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Teoria do

Direito
PROFESSORES
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi
EXPEDIENTE
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino
de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação
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de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie Medeiros Vilela Daros Head de Tecnologia e
Planejamento Educacional Tania C. Yoshie Fukushima Head de Recursos Digitais e Multimídias Franklin Portela
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Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Recursos Educacionais Digitais Daniel Fuverki Hey Supervisora de Design
Educacional e Curadoria Yasminn T. Tavares Zagonel Supervisora de Produção Digital Daniele Correia

FICHA CATALOGRÁFICA

Coordenador(a) de Conteúdo C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.


Priscilla Campiolo Manesco Paixão Núcleo de Educação a Distância. MOTTA, Ivan Dias, MOCHI,
Cássio Marcelo.
Projeto Gráfico e Capa
André Morais, Arthur Cantareli e Teoria do Direito.
Ivan Dias da Motta, Cássio Marcelo Mochi.
Matheus Silva
Editoração
Maheus Silva de Souza Maringá - PR.: UniCesumar, 2021.
Fotos 224 p.
Shutterstock “Graduação - EaD”.
1. Teoria 2. Direito 3. História. 4. EaD. I. Título.

Impresso por: CDD - 22 ed. 340


CIP - NBR 12899 - AACR/2
ISBN 978-65-5615-551-7

Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360
A UniCesumar celebra os seus 30 anos de história
avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade,
ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diaria-
mente para que nossa educação à distância continue
Tudo isso para honrarmos a
como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre
nossa missão, que é promover
quatro pilares que consolidam a visão abrangente
a educação de qualidade nas
do que é o conhecimento para nós: o intelectual, o diferentes áreas do conhecimento,
profissional, o emocional e o espiritual. formando profissionais
A nossa missão é a de “Promover a educação de cidadãos que contribuam para
qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, for- o desenvolvimento de uma
mando profissionais cidadãos que contribuam para o sociedade justa e solidária.
desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”.
Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio impor-
tante para o cumprimento integral desta missão: o
coletivo. São os nossos professores e equipe que
produzem a cada dia uma inovação, uma transforma-
ção na forma de pensar e de aprender. É assim que
fazemos juntos um novo conhecimento diariamente.

São mais de 800 títulos de livros didáticos como este


produzidos anualmente, com a distribuição de mais
de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nos-
sos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700
polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina,
Ponta Grossa e Corumbá), o que nos posiciona entre
os 10 maiores grupos educacionais do país.

Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima


história da jornada do conhecimento. Mário Quin-
tana diz que “Livros não mudam o mundo, quem
muda o mundo são as pessoas. Os livros só
mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportu-
nidade de fazer a sua mudança!

Reitor
Wilson de Matos Silva
Dr. Ivan Dias da Motta

Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual


de Maringá (1996), mestrado em Direito das Relações So-
ciais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1998) e doutorado em Direito das Relações Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000),
Pós-doutorado em Direito Educacional pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2001). Atualmente
é professor permanente do Programa de Mestrado em
Direito do Centro Universitário de Maringá, integrando a
linha de pesquisa “A Tutela Constitucional e Privada dos
Direitos da Personalidade nas Relações Privadas”. Possui
atuação profissional na área da advocacia e consultoria
em Direito Educacional.
Me. Cássio Marcelo Mochi

Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual


de Maringá (2005). Pós-Graduado em Docência no Ensino
Superior - CESUMAR Pós-Graduado em Direito do Estado
- Concentração em Direito Constitucional - Universidade
Estadual de Londrina. Mestre em Ciência Jurídica - CE-
SUMAR Atuação como Professor de Teoria do Direito (5
anos), Direito Constitucional (2 anos), Filosofia e Ética (5
anos) e Ciências Sociais e Política (4 anos), Direitos Hu-
manos (1 ano).
TEORIA DO DIREITO

O objetivo deste livro é de apresentar um breve relato sobre a história do direito e a


teoria jurídica, a partir de uma visão crítica e que permita ao Acadêmico ter um posicio-
namento menos mecânico e mais dinâmico sobre os problemas que circundam tanto
a história como a teoria jurídica.

Quanto à história, têm-se o mundo grego como ponto de partida, com a primorosa
contribuição do mundo romano, e posteriormente, a construção realizada pela medie-
validade, tendo como pano de fundo, a influência da religião. Chegando à modernidade,
a construção do direito de propriedade, e do positivismo jurídico, e também apresenta
uma perspectiva da visão histórica e contemporânea do Direito.

Quanto à Teoria Jurídica, parte do pressuposto do Direito enquanto uma construção


científica, diferenciando o Direito Público do Direito Privado, assim como, procurando
tratar das questões pertinentes ao positivismo jurídico e toda as suas divisões clássicas.
Trabalhamos também a Teoria da Norma e a Teoria do Ordenamento Jurídico, assim
como, as questões pertinentes à Hermenêutica Jurídica, sendo que, todos os aspectos
tratados nesta parte específica de nosso estudo, o será feito dentro de uma visão crítica.

Para estes estudos, foi adotada o desenvolvimento de uma visão crítica sobre o direito
e sua importância para sociedade, sendo assim, esperamos que todos tenham um
bom estudo e que possam, ao término deste Curso, ter um posicionamento crítico e
também, conhecimentos necessários para avançar na sua formação acadêmica.
REALIDADE AUMENTADA PENSANDO JUNTOS

Sempre que encontrar esse ícone, Ao longo do livro, você será convida-
esteja conectado à internet e inicie do(a) a refletir, questionar e trans-
o aplicativo Unicesumar Experien- formar. Aproveite este momento.
ce. Aproxime seu dispositivo móvel
da página indicada e veja os recur-
sos em Realidade Aumentada. Ex- EXPLORANDO IDEIAS
plore as ferramentas do App para
saber das possibilidades de intera- Com este elemento, você terá a
ção de cada objeto. oportunidade de explorar termos
e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
RODA DE CONVERSA

Professores especialistas e convi-


NOVAS DESCOBERTAS
dados, ampliando as discussões
sobre os temas. Enquanto estuda, você pode aces-
sar conteúdos online que amplia-
ram a discussão sobre os assuntos
de maneira interativa usando a tec-
PÍLULA DE APRENDIZAGEM
nologia a seu favor.
Uma dose extra de conhecimento
é sempre bem-vinda. Posicionando
seu leitor de QRCode sobre o códi- OLHAR CONCEITUAL
go, você terá acesso aos vídeos que
Neste elemento, você encontrará di-
complementam o assunto discutido.
versas informações que serão apre-
sentadas na forma de infográficos,
esquemas e fluxogramas os quais te
ajudarão no entendimento do con-
teúdo de forma rápida e clara

Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar


Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do
aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

1
11 2
33
DIREITO E CIÊNCIA DIREITO
PÚBLICO,
DIREITO
PRIVADO E
DIREITO DIFUSO

3
57 4 79
PRINCIPAIS NORMATIVISMO E
DOUTRINAS TEORIAS JURÍDICAS
JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS

5
99
A POSITIVAÇÃO
DO DIREITO
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

6
117 7
131
NORMA A NORMA
JURÍDICA E A JURÍDICA:
SANÇÃO VALIDADE,
VIGÊNCIA E
RETROATIVIDADE

8
151 9
165
A NORMA TEORIA DO
JURÍDICA: ORDENAMENTO
VALIDADE, JURÍDICO:
VIGÊNCIA E LACUNAS E
RETROATIVIDADE CONFLITOS
NORMATIVOS

10
189
HERMENÊUTICA
JURÍDICA E
ARGUMENTAÇÃO
1
Direito e Ciência
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Procurar compreender se o Direito pode ser considerado uma


ciência.
• Procurar compreender se existe uma justificativa que se oponha
o direito como ciência.
• Aprender e compreender o significado e a importância do direito
objetivo e subjetivo.
UNIDADE 1

De forma geral podemos afirmar que existem duas principais espécies de co-
nhecimento, o conhecimento advindo do senso comum e aquele resultante de
um trabalho de investigação mais bem elaborado, ao qual chamamos de conhe-
cimento científico.
Ainda existe uma dificuldade apresentada por exemplo, por Marcos Nobre,
em aceitar o Direito como uma ciência, contrapondo o Direito muito mais como
um mero reprodutor de normas e intérprete das mesmas, ou seja, não existe nada
de novo e criativo no campo do Direito.
De outro lado, segundo alguns estudiosos e pesquisadores, o Direito pode ser
uma ciência, quando o mesmo se propõe a analisar o fato concreto e sua relação
com o mundo normativo, e deste momento, traçar teorias que nos ajudariam a
compreender o fenômeno jurídico.
Sendo assim, a proposta que se estabelece é de buscar os conhecimentos ne-
cessário para recusar o direito como uma ciência, ou mesmo, para defender o
direito como uma ciência.

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UNICESUMAR

Relação entre Direito e Ciência

De forma geral podemos afirmar que existem duas principais espécies de co-
nhecimento, o conhecimento advindo do senso comum e aquele resultante de
um trabalho de investigação mais bem elaborado, ao qual chamamos de conhe-
cimento científico.
O conhecimento é necessariamente uma construção humana e resultante
da intervenção que o homem realiza na natureza como um todo. Para Lalande
o senso comum “é o conjunto das opiniões tão geralmente aceitas admitidas,
numa dada época e num dado meio, que as opiniões contrárias aparecem como
aberrações individuais” (1996, p. 998). Dependendo da época e da região, enfren-
tar o conhecimento do senso comum poderia significar a própria morte, pois
normalmente, este conhecimento se sustenta pelo princípio da autoridade, em
outras palavras, não pode e nem precisa ser contestado, em função de que, aquele
que assim o pronunciou têm uma autoridade no campo social e mesmo religiosa
tão forte, que contrariá-lo é colocar todo o meio social em risco.
Durante a medievalidade, por exemplo, contrariar o conhecimento da Igreja,
ainda que fosse com relação às coisas terrenas, implicava no risco de morte, ou
ainda, severas punições.
Mas isto não quer dizer que todo conhecimento do senso comum deva ser
desprezado, muito pelo contrário, normalmente o conhecimento científico surge
a partir de ideias e observações oriundas da construção deste conhecimento. O
mundo árabe de longa data, anterior mesmo a 900 a.C. já sabia, como resultado
da observação, que as feridas abertas deveriam ser tratadas e limpas, com panos
fervidos em água quente. No entanto, não sabiam, que a este processo chamamos
na ciência de esterilização, e mais ainda, a alta temperatura da água na qual o pano
esta imerso, elimina a maioria dos seres vivos ou não, nocivos à saúde.
É com a observação em alguns dos costumes indígenas, que tratam algumas
doenças com chás de ervas e outros produtos obtidos nas matas, que a medicina
moderna procura buscar curas para outros tipos de doenças, além de procuram
compreender e aprender mais sobre a eficácia da medicina natural. O mesmo
acontece com a acunputura na China, que agora já se incorpora a disciplinas nos
cursos de medicina ocidentais.

13
UNIDADE 1

Contudo, ao longo da
história da humanidade o
homem teve, e ainda, têm,
a necessidade de procu-
rar organizar e aprender
mais sobre este conheci-
mento do senso comum,
aceitando alguns e refu-
tando outros, através do
que conhecemos como
conhecimento científico.
Ensina-nos Lalande que
a “ciência é o conjunto de
conhecimentos e de in-
vestigações com um sufi-
ciente grau de unidade, de
generalidade, e suscetíveis
de trazer aos homens que se lhes consagram conclusões concordantes, que não re-
sultam nem de conclusões arbitrárias, nem de gostos ou interesses individuais que
lhes são comuns, mas de relações objetivas que se descobrem gradualmente e que se
confirmam através de métodos de verificação definidos” (1996, p. 155).
Com fundamentos neste conceito exposto por Lalande, pode-se inferir que uma
das características do conhecimento científico é a sua previsibilidade, em função da
unidade de conhecimentos que o compõe, ou seja, toda a comunidade científica deve
ter acesse a este conhecimento, para poder verificar ou mesmo, segundo Karl Popper,
refutar a verdade referida por ele. Outro aspecto importante, e que o difere funda-
mentalmente de outra forma de conhecimento, é a universalidade, pois a água ferve
a 100 graus Celsius em qualquer lugar da terra, e este experimento pode ser realizado
e conferido por qualquer homem que tenha acesso a um mínimo de instrumentos.
O conhecimento científico não se sustenta pelo apelo chamado discurso de au-
toridade, mas sim pelos seus fundamentos universais e por poder ser colocado a
prova por outros cientistas, para verificar a sua veracidade, ou ainda, refutar como
verdade. No entanto, existem discussões a este respeito, aonde afirmar que existe
uma ideologia da ciência, dominada por países ricos e desenvolvida, no sentido de
restringir a ciência e seu desenvolvimento em países mais pobres, ou em desenvol-

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UNICESUMAR

vimento. Quem tem trabalhado estas questões de forma mais pontual é o sociólogo
português Boaventura Santos e István Mészáros, um importante filósofo húngaro e
um dos maiores representantes das teorias marxistas do século XX e XXI, e que nãos
erao objetos de nosso estudo.
Segundo Nunes,“enquanto o senso comum é difuso, desorganizado, assistemati-
zado e advém de várias fontes desordenadas e simultâneas, o conhecimento científico
tenta ser coerente, coeso, organizado, sistemático, ordenado e orientado a partir de
fontes específicas e muitas vezes pré-constituídas” (2005, p. 28). O que István Més-
záros e Boaventura Santos discutem, é justamente que em vez do conhecimento
científico estar a serviço da humanidade como um todo, como advém de fontes
específicas, termina por ficar nas mãos de pessoas que detém o poder, sendo assim,
este conhecimento termina por constituir-se num poder usado para subjugar uma
parcela significativa da raça humana.
É referência no mundo para o tratamento da AIDS, a iniciativa tomada duran-
te o governo Fernando Henrique Cardoso, do então ministro da saúde, José Serra,
de ameaçar as indústrias farmacêuticas com a quebra de patentes de remédios que
constituíam um coquetel de medicamentos para amenizar os problemas da AIDS.
Um dos argumentos utilizados foi de que todos conhecimento científico deve estar
a disposição da humanidade, para socorrer os menos favorecidos.
Todo conhecimento científico precisa da elaboração de teorias que explicam
todos os fatores envolvidos na sua construção, e nem sempre, a humanidade dispões
de equipamentos para transformar este conhecimento teórico em conhecimento
prático, neste caso, a comunidade científica diz que o que se tem são hipóteses, que
poderão ou não ser comprovadas num futuro próximo. É necessário lembrar que
uma grande parte das teorias de Einstein ainda não puderam ser comprovadas, nem
por isso deixaram de servir de fundamentos para o desenvolvimento de teorias que
muito têm contribuído para o desenvolvimento da humanidade. Sendo assim,“pode-
-se dizer que a base para a sistematização e do conhecimento científico são os dados
comprovados plenamente. Esses dados tornam-se leis que ordenam todo o conhe-
cimento relativo ao campo de estudo”(Nunes, 2005, p. 28-29). Exemplo próximo de
todos, são as Leis de Newton que nos ensinam que “a toda ação corresponde uma
reação de mesma intensidade e sentido contrário”. Alguém pode duvidar que esta
lei exista? É pelo conhecimento desta lei, e de outras, que a indústria automobilística
pode construir dispositivos que protejam os passageiros de uma batida qualquer,
quando transitando dentro de um veículo.

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UNIDADE 1

Estabelecido estes parâmetros é preciso ressaltar que longa foram, e ainda


continuam sendo, se o Direito é o não uma ciência. Para alguns estudiosos e ju-
ristas, o Direito é uma arte, arte no sentido de que ele se constrói a partir de cada
novo fato. No entanto, não é este o pensamento predominante.
O questionamento levantado se deu a partir da construção das teorias positi-
vista por Auguste Comte, para quem o conhecimento científico, “com exceção da
lógica e da matemática, só seria possível sobre fatos perceptíveis pelos sentidos
e quando confirmados pela experiência” (Betioli, 2011, p. 466). Estabelecia-se o
conceito de ciência a partir da relação entre causa-efeito, mas compreensíveis
e comprovados a partir dos sentidos, de elementos palpáveis e materiais, que
pudessem ser experimentados por todos os seres humanos com as condições
mínimas para tal. Ao Direito fica excluída esta possibilidade porque o “objeto de
seu estudo seria tão mutável e casual que não podia ser objeto de uma ciência”
(Betioli, 2011, p. 466).
Um dos argumentos usados para descaracterizar o Direito como ciência,
entre outros, é que bastava uma pequena mudança na norma jurídica e toda
uma biblioteca de Direito ficaria sem utilidade, o que não deixa de ser uma
verdade, mas que pode ser refutado, desde que o Direito passe a ser estudado
a partir da norma e sua estrutura e não a partir da lei posta, pois está, seria a
mera expressão técnica do Direito. Na linha de visão desenvolvida por Betioli,
as argumentações contrárias a cientificidade do Direito, não levam em conta
que “na realidade, o Direito reúne princípios e valores universais e necessá-
rios. O que é contingente é o desdobramento dos princípios, a sua situação
no tempo e no espaço” (2011, p. 467).
Neste sentido, existem valores, como por exemplo, a justiça, que não possuem
volatilidade, mas sim um núcleo que é perene e universal, que nem mesmo pode
ser considerado subjetivo pela filosofia do direito, até mesmo, porque o injustiça-
do sabe que ela é concreta e real, e esta se caracteriza pela ofensa de um direito de
alguém que se encontra em desvantagem. Este conceito nunca deixou de existir
ao longo da história, mas sim, dentro de tempos históricos identificados, sofre
acréscimos consideráveis, mas mantém o seu núcleo. Dentro deste contexto, o
Direito é “um conhecimento racional e sistemático do fenômeno jurídico, a ciên-
cia do direito é sem dúvida uma ciência” (Betioli, 2011, p. 467).
Mas a ciência do direito não abraça toda a cientificidade do direito, pois o
fenômeno jurídico é complexo e precisa de uma especialidade no seu estudo,

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UNICESUMAR

fenômeno este que começa a ocorrer a partir do século XVII, que na realidade é
uma conseqüência natural e decorrente da modernidade. É o modelo cartesiano
de ciência. O direito possui algumas ciências autônomas, entre elas: “a ciência do
direito e a dogmática jurídica, a teoria geral do direito, a sociologia jurídica, a his-
tória do direito, a política do direito e a filosofia do direito” (Betioli, 2011, p. 468).
Aqueles que defendem a ideia de que o Direito não é uma ciência, afirmam
que não se podem determinar quem é o objeto de estudo do Direito, posição ao
qual discorda André Franco Montoro, para quem “toda ciência possui um objeto,
que se divide em: material e formal. O objeto material é o setor da realidade de
que se ocupa cada ciência. O objeto formal é o aspecto pelo qual a ciência consi-
dera ou estuda esse setor da realidade” (Siqueira Jr., 2009, p. 279). Determinado
estes elementos é possível caracterizar o Direito como uma ciência, o que fica
evidente quando constatamos que “o objeto material da ciência do direito é o
homem vivendo em sociedade. O objeto formal é o bem num de seus aspectos
fundamentais, que é a justiça” (Siqueira Jr., 2009, p. 279).
Como todo e qualquer conhecimento científico é preciso limitar o campo de
estudo, sendo assim, “a Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positi-
vo, isto é, positivado no espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou
atual” (Reale, 2009, p. 17). O fato de estudar o direito positivo limita o campo da
subjetividade, pois o que está escrito, é o que é sempre, independente do tempo,
o que se muda na realidade, ao reler o que está escrito, é a possibilidade de uma
compreensão maior sobre o contexto sob o qual este direito fora positivado, as-
sim, por exemplo, fica evidente nas Constituições modernas e democráticas, pós
Segunda Guerra Mundial, a preocupação na proteção dos direitos humanos e já
a partir de 1970, a preocupação mais intensa com as leis de proteção ambiental,
em face de estudos científicos que apresentaram resultados alarmantes sobre a
degradação do meio ambiente.
Nesta mesma linha de defesa da cientificidade do Direito, nos ensina Nunes
que “a Ciência do Direito é uma ciência de investigação de condutas que têm
em vista um dever-ser jurídico, isto é, a Ciência do Direito investiga e estuda as
normas jurídicas. Estas prescrevem aos indivíduos certas regras de conduta que
devem ser obedecidas” (2005, p. 48). Investiga e estuda de que forma a norma
jurídica, com fundamento na coerção, pode ou não conduzir os homens a agirem
de acordo com o objetivo da norma e que se traduz no próprio cerne do Direito,
que é a o de viver uma vida justa e harmoniosa com toda a sociedade.

17
UNIDADE 1

No século XX um dos grandes responsáveis pela defesa da cientificidade do


Direito, foi o jurista alemão Hanz Kelsen, quem escreve uma obra fundamental
para compreender esta questão, que é a obra chamada de Teoria Pura do Direito,
que viabilizou uma “leitura específica da juricidade, sem interferências de outros
campos do conhecimento que não agem na precisa delimitação do direito: a nor-
ma jurídica” (Sgarbi, 2009, p. 33). As demais ciências, embora sejam importantes
para compreender o Direito, não auxiliam “na descrição especificamente jurídica
das normas, devem ser afastadas de seu campo explicativo” (Sgarbi, 2009, p. 33).
O seu objetivo foi expurgar do Direito as influências de ordem subjetiva, po-
lítica e mesmo de valores, neste sentido, “a qualificadora pura refere-se à doutrina
e, não ao direito. Porque o direito, bem sabe Hanz Kelsen, é campo da disputa
política e da afirmação de valores” (Sgarbi, 2009, p. 33). É certo que a política é
quem decide o que será normatizado ou não, o que pode ou não ser tolerado, o
que pertence ou não ao campo do ser e do dever-ser, ao campo da moral e do
direito, e nada de errado existe nesta forma de ser da mesma, pois é esta a sua
função, no entanto, “cumpre à ciência jurídica identificar e descrever as normas
que compõem determinada ordem jurídica. Identificar para se saber o que se
deve descrever; descrever para se poderem transmitir informações sobre o que
elas, as normas, estabelecem como comportamento devido” (Sgarbi, 2009, p. 33).
A norma transmite uma mensagem que é clara e objetiva, e espera que os homens
a sigam, não porque são imbuídos do mais alto grau de moralidade e ética, mas
simplesmente porque se assim não o fizeram, se manifestará o outro lado da
norma, a coerção, que prevê uma punição pela sua transgressão e a coação, que
é o ato capaz de obrigar o cidadão a cumprir a penalidade descrita pela norma.
Dentro desta perspectiva, é possível inferir que para Hanz Kelsen, ao con-
siderar o Direito como uma ciência, a norma não é justa e nem injusta, mas é
simplesmente a norma, retomando um ditado do mundo romano: “dura lex, sed
lex”, ou seja, dura é a lei, mas é a lei.
Para Hanz Kelsen é o conhecimento da norma que permite ao Direito ser tra-
tado como uma ciência, e afirma “que as escolas que recusam o conceito de norma,
definindo o direito como uma conduta humana específica ou como relação social,
tem o ônus de demonstrar como se pode distinguir uma conduta ou relação social,
de caráter jurídico de uma que não possui esse caráter” (Barzotto, 2003, p. 34). En-
quanto a norma de conduta social fica sob a responsabilidade do campo da moral,
a norma jurídica deve se sustentar sob o campo da coerção e da coação.

18
UNICESUMAR

Mas o que é o Direito para Hanz Kelsen? Desejando expurgar do Direito as


concepções até então construídas ao longo da história da humanidade, o referido
autor afirma que “o direito não é, contudo, uma norma, mas um sistema de nor-
mas. O caráter jurídico de uma norma dá-se por sua pertinência a um sistema de
normas jurídicas conhecido como ordenamento jurídico” (Barzotto, 2003, p. 36).
Portanto, o Direito não pode se constituir apenas a partir de uma norma, mas de
um conjunto de normas que mantém uma unidade, em função de serem consti-
tuídas a partir de um poder coercitivo que deve conduzir todos à sua obediência.
A necessidade da existência de uma força externa coercitiva é fundamental
para compreender o conceito de Direito em Hanz Kelsen, no entanto, não se
trata de qualquer tipo de força, mas somente aquela prevista pela própria norma,
neste sentido, o Direito não se contrapõe a ideia de paz, porque “a paz do Direito,
porém, é uma paz relativa, e não uma paz absoluta, pois o Direito não exclui o uso
da força, isto é, a coação física exercida por um indivíduo sobre o outro” (Sgarbi,
2009, p. 36). No entanto, quando o Estado usa a força física, o faz com amparo na
norma, e como forma objetiva e necessária de restabelecer e manter a paz.
Na visão de Kelsen seria impossível compreender o Direito a partir de uma
situação muito própria de nossa cultura, que é o adágio popular de que “existem
normas que pegam e normas que não pegam”, em outras palavras, existem nor-
mas que obedecemos e o Estado age de forma coercitiva para tal, e normas que
não obedecemos e o Estado ignora este procedimento, sendo complacente com a
sua não-punição. Embora este fenômeno exista, segundo Hanz Kelsen, este não se
constitui num problema do Direito e mais especificamente, da Ciência do Direito,
porque “o estudioso do direito não deve interessar-se pelas razões sociais da valida-
de do direito, mas tão-somente pelos mecanismos jurídicos” (Dimoulis, 2007, p. 32).
A razão é de que as razões sociais da validade estão associadas a fenômenos
sociais de ordem subjetiva e/ou externas ao Direito, como por exemplo, a inter-
ferência do campo político, para que o Estado seja complacente com a não-fisca-
lização de determinada norma, por motivos de ordem diversas e que contrariam
o próprio Direito. O que leva a inferir que “na ótica do profissional de direito, a
validade de uma norma jurídica não é devida a fatos políticos ou sociais. Funda-
menta-se sempre em uma norma superior” (Dimoulis, 2007, p. 32). É e a norma
superior quem determinará a validade e vigência de uma norma jurídica, binô-
mio associado à própria condição de existência e existência concreta da norma,
conforme veremos mais adiante em nosso curso.

19
UNIDADE 1

Ao contrário do que se poderia inferir, pelo fato do Direito ser compreen-


dido como ciência somente a partir da ideia de norma, não significa que
o mesmo possa se considerado estático na sua totalidade, ou seja, que não
possui elementos para dar uma dinâmica de construção-reconstrução do
campo normativo, até porque, “a ciência jurídica deve, por um lado, descrever
as características e as relações das normas sem vigor (estática do direito) e, por
outro lado, examinar quais são as autoridades competentes e os procedimen-
tos para a criação de novas normas (dinâmica do direito)” (Dimoulis, 2007, p.
32). Mas as normas não surgem por acaso e se faz necessário tomar um ponto
de partida, que para Hanz Kelsen é justamente a ideia de norma fundamental,
conceito este que será estudado um pouco mais adiante em nosso curso.
Conforme já apresentado em outro momento em nosso curso, a luta por
dar ao direito um caráter de ciência, nos moldes tradicionais do que seria uma
ciência, tem encontrado resistência dentro do próprio Direito. Dentro desta
perspectiva de análise crítica, para Mascaro “a busca da ciência do direito tem
sido a de identificar elementos que se comportem universalmente, em todos
os tempos e situações, como jurídicas. Mas trata-se de uma busca infrutífera,
dado o caráter fundamentalmente histórico do direito” (Mascaro, 2013, p. 34).
A questão não é buscar uma condição normativa universal, capaz de dar ao
direito o caráter de uma ciência, mas sim compreender o homem e sua relação
com o direito, mas a partir de uma visão holística deste homem, pois o direito
não pode ser constituído somente a partir de normas.
Concluindo, conforme apresentado, não é pacífica a ideia de que o Di-
reito é uma ciência, mas não se pode refutar algumas de suas características
como ciência, como por exemplo, a questão da validade da norma, que é uma
questão de ordem meramente técnica, de leitura e compreensão de texto e sua
relação com o conhecimento jurídico até então construído.

20
UNICESUMAR

Direito Objetivo e Direito Subjetivo

O conceito de direito objetivo e direito subjetivo se confundem com a própria


ideia de direito no sentido geral, sendo necessário recuperarmos alguns conceitos
já apresentados, mas agora direcionados para o assunto de que estamos a tratar.
Ensina-nos Coelho que “o direito objetivo, como sistema de normas de
conduta, faz parte de um contexto normativo mais amplo que abrange toda a
existência humana individual e social” (2004, p. 137). É mais amplo do que a
própria existência humana, uma vez que é resultado e existe, como construção
da própria história da humanidade, e que antecede ao homem e muitas vezes
este o desconhece, não porque não quer conhecer, mas devido a extensão destes
direitos, como é o caso dos direitos humanos. Ainda nesta perspectiva de aná-
lise “é o conjunto de comandos aos quais os homens se submetem, das diversas
formas de controle social da conduta, cujo conteúdo normativo é dado pela
religião, moral, usos e costumes sociais, e pelo direito, a mais refinada forma”
(Coelho, 2004, p. 137). Não é amplo apenas no sentido quantitativo, mas da
concepção do próprio direito.

21
UNIDADE 1

Para Betioli “o direito como norma é chamado de objetivo porque, ao surgir,


objetiva-se, põe-se como uma realidade objetiva, isto é, independente da pessoa
do observador e irredutível à sua subjetividade” (2011, p. 259). É o direito que
existe independente da vontade ou não do sujeito, porque já se objetivou, já en-
controu aderência na realidade que o cerca, e neste caso, o que resta ao sujeito não
é mais concordar ou discordar, mas sim, apenas dois caminhos; o primeiro é se
sujeitar e obedecer; o segundo é se sujeitar, obedecer, mas usar a sua capacidade
política, que todo cidadão o tem, para tentar mudar este direito. Não podemos
nos esquecer de que o direito existe em função da própria condição humana,
sendo assim, nenhum direito é direito absoluto, mas no Estado Democrático de
Direito, existem ferramentas colocadas à disposição do cidadão, para provocar e
produzir mudanças no direito.
Existem posições mais positivistas, como aquela defendida por Diniz, para
quem o direito objetivo é o “complexo de normas jurídicas que regem o com-
portamento humano, prescrevendo uma sanção no caso de violação.. é sempre
um conjunto de normas impostas ao comportamento humano, autorizando o
indivíduo a fazer ou não fazer algo” (2010). Nesta linha de visão, o direito objetivo
é o conjunto de normas contidos num determinado ordenamento jurídico, que
prescreve um comportamento aos homens, e caso não o façam, o resultado será
a aplicação de uma punição. Para Venosa, no entanto, não se pode considerar o
direito objetivo somente sob a perspectiva da predominância do Estado como
origem normativa e citando Jean-Louis Bergel, a concepção de direito objetivo é
mais ampla, porque é “apenas a expressão momentânea das múltiplas soluções
possíveis, suscetíveis de serem aplicadas nos inumeráveis campos que o direito
deve reger” (2006, p. 12).
Quanto ao direito subjetivo, este nos apresenta algumas características espe-
ciais, no entanto, de início é preciso deixar claro que, o direito subjetivo existe
como conseqüência direta do direito objetivo. Não existem direitos sem a reci-
procidade de deveres, tanto de quem invoca um direito, quanto de quem tem
um direito a restituir. É lógico que ao longo da história existiram relações carac-
terizadas como relações de direito, sem a preocupação com o rigor do próprio
termo, ou ainda, relacionando o direito com a ordem e vontade exclusiva de um
soberano, muito mais associado com as suas paixões, do que com a racionalidade
própria do direito.

22
UNICESUMAR

O problema é que o termo direito pode assumir muitas acepções não só ao


longo da história, como em nosso tempo atual. No entanto, a acepção adotada
pela ciência do direito, é do direito com fundamento na racionalidade, e que
necessariamente esteja associado com a necessidade de promover a ordem
social e garantir aos homens, no mínimo, a preservação da dignidade huma-
na. Inúmeras são as teorias que se propõe a estudar o direito subjetivo e suas
origens, sendo assim, vamos privilegiar as teorias que neste momento, nos per-
mitem uma conclusão mais imediata, dentro do conjunto de conhecimentos
que estamos construindo ao longo de nosso curso.
Na realidade não existe direito objetivo sem o sujeito para o qual se destina
este direito, e mais ainda, este sujeito precisa ser juridicamente identificado,
sendo um sujeito de direito associado com a sua capacidade de tomar deci-
sões, porque “a noção de direito subjetivo foi desenvolvida na teoria do direito
civil para exprimir a vontade ou interesse individuais, mas a evolução dou-
trinária do instituto levou ao entendimento de que seu titular deve exercê-lo
em harmonia com o princípio da solidariedade” (Coelho, 2004, p. 212). Nesta
perspectiva de análise o direito subjetivo, mais do que a vontade e interesse do
indivíduo, deve ter uma ligação intrínseca com o princípio da solidariedade.
Mas o que vem a ser solidariedade? Este conceito pode assumir duas acep-
ções, uma filosófica e outra jurídica. No campo da filosofia, que é o sentido
abordado por Coelho (2004), é o “dever moral de assistência entre os membros
de uma mesma sociedade, enquanto se consideram como um todo” (Lalande,
1996, p. 1052). Ainda, segundo Lalande (1996), este dever moral esta associado
com a ideia de dívida relativa com os nossos antepassados. Esta dívida tem por
fundamento uma relação de ordem religiosa, na esperança de que os nossos an-
tepassados estariam, ainda que em outro mundo, em outra dimensão, contentes
e agradecidos com as ações perpetradas pelos seus sucessores. O princípio da
solidariedade se sustenta por uma relação com a moral e não com o direito.
Mas para o direito, a solidariedade assume outra concepção, e embora
tenha as suas origens no mundo romano, é carregada do ideal positivista, pois
“etimologicamente, a palavra é uma deformação da palavra solidum, que, entre
os jurisconsultos romanos, designava a obrigação que pesava sobre os deve-
dores quando um deles era tomado como um todo (in solidum)” (Lalande,
1996, p. 1051).

23
UNIDADE 1

De forma mais simplificada pode-se afirmar que “por direito subjetivo quer-
-se dizer a respeito do direito de algum sujeito. A palavra subjetivo, em direito,
quer sempre se referir a sujeito” (Mascaro, 2013, p. 105). A questão fundamental
para traçar a diferença entre direito e direito subjetivo é de ordem lingüística,
por exemplo, na língua inglesa há uma distinção clara entre “Law (ordenamento
jurídico objetivamente válido) e o termo right (direito subjetivo de determinada
pessoa)” (Dimoulis, 2007, p. 274). A língua portuguesa tem várias palavras que
podem assumir mais de um conceito, como manga, no sentido de fruta e manga,
no sentido de camisa.
Com fundamento no mundo clássico grego, cujo ideal era o do interesse
comum, o direito moderno também incorpora o princípio da solidariedade para
fortalecer o caráter de coercitividade da norma, ao deixar claro que não existe
direito subjetivo ilimitado, porque “as situações subjetivas sofrem limitação pelo
conteúdo de cláusulas gerais e, especificamente, das de ordem pública, de lealda-
de, de diligência e de boa-fé, que se tornaram expressões gerais do princípio da
solidariedade” (Coelho, 2004, p. 212).
A origem do direito subjetivo é recente porque “os direitos subjetivos eram
desconhecidos até o final da Idade Média. Os ordenamentos jurídicos do período
não adotavam a visão individualista, interessando-se pela situação dos grupos
e pelos deveres dos súditos e não pelos direitos individuais” (Dimoulis, 2007,
p. 274-275). Pode-se afirmar que os direitos subjetivos surgem como uma das
características que compõe a modernidade, que é a exaltação do individualismo
e a redução do espaço dos interesses coletivos.
Se a concepção de direitos subjetivos encontram-se consolidada em nosso
ordenamento e cultura jurídica, também pode-se encontrar críticos contra esta
Idea, seja como crítica daqueles que exaltam a supremacia do Estado sobre tudo
e todos, ou ainda, daqueles que defendem a redução do poder do Estado sobre a
vida dos indivíduos, por razões de ordem estrutural e ideológicas.
Defendendo a supremacia do Estado está visão de Hanz Kelsen, quando ad-
verte que a “utilização pode levar ao equivocado entendimento de que o indivíduo
possui direitos imanentes ou naturais que seriam impostos ao próprio Estado”
(Dimoulis, 2007, p. 275). Defende o jurista alemão a sua tese de que direito é
sempre resultante das normas jurídicas criadas pelo Estado e necessariamente
positivadas, e seguindo as formalidades necessárias para lhes conferir validade.
Mais kelsiano do que o próprio Hanz Kelsen, nos ensina Dimoulis (2007) que tal

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UNICESUMAR

preocupação de Hanz Kelsen não procede em função de que “só o direito objetivo
cria os direitos subjetivos e pode extingui-los ou modificá-los se o considerar
conveniente”(2007, p. 276).
De outro lado, temos a corrente que faz crítica ao direito moderno a partir da
prevalência do capitalismo, para esta vertente, “o conceito de sujeito de direito se
põe historicamente por razões estruturais da reprodução capitalista, o que obriga
o jurista a redimensionar, inclusive, a imediata e simples associação entre sujeito
de direito e dignidade humana, reputada bastante e suficiente” (Mascaro, 2011, p.
105). Como se o sujeito de direito necessariamente precisa-se implorar ao Estado
o reconhecimento de algo que lhe pertence, pela simples condição de ser humano.
O conceito de sujeito de direito surge como um artifício da modernidade e do
próprio capitalismo, para dar garantias formais aos direitos do sujeito, isso não
quer dizer que este sujeito tenha acesso às condições de ordem material, que
precedem como algo contingente, à invocação destes direitos.
Esta formalidade conceitual do direito subjetivo pode ser verificada em vários
autores contemporâneos, como por exemplo, Miguel Reale, citado por Betioli,
para quem “o direito subjetivo, como espécie de situação subjetiva, vem a ser a
possibilidade de exigir-se, de maneira garantida, aquilo que as normas de di-
reito atribuem a alguém como próprio” (2001, p. 325). Possibilidade no sentido
que partes destes direitos subjetivos dependem necessariamente da vontade e da
formalidade do sujeito, para a sua invocação junto aos demais sujeitos, e numa
situação mais extrema ao Estado, o suposto garantidor destes direitos. O direito
pode garantir somente como determinação normativa, mas não a sua efetivida-
de, que segundo Hanz Kelsen, não está no campo do direito e nem da ciência
jurídica, porque esta condicionada a política, que às vezes, requer muito mais do
que uma determinação da norma jurídica, pois exigirá vontade política para o
seu cumprimento.
Continuando, na mesma linha de pensamento desenvolvida por Betioli, “es-
pecífico e próprio do direito subjetivo é a possibilidade de uma pretensão unida
à exigibilidade de uma prestação ou de um ato de terceiro. Assim, a pretensão,
dentro dos moldes previstos pela norma, é garantida pela ordem jurídica, e pode
transformar-se concretamente numa exigência”(2011, p. 325). Quem tem para si
um direito subjetivo, o tem na condição de sujeito ativo, que em outras palavras,
é aquele sujeito que tem, em alguns casos, o direito faculdade de exigir a resti-
tuição de um direito. Em outros casos, o cumprimento de um direito subjetivo

25
UNIDADE 1

não depende da vontade do sujeito de direito, como por exemplo, aquele que se
encontra condenado à morte por uma doença grave e terminal não pode exigir
a realização de sua vontade, que seria, a de possibilitar a realização da eutanásia,
porque neste sentido, é dever subjetivo do Estado, e dever irrenunciável e intrans-
ferível, de tutelar a vida de todos os cidadãos.
Corroborando esta perspectiva é o posicionamento de Siqueira Jr. Para quem
o “direito subjetivo é o reconhecimento pelo direito objetivo de um interesse, seja
ele qual for. O direito subjetivo é a faculdade, a prerrogativa concedida pelo direito
objetivo” (2009, p. 27). O direito objetivo diz o que é, e quais as condições que
podem ensejar a pretensão, e quais os sujeitos que o podem fazer, fica a critério
do direito subjetivo se o fará ou não. É lógico que existem exceções a este querer
ou vontade do sujeito de direito, como por exemplo, daquelas pessoas que não
estão capacitadas aos exercícios de seus direitos, mas continuam sendo sujeitos
de direito, esta pretensão, estabelecida pelo próprio direito objetivo, têm que ser
exercida por terceiros, que, não o fazendo, respondem por omissão.
De uma forma geral,“o direito objetivo é a regra. O direito subjetivo é a transfu-
são da regra abstrata no direito concreto de cada pessoa” (Siqueira Jr., 2009, p. 27).
Caminhando ainda, dentro de linha de pensamento, pode-se concluir que “o
direito subjetivo opõe-se ao dever jurídico. De um lado tem-se o direito subjeti-
vo e, de outro, um dever jurídico colocado em posição diametralmente oposta:
um não existe sem o outro” (Betioli, 2011, p. 325). A todo direito corresponde
necessariamente um dever. Direito é sempre reciprocidade e se constituí dentro
de um círculo de relações de direito-dever.
Reforçando esta relação necessária entre direito objetivo – direito subjetivo
– dever jurídico, nos ensina Nunes que “o direito objetivado como Lei do Inqui-
linato, que regula o despejo do inquilino por falta de pagamento, faz nascer para
o proprietário-locador o direito subjetivo de pleitear o despejo do inquilino”
(2005, p. 131). É o que se chama de círculo de reciprocidades das relações entre
direito-dever. Da mesma forma que, o inquilino na condição de um sujeito de
dever jurídico, efetuando o pagamento do aluguel dentro dos prazos legais, trans-
forma-se em um sujeito de direito subjetivo, porque pode fazer uso do imóvel,
dentro das condições e finalidade do contrato.
Já num posicionamento mais crítico, de uma análise mais ampla do direito,
procurando compreender o direito que vai além do mundo das normas, e que não
está necessariamente protegido de fatores externos ao próprio direito, é possível

26
UNICESUMAR

dizer que “ninguém há de dizer que, no tempo do escravagismo antigo, o senhor


de escravos tinha direito ao escravo. Ele tinha força bruta, poder físico e por isso
mandava” (Mascaro, 2013, p. 105). Aonde historicamente prevalece a aplicação
da força bruta na tomada de decisões, tal qual no estado de natureza hobesiano,
momento em que o homem se reduz a expressão negativa de sua animalidade,
não pode se afirmar que existia direito. Seria equivocado sustentar tal situação,
em função de que “não se pode dizer que ele (o senhor) tivesse direitos e o escravo
deveres” (Mascaro, 2013, p. 105).
Tal afirmação de Mascaro (2013) pode ser reforçada pela obra O Povo Bra-
sileiro, do sociólogo Darcy Ribeiro, que encontra cartas e documentos enviados
a Portugal pelos responsáveis por administras as capitanias, aonde pedem aos
seus senhores, em terras de além mar, que lhes enviem outros escravos, pois o
que aqui estavam, encontravam-se gastos. Ora, o que gasta é necessariamente a
coisa material, e neste momento histórico, e até o fim da escravidão, escravo era
coisa e não ser humano, e sobre as coisas materiais os homens encontram-se na
condição de soberano absoluto, para usar outro termo de Thomas Hobbes. O
escravo constituía-se como uma propriedade do senhor.
Trazendo esta questão da escravidão para a contemporaneidade, e conside-
rando o escravo como uma coisa, como efetivamente o era, pode-se defender o
inconcebível, utilizando os mesmos artifícios desenvolvidos pelo positivismo
jurídico, quando se pode adotar a seguinte linha de raciocínio: “para Kelsen, não
há relação de direitos subjetivos entre uma pessoa e uma coisa. As normas jurí-
dicas estipulam direitos e deveres apenas entre sujeitos de direito. É por isso que,
tecnicamente, os animais e a natureza não são sujeitos de direito nem têm direitos
subjetivos” (Mascaro, 2013, p. 107). Se escravo é coisa, então não tem direitos.
Para compreender melhor a própria evolução da concepção dos direitos sub-
jetivos na história do direito brasileiro, vale a pena voltar na história e conhecer
um pouco mais as questões jurídicas sobre a escravidão. Segundo Wehling, na
época do Império, “do ponto de vista civil o escravo era res, simultaneamente
coisa e pessoa. Mas não participava da vida da civitas, pois estava privado de
toda capacidade” (2008, p. 396). Coisa enquanto propriedade e força de trabalho,
pessoa no sentido de que deveria reconhecer a supremacia da raça branca e a
superioridade absoluta de seu senhor.
No entanto, e aqui pode ficar mais fácil compreender o posicionamento crí-
tico de Mascaro (2013) sobre o direito, o escravo passa de res para pessoa, como

27
UNIDADE 1

que num passe de mágica, através de um artifício meramente normativo, pois “na
lei penal, diferentemente da civil, o escravo sujeito ativo ou agente do crime era
considerado pessoa e não coisa, o que significava dizer que respondia plenamente
por seus atos, como imputável” (Wehling, 2008, p. 401). Como as leis portugue-
sas tomavam como referência o direito romano, que abolira o direito de vida e
morte do senhor sobre os escravos, foi preciso criar instrumentos jurídicos, que
legitimavam e dava legalidade à aplicação de castigos aos escravos e entre elas, a
fuga era considerada um crime, pois retirava do senhor uma propriedade que lhe
pertencia. Em outras palavras, o escravo era punido com severidade, mas com
amparo na lei, pela sua ousadia em querer a liberdade.
Mas as contradições deste momento histórico nefasto da história da huma-
nidade, ainda nos reservas surpresas maiores, porque “enquanto sujeito passivo,
o mal a ele feito era considerado não dano, mas ofensa física” (Wehling, 2008, p.
401), e o senhor tinha direito a uma indenização civil. A razão era de que a inde-
nização por dano era menor do que a indenização civil, uma vez que esta envolvia
o próprio homem branco e não apenas questões de ordem patrimonial física.
Dentro da lógica estabelecida por este posicionamento crítico sobre o direito,
este não surge como uma vontade que emerge da natureza bondosa dos homens,
mas antes como fruto da própria contradição de sua natureza, neste sentido,
que nasce o direito subjetivo que “passa a ser uma ferramenta técnica para dar
condições ao burguês de amealhar propriedades, bens e créditos. Não é a força
física do burguês que lhe garante a posse. É o direito, intencionalmente, por esse
meio” (Mascaro, 2013, p. 105). É lógico que o burguês não o faz pessoalmente, mas
através da figura, do ente abstrato chamado Estado, que a partir da modernidade,
passa também a ter uma personalidade jurídica. A burguesia constrói ao longo
de um projeto que se inicia no século XV, segundo Gerd Bornheim, artifícios de
legitimidade para fundar então uma legalidade, que lhes garanta, sem o seu uso
da força física, a proteção de seus direitos, através daquele que, supostamente,
defende os interesses coletivos, ou melhor, dizendo, deveria defender.
Embora exista uma predominância sobre a existência do direito subjetivo, tam-
bém existem teorias, fora da área de influência da teoria crítica, então exposta por
Mascaro (2013), que negam a existência dos direitos subjetivos a partir da questão
pertinente à vontade que deve mover o sujeito de direito subjetivo. Neste sentido,
Montoro (2005) de forma sintética, nos apresenta a Teoria Objetiva ou Realista
de Leon Duguit, que concentra a sua negação para a existência do direito subjeti-

28
UNICESUMAR

vo, porque quando se trata de um direito subjetivo que depende de uma vontade
individual, o autor afirma que “nada conhecemos, nem podemos conhecer sobre
a natureza da vontade. Nem mesmo se ela é livre ou determinada” (2005, p. 507).
Quando se trata de uma vontade resultante de uma ordem coletiva, como por
exemplo, determinados grupos sociais e mesmo o Estado, “podemos acaso acre-
ditar que exista na realidade uma vontade coletiva dessas instituições?” (Mon-
toro, 2005, p. 507). Se não é possível conhecer a natureza da vontade individual,
certamente não poderia ser possível conhecer natureza de uma vontade coletiva.
É preciso esclarecer que Leon Duguit é de vertente positivista, portanto, pre-
cisa expurgar e mesmo não admitir, interferências de ordem interna e impossível
de ser determinada, conforme nos ensina Montoro, “Duguit vê no conceito de
direito subjetivo um exemplo de mentalidade metafísica: parecendo explicar o
visível pelo invisível o homem atribui a princípios e causas os fenômenos que
observa” (2005, p. 507). Conforme se pode observar, nem mesmo entre os posi-
tivistas existe um consenso sobre o direito subjetivo.
Existem diversas teorias que tratam da relação entre o direito subjetivo e a
vontade humana, sendo as principais: Teoria da Autorização de García Máynez,
Teoria da Implicação, Teoria da Vontade de Savigny e Windscheid e Teoria do
Interesse de Ihering, que serão apresentadas em momento mais adequado do
curso de direito.
Sintetizando estas concepções que implicam na análise da vontade como
condicionante para a concretização do direito subjetivo, Diniz nos ensina que “é
comum dizer-se que o direito subjetivo é facultas agendi. Porém as faculdades
humanas não são direitos, e sim qualidades próprias do ser humano que inde-
pendem de norma jurídica para sua existência” (2006, p. 248).
Diferentes de teóricos que afirma não ser possível a determinação da facul-
dade humana, Diniz se posiciona de modo diferente, mas com visão positivista,
quando afirma que “compete à norma jurídica ordenar tais faculdades huma-
nas; logo, o uso dessas faculdades é lícito ou ilícito, conforme for permitido ou
proibido. Portanto o direito subjetivo é a permissão para o uso das faculdades
humanas” (2006, p. 248).
No ensina Betioli (2011, p. 326) que o fato de vincular o direito subjetivo à
existência do direito objetivo, ou seja, do direito posto, para utilizar um termo de
Eros Roberto Grau, não quer dizer que, quando do surgimento de novos direitos,
ou mesmo, quando da necessidade de tutelar direitos que ainda não tenham sido

29
UNIDADE 1

vislumbrados pela racionalidade humana, estes não possam ser incorporados


aos direitos objetivos. Cita como exemplo, os Direitos Humanos que tem seu
fundamento no direito natural, mas nos dias atuais se encontra bem definidos
na maioria dos países signatários da Organização das Nações Unidas.
Destarte essas questões, normalmente pertinentes a questões levantadas pela
filosofia geral e filosofia do direito, na contemporaneidade estes direitos existem
e são reconhecidos. É preciso recuperar o conceito de direito subjetivo para que
se possam destacar alguns problemas resultantes da existência deste direito. Para
Nunes, “pode-se dizer que o direito subjetivo está na potência – possibilidade
de exercício - e esta também no exercício efetivo” (2005, p. 131). A relação entre
possibilidade de exercício e exercício efetivo acarreta o levantamento de algumas
teorias e dois problemas básicos e de existência cotidiana.
O primeiro deles pode ser conhecido através do exemplo dado por Nunes:
“se você não pagar o aluguel até amanhã, vou entrar com ação para despejá-lo”
(2005, p. 131). Fica evidente a existência de um fato jurídico bem determinado,
que é a ameaça. O Código Civil de 2002, no artigo 188 afirma que não se cons-
titui ato ilícito (portanto ilegal ou sem validade jurídica), “I – os praticados em
legítima defesa ou no exercício de um direito reconhecido”. Com fundamento
na interpretação extensiva deste artigo, é possível “ampliar o conceito para dizer
que o direito subjetivo é não só a potencialidade e o exercício como também o
uso da ameaça deste” (Nunes, 2005, p. 131).
Mas é preciso indagar qual seria o limite desta ameaça e em que condições ela
não ofende algum direito do sujeito ameaçado. De forma geral, e predominante
em nossa jurisprudência, esta ameaça não pode ir além de um simples aviso, que
não caracterize possível uso de violência e tão pouco, colocar o sujeito ameaçado
em situação vexatória, ou que possibilite, diante da presença de terceiros, carac-
terizar ofensa moral. É com estes fundamentos, que empresas terceirizadas de
cobrança extra-judicial e mesmo judicial, usando do seu direito faculdade, pode
entrar em contato com os devedores, alertando os mesmos sob a conveniência de
realizar um acordo amigável, evitando os inconvenientes de uma ação jurídica.
O outro problema, também levantado por Nunes diz “respeito ao exercício
do direito subjetivo e à possibilidade ou não de se abusar desse direito” (2005, p.
132). Um exemplo desse abuso de direito, e que em outros tempos e outros luga-
res foram e ainda continuam sendo utilizado, normalmente por pessoas menos
esclarecidas, é a exposição dos nomes dos devedores em local público. Ora, o

30
UNICESUMAR

direito objetivo estabelece o direito subjetivo de cobrar as dívidas, mas dentro das
formalidades exigidas pela legislação. Ao existir abuso de direito subjetivo, fica a
outra parte, no direito, como sujeito ativo, de exigir reparação por dano moral e
outros, embora tal direito, não elimine a necessidade dele de pagar a dívida, ou o
compromisso assumido. A existência de um direito, nem sempre anula deveres
anteriormente estabelecidos.
É preciso esclarecer que “o direito subjetivo se caracteriza pela potencialidade
e pelo exercício efetivo do direito objetivo, podendo o sujeito fazer ameaça desse
exercício, que ao ser efetivado não o pode ser de forma abusiva” (Nunes, 2005, p.
132). É bastante comum, algumas empresas e mesmo pessoas físicas, fazer uma
comunicação sobre um direito ofendido, e que, portanto exigiria como contra-
partida um dever jurídico da outra parte, enviar cobrança extra-judicial através
de um cartório. Neste caso, observado o teor do documento, não existe abuso de
direito subjetivo e nem ofensa, apenas uma forma amigável de tentar resolver um
conflito. É ameaça? Sim, evidentemente que o é. Mas dentro dos limites estabe-
lecidos pelo próprio direito.
Concluindo, se para o positivismo jurídico o direito subjetivo transfere ao su-
jeito de direito, a faculdade de agir ou não, colocando para isso o direito objetivo
à sua disposição, no outro lado, numa visão mais crítica, este direito é próprio
das condições capitalistas e necessário para legitimação do modo de produção
próprio do capitalismo, sendo assim, “o direito subjetivo é tomado como total
abstração de direitos porque tudo e todos podem ser relacionados e mensuráveis
como mercadorias” (Mascaro, 2013, p. 107).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme apresentado no decorrer de nosso estudo, não é pacífica a ideia de que


o Direito é uma ciência, mas não se pode refutar algumas de suas características
como ciência, como por exemplo, a validade da norma, que é uma questão de
ordem meramente técnica, de leitura e compreensão de texto e sua relação com
o conhecimento jurídico até então construído.
Quanto às questões pertinentes ao Direito Objetivo e Direito Subjetivo, consti-
tui as mesmas num dos núcleos que compõe o positivismo jurídico, em que direito
individual prevalece na maioria das vezes sobre os direitos de ordem coletiva.

31
1. Explicar os pressupostos para a construção do conhecimento científico.

2. É possível inferir que todo conhecimento é conhecimento científico? Fundamentar


sua resposta.

3. Definir o que é Direito Objetivo e Direito Subjetivo.

4. O Artigo 5º da Constituição Federal pode ser considerado um Direito Objetivo ou


Direito Subjetivo?

32
2
Direito Público,
Direito Privado e
Direito Difuso
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Compreender as diferenças entre Direito Público, Privado e Di-


fuso.
• Estudar a classificação dos diversos ramos que compõe o Direito.
UNIDADE 2

O positivismo que influenciou também o Direito, assim como toda a sociedade,


culminou pela necessidade de tratar o direito a partir de dois campos existenciais
e um terceiro por condição de interesses de ordem coletiva específica, ou seja, o
Direito Público, o Direito Privado e o Direito Difuso.
Historicamente a divisão entre Direito Público e Direito Privado data do
Império Romano, com uma finalidade específica: identificar quais os interesses
envolvidos diretamente nas questões de ordem jurídica. A questão era identificar
qual a finalidade para a aplicação da norma, pois quando se tratava das coisas de
interesse do Império, esta era tratada como Direito Público, e quando se referias
as coisas envolvendo somente os cidadãos, o que se aplicavam eram as normas
de interesse privado. É lógico que com o advento do liberalismo e posteriormente
do capitalismo, esta divisão foi reforçada, no sentido de preservação das questões
de ordem privada e limitação da interferência dos interesses públicos, quando
em confronto com os de interesse privado.
A proposta é delinear o campo de existência e de atuação de cada um destes
direitos, apenas como um panorama geral deste conhecimento em específico.

34
UNICESUMAR

A história do Direito Público e do Direito Privado

Historicamente a divisão entre Direito Público e Direito Privado data do Im-


pério Romano, com uma finalidade específica: identificar quais os interesses
envolvidos diretamente nas questões de ordem jurídica. A questão era iden-
tificar qual a finalidade para a aplicação da norma, pois quando se tratava das
coisas de interesse do Império, esta era tratada como Direito Público, e quan-
do se referias as coisas envolvendo somente os cidadãos, o que se aplicavam
eram as normas de interesse privado. É lógico que com o advento do libera-
lismo e posteriormente do capitalismo, esta divisão foi reforçada, no sentido
de preservação das questões de ordem privada e limitação da interferência
dos interesses públicos, quando em confronto com os de interesse privado.
Não podemos nos esquecer que um dos pontos centrais do liberalismo
econômico e mesmo político, é o de que o Estado deve limitar as suas ações o
máximo possível, procurando causar a menor interferência na vida privada,
sendo assim, estaria supostamente garantindo os interesses particulares. Esta
visão pode ser encontrada também na visão econômica de Adam Smith, para
quem a economia não precisaria ser regulada e vigiada pelo Estado, porque
existiria uma “mão invisível” que supostamente estabeleceria o equilíbrio en-
tre o consumo e a produção. Na realidade um artifício de ordem metafísica
para afastar a interferência do Estado, numa questão que representa direta-
mente os interesses privados.
Segundo Nunes, “a divisão entre Direito Público e Privado pode ser feita,
como o é pela maioria da doutrina, tendo por critério os sujeitos envolvidos e
a qualidade destes quando estão na relação jurídica; e o conteúdo normativo
e o interesse jurídico a ele relacionado” (2005, p. 135).
Mas de longa data existem questionamentos se realmente existe um Di-
reito Público e um Direito Privado. Na visão de Hanz Kelsen tal divisão não
prevalece, porque para ele, Direito é sempre uma relação entre “Estado e Di-
reito” (Reale, 2002, p. 340).
Outro questionamento sobre esta relação é de que, com o advento das
teorias socialistas, e sua influência mesmo nos países que não aderiram ao
comunismo, fez com que o Estado estivesse mais presente na vida do cidadão
e de suas relações como um todo, do que gostariam as teorias liberais.

35
UNIDADE 2

Para compreender melhor esta questão faz-se necessário pedir auxílio à Filo-
sofia e mesmo à Ciência Política, sem as quais o Direito seria muito empobrecido.
O comunismo se fundamenta segundo Marx e Engels como “a doutrina caracteri-
zada pela abolição da propriedade de raiz individual e da herança; a socialização
dos meios de transporte e de produção; a educação pública; a organização do
crédito do Estado e o alistamento dos trabalhadores sob a sua direção” (Lalande,
1996, p. 178). É a supressão do indivíduo e a prevalência do Estado, teoria que,
aliás, já estava presente na obra República de Platão. Para o comunismo toda
relação jurídica é sempre de ordem e interesse público, pois o Estado deve ser
provedor de todas as necessidades do indivíduo. A propriedade é sempre de base
comum, ou seja, não existem direito de propriedade enquanto objeto individual,
pois o Estado e somente o Estado é o proprietário de todas as coisas.
Como o comunismo parte do pressuposto de Marx e Engels de que a
história da humanidade foi sempre a história das lutas de classes, ou seja,
entre a burguesia como classe dominante, e o proletariado como classe do-
minada, no cerne desta luta estava justamente o direito de propriedade. Na
visão deles, suprimindo o direito de propriedade, todos seriam igualados em
função de que o acúmulo de riquezas seria do Estado e não mais um direito
do indivíduo, contrapondo à perspectiva liberal e posteriormente capitalista,
que, através do direito subjetivo, permite ao indivíduo acumular tanta riqueza,
quanto for a potencialidade do seu trabalho.
É notório que o comunismo foi parcialmente um fracasso, com exceção da
China, que é um caso particular que não é o nosso objeto de estudo. No entanto,
alicerçando a doutrina comunista temos a ideia de socialismo, cujo conceito é
anterior às próprias ideias comunistas, o próprio Marx reconhece isso, mas que
recebe uma importante contribuição do comunismo.
O socialismo ao qual nos referimos é aquela “doutrina segundo a qual
nãos e pode contar com o livre jogo das iniciativas e dos interesses individuais
em matéria econômica para assegurar uma ordem social satisfatória [...]”
(Lalande, 1996, p. 1043). É a doutrina que defende uma maior participação
do Estado como provedor e distribuidor de riquezas, no início do século XX,
como uma alternativa para enfrentar o avanço desproporcional e desumano
do capitalismo sobre o homem.
Depois da Segunda Guerra Mundial, devido às destruições de todas as ordens,
e principalmente, pela incapacidade aparente, ou mesmo desinteresse da iniciati-

36
UNICESUMAR

va privada em promover justiça social, o Estado passa a assumir novas funções.


Aliás, esta passa a ser uma das funções mais importante do Estado, principalmen-
te quando se trata de nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento. O Estado
com forte cunho social (derivado do conceito de socialismo), precisa agora in-
corporar uma nova forma de ser, pois o socialismo exige uma “organização mais
planejada, conducente a resultados não só mais equitativos, mas também mais
favoráveis ao pleno desenvolvimento da pessoa humana” (Lalande, 1996, p. 1043).
Este Estado passa a ter uma participação mais ativa na vida social e econômica
da sociedade, e isso exige, em determinados casos, empresas estatais ou de eco-
nomia mistas, que se instalam junto com outras empresas privadas, para oferecer
serviços à população. No Brasil temos como exemplo o Banco do Brasil, Petrobras
e várias empresas de energia elétrica e de água e esgoto, entre outras. Sendo assim,
existe uma participação muito grande do Estado, enquanto detentor das carac-
terísticas de Direito Público, com participação direta ou indireta, de empresas
privadas, que tem por característica as questões pertinentes ao Direito Privado.
Para Betioli, “o direito público seria o que protege interesses preponderante-
mente públicos, regulando relações jurídicas de subordinação. O direito privado
diz respeito a interesses preponderantemente particulares, regulando relações
jurídicas de coordenação”. O direito público estabelece relações jurídicas de su-
bordinação, porque o Estado necessariamente estabelece as regras de acordo
com a sua finalidade social e o que deve prevalecer é sempre o interesse coletivo.
Quanto o direito privado, o Estado apenas cumpre a sua função de coordenar as
ações, procurando criar mecanismos capazes de conter os excessos.
Caminhando na mesma linha de raciocínio de Reale, quando um acadêmico
se matricula numa instituição privada de Ensino Superior, estabelece-se uma
relação jurídica de compra e venda, melhor dizendo, de compra e prestação de
serviços, o resultado é que “tanto o comprador como o vendedor se encontra na
mesma situação, no mesmo plano, de maneira que é uma relação de coordena-
ção. É uma relação típica de Direito Privado” (2009, p. 341). Não cabe ao Estado
dizer qual o valor e as condições para pagamento dos serviços prestados pela
instituição de ensino, por outro lado, também não cabe ao Estado dizer para o
consumidor, de forma imperativa, quando, onde e como comprar, este tem para
si liberdade de contrair ou não o contrato. Em caso de litígio, a função do Estado
é apenas de restabelecer o equilíbrio da relação, pois as duas partes se encontram
eqüidistantes em relação ao Estado.

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UNIDADE 2

De outro lado, no âmbito do Direito Público, citando como exemplo, uma


intimação do Poder Judiciário para se fazer presente numa audiência qualquer, o
cidadão não se encontra numa condição de igualdade perante o Estado, mas sim
de subordinação, de obediência, porque se assim não o fizer, sofrerá as sanções
e coações previstas na lei.
No entanto, não se encontra unanimidade e tão pouco indício da existên-
cia de um consenso sobre a definição de Direito Público e Privado, “a doutrina
ponta um sem número de critérios utilizados para justificar a dicotomia do
Direito em Público e Privado. Entretanto, nenhum destes critérios refoge a
críticas” (Siqueira Jr., 2009, p. 110). Esta divisão ser muito mais para fins di-
dáticos do que prático.
Existem teorias que negam inclusive, a dicotomia entre Direito Público e
Direito Privado, como por exemplo, Hanz Kelsen, para quem Direito é sempre
Direito Público, porque somente do Estado podem emanar normas jurídicas, a
produção de normas jurídicas é uma atividade exclusiva do Estado.
Como também existem aqueles que encontram dificuldade na separação
entre Direito Público e Privado, como por exemplo, aquela exposta por Venosa,
para quem “qualquer distinção que se faça entre direito público e direito privado, a
linha divisória não pode ser nitidamente traçada, mormente em virtude da com-
plexidade das relações jurídicas” (2006, p. 23). Principalmente no caso brasileiro,
aonde se têm uma participação muito forte do Estado na maioria das atividades
existentes em território nacional.
Existe outro fenômeno concorrendo para dificultar ainda mais o estabeleci-
mento de um consenso entre Direito Público e Privado, porque no “atual estágio
do desenvolvimento do direito positivo, existe uma tendência à publicização dos
atos dos particulares, senão como conteúdo efetivo a ser exercido, pelo menos
como garantia posta processualmente à disposição do particular” (Nunes, 2005,
p. 135). A publicização pode ser constatada, principalmente, através do Código de
Defesa do Consumidor, que permite ao Estado intervir diretamente no contrato
entre os privados, levando em consideração as novas funções do Estado, como
tutor direto de alguns direitos de ordem privada, para preservar o lado mais fraco
da relação jurídica, que neste caso é o consumidor.
Continuando a linha de raciocínio desenvolvida por Nunes, “cada vez mais o
Estado intervém na órbita privada, não só para garantir direitos ali estabelecidos,
mas para impor normas de conduta, anular pactos e contratos, rever cláusulas con-

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UNICESUMAR

tratuais, etc. Há, de fato, uma nova concepção de social do Direito” (2005, p. 135).
Existem casos inclusive em que o Estado aparece como interventor da própria prá-
tica comercial dos privados, obrigando-os a apresentar condições especiais para a
continuidade do exercício de suas atividades, com sobre taxas de impostos, com a
finalidade de diminuir os impactos resultantes do uso de determinados produtos.
Este exemplo pode ser buscado junto a venda de cigarros, quando o Estado obrigou
os fabricantes a colocar mensagens que alertassem e, portanto, produzissem um
desestímulo de seu consumo, além da tributação voraz de imposto. Na perspectiva
do Estado Liberal, conforme nos ensina Paulo Bonavides, o Estado se manteria in-
diferente, pois as conseqüências que traz o fumo, uma prática milenar e enraizada
na sociedade, é um problema de cada um e não do Estado.
Segundo nos ensina Coelho, “as dificuldades para estabelecer a separação entre
o público e o privado decorrem da inexistência de fronteiras nítidas entre os inte-
resses do Estado e os dos particulares, que freqüentemente se confundem. Existem
atos jurídicos emanados de pessoas tipificamente de direito público, que assumem
formas peculiares ao direito privado” (2004, p. 88-89). Exemplo deste tipo de situa-
ção é a atividade bancária desenvolvida pela Caixa Econômica Federal, instituição
pública, que atua livremente no mercado, no mesmo segmento dos demais bancos
do sistema, ainda que, atendendo as suas finalidades sociais, possa oferecer serviços
específicos em condições melhores e mais favoráveis a setores da sociedade que, por
razões de ordem econômica, não encontrariam abrigo na iniciativa privada.
Justifica esta posição defendida por Coelho, a possibilidade do Estado, diante da
complexidade das relações sociais, às vezes ter necessidade de ir para o campo priva-
do, mas não existe nada de errado para este tipo de situação, quando o faz amparado
na lei, e com fundamento no interesse público, porque “é claro que o Estado pode
participar de uma relação jurídica como se fosse um particular, sem se investir do
seu poder de mando, hipótese em que a relação, sendo de coordenação, é de direito
privado” (Betioli, 2011, p. 280). No entanto, não pode o Estado participar desta forma
no campo privado, com a intenção de realizar práticas contrárias as leis de mercado,
ou seja, prestar serviço ou oferecer produtos, abaixo do preço de custo, provocando
a falência de empresas privadas que comumente atuam no setor. É preciso atender
necessariamente, conforme já exposto, o interesse público.
Mas o que é o interesse público? Para Tavares, “o interesse público é a fina-
lidade última da atividade administrativa. É o que justifica qualquer ação da
Administração Pública e lhe confere as prerrogativas de presunção a seu favor.

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UNIDADE 2

É a síntese do dever-poder” (2004, p. 87). Se funda na ação política legitimadora


dos interesses da sociedade como um corpo social que precisa ter algumas de
suas condições essenciais tuteladas e preservadas pela interferência do Estado,
principalmente em momentos de crise ou de grandes desigualdades sociais. Por
exemplo, é do interesse público, e mais do que com legitimidade, que em algu-
mas cidades de médio e grande porte, a União, o Estado e de forma mais direta
o município, subsidie parte do transporte coletivo dos trabalhadores, pois os
resultados desta ação política interessam a todos, na medida em que diminui o
ônus sobre o salário do trabalhador.
Ainda, segundo Tavares, o interesse público “só pode ser aquele que trata a
todos os cidadãos como iguais, concedendo a todos igual oportunidade, não só
formal, não se fala aqui do direito igual de dormir embaixo da ponte, mas de sua
concepção material” (2004, p. 87). A igualdade formal é mero artifício legal para
que todos sejam iguais perante a lei, isso não quer dizer, que ela saia do campo da
formalidade para a realidade. Este tipo de igualdade foi uma artimanha política-
-jurídica da Revolução Francesa, para prometer aquilo que efetivamente poderia
cumprir, sem, contudo ter que fazer esforço de transformá-la em igualdade ma-
terial. É preciso que a além da igualdade formal, a existência de “oportunidades a
todos para se desenvolverem e alcançarem metas que contribuam para o objetivo
de sua dignidade pessoal” (Tavares, 2004, p. 87).
Não nos parece que exista uma necessidade imperiosa em procurar uma de-
finição precisa e conciliadora para o Direito Público e Privado, pois “tal divisão é
meramente histórica e, não sendo necessidade lógica nem ontológica, pode deixar
de ser adotada, se a evolução da ciência jurídica se fizer no sentido de unificação
ou admitir novos critérios de divisão” (Coelho, 2004, p. 89). Em outras palavras,
as mudanças serão mínimas para a teoria do direito, se futuramente outra divi-
são surgir ou ainda, se não mais existir esta divisão. É meramente uma tradição
histórica herdada dos romanos, embora ainda suscite discussões nos dias atuais.
Corrobora a visão apresentada por Coelho (2004), aquela exposta por Di-
moulis, para quem “não há uma área jurídica puramente pública ou puramente
privada. Mas existe um conjunto de dispositivos em que prevalece a natureza
pública e um outro marcado por características privadas” (2007, p. 308).
No entanto, embora ainda não estivessem resolvida as questões pertinentes ao
Direito Público e Privado, e “com o advento, a partir do século XX, das sociedades
de consumo de massa, sociedades essas que cresceram rumo à produção em série,

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UNICESUMAR

e altamente especializada, os contratos também se alteraram” (Nunes, 2005, p. 136).


Outro aspecto que colaborou para a mudança nos contratos, foi a intensificação do
processo de globalização e cada vez mais, a concentração de setores específicos da
economia, na mão de grandes conglomerados econômicos, que produziam a partir
de regiões que mais favoreciam em questão de ordem tributário e de mão de obra
barata e de submissão quase total às exigências capitalistas.
Agora o contrato já não pode mais ser discutido pessoalmente com o detentor
de seu direito, pois se transformaram em “contratos de adesão, caracterizados como
aqueles estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor, e ao qual o consumidor
adere, sem poder discutir ou, pelo menos, modificar substancialmente seu conteú-
do” (Nunes, 2005, p. 137). O consumidor se encontra tão fragilizado diante desta
situação, que ao comprar uma televisão produzida no leste asiático, não tem mais
como invocar a garantia do produto, pois nem ao menos, conhece o seu distribuidor
no Brasil. E ainda que fosse possível conhecer, certamente teria que enviar, por sua
conta e risco, o produto para ser analisado aonde o indústria determinasse, e certa-
mente, pelas características do capitalismo predominante, quanto maior o obstáculo
a ser oferecido, maior será o desestímulo do consumidor para invocar seus direitos.
É quando o Estado é chamado pela sociedade para cumprir um novo papel,
que antes não estava na sua alçada, ou seja, realizar intervenções através de normas
regulatórias e outros, para que com amparo na lei, pudesse intervir nos contratos
celebrados entre os privados, em situações em que o cidadão notoriamente se en-
contrava em grande desvantagem econômica e jurídica. De forma sintética, é sob
este cenário que surgem um novo direito, que são chamados de Direitos Difusos.
No Brasil, o avanço mais significativo para a construção destes direitos, se deu
com a Constituição Federal de 1988, quando no artigo 5, inciso XXXII, o legislador
constitucional determina que “o Estado promoverá na forma da lei, a defesa do
consumidor”, que depois culminou com Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990,
mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, de onde surge o conceito
de Direitos Difusos, quando no seu artigo 81 assim expressa: “a defesa dos interesses
e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individual-
mente, ou a título coletivo”, considerando a possibilidade, de forma inovadora para
ações de ordem coletiva, diminuindo assim a fragilidade do consumidor.
No inciso I, assim expressa a vontade do legislador: “interesses ou direitos difu-
sos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza in-
divisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias

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UNIDADE 2

de fato”. Já é ponto pacífico em nossa jurisprudência e mesmo entre os cientistas do


direito (também chamados equivocadamente de doutrinadores), que embora esta
caracterização esteja em norma específica do Código de Defesa do Consumidor,
esta possui caráter de norma geral, portanto, por analogia pode ser aplicada a outros
casos, na medida em que forem surgindo os problemas inerentes ao próprio direito.
Estes novos direitos, segundo o Portal do Ministério da Justiça podem serem
assim definidos:
■ Direitos difusos são todos aqueles direitos que não podem ser atribuídos
a um grupo específico de pessoas, pois dizem respeito a toda a sociedade.
■ Assim, por exemplo, os direitos ligados à área do meio ambiente têm re-
flexo sobre toda a população, pois se ocorrer qualquer dano ou mesmo
um benefício ao meio ambiente, este afetará, direta ou indiretamente, a
qualidade de vida de toda a população.

O mesmo ocorre com os direitos do consumidor, com os direitos ligados à pre-


servação do patrimônio sócio cultural e com os bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica etc.
O que caracteriza a peculiaridade deste Direito é que podem ser sujeitos de di-
reito, tanto o Estado como determinados indivíduos da sociedade e mesmo de uma
coletividade determinada, ao mesmo tempo. Partes interessadas na esfera pública
e privadas, às vezes contra um privado, ou ainda, contra o próprio Estado, fugindo
daquela dicotomia entre Direito Público e Direito Privado. Por exemplo, se o Esta-
do, resolver construir uma usina hidrelétrica, portanto, caracterizando interesse de
ordem pública e social, mas não tomar as cautelas devidas com relação à proteção
do meio ambiente, qualquer cidadão, ou um grupo coletivo, são partes legítimas
para entrarem como uma ação contra o Estado, embargando o projeto e mesmo a
obra. Temos caso recente neste sentido, como por exemplo, a Usina de Belo Monte.
Conforme foi exposto, além da concepção de Direito Público e Privado, têm-se
agora os chamados Direitos Difusos, aonde os dois primeiros Direitos podem estar
tanto na condição de sujeitos passivos como ativos, ao mesmo tempo, além do que,
constitui legitimidade para a participação tanto do indivíduo, quanto da coletividade.
Diante do exposto e com fundamento nas mais diversas correntes jurídicas,
entendemos ser mais conveniente, porque mais abrangente e com abordagem dos
Direitos Difusos, apresentar a classificação do Direito Positivo, de acordo como
exposto por Nunes (2005, p. 138).

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UNICESUMAR

Especificidades do Direito Positivo

Direito Positivo Público Interno –


Direito Constitucional

Dentro do ordenamento jurídico brasileiro é aquele que fornece as diretrizes es-


pecíficas no tocante as ações caracterizadoras do Estado, e gerais para que sejam
posteriormente elaboradas leis específicas para constituir o ordenamento como
um todo. Para o Professor Miguel Reale o “direito constitucional tem por objeto
o sistema de regras referentes à organização do Estado, no tocante à distribuição
das esferas de competência do poder político, assim como no concernente aos
direitos fundamentais dos indivíduos para com o Estado, ou como membros da
comunidade política” (2009, p. 342).
No Brasil, por ser uma federação, temos a Constituição Federal (a vigente é
a de 1988), e também as Constituições de cada Estado, conferindo igual condi-
ção para que os Municípios também elaborem as suas próprias Constituições,
no entanto, é a Constituição Federal que deve o fundamento e referência maior
para as demais, que jamais poderão produzir normas que entrem em conflito
com a norma fundamental, ou ainda, a Constituição Federal. Se qualquer artigo
ou princípio de uma Constituição Estadual ou Municipal contrariar o que está
posto na Constituição Federal, a mesma deverá ser declarada inconstitucional e
portanto, não terá validade em nosso ordenamento jurídico.

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UNIDADE 2

Quando se trata de estrutura básica do Estado, que é a principal finalidade


de uma Constituição, nos ensina Siqueira Jr., que a “estrutura do Estado pode
ser dividida em sentido amplo em três capítulos: 1. A forma do Estado; 2. A
competência dos órgãos que compõe o Estado; 3. Os direitos fundamentais
dos cidadãos do Estado” (2009, p. 111).

Direito Positivo Público Interno –


Direito Administrativo

Entende-se por Direito Administrativo as normas jurídicas que organizam


a forma de administração do Estado, fixando as normas necessárias para o
cumprimento constitucional e de leis acessórias de todo o aparato estatal. Para
Dimoulis o Direito Administrativo “regulamenta a atividade da administração
pública, exercida principalmente pelo Poder Executivo” (2007, p. 310).
Aqui também está incluso a possibilidade do uso do Poder de Polícia
Administrativa, como é o caso dos fiscais do Ministério da Saúde, que podem
mandar prender algum produto, ou mesmo qualquer cidadão que esteja co-
locando obstáculo para o exercício de suas funções e assim, coloca em risco a
saúde da população como um todo. É lógico que quando for necessário, estas
autoridades pedirão o auxílio da Polícia Federal, Militar ou Civil, dependendo
da esfera de competência e da proximidade da existência das mesmas.
No Estado Democrático de Direito, este é um ramo importante do Direito,
pois exige e permite que o Estado tenha transparência e isonomia no trato
da coisa pública, portanto, “os princípios básicos da administração pública
encontram-se na Constituição, existindo muitas leis esparsas e decisões ad-
ministrativas que regulamentam o funcionamento das autoridades adminis-
trativas e o modo de prestação dos serviços públicos” (Dimoulis, 2007, p. 310).

Direito Positivo Público Interno –


Direito Tributário

São as normas jurídicas cuja finalidade é a arrecadação de tributos, assim


como as atividades que regulam as atividades financeiras do Estado, tal como

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UNICESUMAR

receitas e despesas. Embora o Direito Tributário tenha sido criado com o in-
tuito de fornecer respaldo ao contribuinte contra eventuais abusos do Estado,
na prática e na maioria das vezes, o Estado voraz em arrecadar e pernicioso
em gastar, age de forma truculenta desrespeitando diuturnamente tanto a
Constituição Federal, quanto as limitações estabelecidas pelo Código Tribu-
tário Nacional e pelas chamadas leis esparsas.
Para Betioli, o Direito Tributário “tem como objeto o campo das receitas
de caráter compulsório, disciplinando a imposição, fiscalização e arrecadação
de impostos, taxas e contribuições” (2011, p. 282). É compulsório porque o
Estado, diferente do privado, não pode acumular riqueza, pois a sua finalida-
de é outra, que é de arrecadar e retornar em forma de prestação de serviços
necessários à atividade administrativa do Estado, para as políticas públicas e
sociais, investimento na estrutura e infra-estrutura necessária ao desenvol-
vimento da atividade econômica, entre outros.

Direito Positivo Público Interno –


Direito Processual

São as normas jurídicas que tratam da forma processual, ou seja, “cuidam


das regras jurídicas relativas à ação judicial” (Rizzato Nunes, 2005, p. 140).
O Direito Processual é subdividido em: Processual Civil, Processual Penal e
Processual do Trabalho. Sobre este assunto, iremos tratar com mais detalhes e
profundidade, quando estudarmos os conceitos de Direito Material e Direito
Processual no próximo tópico.

Direito Positivo Público Interno – Direito Penal

O direito penal “estuda, mais propriamente, as regras emanadas pelo legisla-


dor com a finalidade repressiva do delito e preservativa da sociedade” (Reale,
2009, p. 347). De uma forma geral, o direito penal estuda os casos em que as
questões relativas à vida estão ligadas diretamente ao fato em si, as ações do
homem que se realizadas de forma inconseqüente, podem produzir riscos,
diminuição de capacidade e faculdades mentais dos homens.

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UNIDADE 2

O Direito Penal procura fornecer subsídios para as tipificações do que


pode ser considerado um ato criminoso, e que venha a expor a própria vida
ou a dos outros em risco. Está no âmbito do Direito Penal as ações envolvendo
toda a espécie de atividades com drogas ilícitas, manuseio inadequado e ilegal
de armas. Normalmente aqueles fatos que expõe a vida dos outros a risco des-
necessário, vindo de forma intencional ou não, a provocar a morte ou danos
temporários ou permanentes à vida, são julgados por um Tribunal do Júri,
composto por pessoas honradas da sociedade, cuidadosamente escolhidas
pelo Poder Judiciário.
Assim como outros ramos do direito precisaram desenvolver estudos
científicos, com a finalidade de ampliar os seus conhecimentos, não foi dife-
rente no Direito Penal, porque “os conceitos de crime e criminoso são forne-
cidos pelas leis penais, referindo-se a atos e pessoas, que passam a objetos de
nova ciência jurídica: a criminologia, estudo do homem criminoso” (Coelho,
2004, p. 53). O desenvolvimento desta ciência permite o desenvolvimento de
meios para a humanização das penas, no sentido de que a sua função deve
ser sempre pedagógica e não meramente punitiva pelo sofrimento provo-
cado. Principalmente num país como o Brasil, aonde o sistema carcerário,
com poucas exceções, é pior do que as masmorras do absolutismo francês,
e de vital importância a discussão pública sobre o que e como fazer, para a
melhoria deste sistema.

Direito Positivo Público Interno – Direito Eleitoral

São as normas jurídicas que determinam como serão realizadas as escolhas


do Poder Executivo (Presidente, Governador e Prefeito) e do Poder Legis-
lativo (Federal, Estadual, Municipal). No entanto, nenhuma destas normas
pode entrar em conflito com Constituição Federal, que determina a prática
da democracia e escolha dos respectivos cargos, de modo a garantir o direito
e o sigilo do voto, assim como o período competente de cada cargo.
A forma de governo já foi determinada pela Constituição Federal de 1988,
ou seja, democracia indireta, que exige para cargos eletivos do Estado, a rea-
lização de eleições livres, gerais e abertas a todos aqueles que têm capacidade
política para participar, seja através do seu voto, ou ainda, como candidato.

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UNICESUMAR

Direito Positivo Público Interno – Direito Militar

O Direito Militar são as normas que regulam apenas os militares, existindo tanto no
âmbito das Forças Armadas Nacional, quanto das Polícias Militares Estaduais. Este
ramo do direito trata de assuntos específicos da atividade militar, mas isso não que
dizer que os mesmos não poderão responder uma ação civil ou mesmo penal, em
função de uso indevido de direitos no exercício de suas funções. Por exemplo, um
policial militar que no exercício de sua função comete um crime qualquer, será jul-
gado pelo Direito Militar, pelo Direito Civil e ainda, se for o caso, pelo Direito Penal.

Direito Positivo Público Externo –


Direito Internacional Público

De forma mais ampla, o Direito Internacional Público “vem a ser aquele que
disciplina as relações internacionais, as relações entre os Estados soberanos e
organismos análogos. As suas fontes principais são os tratados e os costumes
internacionais” (Betioli, 2011, p. 280).
Constitui-se também, de normas jurídicas que regulam as condições para a as-
sinatura de Tratados Internacionais com outros Estados, assim como as convenções
assinadas por organismos internacionais, como a ONU. A proposição e assinatura
de Tratados Internacionais estão no âmbito da competência do Presidente da Re-
pública (Constituição Federal, artigo 84 – VIII), embora o Legislativo seja parte
importante da celebração do Tratado. No entanto, nenhum Tratado Internacional
pode ser assinado se qualquer de suas partes entre em conflito com a Constituição
Federal, ferindo a soberania do Estado em todos os seus campos de atuação.
O Direito Internacional Público é um daqueles direitos que surge e se fortale-
ce a partir do processo de globalização, que acentua a necessidade de que os países
se relacionem como forma de ampliar mercados e mesmo, obter informações e
investimentos de interesse público.
O Direito Internacional Público ganhou maior notoriedade e importância,
quando em 1998, na Conferência de Roma, cujo órgão promotor foi a ONU
(Organização das Nações Unidas), “resultou o Estatuto do Tribunal Penal Inter-
nacional, que vigoraria a partir do reconhecimento por 60 nações, o que veio a
ocorrer em 2002, quando foi instalado em Haia. O Brasil aderiu ao tratado no

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UNIDADE 2

ano 2000” (Venosa, 2006, p. 30). Este Tribunal tem por finalidade julgar os crimes
cometidos contra a humanidade, tendo já condenados vários tiranos a prisão
perpétua, num reconhecimento de que, certos crimes cometidos por governantes
ou seus mandatários, afrontam a continuidade da existência da própria humani-
dade. Como era de se esperar, Estados Unidos e China não aderiram ao tratado.

Direito Positivo Público Interno – Direito Civil

Chamado comumente de direito comum, ou o direito que pertence aos cidadãos, em-
bora os demais direitos também o sejam, é este que de modo geral mais afetam as nossas
relações diárias. Nas palavras de De Plácido e Silva, o Direito Civil mostra-se como “o
conjunto de leis que tem por finalidade regular os interesses dos cidadãos entre si ou
entre eles e as entidades coletivas, concernentes à sua capacidade, à família, a seu estado,
a seus bens, considerados, entretanto, como direitos e obrigações de ordem civil”.
Atende as atividades rotineiras dos cidadãos como, por exemplo, a compra
e venda de um imóvel, de um carro, de um bem qualquer, embora possa buscar
subsídios em outros ramos do direito, a saber; no Código de Defesa do Consu-
midor. O escopo de suas leis encontra-se no Código Civil Brasileiro.

Direito Positivo Público Interno – Direito Comercial


ou Empresarial

Alguns autores, mais recentemente, também chamam de Direito Empresarial.


São as normas jurídicas que envolvem de forma específica a atividade comercial
ou empresarial. A Professora Maria Helena Diniz (Apud Silva, 2006, p. 274) nos
diz que “o direito comercial constitui-se de normas que regem a atividade em-
presarial: porém, não é propriamente um direito dos empresários, mas sim um
direito para a disciplina da atividade econômica organizada para a produção e
circulação de bens ou de serviços”.
O Direito Comercial ou Empresarial é o ramo do Direito onde “ficam assim
regulamentados os atos realizados com fins lucrativos, o status das pessoas que
exercem habitualmente atividades empresariais com intuito lucrativo (empresá-
rios) e as regras de funcionamento das empresas” (Dimoulis, 2007, p. 316).

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UNICESUMAR

Direito Difuso Interno – Direito do Trabalho

São as normas jurídicas que regulam através da CLT – Consolidação das


Leis do Trabalho, as relações de trabalho entre empregados e empregadores,
tendo em sua estrutura de normas, desde o momento da contratação do
trabalhador, a duração das jornadas de trabalho, as formas de organização
das classes, as normas que regulam as chamadas Convenções Coletivas de
Trabalho e outras. É talvez o ramo do direito mais conhecido por todos, ao
menos nos seus aspectos gerais, como aquele que protege o trabalhador da
exploração exacerbada do capitalismo.
Alguns estudiosos do Direito situam o Direito do Trabalho dentro da
divisão do Direito Público, porque, “embora discipline o interesse privado, o
faz segundo ume forma de intervenção que tem como medida e objetivo o
interesse geral” (Betioli, 2011, p. 282). O trabalho, o seu exercício e o resul-
tado obtido pelo mesmo, são de interesse geral, pois traz reflexos diretos e
indiretos na vida de todos os componentes de uma nação.
Embora alguns entendam que o Direito do Trabalho tenha por finalida-
de por fim ou impor limites a exploração do trabalhador, isso não reflete a
principal função deste Direito, porque, “na realidade, o direito do trabalho
não deseja abolir a exploração da força de trabalho, que, aliás, constitui a base
do sistema capitalista. O direito do trabalho só tenta amenizar a exploração
humana e evitar suas forças selvagens, que assemelham o capitalismo a um
sistema escravocrata” (Dimoulis, 2007, p. 316).

Direito Difuso Interno – Direito Previdenciário

São as normas jurídicas relativas “as contribuições para o seguro social e


aos benefícios dele oriundo, como, por exemplo, pensões, auxílios e apo-
sentadorias” (Diniz, 2006, p. 264). Uma boa parte dos benefícios sociais e
movimenta uma parcela considerável do comércio nas cidades de pequeno
porte, é a aposentadoria, que se na sua maioria apresentam-se como um va-
lor irrisório, ou seja, um salário mínimo, inúmeras cidades ainda subsistem
graças a economia gerada pela aposentadoria de uma parte significativa de
seus habitantes.

49
UNIDADE 2

Direito Difuso Interno – Direito Econômico

São as normas que regulam a produção e circulação de mercadorias e serviços,


“com vistas ao desenvolvimento econômico do País, especialmente no que diz
respeito ao controle do mercado interno” (Nunes, 2005, p. 145), inclusive es-
tabelecer as condições para estas disputas, evitando que as grandes empresas,
através de concorrência desleal venham a conquistar a supremacia do mercado,
produzindo assim um desequilíbrio nos preços.

Direito Difuso Interno – Direito do Consumidor

Uma das maiores conquistas da Constituição Federal de 1988, são as normas


que visam proteger as relações de consumo, em outras palavras, as relações
entre consumidores (normalmente o lado mais frágil da relação jurídica) e os
fornecedores (o lado mais forte da relação jurídica), segundo Nunes (2005) são
normas que se apresentam como de interesse público e social. Mas o que é um
consumidor? O Código de Defesa do Consumidor que foi criado por uma Lei
Complementar, diz no seu artigo 2º que “é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, sendo assim,
pode ser um cidadão comum que compre uma televisão para propiciar diversão
à sua família, assim como uma empresa privada, que comprou um aparelho de
DVD para exibir filmes para o treinamento de seus funcionários. Mas as rela-
ções diretas entre fornecedores continuam sendo regidas por outras normas,
como o Código Civil, o Código Penal, Código Comercial e outros.

Direito Difuso Interno – Direito Ambiental

Uma das grandes conquistas da sociedade atual e o Brasil foi um dos inovadores
neste aspecto, já na Constituição Federal de 1988, no artigo 225 nos diz que
“todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações”. Ela traz tanto para o Poder Público, quanto para a coletivi-

50
UNICESUMAR

dade da obrigação imperioso de preservação, é um direito de todos, mas não


pertence a ninguém, e inova o direito, pois revê a garantia de direitos para as
gerações futuras.
Os acontecimentos naturais ocorridos recentemente no mundo inteiro, nos
deixa em alerta para a seriedade com que os homens, devem se preocupar, pre-
servar e tentar restaurar as condições ideais de um meio ambiente saudável. É
lógico que a busca da redução da poluição vai de encontro aos interesses capi-
talistas, para os quais, o importante é apenas produzir-consumir, não medindo
as conseqüências naturais irreversíveis em alguns casos.

Direito Difuso Externo –


Direito Internacional Privado

São as normas jurídicas que tratam as relações privadas no âmbito internacio-


nal, levando em consideração, a não transgressão de nenhuma norma prevista
no ordenamento jurídico brasileiro.
Concluindo, este tipo de classificação nos permite ter uma visão espacial do
conteúdo do Direito Positivo e não encerra em si mesma, uma versão acaba-
da, até porque, outros direitos estão surgindo, e outras perspectivas de análise
poderão exigir uma classificação mais adequada em outro momento histórico.

Direito Material e Direito Processual

Conforme já trabalhado em momentos anteriores, a palavra Direito, princi-


palmente na língua portuguesa assume muitas acepções, e dentro do próprio
Direito, ora como simples conseqüência do positivismo, em outros momentos
como forma de organização e construção didática, o mesmo se divide nova-
mente, para tratar de questões específicas. É o que acontece com o conceito de
Direito Material e Direito Processual.
Alguns autores, como Nunes (2005, p. 207) afirmam que quanto a natureza
de suas disposições, a norma jurídica pode ser classificada em: normas jurídicas
substantivas (também chamado de Direito Material) e em normas jurídicas ad-
jetivas (também chamado de Direito Processual).

51
UNIDADE 2

Segundo Nunes, “as


substantivas ou materiais,
são as que criam, declaram
e definem direitos, deveres
e relações jurídicas. São,
por exemplo, as normas
do Código Civil, Código
Penal, Código Comercial,
Código de Defesa do Con-
sumidor” (2005, p. 207),
entre outras normas, que
ainda não se encontram
ou não tem necessidade de
serem codificadas. Quan-
do o Estado divulga um
Edital para um concurso
público disponibilizando
um determinado número
de vagas para funções es-
pecíficas dentro do serviço
público, assim o procede
em função de um direito
material, a saber, aquele
que obriga o Estado a per-
mitir o ingresso na carreira
pública, somente por con-
curso. O cidadão que faz
a sua inscrição neste con-
curso, cumprindo todas
as formalidades exigidas,
também o faz por meio de
um direito material.

52
UNICESUMAR

Já as normas adjetivas ou de direito processual, “são as que regulam o modo e o


processo para o acesso ao Poder Judiciário. São, por exemplo, as normas do Código
de Processo Civil, do Código de Processo Penal, as normas processuais da Lei do
Inquilinato, as normas processuais das Leis do Trabalho etc.” (Nunes, 2005, p. 207).
Elas existem a partir das normas de Direito Material, que na realidade definem nor-
mas de conduta social.
Para Betioli, a norma adjetiva, ou formal, ou ainda, de Direito Processual, “é
a que define os procedimentos a serem cumpridos para efetivar as relações jurí-
dicas ou fazer valer os direitos ameaçados. É de natureza apenas instrumental”
(2011, p. 194). São os procedimentos necessários para o Poder Judiciário e mesmo
os Poderes Executivos e Legislativos, tomarem ciência de que alguém teve um
direito violado e invoca a proteção do Estado para ter este Direito restabelecido.
Um exemplo é o instituto do Habeas Corpus previsto na Constituição Federal
de 1988, que é uma norma de Direito Material. A elaboração do Habeas Corpus,
seja por um advogado ou um cidadão qualquer, constitui num instrumento ne-
cessário para se pedir ao agente do Estado, a proteção deste Direito, portanto, é
um Direito Processual.
O Direito Material e Direito Processual determinam a existência do Direito
em dois momentos diferentes, mas é a convergência destes momentos, em um
dado espaço de tempo, que permitirá a reparação ou a obtenção de um direito.
O Direito Material estabelece normas de conduta, regras sociais, ora de ca-
ráter imperativo e em outros momentos, de caráter facultativo, atribuindo às
pessoas direitos, deveres, bens entre outros. Afirma-se que o Direito Material
está relacionado diretamente com o mundo dos fatos, é o conteúdo do Direito
propriamente dito.
Já o Direito Processual é o conjunto de normas que estabelece as formas
de organização para que a violação decorrente de um Direito Material possa
adentrar ao exercício da jurisdição, ou seja, as instâncias jurídicas competentes,
para que então o conflito possa ser julgado. É através do Direito Processual que
se estabelecerá uma relação de direito processual para que o judiciário possa se
manifestar sobre a licitude ou ilicitude do fato.
Ainda que seja evidente a violação de um Direito Material, o Juiz, o repre-
sentante legítimo e legal do Estado para julgar os conflitos, só poderá aceitar dar
início aos procedimentos para realização do julgamento, se forem atendidas as
normas referentes ao Direito Processual. A partir deste momento, todo o cami-

53
UNIDADE 2

nhar do Processo deverá seguir as normas ditadas pelo Direito Processual, que
determinará, entre outras coisas: como e quando a ação poderá entrar em juízo;
quais são os requisitos básicos que deverão compor uma petição inicial; como o
juiz deve proceder para aceitar ou mesmo recusar a petição inicial; quais são os
procedimentos que o réu deve tomar para se defender da petição inicial; de que
formas as provas deverão ser produzidas e dispostas dentro do processo; diante
de uma condenação, quais as possibilidades e formas de recursos e finalmente,
uma questão essencial e fundamental: os prazos para apresentação de provas,
recursos e contestação.
O Direito Processual é apenas um instrumento de invocação de um Direito
Material, não é o Direito em si, tanto é que, o conteúdo do processo é na realidade
o julgamento daquilo que se refere ao Direito Material. Mas também é possível
que um determinado litígio seja dado de forma desfavorável, resultante de um
erro processual, tanto por parte dos advogados, quanto do juiz.
De forma geral, os diversos ramos do Direito podem apresentar o seu próprio
Direito Processual, por exemplo, se for um litígio envolvendo questões de família,
será utilizado o Código de Processo Civil; se for litígio envolvendo ofensa à vida,
será utilizado o Código de Processo Penal; se for litígio trabalhista, será utilizado
o Código de Processo Trabalhista; e assim por diante. No entanto, quando não
houver uma legislação processual específica para o ramo do Direito, normalmen-
te será utilizado o Código de Processo Civil.
Finalizando, o Direito assim como resultado da própria complexidade da
sociedade, também tem os seus detalhes, alguns para organizar o próprio direito
e outros, são resultantes de burocracia próprias de países subdesenvolvidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito assim como resultado da própria complexidade da sociedade, também


tem os seus detalhes, alguns para organizar o próprio direito e outros, são resul-
tantes de burocracia próprias de países subdesenvolvidos.
Embora exista no momento atual pouco espaço para uma análise crítica desta
forma de organização do Direito, nem por isso, deixa de ter importância funda-
mental a compreensão desta estrutura.

54
1. Explicar quais as características do Direito Público.

2. Explicar quais as características do Direito Privado.

3. É possível inferir que o Direito Difuso se encontra tanto na esfera do Direito Público
quanto do Direito Privado? Fundamentar sua resposta.

4. Explicar o que é Direito Material e Direito Processual.

5. Explicar se é possível a existência de um Direito Material sem uma forma processual


de invocação do mesmo.

55
3
Principais
Doutrinas
Jurídicas
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender e compreender a importância das doutrinas e suas


diversas correntes.
• Procurar compreender a relação entre as diversas correntes dou-
trinárias.
UNIDADE 3

O conhecimento das doutrinas jurídicas predominantes nos permite ter uma


linha de visada sobre estas, acerca do Direito e sua relação com a sociedade.
O posicionamento doutrinário em uma das correntes propostas para o nosso
curto, permitirá a você ter um fanal para o caminho que deverá percorrer, sempre
levando em consideração questões pertinentes à boa ética e prática do exercício
da advocacia.
A predominância em nosso ordenamento é do juspositivismo, permeados de
algumas ideias do jusnaturalismo. A importância deste conhecimento se justifica
porque o mesmo nos permite abrir novos horizontes sobre o Direito e sua relação
com Sociedade.

58
UNICESUMAR

Jusnaturalismo

Tendo o Direito uma construção histórico-social do homem, seria natural que ao


longo de sua existência, e procurando acompanhar a complexidade da natureza
humana, surgissem teorias que procurassem compreender o Direito através de
perspectivas diferentes, o que muito contribui para a ciência jurídica.
Uma das primeiras relações que o homem teve foi com a família e a partir
deste núcleo, aventura-se a conhecer o mundo e a observar que certas coisas
existem e acontece através de uma relação de causa-efeito, independente de sua
intervenção. Chove, faz sol, é noite, é dia, alguns animais aparecem mortos sem
marcas qualquer, outros parecem já nascer com certas dificuldades e assim por
diante. A observação os leva a concluir de que, independente de sua vontade, de
sua intervenção, existe leis que regulam a própria natureza e que a compreensão
destas leis, lhes permite ampliar o seu campo de conhecimento e estabelecer
novas condições para a vida em sociedade.
No entanto, o conhecimento obtido através desta relação é conhecido como
realista, em oposição à corrente chamada de idealista, que tem em Platão o seu
expoente máximo. O idealismo platônico busca construir o homem e a sociedade
a partir de um modelo ideal, mas inacessível para o homem que ainda não ascen-
deu ao conhecimento e a verdade. O realismo procura compreender o mundo a
partir da observação proveniente dos nossos sentidos e partir disto, conviver ou
transformar a realidade que os cerca. O real nem sempre é o mais conveniente,
mas é o possível.
Para Coelho, o realismo naturalista “identifica o fenômeno jurídico como ma-
nifestação da natureza e levando à busca dos fatores naturais que o condicionam,
ou seja, das causas e motivações naturais do direito” (2004, p. 123). A observação
permite ao homem conhecer o efeito, o conhecimento permite identificar as
causas e assim, compreender o todo.
No entanto, não é a observação da natureza no seu aspecto geral, sendo assim,
precisamos recorrer à filosofia geral e do direito, para quem o “Direito Natural, é
aquele que é considerado resultante da natureza dos homens e das suas relações,
independente de toda convenção ou legislação” (Lalande, 1996, p. 264). A natureza
pode oferecer o substrato, a condição material, mas é o homem e suas relações
sociais quem fornece o veículo condutor para a existência destes Direitos.

59
UNIDADE 3

Mas o homem não descobre o direito natural simplesmente pela condição de


ser homem, e sim com fundamento em uma característica que era fundamental
para o mundo grego e depois para todo o mundo ocidental, é que o homem é o
único animal dotado de razão. O conceito de razão para a filosofia nunca foi algo
fácil de explicar, principalmente a partir das teorias de Immanuel Kant.
É no mundo grego que vamos buscar o referencial deste conceito, que para os
gregos se traduzia por logos, que é a capacidade de raciocinar discursivamente, de
combinar conceitos e proposições, trazendo e revelando para o mundo, através
da linguagem, que o homem pode compartilhar as suas angústias, felicidades e
incertezas com os demais, e se fazer entender. É através do logos que o homem
grego descobre a sua capacidade de tanto construir a paz, como articular a guerra,
diferente dos animais que agem e reagem por instinto.
É com os gregos que o mundo ocidental, através do logos, da razão, poderá
afirmar que “os seres humanos desejam – nisso não diferem dos animais -, mas
são capazes de, pela razão, distinguir o bem do mal. São capazes de saber o que é
justo e o que é injusto, conforme o que seja benéfico para todos ou não” (Munõz,
2008, p. 132). A razão permite ao homem escolher entre o certo e errado, o justo
e o injusto, em conhecer tanto as causas, quanto prever os efeitos a partir de de-
terminadas condições postas pela natureza e pelo próprio homem.
Expostas estas considerações sobre a razão, nos ensina Coelho que “a versão
clássica do direito natural admite a razão como a descobridora dos direitos. Tra-
ta-se de um direito natural racionalista” (2004, p. 123). Mas não se pode confundir
lei natural e direito natural, porque “enquanto a lei natural é imutável, reportada a
seus princípios fundamentais, o direito natural se apresenta como essencialmente
flutuante e movediço” (Israël, 2009, p. 32).
Mas esta não é a única corrente que explica a origem do Direito Natural,
aquela que “reconhece uma ordem jurídica anterior ao ser humano e ao Estado,
mas decorre, não propriamente da natureza, mas de uma entidade metafísica,
como Deus, a providência divina ou alguma razão universal, como o logos dos
estóicos” (Coelho, 2004, p. 123). Este Direito não foi criado pelo homem, mas
por uma força de caráter metafísico, e que permite que os homens a conheçam
através da razão, mas também associado com a submissão à alguma força externa
ao próprio homem. A corrente que admite esta possibilidade, ou melhor, dizendo,
a esta verdade, chamamos de Direito Natural Metafísico.
Pode-se apresentar inicialmente uma aparente dicotomia entre fé-razão, pro-

60
UNICESUMAR

blema que será enfrentado por Agostinho de Hipona logo no início da medieva-
lidade, que vai afirmar a prevalência da fé sobre a razão, porque é justamente por
ter fé em Deus que o homem se utiliza da razão.
Independente da vertente de origem sobre os direitos naturais, estes se carac-
terizam por ser igual para todos, pois tanto a natureza propriamente dita, quanto
as forças de ordem metafísica colocam-se à disposição de todos independentes de
sua condição histórica, social e geográfica. É Cícero, que no Império Romano,“que
faz apologia da lei natural, que não precisa ser promulgada pelo legislador para ter
validade” (Reale, 2009, p. 311). Portanto, não se submete a uma autoridade terrena e
nem da vontade dos homens, pois ela simplesmente existiu e continuará existindo.
Lenio Streck afirma que é possível encontrar uma característica fundamental
para definir o direito natural, porque “toda ideia de direito natural professa um
conceito segundo o qual se compreende por direito tudo aquilo que, no seio do
convívio humano, acontece de acordo com uma ordem de coisas pressupostas”
(Abud; Carnio e Oliveria, 2013, p. 63). Esta ordem se refere a ordem natural das
coisas, que Aristóteles explorou na Ética a Nicômaco, Política e na Metafísica. É
uma ordem que não depende da vontade e nem se submete à vontade humana,
sendo assim, todos os homens tem este Direito.
A ideia da existência de um direito natural precisa de um suporte com relação
à ideia de natureza, e segundo Abud, Carnio e Oliveira, pode se apresentar de três
maneiras diferentes, dependendo do período histórico. No mundo grego clássico
“a ideia de natureza que comandará o conceito de direito será de ordem cosmoló-
gica” (2013, p. 64). A ordem cosmológica será está relacionada diretamente como
o mundo e a percepção que o homem tem em relação a este. Parte da concepção
predominantemente aristotélica de que o mundo é perfeitamente ordenado. Exis-
te naturalmente uma harmonia e uma ordem no cosmos, no mundo.
No mundo medieval, “essa ordem natural será remetida ao modo do ser per-
feito: Deus (2013, p.64). É um direito natural de fundamentação teológica porque
passa necessariamente pela compreensão e crença de que Deus é a criatura mais
perfeita, e a criação do mundo e do homem, esta associada a esta perfeição. A or-
dem das coisas fora estabelecida por Deus, e sendo este o seu criador, esta ordem só
pode ser perfeita. Neste sentido, Tomas de Aquino nos ensina que através da razão
o homem poderá ter conhecimento das leis de natureza, que são apenas uma pálida
ideia das leis divinas. Por ser de natureza teológica já estabelece uma barreira, pois
somente os homens que tiverem fé em Deus, poderão conhecer este direito.

61
UNIDADE 3

Com a ideias do renascimento, que recuperou parte da cultura do mundo clás-


sico, somadas a modernidade, conforme já estudado, o Direito sofre uma mudança
profunda, tendo como ponto principal, “o modo como esses dois períodos históricos
passaram a tratar de temas como a liberdade, a autonomia e a vontade, afetarão, em
toda a sua plenitude, os estudos sobre o direito natural e a justiça” (Abud; Carnio e
Oliveria, 2013, p. 65). Esta mudança se dá em função da criação de um novo sujeito, o
sujeito racional, para quem a razão poderá lhe dar autonomia suficiente para conhecer
tudo, daí a ideia da enciclopédia, empreendida por Diderot e outros. A ideia de direito
natural já não se encontra mais numa ordem estabelecida, seja pelo cosmos, seja por
Deus, mas pela capacidade que o sujeito racional tem de organizar e orientar a razão.
Corroborando com o domínio da razão por este sujeito racional, e como
forma de explicitar esta racionalidade, para não reste aos demais, a dúvida de sua
existência, temos já a partir do século XIX o movimento de codificação das leis,
do qual, o Código Civil Francês de 1804, é a expressão referencial desta raciona-
lidade. É uma obra de Napoleão Bonaparte, que delegou a tarefa a alguns de seus
homens de confiança. A razão do sujeito racional foi capaz de positivar o direito
natural. Neste sentido, não se nega sua existência, mas não se faz mais necessário
a SUS discussão e nem a invocação.
Mas essa ideia de trazer o direito natural para o campo do domínio da razão
antecede ao próprio período napoleônico, na pessoa de Hugo Grócio (1583-
1645), que empreendeu a laicizaçao do direito natural, pois “o jurista holandês
entende decorrerem da natureza humana determinados direitos. Estes, portanto,
não são criados, muito menos ortogados pelo legislador. Tais direitos são iden-
tificados pela reta razão que a eles chega, avaliando a conveniência ou a incon-
veniência dos mesmos em face da natureza razoável e sociável do ser humano”
(Ferreira Filho, 2010, p. 18).
Embora ao longo da história do direito, desde o mundo grego clássico até os
nossos dias, a ideia de direito natural nunca se constituiu numa posição de pre-
dominância e unanimidade, mas também nunca morreu. Sob este aspecto, nos
ensina Reale que “pode-se contestar-lhe a existência como um Direito distinto
do Direito Positivo, mas o que não se pode negar é o papel que a sua ideia, ainda
que ilusória, tem exercido e continua exercendo no desenvolvimento da expe-
riência jurídica” (2009, p. 312). Em alguns momentos da história ressurge como
ideia revolucionária, e em outros, como na formação dos Direitos Humanos, se
apresenta como referencial fundamental.

62
UNICESUMAR

Para Coelho, “compreendido o que seja direito natural, deve-se entender por
jusnaturalismo a ideia de que o direito positivo tem por finalidade e como limite a
realização do natural” (2004, p. 125). Neste sentido fala-se em direito positivo não
como oposição ao direito natural, mas o direito que tem como ponto de partida
e chegada a existência do primeiro direito. Se o direito natural se fundamenta na
ideia de natureza, independente de que forma esta ideia venha a ser tratada, o
direito positivo é resultado de uma construção própria da cultura humana. Su-
postamente é resultado de uma convenção humana. Um produto artificial. Uma
engenhosidade da racionalidade humana.

Juspositivismo

É um equívoco parcial falar de juspositivismo como em oposição ao jusnatura-


lismo, ou vice-versa. A finalidade tanto de um, como de outro, é sempre a busca
da justiça. Ordenar de forma natural, ou coercitiva externa a conduta humana,
para que suas ações sejam norteadas pela ideia de justiça.
Primeiramente é necessário desfazer um mal entendido que às vezes permeia
os estudos iniciais sobre o tema do juspositivismo, que é a aparente confusão
entre direito positivo e juspositivismo. Primeiramente é preciso esclarecer que
“o direito positivo pode ser definido como um conjunto de regras e normas que
rege o convívio humano num determinado contexto histórico (temporal), social
e territorial (espacial)” (Abud; Carnio e Oliveira, 2013, p. 66). Os jusnaturalistas
não se opunham ao direito positivo, desde que este tomasse como parâmetro a
sua ideia de justiça. Direito natural e direito positivo conviveram sem uma crise
aparente desde o mundo grego clássico até a medievalidade. Os jusnaturalistas
querem, entre outros, o reconhecimento de que o Direito emana de uma natureza
superior à condição humana.
Por outro lado, “o positivismo jurídico (juspositivismo) representa uma pos-
tura metodológica específica que estabelece determinados pressupostos de objeto
e método para a análise do fenômeno jurídico” (Abud; Carnio e Oliveira, 2013,
p. 67). Para o positivismo jurídico o objeto do Direito é estudar o direito posi-
tivo, as normas que se encontram positivadas e considerando a origem de sua
produção, como sendo aquela que necessariamente é produzida pelo Estado. Por
um poder organizado e necessariamente regido por leis positivas. Sendo assim,

63
UNIDADE 3

exclui considerar qualquer forma de direito que estabeleça relações diretas que
seja transcendente, ou melhor, dizendo, que esteja além do que o direito positivo
prevê. Expurga influências externa ao Direito, sobre as quais o mesmo não tem
controle ou acesso objetivo. Quanto ao método, é preciso separar o observa-
dor do sujeito observado, porque “a observação deve ser realizada de modo que
nenhum elemento ideológico, psicológico ou político influencie o observador”
(Abud; Carnio e Oliveira, 2013, p. 65). É o critério da neutralidade, neste sentido,
observador deve apenas observador o sujeito, identificar o fato com uma norma
que possa ser aplicada ao mesmo.
A ideia da neutralidade surge como forma de afastar o Direito do campo
da moral, e para isso, “o positivismo nega em princípio a existência de juízos de
valor, pois se prende exclusivamente aos fenômenos que podem ser observados.
Faz apenas juízos de constatação. Desse modo, a lei é guindada à posição de
valor único” (Venosa, 2006, p. 55). A norma tem que ser aplicada em função da
existência do fato, e não pelas circunstâncias que contribuíram ou não para a
realização do fato. Dentro da visão positivista, o cidadão baleado por um acidente
qualquer e que dirigisse o seu veículo em condições precárias até o atendimento
mais próximo e desrespeitasse qualquer lei de trânsito, deveria ser punido, pois
é o fato e não as circunstâncias que determinam a aplicação da norma. É lógico
que, com mais incidência no Direito Penal, as circunstâncias podem servir de
atenuante ou agravante, desde que esteja relacionada com o nexo causal. Mas
são casos específicos.
Para o juspositivismo a norma jurídica “não preceitua determinada conduta
por considerá-la boa, mas apenas comina uma sanção (pena ou execução) no
caso de se preferir conduta contrária à juridicamente devida” (Reale, 2011, p. 461).
A aplicação da norma não pode sofrer contágio por questões de ordem subjetiva,
pois a norma jurídica é construída a partir de uma lógica que determina ser a
coerção um fato que inibe os homens de contrariar a norma.
Conforme já estudado, no século XX uma das contribuições mais expressivas
do juspositivismo foi Hanz Kelsen, que construiu uma das mais sólidas defesas da
cientificidade do Direito, ao limitar a ciência jurídica ao conhecimento e descri-
ção das normas, afirmando que ela “seria uma ciência normativa porque conhece
normas e não porque as estatui” (Diniz, 2006, p. 126). Ao conhecer as normas
consegue identificar “condições de legalidade, de validade dos atos jurídicos, com
sua conformidade às normas que os autorizam” (Perelman, 2000, p. 92).

64
UNICESUMAR

Mas para construir a sua teoria o jusfilósofo austríaco terá que enfrentar,
como outros também o fizeram, a oposição dos jusnaturalistas que, conforme
já exposto, davam ao Direito Natural uma condição de existência metafísica,
ainda que fosse o jusnaturalismo racionalista dos iluministas. Mas as críticas ao
jusnaturalismo não são novas, pois Thomas Hobbes, principalmente no Levia-
tã já apontava os inconvenientes desta teoria, principalmente, quando afirma
que no estado de natureza, que era o estado que antecedia o Contrato Poítico,
o que prevalecia eram as leis de natureza e o direito de natureza, e segundo o
filósofo inglês, aonde todo direito é possível, não existe direito. É lógico que este
problema seria resolvido, quando o soberano absoluto criasse as leis positivas,
para ordenar e estabelecer o governo civil.
É numa posição semelhante que se estabelece a obra de Hanz Kelsen, de forma
mais enfática a sua Teoria Pura do Direito, é preciso compreender que, “o posi-
tivismo jurídico de Kelsen questiona a pretensão teleológica do jusnaturalismo
de estabelecer o que é certo e o que é errado, fornecendo uma solução definitiva
para o problema da justiça” (Tagliavini, 2008, p. 37). Não se pode negar que além
de pretensões de ordem jurídica, existe uma preocupação didático-pedagógica
positivista na obra de Hanz Kelsen, procurando demonstrar que a ciência deve
se preocupar em demonstrar e estudar de forma sistemática, o que se encontra
no campo da realidade possível. No entanto, ao contrário do que possa parecer,
Hanz Kelsen não nega que existem outras áreas do conhecimento que podem
e devem ter preocupações com a questão da justiça e da injustiça, do certo e do
errado, do bom e do mal, apenas que está não deve ser a preocupação do Direito,
se quer se fazer como ciência.
Ainda que críticas possam ser feitas a obra de Hanz Kelsen, notadamente àqueles
que se opõem à prevalência do juspositivismo, é preciso reconhecer que não existe
contradição na construção de sua obra, pois a sua postura metodológica é sempre a
mesma, assim como as suas pretensões: estudar o Direito enquanto ciência.
Para Hanz Kelsen o fato de uma norma ter legalidade não significa que ela
tenha legitimidade, quer dizer apenas que tem legalidade porque é válida, pois
“a validade normativa é pura racionalidade normativa e não se confunde com
valores como legitimidade. Kelsen referia-se à validade normativa e não a valores
morais ou políticos” (Rocha, 2013, p. 150). É sob esta visão que quando residiu
nos Estados Unidos, país que o acolheu quando perseguido pelos nazistas, ao ser
perguntado se o sistema nazista era legal, respondeu que sim.

65
UNIDADE 3

A Teoria Pura do Direito de Hanz Kelsen é uma obra fundamental para a


compreensão do direito moderno, mesmo para aqueles que não concordam com
vertente do juspositivismo, pela estrutura lógica da mesma e da forma convin-
cente que ele expõe e defende as suas ideias, não de forma apaixonada, mas sim
científica. E no decorrer da história a sua obra acabou sendo referência também,
na defesa da legalidade e validade de leis aplicadas em regimes autoritários, “não
que Kelsen tenha feito uma obra voltada para sistemas autoritários, mas o fato é
que, nesta ânsia de tornar o Direito uma ciência, ele escolhe um método que aca-
ba sendo usado por governos autoritários” (Rocha, 2013, p. 149). Não podemos
nos esquecer que ele foi vítima de um sistema autoritário, mas a sua profissão de
cientista não lhe permitiu confundir ciência jurídica com sentimentos e paixões.
Dentro desta perspectiva juspositivista kelsiana, quem absolve ou condena
não é o juiz, mas sim a lei. No entanto, existem casos em que a simples aplicação
da lei gera a absolvição e em outros, é preciso que o juiz conduza a identificação
do fato para então aplicar a lei. Para compreender melhor a teoria exposta, a
forma mais didática é abordar dois exemplos.
O primeiro exemplo é aquele que se refere ao caso “do doente mental, do
incapacitado e do menor de idade, não é o juiz que absolve e sim a própria lei.
Nessa visão kelsiniana, o juiz não tem função de absolver, porque isso é função
da lei” (Rocha, 2013, p. 151). As condições para a absolvição são estabelecidas
pela própria lei e a sua aplicação é imediata, sem a necessidade de passar por
um tribunal do júri.
O segundo exemplo é caso “da legítima defesa, a lei também absolve, mas os
operadores do Direito devem avaliar o caso, ou seja, deve provar que realmente
foi legítima defesa” (Rocha, 2013, p. 151). No primeiro caso a análise é evidente,
resta apenas aplicar a lei. Já no segundo caso, será exigido do juiz o cumprimento
de outras formalidades previstas pela norma jurídica, para que, com fundamento
na lei, o réu possa ser absolvido, mas não porque o juiz o quer, e sim porque a
lei determina.
Thomas Hobbes, considerado como um dos precursores do juspositivismo,
porque defende de forma enfática, entre outros pressupostos, de que no governo
civil o que deve prevalecer necessariamente é a lei positiva criada pelo soberano,
já afirmava na obra Leviatã, de que era a “autoridade, não a sabedoria, faz a lei”.
A autoridade não se constitui numa relação com poderes metafísicos, mas de
uma determinação legal do soberano, sendo assim, a função desta autoridade

66
UNICESUMAR

é apenas aplicar lei, mas não precisa fazê-lo com sabedoria e nem com juízo de
valor, pois a lei já valorou o que era necessário.
Estas posições do juspositivismo acabaram por desenvolver, principal-
mente nos Cursos de Direito, um fetichismo pela lei. O importante é estudar
e compreender o que está na lei. A lei é a expressão máxima das necessidades
do homem, para que possa viver em sociedade.
Como forma de reação a esta limitação da ciência jurídica ao simples
estudo da norma, insurgem vozes que nos permite ao menos iniciar uma re-
flexão sobre o papel do Direito. Com relação ao fetichismo da lei, como bem
expressa os exemplos citados anteriormente, para uma análise das teorias de
Hanz Kelsen, pode-se afirmar que “o positivismo jurídico (juspositivismo)
vai além da ideia de lei como expressão da vontade geral, para objetivar na
própria lei a vontade. A lei não é a expressão da vontade de alguém, ela ex-
pressa sua própria vontade. Ou, em outras palavras, invertendo-se a ordem
dos fatores, quem obedece à lei não obedece a ninguém” (Mesquita, 2008, p.
79). A lei passa a ter vida e sua vontade (enquanto texto) supera a própria
condição humana de usar a razão, no sentido racionalista do iluminismo, mas
naqueles moldes advindos do mundo grego, de forma mais específica, aquela
que conduz a construção da obra aristotélica.
Ainda segundo nos ensina Mesquita, “para essa doutrina, a lei é um co-
mando, mas um comando despsicologizado, ou seja, objetivado. Não há na
lei, nenhum ato de vontade, nenhuma relação entre pessoas” (2008, p. 81).
Duralex, sed Lex. Dura é a lei, mas é lei. Sendo assim, o juiz é apenas um ins-
trumento que aplica a lei, e não mais um ser pensante, e que deveria articular
a lei com as necessidades da sociedade. É lógico que aqui também se encontra
outra preocupação do juspositivismo, que é o de afastar a possibilidade que
o juiz seja autônomo e possa como realmente acontece, principalmente no
Brasil, ser o juiz mais importante do que a própria lei.
Dentro desta perspectiva juspositivista nos parece que prevalece a ideia
hobessiana sobre a precariedade da natureza humana, que acaba sendo do-
minada pelas paixões e não pela razão, em contraposição a visão aristotélica
do homem, para quem, através da educação, poderia ser um homem virtuoso
e um cidadão da pólis.
Neste mesmo sentido, já não se espera mais do intérprete da lei, que o
mesmo realize a sua tarefa tendo como fundamento o dever moral, utilizando

67
UNIDADE 3

ética para estabelecer críticas sobre a própria moral. Nem mesmo por parte
do cidadão se espera essa noção de dever moral. Neste sentido, nos ensina
Mascaro que “na Teoria Pura do Direito, Kelsen não abre margem a conside-
rar o dever como valor moral. Em sua perspectiva teórica, o dever é só um
instituto técnico extraído da norma jurídica” (2013, p. 108). Nesta perspectiva
suprime-se o homem, enaltece-se a norma. A criatura superou o criador.
Ao longo deste período histórico surgem algumas correntes dentro juspo-
sitivistas, ao qual Mascaro (2013) classifica em juspositivismo eclético, cujo
representante mais expressivo é Rudof Von Ihering; o juspositivismo estrito,
representado por Hanz Kelsen e o juspositivismo ético, representado por Jür-
gen Habermas, que é o “propositor de uma reflexão sobre o direito a partir de
princípios éticos extraídos do consenso social” (2013, p. 59).
Embora, inicialmente este tenha se apresentado como uma possibilidade
de enfrentamento ao juspositivismo, isso acabou por não acontecer, porque
“embora tratem de questões éticas no direito, essa corrente de pensadores,
que se afastou do juspositivismo estrito, ainda é juspositivista, na medida em
que enxerga exatamente nas mesmas estruturas jurídicas contemporâneas os
valores a serem construídos e preservados socialmente” (Mascaro, 2013, p. 59).
Ou seja, não desejam uma ruptura com as estruturas capitalistas já assentadas
a partir da Revolução Francesa, e sim, criar uma espécie de maquiagem para
refazer as faces negativas do juspositivismo.
Finalizando, o juspositivismo se apresentou como uma alternativa importan-
te, num momento histórico e que a humanidade parecia estar sem um referencial
seguro para a condução de seu destino. O problema é que houve uma acomo-
dação e não foi possível sopesar, em momentos mais recentes, a relação custo-
-benefício em termos de construção social e vislumbrar ao Direito, a retomada
importante de sua existência, além do campo de aplicação da norma.
Quanto a Hanz Kelsen, de forma geral, é o autor mais utilizado como
referência para a crítica do juspositivismo, justamente pela densidade de sua
obra e por exigir, um enfrentamento ponto a ponto de suas teorias, no sentido
de que, o bom combate só pode ser travado com um bom opositor comba-
tente. Hanz Kelsen nos oferece esta possibilidade. Desconstruir a sua obra e
relegar a sua importância, não é tarefa fácil e quiça, possível de ser realizada
com argumentos superficiais.

68
UNICESUMAR

Historicismo Jurídico

A Idade Média, de predominância do jusnaturalismo metafísico, não con-


seguiu conter o ímpeto das monarquias absolutistas que começam a surgir
na Europa, aproximadamente a partir do século XIII, com ênfase maior no
século XVII e XVIII. Mas o jusracionalismo, ou seja, o jusnaturalismo de ver-
tente racionalista, também não conseguiu conter o ímpeto da predominância
do poder dos governantes sobre os interesses de ordem coletiva, também não
se apresentou como uma alternativa de sucesso.
Segundo Wieacker é “precisamente a partir do sentimento desta deca-
dência e desta falta de objetivos que surge na Alemanha o colapso do jusna-
turalismo iluminista, justamente no momento em que o sentido cívico e a
renovação cultural se juntaram na ofensiva contra a legislação mecanicista
do Estado autoritário” (1967, p. 398). É muito difícil conceber que o Direito
também não seja fruto de uma construção histórica, influenciado por conten-
tamentos ou descontentamentos historicamente determinados, e mesmo de
forma objetiva. Aliás, é de fácil constatação que é nos momentos de maiores
crises da sociedade que o Direito consegue dar um salto significativo, como
por exemplo, a questão dos Direitos Humanos, pós Segunda Guerra Mundial.
Destaca Wieacker (1967) é preciso reconhecer que, apesar de acarretar
sérios problemas, próprios de seu tempo, o racionalismo iluminista também
contribuiu para diminuir os desmandos realizados em nome da religião,
com as torturas e os castigos corporais e outras barbaridades, reminiscências
da medievalidade, aperfeiçoadas pela racionalidade. Antes, os governantes
sabiam que a tortura causava dor, com o avanço da ciência eles sabem que
além da dor, ela destrói o âmago do indivíduo, destituindo a sua personali-
dade de ser humano. Sabem algo mais, mas este saber lhe é útil, pois acentua
nas pessoas o medo, que é característica fundamental do Estado hobesiano.
Mas qual a inovação do pensamento desta Escola? Segundo nos ensi-
na Wieacker “a ciência jurídica positiva da Escola Histórica define-se como
histórica; ela propõe-se, assim, a exploração da dimensão histórica do di-
reito” (1967, p. 403). Na verdade mudou-se apenas o referencial positivista,
substituiu a razão pura de Kant, pela observação e procura da racionalidade
histórica, com ênfase na história e cultura de um povo.

69
UNIDADE 3

No entanto, não se trata de meramente buscar na história referenciais para


compreender e construir este novo Direito, é um processo um pouco mais com-
plexo, a forma de construir este pensamento foi que “a Escola Histórica do direito
descobriu na historicidade do direito a historicidade do próprio povo. Ela viu
mesmo no direito, primeiro implicitamente depois expressamente, uma mani-
festação do espírito do povo” (Wieacker, 1967, p. 407). O espírito do povo, termo
presente inicialmente na obra filosófica de Hegel, traz a ideia de um homem
universal, mas que mantém o seu vínculo como um homem natural e sendo
assim, nasce, floresce, adquiri poder, decai e finalmente morre, estabelecendo um
movimento dialético para a sua existência.
Mas acaba também por despertar na Europa um movimento em direção à
construção de um nacionalismo, do “advento da consciência nacional da Europa
Central e que sugeria precisamente que os povos e as suas culturas nacionais fos-
sem encarados como executores da missão da história universal” (Wieacker, 1967,
p. 408). Esta ideia será lamentavelmente recuperada e reconstruída por Hitler
para justificar a necessidade da ascensão do povo alemão e da guerra como única
alternativa para restabelecer os rumos da história do povo germânico. Estabelece
a ideia de que a relação entre o dever ser e o ser, tem um vínculo não apenas
com o direito e a moral, mas também com a história. Esse nacionalismo será
determinante para que o eurocentrismo seja reforçado, porque coloca a Europa
como o grande motor da história e missão desse sujeito universal, mas natural, é
o de resgatar o espírito do povo que construiu e deve continuar construindo esta
história. É agora uma responsabilidade moral, mas não com o próprio homem,
que é individual, mas com a história, que é universal.
Ensina-nos Montoro que “a Escola Histórica, cujo principal figura foi Savigny,
combateu o fetichismo da lei escrita das codificações, analisando amplamente os
aspectos mais profundos da formação do direito pela alma do povo ou espírito
nacional” (2005, p. 615). Neste sentido, o direito não pode ficar reduzido a mera
técnica de produção legislativa e tão de executores da lei, que reconhecem na
norma a expressão finalista do direito. Esta Escola quer construir a ideia de que “o
direito vivo, profundo, real, é o costume jurídico, formado pelo instinto acertado
da alma coletiva, orgânica e intrinsecamente, tal como ocorre com a língua do
povo” (Montoro, 2005, p. 615).

70
UNICESUMAR

É o costume jurídico, criado pelas próprias relações sociais específicas de um


povo, que realmente representam a vontade coletiva, porque se relaciona de forma
intrínseca com a própria identidade deste povo, e demonstra qual o direito que
se quer construir e se quer ter.
Mas o que é o costume jurídico? Para Betioli, o costume jurídico “é a repetição
habitual de um comportamento com a convicção da sua obrigatoriedade. Eles se
vinculam com o poder social, que vem a ser o poder decisório anônimo do povo
e inerente à vida coletiva” (2011, p. 161). O costume jurídico surge como resul-
tado de uma vontade social e não da suposta vontade geral do legislador e nem
da exigência da técnica legislativa para elaboração da norma. Surge como uma
espécie de pacto social, que se constrói necessariamente, através de um determi-
nado período histórico. Este costume jurídico é resultado da própria articulação
social para procurar resolver os seus conflitos, de acordo com as suas próprias
relações culturais.
No entanto, isso não significa que Savigny tinha a intenção de menosprezar
ou ainda, lutar contra a existência do Estado, como vai defender no século XIX
e XX algumas teorias consideradas revolucionárias, como por exemplo, os anar-
quistas, contudo, “o autor rejeita a ideia de que o direito estatal seja a única forma
de manifestar a identidade política e jurídica de uma nação. Uma fonte muito
importante do direito são as formas de organização política e social, presentes na
tradição nacional. Cada povo possui seu espírito, que cria uma cultura nacional”
(Dimoulis, 2007, p. 29).
Mas Savigny não era totalmente contrário a codificação que predominava na
Europa, seguindo o modelo Francês criado por Napoleão e seus seguidores, pois
afirmava que “a Alemanha não formava ainda uma nação e que, assim sendo, lhe
faltava maturidade para realizar a obra codificadora. A codificação só lhe parecia
admissível nos momentos culminantes de um processo jurídico, e não no início
da formação política de uma nacionalidade” (Reale, 2011, p. 423). Conforme já
exposto, a Escola Histórica não se oferecia como oposição ao juspositivismo, mas
apenas queria mudar o foco inicial da origem do Direito, pois no entendimento
de Savigny, o legislador ainda não poderia representar a vontade geral, de um
povo que não tinha construído uma identidade nacional. O momento apenas
não era adequado.

71
UNIDADE 3

Reale (2011), Wieacker (1967) e outros estudiosos reconhecem em Savig-


ny um historicista romântico, querendo resgatar de forma romântica, o direito
romano, para adequá-lo ao seu tempo histórico. A predominância do Direito
Romano na Alemanha já não era novidade no tempo de Savigny, pois confor-
me nos ensina Reale, “a Alemanha só veio a possuir um Código Civil no findar
do século passado (séc. XIX), sendo, antes, toda a sua vida jurídica disciplinada
pelo chamado Direito Romano comum” (Reale, 2011, p. 424). Neste momento
histórico vivido por Savigny a tendência na Europa era o de se afastar do Direito
Romano, procurando construir um Direito que atendesse às exigências da mo-
dernidade, neste aspecto, o Código Civil Francês representava muito bem este
espírito de uma modernidade, que exaltava a racionalidade científica e procura
criar padrões de comportamento que deveriam ser comuns.
Mas a tentativa de se opor ao legalismo legislativo e, portanto, meramente
estatal, não fora bem sucedido, porque “o romanismo, o apego ao Direito Romano,
iria aos poucos, levar os próprios adeptos da Escola Histórica a assumir uma ati-
tude dogmática normativista. Não mais, porém, uma compreensão normativista
em termos de lei racional e abstrata, mas posta em termos de lei consagradora dos
costumes” (Reale, 2011, p. 425). Mudou-se apenas o texto de referência, porque o
método continuou a ser o mesmo.
Como é característica da própria modernidade, uma coisa são as questões
de ordem ideológica e outras, aquelas que faz os homens no seu dia-a-dia, não
será diferente na vida de Savigny, conforme nos ensina Dimoulis ao observar
que “lendo sua obra, percebemos, porém, que o autor não se interessava muito
pelo verdadeiro direito do povo. Como jurista e como membro da classe do-
minante, afirmava que a essência do direito alemão é a garantia da propriedade
privada e a liberdade dos indivíduos sem muitas interferências estatais” (2007,
p. 30). Estas são as características que fundamentam o próprio capitalismo e a
sociedade que o constitui.
Finalizando, foi um momento importante na história do Direito pois resga-
tou a importância da jurisprudência que se fundamentava nos costumes, mas
não rompeu com as características que fundamentam o juspositivismo que se
fundamentava apenas na leitura a aplicação dos textos legais, mudou apenas a
origem do texto, e passou a ser um “historicismo meramente lógico-dogmático”
(Reale, 2011, p. 425).

72
UNICESUMAR

Sociologismo Jurídico

Para Reale “o sociologismo jurídico traduz uma exacerbação ou exagero da socio-


logia jurídica” (2011, p. 434), e procura explicar o direito quase que predominante-
mente sob a perspectiva do fato social, como se fosse possível negar que todo fenô-
meno jurídico não tivesse “uma condicionalidade histórico-social” (2011, p. 434).
O sociologismo jurídico quer dar uma importância maior do que aquela
que, por natureza do próprio direito, já o teria, mas reservando a cada ciência,
a saber, a ciência jurídica e a sociologia jurídica espaços próprios do seu saber.
Neste sentido, nos esclarece Reale que Sociologia Jurídica se desenvolve “como
estudo da conduta jurídica, enquanto conduta social, ao passo que a Ciência do
Direito não pode deixar de ser ciência normativa, com a finalidade prática de
aferir e garantir as formas de relacionamento social, sob o prisma de sua licitude
ou ilicitude” (Reale, 2009, p. 330).
A sociologia jurídica é recente e data nos fins do século XIX o seu surgimento,
inclusive procurando dar um enfoque maior aos aspectos sociológicos do que ao
próprio Direito, neste sentido, “deve-se mesmo dizer que alguns juristas foram
além do razoável, pretendendo converter a Ciência do Direito em mero capítulo
da Sociologia Jurídica” (Reale, 2009, p. 329), o que terminou por gerar uma crise
entre as duas ciências.
Para Reale “a Sociologia Jurídica nos mostra como os homens se comportam,
efetivamente, em confronto com as regras de direito” (2009, p. 329), como por
exemplo, porque nas regiões aonde o crime organizado existe, parece ter uma
crença maior da população na eficácia das supostas normas estabelecidas pelo
crime, do que aquelas que são emanadas pelo Estado, que não realidade, não se
constitui apenas pelo medo da violência que caracteriza o crime organizado, mas
em vários casos, porque o crime organizado acaba assumindo o papel do Estado
na maioria dos momentos da vida social destas regiões.
Por outro lado, a “Jurisprudência ou Ciência do Direito nos mostra como os
homens devem se comportar, em tais ou quais circunstâncias disciplinadas por
aquelas regras” (Reale, 2009, p. 329). No caso destes espaços ocupados pelo cri-
me organizado, a Ciência do Direito dirá que, com fundamento na norma, estas
pessoas que acobertam estes criminosos agem de forma ilícita, sem questionar as
condições sociais em que vivem e nem mesmo, entrando no detalhe da questão
da existência precária do Estado.

73
UNIDADE 3

Uma das primeiras obras a tratar deste assunto, foi a obra de Eugen Ehrlich (1862-
1922) que “destaca a origem social e não estatal do direito. Há um direito vivo criado,
aplicado e transformado pelo povo. O direito vivo não se manifesta nos códigos e
nem nos tribunais. Encontram-se nos costumes que são seguidos pelas pessoas nas
suas relações sociais” (Dimoulis, 2007, p. 31). Neste sentido, o direito não só nasce das
relações sociais, como ali também encontra a força necessária para o seu reconheci-
mento. Com esta linha de visão,“o centro de gravidade do desenvolvimento jurídico
não radica nem na legislação, nem na ciência jurídica, nem na decisão judicial, mas
na própria sociedade humana” (Coelho, 2004, p. 340). Eis um dos fundamentos para
Reale (2011) afirmar que a sociologia jurídica tinha a pretensão de colocar a ciência
jurídica como um dos apêndices de sua ciência.
O Direito vivo assume a característica de um Direito autônomo, porque é ele
“que evolui, e nem toma conhecimento do estatal. Este último está sempre em atra-
so, e é imponente ante o direito vivo, submetendo-se a ele” (Diniz, 2007, p. 67). Esta
autonomia do Direito vivo faz com que o Direito estatal seja um mero detalhe, que
passa a existir dentro de uma contingência que nem sempre expressa e acompanha
a realidade. A dinâmica da sociedade e de suas relações sociais acaba por absorver o
Direito estatal e estabelece novos parâmetros para a atuação do juiz, que “em caso de
lacuna ou incompletude do direito estatal, deve sujeitar-se ao direito vivo, alcançando
assim a plenitude da ordenação jurídica” (Diniz, 2007, p. 67).

74
UNICESUMAR

Mas esta não é uma característica apenas da obra de Ehrlich, e neste sentido é
que segundo Reale a sociologia jurídica ultrapassou os limites, porque de forma
geral, “os sociologistas do Direito, in genere, levam muito longe a natureza mera-
mente indicativa dos preceitos legais, chegando ao extremo de dizer que o juiz deve
ser posto em face de um fato econômico-social com a liberdade de discipliná-lo
cientificamente, ficando-lhe assegurada a faculdade de criar a norma jurídica exi-
gida pelo caso concreto, desde que forrado de conhecimentos sociológicos” (2011,
p. 437). É o juiz-legislador que com fundamento em fundamentos sociológicos
pode legislar de modo a resolver o conflito, deixando de lado as normas estatais,
fato este que exigiria apenas uma justificação de ordem sociológica. Dentro desta
perspectiva, a construção do ordenamento jurídico seria realizada de acordo com
a dinâmica dos problemas sociais, que deveriam ser interpretados pelo juiz.
Esta supremacia do direito vivo sobre o direito estatal incomodava a visão
tradicional do Direito, que originariamente era de matriz positivista e monista,
ou seja, reconhecida como Direito, somente o Direito emanado pelo Estado, no
entanto, “Ehrlich opõe o direito vivo ao direito do Estado. Esse direito é espon-
tâneo e dinâmico, pois maleável. É direito concreto, cuja eficácia é real, já que se
apoia sobre a ação das associações e porque dispõe de suas próprias sanções”
(Coelho, 2004, p. 341).
O trabalho de Ehrlich busca o conceito de ciência em Auguste Comte, para
afirmar que “a verdadeira ciência do Direito é a Sociologia Jurídica, investigação
dos fatos sociais nos quais o fenômeno jurídico se assenta, sem, por isso, pensar
imediatamente em uma aplicação prática, pelos tribunais, de seus resultados”
(Coelho, 2004, p. 340).
Mas a obra de Ehrlich não foi a única a levantar polêmicas e apresentar alter-
nativas para a superação do juspositivismo. Outro autor importante é Léon Du-
guit (1859-1928) que introduz um novo conceito da sociologia jurídica, embora
este já estivesse presente na obra de sociólogos como Émile Durkheim. Ensina-
-nos Reale que “ninguém mais do que ele contribui para convencer os juristas de
França de que o Direito é uma força social, e que o princípio da socialidade do
Direito deve ser levado em conta tanto pelo legislador como pelo intérprete da
lei” (2011, p. 439-440). Refuta a ideia de Durkheim da existência de uma cons-
ciência coletiva, por entende ser esta é de ordem metafísica, para substituir pela
solidariedade, que no seu entendimento, parece ser mais evidente e eficaz para
compreender a coesão ou dissolução da sociedade.

75
UNIDADE 3

Para Duguit a compreensão do fenômeno social a partir da solidariedade


também não escapa a questão da coerção, mas agora, não mais por parte do Es-
tado, mas do próprio grupo social, e explica que “o fenômeno da solidariedade
tem como elemento complementar um estado de vigilância da sociedade, zelando
pela própria sobrevivência. Os atos do indivíduo devem realizar e aumentar a
solidariedade. Quando a ferem, a sociedade reage” (Reale, 2011, p. 443). A reação
da sociedade é a coerção exercida pela mesma, quando o indivíduo rompe ou não
realiza, um dos princípios que fortalecem a própria sociedade. O que Léon Duguit
pretende é encontrar uma forma de combater ou minimizar os efeitos de uma
sociedade moderna, que já se desponta como individualista e pouco propensa a
tratar de questões de ordem coletiva.
Mas qual seria a função e concepção do Direito para Léon Duguit? Di-
ferente de Kelsen, Léon Duguit prefere depositar sob a responsabilidade do
povo o reconhecimento do próprio Direito, neste sentido, “o Direito vale, o
Direito obriga, porque o povo tácita ou expressamente concorda com as nor-
mas vigentes; porque, em última análise, possui eficácia” (Reale, 2011, p. 447).
O Direito surge a partir do reconhecimento da utilidade da norma para a
sociedade, tal qual no Brasil, dizemos, de forma até desprezível, que existem
leis que pegam e leis que não pegam, argumento que certamente Hanz Kelsen
acharia absurdo, pois a existência de uma lei não depende da vontade subje-
tiva do povo, mas sim da sua validade.
O campo do Direito enquanto norma produzida pelo Estado seria muito
reduzido, sendo assim, “o Direito seria, portanto, aquele grupo de regras que, por
dizerem respeito à própria subsistência da sociedade, estão, dotadas de reação
organizada e coercitiva, que as distingue de maneira excepcional” (Reale, 2011,
p. 448). No entanto, diferente de outros teóricos, este direito não se caracteriza
pela coerção estatal, mas por um reconhecimento da própria sociedade, que tem a
percepção que sem algumas condições de solidariedade, não é possível ao homem
viver em sociedade, como consequência, “uma norma é jurídica antes de receber
a sanção do legislador, porquanto se impõe a este pela força mesma das coisas,
quando a massa dos homens compreende que ela é necessária à solidariedade,
e é justo que seja sancionada” (Reale, 2011, p. 2011). É a eficácia da norma junto
a sociedade, quem determina a sua juridicidade e o legislador apenas referenda
aquilo que a sociedade entende ser o constitutivo da solidariedade que os une.

76
UNICESUMAR

Portanto, é possível inferir que em Léon Duguit temos uma “concepção de


Direito baseada exclusivamente na ideia de que a eficácia social é o elemento
fundamental e que o Direito deve ser a expressão natural de comportamentos
efetivos do povo” (Reale, 2011, p. 448).
Finalizando, diante do exposto pelas principais correntes, e outras ainda have-
riam de serem expostas, é possível inferir que o Direito e todas as circunstâncias
que o envolvem, ainda não encontrou uma doutrina, teoria e um jusfilósofos
que pudesse nos apresentar uma perspectiva que representasse o posicionamen-
to de uma maioria dominante. No entanto, nem deveríamos esperar que isso
acontecesse, uma vez que o Direito esta sempre em construção e conforme nos
ensina Norbeto Bobbio, na obra a Era dos Direitos, a cada direito conquistado
caminhamos sempre em direção a outro direito, e ainda que não seja da forma
como Léon Duguit quer nos ensinar, a sociedade e suas relações sociais continua
a construir o seu próprio Direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada uma destas correntes traz junto de si uma bagagem histórica e ao mesmo
tempo, uma visão diferente sobre o Direito.
Sendo assim, diante do exposto pelas principais correntes, e outras ainda
haveriam de serem expostas, é possível inferir que o Direito e todas as circunstân-
cias que o envolvem, ainda não encontrou uma doutrina, teoria e um jusfilósofos
que pudesse nos apresentar uma perspectiva que representasse o posicionamen-
to de uma maioria dominante. No entanto, nem deveríamos esperar que isso
acontecesse, uma vez que o Direito esta sempre em construção e conforme nos
ensina Norbeto Bobbio, na obra a Era dos Direitos, a cada direito conquistado
caminhamos sempre em direção a outro direito, e ainda que não seja da forma
como Léon Duguit quer nos ensinar, a sociedade e suas relações sociais continua
a construir o seu próprio Direito.

77
1. Explicar sobre quais argumentos se desenvolve a ideia de jusnaturalismo e sua
relação com os direitos humanos.

2. Apresentar as linhas gerais do pensamento do principal expoente da corrente do


historicismo jurídico.

3. Explicar qual o posicionamento do Professor Miguel Reale sobre a corrente do


sociologismo jurídico.

4. Dissertar sobre as principais características que constituem o positivismo jurídico.

78
4
Normativismo e
Teorias Jurídicas
Contemporâneas
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender e compreender o que é, e a importância do normati-


vismo e positivismo jurídico.
• Aprender duas das principais correntes das Teorias Jurídicas.
UNIDADE 4

Como em nosso ordenamento o que prevalece é o positivismo jurídico ou juspo-


sitivismo, o conhecimento sobre o normativismo e as teorias jurídicas contem-
porâneas torna-se mais necessário do que em outros casos.
É indiscutível que a corrente predominante em nosso ordenamento jurídico,
no ensino do Direito, e nas demais áreas aonde o Direito é disciplina imprescin-
dível, é o juspositivimo, ou como positivismo jurídico.
É também inevitável que se vamos estudar o normativismo jurídico como
expressão máxima do juspositivismo, o nosso ponto de partida e também de
algumas chegadas seja Hanz Kelsen. Não mais no sentido de procurar fazer uma
desconstrução de sua teoria, até porque, seria uma tarefa hercúlea, mas com o
telos de compreender o normativismo. Fica aqui esclarecido que o nosso refe-
rencial teórico será inicialmente a obra Teoria Geral do Direito e do Estado, e
Teoria Pura do Direito. Hanz Kelsen desenvolveu o que ficou conhecido como
normativismo lógico-jurídico.
É fundamental o conhecimento deste conteúdo para melhor compreender o
nosso próprio ordenamento jurídico, assim como, compreender a norma jurídica
sobre todos os seus aspectos técnicos.

80
UNICESUMAR

Normativismo e positivismo jurídico

É indiscutível que a corrente predominante em nosso ordenamento jurídico, no


ensino do Direito, e nas demais áreas aonde o Direito é disciplina imprescindível,
é o juspositivimo, ou como positivismo jurídico.
É também inevitável que se vamos estudar o normativismo jurídico como
expressão máxima do juspositivismo, o nosso ponto de partida e também de
algumas chegadas seja Hanz Kelsen. Não mais no sentido de procurar fazer uma
desconstrução de sua teoria, até porque, seria uma tarefa hercúlea, mas com o
telos de compreender o normativismo. Fica aqui esclarecido que o nosso refe-
rencial teórico será inicialmente a obra Teoria Geral do Direito e do Estado, e
Teoria Pura do Direito. Hanz Kelsen desenvolveu o que ficou conhecido como
normativismo lógico-jurídico.
Hanz Kelsen inicia sua obra, como todo bom positivista, delimitando o assunto
a ser tratado, o método e o objeto. Quer estudar o Direito, mas afirma que o Direito
só pode ser estudado como ciência enquanto direito positivo, quanto ao método,
será o positivismo no seu mais estrito conceito. Esclarece na abertura da obra Teoria
Pura do Direito, que se trata de uma “teoria geral do Direito, não interpretação de
particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma
teoria da interpretação” (Kelsen, 1994, p. 1). Deixa claro o caráter científico de sua
obra, pois pretende ser universal, como o é todo conhecimento científico, e com o
conhecimento de uma teoria da interpretação, a partir da norma, isso torna possível
a aplicação de sua obra em qualquer ordenamento jurídico.
É o próprio Hanz Kelsen quem nos esclarece sobre o porquê de uma Teoria
Pura do Direito, pois “pretende-se com isso que ela esta sendo conservada livre
de elementos estranhos ao método específico de uma ciência cujo único propó-
sito é a cognição do Direito e não sua formação” (Kelsen, 2005, p. XXVIII). Para
que o Direito seja estudado é preciso afastar-se de fatores externos a ele, como a
psicologia, a sociologia, e de certa forma, as teorias filosóficas que trabalham com
o idealismo, além de outras áreas do conhecimento, neste sentido, “são as normas
jurídica o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que
é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou conseqüência” (Kelsen,
1994, p. 79). Portanto, uma conduta humana que não seja prevista uma norma
jurídica, não está no escopo de pesquisa da ciência jurídica, sendo esta inclusive,
uma das críticas de Hanz Kelsen contra o sociologismo jurídico.

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UNIDADE 4

Ensina-nos Mascaro que para Hanz Kelsen “o direito só pode ser compreendido
cientificamente a partir de uma especificidade que é normativa, do campo do dever
ser. O Direito não é analisado pelo campo de sua manifestação concreta, como ser”
(2012, p. 342). Hanz Kelsen é considerado um kantiano, e busca em Immanuel Kant
o conceito do imperativo categórico do dever ser, que de forma sintética, é aquilo
que necessariamente tem que ser assim e não pode ser de outra maneira.
Diante do exposto, e completando reflexões já estudadas anteriormente, prin-
cipalmente quando foi abordado o tema ciência e direito, a “ciência do direito,
portanto, trabalha com um método normativo e há de se debruçar sobre um
objeto normativo, fazendo uma redução do todo da realidade jurídica aos limites
do normativo estatal, residindo aí sua pureza” (Mascaro, 2012, p. 343).
Com intenção de abrir caminho para a construção de sua teoria normativista,
é preciso tomar como ponto de partida, e também de chegada, que o Direito é
“uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que
regulam o comportamento humano” (Kelsen, 1994, p. 5). Sendo o Direito uma
ordem normativa, o que deseja Hanz Kelsen é estudar a norma, daí a necessidade
de construir uma teoria normativista, mas não como norma isolada e individual,
e sim, a norma inserida dentro de uma ordem jurídica.
Reconhece Hanz Kelsen a existência da ordem social que é “ordem normativa
que regula a conduta humana na medida em que está em relação com outras é
uma ordem social” (Kelsen, 1994, p. 25). E está ordem social pode ou não prever
sanções para aqueles que contrariem a conduta estabelecida. No entanto, uma
ordem social não possui uma unidade normativa, porque diversos grupos sociais
que compõem um Estado podem, e normalmente tem, estabelecimento de con-
dutas diferentes, como por exemplo, a existência de religiões que são mais liberais
para o uso determinadas roupas, e outras que são menos liberais.
O mesmo não pode acontecer com uma ordem jurídica, primeiramente por-
que “uma ordem é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de
todas elas terem o mesmo fundamento de validade” (Kelsen, 1994, p. 33) e para
completar, “as normas de ordem jurídica regulam a conduta humana” (Kelsen,
1994, p. 33) como um dever ser no sentido de que determina comportamentos,
o que é diferente de esperar um comportamento de alguém. Determinar quer
dizer que não se espera outra coisa, senão cumprir o que fora determinado, não
restando campo de incerteza. Quando se diz que esperamos determinado com-
portamento, já se parte do pressuposto que ela pode não existir, porque esperar

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UNICESUMAR

implica no reconhecimento de um campo de incerteza.


Um jovem que se alista no serviço militar, não o faz por ato de livre escolha
e tão pouco, para satisfazer e se integrar no grupo social referente aos militares,
mas o faz como determinação de conduta de uma ordem jurídica, por condição
de subordinação a que todos os homens, no caso o Brasil, devem assim proce-
der, porque quando “a autoridade jurídica prescreve uma determinada conduta
humana apenas porque – com razão ou sem ela – a considera valiosa para a co-
munidade jurídica dos indivíduos” (Kelsen, 1994, p. 35). Mas não realizando tal
conduta, este jovem contraria a norma jurídica e em função disso, sofrerá sanções
porque o Direito, e de forma mais específica o Direito Positivo é a “técnica social
que consiste em obter a conduta desejada dos homens através de uma medida
de coerção a ser aplicada em caso de conduta contrária” (Kelsen, 2005, p. 28).
Mas o que é uma norma jurídica? É uma norma que apresenta uma estrutura
jurídico-lógica de forma que se é A, então deve ser B. Por exemplo, uma placa de
trânsito que apresenta como limite de velocidade de 60 km/h, diz que este deve
ser o limite, porque é A. No entanto, se alguém ultrapassar este limite a norma diz,
deve ser B, ou seja, o Estado deve aplicar uma punição a este cidadão. E o Estado
deve fazê-lo, indiferente dos motivos que levaram o cidadão a ultrapassar o limite
de velocidade, pois a norma de conduta estabelece o dever ser, o fato de ele ter ul-
trapassado o limite de velocidade pode ter sido por motivos de urgência médica,
mas isso é um fato que está externo à norma. Não pertence à ciência do direito.
Isto porque a “regra jurídica é um comando, ela é, por assim dizer, um comando
despsicologizado, um comando que não implica uma vontade no sentido psico-
lógico do termo” (Kelsen, 2005, p. 49). A norma jurídica exige obediência e não
vontade e disposição psicológica para que seja norma, não se trata nem de uma
questão de bom senso, que conforme nos ensina René Descartes, todo homem
julga tê-lo em boa quantidade, mas de uma relação de dever ser.
Se a regra jurídica é um comando, é preciso que se tenha um fundamento
para este comando, porque “a obrigatoriedade ou não de um comando é algo que
depende do fato de ser o indivíduo que comanda autorizado ou não a emitir esse
comando” (Kelsen, 2005, p. 44). Uma detalhe importante tem que ficar claro para
melhor situar toda a construção da teoria kelseniana, que é monismo estatal, ou
seja, a prevalência única do Estado como produtor normativo, porque a norma
jurídica não surge do além, de uma construção metafísica, de uma dádiva dos
deuses, mas é necessariamente um produto da natureza humana.

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UNIDADE 4

Mas nem o próprio Estado consegue se livrar do condicionamento da


regra jurídica kelseniana, porque aquele que comanda, “ele está autorizado ou
investido do poder, apenas se uma ordem normativa, a qual se pressupõe seja
obrigatória, lhe confere tal capacidade, a competência para emitir comandos
obrigatórios” (Kelsen, 2005, p. 44). Aliás, conforme veremos um pouco mais
adiante, a autorização para emitir um comando, ou melhor dizendo, uma
norma jurídica, será um dos condicionantes para o reconhecimento da vali-
dade da norma.
Portanto, conforme nos ensina Kelsen, “a conduta prescrita pela regra de
Direito é exigida sem que nenhum ser humano tenha que querê-la num sentido
psicológico. Isso é expresso pela afirmação de que alguém tem a obrigação de,
de alguém deve observar a conduta prescrita lei” (2005, p. 49). A obediência não
se dá por vontade moral, psicológica, religiosa ou outra qualquer, mas simples-
mente porque é uma norma jurídica de conduta. Sendo assim, se desejamos
estudar o Direito como ciência devemos nos ater a análise da estrutura lógica
da norma, e não dos fatores que lhes são externos.
O que significa o fato da norma ser prescritiva? Prescrever é ordenar de
forma clara previamente. É neste sentido que “Kelsen afirma que toda norma
é prescritiva, ou seja, é escrita antes do fato concreto venha a acontecer. Existe
uma relação do fato anterior com o fato futuro: é com base no fato anterior
que se faz a lei para o fato futuro” (Rocha, 2013, p. 151). Ela prescreve com base
em algo que ela já conhece e que sabe ser capaz de mudar a conduta humana.
Como por exemplo, como prescreve que doravante será proibido aos homens
sonhar? Seria possível, no campo da norma jurídica, punir alguém porque so-
nhou em estar participando de um assalto qualquer? Sendo assim, a norma
jurídica deve prescrever condutas humanas possíveis de serem avaliadas como
reais e não ideias.
No entanto, o problema não se encerra por ai, é preciso compreender que
“o problema da prescrição é que ela parte da análise de fatos anteriores para
prescrever fatos futuros; isso quer dizer que não pode absorver 100% a reali-
dade fática” (Rocha, 2013, p. 151).
Dentro desta perspectiva kelseniana, se alguém rouba um produto qualquer
de uma loja por motivo famélico, ou seja, um ato ilícito realizado para supos-
tamente saciar a fome de alguém, ainda assim deve ser punido, não porque o
juiz o quer e tão pouco o proprietário o deseja, mas simplesmente porque a

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UNICESUMAR

norma assim o determina. Se é A, B deve ser. Conforme nos ensina Mascaro,


“Kelsen separa a manifestação bruta do direito, como fenômeno social, do en-
tendimento científico que se possa fazer a respeito dessa manifestação. Para
Kelsen, são coisas distintas o direito e a ciência do direito” (2012, p. 339). Isso
não quer dizer que Kelsen não reconhecia o direito como um fenômeno social,
mas porque ele queria estudar o Direito enquanto ciência, e neste sentido, a
interpretação da norma jurídica a partir de uma estrutura lógica é o que nos
permite considerá-lo como ciência.
Inúmeros são os exemplos correntes na mídia, aonde questionamos, por
exemplo, porque o juiz concedeu este ou aquele habeas corpus e isto nos deixa
revoltados, no entanto, o Direito enquanto ciência exige do juiz uma análise for-
mal e lógica da norma. Muitas vezes, o juiz enquanto cidadão comum, também
não desejaria conceder tal benefício, mas enquanto juiz, a sua personalidade
se integra na própria pessoa do Estado, que deve governar através das normas
e não pela suposta subjetividade de suas vontades.
O representante do Estado, o juiz, deve decidir conforme as regras de Direi-
to, que segundo Kelsen, “referem-se apenas à conduta humana; elas especificam
como o homem deve se conduzir e não dizem nada sobre o comportamento
efetivo do homem e suas causas” (2005, p. 52). Portanto, se o cidadão cumpre
todas as condições legais para obter o benefício do habeas corpus, essa deve ser
a decisão do juiz. Novamente é necessário reforçar que “o dever ser de Kelsen
é a prescrição normativa. Quanto mais normativo, menor margem para erros,
pelo menos nessa visão dogmática, tecnicista e positivista do Direito” (Rocha,
2013, p. 152). Pois se a norma é prescrição de conduta, como conseqüência ela
também quer ter o controle e de certa forma isso realmente acontece, porque
existem técnicas e metodologias para interpretação da norma, ao que chama-
mos de hermenêutica jurídica, assunto que veremos em momento futuro.
Se a norma é prescritiva, ou seja, criada antes do fato, mas tomando como
referência fatos antigos, é de se esperar que existam situações em que o jurista,
e de forma mais restrita ainda, o juiz ou agente do Estado, diante de uma situa-
ção não prevista diretamente pela lei, deverá procurar utilizar a interpretação
para adequar um fato novo a uma lei, é o que se chama de interpretação por
analogia. No entanto, isso não pode ser feito à revelia, sendo assim, buscamos
na hermenêutica e em normas jurídicas próprias, a forma de fazê-lo. O mundo
do Direito enquanto ciência é o mundo das normas jurídicas.

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UNIDADE 4

A questão da norma jurídica é mais complexa e ampla do que se possa prever


somente pela leitura do seu conceito. Outro aspecto necessário à existência do norma-
tivismo jurídico e o tratamento que se deve dar a questão da eficácia e da validade da
norma. Neste sentido, Kelsen nos esclarece que “a validade é uma qualidade do Direito;
a chamada eficácia é uma qualidade da conduta efetiva dos homens” (2005, p. 55).
Para compreende a questão da validade é preciso expor qual o pensamento de
Kelsen para com a figura do legislador. Ele deixa claro que existe um momento em
que a vontade do legislador existe somente no momento que antecede a criação
da norma propriamente dita e parte do pressuposto que, se o legislador tem para
si este poder de comando, o faz por uma norma que lhe concedeu legalidade, e
aqui entra outro problema, mas que se resolve pela própria ideia de norma. A
legalidade de uma norma é concedida por uma norma anterior que assim lhe
concedeu essa condição, já a legitimidade é resultado da soberania popular, é
uma concessão de ordem política, neste sentido, “o sistema só pode ser legítimo
se existir a participação e o aval da população” (Rocha, 2013, p. 150).
Mas a sua teoria normativista não quer discutir as questões de ordem po-
lítica, porque esta não está na órbita de cientificidade do Direito. As questões
valorativas, políticas, sociológicas, filosóficas, psicológicas, deixam de existir para
a ciência jurídica quando da aprovação da norma jurídica, sendo assim, “tendo
aprovado o estatuto (norma), os membros do parlamento voltam-se para outras
questões e deixam de querer o conteúdo da lei, se é que alguma vez nutriam essa
vontade” (Kelsen, 2005, p. 46). As questões a que se refere Kelsen são as condi-
ções formais previstas por normas jurídicas que determinam como deve ser o
procedimento para a existência e validade de uma norma jurídica. E ainda nos
esclarece que “já que o estatuto (norma) passa a existir quando se completa o
procedimento legislativo, sua existência não pode consistir na vontade real dos
indivíduos pertencentes ao órgão legislativo” (Kelsen, 2005, p. 46).
A partir do momento em que ela é realmente uma norma jurídica, é sim-
plesmente uma norma, e não traz mais junto de si a carga subjetiva da vontade
do legislador, portanto, “um jurista que deseja demonstrar a existência de uma
lei não tenta, de modo algum, provar a existência de fenômenos psicológicos. A
existência de uma norma jurídica não é um fenômeno psicológico” (Kelsen, 2005,
p. 47). Tanto é que Hanz Kelsen diz que o Direito é uma técnica social específica,
e sendo técnica, tem que ser tratado como tal, da mesma forma que, um biólogo
ao fazer experiência com uma cultura de bactérias, seja para incentivar o seu cres-

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UNICESUMAR

cimento, ou para contê-lo, não o faz com juízo de valor de esta exterminando ou
não determinada forma de vida, mas o faz em função dos fins a serem alcançados
e para isso, precisa do domínio da técnica.
Ensina-nos Barzotto que “a norma é o sentido objetivo de dever ser de um ato
de vontade” (2003, p. 37). Em outras palavras, depois de seguido todo o processo
legislativo para a elaboração da norma, o que lhe reconhece a validade, o ato de
vontade deixar de existir, a única coisa concreta que se têm é a norma, sendo
assim, “a norma, enquanto sentido, passa a existir precisamente quando o ato de
vontade que lhe deu origem cessou sua existência” (Barzotto, 2003, p. 37).
Retomando a questão da validade de uma norma jurídica, vamos encontrar
outro complicador, se partirmos do princípio de que “o fundamento de validade de
uma norma pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa
o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como
norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma
inferior” (Kelsen, 1994, p. 215). Este complicador é de duas ordens, a saber: a ideia de
norma fundamental, de onde tudo se originou e a ideia de hierarquia das normas.
Para Hanz Kelsen, a validade de uma norma é dada pela autorização de uma
outra norma, que necessariamente lhe antecede, e se fosse assim, iríamos retornar ao
infinito, o que só pode ser, pelo menos por enquanto, algo impossível. Mas o ponto
de partida é a existência de uma norma fundamental, assunto que ainda desperta
calorosos debates na jusfilosofia de Hanz Kelsen. Para Mascaro a “norma funda-
mental é a diretriz do pensamento que diz ao jurista que tal ordenamento é válido,
aquele a que se deve referir no que tange às atividades jurídicas” (2012, p. 350).
A definição necessária da norma fundamental é um dos poucos momentos
de construção axiológica na Teoria Pura do Direito, o momento em que a ques-
tão social se apresenta como necessária para a construção da ciência do direito,
neste sentido,“se queremos conhecer a natureza da norma fundamental, devemos,
sobretudo ter em mente que ela se refere imediatamente a uma Constituição
determinada, efetivamente estabelecida, produzida através dos costumes ou da
elaboração de um estatuto, eficaz em termos globais” (Kelsen, 1994, p. 224).
A norma fundamental é aquela norma a partir do qual os homens passaram
a ter uma obediência efetiva, reconhecendo inclusive o seu caráter de coercitivi-
dade, de comando. Essa questão da norma fundamental deu a Hanz Kelsen muito
trabalho e ao mesmo tempo, como já acontecerá com Auguste Comte e também
com Immanuel Kant, a sensação de que as suas teorias só conseguiam explicar a

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UNIDADE 4

racionalidade humana até um determinado ponto, e depois disso, era preciso lançar
mão de alguns recursos de ordem metafísica. Immanuel Kant demorou quinze anos
de sua vida para escrever Crítica da Razão Pura e depois, o restante da sua vida
para explicar o que as pessoas não conseguiram entender sobre sua obra. Quando
se trata de teorias filosóficas que procuram explicar um sistema como todo, os
problemas sempre aparecem, principalmente, como é o caso de Hanz Kelsen que
quer assentar toda a sua teoria com os pressupostos estritamente positivistas.
Segundo Barzotto, “a norma fundamental é a garantia da separação entre o
mundo do ser e do dever ser. Ela serve como um mecanismo que isola a nor-
matividade do ordenamento jurídico do contágio dos fatos” (2004, p. 65). É na
realidade um artifício teórico para dizer que tudo se inicia a partir de um ponto
determinado, e segundo Mascaro “para Kelsen, na Teoria Pura do Direito, a nor-
ma fundamental é uma hipótese que permite pensar o ordenamento jurídico. Não
se trata de uma reflexão teórica do jurista que diga se tal ordenamento é bom ou
ruim, justo ou injusto. Trata-se apenas de uma condição para o entendimento da
cadeia lógica das validades de um ordenamento” (2012, p. 351).
No fundo, seria a mesma coisa que perguntar: se Deus criou o mundo, em
que dia e hora isso ocorreu? Reconhece a filosofia que a questão do tempo datado
de dia e hora é apenas um artifício criado pelos homens para uma identificação
temporal de sua existência, e que em nada muda a sua natureza.
Sintetizando essa ideia de norma fundamental, Barzotto nos ensina que “a
norma fundamental pode ser formulada no seguinte modo: Devemos nos com-
portar com aquilo que prescreve a constituição” (2004, p. 41). Neste sentido, seria
a Constituição Federal de 1988 é a norma que confere a validade das demais
normas que constituem o nosso ordenamento jurídico, no sentido de que ela
fornece as diretrizes gerais e às vezes determinam de forma específica, os critérios
e quais as normas necessárias para a criação de outras normas.
Respondendo a questão do outro complicador, que é o da hierarquia das
normas, não se trata especificamente de que uma norma jurídica é mais impor-
tante do que a outra, simplesmente porque ela é superior. A questão é de ordem
técnica e lógica, e normalmente se resolve com a seguinte pergunta: quem tem
competência para legislar sobre um determinado assunto. Não existe graduação
de importância para as normas jurídicas. A questão é meramente técnica e como
forma de organizar, de dar uma ordem, de reconhecer critérios de especificidade
e de finalidade da estrutura que compõe o Estado.

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UNICESUMAR

Para Kelsen “as normas não existem de forma isolada. Elas estão unidas em
um sistema. No ordenamento jurídico, as normas distribuem-se em camadas
hierárquicas, que descem da norma fundamental até as normas individuais pro-
latadas pelos órgãos aplicadores” (Barzotto, 2004, p. 43). É neste sentido que a
Constituição Federal deixa claro as competências legislativas da União, dos Es-
tados e dos Municípios, e as normas que podem ser legisladas de forma solidária.
Juridicamente não se pode dizer que uma norma jurídica do Município é menos
importante do que a da União, mas sim perguntar: qual a matéria a ser legislada?
O que gera a questão da constitucionalidade ou não da norma.
Quanto a eficácia nos esclarece Kelsen que “a afirmação de que o Direito é efi-
caz significa apenas que a conduta dos homens se conforma às normas jurídicas.
Assim, validade e eficácia referem-se a fenômenos inteiramente diferentes” (2005,
p. 55). A validade sendo uma qualidade técnica situa-se no campo do dever ser,
já a eficácia situa-se no campo do ser.
Para Barzotto “Kelsen insiste no fato de que a eficácia da norma singular
não vem determinada somente pela atividade dos tribunais, mas também pela
conduta dos súditos” (2004, p. 48). A eficácia é o indicativo de que os homens
tem a percepção e certeza de que a norma jurídica é um dever ser que os permite
viver num mundo civilizado. Neste sentido, segundo Kelsen, a eficácia do Direito
“consiste no fato de que os homens são levados a observar a conduta requerida
por uma norma pela ideia que têm dessa norma” (2005, p. 56). Há de se entender
que o homem kelseniano é derivado do homem kantiano, que entende ser o
Direito uma das criações mais perfeitas, resultante da natureza humana, e não o
homem de Marx e Engels, que irá perguntar: por interesse de quem e para quem
fora criado tal Direito?
E para encerrar essa polêmica que Kelsen diz que “a única conotação vincula-
da ao termo eficácia do Direito neste estudo é, portanto, a de que a conduta efetiva
dos homens se conforma às regras jurídicas” (2005, p. 56). No entanto, segundo
Barzotto (2005, p. 49) reconhece Hanz Kelsen que é a eficácia uma condição ne-
cessária para o reconhecimento da validade da norma, porque se dentro de um
ordenamento os homens reconhecem a eficácia das normas, necessariamente
reconhecem também a sua validade, não apenas formal, mas real.
Essa questão da eficácia da norma jurídica, assim como outras, reforça a ideia
de que a teoria normativa de Kelsen pode ser utilizada por qualquer sistema de
governo, independente da sua natureza democrática ou autoritária, porque “o

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UNIDADE 4

ordenamento que alcança eficácia será considerado jurídico, e se uma quadrilha


conseguiu impor-se sobre um determinado território, o ordenamento que ela
possui deve ser considerado jurídico, e ela mesma deve ser considerada como
constituindo um estado” (Barzotto, 2004, p. 51).
Finalizando essa questão nos ensina Kelsen que a “eficácia é uma condição de
validade; uma condição, não a razão da validade. Uma norma não é válida porque
é eficaz; ela é válida se a ordem à qual ela pertence é, como um todo, eficaz” (Kelsen,
2005, p. 58). Daí necessidade kelsiniana de defender sempre a existência de uma
ordem jurídica, que a norma jurídica compõe com as demais normas, de mesma na-
tureza, um ordenamento jurídico e da impossibilidade da existência de uma única
norma, mas sim de um conjunto de normas que se articulam com o todo, o mesmo
acontece com o conceito de Direito, que para Hanz Kelsen, não é norma, mas sim
um sistema de normas que se articulam a partir de uma norma fundamental.
Outro aspecto não menos importante na teoria normativista é quanto a esfera
de validade das normas, pois toda norma jurídica está sempre associada a uma
condição de tempo e espaço. De uma forma geral, quando se fala de tempo é o
tempo propriamente dito para a existência da norma, em termos de data e até
horários determinados, sendo assim, a Constituição Federal de 1988, passa a ter
validade a partir da data e horário de sua promulgação. Com relação ao espaço, a
condição da territorialidade define o espaço geográfico sobre a qual a norma pas-
sa a regular a conduta humana daqueles que ali se encontram naquele momento.
No entanto, levando em consideração que a conduta humana não é regrada
por apenas uma norma, mas um conjunto de normas e existem situações em
que a norma é aplicada dentro da esfera pessoal e material bem definida, neste
caso, ela não se aplica a todos os homens, mas somente aqueles que se encon-
tram naquela condição. Por exemplo, as normas que regulam a atividade de um
trabalhador em sua relação de emprego, determinam a sua conduta dentro do
horário estabelecido pelo empregador, fora deste horário, o trabalhador estará
inserido em normas de outra materialidade. Neste caso, temos uma situação em
que tanto o tempo quanto o espaço estão dentro da esfera pessoal do trabalha-
dor, não afetando as demais pessoas, que não tem o mesmo vínculo trabalhista.
Portanto, existem normas que são gerais, no sentido de que se aplicam a todos e
outras, que são de ordem pessoal, porque se aplica a um determinado grupo de
pessoas, e até mesmo, aquelas que podemos dizer que são pessoalíssimas, como
por exemplo, uma norma que nomeia um funcionário público para o exercício

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UNICESUMAR

de determinada função, ainda que o interesse seja geral, de forma específica ela
afeta somente aquele funcionário.
Existe ainda outra característica da norma jurídica que, de forma geral, pode
provocar certo desconforto para o nosso referencial de Direito, mas que para
Hanz Kelsen isso poderia ser resolvido pela simples interpretação analítica da
norma, pois, “ocasionalmente, afirma-se que as normas podem ter validade não
para o passado, mas apenas para o futuro. Não é assim, e a asserção parece de-
ver-se a uma incapacidade de distinguir a validade de uma norma e a eficácia de
uma norma”. A essa forma de ser da norma é dado o nome de retroatividade, ou
seja, aplicar os efeitos de uma nova lei, a fatos que ocorreram no passado, para
o qual a lei ainda não existia. O que nos alerta que tal equívoco pode existir se
confundir validade com eficácia.
É o próprio Hanz Kelsen que nos esclarece que “nada nos impede de aplicar-
mos uma norma como esquema de interpretação, como padrão de avaliação, para
fatos que ocorreram antes do momento em que a norma veio existir” (Kelsen,
2005, p. 60). A questão é que tecnicamente esta lei pode existir, e ter validade, tudo
depende se existe uma norma anterior a ela, que permite a criação desta norma.
Mas Kelsen resolve essa questão quando afirma que “o valor moral e político das
leis retroativas pode ser discutido, mas não há duvidas quanto à possibilidade de
sua existência” (2005, p. 61).
A análise de Kelsen é quanto a questão técnica, no tratamento do Direito como
técnica de controle social, conforme já abordado, no entanto, a experiência demo-
crática e os valores construídos pela sociedade, entende ser esta uma questão polê-
mica, em função da natureza instável dos homens, conforme já nos alerta Maquia-
vel, Hobbes e outros filósofos. E o melhor a fazer é tomar as devidas cautelas e criar
restrições para este tipo de possibilidade, como veremos um pouco mais adiante,
quando tratarmos deste assunto sob a ótica da Constituição Federal de 1988.
Concluindo, o normativismo lógico de Hanz Kelsen influenciou e continua a
influenciar juristas e estudiosos do Direito. É inconcebível não reconhecer a sua
contribuição e importância para o Direito, no entanto, é preciso também reco-
nhecer que “a teoria pura kelseniana não reflete o todo do direito, muito menos
o todo do direito em relação à totalidade social” (Mascaro, 2012, p. 355). Agrada
os juspositivistas e aqueles que veem o Direito apenas como técnica de conduta
social, mas não nos permite uma reflexão entre o Direito como deveria ser, e o
Direito como ele realmente é.

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UNIDADE 4

Teoria Tridimensional do Direito

É inegável a contribuição de Miguel Reale (1910-2005) para uma outra pro-


posta sobre a teoria do direito contemporânea, que se insere, segundo Masca-
ro (2012) como um juspositivismo eclético, em outras palavras, que procurou
tirar o que de melhor encontrou nas demais teorias e apresentar uma nova
possibilidade para uma teoria do direito, não podendo ser considerada uma
“visão de tipo meramente analítico ou normativo” (2012, p. 323).
Na construção de sua teoria tridimensional do direito, constituída de uma
relação que vai além do campo meramente normativo representada por: Fa-
to-Valor-Norma. Reconhece Reale o Estado como o principal produtor de
normas, mas também afirma a possibilidade de analisar o Direito sob outra
perspectiva, além desta. Diferente de Hanz Kelsen, para quem o fato implicava
somente na existência concreta de um acontecimento, e o valor estava fora
da esfera da ciência do direito, sendo o estudo da norma o objeto do Direito,
Reale nos ensina que “o fenômeno jurídico se constitui como tal justamente
pela interação real de fato, norma e valor, numa dinâmica processual, de mú-
tua implicação” (Mascaro, 2012, p. 325).
D certa forma a teoria de Reale rompe com a ideia de que a análise da
legalidade e procedimentos formais são suficientes para dar a norma, a sua
juridicidade. São questões importantes, mas não suprimem a existência de
outras condições, é preciso entender que a “a proposta da Teoria Tridimen-
sional é voltada para a possibilidade de, democraticamente, o cidadão aceitar
obedecê-la, e impede, neste sentido, que a lei ou norma é que venham a se
impor sobre os valores, costumes e interesses da sociedade politicamente or-
ganizada” (Rocha, 2013, p. 164). De certa forma, devolve a soberania do povo,
o direito de decidir que norma deseja para regrar as suas condutas, levando
em consideração o conjunto de valores que formam a sociedade dentro de
um tempo histórico.
Para Reale toda a visão do Direito assume naturalmente a tridimensio-
nalidade que é inerente à sua própria forma de ser, preciso então recorrer a
história para constatar como “os significados da palavra Direito se delinearam
segundo três elementos fundamentais: o valor do justo, como intuição pri-
mordial; a norma, como ordenadora da conduta social; e fato, como condição
histórica e social da conduta” (Betioli, 2011, p. 129).

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UNICESUMAR

O valor do justo se constitui como uma intuição, ou para usar um termo


kantiano, um conhecimento a priori que já se encontra no sujeito, porque
faz parte de sua natureza como ser humano, se ele norteia a sua vida por essa
percepção de valores ou não, dependerá de uma decisão sua. Quanto a per-
cepção de que a norma é ordenadora da conduta social, ou seja, que a vida em
sociedade precisa de normas que estabeleçam parâmetros, para que cada um
possa ser o que é, sem deixar de reconhecer este mesmo direito aos outros, já
está presente na própria ideia de estado de natureza na obra de John Locke. E
finalmente, quanto o fato como condição histórica e social da conduta é a pró-
pria constatação do homem que, a sua relação com mundo não é uma relação
primordialmente norteada pelo acaso, mas sim na sua relação de interação
com o mundo exterior, o mundo grego já tinha trazido estas questões a tona,
quando do desenvolvimento do logos, ou seja, a existência dos homens não
pode ser responsabilidade total das interferências dos deuses, portanto, estes
assumem os seus destinos e os conduzem de forma boa ou má, dependendo
da sua escolha. O homem virtuoso de Aristóteles, não o é porque nasceu vir-
tuoso, mas porque o quis ser assim, fora ensinado para a vida virtuosa, foi o
seu aprendizado que o libertou da predestinação.
Reale de forma sintética descreve assim os fundamentos de sua teoria:
“onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um
fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica
etc.)” (Reale, 2002, p. 65), porque todo e qualquer fenômeno jurídico precisa
de um suporte fático, real, concreto resultante necessariamente de uma ação
humana, seja de interferência direta ou indireta. Além da existência de um
fato, identifica-se “um valor, que confere determinada significação a esse fato,
inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou
preservar certa finalidade ou objetivo” (Reale, 2002, p. 65), de certa forma, os
homens conferem um determinado valor que os incentiva a proteger e con-
tinuar querendo algo. Além do fato, do valor é preciso “uma regra ou norma,
que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao
outro, o fato ao valor”(Reale, 2002, p. 65), ou seja, para que “A” diga que algo
lhe pertence é preciso ter uma norma que lhe garanta este pertencimento,
ou a pretensão deste pertencimento. De outra forma, para que José diga que
alguém ofendeu os seus direitos de personalidade é preciso que exista uma
norma que trate deste assunto.

93
UNIDADE 4

Para Betioli,“o fato vem a ser o acontecimento social que envolve interesses básicos
e que por isso enquadra-se dentro dos assuntos regulados pela ordem jurídica” (2011,
p. 131). Desde que o homem decidiu viver em sociedade, também decidiu que a sua
vida em sociedade fosse regrada por normas jurídicas comuns a todos os homens.
Quanto ao valor “é o elemento moral do Direito. Se toda obra humana é im-
pregnada de sentido ou valor, igualmente o direito; ele protege e procura realizar
valores ou bens fundamentais da vida social, notadamente a ordem, a segurança e
a justiça”(Betioli, 2011, p. 132). Posicionamento teórico que diverge radicalmente
da proposta positivista de Hanz Kelsen.
No tocante a norma, esta “consiste no padrão de comportamento ou de orga-
nização social imposto aos indivíduos, que devem observá-la em determinadas
circunstâncias” (Betioli, 2011, p. 132).
Diante do exposto, Reale nos ensina que fato-valor-norma não podem existir
de forma separada, “mas coexistem numa unidade concreta” (2002, p. 65), em
outras palavras, a existência singular de um já enseja necessariamente a existência
de outro, porque a vida do “Direito resulta de uma interação dinâmica e dialética
dos três elementos que o integram” (Reale, 2002, p. 65).
Para Mascaro,“a vinculação entre fato e valor é intrínseca ao campo do direito.
Não é possível fazer uma decomposição fenomênica, de tal modo que o fato bruto
seja alheio do valor que se lhe venha a atribuir” (2012, p. 326). Há de se entender
que a teoria desenvolvida por Reale parte de um pressuposto de um mundo que
já esta sendo, e não de um mundo ideal do por vir, este mundo já traz junto si
características de historicidade e cultura, o que lhe permite ter valores já traçados
e outros ainda por construir. Neste sentido, quando o sujeito “A” afirma que deter-
minado ato realizado por “B” não é justo, é porque já tem para si, com fundamento
na historicidade e na cultura, o mínimo de percepção do que é justo ou injusto.
Quanto a norma, novamente Reale demonstra o seu positivismo eclético, por-
que “as normas jurídicas não são pensadas, para Reale, como resultantes da mera
vontade do legislador. Não são, tampouco, extrações de uma racionalidade lógica e
necessária. Há um processo fenomênico, histórico e social, que redundará na con-
fecção da norma jurídica” (Mascaro, 2012, p. 328). Exemplo de processo de produ-
ção normativa chamado de nomogênese, é a Lei Maria da Penha, que surgem como
resultado de uma construção histórico-cultural de uma banalização das agressões
sofridas pelas mulheres, ela não se originou desta suposta vontade do legislador,
antes disso, fora uma imposição da sociedade para que o legislador assim o fizesse.

94
UNICESUMAR

Para uma compreensão melhor dessa arquitetura engenhosa de Reale para


construção da Teoria Tridimensional do Direito, recorre-se a um exemplo do seu
próprio autor, para a existência de uma letra de câmbio e assim se desenvolde: “a)
se há um débito cambiário (F), deve ser pago (P); b) se não for quitada a dívida
(não P), deverá haver uma sanção (S)” (Reale, 2002, p. 66). Na realidade é uma
estrutura lógica-formal da norma jurídica, pois a não obediência a uma norma,
sempre deverá implicar uma sanção, de forma geral, uma punição.
Mas não é o questionamento da existência desta estrutura que Reale pretende
demonstrar a inovação de sua teoria e sim, nos elementos intrínsecos que compõe
a relação fato-valor-norma. Reale expõe da seguinte forma os seus argumentos:
“a norma de direito cambial representa uma disposição legal que se baseia num
fato de ordem econômica (o fato de, na época moderna, as necessidades do co-
mércio terem exigido formas adequadas de relação) e que visa assegurar um
valor, o valor do crédito, a vantagem de um pronto pagamento com base no que
é formalmente declarado na letra de câmbio” (Reale, 2002, p. 66). Sendo assim, foi
a necessidade resultante de um fato de ordem econômica, e, portanto, também
social, que desencadeou todo o processo de forma intrínseca.
Analisando este exemplo, citado pelo próprio Reale (2002) é possível estabelecer
uma relação entre o pensamento juspositivista tradicional de vertente normativista
e a teoria proposta pelo autor, neste sentido, “a tridimensionalidade de Reale é ao
mesmo tempo um modo de compreender filosoficamente o direito mas, também,
a postulação do acontecer fenomenal do próprio direito” (Mascaro, 2012, p. 330).
A teoria tridimensional do direito se afasta do postulado kantiano do dever
ser e se aproxima, e também se apropria da dialética hegeliana, porque “fato, valor
e norma não existem separados um dos outros, mas se coordenam em unidades
concretas de ação, as quais se confundem com a própria experiência jurídica”
(Betioli, 2011, p. 134). Dá o sentido de complementaridade mas que não se esgota
nunca, porque o direito enquanto fenômeno esta em constante desenvolvimento,
sempre aberto a novos desenvolvimentos.
Este movimento dialético da constante formação do direito, pode nos explicar
outro diferencial da teoria de Reale, pois conforme nos ensina Mascaro,“se Kelsen
separa o dever ser do ser, distinguindo entre ciência do direito e o próprio direito,
lembrando pois Kant, Reale unifica razão e realidade, postulando uma compreen-
são teórica e fenomenológica do próprio direito enquanto tridimensionalidade,
lembrando pois Hegel” (2012, p. 330).

95
UNIDADE 4

Sob o aspecto filosófico é possível inferir que a Teoria Tridimensional


do Direito tem uma estrutura filosófica mais complexa, do que a simples es-
trutura lógico-formal exigida para a compreensão das teorias normativistas
até então conhecidas, até porque, vem carregada de um forte influência da
fenomenologia de Husserl, que exige do leitor uma reflexão mais atenta, para
que não se confunda fenomenologia com sentimentos e outros. O que Reale
faz é procurar uma compreensão do Direito a partir de seu todo normativo,
social e valorativo, “donde devemos concluir que a compreensão integral do
Direito somente pode ser atingida graças à correlação unitária e dinâmica
das três apontadas dimensões da experiência jurídica, que se confunde com
a história mesma do homem na sua perene faina de harmonizar o que é com
o que deve ser” (Reale, 2002, p. 68).

Teorias Jurídicas Contemporâneas

Há de se destacar que uma das principais características destas teorias jurídi-


cas contemporâneas, é o de resgatar a importância da compreensão filosófica,
principalmente a partir da Filosofia do Direito, campo que lamentavelmente o
Direito quase abandonou e desprezou, nos momentos de tensão pós Segunda
Guerra Mundial, quando acentuou, de forma geral na sociedade, a preocupa-
ção com o domínio da técnica.
A finalidade é apenas de apontar algumas possibilidades, pois são temas
que exigem um aporte filosófico maior do que aquele disposto até o momento.
Uma característica central destas teorias contemporâneas é a questão da deci-
são judicial, procurando construir um saber que possibilite resolver conflitos
quando da tomada de uma decisão judicial.
Para Robert Alexy o problema é descobrir uma fórmula para a ponderação
como fato de racionalização do discurso judicial que aplica princípios (Ab-
boud; Carnio e Oliveira, 2013) na decisão judicial. São problemas que surgem
quando existe uma colisão entre princípios e valores e que visam, no desen-
volvimento de sua teoria, diminuir o grau de subjetividade do juiz, através da
ponderação. Na realidade a sua preocupação é desenvolver e apresentar um
método que resolva este problema.

96
UNICESUMAR

Em Ronald Dworkin a preocupação do direito como integridade se reflete na


análise da decisão judicial e os resultados provocado por ela. Na visão deste autor,
não pode restar dúvidas de que o Estado procura e tem por dever, manter incólume
a integridade do direito, principalmente deixando claro que não pode haver possibi-
lidade de contradições de princípios e outros, na decisão judicial. Esta preocupação
já estava manifesta na sua obra Levando o Direito a Sério.
E mais recentemente tem se despontado com bastante vigor, a proposta de Lenio
Streck, que tem assumido na sua obra, um posicionamento crítico, principalmente
quanto ao ensino do Direito e a sua aplicação pelo aparato jurídico do Estado. A sua
teoria é desenvolvida de forma específica na obra Jurisdição Constitucional e Decisão
Jurídica, em que destaca o papel importante e fundamental da Filosofia do Direito,
destacando a importância da Constituição e seu papel referencial na interpretação
e tomada de decisão.
Finalizando, são apenas referenciais para possível aprofundamento nas teorias
jurídicas contemporâneas, e que tem apenas a pretensão de apontar uma direção e
não o caminho a ser seguido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O normativismo lógico de Hanz Kelsen influenciou e continua a influenciar


juristas e estudiosos do Direito. É inconcebível não reconhecer a sua contri-
buição e importância para o Direito, no entanto, é preciso também reconhecer
que “a teoria pura kelseniana não reflete o todo do direito, muito menos o todo
do direito em relação à totalidade social” (Mascaro, 2012, p. 355). Agrada os
juspositivistas e aqueles que veem o Direito apenas como técnica de conduta
social, mas não nos permite uma reflexão entre o Direito como deveria ser, e
o Direito como ele realmente é.
Com a teoria tridimensional do direito Miguel Reale tenta superar o positi-
vismo apresentando a norma enquanto valor, mas no final, o que prevalece é a
norma jurídica como uma construção de ordem técnica.
Quanto as teorias jurídicas contemporâneas, destaque em terra brasilis é a
posição de Lênio Luiz Streck, que embora polêmico, nos apresenta um conteúdo
que merece ser estudado como um diferencial.

97
1. Explicar qual o núcleo formativo da teoria da norma.

2. Apresentar de forma sintética, como se constitui a Teoria Tridimensional do Direito


e sua contribuição para o desenvolvimento do Direito Brasileiro.

3. É possível inferir que a Teoria Tridimensional do Direito apresenta o Valor como


um elemento importante, para a construção da teoria da norma?

4. Explicar de forma sintética a proposta da teoria de Alexy.

98
5
A Positivação do
Direito
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e aprender a relação entre o surgimento do Estado Mo-


derno e a positivação do Direito.
• Aprender qual seria a importância do conhecimento das fontes
do Direito.
UNIDADE 5

O início do Estado Moderno propriamente dito, tendo como referência a Revo-


lução Francesa, os reflexos das teorias iluministas de autonomia do homem em
relação ao Estado, e para com a própria sociedade, o período das codificações,
o avanço da democracia; primeiro na América e depois na Europa, começou a
exigir do Estado uma organização de suas funções e atividades.
Contribuiu também para este processo de organização a teoria positivista de
Auguste Comte, que produz reflexos diretos no Direito que começa por elaborar
uma estrutura principal, como forma de organizar primeiro o seu ensino e depois
suas próprias atividades, foram determinantes para estabelecer a positivação do
direito, não apenas no sentido de norma escrita, mas agora, com apoio da ideia
de Constituição, para o campo da própria
organização do exercício da atividade
jurídica propriamente dita.
É sob estas perspectivas que ire-
mos desenvolver o conteúdo deste
capítulo, associando a ela, uma visão
crítica sobre o Estado Moderno e a Po-
sitivação do Direito.

100
UNICESUMAR

O estado moderno e a positivação do Direito

O início do Estado Moderno propriamente dito, tendo como referência a Revo-


lução Francesa, os reflexos das teorias iluministas de autonomia do homem em
relação ao Estado, e para com a própria sociedade, o período das codificações,
o avanço da democracia; primeiro na América e depois na Europa, começou a
exigir do Estado uma organização de suas funções e atividades.
Contribuiu também para este processo de organização a teoria positivista de
Auguste Comte, que produz reflexos diretos no Direito que começa por elaborar
uma estrutura principal, como forma de organizar primeiro o seu ensino e depois
suas próprias atividades, foram determinantes para estabelecer a positivação do
direito, não apenas no sentido de norma escrita, mas agora, com apoio da ideia
de Constituição, para o campo da própria organização do exercício da atividade
jurídica propriamente dita.
É com esta perspectiva, ou seja, de conhecer a estrutura e racionalidade dos
elementos e instrumentos necessários ao estudo do Direito que será destinado
os próximos assuntos e capítulos desta proposta de estudo.

Fontes do Direito

Conforme já estudado ao longo de nosso curso o Direito é uma criação artificial


dos homens para regrar as suas condutas em sociedade. No entanto, este Direito
precisa ser revelado, mostrado ao mundo.
Dentro de uma visão juspositivista é preciso ordenar e organizar a produção
do Direito, determinando quem tem competência para produzir este ou aquele
Direito, para que o mesmo possa então, cumprido as formalidades previstas, ser
integrado ao ordenamento jurídico.
Com o advento do Estado Moderno este traz para si a responsabilidade da
produção normativa, pelo que conhecemos como direito positivo. Não podemos
nos esquecer, conforme já abordado em nosso curso, que o positivismo jurídico
é a corrente que prevalece em nosso país, e é com esta perspectiva que serão
realizadas e apresentadas as questões propostas.

101
UNIDADE 5

As fontes do direito podem ser de duas ordens: as fontes estatais e as não-es-


tatais. As fontes estatais são aquelas advindas das leis e da jurisprudência, tendo
exclusivamente o Estado como seu autor e tem caráter imperativo. As fontes não-
-estatais têm a sua origem no costume jurídico e na doutrina e não tem caráter
imperativo, mas fornecem subsídios e podem mesmo, receber referência norma-
tiva das fontes estatais.
Existem algumas classificações das fontes do direito, mais conservadora, me-
nos conservadora, e isto ainda é tema controverso, principalmente para aquela
ideia de Direito como algo associado à condição de sacrossanto. Para Reale, “por
fonte do direito designamos os processos ou meios em virtude dos quais as re-
gras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e
eficácia no contexto de uma estrutura normativa” (2002, p. 140). Como o nosso
referencial é o direito brasileiro, a preocupação será tratar do tema dentro de
nossa tradição jurídica, que é esta apresentada por Reale.
Quando se trata das fontes do direito aparentemente surgem termos que, no
aspecto geral podem significar a mesma coisa, mas não no mundo jurídico. A
confusão aparente começa a se estabelecer a partir dos conceitos de norma, lei e
legislação, que para o senso comum é a mesma coisa.
No entanto, o problema é muito mais resultante da língua portuguesa do que
da própria ciência do direito, para quem as coisas já estão bem definidas. Quan-
do nos referimos a norma, estamos sempre nos referindo a norma jurídica, que
conforme nos ensina Hanz Kelsen é uma fórmula abstrata do dever ser, conjunto
de regras que determina comportamentos em função do seu caráter de coerci-
bilidade. Portanto, é o aspecto geral e fundamental de qualquer lei, legislação,
Constituição é que nas suas estruturas são sempre normas jurídicas.
O termo lei “só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, ou,
esclarecendo melhor, quando ela introduz algo de novo com caráter obrigatório
no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos individuais ou ati-
vidades públicas” (Reale, 2002, p. 163). Quem determina esta formalidade da lei
é a própria Constituição Federal e algumas leis acessórias.
Dimoulis agrega ao conceito de lei jurídica uma das principais características
do Estado Democrático de Direito, ou seja, “todas as leis no sentido formal são
produtos de decisão majoritária dos integrantes do poder legislativo, que, nos
regimes de democracia representativa, são escolhidos pelo povo por meio de
sufrágio universal” (2007, p. 205).

102
UNICESUMAR

Diniz nos ensina que o termo lei pode ser abordado em dois sentidos diferentes,
a lei no sentido amplo, ou lato,“compreende todo ato de autoridade competente para
editar norma geral, sob forma de injunção obrigatória, como: a lei constitucional, a lei
complementar, a lei ordinária, a lei delegada, a medida provisória, o decreto legislativo,
a resolução do senado, o decreto regulamentar, a instrução ministerial, a circular, a
portaria e a ordem de serviço” (2010, p. 364). Em síntese, é lei o que tem caráter de
obrigatoriedade, criado por uma autoridade competente.
Já no sentido estrito, ou strictu, “é apenas a norma jurídica elaborada pelo Poder
Legislativo por meio de processo adequado” (Diniz, 2010, p. 364). No entanto, dado a
complexidade do Estado Moderno é evidente que o Poder Legislativo não tem con-
dições de legislar sobre tudo e a própria Constituição Federal estabelece legalidade
e legitimidade para que outros o façam, mas o de forma restrita, não como forma de
criar novos direitos, mas sim como a formalidade necessária para realizar direitos pre-
vistos em norma geral, como por exemplo, a competência da Receita Federal em criar
normas estabelecendo a data inicial e final para a Declaração de Imposto de Renda.
Uma norma jurídica é uma regra de conduta social, pois atinge a sociedade
como um todo, ou um segmento da sociedade que por razões diversas precisam
desta norma, e cuja finalidade é regular as atividades dos sujeitos em suas relações
sociais. Toda norma jurídica exprime um “dever ser”, tal qual o imperativo categóri-
co de Kant, ou seja, devemos fazer o que a norma determina, ou não fazer o que ele
determina, sem questionar as razões, pois o Estado sabe qual a melhor norma para
manter a harmonia interna de sua estrutura como um todo. ainda segundo alguns
autores que fazem a análise da norma jurídica a partir da sociologia, estas são regras
que prescrevem uma suposta conduta adequada para que possamos conseguir or-
dem e segurança nas relações sociais. O problema então está na seguinte questão:
quem determina a melhor conduta? Quem tem condições de exercer pressão para
a escolha da melhor conduta? A melhor conduta que interessa a quem? A resposta
a todas estas questões podem ser encontradas numa leitura crítica e cuidadosa
acerca da história do direito no Brasil, como por exemplo aquela apresentada por
Wolkmer (2003) onde este nos mostra que o direito idealizado e construído no
Brasil é aquele que sempre interessou às classes dominantes.
Toda norma jurídica deve conter em si uma das seguintes características: 1) Proi-
bição – Como, por exemplo: No UNICESUMAR é proibido fumar nas Salas de Aulas,
Corredores e Dependências Internas; 2) Obrigatoriedade – Como por exemplo: Para
que o acadêmico passe para o próximo ano de qualquer curso no UNICESUMAR,

103
UNIDADE 5

deverá ter um mínimo de 75% de freqüência nas aulas e tirar nota média final igual
ou superior a 6,00; 3) Permissão – Como por exemplo: É permitido a Adoção de
Crianças, desde que o casal que deseja a adoção, atenda a todas as determinações
impostas pela Lei de Adoção.
Independente da corrente e sua extensividade com relação ao conceito, uma
aspecto é unânime, o de que toda norma jurídica só existe se esta fizer parte de um
ordenamento jurídico constituído de preferência de forma democrática, e que possa
representar os anseios do povo.
Quando nos referimos à legislação, esta nada mais é do que “o conjunto das nor-
mas jurídicas emanadas do Estado, através de seus vários órgãos, dentre os quais
realça-se, com relevo, nesse tema, o Poder Legislativo” (Nunes, 2005, p. 86).
De uma forma geral as fontes estatais do Direito escritas são as seguintes: Consti-
tuição Federal, Estadual e Municipal, Leis complementares, Leis ordinárias, Medidas
Provisórias, Leis Delegadas, Decretos Legislativos, Resoluções, Decretos Regulamen-
tares e outras normas, tais como portarias, circulares, ordens de serviço etc. No nosso
ordenamento jurídico a norma jurídica não-escrita são aquelas advindas do costume
jurídico, quando atende algumas especificidades que será apresentada em momento
oportuno de nosso curso.
Mas somente a norma no sentido geral, e nem a lei jurídica no sentido específico,
seria suficiente, diante da complexidade do mundo moderno, em dar respostas e
tão pouco ordenar a vida do Estado e das pessoas, sendo assim, surge o conceito de
ordenamento jurídico.
Houve a necessidade da criação de muitas outras leis, ao mesmo tempo em que
precisou estabelecer hierarquias entre estas leis, assim surgiu o conceito de Orde-
namento Jurídico, que nas palavras de Nunes “é um conjunto enorme de normas e
princípios jurídicos legislados. São, na verdade, milhares de normas, desde as consti-
tucionais até as portarias” (2005, p. 88). O ordenamento jurídico brasileiro é constituí-
do de milhares de leis que tratam de todas as matérias previstas no direito positivo e
diariamente, temos leis sendo criadas, modificadas e mesmo revogadas, sendo assim,
este ordenamento é dinâmico, embora procure manter certa uniformidade das leis
com relação à Constituição Federal que é o mais importante conjunto de lei e dela
deverá emanar todas as demais leis.
Reale (2006) defende uma ideia mais ampla do conceito de ordenamento jurí-
dico, porque diz que os conceitos tradicionais reduzem tanto a abrangência, quanto
a importância do ordenamento jurídico e este “é o sistema de normas jurídicas in

104
UNICESUMAR

acto, compreendendo as fontes de direito e todos os seus conteúdos e projeções: é,


pois, o sistema das normas em sua concreta realização, abrangendo todas as regras
explícitas como as elaboradas para suprir as lacunas do sistema” (2006, p. 190).
Todo ordenamento precisa de uma hierarquia, ou seja, uma norma que deter-
mine quais leis deve prevalecer sobre as demais, não no sentido de importância,
mas de competência para legislar, tanto no sentido geral, que é o caso da Cons-
tituição Federal, quanto de leis específicas, como o Código Civil, e no caso do
ordenamento jurídico brasileiro, a ordem é a seguinte:
1. A Constituição Federal
2. Leis Complementares; Leis ordinárias; Leis Delegadas; Decretos Legisla-
tivos e Resoluções; Medidas Provisórias.
3. Decretos Regulamentares.
4. Outras normas de hierarquia inferior, tais como portarias, circulares e outras.

Vamos agora detalhar estes elementos que compõe o nosso ordenamento jurídico.
A Constituição Federal é a lei maior de nosso país, aquela que cria algumas
leis necessárias para estabelecer os aspectos gerais de nossa nação. Mas também
fornece subsídios e normas para a criação de outras leis, que embora não pre-
cisem estar contidas no corpo da Constituição Federal são necessárias para o
desempenho de outras funções do Estado e dos direitos dos cidadãos.
Em tese, nenhuma Lei pode sobrepor ou entrar em conflito com a Consti-
tuição Federal e quando isso ocorre, dizemos que esta lei é Inconstitucional, mas
a declaração de Inconstitucionalidade só poderá ser declarada pelo Superior
Tribunal Federal, conforme determina o artigo 102 da Carta Magna.
As Leis Complementares são as leis cuja criação é prevista pela Constituição
Federal, mas que não foram criadas por elas, por se tratarem de leis específicas
e que auxiliarão no cumprimento da manutenção e ordem do Estado. Como
por exemplo, o direito a defesa do consumidor, que apenas é previsto na Cons-
tituição Federal de uma forma geral, mas criado posteriormente por uma Lei
Complementar, justamente para fazer cumprir de forma mais específica e clara,
um direito conquistado na Carta Magna. Estas leis exigem para a sua aprovação
a chamada maioria absoluta da casa que é a metade mais um, ou seja, a Câmara
dos Deputados Federais tem 513 parlamentares, para se aprovar uma Lei Com-
plementar é necessário a presença de 257 votos, isto é, a metade dos deputados
que é de forma arredondada 266 + 1 voto.

105
UNIDADE 5

É preciso ressaltar que a “a lei complementar limita-se a regulamentar al-


guns assuntos importantes, indicados pela própria Constituição” (Dimoulis,
2007, p. 208). Sendo assim, não é possível dizer que uma lei qualquer está in-
serida dentro da categoria de lei complementar à Constituição, se está não for
prevista pelo legislador originário.
Quanto às Leis Ordinárias, são assim chamadas porque fazem parte da
atividade típica e regular do Poder Legislativo, cuja proposição esta elenca-
da no artigo 61 da Constituição Federal. Este tipo de lei deve ser aprovada
pela maioria simples do Congresso Nacional, nos ensina Dimoulis que “a lei
ordinária pode regulamentar qualquer assunto que não seja de competência
privativa de outras autoridades, devendo sempre estar em conformidade com
os mandamentos constitucionais” (2007, p. 2008).
As Leis Delegadas tem previsão no artigo 68 da Constituição Federal, e que
deverão ser elaborados pelo Presidente da República, solicitando ao Congresso
Nacional, por um tempo determinado e numa atividade específica, poderes
especiais que não lhe foram atribuídas pela constituição, como é o caso da
elaboração de uma lei. Segundo Dimoulis, “a lei delegada possui a mesma força
jurídica da lei ordinária, porém, de espécie legislativa em desuso: as últimas
leis delegadas foram editadas em 1992” (2007, p. 209). Mas de qualquer forma,
a previsão legal existe a espera do momento adequado e mais conveniente.
Alguns cientistas políticos afirmam que este tipo de lei tira do legislativa parte
de sua importância, porque o Poder Executivo tem capacidade de articulação
política suficiente, e previsão de urgência, em casos específicos, para usar de
recursos mais democráticos e menos autoritário.
Os Decretos Legislativos e Resoluções constituem-se em um ato de ordem
legislativa com o objetivo de ordenar matéria de interesse direto do próprio
legislativo. Para De Plácido e Silva, “em sentido amplo, compreende todas as
deliberações ou resoluções do Poder Legislativo, porque, em regra, surge como
uma resolução, em que se consagra uma medida qualquer de caráter adminis-
trativo ou político, para, após ser sancionada, converte-se no decreto legislativo”
(1989, Vol. II, p. 17).
As Medidas Provisórias foram criadas pela Constituição de 1988, em subs-
tituição ao Decreto-Lei. E nada mais é do que uma Lei criada pelo Poder Exe-
cutivo, sem passar pelo processo legislativo para a criação das Leis, em outras
palavras, é uma forma de ingerência direta do Executivo, representado pelo

106
UNICESUMAR

Presidente da República, cuja atribuição não é legislar, mas que culminou por
se tornar uma prática constante nos dias atuais, principalmente quando o Exe-
cutivo não consegue se articular politicamente para a criação de uma lei que
necessita de aplicação imediata, acaba emitindo essas Medidas Provisórias, que
num primeiro momento não precisam da aprovação do Legislativo. A Medida
Provisória, bem como o seu trâmite e prazo para aprovação ou recusa do Poder
Legislativo, encontra-se no artigo 62 da Constituição Federal, ao qual recomen-
damos uma leitura mais atenta. Inúmeras são as críticas quanto ao uso abusivo
por parte do Poder Executivo no uso dessas medidas. Este tipo de recurso,
mesmo que previsto na Carta Magna, não se coaduna com a definição de um
Estado Democrático de Direito, onde devem imperar a autonomia e harmonia
entre os três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário).
Quanto ao Decreto Regulamentar , segundo Nunes “é o ato do Poder Exe-
cutivo e deve ser baixado para regulamentar norma de hierarquia superior,
como, por exemplo, a Lei Ordinária” (2005, p. 93). São leis criadas pelo exe-
cutivo para dar operacionalidade e executividade às leis ordinárias e outras,
criadas pelo Poder Legislativo. É na realidade o reconhecimento de que os
poderes são independentes e harmônicos, na medida em que aquele que tem
a competência para criar a Lei, nem sempre conhece a forma organizacional
do Estado para que se faça cumprir e fiscalizar as Leis. Os poderes têm neces-
sidades de ordem administrativa específicas e que precisam ser regulados de
forma mais dinâmica e dentro do âmbito de suas respectivas organizações e
estrutura hierárquica e mesmo técnica.
As Portarias são normas de ordem administrativa, baixadas pelos mais di-
versos órgãos da Administração Pública, como Banco Central, Ministério da
Educação e outros. Nas palavras do Professor De Plácido e Silva é “toda ordem
ou providência tomada pela administração, formalizada por um termo, que o
respectivo chefe assina, para que todos os subalternos, dela tomando conheci-
mento, a cumpram e a acatem” (1989, Vol. III, p. 394).
Segundo Diniz as portarias estão dentro do âmbito do direito administra-
tivo, caracterizada como norma geral “que órgão superior (desde o Ministério
até uma simples repartição pública) edita para observada por seus subalternos.
Veicula comando administrativo geral e especial, servindo ainda, parfa designar
funcionários para o exercício de funções menores, para abrir sindicâncias e
para inaugurar procedimentos administrativos” (2010, p. 457).

107
UNIDADE 5

Esta seria uma explicação simplificada do que vem a ser um Ordenamento


Jurídico, que atuando o seu lado, deve ter a fiscalização do judiciário, a quem
compete interpretar e aplicar as Leis, assim como a participação efetiva de
toda a sociedade, tanto na elaboração e fiscalização das Leis, como pela pres-
são a ser exercida quando estas não estiverem mais atingindo a função social
pretendida quando de sua criação. O Direito e todas as Instituições que o
cercam não podem subsistir de forma autônoma e desvinculada do clamor e
das esperanças da sociedade que o compõe, mas também tem que estar atento
para não ceder às paixões e deixar que estas falem mais alto do que a razão.
Dentro de nosso ordenamento jurídico, de forma específica as estruturas
do poder judiciário, é a seguinte:

Ainda com relação às fontes estatais do direito temos a jurisprudência,


que no mundo romano é designado como a verdadeira ciência do direito,
e ainda o é em outros países, não sendo o conceito que iremos apresentar
neste curso. Segundo Reale “pela palavra jurisprudência (stricto senso) de-
vemos entender a forma de revelação do direito que se processa através do
exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões
dos tribunais” (2002, p. 167). Em outras palavras, é a decisão judicial que se
transforma em jurisprudência, que sendo acolhida por outros juízes, tendo
casos concretos semelhantes, assume uma força simbólica, normalmente em
função da construção teórica das partes envolvidas e do juiz.

108
UNICESUMAR

O fato é que somente uma decisão judicial pode, pelo menos juridicamente,
por fim a um conflito entre duas partes, pois o juiz impõe para as partes a sua deci-
são, ainda que lhes reste recurso a última palavra passará a ser então, daquele juiz.
Neste sentido,“a decisão definitiva possui força de coisa julgada. Essa decisão pode
ser contestada como injusta, juridicamente errada pelas pessoas envolvidas no
conflito e por estudiosos, que eventualmente publicarão comentários criticando
as soluções dadas pelo tribunal” (Dimoulis, 2007, p. 213). Mas é uma decisão final.
Sendo assim, uma decisão judicial constitui-se num importante referencial
para saber o que os juízes estão pensando e como estão tratando determinados
casos. De certa forma, fornece ao jurista um parâmetro para o sucesso ou não de
sua defesa. Mas para que isso aconteça é preciso que a mesma se constitua numa
jurisprudência assentada, em outras palavras, “se muitos tribunais decidem por
um longo período da mesma forma, seu entendimento possui força vinculan-
te maior do que a de uma decisão isolada. Quando temos decisões uniformes,
provenientes de vários tribunais, é muito provável que casos semelhantes sejam
decididos da mesma forma no futuro” (Dimoulis, 2007, p. 215).
Contudo, embora tenha força uma jurisprudência, a mesma não assume
a função e nem o papel de lei geral, pois a mesma pode ser “derrubada”, ou
seja, perder força em função de uma outra decisão judicial que, pela força de
seus argumentos e clareza de interpretação, passa a ser o novo referencial, é
preciso entender que “o juiz não cria a norma jurídica, pois que sua atuação
funcional restringe-se fundamentalmente a ministrar soluções com esteio
nas previsões legais abstratas, objetivadoras da conduta social humana” (Sch-
wartz, 2009, p. 123).
O que principalmente desperta interesse pela jurisprudência é uma busca
incessante da certeza e da segurança jurídica, que nada mais é, do que a obser-
vância de que os tribunais estão se utilizando das mesmas técnicas de inter-
pretação da norma geral, para aplicá-las a casos concretos semelhantes, mas
“isso não impede, todavia, que dois ou mais juízes, defrontando-se, ao mesmo
tempo, com idênticas questões controvertidas levadas a apreciação de suas
competências funcionais, venham dar-lhes soluções diferentes, ainda que, do
ponto de vista fático e das normas aplicáveis, um só devesse ser o veredicto”
(Schawartz, 2009, p. 125). O juiz tem autonomia para decidir o caso concreto,
não porque ele o quer, mas porque assim determina a lei, o que se tem que
ficar atento é com as discrepâncias que se afastam do padrão mediano.

109
UNIDADE 5

Existem autores que discordam da ideia de que a jurisprudência seja fonte do


direito, como por exemplo, Tércio Sampaio Ferraz Jr., pois na visão de Hanz
Kelsen, ao juiz cabe apenas interpretar a aplicar a norma e é dentro desta pers-
pectiva que a mesma se manifesta na nossa tradição jurídica, “pois a eficácia
da jurisprudência como fonte do Direito é limitada. Essa atividade não vai
além de manifestação meramente reprodutora e vivificadora do direito legis-
lado. Suas soluções sempre se orientam pela lei e nela se baseiam; ela formula
em concreto o que antes foi formulado pela lei em abstrato; aplica somente
a previsão existente” (Schwartz, 2009, p. 129). Neste sentido o juiz não cria,
apenas interpreta e dá vida à norma jurídica. E também não cria de qualquer
jeito, pois a dogmática jurídica prevê regras para a interpretação, conforme
veremos mais adiante em nosso curso.
Mas também existem posições mais incisivas, como aquela defendida por
Siqueira Jr., para quem a “jurisprudência se evidencia como verdadeira fonte do
direito. Muito embora a jurisprudência não integre a lei, em muitos casos cum-
pre uma função de complementar, suprir ou corrigir a lei. A impossibilidade da
lei prever todas as hipóteses concretas é uma realidade solar, sendo certo que a
jurisprudência surge como verdadeira fonte subsidiária da lei” (2009, p. 89).
De certa forma, o conhecimento da jurisprudência termina por simplificar o
trabalho do jurista como pesquisador, porque de forma geral e graças a internet,
têm-se acesso diário ao conjunto de decisões do poder judiciário e mesmo, ao con-
teúdo das sentenças e de todo o conhecimento que forma o corpo da decisão judicial.
Contribuindo para o conhecimento e a formação da jurisprudência, o próprio
Poder Judiciário se encontram organizado para prestar um importante serviço

110
UNICESUMAR

a população, que é a possibilidade, entre outros serviços, de ter acesso às suas


decisões, dando publicidade às atividades próprias de uma democracia, neste
sentido, “os tribunais contribuem para a segurança jurídica uniformizando a ju-
risprudência. Um importante meio de uniformização encontra-se na publicação
das súmulas de jurisprudência predominante. As súmulas são proposições sobre
a interpretação do direito que resultam de uma jurisprudência assentada no tri-
bunal sobre temas controvertidos. Dessa forma, as súmulas formalizam as teses
adotadas pelo tribunal” (Dimoulis, 2007, p. 215-216).
No entanto, com previsão constitucional existe um tipo específico de sú-
mula que caráter de norma jurídica que é a súmula vinculante, “que é dotada de
obrigatoriedade, mas não, com efeito, erga omnes (para todos os homens) e sim
em relação ao Poder Público, e como toda norma jurídica apresenta vigência
temporal. É inegável que a súmula possui força normativa. Com fundamento no
parágrafo 2 do art. 103-A da Constituição Federal de 1988” (Siqueira Jr., 2009,
p. 94). É uma inovação da Constituição Federal de 1988 e controversa em nosso
ordenamento jurídico quanto a sua condição temporal.
Mas o que é uma súmula vinculante? Segundo nos ensina Siqueira Jr., “a
súmula vinculante é o enunciado emitido pelo Supremo Tribunal Federal, que
sintetiza as reiteradas decisões em casos semelhantes, firmando o entendimento
a respeito de matéria constitucional, que publicada terá efeito vinculante em re-
lação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal” (2009, p. 96). Trata-se apenas de
matéria de ordem constitucional e de temas polêmicos que subiram ao Supremo
Tribunal Federal e que o mesmo orienta aos demais tribunais qual deverá ser o
posicionamento nestes casos específicos. Em tese, isso significa que o STF está
dizendo que, com relação a casos específicos determinados pela súmula vincu-
lante, no momento a sua interpretação e decisão é aquela constante na súmula,
não dando esperanças de que, ao menos de forma radical, venha a mudar sua
interpretação. Para os juspositivistas isso se denomina segurança jurídica.
Para Abboud, Carnio e Oliveira, “o objeto da súmula vinculante é a divergência
interpretativa acerca de aspectos constitucionais, em outros termos, sua função pre-
cípua é elucidar a correta interpretação de dispositivos constitucionais” (2013, p. 245).
Uma última questão a ser abordada e normalmente questionada quando do
seu aprendizado, é o de se jurisprudência tem tempo determinado. A resposta é
não, porque o seu tempo é determinado por dois fatores: a) mudança de norma

111
UNIDADE 5

jurídica de que trata a jurisprudência, que poderá ser feita a qualquer momento,
pois depende de um ato de vontade do legislador, a existência de jurisprudência
não pode limitar a extinção da lei de que trata; e b) a apresentação de novos argu-
mentos jurídicos que possam derrubar determinada jurisprudência e também, é
uma questão de composição dos membros das câmaras dos Tribunais Superiores,
que podem mudar o entendimento e a forma de interpretação corrente.
Quanto as fontes não-estatais do Direito, por ser nosso ordenamento de pre-
dominância juspositivista, pouco espaço existem para as mesmas.
Autores contemporâneos como Nunes define o Direito Positivo como “o
conjunto das normas jurídicas escritas e não-escritas (o costume jurídico), vi-
gentes em determinado território e, também, na órbita internacional na relação
entre os Estados” (2005, p.129-130), inserindo já nesta definição, a necessidade
da presença do Estado organizado e que irá dar legalidade e legitimidade a
esta lei escrita e não-escrita. É conveniente ressaltar que no tocante as leis
não-escritas, na realidade elas não existem na forma de leis propriamente ditas,
mas são casos concretos onde um juiz, por não ter encontrado uma lei geral
e abstrata para a solução do mesmo, termina por fundamentar a sua decisão
nos usos e costumes de determinada região ou ainda, pesquisando decisões
tomadas por outros juízes para casos semelhantes. Neste caso, o próprio Có-
digo Civil, na sua Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro no artigo
4 diz o seguinte: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. A analogia nada mais
é do que a comparação de casos semelhantes, os costumes não estão escritos
mas é uma prática reiterante da sociedade, como por exemplo, o caso do che-
que pré-datado e os princípios gerais do direito, nada mais são do que o corpo
constitutivo de conhecimento do direito adquirido na história da humanida-
de, e que de forma geral, tem aceitação pela maioria dos países que vivem no
Estado Democrático de Direito.
É bom ressaltar que mesmo nos dias atuais, ainda temos estudiosos do direi-
to que ainda defendem o jusnaturalismo, como forma de resolver ou ao menos
amenizar o caos em que vive a sociedade e o sistema judiciário de nosso país.
Quanto ao Costume Jurídico, este se caracteriza por ser “a repetição habi-
tual de um comportamento com a convicção de sua obrigatoriedade. Eles se
vinculam ao poder social, que vem a ser o poder decisório anônimo do povo e
inerente à vida coletiva” (Betioli, 2011. P. 161). É a repetição por uso da socieda-

112
UNICESUMAR

de e por não encontrar normas jurídicas que se oponham radicalmente contra


tal prática, a mesma termina por se incorporar no ordenamento, e até mesmo,
em algum tempo histórico, se incorporam ao direito positivo, como é o caso
no Brasil, do cheque pré-datado, que segundo as normas do Banco Central não
existe como figura jurídica, mas que se incorporou ao nosso cotidiano, como
uma necessidade diante da escassez de moeda. E depois, o próprio Código de
Defesa do Consumidor acabou abrigando e protegendo esta prática.
Segundo Betioli, do costume jurídico “resulta uma norma jurídica impe-
rativo-atributiva, a ponto de os interessados poderem exigir coativamente o
respeito a esse comportamento, em caso de transgressão”, para o arrepio de
Hanz Kelsen é uma conduta social, resultado de prática reiterada buscando
amparo na norma escrita para a continuidade de sua existência e mesmo a
coatividade necessária para a sua proteção. Alguns autores defendem que este
é o direito por excelência, porque surge a partir da necessidade e conveniência
das partes, estando inclusive, sujeitos a influência de ordem moral, religiosa
e mesmo ética.
No entanto, segundo Betioli (2011) para seja reconhecido como um costu-
me jurídico é necessário que ele atenda duas condições básicas: “a) a repetição
habitual de um comportamento durante certo período de tempo, um compli-
cador é quanto a questão de tempo, o que recomenda a doutrina, e mesmo a
jurisprudência é o uso do bom senso, para que o juiz possa reconhecer a exis-
tência desse costume; b) a convicção ou consciência social de que tal conduta
é necessária ou conveniente ao interesse da sociedade, e, assim, juridicamente
obrigatória” (2011, p.208). O problema do costume jurídico é com relação
a questão do tempo, quanto tempo é necessário para que um determinado
comportamento possa ser assimilado como costume jurídico? O complicador
é que desde nossas origens, e depois com a República, o positivismo sempre
foi predominante na nossa cultura jurídica.
Quando alguém invoca um direito resultante de uma lei positiva, é fácil
encontrar a lei, a origem formal e material e a vigência, não é preciso provar
a sua existência, uma vez que uma das características da lei positiva é o seu
caráter de publicidade. No entanto, o mesmo não acontece com o costume
jurídico, que às vezes pode ser de desconhecimento do juiz ou da autoridade
competente, neste caso, conforme determina o Código de Processo Civil no
artigo 337, “a parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou con-

113
UNIDADE 5

suetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar”. Devendo


ser utilizado todos os tipos de provas lícitas previstas em nosso ordenamento.
Quando da aplicação do costume jurídico ainda existe outro problema,
que é o posicionamento do costume jurídico em face da lei escrita, lei positiva,
neste sentido teremos três tipos de situações: secundum legem, praeter legem
e contra legem.
O costume jurídico “secundum legem (segundo a lei) – é o costume que está
previsto na lei, a qual reconhece sua eficácia obrigatória. A lei se reporta expressa-
mente a ele, reconhecendo sua obrigação” (Betioli, 2011, p. 211). No caso especí-
fico das relações de consumo é o respeito que o lojista tem que ter com o cheque
pré-datado que é uma promessa de pagamento futuro, embora na legislação do
Banco Central, todo cheque é sempre pagamento à vista, sendo assim, na relação
com o Banco o cheque será apresentado e não tendo fundo, tomadas as medidas
previstas na legislação bancária, quanto ao consumidor, o lojista terá que inde-
nizá-los e outras providências previstas no Código de Defesa do Consumidor.
O costume jurídico “praeter legem (além da lei) – é aquele que intervém na
falta ou omissão da lei. Nesse caso ele pode ser invocado, embora não mencio-
nado pela legislação, tendo caráter supletivo, uma vez que supre a lei nos casos
omissos” (Betioli, 2011, p. 211). Por exemplo, em regiões onde a negociação com
gado é mais intensa o pagamento da comissão pela venda é determinada pelo
costume, uma vez que não existe legislação específica para este tipo de atividade.
O costume jurídico “contra-legem (contrário à lei) – é aquele que se forma
em sentido contrário ao da lei; que contraria o que dispõe a lei” (Betioli, 2011, p.
211). É um costume que raramente se manifesta em nosso ordenamento jurídico,
pois entre a lei positiva e o costume jurídico o juiz deverá ficar com a lei, salvo
casos muito específicos e raros em nosso ordenamento.
Outra fonte não-estatal do Direito é a doutrina jurídica que “decorre do resul-
tado da atividade intelectual científico-jurídica dos juristas. O estudos realizados
pelos juristas, na interpretação do direito, na elaboração de conceitos jurídicos,
constituem o que denominamos doutrina” (Siqueira Jr., 2009, p. 97). Na realidade,
com consequência da própria importância do Direito, não só os juristas produ-
zem doutrina ou ensinamentos, mas outras áreas do conhecimento humano,
quem maior afinidade com o Direito, também exercem essa importante missão,
que é a construção e difusão do Direito.
Alguns estudiosos não concordam em ser a doutrina uma fonte do direito, no

114
UNICESUMAR

entanto, segundo nos ensina Reale, “o fato de não ser fonte do direito não priva, to-
davia, a doutrina de seu papel relevantíssimo no desenrolar da experiência jurídica.
Na realidade a sua função é de outra natureza, como se depreende do confronto
entre o que é produzido pelas fontes e o que é revelado pela doutrina” (2002, p. 176).
Outro posição discordante da doutrina ser uma fonte do Direito, é aquela
exposta por Betioli, para quem, “a doutrina não constitui uma fonte do direito,
porque não tem força bastante para revelar uma norma jurídica obrigatória.
Não possui estrutura de poder, indispensável à caracterização das formas de
revelação do direito. Sua força é convincente, não vinculante” (2011, p. 237).
Mesmo não tem força vinculante, sendo ou não uma fonte do direito,
todos reconhecem o papel importante desenvolvido pela doutrina, porque é
através dela que o legislador poderá inclusive, se utilizar para aperfeiçoar a
própria lei, e o desenvolvimento de suas atividades legislativas. Outro aspec-
to importante é que o estudo do direito nas faculdades de Direito e ciências
afins, normalmente ocorrem através dos ensinamentos proporcionados pela
doutrina. Ela é referencial balizador para a tomada de posicionamento teóri-
co-jurídico, e mesmo conduz a prática do jurista.
É Reale, dentro da sua visão culturalista, que expande os horizontes da
importância da doutrina, quando nos ensina que esta, “banha as matrizes do
Direito, indagando do papel histórico e da função atual de cada uma delas, das
relações de dependência existentes entre as diversas fontes do direito, em cada
País e em cada ciclo histórico, e, indo além, esclarece-nos sobre o significado
das normas ou modelos que das fontes derivam” (2002, p. 178).
Finalizando, as fontes do direito não nos revelam apenas a sua origem, mas
a compreensão que a sociedade tem do próprio Direito e que modelo melhor
atende as suas necessidades e expectativas.

Considerações finais

Se a positivação do direito aconteceu de forma simultânea à edificação do


Estado Moderno, as fontes do direito antecedem a este fenômeno jurídico, e
nos dias atuais, constitui-se em importante conhecimento para identificar a
legitimidade e a legalidade para a existência da norma e também, para per-
mitir um posicionamento quanto à hierarquia das leis.

115
1. Explicar quando começa a ocorrer a positivação do Direito Moderno.

2. Explicar o que são as fontes do direito.

3. É possível afirmar que no ordenamento jurídico brasileiro, os costumes constituem-


-se de um importante referencial para a tomada de decisão do juiz?

4. É possível em nosso ordenamento jurídico um costume jurídico se contrapor e


prevalecer diante de uma norma escrita? Fundamentar sua resposta.

5. Explicar a diferença entre uma portaria e uma lei.

116
6
Norma Jurídica e
a Sanção
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender o compreender os elementos técnicos necessários à


existência da norma jurídica.
• Conhecer uma das classificações da norma jurídica.
UNIDADE 6

Já estudamos a teoria e estrutura geral da norma e os principais conceitos sobre


o normativismo jurídico. Agora nos resta aprofundar um pouco mais o conhe-
cimento específico de algumas questões fundamentais para o mundo jurídico.
A sanção é a característica da norma jurídica que imputa uma ação prevista
em lei, quando alguém não cumpre com o dever ser da norma e lhe impõe um
comportamento. Já não cabe neste instante um querer ou não da pessoa, resta-lhe
apenas se resignar e aceitar a imposição do comportamento, ou ainda, fugir e
aumentar as consequências pelo seu desvio de conduta.
Nem toda norma jurídica gera uma sanção, nem por isso, a mesma pode ser
desprezada, no entanto, no caso do Brasil, verificaremos que o povo associa a
obediência à norma, com a existência de uma sanção, são estes fatos e outros, que
iremos discutir no desenvolvimento deste capítulo de nosso estudo.

118
UNICESUMAR

A relação entre norma jurídica e sanção

Já foi apresentada a teoria e estrutura geral da norma e os principais conceitos


sobre o normativismo jurídico. Agora nos resta aprofundar um pouco mais o co-
nhecimento específico de algumas questões fundamentais para o mundo jurídico.
A sanção é a característica da norma jurídica que imputa uma ação pre-
vista em lei, quando alguém não cumpre com o dever ser da norma e lhe
impõe um comportamento. Já não cabe neste instante um querer ou não da
pessoa, resta-lhe apenas se resignar e aceitar a imposição do comportamento,
ou ainda, fugir e aumentar as consequências pelo seu desvio de conduta.
A sanção é a consequência da não observação do deve jurídico e tem por
objetivo desfazer ou reparar um mal causado por um ato ilícito. Segundo
Hanz Kelsen, “as sanções no sentido específico desta palavra aparecem – no
domínio das ordens jurídicas estaduais – sob duas formas diferentes: como
pena (no sentido estrito da palavra) e como execução (execução forçada).
Ambas as espécies de sanções consistem na realização compulsória de um mal
ou – para exprimir o mesmo sob a forma negativa – na privação temporária
de um bem” (1994, p. 122). Como não poderia ser diferente, a análise concei-
tual de Hanz Kelsen é técnica, sendo assim, a finalidade da pena é impor um
castigo, como forma de demonstrar o que acontece com aqueles que ousaram
enfrentar ou desobedecer o dever ser da norma. É uma visão semelhante
àquela defendida por Thomas Hobbes na obra o Leviatã, conforme já exposto
em outro momento em nosso curso.
Já no desenvolvimento do pensamento de Reale, o “que caracteriza a san-
ção jurídica é a sua predeterminação e organização. Matar alguém é um ato
que fere tanto um mandamento ético-religioso como um dispositivo penal.
A diferença está em que, no plano jurídico, a sociedade se organiza contra
o homicida, através do aparelhamento policial e do Poder Judiciário” (2002,
p. 74). No estado moderno não é o cidadão e nem o juiz “X” quem aplica a
sanção, primeiro porque ela está prevista no ordenamento e se dirige e aplica
a todos, segundo, porque é da responsabilidade do Estado e não dos indi-
víduos aplicar a sanção. Não é o agente penitenciário “X” quem mantém o
preso recluso, mas sim o representante do Estado que apenas cumpre uma
determinação da norma.

119
UNIDADE 6

O ponto de vista dotado para os nossos estudos é sempre com relação ao


Estado organizado, onde prevaleça o Estado Democrático de Direito, embora
as teorias de Hanz Kelsen possam ser aplicadas em qualquer forma de governo,
porque uma das condições para se admitir a sanção, a coerção e a coação é que
ela seja realizada por autoridade competente, portanto, “quando se fala em sanção
institucionalizada, entende-se estas três coisas, ainda que nem sempre elas se en-
contrem simultaneamente: 1) toda violação de uma regra primária, é estabelecida
a relativa sanção; 2) é estabelecida, se bem que dentro de certos termos, a medida
da sanção; 3) são estabelecidas pessoas encarregadas de efetuar a execução” (Bob-
bio, 2005, p. 161).
Para Schwartz, “poder-se-ia conceituar a sanção como sendo um fato positivo
ou negativo imposto ao sujeito passivo, pela força, se necessário, como conse-
quência do descumprimento do dever jurídico” (2009, p. 98). No entanto, o uso
da força é reservado ao Estado e assim mesmo, existem normas e procedimentos,
ou protocolos, que instruem os agentes do Estado em que circunstâncias, como
e a dose de força necessária. Mas existem casos bem específicos, aonde o cidadão
comum pode se valer da força, “naquelas situações em que alguém se vale do es-
forço próprio para legitimamente defender-se de atos que ponham em risco sua
vida e seu patrimônio” (Schwartz, 2009, p. 98).
Outra visão sob a sanção jurídica é aquela ensina por Telles Junior, para quem
a “sanção jurídica é, precisamente, aquilo que o lesado está legalmente autorizado
a exigir e a impor, como consequência da violação da norma jurídica. Lembremos,
para evitar mal entendidos, que o lesado não é obrigado a recorrer às sanções, mas
simplesmente autorizado a fazê-lo” (2009, p. 78). Isto porque, existem alguns direi-
tos que são facultativos, situação na qual o titular do Direito pode ou não exercer
este Direito, por exemplo, o proprietário de um restaurante, pode não desejar co-
brar juridicamente uma conta de um cliente e simplesmente absorver o prejuízo,
contra este tipo de situação, o Estado nada poderá fazer. O lesado está autorizado
a fazê-lo, mas não a executar, pois a execução é de responsabilidade do Estado.
Na realidade a sanção exerce duas funções de ordem geral: a primeira é a ga-
rantia pela ameaça de um futuro castigo; a segunda, como reparação do dano ao
lesado, reintegrando o sujeito passivo à ordem jurídica, porque uma vez cumprida
à sanção imposta, este não tem mais débitos para com o Estado e por consequên-
cia, à sociedade.

120
UNICESUMAR

Mas ainda existe outra perspectiva sobre a sanção, “numa perspectiva ju-
rídica técnica capitalista, a ação do sujeito não é um impulso moral, mas sim
um cálculo. Sua escolha por enfrentar uma sanção não é uma queda num mal
intrínseco, e sim uma mera opção ou um encaminhamento a uma determina-
da sanção como consequência de um ato” (Mascaro, 2013, p. 92). O homem
no capitalismo calcula a relação custo-benefício da sanção, e nem sempre se
conduz pela ação moral e tão pouco pelo dever ser. Existem situações em que
o benefício pelo descumprimento da norma é muito maior do que a sanção
prevista pela mesma, sendo assim, é preferível correr o risco, mas antes colher
os benefícios. É o caso, por exemplo, de pessoas que trabalham na informali-
dade buscando produtos em países vizinhos acima da cota permitida, como
o risco é reduzido em função da escassez de recursos para fiscalização e tam-
bém diante da dimensão de nossas fronteiras, o risco, ainda que ilícito, ainda
que corra o risco de perder a mercadoria e outros dissabores, é compensado
pelos benefícios.
Contudo, é necessário destacar, num primeiro momento, a importância
de Hanz Kelsen que separa Direito da moral e da religião, sendo proibido so-
mente o que tem previsão na norma, tirando a subjetividade que já em tempos
anteriores à sua obra, caracterizavam parte do Direito moderno, por outro
lado, apresenta também, não de forma intencional pelo autor, alguns proble-
mas, neste sentido, porque se a sua teoria é um avanço “em face dos velhos
juristas que confundiam direito com moral e religião, mas também apresenta
problemas por ser reducionista, porque não dá conta de explicar quais os inte-
resses sociais, as ideologias, as culturas, os poderes, os constrangimentos e as
relações históricas que estão pode detrás das instituições jurídicas” (Mascaro,
2013, p. 93-94). Esta posição crítica de Mascaro (2013) pode ser mais bem
compreendida se analisarmos porque no Brasil crimes de corrupção têm, na
maioria das vezes, penas leves e via processual tortuosa, capaz de gerar uma
sensação de impunidade, ou então, confiando na morosidade da justiça. A
corrupção no setor público afeta de forma direta os direitos humanos e fun-
damentais, porque desvia verbas de áreas sensíveis e carentes, aumentando
ainda mais o sofrimento, a miséria e alimentando os feudos políticos em re-
giões mais carentes, aonde o povo precisa mendigar e implorar por recursos
que, constitucionalmente e humanamente lhes pertence.

121
UNIDADE 6

Mas e a possibilidade da existência de normas jurídicas sem sanção? Já fora


apresentado que para o juspositivismo uma característica fundamental da norma
jurídica é a sua coercibilidade que é resultante do grau de sanção necessariamente
estabelecida pela mesma, no entanto, existem casos em que a sanção não existe,
nos esclarece este assunto Bobbio, quando afirma que “o argumento mais comum e
também mais fácil contra a teoria que vê na sanção um dos elementos constitutivos
de um ordenamento jurídico é o que se funda na presença, em todo ordenamento
jurídico, de normas não garantidas por sanção” (2005, p. 166).
Afirma Bobbio que mesmo o juspositivista mais radical não terá dificuldade em
verificar que normas sem sanção, estão dentro da realidade de vários ordenamentos
jurídicos contemporâneo, e além do mais,“a sanção tem relação não com a validade,
mas com a eficácia” (2005, p. 167) e é possível uma norma ser válida sem ser eficaz.
Um exemplo de norma sem sanção é a própria Constituição Federal, a qual o
legislador não previu sanções, e sendo assim, este deveria ser punido? Para Bobbio,
tal procedimento não faz sentido, pois o legislador constitucional originário tem
a característica de poder supremo, sendo assim, com relação ao legislador consti-
tuinte, “uma força coercitiva não é absolutamente mais possível, pela contradição
que não o consente, ou seja, porque se esta força existisse, aquele poder não seria
mais supremo” (2005, p. 168). Além do mais, uma Constituição trata justamente
sobre aquele que está no topo do poder, que é o próprio Estado e não seria possível
a admissão de um poder que estivesse acima do próprio Estado.
Estes fundamentos apresentados por Bobbio (2005) já encontravam ecos na
própria ideia de constitucionalismo, quando se define que “a Constituição estabe-
lece a formação do próprio Estado (o Constitucional), além disso, ela racionaliza e
limita a soberania e os poderes constituídos. Com efeito, não há poder legítimo que
não esteja previsto na Constituição e que nela não encontre também seus limites”
(Abboud, Carnio e Oliveira, 2013, p. 243). Se ela estabelece o poder e a legitimi-
dade para o seu exercício, realmente não pode existir um poder superior aquele
que o criou, sendo assim,“não se pode confundir a lei como fonte do direito com a
própria Constituição Federal. A segunda, apesar de ela estabelecer todas as etapas
necessárias do processo legislativo, não pode ser equiparada à própria lei” (Abboud,
Carnio e Oliveira, 2013, p. 243).
Neste sentido, a força da Constituição Federal advém de uma decisão da própria
sociedade que sentiu a necessidade imperiosa de estabelecer um ponto de partida
para a construção e identificação do Estado, “ademais, a Constituição estabelece

122
UNICESUMAR

princípios fundamentais (v.g., liberdade e igualdade) e direitos fundamentais que


devem ser promovidos e respeitados pelos três poderes, sendo a lei um dos princi-
pais instrumentos para implementá-los” (Abboud, Carnio e Oliveira, 2013, p. 243).
A coerção é outro constitutivo da norma jurídica, não da sua estrutura lógica,
mas no aspecto externo à norma, mas característico da natureza humana, ou seja,
é o efeito psicológico que antecede a sanção, ou ainda, o temor produzido pelas
consequências da sanção. Conforme nos ensina Diniz, a coerção “é o medo das
consequências da violação da norma jurídica que reside na consciência e exerce
pressão sobre a vontade livre do obrigado” (2010, p. 126). Quanto maior o grau de
coerção, mas problemática se apresenta a sociedade, pois se a adesão às normas
for espontânea, melhor será a estrutura social. Sendo assim, a coerção é resultado
de uma manifestação de defesa da natureza humana, em função do sofrimento e
castigo exercido pela sanção. Além do rigor da sanção, o que pode despertar nas
pessoas o aumento do grau de coerção, é a efetividade da fiscalização e punição das
normas, neste sentido, a sensação de impunidade, que nos parece vigorar no Brasil,
reduz o campo de interferência da coerção como fato psicológico.
Outro elemento de ordem objetiva que compõe a norma jurídica é a coação que
é a aplicação forçada da sanção. Para Betioli, “a coação é uma espécie de sanção: é a
sanção concreta ou a sanção de ordem física. A coação como execução compulsória,
liga-se ao dever ser do Direito, pois quando a norma jurídica, que contém o preceito
de conduta, não é espontaneamente cumprida, impõem-se certas conseqüências:
realização do que foi ordenado e reparação do não cumprimento” (2011, p. 120). Se
a sanção é a previsão de imposição de conduta diante da não obediência à norma
jurídica, a coação é a realização material e mesmo moral da primeira.

A Norma Jurídica e suas Classificações

A literatura quanto a classificação é tão rica, quanto complexas e algumas termi-


nam por caminhos que não são objetos de nosso estudo, pois introduzem teorias
complexas e requer um pouco mais de estudo acerca dos elementos fundantes e
constitutivos do direito. Mas o Professor Rizzato Nunes (2005, p. 206-207) nos
apresenta uma classificação simples, e amplamente utilizadas na maioria dos
cursos de Introdução do Direito, assim como em concursos públicos das mais
diversas áreas. A classificação proposta é a seguinte:

123
UNIDADE 6

1. Quanto à Hierarquia:
a) Normas Constitucionais.
b) Leis Complementares, Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Decretos Le-
gislativos e Resoluções e Medidas Provisórias.
c) Decretos Regulamentares.
d) Outras Normas de Hierarquia Inferior: portarias, circulares, etc.

Já fora estudado que a questão da hierarquia das normas não se trata de importância
subjetiva que se dá a esta ou aquela norma, mas conforme nos ensina Hanz Kelsen,
“a ordem jurídica, especialmente a ordem jurídica cuja personificação é o Estado,
é, portanto, não um sistema de normas coordenadas entre si, que se acham, por
assim dizer, lado a lado, no mesmo nível, mas uma hierarquia de diferentes níveis
de normas” (2005, p. 181). É uma hierarquia que tem por função, entre outras, de
estabelecer competências para legislar, de estabelecer que norma permite dar a
outra norma, critério de validade e vigência.
Para Betioli, “a finalidade prática dessa hierarquia é evitar o caos, pois, caso
contrário, seria grande o problema de dispositivos conflitantes e imensa a confusão
legislativa” (2011, p. 204), principalmente em nosso país, onde de longa data sofre-
mos de uma inflação legislativa, com um número absurdo de normas, que às vezes,
legislam sobre mesmo assunto, ou assuntos que poderia ser legislados simplesmente
por uma norma geral.

124
UNICESUMAR

2. Quanto à Natureza de suas Disposições:


a) Normas Jurídicas Substantivas – São as que criam, declaram e definem
direitos, deveres e relações jurídicas. Estas normas estão definidas em
Códigos específicos como o Código Civil, o Código Penal, o Código
Comercial, ou ainda, nas chamadas leis esparsas, em outras palavras, são
as leis que por motivo qualquer, o Legislador ainda não sentiu a necessi-
dade de juntá-las num único Código, até porque, normalmente tratam
de assuntos diversos e as vezes desconexos de forma direta.
b) Normas Jurídicas Adjetivas – São aquelas que regulam o modo e o pro-
cesso, para o acesso ao Poder Judiciário, ou seja, para que a sua reclama-
ção de direito possa ser analisada pelo Judiciário, será necessário obe-
decer algumas normas e procedimentos técnicos, que não lhes garante
direito, mais sim o acesso ao direito. Estas normas estão dispostas no
Código de Processo Civil, Código de Processo Penal, Código de Pro-
cesso Penal Militar e também algumas leis específicas como a Lei do
Inquilinato. Quando não houver um código de processo específico e o
mesmo não for determinado por lei específica, o Código de Processo
Civil servirá de diretriz para a invocação do direito junto ao judiciário.

Este assunto já fora apresentado quando tratamos do Direito Objetivo e Direito


subjetivo, no entanto, é preciso reforçar alguns pontos.
Para Hanz Kelsen as normas substantivas e adjetivas só têm razão e existir, se
coexistirem, porque “apenas na sua união orgânica é que eles forma o Direito. Toda
regra de Direito completa ou primária, como a denominamos, contém o elemento
formal e material” (2005, p. 188). Não faz sentido conceder a alguém um Direito sem
lhe garantir a forma como poderá junto aos órgãos do estado, invocar a proteção ou
restituição de um Direito, e mais ainda, sem saber quem e como lhe será aplicada a
sanção, pois, “a forma (bastante simplificada) de uma regra de Direito criminal é: se
um sujeito cometeu certo delito, entoa certo órgão (o tribunal), designado de certa
maneira, deverá, através de certo processo, especialmente pela moção de outro órgão
(o promotor público), dirigir contra o delinquente determinada sanção” (Kelsen, 2005,
p. 188-189) e mais, o seu advogado, deverá saber, quais são as normas e as formas de
sua invocação, para acompanhar todo o desenrolar do processo. Para Hanz Kelsen, a
norma jurídica deve tratar a todos com igualdade, pois estando destituída de valores,
encontra-se somente no campo do dever ser incondicional de todos os seres humanos.

125
UNIDADE 6

3. Quanto à Aplicabilidade:
a) Normas Jurídicas auto-aplicáveis – São as normas jurídicas que
não necessitam de normas complementares para que as mesmas
possam começar a gerar obrigações e direitos, como por exemplo
no Código Civil, o artigo 1º que diz “toda pessoa é capaz de direitos
e deveres na ordem civil”. Esta norma não precisa esperar o auxílio
de nenhuma outra norma para ser aplicada.
b) Normas Jurídicas Dependente de Aplicação – Algumas normas
jurídicas precisam esperar a criação posterior de outras normas,
para que as mesmas possam começar a gerar direitos e obrigações.
Normalmente este tipo de norma é resultante da própria Cons-
tituição Federal ou Estadual, que pode criar uma Lei que conce-
dem direitos, mas prefere não colocar a especificidade da mesma,
até porque o objetivo da Constituição é o de apresentar as leis na
sua forma geral, então, fica para uma lei posterior definir melhor
a aplicabilidade desta lei. Como exemplo, podemos dizer o artigo
7º da Constituição Federal onde temos que entre alguns direitos
dos trabalhadores urbanos e rurais, está a “participação nos lucros,
ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente,
participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”. O
Congresso Nacional ainda não criou uma lei que possa possibilitar
a aplicação deste inciso constitucional, e o que temos no momento,
são alguns acordos resultantes de convenção coletiva de trabalho,
mas ainda com saldos precários no tocante a real participação dos
trabalhadores. Ainda é mais uma concessão, uma espécie de “auxí-
lio” do que um direito realmente conquistado e efetivado.

Para Betioli, estas normas exigem “para sua vigência, a criação de novas nor-
mas legais que a complementam. O complemento normativo deve decorrer
inequivocamente no sentido de suas disposições” (2011, p. 193), em outras
palavras, o complemento não pode mudar o sentido e o objetivo da norma,
desvirtuando a competência de quem legislou sobre a matéria.

126
UNICESUMAR

c) Normas Jurídicas Dependentes de Regulamentação – Algumas normas


jurídicas apresentam apenas o escopo geral da intenção do Legislador,
mas como este tem apenas a competência para a criação da Lei e não
da forma de execução e fiscalização da mesma, fica na espera do Poder
Executivo criar uma Lei que regulamente a execução da mesma. Não é
uma forma de discriminação de poder, mas sim resultado da competên-
cia de cada poder, pois no caso de uma Lei que implica na cobrança de
determinado imposto, o Congresso Nacional não tem competência para
dizer à Receita Federal como deverá ser feita esta cobrança e fiscalização.

No entanto, é preciso estar atento no sentido de que “a ausência de regu-


lamentação obsta a execução da lei, na parte em que esta depender do ato
regulamentador” (Betioli, 2011, p. 193), portanto, é possível que a norma te-
nha vigência parcial, e mais ainda, “a regra geral é, portanto, toda norma ser
autoaplicável; a dependência de regulamentação é a exceção” (Betioli, 2011, p.
193). O problema da regulamentação muitas vezes depende exclusivamente
de vontade política e condições materiais do Estado em implantar a norma.
4. Quanto à Sistematização – É a forma como as leis estarão dispostas. A siste-
matização é consequência da própria organização exigida pelo positivismo
e na realidade, simplifica o trabalho de produção normativa e de pesquisa
do jurista, pois sabe que, quando se trata de normas constitucionais, todas
se encontram organizadas e dispostas na constituição e assim por diante.
a) Constitucionais – Estão todas contidas na Constituição e nas res-
pectivas Emendas Constitucionais.
b) Codificadas – Devido ao seu conjunto de afinidades, as leis estão
dispostas num único livro de normas, chamado de Código.
c) Esparsas ou Extravagantes – Leis de uso mais corrente e que devido
a sua falta de especificidade, independente do motivo, ainda não
podem ser dispostas num Código que as caracterize. Como por
exemplo, as leis que o Presidente da República faz publicar, para
empossar ou destituir um Ministro de Estado e outros cargos de
confiança do âmbito de sua competência.

127
UNIDADE 6

d) Consolidadas – São as leis que em determinado momento da his-


tória estavam esparsas mas tinham similaridade no seu conteúdo,
e o Legislador não criou mais leis, mas somente resolveu juntá-las
num único livro de normas, como por exemplo, a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT).
5. Quanto à Obrigatoriedade – É quanto a possibilidade de modificação
das Leis.
a) Normas de Ordem Pública – Só podem ser alteradas pela esfera
pública competente, e se impõe sobre todos, mesmo sobre aqueles
que a criaram.
b) Normas de Ordem Privadas – São aquelas criadas pelo particulares e
que afetam somente aquele grupo social que de uma forma ou de outra,
quis se colocar à disposição de sua obediência. Temos como exemplo,
as normas que regulam a existência de um clube social, que definem
a forma de ingresso dos associados, valores a serem pagos, normas de
conduta interna no clube e outros, no entanto, nenhuma norma parti-
cular pode entrar em conflito com Constituição Federal, ou outra Lei
de Ordem Pública, porque estas se encontram em posição hierárquica
inferior e também, não representam os interesses da coletividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento das características da sanção, da coerção e da coação é de suma


importância para compreender a norma em toda a sua extensão, e saber como a
mesma se articula na atividade diária de um jurista.
Quanto a norma jurídica e suas classificações, o conhecimento da mesma nos
permite organizar melhor as normas e sua existência.

128
1. Explicar o que é sanção no tocante à norma jurídica e sua relação com aspectos
de ordem psicológica.

2. É possível existir coação sem sanção? Fundamentar sua resposta.

3. Apresentar como são classificadas as normas quanto a sistematização.

4. Como proceder, quando existir um conflito entre uma norma de ordem pública e
outra de ordem privada? Fundamentar sua resposta.

129
7
A Norma
Jurídica:
Validade,
Vigência e
Retroatividade
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Conhecer e estudar as questões pertinentes à validade, vigência


e retroatividade da norma jurídica.
• Aprender o que significa a revogação da norma jurídica.
• Conhecer e compreender a importância da eficácia da norma
jurídica.
UNIDADE 7

Uns dos problemas mais comumente


encontrados no mundo jurídico são
aqueles produzidos pela tríade: Vali-
dade-Vigência-Retroatividade e que
iremos estudar com detalhes uma vez
que consiste em problemas do dia-a-
-dia de um jurista.
São conceitos fundamentais para a
vida jurídica e constituem grande parte
do cotidiano do mundo jurídico.

132
UNICESUMAR

Validade da Norma Jurídica

A questão da validade da norma jurídica tem apresentado controvérsias no es-


tudo do direito, pois alguns preferem associar a validade com a vigência, estabe-
lecendo uma relação direta entre estes dois termos, assim como o aspecto da le-
gitimidade da norma. Interessa-nos uma definição prática e que possa equilibrar
estas diferenças. Na linha de pensamento do Professor Rizzato Nunes (2005) a
validade da norma jurídica pode estar associada aos aspectos técnicos-jurídicos
para a sua criação, e ainda com relação a legitimidade. Vamos nos ater no primeiro
aspecto, pois é o termo que persistirá no nosso dia-a-dia, sendo assim, “fala-se de
a norma jurídica ser válida quando criada segundo os critérios já estabelecidos no
sistema jurídico” (2005, p. 211), pois o ordenamento jurídico prevê normas para
disciplinarem a criação de normas, na Constituição Federal o artigo 59 diz que
uma Lei Complementar irá dispor estas normas, que posteriormente foi chamada
de Lei Complementar 95/1998.
Para Hanz Kelsen a questão da validade pode ser reduzida as seguintes con-
dições: “a) houver sido criada de maneira estabelecida pela ordem jurídica à qual
pertence, e se b) não houver sido anulada, ou de maneira estabelecida por essa
ordem jurídica, ou por dessuetude (deixou de ser usada), ou pelo fato de ter a
ordem jurídica, como um todo, perdido sua eficácia” (2005, p. 175).
Outra posição é defendida pelo Professor Miguel Reale, mas que mantém
afinidades com aquelas já apresentadas inicialmente, pois para que uma lei seja
válida é preciso a conjugação de dois requisitos: “ser emanada de um órgão com-
petente e ter o órgão competência ratione materiae” (2006, p. 109), em outras
palavras, que o órgão responsável pela elaboração da lei tenha competência ma-
terial para isso, por exemplo, o poder Legislativo Estadual, não poderá elaborar
uma Lei que venha a extinguir um imposto federal, pois este foro legislativo não
tem competência para tal. É preciso seguir a hierarquia das leis e da competência
para elaboração das mesmas.
Como este assunto já fora tratado anteriormente, vamos nos ater apenas em
recuperar o seu conteúdo.

133
UNIDADE 7

Vigência da Norma Jurídica

A vigência é uma consequência direta do critério de validade, uma vez que uma
lei pode ser válida, mas ainda não estar vigente, e só pode ter vigência se satisfeito
o critério de validade e demais exigências acessórias e muitas vezes específicas da
norma. Alguns estudiosos, como Miguel Reale chamam a vigência de validade
formal e a primeira espécie de validade de validade técnica.
Ensina-nos Reale que “não basta que uma regra jurídica se estruture, pois é
indispensável que ela satisfaça a requisitos de validade, para que seja obrigatória.
A validade de uma norma pode ser vista sob três aspectos: o da validade formal
ou técnico-jurídica (vigência), o da validade social (eficácia ou efetividade) e o
da validade ética (fundamento)” (2009, p. 105). Neste sentido, diferente de Hanz
Kelsen que quer estudar o Direito apenas enquanto uma ciência jurídica, Reale
estabelece uma relação entre o Direito enquanto dever ser e o Direito no campo
do ser, ou seja, a existência real e concreta deste direito.
Para Betioli, “vigência pode significar o período, o lapso de tempo, durante
o qual uma lei tem, teve ou terá a possibilidade de ser exigida, de ser imposta às
pessoas, num determinado lugar; abrangeria, por assim dizer, o nascimento, a
vida e a morte da regra legal; é o aspecto temporal, que alguns autores chamam
de validade material, para fins de esclarecer uma diferenciação entre existência
e validade” (2011, p. 243).
A vigência está ligada diretamente com a obrigatoriedade do cidadão em
passar a obedecer a norma a partir de um momento, momento este que poderá
ser definido pela própria lei. Sendo assim, associamos vigência com a questão
temporal. Para que uma norma possa entrar em vigência, depois dos aspectos
formais-técnicos-jurídicos de sua criação, ainda será necessária a sua publicação
no Diário Oficial competente, para que todos tomem ciência da sua existência,
da sua coercibilidade e mesmo o momento a partir da qual a lei passa a vigorar.
De forma objetiva a vigência está associada com o presente e o futuro.
Mas quem pode estabelecer a data em que a Lei entra em vigor? Somente o
órgão competente que a elaborou, e assim mesmo, algumas Leis tem prazo míni-
mo para entrar em vigência. Algumas Leis tem vigência imediata, ou seja, passam
a vigorar a partir da sua publicação no Diário Oficial, outras Leis especificam o
prazo de 45 dias, outras de 90 dias, ou mais se necessário, pois o Legislador tem
que tem o bom senso de saber que nem sempre o Executivo, o Judiciário e seus

134
UNICESUMAR

demais órgãos competentes, têm condições de realizar a fiscalização das Leis e


mesmo o cidadão passar a cumprir estas Leis. Como foi o caso, por exemplo, da
colocação dos cintos de segurança nos carros. Seria possível elaborar uma Lei
que exigisse que todos os carros nacionais tivessem Air Bag para os passageiros?
Possível até que seria, pois o Legislativo Federal tem competência para tal, o pro-
blema está na determinação do prazo legal para que esta Lei entrasse em vigor.
Quantos anos seriam necessários para a substituição de toda a frota nacional?
Contudo, poderia ter uma Lei que exigisse que todos os veículos fabricados a
partir de 2008 tivessem este recurso, neste caso, os demais veículos estariam livres
desta exigência.
No entanto, para que ela possa chegar à condição de vigência é preciso atender
algumas condições imprescindíveis, sem quais nem mesmo é norma jurídica,
porque “uma norma jurídica tem vigência quando pode ser executada compulso-
riamente pelo fato de ter sido elaborada com obediência nos requisitos essenciais
exigidos: a) emanada de órgão competente; b) com obediência aos trâmites legais;
e c) cuja matéria seja de competência do órgão elaborador” (Betioli, 2011, p. 243).
Quanto ao órgão competente, “a norma legal (a lei) somente pode ser elabo-
rada pelo Poder Legislativo, com a sanção do Chefe do Poder Executivo” (Reale,
2009, p. 106). Esta é a regra geral. O referencial maior para o critério da compe-
tência para legislar e demais procedimentos legislativos, de orientação geral, está
na Constituição, “que é a lei fundamental que distribui, de maneira originária,
a competência dos elementos institucionais do Estado, fixando as atribuições
conferidas à União, a qual exprime o Brasil na unidade interna; o que toca, de
maneira especial, a cada um dos Estados-membros da federação e, por fim, qual
é o círculo de competência que se reserva ao Município” (Reale, 2009, p. 106).
Como o Brasil é uma República Federativa é necessário delimitar o que é
de interesse da União (resultante do pacto federativo) e o que é de interesse dos
Estados e também dos Municípios, esta hierarquia de competência é também
resultante da teoria de Hanz Kelsen sobre a hierarquia normativa, não no campo
do conteúdo, pois esta é resultante do desenvolvimento do constitucionalismo,
mas sim no campo da validade, porque a “perspectiva kelseniana é a seguinte: a
norma superior oferece um fundamento de validade para a norma inferior. Dai
que essa estrutura possui uma natureza suprainfraordenada: da norma superior o
órgão aplicador deduz a validade da norma inferior” (Abboud, Carnio e Oliveira,
2013, p. 289).

135
UNIDADE 7

Mas efetivamente, o que determina, além das questões formais de elaboração e


sanção da norma, o início da vigência? A própria Lei pode determinar no seu corpo,
normalmente nos artigos ou parágrafos finais, a data da sua entrada em vigência, no
entanto, se o legislador não se preocupou em determinar, existe uma norma superior
que estabelece determinadas condições para a vigência, ou melhor, dizendo, o prazo
para que a mesma comece a produzir os efeitos jurídicos para o qual fora criada. Essa
Lei chama-se de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de
Introdução ao Código Civil de 1942), que é a Lei 12.376 de 2010.
No seu artigo 1º assim determina: “salvo em disposição contrária, a lei começa a
vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada”,
portanto, se o Legislador não especificou outro prazo, a norma jurídica apresenta
este “dever ser”. No entanto, “§ 1º nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei
brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada”,
quando admitida e for aplicada a brasileiros, que normalmente, estão em território
estrangeiro a passeio, a trabalho e estudando, aos que possuem dupla nacionalidade,
só se aplica as leis nacionais para tratar de seus interesses em solo brasileiro.
Mas podem existir casos, em que um simples erro de ortografia ou gramática,
observado após a publicação da Lei, e que podem de forma substancial alterar a in-
terpretação e aplicação da mesma, seja necessário fazer as devidas correções e depois
publicá-la novamente, o parágrafo 3º assim determina: “se, antes de entrar a lei em
vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo
e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação”. Este fato deve-se
ao caso em que a Lei ainda não entrou em vigor.
Contudo, se a Lei já estiver em vigor e assim mesmo observaram-se erros de
gramática e/ou ortografia, o parágrafo 4º determina que: “as correções a texto de lei
já em vigor consideram-se lei nova”.
O tempo de vigência de uma Lei pode ser indeterminado ou temporário, neste
caso, o artigo 2º determina que: “não se destinando à vigência temporária, a lei terá
vigor até que outra a modifique ou revogue”. Quando se trata de vigência temporária,
o próprio legislador deve determinar este prazo, findo o qual, a Lei deixa de existir
para fatos futuros, mas ainda pode produzir efeitos jurídicos para fatos que se deram
quando do seu tempo de vigência.
As Leis Tributárias tem prazos de vigências diferenciados, dado a sua natureza
específica, principalmente no campo de organização e previsão de custos das
empresas. Ainda com relação aos tributos, uma leitura atenta da Constituição

136
UNICESUMAR

Federal, no Título II, “Da Tributação e do Orçamento”, poderá trazer maiores


esclarecimentos aos acadêmicos interessados nestas questões.
Uma vez exposto a questão da vigência da norma jurídica, outro problema
se apresenta: quando uma Lei tem a sua vigência extinta? Uma Lei perde a sua
vigência quando ela é revogada de forma total, por outra lei de hierarquia superior
ou de mesma hierarquia, ou ainda, pode ser revogada de forma parcial, neste caso,
somente alguns artigos ou incisos da Lei serão revogados. Existem algumas Leis
que quando da sua criação determinam a sua própria vigência, como por exem-
plo, era para ser a Lei que criou a CPMF (Contribuição Provisória Sobre Movi-
mentação Financeira - Lei 9311/1996), que no seu artigo 20 nos diz o seguinte:

Art. 20. A contribuição incidirá sobre os fatos geradores verificados no


período de tempo correspondente a treze meses, contados após decor-
ridos noventa dias da data da publicação desta Lei, quando passará a
ser exigida.
Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de outubro de 1996; 175º da Independência e 108º da
República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Pedro Malan
Reinhold Stephanes
Adib Jatene
Esta lei foi revogada, ou seja, deixou de existir e produzir seus efeitos
jurídicos em 31 de dezembro de 2007.

Este tempo entre a aprovação e publicação da lei e sua entrada em vigor, ou o


momento em que passa a ter vigência, chama-se vacatio legis (vacância da lei),
“durante este tempo, embora a lei exista, já que promulgada, e seja obrigatória,
uma vez que publicada, não produzirá nenhum efeito, considerando ainda a lei
anterior sobre a mesma matéria e válidos os atos publicados de conformidade
com esta” (Betioli, 2011, p. 247). Existem casos bem específicos que, por questão
de ordem política, ou ainda, de ordem técnica, uma determinada lei, determine
que sua entrada em vigor se dará após um tempo determinado, que pode até
ser de meses ou mesmo ano. É preciso levar em consideração que algumas leis
podem exigir mudanças drásticas nas regras de conduta das pessoas, como por

137
UNIDADE 7

exemplo, instalação obrigatória de determinado equipamento de custo elevado


em veículos automotores, ou ainda, exigir do agente público, recursos materiais
e de pessoal para fiscalizar o cumprimento da lei. Nestes casos, é prudente, e bem
visto pela população, um tempo para a preparação necessária, até porque, já se
conhece a lei oficialmente, uma vez que a mesma já fora publicada, e os próprios
agentes públicos terão tempo para se preparar.
Sintetizando, nos ensina Betioli que “observadas a competência do órgão,
em si e quanto à matéria, e a legitimidade do procedimento, podemos dizer que:
uma lei existe formalmente após a sua promulgação; torna-se obrigatória, após
a sua publicação; torna-se exigível, executável, com sua entrada em vigor” (2011,
p. 247), para só então começar a produzir os efeitos jurídicos necessários e espe-
rados pelo legislador.

Revogação e Ab-revogação de uma Lei

Embora estes sejam os termos mais conhecidos, alguns autores preferem iden-
tifica-lo com o termo “eficácia da lei no tempo”, o que no resultado final é exata-
mente o mesmo. Neste sentido, “a eficácia da lei no tempo diz respeito ao tempo
de atuação desta até que desapareça do cenário jurídico” (Betioli, 2011, p. 455).
O mesmo Direito que através de procedimentos formais e materiais criam a
leis, é aquele que também pode determinar a saída do cenário jurídico de uma
determinada lei, como por exemplo, “quando surgem novas normas no ordena-
mento jurídico e estas passam a tratar a respeito do mesmo objeto de que tratava
uma velha norma, consideramos então que a norma velha perdeu validade. Tra-
ta-se do fenômeno da revogação: a extinção de uma norma jurídica por meio de
outra, que lhe retira a validade” (Mascaro, 2013, p. 140).
Este dispositivo técnico também está previsto na Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro, quando no seu artigo 2º, parágrafo 1º assim determina: “a lei
posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
A regra geral para a revogação de uma Lei é a seguinte: 1) Competência do órgão
para revogar a Lei – Uma Lei Municipal não poderá revogar uma Lei Estadual; 2)
Critério Hierárquico da Lei – Uma Lei Ordinária não poderá revogar uma Lei Com-
plementar; e 3)Critério Cronológico – A norma jurídica mais nova revoga a antiga.

138
UNICESUMAR

Segundo Dimoulis “o princípio da hierarquia das normas indica que a nova norma
deve ser de nível igual (ou superior) à anterior. Quando o legislador modifica a sua
vontade, a norma anterior perde a validade. Isso é expresso pelo brocardo lex posterior
derogat lei priori (a norma posterior revoga a anterior” (2007, p. 238-239). Condição
esta que está prevista na própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Mas a revogação pode-se ainda se dar de duas formas, porque “em se tratando a
extensão da revogação, a norma revogadora pode se contrapor a uma norma revoga-
da” (Mascaro, 2013, p. 141), a esta forma, denomina-se de ab-revogação, ou seja, toda
a norma anterior foi revogada pela norma mais nova. Outra possibilidade é quando
a norma nova revoga apenas uma parte da norma antiga, seja um artigo, parte de
um artigo, parágrafos ou outros, neste caso, quando ocorre uma revogação parcial,
denomina-se derrogação.
Sintetizando, a revogação pode ser total, e neste caso se chama ab-revogação; ou
ainda, ser parcial, e passa a se chamar derrogação.
Quanto a revelação da revogação pelo legislador ela pode ser expressa ou tácita.
Neste sentido, será expressa“quando o elaborador da norma assim o declarar, explicitan-
do qual ou quais normas anteriores estão sendo revogadas” (Betioli, 2011, p. 456). Fica
clara a vontade do legislador. Ou ainda, pode ser expressa, nesse caso, se aplica quando
“houver incompatibilidade entre a lei nova e a antiga, ou pelo fato de que a nova passa
a regular inteiramente a matéria tratada pela anterior” (Betioli, 2011, p. 456).
No entanto, além dos processos técnicos para revogação de uma Lei, existem ainda
situações que estão fora do âmbito técnico-normativo, e que produzem, ao menos so-
cialmente, os mesmos efeitos da revogação técnico-formal,“são os casos em que uma
norma não é revogada nem por ela mesma nem por outra, e, portanto, sua extinção
se dará por uma espécie de abandono social. Nesse tipo de perecimento normativo
estão a caducidade, o desuso e o costume negativo” (Mascaro, 2013, p. 141).
Segundo Mascaro,“na caducidade, verifica-se o surgimento de um evento que faz
por extinguir a razão de ser de uma norma. Se, devido a um terremoto, é decretado es-
tado de calamidade pública, cessando os efeitos calamitosos, caduca também a norma”
(2013, p. 141). Quando uma Lei deixa claro o seu período de vigência, infere-se que ao
final deste período a lei caducou por auto-revogação, no entanto, existem leis que são
elaboradas para atender problemas específicos, em tempos específicos e não ficando
clara e expressa a sua caducidade (auto-revogação), é pacífico o entendimento de que,
se o objetivo para o qual fora criada a lei não mais existe, também não faz sentido a
continuidade de sua existência.

139
UNIDADE 7

O segundo tipo de perecimento normativo não dependente de questões nor-


mativas técnicas é o desuso, que “trata-se da extinção de uma norma porque
socialmente deixou-se de lado o seu cumprimento. No caso da proibição de usar
chapéus em prédios públicos, tal norma cai em desuso na medida em que as
pessoas deixam de usar chapéu” (Mascaro, 2013, p. 141).
Já para Reale, “o desuso pode dar-se ou porque a norma legal nunca foi ou,
a certo momento, deixou de ser aplicada; ou porque veio a prevalecer no seio
da comunidade a obediência a norma consuetudinária diversa, com olvido da
norma legal. Nesta segunda hipótese teríamos, propriamente, o costume jurídico
contra legem” (2009, p. 121).
A questão do desuso da lei é polêmica e sob a perspectiva kelseniana impos-
sível, pois somente a revogação de uma lei, faz com que mesma não tenha mais
a validade necessária à sua existência jurídica. Dentro desta perspectiva, “nos
ordenamentos modernos, a validade da norma não deve ser confundida com
a sua eficácia social, que depende do comportamento social e não da vontade
do legislador. A violação de normas válidas deve acarretar as previstas sanções,
mesmo se for muito frequente e as autoridades competentes foram omissas no
passado” (Dimoulis, 2007, p. 243). A omissão do Estado em aplicar a lei, através de
seus representantes, não pode ensejar Direitos, senão um duplo dever, o primeiro
de acatar a norma vigente e o segundo, de denunciar a omissão do agente públi-
co. Por outro lado, sabemos que quando a lei não interessa à sociedade, porque
de uma forma ou de outra contraria seus interesses, normalmente a mesma se
encontra em oposição ao cumprimento e fiscalização da aplicação da lei.
Para Dimoulis, “ninguém pode alegar a seu favor o fato de que outras pessoas
em situação semelhante não foram punidas, por não ser possível invocar a igual-
dade na legalidade” (2007, p. 244). Para o juspositivismo a igualdade é estabelecida
necessariamente pela forma isonômica com que a norma jurídica deve tratar a
todos, pois em tese, a sua existência deve impor normas de conduta para todos e
não para um grupo específico, gerando Direitos e deveres desiguais.
Na visão de Reale o desuso de uma Lei mostra muito bem o caráter dinâmico
do Direito, que não pode ser considerada uma ciência rigorosa, em função da
própria estrutura tridimensional do Direito, sendo assim, “não são apenas razões
éticas e sociais que justificam a não-aplicação da norma legal em manifesto desu-
so, mas é a estrutura tridimensional mesma da regra jurídica que exige que esta,
além da vigência, tenha um mínimo de eficácia” (2009, p. 122).

140
UNICESUMAR

Retroatividade da Norma Jurídica

A retroatividade é a capacidade jurídica que uma norma tem de retroagir no


tempo para exercer seus efeitos, como por exemplo: uma norma jurídica pu-
blicada no dia 10/10/2007 e que daria a todos os brasileiros que compraram
qualquer tipo de produto, a partir de 10/10/2014 o direito de ter um desconto
de 15% sobre todos os produtos comprados. Observe que a Lei retroage (volta
no tempo) dois anos atrás, para garantir um direito. O que isso poderia gerar
na vida dos brasileiros? Seria um caos, pois iria expor a fragilidade do mundo
jurídico e o seu cumprimento iria abrir precedentes para que outros absurdos
pudessem acontecer. A característica da norma jurídica é agir do presente para
o futuro e não voltar no tempo.
O próprio ordenamento jurídico garante o cidadão contra este possível
tipo de abuso, quando na Constituição Federal, no artigo 5, inciso XXXVI
nos diz o seguinte “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada”, assim como a Lei de Introdução ao Código Civil,
no seu artigo 6º expressa que “a lei em vigor terá efeito imediato e em geral,
respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”, ambas
as leis tratam do mesmo assunto e a lei infra-constitucional apenas reforça o
que já era garantido pela Constituição Federal.
Para Mendes “a referência ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à
coisa julgada, constante dos textos constitucionais brasileiros, remete à neces-
sidade de conceituação doutrinária, jurisprudencial e, para alguns, também
de índole legal” (2010, p. 555). A norma faz previsão, mas define o conceito,
deixando para a doutrina, os juristas e mesmo através das decisões judiciais,
um espaço para a definição conceitual. Mas também adverte a existência de
outro posicionamento doutrinário, porque “é verdade que a adoção de um
tríplice conceito acaba por gerar perplexidade. Alguns autores afirmam que
suficiente seria a referência a direito adquirido, uma vez que os conceitos de
ato jurídico perfeito e coisa julgada nele se inserem” (2010, p. 555).
Sendo assim, nos resta esclarecer os seguintes conceitos: o direito adqui-
rido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e as suas relações com a retroa-
tividade das leis.

141
UNIDADE 7

Direito Adquirido

A definição unânime é a de que é o direito que já se incorporou ao nosso patrimônio


ou personalidade, desde que o mesmo tenha sido conquistado em consonância com
as normas jurídicas do seu tempo. Estes direitos estão sendo exercidos pelo seu titular,
ou a seu mando ou podem vir a ser exercidos. Um exemplo clássico e próximo de
nossa realidade é este: um determinado cidadão já esta trabalhando devidamen-
te registrado por 38 anos e por questões de queda no rendimento, se recusa a se
aposentar. A lei garante a sua aposentadoria com 35 anos de trabalho, sendo assim,
este trabalhador já “adquiriu o direito” de se aposentar, e se não o fez ainda, é uma
faculdade que lhe compete depois de atingido o prazo exigido por lei. Se vier uma
lei que aumente o prazo de trabalho que garanta a aposentadoria somente após 40
anos, esta lei não poderá afetar este trabalhador. Pois segundo nos ensina Betioli, “o
fato do titular não ter exercido, no momento da entrada de uma nova lei, o direito
que lhe pertence não configura motivo para que esta venha a prejudicar o que de
direito já é seu. Quem tem o direito não é obrigado a exercê-lo, só faz quando quiser.
A aquisição do direito não pressupõe seu exercício” (2011, p. 458).
Para Betioli, a doutrina ainda não fixou com precisão o conceito de direito adqui-
rido, sendo assim, entende que podemos assim, identificar alguns elementos caracte-
rizadores, a saber: “ter sido produzido por ato idôneo para a sua produção, em virtude
da lei do tempo no qual o fato de viu realizado; ter se incorporado definitivamente
ao patrimônio do titular, nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato
de que se origina; ser exercitável e exigível à vontade do seu titular” (2011, p. 458).
A questão do direito adquirido não é tão simples quanto algumas definições
conceituais queiram apresentar, o Ministro Moreira Alves no RE 226.855 – RTJ
174(3)/916(942), em seu voto de Relator deixa claro que esta questão pertence ao
campo do Direito Constitucional, e que o disposto no artigo 5 inciso XXXVI “da
Constituição, só tem relevo em se tratando de aplicá-lo em relação jurídica em que
se discute questão de direito intertemporal, para se impedir, se for o caso, que a lei
nova prejudique direito que se adquiriu com base na lei anterior”.
No entanto, é preciso ressaltar que “atos ilegais, eivados de nulidade, não geram
a aquisição de direitos. Com maior razão, não pode haver direito adquirido contra
preceito expresso na Constituição Federal” (Betioli, 2011, p. 458). É certo de que o
ato ilegal não gera direitos, no entanto, não perde a sua juridicidade, porque é preciso
que haja a punição de quem o realizou, não enseja direito, mas necessariamente cria
um dever de punição para quem realizou o ato.

142
UNICESUMAR

Ato Jurídico Perfeito

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no artigo 6º, no seu pará-


grafo 1º define que “reputa-se o ato jurídico perfeito o já consumado segundo a
lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Mas o que se entende por consumado?
Para Betioli, “isso ocorre quando o ato tiver atendido e realizado integralmente
todos os elementos essenciais e indispensáveis à sua configuração” (2011, p. 457).
Um exemplo é o de um contrato assinado em 2005, atendendo a todos os re-
quisitos legais de ambas as partes envolvidas, uma lei feita em 2006 e que altere
a norma jurídica referente aos contratos, não pode afetar a nenhuma das partes
envolvidas naquele contrato assinado em 2005, pois ambos realizaram um ato ju-
rídico perfeito, porque exerceram de forma livre e soberana um direito que lhes
cabia naquela data. Mas pode existir certa confusão entre o direito adquirido e o ato
jurídico perfeito, no entanto, “o ato jurídico diz respeito ao exercício do direito de
praticar atos jurídicos, que só tem força garantidora e limitadora contra a lei nova
se tiver sido, de fato, exercido pela exteriorização do ato jurídico em si” (Rizzato
Nunes, 2005, p. 228), como por exemplo, a assinatura do contrato. Se estas pessoas
no ano de 2005 ficaram apenas na “vontade de assinar” o contrato, elas não podem
invocar um direito adquirido para que possam realizar um ato jurídico perfeito.

Coisa Julgada

É aquela decisão judicial que não cabe mais recurso, ou seja, foi julgada até a
última instância e cuja sentença tenha sido devidamente publicada, conforme as
normas jurídicas determinam. Contra uma decisão judicial de última instância
não há contestação, resta-nos apenas cumprir a sentença. Vamos supor que numa
determinada demanda jurídica, o Superior Tribunal Federal tenha proferido a
sentença em 10/03/2007 e que no dia 11/03/2007 o Legislativo aprovado e o
Presidente da República sancionado uma nova lei que poderia favorecer uma das
partes envolvidas na contenda julgada pelo STF, essa lei não poderia retroagir
para garantir direitos sobre uma coisa que já foi julgada.
Outra questão que ainda poderíamos levantar: é possível questionar uma
coisa julgada? Sim, é possível e chama-se Ação Rescisória e garantida pelo Código
de Processo Civil no Capítulo IV, Da Ação Rescisória cujo principal escopo é o
de prevenir falhas processuais e outras, de forma intencional a prejudicar uma

143
UNIDADE 7

das partes, inclusive eventuais ações de má fé por parte do juiz. O tempo para
propor a ação rescisória se encerra em dois anos, depois de publicada a sentença,
de acordo com o artigo 495 do Código de Processo Civil.

Eficácia da Lei no Espaço

Apresentada a eficácia na lei no tempo, que é a questão da retroatividade ou irre-


troatividade, é o momento de apresentar como esta eficácia desta lei dentro de um
espaço territorial. De forma geral, exceto em tratados internacionais bem específicos
e de interesse da humanidade, as normas jurídicas só tem eficácia dentro do espaço
territorial do país aonde foram criadas.
Para Siqueira Jr. “a norma jurídica tem o seu âmbito de atuação ou vigência no
espaço, território ou dentro do órgão que promana. Em razão da soberania estatal, a
norma tem sua aplicação delimitada pelas fronteiras do Estado” (2009, p. 155). Exis-
tem situações que delimitam normas jurídicas para espaços bem definidos, como por
exemplo, aquelas criadas pelas forças armadas, que estabelece conduta específica para
os seus subordinados, que só são aplicadas dentro das respectivas instalações militares.
No entanto, num mundo cada vez mais globalizado, aonde as pessoas vivem, e
tem relações sociais e jurídicas com espaços que vão além do território nacional, foi
necessário, respeitando o princípios da soberania, encontrar saídas jurídicas para
resolver estas questões, neste sentido, o Brasil adotou o que ficou conhecido como
territorialidade moderada, sendo assim, “pela territorialidade, a norma aplica-se no
território do Estado brasileiro, inclusive ficto, como embaixadas, consulados e navios
de guerra onde quer que se encontrem, por serem havidos como extensões do terri-
tório nacional; quanto aos navios mercantes, aplica-se quanto em águas territoriais
ou em alto mar” (Betioli, 2011, p. 459). O próprio critério de soberania, num primei-
ro momento, sofre uma expansão, como por exemplo, tendo origem em tratados e
convenções internacionais, que as embaixadas tem que serem tratadas como terri-
tório pertencente àquele país ao qual ela representa. O próprio Brasil tem exemplo
recente, aonde abrigou em sua embaixada no exterior, um político que se declarava
perseguido político e lá ficou por alguns meses. Neste sentido, mesmo sendo uma
aeronave, desde que representando o Brasil, não importa onde ela esteja é sempre
considerado um território brasileiro.
Outra possibilidade é o critério da extraterritorialidade, quando “aplica-se a nor-

144
UNICESUMAR

ma em território de outro Estado, segundo os princípios e convenções internacionais.


Denomina-se estatuto pessoal a situação jurídica que rege o estrangeiro pela lei de
seu país de origem. Trata-se da hipótese em que a norma de um Estado acompanha
o cidadão para regular seus direitos em outro país” (Betioli, 2011, p. 459). Mas a
aplicação da extraterritorialidade depende das relações internacionais entre os paí-
ses, e de acordos internacionais específicos, como por exemplo, a Constituição
Colombiana que permite a extradição de traficantes presos em seu território
para serem julgados e cumprirem pena nos Estado Unidos da América, fato
este inadmissível na legislação brasileira, que não permite a extradi-
ção de seus nacionais.
A questão da extraterritorialidade é antes de tudo, uma ques-
tão que depende dos interesses de cada país junto à comunidade
internacional, principalmente num mundo, aonde cada dia fica
mais difícil viver isolado, neste sentido, Siqueira Jr., citando Maria
Helena Diniz, nos ensina que, “sem comprometer a soberania
nacional e a ordem jurídica internacional, os Estados modernos
tem permitido que, em seu território, se apliquem, em deter-
minadas hipóteses, normas estrangeiras, admitindo assim o
sistema da extraterritorialidade, para tornar mais fáceis as
relações internacionais, possibilitando duas ou mais ordens
jurídicas pela adoção de uma norma que dê solução mais
justa” (2009, p. 156-157).
Enfim, quando se trata de ordem internacional, as
questões são resolvidas muito mais em função dos in-
teresses econômicos e políticos, do que propriamente
jurídico, aos moldes de Hanz Kelsen.

145
UNIDADE 7

Eficácia da norma jurídica

O direito associa a palavra eficácia da norma jurídica com a efetiva aplicação


da mesma no caso concreto, pois de nada adianta existir uma norma jurídi-
ca válida, se a mesma não puder ser aplicada quando da existência de uma
relação jurídica, onde exista alguém que tem um direito a ser restituído e da
outra parte, um dever a ser cumprido.
Para Hanz Kelsen a “eficácia do Direito significa que os homens realmente
se conduzem como, segundo as normas jurídicas, devem se conduzir, signifi-
ca que as normas são efetivamente aplicadas e obedecidas” (2005, p. 55). No
entendimento do jurista alemão, não faz sentido dizer que, para utilizar a
linguagem corrente no Brasil, a possibilidade da existência de “leis que pegam
e de leis que não pegam”, ou seja, toda norma jurídica emanada pelo Estado
deve ser obedecida e determinar comportamentos da sociedade.
Mas qual a relação entre validade e eficácia? Segundo Hanz Kelsen, “a
validade é uma qualidade do Direito; a chamada eficácia é uma qualidade
da conduta efetiva dos homens e não, como o uso lingüístico parece sugerir,
do Direito em si” (2005, p. 55), sendo assim, os homens devem obedecer as
normas jurídicas, pois este “dever ser” é relativo à qualidade de sua conduta, de
sua formação, de sua crença dogmática de que o Estado realmente representa
o bem desejado por todos e o Poder Legislativo é um santuário de pureza e
retidão, expressando sempre o desejo da coletividade que os elegeram. Nesta
posição adotada por Kelsen o Professor Lyra Filho irá dizer que o jurista e
filósofo alemão “opta pela teoria política liberal, que equipara Estado e co-
munidade, como se aquele representasse o povo (ocultando, desse modo, a
dominação classística e dos grupos associados a tais classes)” (2003, p. 37).
Na vertente de pensamento do Professor Miguel Reale, “a sociedade deve
viver o Direito e como tal reconhecê-lo. Reconhecido o Direito, é ele incorpo-
rado à maneira de ser e de agir da coletividade” (2006, p. 112), como resultado
desta incorporação do Direito pela sociedade, como numa relação intrínseca
entre aceitação e reconhecimento de necessidade, a norma jurídica termina
por ter eficácia.

146
UNICESUMAR

Nos países mais desenvolvidos essa relação pode até ser alcançada, como
por exemplo, na Suíça, na Suécia e outros países onde as diferenças sociais se
tornaram menos acentuadas e o Estado realmente é administrado com efi-
ciência da aplicação dos recursos públicos. Mas será que o mesmo pode ser
estabelecido em países onde uma enorme parte da população passa fome, e
vive de míseros auxílios governamentais, utilizados muito mais como meio
de arregimentação de voto, do que a execução de uma política social justa e
que traga resultados concretos a médio e longo prazo?
Segundo Coelho, “a carência de eficácia, porém, não implica a perda da
vigência, pois nada impede que a norma deixe de ser eficaz apenas tempora-
riamente que possa sê-lo plenamente, a partir do momento em que as condi-
ções sociais o permitam; entretanto, em nenhum momento deixou ela de ser
vigente” (2004, p. 169). Não há dúvida de que em alguns casos, a eficácia está
associada com a adesão a sociedade à norma, ainda que possa ser considerada
como algo subjetivo, a sociedade é quem melhor sabe que tipo de norma ela
precisa. O que acontece em alguns casos, é uma dissociação entre os interesses
da sociedade e aqueles interesses do legislador, é quando se inicia o rompi-
mento entre política no sentido da construção do bem público e política no
sentido de defesa de pessoas ou grupos sociais que se encontram no poder.
Já Betioli, apresenta outra característica da norma jurídica que vai além da
formalidade técnica-jurídica, quando afirma que “toda norma jurídica, além
da validade formal (vigência) e validade social (eficácia), deve ter também va-
lidade ética ou fundamento” (2011, p. 252). Uma norma sem validade ética ou
fundamento é certamente uma norma que não produzirá eficácia no campo
social, quanto ao fundamento “é o valor ou fim visado pela norma jurídica. Na
realidade, toda norma jurídica deve ser sempre uma tentativa d e realização
de valores necessários ao homem e a sociedade” (Betioli, 2011, p. 252).
É uma característica que não está presente nas normas jurídicas de países
totalitários, nas tiranias e nas ditaduras, situações políticas na qual, parte do
pressuposto de que a verdade pertence somente a uma pessoa, ou um grupo de
pessoas que chegaram e exercem o poder. Neste sentido ӎ o valor que legitima
uma norma jurídica” (Betioli, 2011, p. 252), pois a sociedade compreende que

147
UNIDADE 7

a permanência deste valor, resultado de sua própria construção histórica é o


que pode, entre outros, continuar a manter a harmonia social. Por exemplo,
o Brasil é um Estado laico, ou seja, o Estado não tem uma religião oficial e
nem permite, de forma direta, a ingerência da religião na sua forma de ad-
ministrar, no entanto, não tem como discordar que o valores que norteiam a
nossa sociedade brasileira, são valores que se fundamentam no cristianismo,
e que de certa forma, estão enraizados na nossa cultura num laço indissolúvel.
Este fato pode ser constato, por exemplo, em Salvador, na Bahia, na ceri-
mônia da Lavagem da Escadaria do Nosso Senhor do Bonfim, aonde católicos
e religiões de origem africana convivem de forma exemplar, ainda que alguns
estudiosos afirmam que se trata de sincretismo religioso, o rótulo acadêmico
é o que menos interessa, mas existe uma eficácia plena na norma social criada
por estes grupos.
Ainda com relação a questão do valor, nos ensina Betioli que é o “valor
que dá razão última da obrigatoriedade da norma. Ela obriga porque contém
preceito capaz de realizar um valor” (2011, p. 252). Sendo assim, a sociedade
compreende que a obediência a norma favorece a todos, pois possibilita a
construção de uma sociedade mais justa, mas fraterna, mais humana. Fato este
pode ser observado, pelo engajamento da sociedade na aplicação e fiscalização
das normas ambientais.
Dentro desta perspectiva de análise crítica, o culturalismo de Reale, atra-
vés da sua Teoria Tridimensional do Direito, nos fornece subsídios para uma
compreensão menos restrita sobre a relação entre validade-eficácia, pois “há
casos de normas legais, que, por contrariarem as tendências e inclinações
dominantes no seio da coletividade, só logram êxito ser cumpridas de ma-
neira compulsória, possuindo, desse modo, validade formal, mas não eficácia
espontânea no seio da comunidade” (2009, p. 112). Um exemplo neste sentido,
é com relação às normas de trânsito, que conseguem obter uma eficácia muito
maior, quando o Estado as expõe de forma educativa, do que com o exercício
da coatividade resultante da fiscalização por um agente público. Nos dias
atuais, em várias cidades, os condutores param e respeitam a faixa de pedes-
tres, movidos pelo espírito de solidariedade e humanidade, sem necessitar de
um agente público para fiscalizar.

148
UNICESUMAR

Segundo Reale, “o Direito autêntico não é apenas declarado mas reconhe-


cido, é vivido pela sociedade, como algo que se incorpora e se integra na sua
maneira de conduzir-se. A regra de direito deve, por conseguinte, ser formal-
mente validade e socialmente eficaz” (2009, p. 113). Não se trata do abando-
no da norma jurídica, mas apenas uma visão que divide com a sociedade a
responsabilidade de estabelecer normas de conduta que possa efetivamente
contribuir para o fortalecimento da coesão social e a diminuição das desi-
gualdades de todas as ordens, que lamentavelmente convivemos no dia-a-dia.

Considerações finais

Podemos sintetizar a importância deste capítulo de nosso estudo, afirma que


segundo Reale, “o Direito autêntico não é apenas declarado mas reconhecido, é
vivido pela sociedade, como algo que se incorpora e se integra na sua maneira
de conduzir-se. A regra de direito deve, por conseguinte, ser formalmente vali-
dade e socialmente eficaz” (2009, p. 113). Não se trata do abandono da norma
jurídica, mas apenas uma visão que divide com a sociedade a responsabilidade
de estabelecer normas de conduta que possa efetivamente contribuir para o
fortalecimento da coesão social e a diminuição das desigualdades de todas
as ordens, que lamentavelmente convivemos no dia-a-dia.

149
1. Validade e vigência representam o mesmo momento na existência da norma? Fun-
damentar sua resposta.

2. Uma norma pode retroagir para prejudicar alguém? Fundamentar sua resposta e
explicar o que poderá acontecer se tal fato ocorrer.

3. É possível revogar a coisa julgada? Apresentar uma jurisprudência para fundamen-


tar sua resposta, caso seja possível.

4. Explicar o que significa dizer que uma norma tem eficácia?

150
8
A Norma
Jurídica:
Validade,
Vigência e
Retroatividade
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Conhecer quando, como e porque surge a relação jurídica.


• Aprender e conhecer os elementos que compõem a relação ju-
rídica.
UNIDADE 8

Um dos fenômenos jurídicos mais comuns na sociedade é aquele que se esta-


belece através da relação jurídica, que é o laço ou vínculo jurídico que une duas
ou mais pessoas, que resulta num fato jurídico e que, finalmente, geram efeitos
jurídicos. Ensina-nos Reale que “os fatos e, mais especificamente, os fatos huma-
nos podem se apresentar como relações jurídicas, que não são quaisquer relações
sociais, mas tão-somente aquelas que reúnem diversos requisitos previstos na lei e
em outras normas jurídicas” (2002, p. 213). Em outras palavras, é a norma jurídica
quem determina o que pode ou não ser caracterizado como uma relação jurídica.
É de suma importância conhecer e conseguir determinar o momento do
surgimento da relação jurídica, pois somente a partir deste é que serão delineados
os rumos e procedimentos a serem realizados no exercício do Direito

152
UNICESUMAR

O surgimento da relação jurídica

Um dos fenômenos jurídicos mais comuns na sociedade é aquele que se es-


tabelece através da relação jurídica, que é o laço ou vínculo jurídico que une
duas ou mais pessoas, que resulta num fato jurídico e que, finalmente, geram
efeitos jurídicos. Ensina-nos Reale que “os fatos e, mais especificamente, os
fatos humanos podem se apresentar como relações jurídicas, que não são
quaisquer relações sociais, mas tão-somente aquelas que reúnem diversos
requisitos previstos na lei e em outras normas jurídicas” (2002, p. 213). Em
outras palavras, é a norma jurídica quem determina o que pode ou não ser
caracterizado como uma relação jurídica.
Para Mascaro, “tradicionalmente, por relação jurídica foi considerada uma
relação concreta entre as pessoas, ou entre as pessoas e as coisas. Os velhos
pensadores do direito assim tratavam da relação jurídica, dando ênfase nos
sujeitos e nos objetos relacionados” (2013, p. 113). De certa forma, a relação
jurídica, ao menos no seu conceito geral, surge a partir da vontade das pessoas
envolvidas, em estabelecer esta relação. Este pensamento tradicional que irá
também ser adotado por Hanz Kelsen, mas acrescentando outro conteúdo,
porque “esta estreita conexão com os conceitos de dever jurídico e de direito
subjetivo está, segundo a concepção tradicional, o conceito de relação jurídica”
(1994, p. 182).
Ensina-nos Telles Junior que “uma relação jurídica supõe sempre ao me-
nos duas pessoas. Muitas vezes, na mesma relação jurídica, estão ligadas mais
de duas pessoas. Quando muitos, por exemplo, são os compradores e os ven-
dedores de um objeto, muitas são as pessoas ligadas na mesma relação jurídi-
ca” (2009, p. 281). Em outras palavras, o objeto de uma relação jurídica pode
ser único, mas as pessoas envolvidas podem ser muitas, no entanto, é possível
também, casos em que uma relação jurídica pode desencadear a existência de
outra ou outras relações jurídicas.
Dentro desta perspectiva, “a relação jurídica, portanto, como a própria pala-
vra relação já está indicando, é um vínculo entre pessoas, tomando-se a palavra
pessoa no seu sentido jurídico, como sujeito de direito e sujeito de obrigação”
(Telles Junior, 2009, p. 280). Os sujeitos de direito e de obrigação precisam es-
tar aptos juridicamente a realizar a relação jurídica, caso não estejam, o próprio
Código Civil de 2002, no artigo 3º determina que “são absolutamente incapazes

153
UNIDADE 8

de exercer pessoalmente os atos da vida civil”, os menores de 16 anos, os que


por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento
para a prática desses atos, ou ainda, o que, mesmo de forma transitória, não pu-
derem exprimir sua vontade. No entanto, continuam sendo sujeitos de direito e
certamente, existirá alguém que na condição de genitor, ou de tutor legalmente
designado exercerá os atos necessários à proteção e preservação de seus direitos e
pode até, em casos bem delineados, responderem em todas as esferas do Direito,
como por exemplo, o menor de 16 anos que dirigindo sem habilitação e bate o
carro do pai, o mesmo responde, ainda que, de forma involuntária, por todos os
danos causados pelo seu filho.
Portanto, em toda relação jurídica teremos sempre um sujeito de dever jurí-
dico e de outro lado, um sujeito que tem para si o direito subjetivo, mas é bom
ressaltar que, quando mencionamos direito subjetivo, entre outros, é constituído
do direito obrigação e do direito faculdade. É somente com a finalização de toda
a relação jurídica e suas consequências é que desaparece a figura do sujeito de
dever e do sujeito de direito.
No entanto, a relação jurídica não surge somente como expressão da von-
tade, o que a caracteriza é um fato, neste sentido, “consideram-se fatos jurídicos
quaisquer acontecimentos que repercutem no direito, ensejando a atribuição de
direitos e deveres, determinando o nascimento de relações jurídicas. Os fatos
indiferentes à ordem jurídica são os livremente realizados, sem qualquer reper-
cussão no direito” (Coelho, 2004, p. 203). Os fatos não dependem do direito, mas
uma vez concretizados é preciso encontrar uma norma jurídica para inserir o fato
no campo de influência e determinação desta norma. A norma jurídica é geral,
o fato é sempre específico.
Caminhando pela via juspositivista de Hanz Kelsen, que é a predominante
em nosso ordenamento jurídico, “muito mais do que uma relação entre pes-
soas ou coisas, a relação jurídica é uma relação entre normas” (Mascaro, 2013,
p. 113), sendo assim, duas ou mais pessoas realização uma relação jurídica,
somente se esta tiver previsão normativa, se isto não existir, nada representará
para o Direito essa relação. Sendo assim, segundo Hanz Kelsen “o fundamento
da relação jurídica reside justamente no fato de que são as normas jurídicas
– que atribuem direitos subjetivos, deveres, responsabilidades, capacidades e
competências – que se relacionam, determinando onde confluem tais direitos
ou deveres” (Mascaro, 2013, p. 113). As pessoas apenas apresentam e reali-

154
UNICESUMAR

zam os fatos, a norma jurídica determina o que pertence ou não do Direito,


nesta visão científica que marca toda a construção da obra de Hanz Kelsen, é
preciso, a partir desta visão metódica e científica, que “a norma jurídica não
é apenas uma qualificação que se dá para relações concretas existentes. No
modelo de Kelsen, a norma jurídica é o que constrói a própria relação jurídica”
(Mascaro, 2013, p. 114).
Para facilitar a compreensão sob o aspecto do comando em si, gerador da re-
lação jurídica, Telles Junior nos ensina que ela pode ser de duas espécies, “relação
jurídica de coordenação de coordenação é aquela que as partes se tratam de igual
para igual. É o que acontece, por exemplo, com a relação jurídica de que estabelece
entre vendedor e comprador. Um deseja comprar um objeto, outro deseja vender
o mesmo objeto” (2009, p. 281). Cada qual possui liberdade para estabelecer o va-
lor do preço a ser vendido, e de outro, o que preço que se pode pagar. As vontades
estão no mesmo patamar de igualdade. Não querendo realizar a relação jurídica,
nada impede das partes continuarem normalmente as suas vidas.
A segunda espécie é a “relação jurídica de subordinação é aquela em que uma
das partes é o Governo da sociedade política, exercendo sua função de mando, a
sua função de mando. É o que acontece, por exemplo, com a relação jurídica exis-
tente entre o Governo e os contribuintes de impostos. O Governo não pergunta
ao contribuinte se ele está com vontade de pagar o imposto” (Telles Junior, 2009,
p. 281). Neste caso, não é a vontade do governo quem determina o lançamento do
imposto, mas sim uma norma jurídica que o obriga a proceder desta forma, e tão
pouco, fora consultado a vontade do contribuinte, pois novamente, o que existe
é uma norma jurídica estabelecendo obrigações do cidadão para com o Estado.
Conforme nos alerta Telles Junior (2009) nem sempre todas as relações ju-
rídicas envolvendo o Estado, são relações jurídicas de subordinação, é preciso
analisar a origem que gerou a necessidade da mesma, como, por exemplo, numa
licitação, onde o Estado coloca à disposição da iniciativa privada, participar de
algumas atividades reservadas ao Estado, como compra de remédios, de execu-
ção de determinada obra e outras, nestes casos específicos, a relação jurídica é
de coordenação.
Toda relação jurídica depende necessariamente da existência de dois ou
mais sujeitos, que deverão estar aptos a invocar ou a restituir um direito. Es-
tes sujeitos podem ser de três espécies: pessoa física, pessoa jurídica e entes
despersonalizados.

155
UNIDADE 8

A pessoa física, ou pessoa jurídica individual “é o ser individual dotado de direitos e


deveres, situado em um conjunto de circunstâncias” (Betioli, 2011, p. 305). Estas cir-
cunstâncias podem ser de ordem voluntária ou involuntária, mas de qualquer forma,
a sua vontade sempre estará presente. Em outras palavras,“afirmar que o homem tem
personalidade jurídica é o mesmo que dizer que ele tem capacidade de direito ou
aptidão para ser sujeito de direitos e deveres, para possuir direitos e contrair obriga-
ções. Em suma, a personalidade é um atributo jurídico da pessoa: a atributividade de
gozar de direitos e obrigações na ordem jurídica” (Betioli, 2011, p. 306).
A personalidade jurídica é inerente à vontade e a capacidade da pessoa, to-
dos nós a teremos, a condição é ter nascido e estar vivo, uma vez que, segundo o
artigo 6º do Código Civil ela termina com a morte. No entanto, nem sempre esta
capacidade jurídica pode ser exercida ou ainda, existir na sua plena extensão,
porque ela pode ser de duas ordens: capacidade de fato e incapacidade de fato.
A capacidade de fato é a “possibilidade do exercício de todos ou de certos
atos da vida jurídica e por eles ser responsável. Se a capacidade de direito se con-
funde com a personalidade, a capacidade de fato é a medida da personalidade,
como acentua Orlando Gomes” (Betioli, 2011, p. 307). A capacidade de fato são
condições previstas pela legislação para que uma pessoa natural possa exercer
os seus direitos em sua plena, ou ainda, restrita extensão. Por exemplo, para que
uma pessoa possa comprar e portar uma arma, a legislação faz algumas exigên-
cias e algumas pessoas não estão aptas a atender, sendo assim, este direito não
lhes pertence, embora, quando for satisfeitas estas exigências de ordem objetiva,
possam voltar a pleitear este direito.

156
UNICESUMAR

Já a incapacidade de fato é a “restrição legal ao exercício dos atos da vida


jurídica, podendo ser absoluta ou relativa”. São aquelas condições estabelecidas
pelo artigo 3º do Código Civil e que já nos fora apresentada quando da defi-
nição da relação jurídica. No entanto, é preciso ficar claro, que para atender
determinadas situações específicas, rotineiras ou não, alguém será nomeado
para em seu nome, exercer os direitos pertinentes à personalidade jurídica.
A pessoa jurídica, ou ainda, pessoa jurídica coletiva é “o conjunto de pessoas
ou bens destinados à realização de um fim, a quem o direito reconhece aptidão
para ser titular de direitos e obrigações na ordem civil” (Betioli, 2011, p. 315).
Para Hanz Kelsen a definição não seria tão simples assim, e prefere o jusfi-
lósofos austríaco se valer de outra linha de argumentação, por isso, nos ensina
que “o caso típico de pessoa jurídica (no sentido técnico, mais restrito) é o
da corporação. A definição usual de corporação é: um grupo de indivíduos
tratados pelo Direito como uma unidade, ou seja, como uma pessoa que têm
direitos e deveres distintos daqueles indivíduos que a compõe” (2005, p. 140).
Portanto, tem uma personalidade jurídica própria e que não se confunde com
a personalidade jurídica dos sócios, ou seja, das pessoas físicas que a compõe.
Ainda segundo Hanz Kelsen, “a razão decisiva para que uma corporação
seja considerada uma pessoa jurídica parece ser o fato de que a responsabili-
dade por delitos civis da corporação está, em princípio, limitada ao patrimônio
da própria corporação” (2005, p. 141). Embora o autor deixa claro que irá des-
considerar a possibilidade de que, uma vez não satisfeito os débitos para com
o patrimônio da corporação, este direito possa existir, a legislação brasileira é
bem clara, quando determina que o patrimônio das diversas pessoas físicas,
ou mesmo outras pessoas jurídicas, é solidário, dentro da proporção de sua
participação, aos débitos contraídos pela pessoa jurídica da corporação, prin-
cipalmente se for de ordem tributária ou trabalhista.
Embora este tipo de pessoa receba o nome de Pessoa Jurídica Coletiva, a
legislação brasileira permite, em casos específicos, principalmente de profis-
sionais autônomos, a existência deste tipo de pessoa, constituída de apenas
uma pessoa física, como é o caso, por exemplo, do médico no exercício de sua
profissão no seu consultório.
Em inúmeras situações só podem existir relações jurídicas entre Pessoas Ju-
rídicas Coletivas, sendo assim, o Direito também lhes conferiu capacidades di-
ferenciadas da Pessoa Física, ou Pessoa Natural. É preciso levar em consideração

157
UNIDADE 8

de que “a capacidade da pessoa jurídica lhe garante os direitos da personalidade,


os patrimônios reais, industriais, bem como os direitos de sucessão, dentro de
certas limitações decorrentes de sua natureza. Falta-lhe a titularidade dos direitos
de família e parentesco. Além disso, não poderá praticas diretamente os atos da
vida jurídica, necessitando representante legal” (Coelho, 2004, p. 202).
Outra característica importante é que diferente da Pessoa Física, que cessa
de existir com a morte de seu titular, a Pessoa Jurídica Coletiva pode continuar
a existir, mesmo com a morte de seus componentes, pois credores e outros po-
dem assumir a composição da mesma, o que é muito comum, quando temos no
mundo globalizado empresas com até mais de 300 anos de existência. É lógico
que a Pessoa Jurídica Coletiva pode deixar de existir com o seu fechamento ou
desativação voluntária, por determinação e seus sócios ou mesmo governo, como
também, em casos mais extemos, através do processo de falência, assunto este,
mais específico do ramo do Direito chamado de Direito Empresarial.
Ainda segundo Coelho, as Pessoas Jurídicas, ou Pessoa Jurídicas Coletivas
podem ser classificadas “quanto à nacionalidade (nacional ou estrangeira), estru-
tura interna (corporação ou fundação), função e capacidade (pessoas jurídicas de
direito público interno e externos e pessoas jurídicas de direito privado, que são
as fundações particulares, associações, sociedades civis, sociedades comerciais e
partidos políticos” (2004, 201).
Segundo Betioli, independente das teorias que procuram justificar a existên-
cia da Pessoa Jurídica Coletiva, uma delas é essencial, que o fato dela ter que ter
uma finalidade própria, “o fim é elemento essencial de qualquer pessoa jurídica
coletiva, que não se confunde com os fins particulares ou motivos de seus mem-
bros. A nossa lei civil exige que os estatutos da pessoa jurídica coletiva mencio-
nem expressamente os fins a que ela se destina (Código Civil, Artigo 46, Inciso I)”
(2011, p. 317). Diferente da Pessoa Física que pode ser o que quiser ser, em vários
momentos diferentes de sua existência, desde que seja lícito, como por exemplo,
o fato da pessoa se formar em Direito, não quer dizer que ele não possa fazer
outra coisa de sua vida, tal fato não pode existir na Pessoa Jurídica Coletiva, sem
que para isso precise de uma série de formalidades jurídicas, principalmente de
natureza tributária.
Quanto aos entes despersonalizados essa é uma categoria especial de pessoa
com caráter de juridicidade, pois “trata-se de conjunto de pessoas e patrimônios
que, apesar de não possuírem personalidade jurídica, porque não satisfazem os

158
UNICESUMAR

requisitos essenciais para tanto, podem ingressar em juízo para proteger seus
interesses, quando isso for previsto pelo direito processual” (Dimoulis, 2007, p.
274). Os entes despersonalizados constituem-se das seguintes possibilidades:
aquelas sociedades que não tiveram reconhecimento de pessoa jurídica (camelôs,
por exemplo); massa falida; o espólio; a herança jacente; a herança vacante, todas
prevista no Código Civil.
Segundo a doutrina jurídica predominante, a relação jurídica é constituída
de cinco elementos: 1) sujeitos; 2) vínculo de atributividade; 3) objeto; 4) fato
propulsor; e 5) proteção jurídica.
Quanto aos sujeitos envolvidos na relação jurídica, independente de ser pes-
soa física, jurídica ou ente despersonalizado, caracterizam-se em sujeito ativo e
sujeito passivo, sendo assim, “o sujeito ativo é o titular do direito subjetivo de ter
ou de fazer o que a norma jurídica não proíbe. O sujeito passivo é o que deve
respeitar o direito do ativo, é titular de um dever jurídico” (Siqueira Jr., 2009, p.
164). Assim por exemplo, um sujeito que compra um livro numa livraria, e ainda
não efetuou o pagamento do mesmo, encontra-se na posição de sujeito passivo,
porque tem um dever para com a livraria, o de pagar o livro e a livraria, por outro
lado, desde que tenha entregado o livro em perfeitas condições, encontra-se na
condição de sujeito ativo, pois tem para si um direito, o direito de receber o valor
combinado pelo livro. É lógico que, esta relação pode se inverter em determinado
momento, quando, por exemplo, o livro apresenta páginas com defeito, ou pági-
nas faltando, dá-se início a uma nova relação jurídica e os sujeitos de direito se
encontram em posição opostas, ou seja, agora a livraria é um sujeito passivo, pois
tem que restituir um direito, e o comprador torna-se um sujeito ativo, que tem
para si, o direito de exigir da livraria a restituição de um direito.
Quanto ao vínculo de atributividade, “é o vínculo que confere a cada um dos
participantes da relação o poder de pretender ou exigir algo determinado ou de-
terminável. Quando alguém tem uma pretensão amparada por norma jurídica,
diz-se que tem título para o status ou o ato pretendido, ou, por outras palavras,
está legitimado para exigir o seu direito ou praticar o ato” (Reale, 2002, p. 219).
O vínculo é que cada sujeito tem para si por direito, e que lhes permite querer
estabelecer uma relação jurídica lícita. Por exemplo, o sujeito que tem a escritura
de um determinado apartamento, dando-lhe legitimidade e legalidade sobre o
mesmo, de vender, doar, ou exercer qualquer direito previsto na norma, tem com
este apartamento um vínculo normativo, que lhes conferem estes direitos. De

159
UNIDADE 8

outra parte, o comprador que tem o valor necessário para realizar esta compra,
novamente partindo da linha de visão de que o seu capital é lícito e, precisando
ou por motivo qualquer, comprar este apartamento, pode dizer que, existe entre
os dois um vínculo de atributividade, sobre os bens a ser negociados.
Quanto ao objeto, também chamado de bem jurídico, pode-se dizer que o
“bem é a coisa, res, objeto existente em função da relação jurídica, fixada a partir
da vontade ou da lei. Somente pode ser objeto de direito o bem suscetível de
valoração econômica ou moral” (Siqueira Jr., 2009, p. 164). Tem que ser um bem
que possa ser mensurável e estar à disposição dos sujeitos.
Segundo nos ensina Reale, “o objeto de uma relação jurídica pode ser uma
pessoa, uma prestação, ou uma coisa” (2002, p. 222). A diferenciação do objeto
determina também os limites do direito a ser exercido sobre este, como, por
exemplo, quando o objeto for uma coisa, é lógico que na maioria das vezes, o seu
proprietário pode dispor da coisa como achar melhor, e até mesmo, destruí-la
se achar mais conveniente. O mesmo não se dá sobre a pessoa, tomando como
exemplo, a relação de entre pai e filho, pois o Direito Civil atribui ao pai determi-
nados direitos e deveres sobre a pessoa do filho, isso não deixa de ser uma relação
jurídica, no entanto, o pai não pode dispor do filho como achar melhor, deve
fazê-lo no sentido de lhe permitir desenvolver suas potencialidades, capacidades,
aspectos pertinentes á sua própria condição de ser humano e outros.
Já quando o objeto for uma prestação, esta se caracteriza por “um ato ou uma
abstenção a que se obriga o sujeito passivo, e que o sujeito ativo pode exigir, como
a de pagar X no dia Y. Acontece nos direitos obrigacionais” (Betioli, 2011, p. 300).
Mesmo no caso de uma prestação, esta necessariamente deverá se realizar dentro
dos estritos limites estabelecidos pela legislação e do contrato, não existe por parte
do sujeito ativo, poder absoluto sobre a quem se deve a prestação.
Diante das características dos objetos da relação jurídica, quando se trata de
pessoas, está dentro da esfera do Direito Pessoal, quando se trata de coisa, a esfera
é do Direito Real e finalmente, quando se trata de prestação, a esfera é do Direito
Obrigacional, divisões específicas do Direito Civil e que deverão ser estudas em
momento mais oportuno.
Quanto ao fato propulsor, que nada mais é do que a relação jurídica propria-
mente dita, conforme nos ensina Siqueira Jr para quem “a relação jurídica surge
de um fato propulsor, idôneo a produção de efeitos jurídicos, que trata de um
acontecimento dependente ou não da vontade humana, a que a norma jurídica

160
UNICESUMAR

concede a qualidade de criar, modificar ou extinguir direitos” (2009, p. 165). Toda


relação jurídica surge a partir de um fato, de um ato jurídico, podendo o mesmo
ser voluntário ou não, diante desta possibilidade, surgem duas outras caracterís-
ticas do fato jurídico que é o fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) e o fato
jurídico em sentido estrito (strictu senso).
O fato jurídico lato sensu é aquele que depende da vontade das partes, “é o
acontecimento que origina direitos subjetivos e consequentemente cria relação
jurídica, concretizando o preceito de direito” (Siqueira Jr., 2009, p. 166). Depende
da vontade entre as partes, que decidem quando e que objeto estará envolvido
na relação jurídica, podendo inclusive, além do que já está previsto na norma,
pactuarem outras cláusulas e sanções ou bonificações que poderão ocorrer no
tempo de existência da relação jurídica. As partes envolvidas podem estabelecer
existência de outros direitos subjetivos, como, por exemplo, o locatário oferecer
um desconto significativo para pagamento adiantado de um aluguel. Neste tipo
de fato jurídico as partes estão cientes de toda a extensão de seus direitos e deveres
e podem determinar o início e o fim da relação jurídica.
Este tipo de relação jurídica é chamada por Reale de negócio jurídico, que
“é o ato jurídico pelo qual uma ou mais pessoas, em virtude de declaração de
vontade, instauram uma relação jurídica, cujos efeitos, quanto a elas e às demais,
se subordinam à vontade declarada, nos limites consentidos pela lei” (2002, p.
224). Como por exemplo, na compra e venda de um carro as partes o fazem ini-
cialmente por sua vontade, ainda que, em casos específicos, a necessidade pode
ser um dos componentes que movem esta vontade, no entanto, as duas partes
envolvidas conhecem, pelo menos o essencial, dos direitos e deveres envolvidos
neste tipo de relação jurídica.
Neste sentido, Reale nos ensina que “é preciso, com efeito, discriminar, no
negócio jurídico, dois elementos que nem sempre são claramente distintivos, a
saber: a) uma declaração de vontade que instaura uma situação jurídica capaz
de produzir efeitos externos ao seu autor; b) a subordinação dos efeitos dessa
situação às cláusulas e condições constantes da declaração por ela feita” (2002,
p. 224). Em outras palavras, ciência e consciência das partes envolvidas de que
necessariamente, este tipo de relação jurídica gera uma série de deveres e direitos,
que compõe a relação como um todo, além do que, conforme já exposto, é possível
cláusulas adicionais que geram novos direitos objetivos e subjetivos, que às vezes,
podem inclusive, tornar a relação jurídica inviável.

161
UNIDADE 8

Já o fato jurídico strictu senso, “seria o acontecimento independente da von-


tade humana, produzindo efeito jurídico, podendo ser ordinário como a morte,
o nascimento, a maioridade; e extraordinário, como o caso fortuito e de força
maior” (Siqueira Jr., 2009, p. 166). Embora não seja da vontade das partes envol-
vidas, não deixa de acarretar consequências jurídicas para as outras partes, que
também podem ter sido envolvidas de forma involuntária, como, por exemplo, o
falecimento de uma determinada pessoa, não isenta o patrimônio que ele deixou
para esposa e filhos, de responder pelas suas dívidas.
Há casos em que uma relação jurídica surge a partir de um ato jurídico ilícito,
o ato em si não tem amparo na norma para a sua existência, mas é a sua ilicitude
que faz com a norma jurídica se insurja contra o mesmo. A juridicidade está na
sua ilicitude, pois “o ato ilícito é o praticado em desacordo com a ordem jurídica,
violando direito subjetivo individual. Causa dano a outrem, criando o dever de
reparar tal prejuízo. Logo, produz efeito jurídico, só que este não é desejado pelo
agente, mas imposto pela lei” (Siqueira Jr., 2009, p. 168). Neste caso, é evidente
que aquele que realiza este ato ilícito encontra-se sempre na condição de sujeito
passivo, que é aquele que tem o dever de restituir um determinado direito a outra
pessoa, seja ela privada ou pública.
Finalizando os elementos componentes da relação jurídica, temos a chamada
proteção jurídica, sendo que, “no caso do sujeito passivo não cumprir as suas
obrigações, o sujeito ativo dispõe da proteção jurídica para proteger ou rever o
seu direito. A proteção jurídica pode ser extrajudicial (notificações) ou judicial
(ações judiciais)” (Siqueira Jr., 2009, p. 168). A proteção jurídica extrajudicial serve
na realidade como uma ameaça contida e legal, daquele que, sentindo ameaçado
um direito seu, avisa a outra parte das possíveis consequências, caso este direito
não tenha sido ressarcido num determinado prazo de tempo, que fica a critério
do sujeito ativo determinar. Já a proteção jurídica judicial é a forma pela qual
as partes envolvidas chamam o Estado para participar da solução do conflito,
porque o mesmo encontra-se protegido pelas normas jurídicas.
Para Betioli, “toda relação jurídica goza da proteção do Estado. Primeiro, pela
sanção prescrita na norma para os casos de sua violação. Segundo, pela faculdade
que o lesado possui de invocar a prestação jurisdicional do Estado para fazer o
seu direito” (2011, p. 301), conforme previsto na Constituição Federal, artigo 5º,
inciso XXXV e o artigo 75 do Código Civil.

162
UNICESUMAR

Ensina-nos Reale que “há tantos tipos de relações jurídicas quantas possam
ser as variações de fatos sociais e de sua disciplina normativa” (2002, p. 223), sendo
assim, inúmeras são as possibilidades de classificação das relações jurídicas, desde
as mais clássicas, às mais contemporâneas.
Concluindo, conforme ensina-nos Mascaro, “para compreender de maneira
mais profunda o problema da relação jurídica, no entanto, é preciso lembrar que ela
é apenas um momento qualificado das próprias relações sociais. As relações jurídi-
cas, tomadas na sua concretude, são muito mais amplas do que as meras referências
normativas” (2013, p. 116). Ou seja, a relação jurídica não é mero elemento norma-
tivo-técnico, como quer Hanz Kelsen, porque ela surge como um dos componentes
necessário das relações sociais, principalmente num sistema capitalista que faz do
consumo algo mais do que a simples necessidade de sobrevivência.
E ainda que existam relações, que não podem ser caracterizadas como jurídi-
ca por não serem tuteladas pelo Estado, e até mesmo existem contrariando as leis
estabelecidas pelo mesmo terminam por serem necessárias dentro de uma ordem
social cada vez mais injusta e desproporcional, como é o caso, da troca de vale
transporte por dinheiro em espécie, e o trabalhador opta por ir embora a pé para
casa, sendo este recurso, um valor a ser agregado em seu salário, para necessidades
mais urgentes. Outro acontecimento rotineiro é o trabalhador que aceita fazer um
bico após o trabalho, que é uma relação jurídica não tutelada diretamente pelo
Estado, e que tem nestes recursos, um valor considerável agregado ao seu salário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sintetizando, é o fato jurídico que dá origem ao surgimento da relação jurídica,


concluindo, conforme ensina-nos Mascaro, “para compreender de maneira mais
profunda o problema da relação jurídica, no entanto, é preciso lembrar que ela é
apenas um momento qualificado das próprias relações sociais. As relações jurídicas,
tomadas na sua concretude, são muito mais amplas do que as meras referências
normativas” (2013, p. 116). Ou seja, a relação jurídica não é mero elemento norma-
tivo-técnico, como quer Hanz Kelsen, porque ela surge como um dos componentes
necessário das relações sociais, principalmente num sistema capitalista que faz do
consumo algo mais do que a simples necessidade de sobrevivência.

163
1. Explicar o que é uma relação jurídica.

2. Explicar e apresentar quais são os objetos de uma relação jurídica.

3. Explicar o que é o vínculo de atributividade e se ele está presente em todas as


relações jurídicas.

4. Apresentar quais são os elementos que constituem uma relação jurídica.

164
9
Teoria do
Ordenamento
Jurídico: lacunas
e conflitos
normativos
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar, aprender e conhecer a importância da Teoria do Orde-


namento Jurídica.
• Aprender e compreender a identificar possíveis lacunas do orde-
namento jurídico e formas de solução deste problema.
• Estudar a questão da equidade e sua relação com a ideia de
justiça.
UNIDADE 9

Conforme já estudado em momento anterior, a concepção de Direito tomada


em nossos estudos, foi a de matriz juspositivista, para a qual o Direito existe a
partir das normas jurídicas, tendo o Estado como produtor das normas jurídicas,
ainda que se possa admitir que os privados produzam estas normas e que mesmo
uma decisão judicial também produza uma norma, todas estas surgem a partir
de uma decisão normativa do Estado, de forma mais específica do Legislados.
Dentro desta perspectiva juspositivista, “o direito se refere a normas jurídicas,
mas, na prática jurídica, elas nunca são encontradas isoladamente. O direito não
é composto de uma única norma” (Mascaro, 2013, p. 117).
O nosso propósito neste capítulo é o de estudar a Teoria do Ordenamento
Jurídico e de forma mais específica, como ela se manifesta no nosso ordenamento,
e também analisar situações em que, mesmo estando supostamente ausente a
existência de normas, é possível recorrer ao dogmatismo jurídico para resolver
este tipo de problema.

166
UNICESUMAR

A teoria do ordenamento jurídico

Conforme já estudado em momento anterior, a concepção de Direito tomada


em nossos estudos, foi a de matriz juspositivista, para a qual o Direito existe a
partir das normas jurídicas, tendo o Estado como produtor das normas jurídi-
cas, ainda que se possa admitir que os privados produzam estas normas e que
mesmo uma decisão judicial também produza uma norma, todas estas surgem
a partir de uma decisão normativa do Estado, de forma mais específica do Le-
gislados. Dentro desta perspectiva juspositivista, “o direito se refere a normas
jurídicas, mas, na prática jurídica, elas nunca são encontradas isoladamente.
O direito não é composto de uma única norma” (Mascaro, 2013, p. 117).
Com a própria formação do Estado Moderno, a substituição do Monarca
e do Papa, por um ente abstrato, constituído a partir da ideia de um territó-
rio e de um povo que se submete a viver em obediência as leis criadas pelo
Estado, não poderia ser diferente que, este Estado fizesse surgir um conjunto
de normas jurídicas necessárias à organização e determinação de condutas,
para que todos pudessem tem os seus direitos respeitados e os deveres esta-
belecidos para todos.
Segundo Mascaro (2013) com o Estado Moderno tendo para si o monopó-
lio da produção de norma jurídica, necessária à própria estrutura capitalista,
porque trouxe junto de si segurança jurídica e previsibilidade de direitos, aca-
bou por ter a necessidade de que estar normas tivesse um mínimo de coerência,
“ainda que não houvesse garantia total de que os conteúdos fossem coerentes,
havia a garantia de que outras normas que não são estatais não interfeririam
no conjunto normativo jurídico” (2013, p. 118). É lógico que a medida que
novos direitos surgiam e o Estado tinha a necessidade de tutelar estes direitos,
mais complexo se tornou o ordenamento jurídico, principalmente quando no
século XIX acentuou o processo de globalização e as relações internacionais
entre os países, e mesmo entre empresas privadas de países diferentes, obriga-
ram o Estado a ter que definir um ordenamento mínimo e que procurasse, na
medida do possível, ser completo, embora o dogma da chamada completude
do ordenamento jurídico efetivamente nunca existiu, este é um dos aspectos
que veremos em nosso estudo.

167
UNIDADE 9

Para Bobbio, “na realidade os ordenamentos são compostos por uma infini-
dade de normas, que, como as estrelas no céu, jamais alguém consegue contar”
(1999, p. 37). Portanto, principalmente num mundo cada vez mais globalizado, é
humanamente impossível que alguém esteja ciente da existência de todas as leis
constantes num ordenamento jurídico, isto se explica em função da “dificuldade
de rastrear todas as normas que constituem um ordenamento dependo do fato
de que geralmente essas normas não derivam de uma única fonte” (1999, p. 37),
ainda mais quando se trata de uma República Federativa, onde além da União,
Estado e Municípios também tem autonomia jurídica para legislar sobre aquilo
que lhes compete, sempre de acordo com a Constituição Federal.
A estrutura interna, tanto social, jurídica, econômica, política é de tal comple-
xidade, que isso acaba refletindo diretamente no Direito, como consequência, “a
complexidade de um ordenamento jurídico deriva do fato de que a necessidade
de regras de conduta numa sociedade é tão grande que não existe nenhum poder
(órgão) em condições de satisfazê-la sozinho” (Bobbio, 1999, p. 38). Neste caso,
inclusive a sociedade é chamada para participar deste processo de produção de
normas jurídica, ainda que não sejam de caráter geral e de efeito erga omnes, em
outras palavras, que não se dirijam a todos os homens, pois se trata de contratos
e outros instrumentos entre particulares, tornam-se indispensáveis para estabe-
lecer a harmonia social necessária ao desenvolvimento de qualquer país.
A complexidade do ordenamento jurídico também nos leva a admitir, com
bastante convicção, a impossibilidade da teoria monista, para quem o Estado é e
deve ser o único produtor de normas jurídicas, e nos possibilita caminhar cada
vez, na direção de um pluralismo jurídico, teoria defendida por Antonio Carlos
Wolkmer e já apresentada em nosso curso.
É em função de ter que regrar um número muito grande e diverso de condu-
tas que o “poder supremo recorre geralmente a dois expedientes: 1) a recepção
de normas já feitas, produzidas por ordenamentos diversos e precedentes; 2) a
delegação do poder de produzir normas jurídicas a poderes ou órgãos inferiores”
(Bobbio, 1999, p. 38).
Assim como quando do estabelecimento da norma jurídica, no ordenamento
jurídico também nos referimos ao critério de validade, neste sentido, nos ensina
Reale que “a validade de todo ordenamento depende, segundo Kelsen, do disposto
na primeira Constituição, devendo-se, porém, notar que o adjetivo primeira não
indica uma precedência cronológica, mas sim uma prioridade lógica” (2002, p.

168
UNICESUMAR

193), que no nosso caso, é a Constituição Federal de 1988, a qual deverá estar
subordinada tanto as leis criadas posteriormente a ela, quanto àquelas criadas
anteriormente, desde que estejam em consonância com a Constituição.
Não podemos nos esquecer de que, mesmo depois de promulgada a Cons-
tituição Federal de 1988, ainda continuou a prevalecer o Código Civil anterior
ao de 2002, é lógico quem quando da interpretação de qualquer um de seus
artigos, que entrasse em conflito com a Constituição Federal de 1988, criando o
que chamamos de inconstitucionalidade, o que deve prevalecer sempre, são os
princípios emanados pela mesma.
Para Reale, defendendo uma visão do Direito enquanto uma construção
histórico-cultural, ou melhor, dizendo, a sua Teoria Tridimensional do Direito,
conforme já apresentado em nosso curso, “o ordenamento jurídico é, sem dúvida,
normativo, mas não é apenas um conjunto gradativo de normas e menos um
sistema de proposições lógicas” (2002, p. 195), em contraposição ao pensamento
de Hanz Kelsen, portanto,“as normas representam o momento culminante de um
processo que é, essencialmente, inseparável dos fatos que estão em sua origem e
dos valores ou fins que constituem a sua razão de ser” (2002, p. 195). Reconhece-se
a normatividade do ordenamento jurídico, mas também reconhece que o mes-
mo não é e nem pode ser, resultado de uma simples construção técnico-lógica,
dissociado da realidade histórico-cultural que o cerca.
Mas porque essa insistência para a existência de uma teoria do ordenamento
jurídico? Neste sentido, é preciso compreender que “toda teoria do ordenamento
tende para a ideia de sistema. Dizendo de melhor maneira, a teoria do ordena-
mento necessita da ideia de sistema para lhe completar sentido e lhe possibilitar
um adequado tratamento para a relação entre as normas jurídicas” (Abud, Cârnio
e Oliveira, 2013, p. 291). É através destas ideias que fundamentam o ordenamento
jurídico que nos permite explicar o Direito como resultado de normas que se
articulam como um todo, e também, estabelecem limites para a sua criação e
do tratamento da matéria a que se referem, em outras palavras, que o Direito
do Trabalho se preocupe com as questões pertinentes à sua materialidade, sem,
contudo, perder a perspectiva que este Direito se articula, como realmente o é,
com outro número elevado de normas, porque produz efeitos diretos e indiretos
nas de mais normas.
Diante desta complexidade é de se esperar que esta ideia de ordenamento
jurídico também apresente as suas próprias limitações, “assim, além do problema

169
UNIDADE 9

envolvendo a hierarquia (os distintos extratos de normas) e da unidade (todas as


normas remetendo a uma única norma fundamental) um ponto essencial para
se trabalhar com a teoria do ordenamento é a questão da coerência normativa”
(Abud, Cârnio e Oliveira, 2013, p. 291). Portanto, apresentam-se três condições
para a existência de uma teoria do ordenamento jurídico, a saber: hierarquia,
unidade e coerência normativa.
Quanto à hierarquia nos ensina Mascaro que “o primeiro passo para estrutu-
rar as normas dentro de um ordenamento é escaloná-las. Quando se criam esses
escalões de normas, estabelece-se que tipo normativo se sobrepõe aos demais”
(2013, p. 121). Desta forma, identifica-se que norma deu a possibilidade jurídica
para a existência de outra norma, e também, identificar qual a norma fundamen-
tal que deu origem a todo este processo de criação normativa, outro aspecto a
ser levado em consideração é que “quando se diz que uma lei se sobrepõe a uma
portaria, quer-se dizer que, caso haja conflitos entre dispositivos dessas duas nor-
mas, o jurista saberá com qual das duas trabalhará, a mais alta” (Mascaro, 2013, p.
121). Este procedimento permitirá estabelecer o primeiro passo para a construção
da coerência do ordenamento jurídico.
Quanto à unidade, no caso do ordenamento jurídico brasileiro é a Constitui-
ção que fornece os princípios e mesmo as regras necessárias para a elaboração
de todas as demais normas jurídicas, portanto, nenhuma norma poderá estar em
conflito com a Constituição porque caso isso ocorra, a mesma será declarada
inconstitucional, e não mais poderá produzir efeitos jurídicos e ainda, fica pas-
sível de discussão, o que poderá acontecer com os efeitos jurídicos produzidos
durante sua vigência, uma vez que, a declaração de inconstitucionalidade nem
sempre é um processo rápido. Mas este é um assunto que pertence ao Direito
Constitucional.
Mas é evidente que a própria complexidade do ordenamento, além de ques-
tões de ordem política, a busca da coerência não é tarefa simples e que possa ser
resolvida de imediato, de início, este problema pode ser enfrentado e parcial-
mente resolvido, ao menos no campo técnico-formal, levando em consideração,
e tão somente, que “as normas serão consideradas jurídicas, pertencentes a um
ordenamento, se forem criadas a partir dos preceitos normativos previamente
estipulados. Caso as normas sejam assim criadas, seriam consideradas válidas”
(Mascaro, 2013, p. 122).
No entanto, outro problema que acarreta um desequilíbrio na coerência do

170
UNICESUMAR

ordenamento jurídico, são aquelas normas que, por um motivo ou outro, entram
em conflito com outras normas e às vezes, de mesma, ou de hierarquia superior,
gerando o fenômeno conhecido como Antinomia Jurídica.
Ensina-nos Bobbio que “definimos como antinomia aquela situação na qual
são colocadas em existência duas normas, das quais uma obriga e outra proíbe,
ou uma obriga e outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o mesmo com-
portamento” (1999, p. 86). De forma exemplificada, se existisse uma norma que
determinasse que o limite máximo de velocidade em uma rodovia fosse de 100
km/h e também, pode parecer absurdo, mas existem casos concretos semelhan-
tes, outra norma determinasse que o limite mínimo fosse de 100 km/h. Como
resolver este tipo de problema, ao qual chamamos de antinomia?
Mas uma antinomia não surge somente com esta condição, ou seja, de cho-
ques entre normas, para Bobbio (1999), para ela exista é preciso atender a duas
condições primárias, a saber: 1) as duas normas devem pertencer ao mesmo or-
denamento, no nosso caso, considera-se apenas o ordenamento jurídico positivo;
2) as duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade.
Quanto ao âmbito de validade, este “distinguem-se quatro âmbitos de validade
de uma norma: temporal, espacial, pessoal e material” (Bobbio, 1999, p. 87). No
tocante ao âmbito temporal, quando a norma diz que é proibido transitar em
determinada rua das 12:00 às 14:00 hs, não se confunde e nem pode ser incompa-
tível, quando outra norma determina que é permitido transitar das 14:00 às 20:00
hs. No âmbito ou validade espacial, se refere ao espaço geográfico determinado
pela norma, sendo assim, quando a norma proíbe fumar nos espaços físicos do
UNICESUMAR, não se confunde com a possibilidade de ser poder fumar no
espaço público e, portanto, fora do UNICESUMAR. No âmbito pessoal, ou seja,
o que identifica aquele sobre o qual recai ou não a norma, quando a norma de-
termina que é proibido aos menores de 18 anos dirigir veículo automotor, não
se confunde com a norma que permite, enquanto direito faculdade, aos maiores
de 18 anos poderem tirar a sua Carteira Nacional de Habilitação. E finalmente,
no âmbito da validade material, ou seja, a matéria de que trata a norma, quando
a norma determina que é proibido transitar em determinado local com veículo
automotor, não se confunde com a permissão para circular de bicicleta.
As antinomias entre duas ou mais normas, podem ocorrer sob três condições
diferentes, conforme nos ensina Bobbio, a saber: 1) total-total quando as normas
não podem ser aplicadas em caso nenhum, porque existe um conflito na sua

171
UNIDADE 9

totalidade, por exemplo, a norma A diz que é proibido estacionar em determi-


nado local das 10:00 às 18:00 hs, mas a norma B diz que é permitido estacionar
no mesmo local das 10:00 às 18:00 hs; 2) parcial-parcial, neste caso, as normas
tem pontos em comum que não entram em conflito, e outros pontos que entram
em conflito, por exemplo, “é proibido, aos adultos, fumar cachimbo e charuto das
cinco às sete na sala de cinema” e a outra norma nos diz que “é permitido, aos
adultos, fumar charuto e cigarro das cinco às sete na sala de cinema” (Bobbio,
1999, p. 89), neste caso, pode fumar charuto para as duas normas, no mesmo
espaço temporal, mas não o pode cachimbo e cigarro; e 3) total-parcial é o caso
em “a primeira norma não pode ser em nenhum caso aplicada sem entrar em
conflito com a segunda; a segunda tem uma esfera de aplicação em que não entra
em conflito com a primeira” (Bobbio, 1999, p. 89), esta situação se dá pelo fato da
primeira norma ser mais restrita na sua determinação de conduta e a segunda ser
menos restrita, como, por exemplo, “é proibido, aos adultos, fumar das cinco às
sete na sala de cinema”, enquanto a segunda norma nos diz que “é permitido, aos
adultos, fumar das cinco às sete, na sala de cinema, somente cigarros” (Bobbio,
1999, p. 89). Enquanto a primeira norma tem limitação total quanto ao uso de
tabaco, a segunda norma apenas restringe o uso de cigarros.
Se existe um conflito de normas, ou melhor dizendo, uma antinomia de nor-
mas, é preciso encontrar uma forma de solução para este problema, pois a socie-
dade espera do Direito uma resposta, uma decisão para o fim de seus conflitos,
e nem sempre é possível esperar do legislador uma iniciativa rápida para que o
mesmo termine com esta antinomia, modificando ou revogando uma das nor-
mas. No entanto, nem sempre é possível a solução das antinomias, em função
de duas situações específicas: “1) há casos de antinomias nos quais não se pode
aplicar nenhuma das regras pensadas para a solução das antinomias; 2) há casos
em que se podem aplicar ao mesmo tempo duas ou mais regras em conflito entre
si” (Bobbio, 1999, p. 92).
Casos em que as antinomias não podem ser solucionadas pelas regras dispo-
níveis, o que resta ao jurista é se valer de outros recursos, ainda que específicos
para aquele caso em concreto, procurando inclusive, uma solução dentro dos
princípios gerais do direito, ou ainda, em ordenamentos de outros países even-
tuais soluções para este problema.
Quanto às antinomias que podem ser solucionadas, os critérios para a sua
solução são três: a) critério cronológico; b) critério hierárquico; e c)critério da

172
UNICESUMAR

especialidade.
Quanto ao critério cronológico o que prevalece é que lex posteriori derogat
priori, ou seja, a lei posterior derroga a anterior, em outras palavras, a lei mais
recente revoga a mais antiga. Este é o caso em que as duas normas se encontram
no mesmo patamar hierárquico, e tem sua origem na mesma fonte de produção.
O entendimento que se dá é que a lei mais nova reflete os anseios mais recentes
da sociedade do que a lei anterior, segundo Bobbio, “imagina-se a Lei como ex-
pressão da vontade do legislador e não haverá dificuldade em justificar a regra. A
regra contrária obstaria o progresso jurídico, a adaptação do Direito às exigências
sociais” (1999, p. 93).
Quanto ao critério hierárquico se aplica a lex superior derogat inferior, ou seja,
a lei superior derroga a inferior. Este é o caso aonde existe conflito entre normas
de diferentes hierarquias quanto as fontes do direito, como, por exemplo, se existir
um conflito entre uma norma da Constituição Federal e uma norma criada pelo
legislador municipal, o que deve prevalecer, sempre, é a norma Constitucional.
Neste sentido, é preciso compreender que “a inferioridade de uma norma em
relação a outra consiste na menos força de seu poder normativo; essa força se
manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulamentação que
esteja em oposição à regulamentação de uma norma hierarquicamente superior”
(Bobbio, 1999, p. 93). Pode-se afirma também, que este critério auxilia na busca
da construção da coerência do ordenamento jurídico, pois estabelece quem ter
força normativa maior e capaz de oferecer subsídios para a elaboração e existência
de outras normas.
Quanto ao critério da especialidade o que prevalece é lex specialis derogat
legi generali, em outras palavras, a lei especial derroga a lei geral. O problema
segundo Betioli (2011) é conceituar o que é uma norma especial e para resolver
esta situação, o referido autor cita Maria Helena Diniz, para quem, uma norma
é especial quando “possui em sua definição legal todos os elementos típicos da
norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados es-
pecializante. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do
tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta” (2011, p. 460). A norma
especial se aprofunda no tratamento de um tema específico, de um problema que
exigiu do legislador tratar algo específico como forma de aumentar a tutela por
parte do Estado, como, por exemplo, o Estatuto do Idoso, ou ainda, o Estatuto da
Criação e do Adolescente. Segundo Bobbio, “a passagem da regra geral à regra

173
UNIDADE 9

especial corresponde a um processo natural de diferenciação das categorias, e a


uma descoberta gradual, por parte do legislador, dessa diferenciação” (1999, p. 96).
No entanto, podem existir situações em que exista antinomias que apresen-
tam conflitos de critério, porque “pode acontecer que duas normas incompatíveis
mantenham entre si uma relação em que se podem aplicar concomitantemente,
não apenas um, mas dois ou três critérios. De uma forma geral e mais corrente,
pode-se ter três tipos de situações diferentes: 1) conflito entre o critério hierárqui-
co e o cronológico; 2 ) conflito entre o critério de especialidade e o cronológico;
e 3) conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade.
O conflito entre o critério hierárquico e o cronológico “consiste no fato de que,
se se aplicar o critério hierárquico, prevalece a primeira, se se aplicar o critério
cronológico, prevalece a segunda” (Bobbio, 1999, p. 107). O que deve prevalecer
é o critério hierárquico, “por ser mais forte que o cronológico, visto que a com-
petência se apresenta mais sólida do que a sucessão no tempo” (Betioli, 2011,
p. 461). Já para Bobbio, “essa solução é bastante óbvia: se o critério cronológico
devesse prevalecer sobre o hierárquico, o princípio mesmo da ordem hierárquica
das normas seria tornado vão, porque a norma superior perderia o poder, que lhe
é próprio, de não ser ab-rogada pelas normas inferiores” (Bobbio, 1999, p. 107).
O que poderia colocar em risco inclusive, a própria coerência do ordenamento
jurídico, pois caso isso viesse a acontecer, teríamos a possibilidade de uma norma
Estadual vir a revogar uma norma constitucional.
Quanto ao conflito entre o critério de especialidade e o cronológico é o caso
em que “uma norma anterior-especial conflitante com uma posterior-geral, se-
ria a primeira preferida pelo critério da especialidade e a segunda pelo critério
cronológico” (Betioli, 2011, p. 461). Este é um caso que exige cautela na sua solu-
ção, num primeiro momento, “o conflito entre critério de especialidade e critério
cronológico deve ser resolvido em favor do primeiro: a lei geral sucessiva não
tira do caminho a lei especial precedente” (Bobbio, 1999, p. 108). No entanto, os
estudiosos recomendam cautela e fazer a análise a partir das características es-
pecíficas do caso concreto, como por exemplo, Betioli, citando novamente Maria
Helena Diniz, afirma que “a referida metarregra não tem valor absoluto, tendo em
vista certas circunstâncias presentes. Assim, conforme o caso, haverá supremacia
ora de um, ora de outro critério, não havendo uma regra definida” (2011, p. 461).
O conflito entre o critério hierárquico e de especialidade, a questão aqui é um
pouco mais complexa do que as duas possibilidades anteriores, porque os dois

174
UNICESUMAR

critérios, o da hierarquia e da especialidade são considerados critérios fortes. Este


é caso em que “uma norma superior-geral incompatível com uma norma inferior-
-especial” (Bobbio, 1999, p. 109). Num primeiro momento deveria prevalecer o
critério hierárquico, e certamente o seria, se a primeira norma fosse a Constituição
Federal, no entanto, se fosse normas infra-constitucional a solução não seria tão
imediata e definitiva, em favor da hierarquia, pois “a gravidade do conflito deriva do
fato de que estão em jogo dois valores fundamentais de todo ordenamento jurídico,
o respeito da ordem, que exige o respeito da hierarquia e, portanto, do critério da
superioridade, e o da justiça, que exige a adaptação gradual do Direito às necessida-
des sociais e, portanto, respeito do critério da especialidade” (Bobbio, 1999, p. 109).
No caso do ordenamento jurídico brasileiro, excetuando conflitos em que
deve prevalecer sempre a Constituição Federal, o critério da especialidade pode-
ria prevalecer sobre o da hierarquia (para normas infra-constitucionais), desde
que dessa forma, estaria ampliando o grau de justiça necessária ao fortalecimento
de qualquer ordenamento jurídico. Não se pode desconsiderar que se a coerência
e a unidade do ordenamento jurídico deve ser mantida e preservada, o princí-
pio que antecede a esta própria organização é o de que a finalidade maior deste
ordenamento, deve ser a de realizar justiça.
Mas ainda podem existir situações em que será encontrada uma insuficiência
de critérios para solução do conflito normativo, “nesse caso de insuficiência de
critérios, em geral o legislador há de editar nova lei, refazendo sua determinação
legal, ou então, em caso de omissão do legislador, há uma técnica, de caráter
mais vago, porque mais dependente da aceitação de todos, que é o uso de uma
ferramenta que se chama lex favorabilis (lei favorável)” (Mascaro, 2013, p. 153).
O juiz precisa encontram uma solução para o conflito, e na maioria das vezes,
não pode esperar a vontade do legislador, se na “dúvida pró réu”, no conflito entre
normas, para a qual não existem critérios, então nada mais justo do que aplicar a
norma que mais beneficia o réu. Ainda que seja um posicionamento polêmico é
a solução mais justa diante de um problema que não surge pela intencionalidade
do agente que praticou o ato, mas pela própria complexidade da sociedade, com
reflexo direto no ordenamento jurídico.
A questão das antinomias se reflete diretamente na contínua luta pela coe-
rência do ordenamento jurídico, e que pode ser analisados sob duas perspectivas
responsabilidades diferentes. A primeira na dimensão legislativa e a segunda na
dimensão jurisdicional.

175
UNIDADE 9

No primeiro caso “dimensão legislativa, que é o órgão criador do direito, o


dever de coerência se manifesta da seguinte forma: não criar normas que sejam
incompatíveis com as outras normas do sistema” (Abud, Cârnio e Oliveira, 2013,
p. 292). É uma questão de organização e vontade política do legislador, que deve
assumir a sua responsabilidade de manter a coerência deste ordenamento, com a
finalidade de proporcionar entre outros, da chamada segurança jurídica, que de
certa forma, embora existam críticas com relação a esta busca, permite o desen-
volvimento de uma maior confiança por parte não apenas dos juristas, mas da
própria população, quanto a ação do judiciário.
No segundo caso, “na dimensão judicial, o dever de coerência apresenta um as-
pecto específico, ligado à atividade de aplicação de normas – próprias dos órgãos ju-
risdicionais. Assim, tem-se a seguinte fórmula: caso se deparem com antinomias no
momento da aplicação, devem eliminá-las” (Abud, Cârnio e Oliveira, 2013, p. 292).

As Lacunas do Ordenamento

A ideia de um ordenamento jurídico completo, surge a partir da perspectiva bur-


guesa de que o Estado deve arrogar para si toda a responsabilidade de orem nor-
mativa, elementos jurídicos necessários para dar legitimidade e legalidade ao modo
capitalista de produção. Nesta linha de visada,“o direito é completo porque o Estado
arroga para si um total poder sobre as relações sociais. Detendo o monopólio da
violência, o Estado torna o direito completo em potencial, porque a tudo poderá
se impor pela sua força” (Mascaro, 2013, p. 156). Se ele tem o monopólio é porque
também, pelo menos em tese, assume para sai a responsabilidade de resolver todos
os conflitos que surgem naturalmente no seio da sociedade. Este tipo de compor-
tamento também reflete na chamada Teoria Monista da Fonte do Direito, a qual
Hanz Kelsen transformou-se num dos mais ardoroso e diligente defensor.
Segundo nos ensina Mascaro, “não admitindo que o direito pudesse conter,
em seu ordenamento, falhas ou lacunas, os juristas do século XIX e em especial
do século XX puseram-se a construir modelos teóricos que afastassem a com-
preensão do ordenamento como lacunoso” (2013, p. 158). É a ideia de soberania e
autonomia do Estado como provedor de tudo o que realmente é necessário para
a sociedade. A esse fato, deu-se o nome da busca da completude do ordenamento
jurídico, em outras palavras, o Estado deve legislar sobre todas as possibilidades
de eventuais conflitos que vao naturalmente surgindo no seio da sociedade.

176
UNICESUMAR

Para Bobbio, “por completude entende-se a propriedade pela qual um or-


denamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que
a falta de uma norma se chama geralmente lacuna (vazio normativo-jurídico),
completude significa falta de lacunas” (1999, p. 115).
De forma direta o problema resultante da falta de completude, ou melhor di-
zendo, da existência da lacunas no ordenamento jurídico, não afeta diretamente o
legislador no exercício de sua função, mas sim o juiz que precisa decidir um caso
concreto, e dos juristas, que não encontram uma norma jurídica que se relacione
com o caso concreto apresentado pelos seus clientes. Segundo Bobbio, a base teó-
rica e prática para esse problema da concretude surgem a partir do Código Civil,
ou mais conhecido como Código de Napoleão, considerado o modelo moderno
de código e que irá influenciar toda a cultura jurídica moderna ocidental, quando
no seu artigo 4º assim determina: “o juiz que recusar julgar, a pretexto do silêncio,
da obscuridade ou da insuficiência da lei, poderá ser processado como culpado
de denegar a justiça” (1999, p. 118). O pressuposto é que o Código fazia previsão
legal de todas as normas necessárias para o desempenho da função do jurista, era
completo. Não se nega a existência do Direito Natural, mas o que é necessário e
importante para que o Estado desempenhe sua função, encontra-se positivado.
Portanto, “a completude é uma condição necessária para os ordenamentos
em que se valem estas duas regras: 1) o juiz é obrigado a julgar todas as con-
trovérsias que se apresentam a seu exame; 2 ) deve julgá-las com base em uma
norma pertencente ao sistema” (Bobbio, 1999, p. 118). O principal problema é que
o juiz não pode criar uma norma específica para julgar um caso concreto, pois
os defensores do juspositivismo, principalmente no Brasil, não admitem que o
juiz utilize a sua criatividade legislativa e tão pouco, se coloque na condição de
legislador, sendo assim, o mesmo deve sempre julgar com fundamento em norma
jurídica estabelecida.
Reforça esta ideia, de que o ordenamento jurídico é completo, a teoria desen-
volvida por Hanz Kelsen, para quem “a lacuna estaria na lei, mas não no ordena-
mento, já que toda resposta a um problema normativo deveria sair do próprio
direito e, mesmo que algum elemento externo fosse introduzido ao direito, pas-
sando ele pelos critérios formais de adequação ao ordenamento, ele, automati-
camente, seria transformado em direito” (Abud, Cârnio e Oliveira, 2013, p. 293).
Em outras palavras, não existiria uma solução provisória e tão pouco, que fosse
aplicada somente para o caso concreto em questão, mas sim, depois deste pro-
cesso formal, integraria o ordenamento como um todo.

177
UNIDADE 9

Bobbio desenvolve a sua teoria do ordenamento jurídico em linha próxima de


Kelsen, de quem recebeu uma influência muito forte, e dentro desta perspectiva,
expõe que “o dogma da completude, isto é, o princípio de que o ordenamento jurí-
dico seja completo para fornecer ao juiz, em cada caso, uma solução sem recorrer
à equidade, foi dominante, e o é em parte até agora, na teoria jurídica europeia
de origem romana. Por alguns é considerado como um dos aspectos salientes do
positivismo jurídico” (1999, p.119). já fora exposto que a nossa matriz jurídica
é romana, de influência europeia, notadamente francesa e alemã, embora tenha
herdado alguns aspectos do direito português. O que se quer evitar, conforme
deixa claro Bobbio, é de conceder ao juiz julgar de forma valorativa, uma vez que
o uso do critério de equidade se faz com o sopesamento dos valores morais, éticos
e religiosos que devem nortear a conduta humana. O juiz deve julgar de acordo
com as formalidades previstas na norma. Ele apenas lê, interpreta e aplica, pois
criar uma norma é atividade específica e restrita do legislador.
Para Mascaro a visão de Hanz Kelsen é tratar as lacunas como uma deficiên-
cia, ou recusa do juiz em aceitar que o ordenamento jurídico é completo, sendo
assim, “quando o jurista fala que há uma lacuna no direito, na verdade, ele está
reclamando de uma solução que existe, mas que para ele é indesejável” (2013, p.
159). Desta forma, imputa ao jurista a responsabilidade por não encontrar no
ordenamento jurídico uma solução aplicável ao caso concreto.
Na realidade não existe uma fórmula definitiva para resolver este tipo de
problema, que termina por surgir numa sociedade cada vez mais complexa e
pela impossibilidade do legislativo em caminhar no mesmo espaço temporal do
dinamismo social, dado que as formalidades necessárias para a elaboração das
normas jurídicas, principalmente num país de dimensão territorial continental,
como é o caso do Brasil, são formalidades que exigem um determinado espaço
de tempo considerável, e mais ainda, quando a questão levanta polêmica de in-
teresse geral, como, por exemplo, pesquisa genética, a nova constituição a família
do século XXI, a redução ou não da maioridade penal, para citar apenas alguns
temas polêmicos.
O que se desenvolveu nas teorias, e principalmente na cultura jurídica brasi-
leira, foram os chamados métodos integradores, portanto, “a integração é a busca
por normas similares, fatos parecidos, circunstâncias comparáveis, trazendo-as
para o preenchimento da lacuna” (Mascaro, 2013, p. 161). Tanto Norberto Bobbio,
quanto outros estudiosos, para tratar da integração como método para solução

178
UNICESUMAR

das lacunas, uma nomenclatura desenvolvida por Carnelutti, que são os critérios
de autointegração e heterointegração.
O método da autointegração “consiste na integração cumprida através do
mesmo ordenamento jurídico, no âmbito da mesma fonte dominante, sem re-
corrências a outros ordenamentos e com o mínimo recurso a fontes diversas da
dominante” (Bobbio, 1999, p. 147). No nosso caso, a fonte dominante é a estatal,
sendo assim, o jurista deve buscar dentro do ordenamento jurídico brasileiro,
uma solução para preencher a lacuna apresentada no caso concreto.
A própria Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, no artigo 4º
determina que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Quando a lei é omissa, é
porque existe uma lacuna no direito. Neste sentido, o próprio Bobbio nos ensi-
na que “o método da autointegração apoia-se particularmente em dois procedi-
mentos: 1) a analogia; 2) os princípios gerais do direito” (1999, p. 150). No caso
brasileiro, acrescentam-se os costumes, que já estudamos em momento anterior
em nosso curso.
Mas o que significa a interpretar e aplicar uma norma, para realizar a au-
tointegração, com a utilização da analogia? Ensina-nos Bobbio que a analogia
é o “procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma
disciplina que a um caso regulamentado semelhante” (1999, p. 151).
A analogia é resultante de um processo de construção lógica entre o que já
está previsto que visa encontrar pontos de convergência para aplicação, no caso
concreto para o qual se apresenta a inexistência de normas, sendo assim, “no
processo analógico, a tarefa do aplicador do direito será a de localizar, no sistema
jurídico vigente, a norma prevista pelo legislador e que apresenta semelhança
fundamental, não apenas acidental, com o caso não previsto” (Betioli, 2011, p.
428). Por exemplo, no comércio praticado através da internet, naquilo que não
tem ainda norma específica, busca-se analogia para as normas já consagradas
do direito empresarial e das relações de consumo de compra e venda para as
transações tradicionais.
Conforme nos esclarece Coelho, “a analogia não ocorre entre normas inter-
pretandas, mas entre situações diversas, das quais uma está claramente regulada,
ao passo que a outra não. Em face dessa carência de regulação jurídica, o juiz pode
aplicar a lei voltada para a situação análoga. Nesse caso, emprega-se o argumento
lógico per analogiam” (2004, p. 322). É um processo de construção lógico-ra-

179
UNIDADE 9

cional, ou seja, não se fundamenta no achismo ou na mera aparência, é preciso


provar por raciocínio lógico o maior grau possível de semelhança entre o que já
está normatizado e se apresenta com segurança jurídica, e de outro lado, o caso
concreto, para o qual ainda não temos uma norma ser aplicada.
Contudo, a analogia não permite e nem é o processo de criação de uma norma
específica, a analogia é “um processo de comparação mental em não ocorre, como
muitos pensam, a criação da norma. O juiz, ao aplicar tal procedimento, busca
uma lei já existente, uma disposição normativa convencionada pelo legislador,
limitando-se, apenas, a estender os seus efeitos para uma hipótese que esse mesmo
legislador não previu” (Schwartz, 2009, p. 146).
Por outro lado, Betioli defende a ideia de que, “apesar de constituir uma ope-
ração lógica, a analogia não se reduz a mero processo lógico-formal. Nela en-
contra-se também uma averiguação valorativa ou axiológica, ou seja, na busca
do paradigma o intérprete não pode deixar de lado a valoração” (2011, p. 429).
Partindo do pressuposto que a finalidade do direito é o de realizar justiça, julgar
com equilíbrio e equidade, ainda que contrarie a teoria desenvolvida por Hanz
Kelsen e outros positivistas, portanto, na “analogia há: a) uma investigação lógica,
no sentido de buscar a verdade de uma igualdade; b) e uma investigação axio-
lógica, no sentido de alcançar uma justiça de igualdade” (2011, p. 429). Opinião
também compartilhada por Reale (2002) para quem o direito é sempre uma
construção histórico-cultural e sendo assim, sofre, e deve mesmo sofrer, influên-
cias axiológicas.
Quanto aos princípios gerais do direito, esta é outra questão polêmica, pela
dificuldade em determinar uma visão unânime sobre estes princípios. No entanto,
um conceito que encontra muito aderência na doutrina é aquele apresentado por
Reale, para quem “os princípios gerais de direito são enunciações normativas de
valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento
jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas
normas. Cobrem, deste modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto
o de sua atualização prática” (2009, p. 304).
Segundo nos ensina Nunes “há muitas divergências sobre o que e quais são
os princípios gerais do direito. Sem entrar na controvérsia, podemos afirmar
serem os que inspiram e dão embasamento à criação de toda e qualquer norma,
inclusive e especialmente a Constituição, bem como os valores sociais que afetam
o sistema e dirigem sua finalidade” (2005, p. 279). Ainda que Hanz Kelsen possa

180
UNICESUMAR

discordar, o objetivo maior do direito deve ser o de estabelecer ou restabelecer a


justiça no seu grau mais amplo e possível, não deixa de ser um ideal, mas, segun-
do nos ensina Leonardo Boff, o ideal é como a estrela do deserto para o viajante,
ele sabe que nunca chegará até a estrela, mas ela orienta o seu caminho jornada
após jornada. Se o ideal de justiça é uma utopia dentro da construção do direito,
abandonar esta utopia é querer transformar o direito em mera técnica e forma-
lidade, e sendo assim, poderá ser reduzido a um algoritmo e transformado em
um software, para que uma máquina possa administrá-la.
Ainda, segundo Nunes, “são exemplos dos princípios gerais do Direito
no Brasil: a justiça, a dignidade do homem, a isonomia, a anterioridade para
fins de cobrança de impostos, o sistema republicano etc.” (2005, p. 279), ao
que poderíamos acrescentar o direito de propriedade, a função social da pro-
priedade, o respeito aos contratos, o devido processo legal (ainda que já esteja
positivado), entre outros.
Nesta mesma linha de interpretação de Nunes, temos aquela expressa por
Reale, para quem “a maioria dos princípios gerais do direito, porém, não cons-
tam de textos legais, mas representam contextos doutrinários, [...], são mode-
los doutrinários ou dogmáticos fundamentais” (2002, p. 305). São construções
histórico-culturais, para usar um termo de Reale, resultantes das experiências
e sofrimentos da história da humanidade, das quais a mesma não pode abrir
mão destas conquistas, sob pena de um retrocesso histórico, como experiência
vividas por alguns países, ainda no século XXI, como, por exemplo, aquelas
culturas que ainda consideram as mulheres como propriedades dos homens e
na condição de plena submissão da mesma, ou ainda, a realização de casamen-
tos com crianças do sexo feminino, ainda no desenvolvimento da sua infância,
sem lhe dar a possibilidade de escolha, ou mesmo, a prática da escravidão,
seja ela de que natureza o for.
Diante do exposto e “inobstante a disputa doutrinária, pode-se asseverar
que esses princípios gerais de direito são preceitos de orientação implícita,
isto é, não expressamente regrados pelo órgão legislador competente, mas
que, no entanto, compõem o ordenamento positivo, como que fixando uma
linha política ou filosófica de direção a ser seguida pela sociedade” (Schwartz,
2009, p. 148). Oferecem um fanal, um horizonte sob o qual o Direito amplia a
sua linha de ação, garantindo direitos já conquistados, e oferecendo suporte
necessário ao surgimento de novos direitos.

181
UNIDADE 9

É neste mesmo sentido, que para Reale “fácil é perceber que, sendo ele-
mentos condicionadores ou fundantes da experiência jurídica, podem ter as
mais diversas origens, consubstanciando exigências de ordem ética, sociológica,
política, ou de caráter técnico” (2002, p. 305). Portanto, não é mera construção
técnica e nem se encontra de forma estática, uma vez que o seu componente
ético, sociológico e política tem um dinamismo próprio que acompanha os an-
seios da sociedade, dos modelos que de tempos em tempos a sociedade projeta
para o seu desenvolvimento.
O método da heterointegração, conforme nos ensina Mascaro, “consiste em
trazer, a um caso dado como lacunoso, uma resposta vinda de fonte externa ao
próprio ordenamento jurídico. Em geral, a heterointegração se faz com o recurso
à comparação com outros ordenamentos, de outros Estados mas também de
outras épocas no mesmo Estado, e também com a busca de orientações fora do
ordenamento jurídico” (2013, p. 161). É preciso observar que quando esta busca
se dá em ordenamentos jurídicos de outros Estados, é preciso que este tenha
princípios constitucionais que se assemelhem ao nosso, pois existe uma diferença
quanto ao objetivo da norma jurídica entre um Estado Democrático e um Estado
Totalitário, porque enquanto no primeiro a lei é a vontade do povo positivada, e
tem muito mais um caráter de norma de conduta no sentido pedagógico; no se-
gundo, a lei traz junto de si o medo necessário à manutenção deste tipo de Estado.
Conforme nos ensina Montesquieu, o sentimento que move uma República é a
virtude, e o sentimento que move o despotismo (Estados Totalitários) é o medo.
Conforme nos ensina Bobbio,“o tradicional método de heterointegração me-
diante recursos a outros ordenamentos jurídicos consistia, no que se refere ao
juiz, na obrigação de recorrer, em caso de lacuna do Direito positivo, ao Direito
natural” (1999, p. 147). Isto ocorre ou ocorria, naqueles ordenamentos jurídicos
aonde o Direito natural tem vigor e força para tal, partindo do pressuposto das
teorias defendidas pelos jusnaturalistas, para quem o “Direito natural era imagi-
nado como um sistema jurídico perfeito, sobre o qual repousava o ordenamento
positivo, por natureza imperfeito: a tarefa do Direito natural era dar remédio
às imperfeições inevitáveis do Direito positivo” (1999, p. 147). É lógico que nos
ordenamentos de predominância juspositivista fica muito difícil este tipo de apli-
cação, mas não podemos nos esquecer de que, por exemplo, um dos principais
fundamentos dos chamados Direitos Humanos, tem a suas origens no Direito
natural e também, muito do Direito positivo se fundamenta sobre estes Direitos.

182
UNICESUMAR

No tocante a heterointegração, para Bobbio “o método mais importante de


heterointegração, entendida como recurso a outra fonte diferente da legislativa,
é o recurso, em caso de lacuna da Lei, ao poder criativo do juiz, quer dizer, ao
assim chamado Direito judiciário” (1999, p. 149), principalmente aquele Direito
de matriz anglo-saxônica, no entanto, este tipo de procedimento não é previsto
em nosso ordenamento jurídico, de prevalência juspositivista, em que a elabo-
ração da norma, salvo casos bem específicos e restritos normalmente ao âmbito
administrativo, é de responsabilidade do Legislativo.

Equidade

A equidade é outro recurso de integração para preenchimento das lacunas do


Direito, ora citada por alguns autores como constante no processo de Autointe-
gração e por outros autores, como um tipo de Heterointegração, independente
da sua classificação, pois o problema é que o jurista tem que resolver a situação
lacunosa, então vamos tratar de forma sintética sobre este tema, embora seja um
assunto específico da filosofia do direito.
O conceito de equidade tem sua origem em Aristóteles e esta é a vertente predo-
minante e que será explorada neste curso. É verdade que a questão do julgamento,
ou da tomada de decisão pela equidade é polêmica, principalmente em ordenamen-
tos jurídicos fortemente influenciados e construídos pelo juspositivismo. Sendo as-
sim, é preciso procura conhecer e compreender a visão aristotélica
sobre o que é o justo e a justiça.
Para Aristóteles, o “termo justo se aplica a qualquer coi-
sa que produza e preserve a felicidade, ou as partes
componentes da felicidade, da comunidade polí-
tica” (2002, p. 7). Para Aristóteles a ideia de justo,
e por consequência de justiça, estava necessa-
riamente associada à felicidade, no entanto,
o que deveria prevalecer é a felicidade como
resultado de uma construção coletiva, dai
a colocação do termo comunidade política,
que se caracteriza necessariamente, com a vida
na pólis, com o desenvolvimento da vida coletiva.

183
UNIDADE 9

É dentro desta perspectiva que Aristóteles constrói o conceito de justiça, não


como algo intrínseco e inerente ao próprio cidadão, mas algo que ele escolhe entre
fazer ou não fazer, não para si, mas com relação ao outro, portanto, “a justiça é a
virtude perfeita porque é o exercício da virtude perfeita; e é perfeita num grau
especial, porque quem a possui pode praticar sua virtude em relação a outros e
não apenas a si mesmo” (Aristóteles, 2002, p. 7). É possível inferir que o conceito
de justiça é algo que necessariamente torna-se externo ao próprio cidadão, e
embora a sua construção seja inicialmente de origem abstrata, ela se revela ao
mundo na prática da virtude, portanto, o homem justo não se exime de viver o
mundo e colocar as suas virtudes à prova de circunstâncias externas, cujo controle
não lhe pertence na totalidade.
A justiça assume assim um caráter de ordem coletiva, e não uma satisfação
e realização que afeta somente o cidadão que a pratica, é por isso “a ideia de que
entre as virtudes só a justiça é o bem alheio, porque faz o que é vantajoso para um
outro, seja um governante, seja um associado” (Aristóteles, 2002, p. 7). É vantajoso
porque de se certa forma restitui uma igualdade que fora tomada, justamente
pela prática da injustiça. É um bem que não pertence ao cidadão, mas ao outro,
porque em determinado momento lhe fora tomado.
No entanto, não é o justo que afirma que ele é justo, mas sim o resultado
de sua ação, “pois não faz diferença se um homem bom defraudou um ho-
mem mau, ou um homem mau defraudou um homem bom, nem importa se
foi um homem bom ou mau quem cometeu adultério; a lei olha apenas para
a natureza do dano, tratando as partes como iguais, e apenas perguntando
se uma cometeu e a outra sofreu injustiça, se uma infligiu e a outra sofreu
dano” (Aristóteles, 2002, p. 9). O que importa é se a ação concretizada é justa
ou injusta, pois de nada adianta um homem se denominar como justo, se as
suas ações forem injustas, não é a existência do atributo que torna as pessoas
justas, mas sim a ação com fundamento no atributo.
Para Aristóteles a “justiça é aquela qualidade em virtude da qual se diz que um
homem se dispõe a fazer a escolha deliberada daquilo que é justo, e, ao distribuir
coisas entre si e um outro, ou entre dois outros, não dar demais a si mesmo e de
menos a seu vizinho daquilo que é desejável” (Aristóteles, 2002, p. 11), e tão pouco,
tão de menos a si mesmo e demais aos outros, daquilo que é indesejável. Sendo
assim, a justiça é uma coisa que se distribui com proporcionalidade. No entanto,
é justo o homem que o faz por sua escolha, não para tirar qualquer vantagem

184
UNICESUMAR

presente ou futura, mas simplesmente porque este tipo de ação contribui para a
construção e o fortalecimento da felicidade coletiva.
Mas a ideia de justiça e injustiça não existe em qualquer lugar, é preciso ter
um referencial, “pois a justiça só pode existir entre aqueles cujas relações mútuas
são reguladas pela lei, e a lei existe no meio daqueles entre os quais existe uma
possibilidade de injustiça, pois a administração da lei significa a discriminação
do que é justo e do que é injusto” (Aristóteles, 2002, p. 11). Encontra-se presente
o realismo aristotélico, pois a ideia de justiça e injustiça só pode existir a partir
de um parâmetro, daquilo que os homens determinaram como minimamente
necessário para se viver em sociedade, e de outro lado, reforça a importância
dada por Aristóteles, para a figura do juiz, porque é natural que numa vida em
sociedade surjam conflitos entre os homens e alguém queira tirar uma vantagem
indevida, sendo assim, “é por isso que, quando ocorrem disputas, os homens têm
de recorrer a um juiz. Ir até um juiz é ir à justiça, pois o juiz ideal é, por assim
dizer, a justiça personificada” (2002, p. 9).
Embora Aristóteles tenha uma percepção positiva sobre a natureza humana,
não descarta a possibilidade do homem, em escolher um comportamento que
contrarie a sua própria essência e natureza, que é o de viver bem e feliz, sabendo
que os homens podem ser injustos por escolha própria de sua vontade, inde-
pendente das origens e motivos destas escolhas, afirma que, “é por isso que não
permitimos que um homem governe, mas sim a lei” (Aristóteles, 2002, p. 11).
Diante do exposto ainda nos resta um problema: o que é a equidade, e qual
sua relação com a justiça e a ação justa ou injusta? Nos adverte Aristóteles que
justiça e equidade não são as mesma coisa, e que a “equidade, embora justa, não
é justiça legal, mas sim uma retificação da justiça legal. A razão disso é que a lei
é sempre uma declaração geral: no entanto, existem casos que não podem ser
abrangidos numa declaração geral” (2002, p. 16).
Existem casos que aplicar a Lei que trata de um caso geral, implica em acen-
tuar uma injustiça já realizada, não porque a lei assim o quer, mas simplesmente,
pela particularidade do caso contrato, que exige outra interpretação acerca da lei.
Ou poderíamos dizer, que durante a Segunda Guerra Mundial, prisioneiros dos
campos de concentração que fugiram dos nazistas, o fizeram de forma injusta,
simplesmente porque existia uma norma jurídica, emanada pelo malfadado Es-
tado Alemão, que assim o determinava? Na visão de Hanz Kelsen talvez sim, mas
não o era, para o conceito de justiça em equidade em Aristóteles.

185
UNIDADE 9

Portanto, conforme nos ensina Aristóteles, a equidade não é justiça legal, mas
é a forma de corrigir eventuais injustiças que seriam cometidas pela ausência da
lei, ou pela aplicação da lei, em casos que, dado a sua peculiaridade, fogem ao
contexto do caso geral para o qual fora criada a norma.
Segundo Schwartz, analisando a equidade a partir da visão aristotélica, “po-
der-se-ia conceituar a equidade como a justiça do caso concreto; é o abrandamen-
to do rigor da lei, em sua dimensão abstrata e generalizante, de modo que, quando
aplicada na solução de um determinado fato social, não resulte em manifesta
injustiça” (2009, p. 151). Não é uma justiça legal, mas é uma justiça corretiva, que
tem relação com a moral, a ética e mesmo com a construção histórica do Direito,
pois os homens espera no mínimo, que o Direito realize a justiça.
No entanto, estamos tratando da equidade como forma de integração às la-
cunas do Direito, pois como ideal a ser seguido, encontram nos defensores do
juspositivismo resistências ferrenhas e contrárias à sua aplicação, porque “o juiz,
como, de resto, qualquer intérprete e aplicador da lei, está rigorosamente sub-
metido ao seu enunciado, só lhe sendo possível questionar a sua validade, a sua
vigência e a sua eficácia” (Schwartz, 2009, p. 153). Posição defendida também por
Hanz Kelsen, para quem o conceito de justiça não pertence ao Direito enquanto
ciência, mas situa-se no campo da ética, da moral e da política, que são elementos
externos ao direito.
Finalizando, embora o tema seja polêmico e não encontre posição pacífica
entre os juristas e estudiosos do Direito, é preciso, segundo nos ensina Reale no
conjunto de sua obra, reconhecer que o Direito também se funda, se estrutura e
precisa se preocupar com questões de cunho axiológico, como forma de fornecer
uma orientação para a direção a ser tomado como referência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões pertinentes á teoria do ordenamento jurídico, assim como a equida-


de, se constitui num importante campo para a reflexão sobre a filosofia do direito,
e também, de vital importância para a existência da própria norma jurídica.

186
1. Explicar a diferença entre o propósito de estudo da teoria da norma e da teoria
do ordenamento jurídico.

2. No ordenamento jurídico brasileiro, quando da existência de lacunas, quais as


formas para a solução deste problema?

3. Equidade e justiça significam a mesma coisa? Fundamentar sua resposta.

4. Explicar se é possível existir uma lei sem que a mesma seja justa.

187
10
Hermenêutica
jurídica e
argumentação
Dr. Ivan Dias da Motta
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Conhecer e aprender o que é a hermenêutica jurídica.


• Conhecer e aprender o que são sistemas de escolas de interpre-
tação e sua importância para o mundo jurídico.
• Conhecer alguns tópicos de argumentação jurídica.
UNIDADE 10

O legislador ao criar as normas jurídicas o faz dentro da perspectiva de as mesmas


são gerais e abstratas, ou seja, parte de uma hipótese da existência de um fato, no
entanto, no mundo concreto, as coisas são reais. Na maioria das vezes, os fatos
reais parecem, aos olhos do senso comum, não encontrar respaldo na norma. O
problema que surge é o seguinte: como passar da norma jurídica ao caso real, ou
seja, têm-se que encontrar uma norma jurídica que possa ser aplicada ao caso
concreto. É lógico que, se essa hipótese será a correta ou não, quem decidirá é o
juiz, mas de qualquer forma, o jurista tem que tentar, dentro dos princípios éticos
e morais, tentar demonstrar ao juiz, que a sua linha de raciocínio é a verídica.
São estes problemas e outros decorrentes de forma direta destes, assim
como, o conhecimento dos Sistemas de Escolas de Interpretação é que nos
permitirá enfrentar as questões pertinentes à hermenêutica jurídica e também
da argumentação jurídica, apresentada então, apenas como um conhecimento
introdutório em nosso curso.

190
UNICESUMAR

Hermenêutica jurídica

O legislador ao criar as normas jurídicas o faz dentro da perspectiva de as mes-


mas são gerais e abstratas, ou seja, parte de uma hipótese da existência de um fato,
no entanto, no mundo concreto, as coisas são reais. Na maioria das vezes, os fatos
reais parecem, aos olhos do senso comum, não encontrar respaldo na norma. O
problema que surge é o seguinte: como passar da norma jurídica ao caso real, ou
seja, têm-se que encontrar uma norma jurídica que possa ser aplicada ao caso
concreto. É lógico que, se essa hipótese será a correta ou não, quem decidirá é o
juiz, mas de qualquer forma, o jurista tem que tentar, dentro dos princípios éticos
e morais, tentar demonstrar ao juiz, que a sua linha de raciocínio é a verídica.
No entanto, existe uma confusão entre interpretação e hermenêutica, comu-
mente encontrado na literatura, e para resolver este problema, vamos recorrer
aos ensinamentos de Carlos Maximiliano, para quem interpretar é determinar
o sentido e o alcance das expressões do direito. Exemplificando, a Constituição
Federal do Direito determina no seu artigo 52 que “compete privativamente ao
Senado Federal”. Qual o sentido da norma? Estabelecer competências. Qual o
alcance? O Senado Federal e não os legislativos Estaduais ou Municipais. Qual a
expressão do Direito? A Constituição Federal, portanto, se dirige a todos os entes
federados e ao povo brasileiro, que se encontra em território nacional.
Para Betioli, revelar o sentido de uma norma “não significa somente conhecer
o significado das palavras, mas sobretudo descobrir a finalidade da norma jurídica”
(2011, p. 376). É compreender que regra de conduta a norma pretende conduzir,
para produzir os fins desejados. Por exemplo, qual o significado de uma placa de
trânsito que limita a velocidade perto de uma Escola, em 40 km/h? Certamente é o de
permitir que os veículos automotores sejam conduzidos dentro de uma velocidade,
que permite ao condutor, em caso de imprevisto, produzir o menor dano possível a
um pedestre, ou mesmo, ter tempo de reação suficiente para evitar o atropelamento.
Por outro lado, ao interpretar e fixar o alcance da norma, determina-se a
quem ela se destina, quais os sujeitos que a ela se submetem, ou ainda, a ela pode
recorrer para proteger os seus interesses. Nem sempre a norma tem efeito erga
omnes, ou, em outras palavras, se aplicam a todos os homens, assim como, os
funcionários públicos, no tocante à greve, tem a sua própria norma para regular
o exercício deste Direito, diferente daqueles trabalhadores da iniciativa privada.

191
UNIDADE 10

Já com relação à expressão do direito, ou a norma jurídica, conforme nos ensina


Betioli, “todas as normas jurídicas podem ser objetos de interpretação: as legais, as ju-
risdicionais (sentenças judiciais), as costumeiras e as negociais (negócios jurídicos)”
(2011, p. 377). Até porque, assim determinamos a abrangência da norma e se a mesma,
dentro da estrutura hierárquica tem competência para legislar sobre aquele assunto.
Mas o qual seria a função da hermenêutica? Segundo Carlos Maximiliano a her-
menêutica é o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o
sentido e o alcance das expressões do Direito.
Destarte o desenvolvimento histórico da hermenêutica, termo que surge no mun-
do grego, até chegar aos nossos dias, passando pelo grande período da codificação,
concentraremos nosso estudo no conceito e na função atual que o conceito representa
para o mundo jurídico.
Conforme veremos a seguir, existiram movimentos dentro da história do Direito,
que defendiam a ideia de que a interpretação jurídica fosse realizada a partir da vontade
geral, do espírito do povo, no entanto, a corrente que mais vai influenciar o juspositivis-
mo moderno, é aquela defendida por Hanz Kelsen, que segundo nos ensina Mascaro,
“adstrito à técnica formal, Kelsen propõe que a interpretação normativa seja distinguida
em dois tipos: a interpretação autêntica e a interpretação doutrinária” (2013, p. 168).
A interpretação autêntica, mantendo a sua ideia inicial de tratar o direito como
uma ciência, só poder ser realizada por aquele que tem a função de aplicar a norma,
que é a autoridade jurídica responsável em aplicar a norma jurídica. Aquela que tem o
dever imperativo de verificar se àquele caso concreto se aplica determinada norma, e
de interpretar o que a norma diz e apresenta como sanção para o mesmo.
Já a interpretação doutrinária, segundo Kelsen, “não é uma interpretação que seja
considerada ruim ou débil em comparação à interpretação autêntica. Não se trata de
um juízo de valor sobre a melhor interpretação” (Mascaro, 2011, p. 169), no entanto,
serve apenas para efeito consultivo, como parâmetro e auxílio para a autoridade jurídica
calibrar a sua interpretação, porque sendo doutrinária, é aquela produzida através do
estudo e reflexão acadêmica, ou ainda, de instituições com esta finalidade.
No entanto, os efeitos jurídicos propriamente ditos, só podem resultar da interpre-
tação autêntica, pois ao aplicar a norma, o juiz transforma a sua sentença numa norma
jurídica aplicável somente àquele caso concreto em questão.
Interpretar não é apenas determinar o significado, o que pode ser feito por um
especialista em língua portuguesa, para o jurista, interpretar é encontrar soluções para
os casos concretos, que de forma direta e imediata, resultante da clareza da lei, não

192
UNICESUMAR

puderam encontrar previsões legais. Estas soluções nada mais são do que a integração
às normas jurídicas, preenchendo assim, a lacunas.
Conforme nos ensina Venosa (2006, p. 178), as lacunas podem ser de várias espé-
cies, e alguns autores até apresentam outras possibilidades, mas de forma geral, podem
ser voluntárias, quando a inexistência da norma é proposital pelo legislador. Para Betioli
“são lacunas voluntárias, ou casos em que a própria norma remete ao órgão judicante a
utilização da equidade” (2011, p. 445). No entanto, o mais comum é o juiz procurar na
jurisprudência uma solução para o caso, uma vez que a questão do julgar com equidade
ainda é tema controverso em nossa cultura jurídica. Ressalta ainda Betioli, que “poder-
-se-ia falar em lacuna voluntária também nos casos em que na redação das normas
se introduz certo grau de indefinição e maleabilidade com a utilização de conceitos
indeterminados, como boa-fé, bons costumes, ordem pública, diligência de um bom
pai de família etc” (2011, p. 445). É o caso em que o juiz ou tem que preencher a lacuna,
com a aplicação destes conceitos.
Conforme já ressaltado, numa cultura jurídica como a brasileira, e como parte
de um descrédito da sociedade nas relações com o Estado, sempre que se envolvem
questões que, para a sua solução é necessário usar de conceitos axiológicos, sempre vai
existir muita polêmica e discordância na aplicação destas formas de solução, sendo
assim, vivemos num ordenamento jurídico onde a grande meta é o máximo de posi-
tivação e um mínimo de relações, onde as soluções passem por conceitos axiológicos.
Ainda existe outro tipo de possibilidade, que dado a inúmeros problemas de or-
dem política, pode existir e que se caracterizam por lacunas voluntárias de origem e
estratégica política mesmo, em outras palavras, quando por falta de consenso, ou por
motivos de vantagem política, o legislador deixa de legislar simplesmente para que os
problemas se agravem, e neste caso, cabe ao judiciário dar soluções a estes casos. Este é
um problema de ordem política e não jurídica.
Ainda, segundo Venosa (2006, p. 178) ainda existe as lacunas involuntárias, sendo
o caso em que o legislador efetivamente não previu solução para um determinado caso
geral. Para estes casos, já foram apresentados as formas de integração.

NOVAS DESCOBERTAS

Lenio Streck fala sobre hermeneutica e jurisdição em tempos de solipsismo


Disponível em:

193
UNIDADE 10

Classificação da Interpretação

Quanto à sua Origem ou Fonte

Quanto à sua origem ou fonte, podem ser: a) judiciária, b) legal ou autêntica, c)


administrativa; e d) doutrinária ou científica.
A judiciária são aquelas resultantes do exercício da magistratura, ou dos juízes
ao prolatar uma sentença, que apresenta a sua interpretação da norma jurídica
para um caso concreto específico, portanto, tem efeito inter partis, ou em outras
palavras, afetam somente as partes envolvidas. Estas têm força reparadora e coer-
citiva para os envolvidos diretamente, e quando se transformam em jurisprudên-
cia é fonte formal do Direito, lembrando que jurisprudência não é norma, mas
referência para aplicação do Direito em casos comuns.
A legal ou autêntica é realizada pelo próprio legislador, em casos específicos
ao criar uma Lei Interpretativa com a finalidade de explicar ou interpretar o
sentido de uma lei anterior.
A administrativa é quando realizada pelos órgãos da administração, normal-
mente, a partir do chefe do executivo, para os de menor escalão. Segundo Betioli,
“essa interpretação não se restringe às autoridades e pessoas do Poder Executivo,
mas abrange qualquer representante do Poder Público na sua esfera de competên-
cia (2011, p. 380); e finalmente, d) doutrinária ou científica, são aquelas realizadas
por juristas e estudiosos do Direito, nas suas obras ou pareceres, cujas interpre-
tações se dão através de princípios filosóficos, científicos e da realidade social. A
autoridade de tal interpretação provém de seu caráter científico e especulativo.
Inúmeras são as decisões judiciais aonde o juiz cita este tipo de interpretação
que ao ser aplicado pelo juiz, a um caso concreto específico, passa a compor o
ordenamento jurídico.

Quanto ao Processo ou Método

Quanto ao Processo ou Método são classificadas em: a) gramatical ou filológica;


b) Lógico-sistemática; c) Histórica; d) Sociológica; e e) Teleológica.

194
UNICESUMAR

A gramatical ou filológica observa a relação entre a lei e sua função grama-


tical, é o primeiro contato, mas não é o suficiente, pois tem apenas preocupação
literal e não com o ordenamento jurídico. Pode não ser o suficiente, mas é o
primeiro contato que o jurista e o estudioso têm com a norma, segundo Nunes
“ela é fundamental para fixar a significação das palavras contidas no texto, não
só no texto isoladamente, mas no contexto em que ele esta inserido, relacionado
com os demais (2005, p. 263). Para Betioli, este tipo de interpretação “toma como
ponto de partida o exame do significado e alcance de cada um das palavras da
norma jurídica. Ela se baseia na letra da norma jurídica, processando-se apenas
no campo lingüístico” (2011, p. 380). No entanto, fundamental a sua existência,
porque bem o sabemos, uma palavra e mesmo uma vírgula colocada em lugar er-
rado pode mudar de forma significativa a interpretação de uma norma qualquer.
A lógico-sistemática leva em conta o sistema onde está inserido o texto e sua
ligação com os demais elementos da própria lei, tendo que se preocupar com a
unidade e coerência do sistema jurídico. Segundo Dimoulis “a interpretação siste-
mática objetiva integrar e harmonizar as normas jurídicas considerando-as como
um conjunto. Para melhor entender o mandamento legislativo, devemos analisar
a norma dentro do texto da regulamentação legal, levando em consideração as
relações lógicas e hierárquicas entre as várias normas” (2007, p. 178). Parte do
pressuposto que numa norma existe de forma isolada, mas sim como um com-
ponente do ordenamento jurídico e que mantém e reforça a unidade e harmonia
do mesmo. Neste sentido, afirma Betioli que este tipo de interpretação “considera
a unidade e coerência do sistema, de modo a afastar a interpretação que leve a
um resultado contraditório com o disposto em outras normas” (2011, p. 381).
A interpretação histórica tem por característica investigar os antecedentes
da norma, e todos os caminhos e influências que estas possam ter recebidas, até
o momento de sua promulgação, sendo assim estuda esta lei, compara com as
outras externas ao sistema, para verificar sua influência. Para Nunes, este tipo de
interpretação se preocupa “em investigar os antecedentes da norma: como ela
surgiu; por que surgiu; quais eram as condições sociais do momento em que ela
foi criada; quais eram as justificativas do projeto; que motivos políticos levaram à
sua aprovação etc” (2005, p. 272). Este tipo de interpretação, dada a sua natureza
investigativa permite conhecer quais foram as circunstâncias e fatos de ordem
política, social, econômica e mesmo ideológica, quando do surgimento de qual-

195
UNIDADE 10

quer norma, sendo assim, é possível identificar qual a verdadeira intenção da sua
elaboração, como, por exemplo, e bem sabemos, que a libertação dos escravos
no Brasil não partiu de questões humanitárias, mas sim por pressão de ordem
econômica por parte da Inglaterra, desmistificando assim, um possível ato de
humanismo da Princesa Isabel e ao identificar estas questões, e caminhando de
forma mais profunda na história, verificaremos que a Lei Áurea em nada apoiou
o escravo colocado em liberdade por seu senhor.
A interpretação sociológica refere-se à adaptação das leis às realidades e
condições sociais e a investigação das razões sociais que motivaram a lei, e seus
reflexos no momento atual. Para Mascaro, a interpretação sociológica “alcança
um nível maior do que o da própria norma jurídica. Vai buscar na sociedade, as
causas que geraram base à formação da norma. Os conflitos sociais, as lutas de
classe, as contradições, os interesses em jogo, a cultura, pressões políticas, econô-
micas, culturais, religiosas etc., tudo isso entra em campo para o entendimento
da norma jurídica” (2011, p. 174).
A interpretação teleológica tem similaridade com a interpretação sociológi-
ca, quanto ao fato de observar o aspecto social, no entanto, segundo nos ensina
Dimoulis, o “raciocínio é o seguinte: ao criar a lei, o legislador pretendia tutelar
determinados interesses ou bens e alcançar certas finalidades. Se entre a criação
da lei e o momento atual houve mudanças sociais, devemos aplicar a norma após
termos identificado qual seria a vontade do mesmo legislador se ele legislasse em
nossos dias” (2007, p. 180). Em outras palavras, é trazer a intenção do legislador
para interpretar a norma nos dias atuais.
Para Nunes, ainda com referência a interpretação teleológica, “essa regra de
interpretação teleológica, quando trata do encontro dos princípios maiores, que
são fins inalienáveis deve valer-se de valores no ato de interpretar. A fixação do
sentido de justiça, bem comum, fim social depende de apreciação valorativa do
fim da norma jurídica e do meio social a qual ela se dirige” (2005, p. 270). Neste
caso, foge da mera interpretação sistemática-lógica do texto, para conhecer os
seus fins no sentido axiológico e social, como resultado deste processo, “costu-
ma-se chamar esse tipo de interpretação, também de axiológica, em função dos
valores que leva em consideração, ou sociológica, porque tenta pensar e adaptar
a norma às necessidades sociais vigentes à época da interpretação” (2005, p. 270).
Reale quando do desenvolvimento e exposição da Teoria Tridimensional do
Direito, e no conteúdo de sua obra, já nos apresenta essa visão da interpretação

196
UNICESUMAR

teleológica da norma jurídica, quando na sua exposição nos ensina que “inter-
pretar uma lei importa, previamente, em compreendê-la na plenitude de seus fins
sociais, a fim de poder-se, desse modo, determinar o sentido de cada um de seus
dispositivos. Somente assim ela é aplicável a todos os casos que correspondam
àqueles objetivos” (2002, p. 289).

Quanto aos Efeitos e Resultados

As normas podem ser classificadas em: a) declarativas; b) extensiva; e c) restritiva.


A declarativa é aquela que se limita a declarar o pensamento expresso na lei,
partindo do pressuposto de que o legislador sabe expressar-se de forma conve-
niente e também, convincente. Para Betioli, as leis declarativas são aquelas em que
“nelas o intérprete chega à conclusão de que as palavras expressam, com medida
exata, o espírito da lei, cabendo-lhe apenas constatar essa coincidência” (2011, p.
382). O legislador foi tão claro no que queria dizer, que não deixou espaços para
dúvidas ou possíveis lacunas, ainda que de natureza interpretativa.
Com relação à interpretação declarativa, nos ensina Dimoulis que a “pre-
ferência para essa forma de interpretação é devido à necessidade de respeitar
a vontade do legislador. Não é adequado ampliar ou restringir o significado de
termos utilizados pelo mesmo se não há sério motivo para tanto” (2007, p. 185).
Quanto a extensiva o alcance da norma se apresenta mais amplo do que os
seus termos literais se apresentam, é o caso em que o legislador terminou por
escrever menos do que devia, sem entrar em detalhes no porque desta aparente
ausência. Na linha de visão defendida por Dimoulis, “a interpretação extensiva
dilata o significado até o ponto máximo que o termo permite. Pode ser admitida
se o intérprete indicar os motivos pelos quais a interpretação declarativa não
corresponde à verdadeira vontade do legislador” (2007, p. 186).
Ainda com relação à interpretação extensiva, este é o caso em que “as hipóteses
normativas são ampliadas pelo jurista, de tal modo que previsões originalmente não
estipuladas passem a ser compreendidas no âmbito de implicações de uma determi-
nada norma” (Mascaro, 2013, p. 176). Na realidade, a norma pode ser aplicada para
um número maior de possibilidades daquela planejada pelo legislador, ou ainda, a
própria aplicação da sanção. Normalmente, as “normas principiológicas costumam
ser objeto de disputa hermenêutica extensiva” (Mascaro, 2013, p. 176).

197
UNIDADE 10

A interpretação restritiva é o caso que alguns estudiosos entendem que o legis-


lador escreveu mais do que devia, ou seja, detalhou de tal maneira a norma, que o
interpretador se vê forçado a restringir a aplicação da lei. Segundo Mascaro, no “caso
da interpretação restritiva, o jurista procede a uma hermenêutica das normas jurí-
dicas que delimita a sua compreensão de modo a diminuir as hipóteses de sua apli-
cação” (2013, p. 175). O intérprete pode restringir no sentido de não permitir que a
norma venha, por exemplo, a cometer uma injustiça, caso fosse aplicada em toda a
sua extensão, por exemplo, “se uma norma jurídica determinasse o pagamento de
um determinado imposto, e impusesse alíquotas maiores para os contribuintes de
ascendência japonesa, por exemplo, o jurista faria uma leitura restritiva da norma
jurídica, considerando que um de seus pedaços é altamente atentatório aos direitos
fundamentais, que prevêem a igualdade entre todos” (Mascaro, 2013, p. 176).
Para Betioli, “verifica-se quando o intérprete restringe o sentido da norma ou
limita sua incidência, concluindo que o legislador escreveu mais do que realmente
pretendia dizer, e assim o intérprete elimina a amplitude das palavras” (2011, p.
381). Neste sentido, o faz para que o ideal de justiça seja o norte orientador de
toda interpretação, pois a norma não pode produzir mais injustiça do que aquela
resultante do próprio fato social.

Sistemas de escolas de interpretação

O sistema de interpretação surge ao longo da história do Direito, já a partir da


medievalidade, sendo produto de seu próprio momento histórico e traz junto de
si o pensamento predominante de sua época, embora várias destas Escolas ainda
encontrem adeptos nos dias atuais.

Escola dos Glosadores ou de Bolonha

Tem a sua fundação no século XI, portanto, situa-se temporalmente no período da


medievalidade, e tinha por missão interpretar a lei sob o ponto de vista gramatical, e
não dentro do contexto da mesma. Tem cunho dogmático e legalista, sendo assim,
não admitiam a atualização histórica e social da lei. Segundo Betioli, esta escola
foi “fundada por Irnécio, professor de gramática e de dialética, e que se baseava na

198
UNICESUMAR

interpretação gramatical do Corpus júris Civilis de Justiniano, por meio de glosas


(anotações marginais ou interlineares) acrescentadas aos textos estudados” (2011,
p. 389). O termo glosa significa também recortar, sendo assim, realizavam o recorte
de normas, sem analisar o texto e contexto sob o qual estavam inseridas.
Com relação à esta escola, Montoro nos ensina que a Escola dos Glosadores,
assim como da Exegese, e de outras racionalistas, tinham duas características que
as marcavam de forma determinante, a saber: “a) por prender o direito aos textos
rígidos, como se fossem dogmas; b) procura aplicá-los rigorosamente de acordo
com a vontade do legislador” (2005, p. 435). E posteriormente, tratavam estas in-
terpretações como algo que fosse imutável, assim, dogma no sentido de verdade
revelada, imutável e acabada. Estes referenciais faziam com que os glosadores me-
dievais e os comentaristas deste período histórico, examinassem “artigo por artigo,
sob o ponto de vista gramatical, as palavras e frases da lei, isoladas do seu contexto,
e indiferentes às modificações históricas e sociais” (Montoro, 2005, p. 436).

Escola da Exegese

Esta escola é posterior à Escola dos Glosadores, mas herdou algumas de suas ca-
racterísticas, conforme esclarecido no tópico anterior. No entanto, se aprofundam
em algumas questões, procurando descobrir as intenções do legislador, conhe-
cendo os processos que antecederam à elaboração da norma, neste sentido, o in-
terpretador deve apenas aplicar a norma de acordo com a intenção do legislador.
Alguns autores nominam também, como Escola racionalista ou legalista.
Esta Escola tem a sua origem como resultante do processo de codificação, sur-
gindo na França no século XIX, de forma indireta Napoleão e a sua insistência
de estabelecer de forma rígida a sua personalidade à codificação, contribuíram
significativamente à construção dos postulados desta Escola. Sendo assim, “a
principal premissa desse movimento metodológico se apresenta no comando
de respeitabilidade que existe entre o texto e o intérprete (no caso, os juízes):
este devir ater-se, rigorosamente, aos dizeres contidos na compilação. Era
necessário manter fidelidade aos artigos do código” (Abud, Cârnio e Oliveira,
2013, p. 328). O resultado deste método é que código e Direito passam a ser a
mesma coisa. O juiz passa a ser um intérprete gramatical e lógico do código.
Não pode e nem deve criar.

199
UNIDADE 10

É uma típica escola de seu tempo histórico e das mudanças próprias deste tempo,
portanto,“este tipo de abordagem metodológica deve-se ao clima de total subordina-
ção e desconfiança a que estavam submetidas a jurisprudência (juízes) e a erudição
(doutrinadores). Assim, é natural que a escola dominante de pensamento praticasse
uma interpretação literal dos códigos, razão pela qual conhecida como escola exegé-
tica” (Abud, Cârnio e Oliveira, 2013, p. 329). Napoleão considerava o seu código uma
das obras primas da racionalidade, resultante do seu esforço e empenho político para
dar aos franceses, algo de que poderiam se orgulhar.
No tocante a forma de interpretação, Reale nos ensina que “é somente graças à
interpretação lógica e gramatical que, segundo, a Escola da Exegese, o jurista cumpria
o seu dever primordial de aplicador da lei, de conformidade com a intenção original
do legislador. Este é o lema caracterizador da Escola” (2002, p. 280). Era uma fidelida-
de ao texto e não ao Direito, até porque, para esta Escola Direito e código significam
exatamente a mesma coisa.
Foi e continua sendo uma Escola influente e para ela,“a lei é elevada a plano tão alto
que passou a ser como a única fonte do direito. Dizia, por exemplo, Demolombe: os tex-
tos acima de tudo. Aubry: toda alei, nada além da lei. Laurent: os códigos nada deixam
ao arbítrio do intérprete; o direito está escrito nos textos da lei” (Betioli, 2011, p. 390).
Concluindo, para esta Escola o direito está contido na lei e passa a ter vida pró-
pria, e a função do intérprete é a de retirar dos textos das leis, as soluções para os
casos concretos, toda a lei, nada mais do que a lei. Portanto, seguir o código e seguir
e aplicar a lei, é tornar o direito algo real e concreto, é realizar justiça. O texto legal é a
única fonte do direito. Dentro deste rigor metodológico, esta Escola de interpretação,
traz quatro característica fundamental: “a sistematicidade jusnaturalista-racionalista;
a radical separação entre fato e direito; a identificação total entre código (estatuto) e
direito; e o dogma da literalidade na interpretação dos artigos dos códigos” (Abud,
Cârnio e Oliveira, 2013, p. 329).

Escola Histórica

Para esta Escola de interpretação a lei tem vida própria, portanto, o intérprete
deve observar o que o legislador quis e o que ele poderia querer no tempo atual,
em outras palavras, adaptar a velha lei aos tempos atuais. Por ironia do destino,
a França usou este método, para manter vivo o Código Civil Francês, ou, como

200
UNICESUMAR

ficou mais conhecido, Código de Napoleão.


Esta Escola é resultado do conjunto e da influência da obra de Friedrich Carl
von Savigny, na defesa desta Escola, “sustentaram vários mestres que a lei é algo
que representa uma realidade cultural, - ou, para evitarmos a palavra cultura,
que ainda não eras empregada neste sentido – era uma realidade histórica que
se situava, por conseguinte, na progressão do tempo” (Reale, 2002, p. 282). Sendo
assim, a lei precisava ser atualizada de acordo com o momento histórico, para
o qual se deseja aplicar a lei ao caso concreto, pois “uma lei nasce obedecendo a
certos ditames, a determinadas aspirações da sociedade, interpretadas pelos que
a elaboram, mas o seu significado não é imutável” (Reale, 2002, p. 282).
É possível então, estabelecer um paralelo entre a Escola da Exegese, para quem
a lei, através do código, sempre manteria o seu significado, e a Escola Histórica,
para quem a lei, possuía um significado que deveria ser interpretado dentro de
um determinado período histórico. Ao estudar e interpretar os ensinamentos
desta Escola é possível inferir que ela “afirmava que o verdadeiro direito residia
nos usos e costumes e na tradição popular, colocando como seu fundamento a
realidade social de cada povo. É a história desse povo, como resultado de suas
aspirações e necessidades, que forma o direito” (Betioli, 2011, p. 392).
Para Abud, Cârnio e Oliveira a Escola Histórica situa-se entre um momento
de passagem do jusnaturalismo para o juspositivismo, e com este viés, “opera
uma reação aos postulados de supratemporalidade dos ideais de justiça exis-
tentes no ambiente jusnaturalista, afirmando ser o direito um produto histórico
(portanto, temporal)” (2013, p. 331). Neste sentido, a positividade do direito
situa-se necessariamente, e tão somente, dentro de um tempo histórico, findo
o qual, atualiza-se a sua interpretação.
No entanto, é preciso ressaltar que esta forma de interpretação precisa ocorrer
dentro de três condicionantes, sob pena de cair em contradição da sua própria
ideia de direito, em outras palavras, reconhecer a lei como uma realidade históri-
ca, que situa dentro de uma “progressão do tempo” (Betioli, 2011, p. 393). Segundo
aspecto, o que se realiza é uma interpretação atualizadora, pois “ao intérprete
cabe o trabalho de adaptação do texto legal às novas realidades e exigências da
vida social” (Betioli, 2011, p. 392). O intérprete realiza apenas uma espécie de
transporte da lei no seu tempo anterior, para o tempo atual. E o terceiro aspecto
é que não é uma interpretação criadora, porque “o intérprete não cria do direito,
apenas revela novos aspectos de uma lei antiga” (Betioli, 2011, p. 393).

201
UNIDADE 10

Segundo Reale essa interpretação atualizadora, consistiria em elaborar o seguinte


questionamento: “que teria resolvido o legislador se, no seu tempo, já existissem tais
e quais fatos que hoje constituem uma realidade indeclinável de nossa vida social?”
(2002, p. 282). Sempre tomando como ponto de partida, uma lei criada pelo legislador
em tempo histórico anterior ao fato.
Concluindo, e segundo nos ensina Abud, Cârnio e Oliveira,“é da combinação dos
métodos históricos e sistemáticos que emerge a característica metodológica funda-
mental da Escola histórica. Todos os autores são unânimes em afirma que é dessa
estrutura metodológica que a ciência do direito da Europa continental, ainda hoje,
retira seus fundamentos” (2013, p. 332).

Sistema de Livre Indagação

Este movimento inicia-se na França com as obra de François Gény, e teve seu ápice
entre 1905 e 1914, e depois, pelas obras de alguns autores alemães, principalmente
Hermann Kantorowicz.
Esta Escola de interpretação, tinha uma característica que irá fundar uma das
principais críticas contra a mesma, pois interpretava os textos, e, ia além dos mesmos,
pois criava novos direitos, quando da existência da lacunas.
Com fundamentos na obra de François Gény, o mesmo afirmava que a lei é
sem dúvida a fonte mais importante do Direito, no entanto, não é a única fonte. Se
o jurista se deparar com uma lacuna na lei, deve primeiro procurar resolver o pro-
blema através das fontes oriundas dos costumes, da jurisprudência e da doutrina,
no entanto, se estas fontes não forem, ou não se mostrarem suficientes, o juiz deve
usar legislar e criar uma lei para resolver o caso concreto que se apresenta. Há casos
em que o juiz pode inclusive, agir praeter legis, ou seja, ir contra a lei. Segundo nos
ensina Montoro, na existência de lacunas e na impossibilidade de resolvê-las pela
via tradicional, “o intérprete deve recorrer a outras fontes, e não violentar a lei para
força-la a dizer o que ela não pôde ter previsto, como pretende a doutrina da evolução
histórica” (2005, p. 438).
No Brasil um dos principais críticos contra esta Escola de interpretação é Carlos
Maximiliano, que afirma na sua obra Hermenêutica Jurídica, ser perigoso conceder
ao juiz, algo mais do que a sua função que é a de aplicador do Direito, com fundamen-

202
UNICESUMAR

to na Teoria da Tripartição dos Poderes de Montesquieu, que, com a com finalidade


de desconcentrar o poder, dividiu entre o Poder Legislativo, Executivo e Judiciário,
sem, contudo, perder a unidade que é o próprio Estado. Para Carlos Maximiliano a
ditadura judiciária é tão maléfica, quanto a do executivo.
Ainda na linha de pensamento de Carlos Maximiliano, se o juiz não encontra
uma norma para ser aplicada ao caso concreto e termina por aplicar uma lei criada
por ele, temos ai um conflito de competências, além do que, fere uma das condições
para a existência da norma jurídica, ou seja, de que a lei é uma norma jurídica geral
e se o juiz cria uma lei para resolver um conflito específico, termina por usar uma
norma individual. No entendimento de seus ensinamentos, o juiz apena completa e
melhora a lei, sendo assim, cada poder deve manter a sua esfera de atuação, não no
sentido de constituir-se numa independência plena entre os três poderes, mas sim
de manter a cada um o exercício de suas funções, pois os poderes devem cooperar
entre si, com a finalidade de manter a unidade do poder do Estado, neste sentido, o
limite dos três poderes deve ser sempre a própria lei.
É preciso compreender que a lei nasce, ao menos em um Estado Democrático
de Direito, como forma da manifestação da vontade coletiva e conceder esta possi-
bilidade ao juiz, é retornar no tempo, é fazer prevalecer a vontade de um só. É como
se a sociedade estivesse reconhecendo a legitimidade da monarquia absolutista, ou
ainda, o soberano absoluto de Thomas Hobbes.
Segundo nos ensina Carlos Maximiliano, o texto da lei tem por finalidade prote-
ger o povo e o juiz. Protege o povo porque garante isenção e segurança, de que todos
serão tratados de forma igual. E protege ao juiz porque lhe dá um amparo moral e
através de suas leis e instrumentos colocados à sua disposição pela dogmática jurídi-
ca, garante que ele aplicou de forma superior e com imparcialidade a lei. É necessário
compreender, conforme nos ensina o presente jurista, que a função geral do juiz é
a de “dilatar, completar e compreender, não o de alterar, corrigir e substituir a sua
interpretação. Pode melhorar a lei, mas não negar a lei”.
Nas palavras de Carlos Maximiliano na obra Hermenêutica Jurídica, “a norma
positiva não é um conjunto de preceitos rijos, cadavéricos, e criados pela vontade
humana; é uma força viva, operante, suscetível de desenvolvimento; mas o progresso
e a adaptação à realidade efetuam-se de acordo, aproximado, ou pelo menos aparente,
como o texto; não em contraste com este”. O juiz precisa se ater ao texto e não criar
o que não está contido no texto.

203
UNIDADE 10

Sistema do Direito Livre

Destaca-se nesta Escola o jurista Hermann Kantorowicz e sua teorias se disseminam


“por várias partes do mundo com o final da primeira guerra mundial e a ascensão
do nacional socialismo na Alemanha (isso porque, muitos de seus expoentes eram
socialistas e acabaram perseguidos e exilados pelos nazistas)” (Abud, Cârnio e Oli-
veira, 2013, p. 337).
Essa Escola de interpretação vai além daquela ideia inicial da Escola do Sistema
Livre de Indagação, aonde o juiz só poderia usar a sua criatividade de legislador, quan-
do existissem lacunas na lei, no entanto, Kantorowicz, no desenvolvimento de sua
teoria, “advoga a absoluta liberdade do juiz, inclusive de decidir contra a disposição
da lei (praeter legem), na procura do direito justo” (Montoro, 2005, p. 439). Portanto,
o juiz assume o papel de legislador, mas agora, diferente do Poder legislativo, exerce
essa atuação somente quando o caso concreto aparece para que ele possa apresentar
uma solução para o mesmo. O juiz deve procurar o direito justo tendo como seus
guias os sentimentos e a consciência jurídica.
Novamente vamos recorrer às críticas de Carlos Maximiliano a esta Escola, ao
qual chama de jurisprudência sentimental, pois as leis nas mãos do juiz oscilavam
de acordo com a classe social, a mentalidade religiosa e as inclinações políticas das
pessoas. O juiz tem um papel fundamental no Estado Democrático de Direito, mas
o papel da judicatura precisa ser guiado por parâmetros definidos pela lei e não
guiar-se pelos sentimentos, deve procurar sempre manter o equilíbrio dos interesses
e não defender interesses específicos de ordem social deve dentro do que prevê a lei,
distinguir os legítimos dos ilegítimos, não podendo ultrapassar os códigos e nem a
liberdade prevista estritamente dentro da lei.
Apesar das críticas recebidas por esta Escola,“a teoria trouxe, entretanto, o bene-
fício de denunciar os erros de uma interpretação rígida e dogmática dos textos legais
e chamara atenção para a necessidade de uma consideração atenta da justiça e da
realidade social, na aplicação do direito” (Montoro, 2005, p. 440).

Contribuição destas Escolas

Decorrido todo este tempo histórico, e com o surgimento ainda da chamada Escola
da Jurisprudência dos Valores, que apenas tira parte da subjetividade do juiz, subs-

204
UNICESUMAR

tituindo por questões axiológicas, não se pode tirar o mérito de que estas Escolas
denunciaram o excesso perigoso da prática dogmática, transformando-se num fun-
damentalismo normativo jurídico, sendo assim, apontaram a necessidade de uma
nova perspectiva de interpretação que também levasse em conta a realidade social.
Outro aspecto importante é que seus fundadores pelo menos ousaram em levantar,
trazer a tona, problemas até então não apontados, tirando o Direito de uma zona de
conforto que se encontrava, principalmente após o processo de codificação.

Argumentação jurídica

Direito se manifesta não somente através dos fenômenos sociais, dos textos legais,
das decisões judiciais, mas, sobretudo através da argumentação jurídica como aquela
que invoca e expõe as suas considerações e estudos sobre o fato e sua relação com
o Direito.
O enfraquecimento da argumentação jurídica como técnica necessária para que
o jurista revelasse ao mundo e ao juiz, a possível relação entre o mundo dos fatos e
o mundo do Direito, é segundo Mascaro (2013), resultado da prevalência do posi-
tivismo jurídico, fortemente influenciado pelo modo de produção capitalista, que
transformou o Direito em mero domínio da técnica. Reale também nos ensina que
ao levar a Ciência do Direito ao tecnicismo decisional foi preciso retirar do Direito
a “riqueza verbal” e o Direito ficou apenas restrito “à fria lógica das formas ou fórmu-
las jurídicas. Perdera-se, em suma, o valor da Retórica, confundida erroneamente e
impiedosamente como verbalismo dos discursos vazios” (2002, p. 88).
Segundo Mascaro, após a revolução francesa, e com a ascensão do posi-
tivismo jurídico a argumentação jurídica fica extremamente restrita, “porque
havia até mesmo a proibição de interpretar as normas jurídicas, como se se
imaginasse que elas pudessem falar por si próprias, sem que o jurista, quando as
lesse, já não as estivesse interpretando situacionalmente” (2013, p. 186). Nãos e
interpreta o texto normativo, apenas se aplica o que nele está contido, que, aliás,
fora defendido pela Escola da Exegese, conforme já apresentado anteriormente
em nosso curso.
No entanto, acontecimentos históricos como a Primeira e Segunda Guerra Mun-
dial, o acirramento do capitalismo e seus problemas de ordem social, começaram a
produzir mudanças, e como consequência, “a partir de meados do século XX já se

205
UNIDADE 10

percebe, no seio dos próprios juristas, um movimento de denúncia do tecnicismo


extremado. Alguns pensadores dirão que o direito não pode proceder, na decisão
jurídica, por meio de deduções fixas, por meio da lógica fria ou por meio da mera
subsunção de normas e fatos concretos” (Mascaro, 2013, p. 186). Sem dúvida a técnica
é necessária ao Direito, mas a sua aplicação de forma incondicional poderá transfor-
mar o Direito em mero instrumento de ordem fria, calculista, e perder a sua estreita
ligação com a realidade social.
Surgem então, autores que irão desenvolver o que fica conhecido como Teoria
da Argumentação, e segundo nos ensina Reale, esta deixa de “ser mera técnica verbal,
para se apresentar também sob forma de lógica da persuasão, implicando trabalhos
práticos da linguagem falada e escrita como instrumento indispensável, sobretudo
ao exercício da advocacia” (Reale, 2002, p. 89).
Embora a dedução que leva o jurista do aspecto geral previsto pela norma, em
direção à sua aplicação ao caso concreto, não pode a mesma ser o único elemento na
tomada de decisão, sendo assim, “nos dizeres de pensadores como Recaséns-Siches
ou Chaïm Perelman, o jurista não se vale de argumentação racional, e sim de uma
argumentação razoável. As técnicas de convencimento do jurista não são lógicas
nem dedutivas. Nos termos de Perelmam, são quase-lógicas” (Mascaro, 2013, p. 187).
A argumentação e o conhecimento que a mesma envolve, possibilita ao Direito
encontrar não uma via alternativa ao juspositivismo lógico-formal, mas uma forma
de complementar o próprio Direito, sendo assim, “a lógica jurídica, assim é a lógica
do razoável, daquilo que parece ser justo, adequado, daquilo que mais convence ao
jurista e aos operadores do direito” (Mascaro, 2013, p. 187).
No entanto, é preciso ressaltar que nãos e trata de convencimento sob quaisquer
circunstâncias e nem construção de pseudo-verdades, mas uma argumentação com
fundamento na ética, na moral, na convicção de que o Direito existe necessariamente
a partir da percepção do justo, uma vez que o injusto é justamente tudo aquilo que
se opõe ao Direito.
Nos dias atuais, muitos autores defendem a argumentação jurídica com fun-
damento na ética, não no discurso do mais forte, daquele que impõe e não expõe,
daquele que se prevalece em função de vantagens conseguidas a partir de conquistas
históricas injustas, mas sim daquele que, preocupado em resgatar a verdadeira fun-
ção do Direito, o faz sempre em direção à recuperação de caráter axiológico, como
defendem atualmente as teorias de Jürgen Habermas, Ronald Dworkin, John Rawls,
Robert Alexy e Amartya Sen.

206
UNICESUMAR

Concluindo, e também finalizando o nosso curso, mais uma vez resgatamos a


importante obra de Reale, para quem,“se há algo, com efeito, que caracteriza o pensa-
mento jurídico contemporâneo é a luta contra todas as modalidades de formalismo,
pelo reconhecimento de que a plena compreensão do Direito só é possível de maneira
concreta e dinâmica, como dimensão que é da vida humana” (2002, p. 91).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A hermenêutica jurídica e argumentação jurídica constituem-se em conhecimento


importante, mas também de um certo grau de complexidade, e requerem um bom
embasamento não apenas da dogmática jurídica e do conhecimento da história do
direito, mas também da filosofia do direito e mesmo da sociologia do direito.

NOVAS DESCOBERTAS

Título:Teoria Crítica do Direito


Autor:Luiz Fernando Coelho
Uma obra importante para quem deseja se aprofundar um pouco nas
questões pertinentes ao Direito, mas de uma ponto de vista crítico.

EXPLORANDO IDEIAS

Como os temas tratados no livro são extensos e normalmente não podem ser encontrados
em uma única obra, sugerimos que procurem os temas por capítulos, principalmente em si-
tes de Universidades que tenham grupos de pesquisas relacionados diretamente ao Direito.

NOVAS DESCOBERTAS

Alysson Leandro Mascaro: Aula Magna - APAMAGIS - 27/04/2012


Disponível em:

207
UNIDADE 10

LEITURA COMPLEMENTAR
Do Estado, do Direito e da Política: reflexões
Os conceitos de Estado, de Direito e de Política se encontram tão profundamente
interligados que não se pode com proveito analisá-los de forma separada.
Samuel Pinheiro Guimarães

Introdução

Os conceitos de Estado, de Direito e de Política muitas vezes, em teoria, são apre-


sentados e discutidos de forma distinta. Em realidade, se encontram tão profunda-
mente interligados que não se pode com proveito analisá-los de forma separada.
Não há Direito sem Estado, pois a aceitação e a observância das normas jurídicas
e sua eventual sanção em caso de descumprimento dependem da existência e da
força do Estado que se expressam através de suas agências, entre elas e muito em
especial sua polícia. A afirmação de que não há Direito sem Estado não significa
negar a existência de direitos humanos inalienáveis. Todavia, somente a luta política
pela consagração desses direitos e pelo seu reconhecimento pela legislação e pelo
Estado é que permite impor sua observância.
Não há Direito sem Política, pois as normas jurídicas não são elaboradas, executa-
das e interpretadas em gabinetes acadêmicos a partir de conceitos e de estruturas
lógicas cartesianas, mas, sim, em processos conflituosos de disputa de interesses
no seio da sociedade e dos organismos do Estado, ainda que cada grupo de inte-
resses conte nestes processos com o auxílio precioso de seus juristas para melhor
articular a defesa de seus pontos de vista.
Não há Estado sem Política, pois os dirigentes das distintas agências do Estado,
isto é das múltiplas agencias que compõem os seus três Poderes - Legislativo, Exe-
cutivo e Judiciário - são escolhidos através de processos políticos, mesmo quando
esses processos são disfarçados como procedimentos de aparência tecnocrática,
de reduzida transparência e nenhuma participação popular, como ocorre em re-
gimes ditatoriais.
Há uma tendência em certas áreas de estudos acadêmicos e de certos autores a
se estabelecer uma distinção e uma separação entre Sociedade Civil e Estado, entre
Economia e Estado. A Sociedade Civil é apresentada com uma aura e uma natureza
inerentemente boa, um lugar ideal onde os cidadãos, iguais e livres, conviveriam

208
UNICESUMAR

LEITURA COMPLEMENTAR
em harmonia se não fora pela existência do Estado, ente maléfico e autoritário que
perturba e impede o desabrochar da sociedade civil. A Economia é representada
como um espaço livre, dinâmico e criativo, onde empresários, capitalistas e inves-
tidores são responsáveis pelo progresso e pela prosperidade de todos enquanto
que o Estado aparece como uma entidade intervencionista, ineficiente, corrupta
e corruptora.
Todavia, não existe Sociedade Civil sem Estado, mesmo quando este aparece
como instrumento de um regime ditatorial ou autoritário, pois sem o Estado e sem
normas jurídicas, a sociedade seria tão somente um emaranhado confuso de lutas
violentas de interesses. A não ser nos territórios coloniais, onde as instituições do
Estado colonial aparecem como criaturas da potência estrangeira, alheia e opres-
sora da sociedade local, se pode falar de separação entre Sociedade Civil e Estado.
Por outro lado, não há Economia sem Estado, pois são as normas jurídicas que
regulam as atividades econômicas e que, através das agências do Estado, garantem
a observação das relações entre trabalho e capital (lato sensu), qualquer que seja
o sistema econômico de uma determinada sociedade: agrária primitiva, antiga,
feudal, capitalista, socialista ou comunista.
Hoje há uma tendência a considerar que a expressão mais moderna da Sociedade
Civil seriam as organizações não governamentais, que representariam melhor os
interesses do povo, principalmente em Estados em que as classes hegemônicas são
conservadoras e opressoras. Todavia, em muitas circunstâncias, as organizações
não governamentais que atuam em um país, em especial quando é ele subdesen-
volvido, representam em realidade interesses particulares e estrangeiros e estão
longe de representar a sociedade civil. De toda forma, não têm essas organizações
representatividade e legitimidade já que seus integrantes se auto-escolheram, e
assim é de estranhar e de preocupar a tendência atual de incorporar representantes
de ONGs em organismos do Estado.
Ao tratar dos temas do Estado, do Direito, da Política, da Sociedade e da Economia
há sempre uma certa repetição de ideias e de argumentos, devido à sua estreita
interelação, pelo que me penitencio.

Disponível em: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Do-Estado-do-Direito-


-e-da-Politica-reflexoes/4/32581.

209
1. Explicar qual a finalidade e aplicação da hermenêutica jurídica.

2. Apresentar e explicar a classificação da interpretação quanto aos efeitos e resul-


tados.

3. Dissertar sobre a importância dos Sistemas de Escolas de Interpretação.

4. Como se caracteriza a argumentação jurídica? Fundamentar sua resposta.

210
CONCLUSÃO GERAL

Caro aluno, conhecer a história do direito é a oportunidade de aprender e refletir


sobre o porquê, determinadas coisas poderiam ter acontecido, mas não acontece-
ram, e também, porque interesses de ordem maior e de grupos dominantes, fize-
ram prevalecer as suas vontades, suprimindo a vontade da minoria, produzindo
assim, mais injustiças e desigualdades.
Não se trata apenas de conhecer o passado, mas o conhecer também, as formas
de não permitir que as mazelas da história sejam repetidas e também, de poder
reconstruir e atualizar as coisas que deram certo um dia na história.
Aspecto não menos importante é o conhecimento da dogmática jurídica e de
toda a técnica necessária ao desenvolvimento e aplicação do direito.
Sendo assim, é necessário conhecer a técnica, mas também é de vital impor-
tância compreender que o Direito tem que ser o Direito de todos e não apenas
de quem detêm o poder.
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