relações do
advogado com os clientes, ao sigilo profissional, à publicidade do advogado, aos
honorários advocatícios, ao dever de urbanidade e concluímos com o decálogo
do advogado de Couture.

187
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Quais os principais imperativos da Ética do Advogado?

2. Qual o princípio ético norteador das Relações do Advogado com os Clientes?

3. Por que o Sigilo Profissional do Advogado é tão importante?

4. Qual o princípio ético fundamental para uma correta publicidade do Advogado?

5. Ao estabelecer os seus honorários o Advogado deve ser guiado por qual princípio
ético?

6. O dever de urbanidade consiste em quais atitudes concretas?

7. Qual o fundamento ético do Decálogo do Advogado de Couture?

188
A magistratura
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo da Magistratura, dando particular

enfoque à análise da Lei Orgânica e da Carreira da Magistratura, bem

como aos poderes éticos e às funções jurisdicionais do Juiz.


UNIDADE 15

A proposta deste Capítulo é de estudar a Lei da Magistratura, aonde se de-


lineiam o papel de todos os atores envolvidos no sistema judiciário brasileiro,
assim como os limites de suas condutas profissionais e legais.

190
UNICESUMAR

A Ética da Magistratura

O Código de Ética da Magistratura invoca, explicitamente, os princípios da


independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia,
da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da inte-
gridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.
O Nalini observa que

É uma síntese de tudo aquilo que se espera do juiz no exercício funcional e


na vida particular. Recorda o Magistrado de que ele deve primar pelo respeito à
Constituição da República e às leis do País, em busca do fortalecimento das ins-
tituições e da plena realização dos valores democráticos [NALINI, 2012, p. 37].

O Nalini ainda afirma que

Persiste, em teoria e no diletantismo, certa sensação de que ética é algo intui-


tivo e personalíssimo. Quem não dispõe de discernimento para se comportar de
acordo com as expectativas de comportamento que cercam o cargo ou a função
será insuscetível de sensibilizar-se diante de um Código de Ética. Seu teor não
será lido, não será objeto de consulta e, pior do que isso, não será levado a sério
[NALINI, 2012, p. 38].

A pergunta que se impõe nesta unidade é: Existe uma ética especial para o
juiz?
O Juiz se submete à opção fundamental dos Constituintes

[...] representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-es-
tar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social
e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUI-
ÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
[Constituição de 1988, Preâmbulo].

191
UNIDADE 15

O Juiz, exercendo poder independente da União, está envolvido no projeto


de construção de

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
[CF, Art. 3º].

O Canotilho observa que o Juiz não está acima da Constituição:

... a pretexto do estatismo e do totalitarismo legislativo, generalizou-se a


tendência para falar do crepúsculo do deus-lei e inventar um novo ídolo: o
deus-direito-juiz. Quer partindo da insistência na valorização jurisprudencial
de princípios suprapositivos, quer proclamando com arrogância a elite dos juízes
como a aristocracia de amanhã, quer deslocando a problemática da aplicação do
direito da lei para o problema sem curar de apoios normativos, que afirmando
o caráter produtivo da interpretação jurídica, sem se definirem os limites desta
produção judicial, quer convertendo o juiz em agente da emancipação social,
assiste-se a uma onda de inimizade legal, cuja conformidade com o Estado de
Direito Democrático é mais que questionável. O juiz não é simples boca da
palavra da lei, mas também não pode nem deve substituir-se à Constituição e
à lei. O terceiro poder não é um poder desvinculado, mas uma função juridica-
mente vinculada. Qualquer complementação jurídica só pode ter lugar de forma
imanente à Constituição e à lei. A Constituição consagrou um Estado de Direito
Democrático e não um Estado de Juízes [CANOTILHO, 1981, pp. 62-63, apud
NALINI, 1998, p. 65].

O Nalini observa que o Juiz, enquanto profissional, subordina-se a uma nor-


matividade ética derivada não apenas da Constituição de 1988, que prevê as
vedações do Parágrafo Único do Art. 95:

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

192
UNICESUMAR

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma


de magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de de-
corridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Também do Estatuto da Magistratura, no Art. 93 da CF, Caput:

Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre


o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...].

Essa normatividade vigora sob a forma da Lei Complementar Federal n. 35,


14 de março de 1979. Não estamos diante de uma ética “diferente”, conforme
afirma o Navarro:

A moral profissional é uma aplicação da moral à profissão, ou melhor, ao


profissional... Não hão de ser, nem podem ser, distintos princípios, de razão ou
revelados, que rejam a vida moral do profissional, enquanto tal, dos que hão
de reger a vida de qualquer mortal, posto que a moral, como a verdade, não
pode ser mais que uma. Sem prejuízo, nem tudo o que é princípio ou base do
raciocínio prático tem porque endereçar-se ao profissional, nem aquele que a ele
se aplica, idêntico em sua concepção genérica, chega ou há de chegar até ele da
mesma forma e com a mesma carga de conclusões com que se chega aos demais,
enquanto alheios ao mundo da profissão [NAVARRO, 1989, apud NALINI,
1998, p. 66].

193
UNIDADE 15

O “Decálogo” do Juiz

Trazemos aqui o “decálogo” ético do Juan Carlos Mendoza, Juiz e Professor


da Universidade Católica de Assunção, citado na íntegra:

1º Sê honesto: o conteúdo necessário do Direito são os valores morais, donde


não se pode conceber um ordenamento jurídico que não responda a um princípio
ético. Por esses valores morais, o Direito existe, tem autoridade, aperfeiçoa-se e se
impõe aos homens. Para que possas aplicá-lo com rigor e cumprir seus pressupos-
tos últimos, deves encarnar em ti esses valores, dentre os quais a honestidade é o
primeiro e essencial ao teu ministério [MENDOZA, apud NALINI, 1992, p. 24].

2º Sê sóbrio: a sobriedade é uma exigência do teu cargo. Para que sejas um


verdadeiro magistrado e alcances o respeito de teus semelhantes, hás de ser ne-
cessariamente exemplar em tua vida pública e privada e hás de condensar, em
todas as tuas decisões, o equilíbrio de tua alma.

3º Sê paciente: quem vai aos tribunais em demanda de tua justiça, leva


atribulações e ansiedades que hás de compreender. Esta é a parte mais sensível
e humana de tua missão; ela te ajudará a ter presente que o destinatário de tua
sentença não é um ente abstrato ou nominal, mas que é um homem, e, mais que
um homem, uma pessoa humana.

4º Sê trabalhador: deves esforçar-te para que tenha vigência o ideal de justiça


rápida, se bem que não deves sacrificar o estudo à celeridade. Trabalha no pleito
mais insignificante com a mesma dedicação que no pleito mais importante e, em
todos os casos, tem presente que o que está em jogo é a própria justiça.

5º Sê imparcial: o litigante luta pelo seu direito, tanto quanto tu lutas pelo
direito. Isto não deves esquecer nunca. Não te deves levar por tuas simpatias ou
antipatia, por conveniências ou compaixões, nem por temor ou misericórdia. A
imparcialidade implica a coragem de decidir contra os poderosos, mas também
o valor muito maior de decidir contra o fraco.

6º Sê respeitoso: respeitoso da dignidade alheia e da tua própria dignidade;

194
UNICESUMAR

respeitoso nos atos e nas palavras. Todo o Direito é dignidade; está dirigido à
dignificação da pessoa humana e não se pode conceber esvaziado dela. Deves
estar consciente da imensa responsabilidade do teu ministério e da enorme força
que a lei põe em tuas mãos.

7º Sê justo: antes de mais nada, verifica, nos conflitos, onde está a Justiça. Em
seguida, fundamenta-a no Direito. Do ponto de vista técnico, hás de esforçar-te
para que a verdade formal coincida com a verdade real e para que a tua decisão
seja a expressão viva de ambas.

8º Ama o Direito: se a advocacia é um nobre apostolado, que exige um


profundo amor ao Direito, a magistratura judicial é um apostolado mais nobre
ainda, isento de enganos e refúgios, que exige para o Direito uma devoção maior
porque não te dará triunfos, nem riquezas.

9º Sê independente: tuas normas hão de vir unicamente das normas da lei


e de tua consciência. Não é por capricho que se quer que sejas independente
e que os homens tenham lutado e morrido pela independência, mas porque a
experiência da humanidade demonstra que esta é uma garantia essencial da
Justiça, a condição da existência do poder jurisdicional, o modo mais eficaz de
proteger o indivíduo contra os abusos do poder.

10º Defende a liberdade: tem presente que o fim lógico para o qual foi criada
a ordem jurídica é a Justiça e que a Justiça é conteúdo essencial da liberdade. Na
medida em que a faças respeitar, tu, teus companheiros e tua posteridade, goza-
rão de seus benefícios, pois nunca foram livres os homens, nem os povos, que não
souberam ser justos. Defender a liberdade não é fazer política, senão preservar
a saúde da sociedade e o destino das instituições que a justificam. Para cumprir
com o teu dever, para que esse baluarte seja uma fortaleza, sem necessidade de
canhões, nem de soldados, para que seja majestoso e imponente, é mister que tu
o levantes como nunca, por cima das paixões e cumpras, com grandeza e com
suprema energia, teu dever de magistrado, teu alto apostolado jurídico; que não
cedas ante a violação de uma única lei e não te embaraces no atentado contra
uma única garantia. [MENDOZA, apud NALINI, 1998, p. 67-68]

195
UNIDADE 15

Postura ética do Juiz no Processo

A postura ética do Magistrado, no processo, implica nos princípios abaixo:

1ª A Imparcialidade: o Juiz deve manter-se equidistância das partes e de


seus interesses, mesmo sendo humano e naturalmente coenvolvente em questões
que o cercam.

2ª A busca da verdade real: compenetrado da função histórica, social, políti-


ca e jurídica de fazer justiça, não há de satisfazer-se com a verdade meramente
formal [Cf. NALINI, 1998, p. 72].

3ª O cumprimento dos prazos: a demora na outorga na prestação jurisdi-


cional é uma forma de injustiça. O Nalini observa que o juiz que atrasa está
recusando justiça e causando grave comprometimento de uma função pública
já vulnerada por compreensível descrença [NALINI, 1998, p. 73].

4ª Devotamento: para que o Juiz se aproxime decisivamente do ideal da


Justiça, não pode faltar o devotamento à sua missão. O Nalini afirma que a
neutralidade é outro dos mitos que envolvem a figura do juiz e que deve ser tem-
perado ante a incontestável certeza de que o ser humano é suscetível de emoções e
que elas interferem continuamente em seu atuar [Cf. NALINI, 1998, pp. 74-75].

Os Deveres do Juiz

O Costa observa que na Constituição Federal não se encontra nenhum dis-


positivo regulando deveres do Juiz. Otacílio Paula Silva, observa que prevaleceu
na Assembleia Constituinte de 1986 a mentalidade paternalista. Os Art. 93, 94 e
95 da Constituição de 1988 cuidam quase exclusivamente dos direitos e garantias
dos magistrados, sem dedicar um parágrafo sequer aos deveres, limitando-se
apenas a três vedações, no Parágrafo Único do art. 95 [Cf. COSTA, 1996, p. 223]:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, dis-


porá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

196
UNICESUMAR

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante


concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advoga-
dos do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo,
três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de
classificação;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade
e merecimento, atendidas as seguintes normas:
a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas
ou cinco alternadas em lista de merecimento;
b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respec-
tiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade
desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;
c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos
de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e apro-
veitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz
mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme
procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até
fixar-se a indicação;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu
poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido
despacho ou decisão;
(Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e mere-
cimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IV previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção
de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a
participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação
e aperfeiçoamento de magistrados;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a no-

197
UNIDADE 15

venta e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo
Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e
escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da
estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser
superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa
e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores,
obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes ob-
servarão o disposto no art. 40;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
VII o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tri-
bunal;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por
interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do res-
pectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VIII-A a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de
igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a , b , c e e do
inciso II;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar
a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão
pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus
membros; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá
ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e
cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais
delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por

198
UNICESUMAR

antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;


(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XII a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas
nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver
expediente forense normal, juízes em plantão permanente;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva
demanda judicial e à respectiva população;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XIV os servidores receberão delegação para a prática de atos de administra-
ção e atos de mero expediente sem caráter decisório;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XV a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribu-
nais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros,
do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de
notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva
atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação
das respectivas classes.
Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice,
enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um
de seus integrantes para nomeação.

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:


I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos
de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do
tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial
transitada em julgado;
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art.
93, VIII;
III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI,
39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. (Redação dada pela Emenda Constitu-
cional nº 19, de 1998)

199
UNIDADE 15

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:


I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma
de magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de de-
corridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

São poderes-deveres do juiz os poderes jurisdicionais de sentenciar (CPC,


Art. 128), de motivar a sentença (CPC Art. 131, 458), de não proferir sentença
ilíquida (Art. 459, Parágrafo Único) o de não sentenciar ultra petita (CPC, Art.
460), o poder-dever de recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais
do Direito, a fim de evitar decidir por não sentenciar (CPC, Art. 128) e os pode-
res-deveres processuais, pelos quais assegura o correto andamento do processo
(CPC, Art. 130, 177, 181, 182, 342, 599, I).

Os deveres éticos do Juiz

Na Lei Complementar nº 35/1979, encontramos expressamente estabelecidos


como deveres éticos do Juiz:

I – cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as


disposições e os atos de ofício;
II – não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;
III – determinar as providências necessárias para que os atos processuais se
realizem nos prazos legais;
IV – tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público,
os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da justiça, e atender
aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que
reclame e possibilite solução de urgência;

200
UNICESUMAR

V – residir na sede da Comarca, salvo autorização do órgão disciplinar a


que estiver subordinado;
VI – comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão
e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;
VII – exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no
que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação
das partes;
VIII – manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Destinadas a tutelar o exercício da judicatura, com a independência e impar-


cialidade necessárias, são as vedações impostas pela mesma Lei Complementar,
no art. 36:

Art. 36 - É vedado ao magistrado:


I - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de
economia mista, exceto como acionista ou quotista;
II - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou
fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e
sem remuneração;
III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo
pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despa-
chos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em
obras técnicas ou no exercício do magistério.

A Lei Complementar nº 35 também estabelece dispositivos concernentes ao


dever de responder civilmente por perdas e danos quando:

Art. 49 - Responderá por perdas e danos o magistrado, quando:


I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva
ordenar o ofício, ou a requerimento das partes.
Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II
somente depois que a parte, por intermédio do Escrivão, requerer ao magistrado
que determine a providência, e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.

201
UNIDADE 15

As Virtudes do Magistrado

O Costa observa que a norma jurídica não tem pernas para andar, mas

.... somente produz efeito quando o destinatário toma a decisão moral de


praticá-la, segue-se que algo mais do que o disposto normativo se requer para
que o juiz seja aquilo que, por instituição, deve ser e para que pratique sempre
as condutas que a norma jurídica prescreve. É, portanto, somente com as per-
nas da moral que o Direito anda. E, consequentemente, somente a disposição
moral do juiz de praticar o dever jurídico torna realidade o que é apenas uma
potencialidade de virtude, uma expectativa social. [COSTA, 1996, p. 225]

Ele ainda observa que somente

quem procura a magistratura com o elevado ideal de ser digno, correto,


firme, intrépido, sobretudo de ser justo; só quem a procura impulsionado pelo
desejo de ser útil à sua coletividade, de compartilhar da construção do bem co-
mum, só quem admira a honestidade e as virtudes cristãs que celebrizaram os
modelos da profissão imortalizados pela memória histórica, só um tal candidato
será o Juiz de que a sociedade precisa. [COSTA, 1996, p. 225]

O Calamandrei, tendo presente o antigo aforismo res iudicata facit de albo


nigrum et de quadrato rotundum, afirma que

... o Estado considera como essencial o problema da escolha dos juízes. Sabe
que lhes confia um poder temível, que mal exercido pode fazer passar por justa
a injustiça, constranger a majestade da lei a mudar-se em campeã do mal, e
imprimir de maneira indelével, sobre a cândida inocência, a marca sanguino-
lenta, que para sempre a tornará parecida com o delito. [CALAMANDREI,
apud COSTA, 1996, p. 226]

E o Costa conclui que para fazer justiça se requer, além de sabedoria, pru-
dência e muita cultura jurídica, muita imparcialidade, independência, coragem,
isenção de ânimo, humanidade, numa palavra, probidade [Cf. COSTA, 1996, p.
226].

202
UNICESUMAR

A Isenção de Ânimo

O Juiz deve evitar toda situação que possa afetar, ainda que indiretamente,
a independência da função, muitas vezes em prejuízo dos seus interesses pes-
soais. O Rei Salomão já advertira: Dádivas e presentes cegam os olhos dos juízes
(Eclesiástico 20, 31).
Concluamos esta unidade com uma citação do Octacílio:

O magistrado que se preocupa com outros negócios, com outras fontes de


renda negligencia o seu dever funcional, prejudicando a própria carreira e a
própria justiça... A preocupação com o relógico, o afã de terminar rapidamente
as audiências, vendo as partes pelas costas, é mau sinal; é indício de arbitra-
riedade, de provas incompletas, de decisões apressadas, de constantes riscos de
injustiças. O juiz vocacionado esquece o relógio, ouve as partes e as testemunhas
com paciência, faz prova bem feita, dispondo de elementos para uma decisão
mais segura com menos riscos de injustiça, além de não cercear, como infeliz-
mente às vezes ocorre, os sagrados direitos das partes e dos seus procuradores.
[OCTACÍLIO, apud COSTA, 1996, pp. 226-227]

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


Qual o fundamento ético do princípio “Nemo iudex in causa sua!”?

203
UNIDADE 15

Leitura Complementar

LYCURGO, Ericksen.Ética e esta- Cunha, Rogério Sanches; Gonçal-


tuto da magistratura para concursos ves, Wilson José; Peluso, Vinicius de
da magistratura. Edipro Editora. Toledo Piza. omentários À Lei Orgâ-
nica da Magistratura Nacional - Vol.
1 - Nova Ortografia. RT Editora

Saiba mais

Ética e Estatuto Jurídico da Magistratura:


http://www.youtube.com/watch?v=DG7J_klmlEs

Regime Jurídico da Magistratura Nacional:


http://www.youtube.com/watch?v=NFzuKsGlBw0

Pensamento Jurídico - Lei Orgânica da Magistratura Nacional - 1º Bloco


http://www.youtube.com/watch?v=6_OglEh6oHc

Pensamento Jurídico - Lei Orgânica da Magistratura Nacional - 2º Bloco


http://www.youtube.com/watch?v=C9o5PXerR0o

Pensamento Jurídico - Lei Orgânica da Magistratura Nacional - 3º Bloco


http://www.youtube.com/watch?v=IxYbHytbfl8

204
UNICESUMAR

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre a Magistratura, Análise da


Lei Orgânica e da Carreira, Poderes Éticos e Funções Jurisdicionais, demos par-
ticular atenção à Ética da Magistratura, ao “Decálogo” do Juiz, à Postura ética do
Juiz no Processo e aos Deveres do Juiz.

205
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. A Ética da Magistratura seria uma ética paralela? Por quê?

2. Qual o fundamento deontológico do “Decálogo” do Juiz?

3. A postura ética do Juiz sempre reflete a Justiça? Por quê?

4.Quais seriam os principais deveres éticos do Juiz?

5. Quais seriam as principais exigidas em um Juiz?

6.Em que consiste a “isenção de ânimo” do Juiz?

206
Ministério público
Dr. José Francisco de Assis Dias

Em suma, segue os objetivos de aprendizagem a serem obtidos ao fim

deste capítulo:

• Introduzir os acadêmicos ao estudo do Ministério Público, analisando a

Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e seu Histórico no Brasil.


UNIDADE 16

A proposta deste Capítulo é o de apresentar o papel do Ministério Público e


a importância de sua atuação no Estado Democrático de Direito.

208
UNICESUMAR

Natureza e Destinação do Ministério Público

O Francisco Vani Benfica sintetiza as origens do Ministério Público:


Deixando os antecedentes mais remotos, o Ministério Público teve origem
na França. Surgiu no século XIV, com a Ordenança de 25.03.1302. A única
referência, de importância, anteriormente, é a de Montesquieu, na sua obra
Espírito das Leis. Para ele em Roma existiu uma espécie de Ministério Público
rudimentar, consistente no fato de ser permitido ao cidadão acusar o outro, em
atenção aos princípios da República, segundo os quais cada indivíduo tinha
responsabilidade para com o bem público.
Durante a idade média, na defesa dos seus interesses privados, o rei se fazia
representar perante as jurisdições por procuradores ou advogados. Ao intro-
duzir-se o processo inquisitório, em substituição do processo acusatório, e na
medida em que crescia de força e prestígio o poder real, amplia-se o papel de
início atribuído aos procuradores do Rei. Atuavam como exclusivos represen-
tantes oficiais da acusação. O Rei da França, Felipe, o Belo, no ano de 1302,
realizou o ideal do Rei Luis IX, que desejou uniformizar os procedimentos judi-
ciais para moralizar a distribuição da justiça, que dependia apenas da vontade
dos senhores feudais. Assumiu, então, o monopólio da distribuição da justiça
e ... lavrou a certidão de nascimento do Ministério Público, como o primeiro
diploma legislativo que faz menção aos gens du roi. [VANI BENFICA, apud
COSTA, 1996, p. 255]

Roberto Lyra afirma que,


a 07.03.1609, com o Regimento de nossa primeira Relação foi criado o Pro-
curador da Coroa, Fazenda e Fisco e o Promotor da Justiça. Esse velava pela
integridade da jurisdição civil contra os invasores da jurisdição eclesiástica,
sendo obrigado a ouvir missa rezada por capelão especial, antes de despachar e
a usar opa. Em 1751, a Relação do Rio de Janeiro manteve na sua organização
aqueles órgãos. Com o aviso de 16.01.1838, a administração pública revelava
a intuição do futuro papel do Ministério Público declarando que os promotores
eram “fiscais da lei” e os Curadores “verdadeiros advogados” [LYRA, 1989, p. 21]

O Art. 129 da Constituição Federal de 1988 estabelece as principais funções


institucionias do Ministério Público:

209
UNIDADE 16

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevân-
cia pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias à sua garantia;
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos;
IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins
de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua compe-
tência, requisitando informações e documentos administrativos de sua compe-
tência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da
lei complementar respectiva;
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei com-
plementar mencionada no artigo anterior.
VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis
com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria
jurídica de entidades públicas.

Deveres Éticos do Ministério Público

O Art. 43 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público elenca os deveres


éticos do Promotor de Justiça, nos seguintes termos:
I – manter ilibada conduta pública e particular;
II – zelar pelo prestígio da justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade
de suas funções;
III – indicar os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos processuais,
elaborando relatório em sua manifestação final ou recursal;
IV – obedecer aos prazos processuais;
V – assistir aos atos judiciais, quando obrigatória ou conveniente a sua

210
UNICESUMAR

presença;
VI – desempenhar, com zelo e presteza, as suas funções;
VII – declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei;
VIII – adotar, nos limites de suas atribuições, as providências cabíveis face
à irregularidade de que tenha conhecimento ou que ocorra nos serviços a seu
cargo;
IX – tratar com urbanidade as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares
da justiça;
X – residir, se titular, na respectiva Comarca;
XI – prestar informações solicitadas pelos órgãos da instituição;
XII – identificar-se em suas manifestações funcionais;
XIII – atender aos interessados, a qualquer momento, nos casos urgentes;
XIV – acatar, no plano administrativo, as decisões dos órgãos da Adminis-
tração Superior do Ministério Público.”

Ação Penal Pública

O Costa observa que em todo o mundo o promotor público é o intérprete dos


interesses gerais de punição dos criminosos e o responsável direto pela eficácia,
pela legalidade e pela humanidade dessa missão [Cf. COSTA, 1996, p. 260]:
Não sendo o Promotor de Justiça o ofendido que se insurge contra o ofensor,
mas tão só substituto processual da sociedade, assiste-lhe a “competência dever”
de denunciar o indiciado por condutas puníveis e de acusá-lo em juízo:

Faltará no entanto, à ética numa de suas regras essenciais, o Promotor Pú-


blico que injuriar o réu, ou, mesmo vexá-lo sem estrita necessidade. Mais do
que violação da ética isso constitui covardia, na rigorosa expressão da palavra.
É também impolítico, desastrado, contraproducente esse procedimento pelo pés-
simo efeito, pelo desrespeito da fundação, pelo descrédito do orador judiciário.
[LYRA, 1989, p. 80]

O Costa observa ainda que

Se na esfera criminal, o Ministério Público investiga, determina a investi-

211
UNIDADE 16

gação de crimes, oficia nos inquéritos policiais, propõe a ação penal pública,
oficia na execução das penas, atua perante o tribunal do júri, a justiça militar e
a corregedoria dos presídios e da polícia judiciária, - na esfera do cível, instaura
inquéritos civis e propõe a ação civil pública, oficia em inúmeros feitos, bem
como exerce diversas promotorias cíveis (de ausentes e incapazes, de massas
falidas, de acidentes do trabalho, da família, de resíduos, de fundações, de re-
gistros públicos, da infância e da juventude, do meio ambiente e do consumidor,
das pessoas portadoras de deficiência, na corregedoria dos cartórios de registro
civil, no zelo dos direitos constitucionais do cidadão). [COSTA, 1996, p. 261]

O Ministério Público aparece nas duas funções clássicas: órgão agente e órgão
interveniente:

Como órgão agente, o Ministério Público é parte, não no sentido normal-


mente admitido de parte substancial ou formal, porém, no sentido de substituto
processual, ex vi do art. 6º do Código de Processo Civil. Como órgão intervenien-
te, sua função é de custos legis, isto é, a favor da incidência correta da norma
jurídica aplicável, sem ter de favorecer, pois, este ou aquele interessado, ainda
que seja um daqueles que provocaram sua intervenção, como incapazes, em
geral. [COSTA, 1996, p. 261]

O Atendimento ao Público

Particular relevo assumiu o Ministério Público com a competência dever que


lhe foi atribuído pelo Art. 27 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:

Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegura-
dos nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe
o respeito:
I - pelos poderes estaduais ou municipais;
II - pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta
ou indireta;
III - pelos concessionários e permissionários de serviço público estadual ou
municipal;

212
UNICESUMAR

IV - por entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do


Município ou executem serviço de relevância pública.
Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe
ao Ministério Público, entre outras providências:
I - receber notícias de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer
natureza, promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as
soluções adequadas;
II - zelar pela celeridade e racionalização dos procedimentos administrativos;
III - dar andamento, no prazo de trinta dias, às notícias de irregularidades,
petições ou reclamações referidas no inciso I;
IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais,
e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste
artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim
como resposta por escrito.

O Promotor de Justiça não é só o fiscal da lei, mas aquele que providencia


as medidas necessárias e adequadas para que a lei executada seja e para que as
irregularidades administrativas sejam corrigidas, o que a própria Constituição
Federal prescreve no supracitado art. 129, II, a saber:

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevân-
cia pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia;

Particularmente no que se refere ao disposto no supracitado inciso IV do


Parágrafo Único da Lei Orgânica do Ministério Público, a saber, promover au-
diências públicas, trata-se de encargo que o Ministério Público foi conquistando
aos poucos, gradual e naturalmente.
O Costa ainda afirma que

... em milhares de comarcas no país, há promotores a atender aos que os


procuram, dando-lhes orientação em conflitos criminais, de família, de menores,
de assistência judiciária; estão a zelar pelo efetivo respeito dos próprios poderes
públicos aos direitos assegurados na Constituição (Cf. Art. 129, II; Art. 27 da Lei
nº 8.625/93) encontram-se a promover providências judiciais ou extrajudiciais

213
UNIDADE 16

de sua esfera de atribuições, decorrentes do atendimento direto dos interessados.


[COSTA, 1996, p. 263]

Vedações Tutelares

Estas vedações tutelares são destinadas a resguardar a independência que


deve pautar a atuação dos membros do Ministério Público, são estabelecidas no
Art. 44 da Lei Orgânica, a saber:

Art. 44. Aos membros do Ministério Público se aplicam as seguintes veda-


ções:
I - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percenta-
gens ou custas processuais;
II - exercer advocacia;
III - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como
cotista ou acionista;
IV - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,
salvo uma de Magistério;
V - exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e as exceções
previstas em lei.
Parágrafo único. Não constituem acumulação, para os efeitos do inciso IV
deste artigo, as atividades exercidas em organismos estatais afetos à área de
atuação do Ministério Público, em Centro de Estudo e Aperfeiçoamento de Mi-
nistério Público, em entidades de representação de classe e o exercício de cargos
de confiança na sua administração e nos órgãos auxiliares

Mandamentos do Promotor de Justiça

As virtudes que a sociedade deseja encontrar na pessoa do Promotor de Justi-


ça acham-se bem catalogadas no Decálogo específico, aprovado no II Congresso
Interamericano do Ministério Público, realizado em Havana, em 1956, e de au-
toria do jurista brasileiro J. A. César Salgado:

214
UNICESUMAR

I – Ama a Deus acima de tudo e vê no homem, mesmo desfigurado pelo


crime, uma criatura à imagem e semelhança do Criador.
II – Sê digno de tua grave missão. Lembra-te de que falas em nome da Lei,
da Justiça e da Sociedade.
III – Sê probo. Faze de tua consciência profissional um escudo invulnerável
às paixões e aos interesses.
IV – Sê sincero. Procura a verdade e confessa-a, em qualquer circunstância.
V – Sê justo. Que teu parecer dê a cada um o que é seu.
VI – Sê nobre. Não convertas a desgraça alheia em pedestal para teus êxitos
e cartaz para a tua vaidade.
VII – Sê bravo. Arrosta os perigos com destemor, sempre que tiveres um
dever a cumprir, venha o atentado de onde vier.
VIII – Sê cortês. Nunca te deixes transportar pela paixão. Conserva a digni-
dade e a compostura, que o decoro de tuas funções exige.
IX – Sê leal. Não macules tuas ações com o emprego de meios condenados
pela ética dos homens de honra.
X – Sê independente. Não te curves a nenhum poder, nem aceites outra so-
berania senão a da lei.
A respeito de cada um desses mandamentos o autor tece oportunos comen-
tários, aqui citados a partir do Costa [Cf. COSTA, 1996, p. 265]:

No mandamento primeiro, se exorta o promotor de justiça a aproximar-se


de Deus pelo amor, que é a fonte de todos os bens, e a reconhecer mesmo nos
transgressores da lei dos homens, criaturas a quem o nosso afeto pode restituir
a imagem perdida, que as assemelhava à Divindade. O Decálogo lembra ao
promotor o seu grave múnus de representante da lei, da justiça e da sociedade.
Mister se faz, portanto, que ele se comporte sempre à altura desse áureo manda-
to. Como responderá o promotor à sua própria consciência, se trair os supremos
interesses que lhe foram confiados?
Nos artigos seguintes, invocam-se como predicados inerentes ao exato cum-
primento das funções atribuídas ao titular do Ministério Público a probidade, a
sinceridade, o sentimento de justiça, a nobreza das ações, a bravura, a cortesia,
a lealdade e a independência.

215
UNIDADE 16

Breve Histórico do Ministério Público no Brasil

Para esta breve memória histórica do Ministério Público no Brasil, valho-me


do artigo A História do Ministério Público no Brasil, de Victor Roberto Corrêa
de Souza, Publicado em 18 Junho 2011, no CNMP, abaixo citado na íntegra.

No Período Pré-Colonial

Orientado pelo direito praticado em Portugal, o Brasil ainda não tinha o


Ministério Público como instituição.
Em 1521, as Ordenações Manuelinas, que fiscalizam o cumprimento e exe-
cução da lei juntamente com os Procuradores dos Feitos do Rei, citam o papel do
promotor de justiça, que deveria ser alguém letrado e bem entendido para saber
espertar e alegar as causas e razões para clareza da justiça e inteira conservação
da mesma.
Em 1603, as Ordenações Filipinas passaram a prever, ao lado do promotor
de Justiça da Casa da Suplicação, as figuras do Procurador dos Feitos da Coroa,
do Procurador dos Feitos da Fazenda e a do Solicitador da Justiça da Casa da
Suplicação, com funções que, posteriormente, iriam ser exercidas pelo Ministério
Público.
O promotor de Justiça da Casa da Suplicação, indicado pelo rei, tinha as
funções de fiscalizar o cumprimento da lei e de formular a acusação criminal
nos processos perante a Casa de Suplicação.

No Período Colonial

Até o início de 1609, funcionava no Brasil apenas a justiça de primeira ins-


tância e ainda não existia o Ministério Público. Os processos criminais eram
iniciados pelo particular, pelo ofendido ou pelo próprio juiz e o recurso cabível
era interposto para a relação de Lisboa, em Portugal.
Em março de 1609, cria-se o Tribunal da Relação da Bahia, onde foi definida
pela primeira vez a figura do promotor de Justiça que, juntamente com o Procu-
rador dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco, integrava o tribunal.
Em 1751, o Tribunal de Relação é criado, no Rio de Janeiro, com a mesma
estrutura organizacional do tribunal baiano.

216
UNICESUMAR

Em 1763, com a transferência da capital de Salvador (BA) para o Rio de


Janeiro, o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro foi transformado em Casa de
Suplicação do Brasil.
Em 1808, a Casa de Suplicação passa a julgar recursos de decisões do Tribunal
de Relação da Bahia. Neste novo tribunal os cargos de promotor de Justiça e o
de procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda foram unificados e passaram a ser
ocupados por dois titulares.

No Império

Em 1824, a Constituição não se refere ao Ministério Público, mas estabelecia


que nos juízos de crimes, cuja acusação não pertencesse à Câmara dos Depu-
tados, a acusação ficaria com sob a responsabilidade do procurador da Coroa e
Soberania Nacional.
Em 1828, a Lei de 18 de setembro de 1828 tratava sobre a competência do
Supremo Tribunal de Justiça e determinava o funcionamento de um promotor
de Justiça em cada uma das Relações.
A sistematização das ações do Ministério Público começa em 1832 com o
Código de Processo Penal do Império. O Código colocava o promotor de Justiça
como órgão defensor da sociedade.
Em 1871, a Lei do Ventre Livre passou ao promotor de Justiça a função de
protetor do fraco e indefeso, ao estabelecer que a ele cabia zelar para que os filhos
livres de mulheres escravas fossem devidamente registrados.

Na República

Em 1890, o decreto 848, que criava e regulamentava a Justiça Federal, dispôs


sobre a estrutura e atribuições do Ministério Público no âmbito federal.
Em 1934, a Constituição faz referência expressa ao Ministério Público no
capítulo ‘Dos órgãos de cooperação’. Institucionaliza o Ministério Público e prevê
lei federal sobre a organização do Ministério Público da União.
Nos anos seguintes, o processo de codificação do Direito nacional permitiu
o crescimento institucional do Ministério Público. Os Códigos Civil de 1917, de
Processo Civil de 1939 e de 1973, Penal de 1940 e o de Processo Penal de 1941
passaram a atribuir diversas funções à instituição.

217
UNIDADE 16

Em 1937, a Constituição não faz referência expressa ao Ministério Público,


mas diz respeito ao Procurador-Geral da República e ao quinto constitucional.
Em 1946, a Constituição se refere expressamente ao Ministério Público em
título próprio, nos artigos 125 a 128, sem vinculação aos poderes.
Em 1951, a criação do Ministério Público da União (MPU) se consolida com
a lei federal nº 1.341. A legislação previa que o MPU estaria vinculado ao Poder
Executivo e também dispunha sobre as ramificações em Ministério Público Fe-
deral, Militar, Eleitoral e do Trabalho.
Em 1967, a Constituição faz referência expressa ao Ministério Público no
capítulo destinado ao Poder Judiciário.
Em 1969, a Emenda constitucional se refere ao Ministério Público no capítulo
destinado ao Poder Executivo.
Em 1981, o estatuto do Ministério Público é formalizado pela Lei Comple-
mentar nº 40, que instituiu garantias, atribuições e vedações aos membros do
órgão.
Em 1985, a área de atuação do MP foi ampliada com a lei 7.347 de Ação Civil
Pública, que atribuiu a função de defesa dos interesses difusos e coletivos.
Em 1988, a Constituição faz referência expressa ao Ministério Público no
capítulo ‘Das funções essenciais à Justiça’, definindo as funções institucionais, as
garantias e as vedações de seus membros.
Com a Constituição de 88, na área cível, o Ministério Público adquiriu novas
funções, destacando a sua atuação na tutela dos interesses difusos e coletivos, como
meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico, tutrítico e paisagístico; pessoa
portadora de deficiência; criança e adolescente, comunidades indígenas e minorias
ético-sociais. Atribuições que ampliaram a evidência do Ministério Público na
sociedade, transformando a instituição num braço da população brasileira.

Reflita

Vamos pensar um pouquinho:


Em uma sociedade, como a brasileira, onde não se busca adequar a ação às
Leis, mas adequá-las aos interesses pessoais, qual deve ser o “perfil” do Promotor
de Justiça?

218
UNICESUMAR

Leitura Complementar

Mazzilli, Hugo Nigro. Introdução Decomain, Pedro Roberto. Co-


ao Ministério Público - 8ª Ed. 2012. mentários À Lei Orgânica Nacional
SARAIVA Editora do Ministério Público. FORUM Edi-
tora

Saiba mais

Ministério Público na Constituição Federal 01:


http://www.youtube.com/watch?v=TA7CF7mUYYU

Ministério Público na Constituição Federal 02:


http://www.youtube.com/watch?v=aVmdi_nl3Yw

Ministério Público na Constituição Federal 03:


http://www.youtube.com/watch?v=W__epR2apus

Ministério Público na Constituição Federal 04:


http://www.youtube.com/watch?v=VB0j3Wg07ag

Ministério Público na Constituição Federal 05:


http://www.youtube.com/watch?v=XreqGVCMi_c

219
UNIDADE 16

Ministério Público na Constituição Federal 06:


http://www.youtube.com/watch?v=OlUnTlSnLUI

Considerações finais

Prezado (a) acadêmico (a), nesta Unidade sobre o Ministério Público, nós
demos particular atenção à Natureza e Destinação do Ministério Público, aos
Deveres Éticos do Ministério Público, à Ação Penal Pública, ao Atendimento
ao Público, às Vedações Tutelares, aos Mandamentos do Promotor de Justiça e
concluímos com um Breve Histórico do Ministério Público no Brasil, apresenta-
do pelo Victor Roberto Corrêa de Souza, No Período Pré-Colonial, No Período
Colonial, No Império e Na República.

220
Após a leitura da Unidade, responda as questões abaixo:

1. Qual a natureza e destinação do Ministério Público?

2. Quais os principais deveres éticos do Ministério Público?

3. Como deve comportar-se o Promotor na Ação Penal Pública?

4. Quais são as principais vedações tutelares ao Ministério Público?

5. Qual o fundamento ético dos “Mandamentos do Promotor de Justiça”?

6. Do breve histórico do Ministério Público no Brasil apresentado por Victor Roberto


Corrêa de Souza, como se prospecta o seu futuro, no Brasil?

221
UNIDADE 16

CONCLUSÃO GERAL
Caro aluno,

Destaca-se a importância do estudo da filosofia para a formação do jurista,


assim como, a busca eterna do Direito pela ideia de justiça.
Outro aspecto não menos importante é o de conhecer a esfera de atuação do
advogado, não apenas nas questões de ordem técnica, mas também, e principal-
mente na sua relação ética e moral com o cliente e a sociedade.

222
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