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Ciência Política

e Teoria
Constitucional
PROFESSOR
Me. Cássio Marcelo Mochi
EXPEDIENTE
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino
de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


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FICHA CATALOGRÁFICA

Coordenador(a) de Conteúdo C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.


Priscilla Campiolo Manesco Paixão Núcleo de Educação a Distância. MOCHI, Cássio Marcelo.
Projeto Gráfico e Capa Ciência Política e Teoria Constitucional.
André Morais, Arthur Cantareli e Cássio Marcelo Mochi.
Matheus Silva
Editoração Maringá - PR: Unicesumar, 2022.
Produção Digital
360 p.
Fotos
“Graduação - EaD”.
Shutterstock
1. Ciência Política 2. Teoria Constitucional 3. EaD. I. Título.

Impresso por: CDD - 22 ed. 342.81


CIP - NBR 12899 - AACR/2
ISBN 978-65-5615-867-9

Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


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avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade,
ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diaria-
mente para que nossa educação à distância continue
Tudo isso para honrarmos a
como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre
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quatro pilares que consolidam a visão abrangente
a educação de qualidade nas
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profissional, o emocional e o espiritual. formando profissionais
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qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, for- o desenvolvimento de uma
mando profissionais cidadãos que contribuam para o sociedade justa e solidária.
desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”.
Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio impor-
tante para o cumprimento integral desta missão: o
coletivo. São os nossos professores e equipe que
produzem a cada dia uma inovação, uma transforma-
ção na forma de pensar e de aprender. É assim que
fazemos juntos um novo conhecimento diariamente.

São mais de 800 títulos de livros didáticos como este


produzidos anualmente, com a distribuição de mais
de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nos-
sos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700
polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina,
Ponta Grossa e Corumbá), o que nos posiciona entre
os 10 maiores grupos educacionais do país.

Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima


história da jornada do conhecimento. Mário Quin-
tana diz que “Livros não mudam o mundo, quem
muda o mundo são as pessoas. Os livros só
mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportu-
nidade de fazer a sua mudança!

Reitor
Wilson de Matos Silva
Me. Cássio Marcelo Mochi

Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual


de Maringá (2005). Pós-Graduado em Docência no Ensino
Superior - CESUMAR Pós-Graduado em Direito do Estado
- Concentração em Direito Constitucional - Universidade
Estadual de Londrina. Mestre em Ciência Jurídica - CE-
SUMAR Atuação como Professor de Teoria do Direito (5
anos), Direito Constitucional (2 anos), Filosofia e Ética (5
anos) e Ciências Sociais e Política (4 anos), Direitos Hu-
manos (1 ano).
CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA CONSTITUCIONAL

Este curso tem por finalidade apresentar os fundamentos da Filosofia Política que irão
embasar as teorias necessárias para a construção da Ciência Política e Teoria Consti-
tucional, conhecimentos fundamentais para um acadêmico de Direito, pois o Direito
surge necessariamente de uma construção primeiramente política e somente depois
como norma.

As teorias aqui apresentadas de forma sintética e objetiva são resultados de um re-


corte necessário, dado a limitação de tempo para tratar do assunto, no entanto, com
a compreensão destas teorias, será possível buscar outros horizontes.

Quanto a apresentação do autor, possui graduação em Filosofia pela Universidade


Estadual de Maringá (2005). Pós-Graduado em Docência no Ensino Superior - CSUMAR
Pós-Graduado em Direito do Estado - Concentração em Direito Constitucional - Uni-
versidade Estadual de Londrina. Mestre em Ciência Jurídica - CESUMAR Atuação como
Professor de Teoria do Direito (5 anos), Direito Constitucional (2 anos), Filosofia e Ética
(5 anos) e Ciências Sociais e Política (4 anos), Direitos Humanos (1 ano).
REALIDADE AUMENTADA PENSANDO JUNTOS

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e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
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CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

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11 2
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CIÊNCIA POLÍTICA: EVOLUÇÃO
NOÇÕES E HISTÓRICA DO
CONCEITO DE PENSAMENTO
POLÍTICA POLÍTICO

3
39 4 57
O PENSAMENTO OS
POLÍTICO DOS CONTRATUALISTAS
MODERNOS I

5
79
OS
CONTRATUALISTAS II
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

6
101 7
109
OS CONTRATUALISTAS IV
CONTRATUALISTAS III

8
131 9
151
TEORIA DA TEORIA
DIVISÃO DOS FEDERALISTA
PODERES

10
173
A LIBERDADE DE
EXPRESSÃO
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

11
199 12
219
A CRISE POLÍTICA
DO ESTADO LIBERALISMO
MODERNO

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229 14
243
CORRENTES CORRENTES
POLÍTICAS POLÍTICAS
CONTEMPORÂNEAS I CONTEMPORÂNEAS II

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257
MUNDIALIZAÇÃO E
GLOBALIZAÇÃO
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

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267 17
277
CIÊNCIA POLÍTICA E A CONSTITUIÇÃO
CONTEMPORANEIDADE DO ESTADO
MODERNO

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293 19
309
A CONSTITUIÇÃO FORMAS DE
DO ESTADO GOVERNO E REGIMES
MODERNO POLÍTICOS NA
CONTEMPORANEIDADE

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327
O BRASIL
1
Ciência Política:
noções e
conceito de
política
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender e compreender o que é a política.


• Aprender e compreender a importância da política.
• Conhecer alguns elementos que constituem a política.
UNIDADE 1

A proposta deste capítulo é fazer um estudo e análise das noções e conceitos


de ciência política, procurando cotejar a sua possível origem e importância para
a construção da sociedade ocidental e do direito.
Do período dos reis na antiguidade, passando pelo mundo grego, romano, o
período da medievalidade, e finalmente chegando à modernidade, a política vai
assumindo novas nuances e novos campos de ação.
A análise a ser realizada tem como ponto de partida da civilização ocidental
e a democracia, neste sentido, a política transforma-se na forma mais seguro e
eficiente de participação para a construção, existência e manutenção do Estado.

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UNICESUMAR

Uma breve introdução

Uma das mudanças mais significativas para a vida em sociedade, foi o mo-
mento em que os gregos, por volta do século VIII a.C. começaram a perceber
que a vida em uma sociedade organizada exige uma participação mais ativa
dos cidadãos nas decisões que afetam a vida de toda a coletividade. O rei e sua
existência caracterizam-se como elemento importante de constituição de poder,
necessário para controlas as vontades divergentes de cada um, no entanto, sua
importância assume uma graduação maior, quando este age de acordo com os
interesses coletivos.
E os interesses coletivos só podem ser externalizados através da política, e de
todo os recursos disponíveis para a sua existência. É preciso deixar claro que o
conceito de política pode ser aplicado sob as mais diversas formas de governo,
como por exemplo, durante o governo sanguinário de Nero em Roma. Neste
momento histórico também se fazia política. Nero se articulava politicamente,
assim como fizeram os militares no Brasil durante o regime militar.
No entanto, ela assume uma nova concepção, fugindo as suas características
iniciais. Sendo assim, a finalidade é analisar a política a partir de sua ideia original
conforme nos ensina Sócrates, no conjunto de sua obra, para quem a política não
torna os homens iguais, mas reconhece as diferenças e estabelece os seus limites
a partir da necessidade de se buscar uma vida em sociedade mais feliz e justa.
Quando falamos de vida em sociedade necessariamente surge a ideia de po-
der, as formas de ascensão ao poder e o exercício deste poder. Sendo assim, polí-
tica, poder e vida em sociedade constituem-se numa tríade inseparável. Dentro
desta relação de pensamento, “à política associa-se antes de tudo a dominação.
Quem governa não só administra pressões, como dizem alguns, mas também
exerce pressão: coage, reprime, busca se impor e obter obediência. De algum
modo, tolhe liberdades e movimentos” (Nogueira, 2004, p. 27).
Quem vive em uma sociedade organizada certamente está sujeito a uma
constituição de poder, que pode advir desde uma origem autoritária quanto de-
mocrática, pouco importa a forma de exercer o poder, em maior ou menor grau,
ela sempre espera das pessoas a submissão às determinadas condições, normas,
regras, padrão moral e outros. A política foi a forma que os homens encontraram
para dar um movimento próprio à esta vida em sociedade, no sentido de expres-
sar necessidades, vontades, desejos, junto a quem detém o poder. Sendo assim,

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UNIDADE 1

político é aquele que se move de um extremo a outro, procurando obter as van-


tagens necessárias para garantir a sua parcela de poder. Quando um líder sindical
vai até um dos poderes que constituem o Estado, o faz sob está perspectiva, que
é a de obter vantagens e conquistar direito para os seus associados.
No entanto, o sentido que adotaremos para a política é aquele que se fun-
damenta no mundo grego, que muda de perspectiva no mundo medieval e se
restabelece sob a ótica do conceito de política na modernidade, principalmente
àquele que se relaciona diretamente com a democracia.
Segundo nos ensina o filósofo Leandro Konder, “na antiga Grécia a comuni-
dade (koinomia) reunia os indivíduos singulares (ídion) e quando o indivíduo
exagerava na sua singularidade a ponto de cancelar qualquer vínculo comunitá-
rio, o ídion virava idiotes” (Nogueira, 2004, p. 30), que nada mais era do que aquele
indivíduo que ampliou de tal forma a sua singularidade, que rompeu os vínculos
com os interesses coletivos. Pode-se inferir que a política situa-se no campo dos
debates e dos embates, é conflito, é a exposição das concordâncias e discordâncias,
mas procurando um ponto em comum, um ponto onde os interesses coletivos
encontram convergências e a partir destas, diminuir as divergências. Diminuir
mas nunca acabar, pois a natureza humana se caracteriza por uma insatisfação
constante, e principalmente num Estado Democrático de Direito, a sociedade
sempre exige mudanças, porque ela está em contínuo movimento.
Neste sentido, Norberto Bobbio nos ensina na obra A Era do Direito que a
cada direito conquistado, sempre avançamos em direção a outro direito, pois o
grau de liberdade assume novos horizontes, como características próprias de
uma sociedade democrática, portanto, a política é dinâmica, as vezes ousada e
em outros momentos pode ser retrógrada, em alguns conservadora.
A palavra política se origina do termo grego politiká, que por sua vez é um
derivativo de pólis, que na verdade significa muito mais do que cidade para o
mundo grego clássico. Pólis é por excelência o espaço público, o espaço onde
devem prevalecer os interesses coletivos que tenham por finalidade proporcionar
ao homem uma vida boa. Diferente dos dias atuais, no mundo grego o espaço pú-
blico era muito maior do que o privado, que se resumia a vida dentro de sua casa.
Poucos eram os direitos individuais. A prevalência era o que interessava à pólis.
A política parte sempre de um pressuposto teórico, uma hipótese de cons-
trução de um mundo que seria melhor do que o atual, se origina de uma pro-
dução teórica, da fabricação de uma idealidade, “sempre em contexto polêmico,

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UNICESUMAR

de discursos argumentativos que pretendem evidenciar as condições reais da


natureza humana e da vida em sociedade para, com base nelas, prescrever modos
de organização e exercício do poder político” (Maciel, 2013, p. 1-2).
Quem atua de forma política o faz sempre com a perspectiva de rearranjar as
estruturas de poder, ou ainda, de contaminar o poder, destruindo o atual e antigo
modelo, para a refundação do novo. É esta inclusive, uma das características do
príncipe de Maquiavel, um dos primeiros a compreender e tratar a política como
ela é, e não como deveria ser.
Segundo Nogueira (2004) a política pode ser tratada a partir de três perspec-
tivas, constituída por atores diferentes, não só na sua natureza, mas também na
forma como atuam na sociedade. A primeira é a política dos políticos que não
pode ser confundida com politicagem e tão pouco a política dos politiqueiros,
pois ambas se constituem de ambições de cunho pessoal, perdem o sentido de
coletivo, para buscar o poder e ser exercício e colocar a serviço de interesses
particulares e menores.
No campo da política dos políticos é preciso compreender que ali se situa as
energias mais vigorosas que se aproximam do poder, é um campo de tensão vivo,
vibrante, e “seu terreno próprio é o do realismo ou pragmatismo político, no qual
um certo tipo de cálculo e frieza se superpõe à fantasia e à opinião” (Nogueira,
2004, p. 56). Um exemplo deste pragmatismo é quando o político solicita a subs-
tituição de um secretário, ministro ou outro qualquer, por alguém que tenha mais
competência para o exercício do mesmo, e assim, o resultado desta ação recai
sempre sobre uma vítima. Duro e cruel, mas necessário para o fortalecimento do
poder. De uma forma geral, no campo da política sempre existirão os mortos e
os sobreviventes, mas a questão não é outra senão aquela de que, na maioria das
vezes os fins justificam os meios, desde que o resultado final traga uma melhor
condição de existência para todos. Pode-se dizer que a política dos políticos é o
campo de exposição e administração das forças que estão mais próximas e com-
põem, ou querem compor o poder.
Outra perspectiva é o da política dos cidadãos,“concentrada na busca do bem
comum, no aproveitamento civilizado do conflito e da diferença, na valorização
do diálogo, do consenso e da comunicação, na defesa da crítica e da participação,
da transparência e da integridade” (Nogueira, 2004, p.60), em outras palavras, na
própria essência da política. Segundo o autor é a “política com muita política”.
Não é a política que reconhece e se conforma com o poder, mas sim, aquela que

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UNIDADE 1

busca a construção de um poder que tenha por finalidade o bem comum, as


questões que possibilitem a humanidade a buscar um novo patamar de dignida-
de, de igualdade de direitos, mas de respeito às diferenças que são intrínsecas à
nossa própria natureza e também, na eliminação das diferenças que são resulta-
dos de interferências das ações humanas que, em alguns casos, tem por objetivo
colocar o próximo sempre numa desvantagem desproporcional às suas forças,
como a pobreza produzida pelos países mais desenvolvidos, em regiões menos
favorecidas de um mundo globalizado na pobreza e particularizado na riqueza.
A terceira e última perspectiva é a política dos técnicos, “dos executivos, de
algum modo associada à tecnocracia. Sua máxima perfeita preferida é onde há
política ou poder, há corrupção” (Nogueira, 2004, p. 65). É uma política de matriz
weberiana, para quem a burocracia é algo necessário para administrar o Estado
e manter a organização do poder, mas que foi deturpada, ao menos no caso do
Brasil, principalmente com o fenômeno do patrimonialismo, desenvolvido com
maior propriedade por Raymundo Faoro na obra Os Donos do Poder. Neste sen-
tido, esta política dos técnicos passa a ser utilizada como instrumento de poder e
para dificultar o acesso da política do cidadão, criando uma burocracia que im-
pede a execução de projetos de ordem coletiva. No entanto, quando conduzida de
forma a auxiliar o Estado, pode ser um instrumento valioso de aferição e mesmo,
como fornecedor de informações capaz de expor a viabilidade ou não de projetos.
Conforme exposto a política pode ser vista sobre diversas faces, no entanto,
um fato é certo, que no mundo contemporâneo, e de forma mais específica, dentro
do Estado Democrático de Direito, ela transforma-se num elemento indispen-
sável, pois permite que os conflitos próprios da natureza humana como a insa-
tisfação, a revolta e mesmo a concordância, possam ser explorados e alinhados
para a construção de um bem comum, coletivo e depois, a obtenção de bens de
ordem privada que são inevitáveis numa ordem predominantemente capitalista.
Dentro desta linha de visada podemos concluir que a política é um elemento
essencial para o avanço da vida em sociedade, mesmo que a sua prática seja cons-
tituída da mesma forma que um jogo de xadrez e de certa forma, está associada
diretamente com questões complexas, como as de ordem social, econômica, re-
ligiosa, geográfica, de formas de produção.
Se a política é necessária, aonde se encontram os problemas que na maioria
das vezes, são consequências diretas de sua existência? A origem deste problema
é sempre de ordem humana, os homens e suas ganâncias por exercerem o poder,

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UNICESUMAR

ou por poderem exercer influência sobre o poder, de forma a obterem vantagens


de ordem pessoal, ou ainda, restrita a um pequeno grupo de amigos.
Mas para compreender melhor a importância da política é necessário rea-
lizar um breve recorte sobre a história do pensamento político, pois na ciência,
raramente as coisas surgem por acaso, principalmente no mundo do Direito, que
nada mais é, do que consequência direta da forma como o homem construiu e
constrói sua história.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É praticamente impossível falar em sociedade organizada sem que o campo da


política tenha um destaque especial, e mais ainda, não existe democracia sem o
campo da política, que ao contrário do que as pessoas possam pensar, é sempre
um campo caracterizado por tensões, pelo embate de ideias e interesses, que
exigem habilidade de condução.

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1. Explicar o que é a política.

2. Explicar o que significa dizer que a política é a forma que os homens escolheram
para movimento à vida em sociedade.

3. Explicar o que Leandro Konder nos ensina sobre a política.

4. Pesquisar como Norberto Bobbio defina a política.

5. Dissertar sobre a origem da palavra política e sua representação simbólica e real.

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2
Evolução
histórica do
pensamento
político
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender e compreender quando e onde surge a política


• Aprender e compreender como se constitui a política no mundo
clássico Grego.
• Aprender e compreender como se constitui a política no mundo
medieval.
• Aprender e compreender como se constitui a política no mundo
moderno
UNIDADE 2

A proposta deste Capítulo é fazer um recorte na história do pensamento


político, resgatando alguns conceitos desde o mundo clássico grego, passando
pelo mundo romano clássico, depois pela medievalidade e finalmente chegando
à modernidade.
É um recorte histórico que nos permitirá compreender a construção do pen-
samento político contemporâneo, e verificar que, aparentemente pouca coisa tem
de novo neste pensamento, a não a inclusão de questões de ordem social, que
normalmente não estavam presentes em outras épocas e se estavam, eram apenas
para demonstrar a precariedade da existência humana, e não com o intuito de
produzir transformações.

20
UNICESUMAR

Pensamento político contemporâneo

De forma clássica a história do pensamento político pode ser dividida em


três períodos bem definidos, a saber: a antiguidade clássica, a medievalidade e
modernidade, mas alguns autores ainda inserem a contemporaneidade, caracte-
rizada principalmente pela velocidade com as informações e mesmo as pessoas
transitam pelo mundo, embora historiadores como Eric Hobsbawm tivesse seria
restrições a esta caracterização. Será objeto de nosso estudo algumas nuances
interessantes deste pensamento político contemporâneo.
O pensamento político da antiguidade clássica é caracterizado principalmen-
te pelas obras de Platão e Aristóteles, uma vez que Sócrates se recusou a escrever
qualquer coisa que representasse o seu pensamento, e o que conhecemos deste
filósofo grego, foi o que nos chegou pela boca de Platão, então seu discípulo, com
menor intensidade Aristóteles e outros filósofos posteriores.
Em primeiro lugar ressaltar que a existência de um pensamento político está
associada e com dependência direta com a filosofia criada e desenvolvida pelos
gregos. Embora possa se admitir que outros povos também pudessem ter desen-
volvido alguma filosofia, para nós ocidentais, nenhuma filosofia nos influenciou
mais, do que a filosofia grega, neste sentido, nós ainda continuamos no fundo
de nossas estruturas reflexivas, a pensar como os gregos. O nosso mundo é mais
grego do que nós pensamos, é o que nos diz Francis Wolf.
Mas o que significar pensar com estrutura filosófica? Está é uma questão
bastante complexa e extensa, mas a realizaremos através de uma síntese, que serve
apenas como ponto de partida, e não como ponto de chegada. O pensar com
estrutura filosófica é o conjunto de reflexões que se sustenta sob a premissa de
que o homem é um animal racional e por ser racional, pode distinguir aquilo que
é possível de ser realizado pelos homens, utilizando apenas a sua racionalidade.
Isto não quer dizer que a filosofia despreze ou não acredita em outras esferas
de interferência, mas sim que ela quer procurar aquilo que é próprio e pode ser
realizado pelo homem.
A razão é o que sustenta o pensamento filosófico. Os gregos a chamavam
de logos. Segundo Marilena Chaui (2002, p. 504) o termo logos pode assumir
múltiplos significados, que apresentam um ponto em comum, que é o fato de es-
tarem associados ao pensamento, aos argumentos, ao discurso, nas significações,
não somente daquilo que o eu individual pensa, mas naquilo que efetivamente

21
UNIDADE 2

qualquer um pode pensar e exteriorizar. Neste sentido, o logos “é também a razão


conhecendo as coisas, pensando os seres, a linguagem que diz ou profere as coisas,
dizendo o sentido ou o significado delas” (2002, p. 504).
De certa forma o uso do logos permitiu aos homens apresentarem e discuti-
rem as suas ideias e vontades, não a partir da força exterior que lhes era garantida,
mas a partir da força da verdade e racionalidade de seus argumentos. Da forma
como se constrói estes argumentos e como eles podem convencer o outro, a partir
de sua força simbólica. Quando alguém me diz que um dia irei morrer, não existe
nada de absurdo, fantasioso, extra-natural, senão a própria natureza das coisas
que constituem o nosso mundo, ou seja, as coisas nascem, crescem e morrem. A
própria rocha, por mais dura que seja, sofre um processo de decomposição, ainda
que seja de milhares de anos, pois a percepção de idade das coisas associadas
diretamente com a natureza é diferente da condição humana, como por exemplo,
uma borboleta que vive apenas alguns poucos dias.
Nesta linha de pensamento, a política depende necessariamente do logos,
do pensamento que se transforma em palavras, de palavras que provocam, nos
alertam, nos informam e por sua vez o processo se inicia novamente.
O mundo grego nos ensinou que o discurso bem articulado pode expressar
uma verdade que produz resultados mais efetivos e imediatos, do que o uso da
força bruta. É por isso que “a arte política é essencialmente exercício da lingua-
gem; e o logos, na origem, toma consciência de si mesmo, de suas regras, de sua
eficácia, por intermédio de sua função política” (Vernant, 2002, p. 54).
No entanto, também existe um campo limite para a política enquanto exer-
cício da linguagem, é quando o uso da força bruta constitui-se na realização
da própria política, como lamentavelmente o foi nas duas primeiras guerras de
nosso século. Aonde os argumentos políticos não têm mais força, e a manutenção
dos interesses coletivos correm sérios riscos, o uso da força bruta pode ser um
argumento político válido e necessário. Um policial ao prender um cidadão com
o fundamento na lei, ainda que tenha utilizado de violência necessária, o faz em
nome da realização de uma ação política. Mas e quando o uso da força é desne-
cessário e/ou desproporcional? Num Estado Democrático de Direito é quando
a força deixa de ser racional, para caminhar em direção a irracionalidade. O uso
da força deixou de ser político, que visa a construção e fortalecimento do coleti-
vo, para transformar-se em algo de interesse pessoal, particular, e mesmo, como
resultado de uma doença de ordem psicológica ou outra. Foi esta articulação de

22
UNICESUMAR

argumentos, resultados de uma reflexão, que a filosofia criada pelos gregos nos
permite desenvolver diante do mundo que nos é apresentado.
Um dos primeiros e mais influentes representantes deste tipo de argumento
político é a figura emblemática de Sócrates. Para Maciel (2013, p. 4) é Sócrates,
com o seu pensamento filosófico, quem faz “do mundo humanamente construído
(o mundo do ethos) objeto de uma discussão racional”. Pensar o mundo possível
dentro das contingências humanas, com as ferramentas de que dispomos, e a
principal delas é a razão.
Francis Wolf caracteriza Sócrates como um ponto de interrogação ambulan-
te, que, aliás, foi um dos motivos que levou à sua condenação, ou seja, Sócrates
perguntava demais e respondia de menos. As suas interrogações eram na reali-
dade, uma provocação á própria condição política e social em que se encontrava
Athenas naquele momento histórico. Um momento que antecede a decadência
de Athenas e a ascensão do Império Romano e outros povos vizinhos.
Diferente dos filósofos posteriores a sua existência,“a contribuição de Sócrates
para a formação do pensamento político não consiste em nenhuma doutrina
ou mesmo esboço de doutrina sobre a pólis, mas na introdução de uma postura
investigadora e eminentemente crítica acerca das instituições sociais” (Maciel,
2013, p. 5). Consiste na identificação e definição da real finalidade das instituições
políticas e sociais necessárias à vida na pólis, como por exemplo, na obra nomi-
nada como Político, quando Sócrates interpela um político caminhando pela rua,
e pergunta se o mesmo se relaciona com a justiça nas suas funções de político.
O político afirma que sim, em seguida, Sócrates com a sua refinada ironia, lhe
pergunta o que é a justiça. O político não consegue responder de forma racional e
consistente e então, Sócrates de forma irônica demonstra que na verdade ele nada
sabe, mas assim mesmo, pensa agir com justiça. Moral da história: como alguém
que não sabe o que é justiça, pode realizar justiça? Ainda mais se tratando de um
dos representantes de uma importante instituição política? No entanto, este tipo
de questionamento levará Sócrates à morte.
Em suma, a política de Sócrates estava preocupa com as questões do cotidia-
no, não com as formas de governo e do exercício do poder, como depois, será a
grande preocupação, principalmente da Ciência Política. Ela estava preocupada
em questionar o que estava posto, o que se apresentava como real, verdadeiro,
concreto e que poderia ser percebido pela razão. Por exemplo, é perceptível pela
razão que vivemos num país com alto grau de corrupção, principalmente quando

23
UNIDADE 2

se trata da coisa pública. É algo real. É concreto. Está todo dia nos jornais e mais
raramente chega aos tribunais. Não se trata de um castigo sobrenatural, advindos
de forças que vão além da razão, mas sim de desvios de conduta dos homens. É
algo essencialmente humano, associado a uma deformação quanto ao desenvol-
vimento das virtudes necessárias ao homem público e mesmo ao privado.
Já Platão, o mais dileto e conhecido discípulo de Sócrates constrói uma pers-
pectiva diferente acerca teoria política, talvez porque tenha vivido no mesmo
período em que seu mestre Sócrates tenha sido julgado e condenado pela pólis.
Em Platão já é possível identificar a construção de uma teoria política, inclu-
sive com relação as formas de Estado. Este filósofo nos deixou uma obra filosó-
fica razoavelmente vasta para as condições de sua época. É verdade que na sua
maioria, escrita em forma de diálogo na voz de Sócrates, produz alguma confusão
entre o que realmente foi o pensamento de Sócrates e o de Platão. Mas nas obras
da chamada maturidade, de forma destacada A República e as Leis é possível
identifica a construção de um pensamento platônico original.
Para Maciel é a “partir de Platão que e o mundo da pólis é assumido, defi-
nitivamente, como parte integrante da agenda filosófica” (2013, p. 7). A política
é assunto da pólis, do ente coletivo, que deve ser governado pelos mais aptos e
capacitados, conforme nos ensina na obra A República. E na visão platônica o
governante deveria ser o Rei-Filósofo, que não se confunde com o Filósofo-Rei,
pois enquanto o primeiro tem para condições de aliar o conhecimento e força
necessária para governar com sabedoria, o segundo denotaria a exclusividade de
uma classe de homens que, embora amigos da sabedoria e da verdade, poderiam
não ter as habilidades necessárias para o exercício do poder, pelo fato de que, às
vezes, estes filosofam sobre outras características da natureza humana, que não
tem relação direta com a arte de governar e exercer o poder. Enquanto Sócrates
pensava a pólis do possível, concreta, real, Platão desenvolvia a sua teoria política
idealizando a pólis.
Se para Sócrates as classes sociais pouca importância tinham dentro do con-
texto da pólis, o mesmo não se pode dizer do pensamento platônico, para quem
cada classe social estava associada ao melhor de suas virtudes, sendo assim, “os
produtores, encarregados no labor e na obediência de alimentar a coletividade,
dão prova de temperança; os guerreiros, seus defensores, apegam-se à coragem;
e os arcontes (magistrados), decidindo e comandando, manifestam a sabedoria”
(Ruby, 1998, p. 22). Portanto, é possível inferir que a concepção de democracia de

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Platão não estava centrada no direito de todos de participar do poder e de suas


estruturas a partir da sua simples condição de cidadão, mas sim na capacidade
de desenvolver o que era melhor para a pólis.
A preocupação de Platão no desenvolvimento de sua teoria política estava
também da construção de uma teoria do conhecimento, numa epistemologia pla-
tônica, o que pode ser percebido com uma das mais famosas passagens filosóficas,
que é o mito da caverna. Nesta passagem o filósofo nos ensina que o caminho em
direção à verdade é penoso e exige sacrifícios e que nem todos querem ou estão
preparados para tal e aquele que ousar conhecer a verdade, poderá ser vítima da
ignorância dos homens, mas o sacrifício não terá sido em vão, pois somente a
verdade pode nos conduzir em direção ao bem.
Platão foi um dos primeiros filósofos, senão o primeiro, a desenvolver uma
breve teoria sobre as formas de governos cujo problema central é a corrupção,
ação pela qual uma forma superior se degenera para transformar-se na forma
inferior.
A primeira forma de governo seria a timocracia, também conhecida por
timarquia, que é o governo caracterizado pela ambição e conquista de glórias
militares, que acaba se deteriorando porque os homens passam a pensar mais
nas suas honras e glórias pessoais, do que a busca do bem comum. A ambição
pessoal corrompe os homens menos preparados.
Com a deterioração da timocracia, esta se transforma em uma oligarquia, que
é o governo exercido pelos ricos e para os ricos, sendo assim, necessariamente
precisa existir e fazer acentuar a desigualdade econômica, porque quanto menor
for a classe dos ricos, menos o governo precisa ser compartilhado. A desigual-
dade econômica é legitimada pelo poder dos mais ricos, e os menos favorecidos
ficam impedidos de ascensão social, econômica e muito menos política, como
resultado deste processo, “a camada governante, interessada apenas em preservar
seus privilégios econômicos, negligencia o saber, único fundamento seguro para
o exercício do poder político” (Maciel, 20132, p. 9). Aonde muitos trabalham e
contribuem para o benefício de poucos é solo fértil para revoltas e descontenta-
mentos, sendo assim, a ganância de poucos corrompe a forma de governo e os
conduzirá a democracia.
A democracia tem como característica a possibilidade de participação de
muitos no governo e nas suas decisões, de certa forma, o poder está acessível a
todos. Segundo Platão um dos problemas da democracia é que está necessaria-

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UNIDADE 2

mente sujeita à vontade da maioria e nem sempre esta vontade se orienta pela
sabedoria, às vezes muito mais pelos seus impulsos momentâneos, outro aspecto
importante é que o fato de muitos participarem da elaboração das leis, não garan-
te que as mesmas sejam justas. Se a democracia tem em uma de suas raízes o ter-
mo dêmos, que é o conjunto, sociedade de homens livres, a liberdade nem sempre
é garantia de sabedoria e conhecimento, pois os animais irracionais também são
livres e nem por isso agem com sabedoria. O conflito de interesses da maioria e a
impossibilidade de se chegar a um termo comum e coletivo, levará esta forma de
governo à corrupção e este transformar-se-á na tirania, pois para colaborar com
este processo de degeneração, segundo Platão, surge a figura de um demagogo,
de um salvador da pátria e de seus problemas, desde que o poder se concentre
nas suas mãos. Nos parece algo bem conhecido na história da América Latina.
A tirania é o governo que se realiza pela força e vontade de um único ou
poucos homens. A vontade e o bem coletivo são suprimidos em função da ne-
cessidade de se manter o povo na condição de escravos e sujeito a uma única
vontade. O campo da política propriamente dito é suprimido e a violência passa
a ser legalizada em função da vontade do tirano. Não é mais a política, mas sim
o medo quem permeia as relações entre os homens e a desconfiança passa a ser
generalizada, pois o medo não apenas corrompe as pessoas, mas cala os protes-
tos. Stalin e outros ditadores sanguinários utilizaram e continuam a utilizar este
artifício, como por exemplo, os últimos resquícios de tiranias violentas ainda
existentes no mundo contemporâneo.
Ao descrever estas formas de governo e as suas sucessões, Platão nos ensina
que a natureza humana, quando se desvia da virtude e da verdade, pode ser fa-
cilmente corrompida, e mais, pois, as tipologias de governo “assim erigidas fazem
crer que o melhor governo resulta do pequeno número de governantes virtuosos”
(Ruby, 1998, p. 25). Segundo nos ensina Platão, a virtude nos permite caminhar
pela estrada do bem comum, aonde a pólis é o elemento central e necessário à
vida do homem, para nesta, e somente nesta, ele possa realizar suas potenciali-
dades.
Enquanto o pensamento político de Platão se encontra na sua obra como
um todo, e tem como objetivo o desenvolvimento de uma teoria política ideal, a
construção da Callipolis (bela Cidade), conforme nos ensina Ruby (1998, p. 20).
Aristóteles adotará perspectivas de análise diferente.
Uma das características de ordem formal que marca a obra aristotélica é que

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UNICESUMAR

“o empreendimento filosófico assume o caráter de um projeto de sistematização


de todos os campos do saber” (Maciel, 2013, p. 11). Como resultado desta siste-
matização, o seu pensamento político encontra-se praticamente centrado em
duas obras Ética a Nicômaco e Política.
Para Aristóteles o homem é um animal político por natureza, sendo assim,
“é da natureza humana buscar a vida em comunidade e, portanto, a política não
é por convenção (nómos), mas por natureza (phýsei)” (Chaui, 2002, p. 463). A
palavra natureza aqui não se insere como questão de ordem genética, intrínseca
à condição material do homem, mas sim porque em todos os lugares se observou
que é assim e mais, “o homem é naturalmente político porque é um ser carente
e imperfeito e que necessita de coisas (para desejar) e de outros (para se reunir),
buscando a comunidade como o lugar em que, com seus semelhantes, alcance
completude” (chaui, 2002, p. 464).
Não é um determinismo puro e simples, mas uma necessidade que os homens
têm em viver em sociedade, pois não são deuses e nem bestas, para quem a vida
coletiva é indiferente. São seres que precisam de algo de muito mais do que a
natureza possa colocar à sua disposição e também, precisam do outro para ca-
minhar na direção de realização de sua completude. Diferente de outros animais,
uma criança ao nascer se for imediatamente abandonada e não tiver o auxílio do
outro, terá a sua morte decretada em poucas horas.
A pólis tem um papel fundamental na teoria política desenvolvida por Aristó-
teles porque tem para si a responsabilidade de organizar uma vida social, política,
econômica e jurídica, para que os homens possam viver e serem governados em
direção ao bem comum, pois estas são algumas das características fundamentais
que nos distinguem dos demais animais. Organizar o convívio social permite
que os homens vivam em harmonia e dentro de limites que somados, produzem
uma vida feliz.
A vida organizada em sociedade nos permite estabelecer “distinções de natu-
reza moral. Tais distinções, que estabelecem o que é bom ou mau, certo ou errado,
justo ou injusto, não são dadas pela natureza, mas instituídas por regras sociais
e garantidas por meio da autoridade política” (Maciel, 2013, p. 12). Destaca-se
então, a capacidade dos homens de se governarem com fundamento nas suas
próprias leis, e não nas intrigas e exigências dos deuses, demonstrando assim,
a autonomia dos homens em relação ao sagrado. Isto fica claro e evidente se
compreendermos que os gregos deram à política uma autonomia em relação

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UNIDADE 2

a religião, até porque, de longo período, a classe sacerdotal grega já não exercia
influência direta nas decisões de ordem social e política.
Se a pólis busca na sua construção a autarkéia, ou autonomia para governar
a si mesma, o mesmo não se pode dizer dos homens, que só conseguem realizar
a plenitude de suas potencialidades, se forem bem dirigidos pela pólis, e neste
contexto, destaca-se a educação como instrumento necessário a ensinar os ho-
mens a serem virtuosos, para que quando do exercício do poder, possam colocar
esta virtude à disposição da totalidade representada pela pólis.
Diferente de Platão, para Aristóteles “cada forma de governo tem uma causa
própria para sua corrupção” (Chaui, 2002, p. 472), sendo assim, um regime é justo
ou perfeito, não exatamente pela sua forma mas pelo interesse visado por quem
exerce o poder, sendo assim, uma monarquia, que é o governo de muitos, pode
ser justa, desde que o monarca governe de acordo com os interesses coletivos,
neste sentido, não podemos nos esquecer que muitos povos foram e continuam
sendo direta ou indiretamente governados por monarquias, como por exemplo,
a monarquia japonesa, para quem o Imperador é um exemplo de homem a ser
seguido, não porque é de descendência nobre, mas por que suas ações merecem
imitação. Portanto, “há governos justos de um só, de alguns ou de muitos, cada
qual podendo corromper-se e originar governos injustos, desde que se desviem
do interesse geral” (Maciel, 2013, p. 13).
Mas qual seria o pior tipo de governo para Aristóteles? Assim como em Platão,
a tirania é o pior de todos os governos, mas por causas diferentes, porque para
Aristóteles “a tirania é contrária à natureza das coisas, pois entre homens livres
e iguais, não é a razão, mas simplesmente a força, que determina que um seja o
senhor de todos” (Maciel, 2013, p. 14). É a força e não a razão que submete os
homens ao prazer de quem tem para si a prevalência da força maior. Na visão de
Aristóteles, nem o homem virtuoso pode ser capaz de enfrentar este tipo de força
e neste sentido, este homem virtuoso deve usar o seu conhecimento para restabe-
lecer a razão como fonte que guiará os passos dos homens. Não se caracteriza por
ser um homem medroso, para o qual existe uma carência da virtude referente à
coragem, e nem tão pouco, um homem destemido, que de nada têm medo pois
a este carece a virtude da prudência. Este homem deve ser aquele dotado, entre
outras virtudes, de prudência, que busque o meio termo, que saiba o momento
de agir e o momento de esperar a melhor oportunidade.
Mas o exercício do poder não pode ser realizado sem uma diretriz, um ele-

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UNICESUMAR

mento que estabeleça os limites não apenas dos cidadãos, mas também do poder,
por isso que “a constituição política é uma espécie de estrutura que orienta o exer-
cício do poder, ditando a direção que ele tomará” (Maciel, 2013, p. 14). Aristóteles
chegou a estudar mais de 100 constituições políticas de cidade-estado grega de
sua época. Lamentavelmente estes estudos se perderam e temos acesso somente
a algumas destas obras.
É possível verificar em Aristóteles, e de forma mais sistemática do que nos
autores que o antecederam, a necessidade de que uma constituição política que
forneça o campo de ação para o exercício do poder, pois o governante não pode
governar apenas em função de seus desejos, mas daquilo que todos esperam que
ele o faça, e a forma de expressão, além da participação política, pois o cidadão
aristotélico assume para si esta responsabilidade, é através da submissão de todos
às leis que devem governar a pólis. A submissão tem que ter por fundamento a
justiça, pois com ela que devemos nos conformar, porque a “justiça fundante é
aquela que define a regra da proporcionalidade entre os cidadãos, criando os
iguais pelo tratamento desigual dos desiguais” (Chaui, 2002, p. 470).
Embora em Aristóteles a lei tenha a capacidade de expressar o que é justo
ou injusto, é da autonomia do homem virtuoso aprender e reconhecer que é sua
responsabilidade escolher a forma que realmente possa colocar a sua virtude em
prática, ou seja, que permita dar a ação um caráter de virtuosidade. Neste sentido,
o homem virtuoso age desta forma porque não reconhece outra possibilidade a
não ser esta, a escolha está em escolher a melhor ação. A lei é necessariamente a
positivação de uma vontade virtuosa, e ao homem virtuoso só lhe resta seguir a
mesma, no entanto, outros homens a seguem não por virtude, mas por medo de
suas consequências.
Corroborando com esta linha de raciocínio, Aristóteles destaca o papel po-
lítico importante assumido pela pólis, pois é a cidade quem “oferece a garantia
indispensável para a realização da verdadeira sociabilidade, a consciência de uma
existência política” (Ruby, 1998, p. 26). Por isso, o homem é um animal político,
mas político porque vive preocupado no seu relacionamento com o outro, com
fundamento nas virtudes.
Portanto, o pensamento político de Aristóteles leva em consideração a par-
ticipação e responsabilidade dos cidadãos no cumprimento de suas obrigações
para com a pólis, que é a de agir de forma virtuosa, pois virtude não pode ser
somente uma ideia, mas deverá materializar a sua existência através de nossas

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UNIDADE 2

ações. De nada adiante alguém ser virtuoso se passar a vida inteira trancado em
um quarto, pois não estará colocando à prova as suas virtudes. Em Aristóteles,
a política e o homem que vive na política é acima de tudo, um homem que age.
Posterior ao pensamento de Aristóteles, e que sofrerá influência direta da
filosofia grega, encontra-se a figura de Políbio (203-120 a.C.) que na realidade
era um pensador grego mas que viveu em Roma, num período em que a Grécia
já se encontrava em decadência, mas ainda exercia a sua influência na filosofia,
como continua até os dias de hoje.
Políbio foi mais influenciado pelo pensamento de Platão, embora discordasse
do posicionamento platônico na busca de uma república ideal, pois se não era
possível ter o ideal, o Império Romano tinha demonstrado através de seus feitos
até então, que era possível ser grande e dominar uma vasta extensão territorial,
usando uma constituição política que buscava estabelecer o equilíbrio entre as
instituições política que a compunham, que rama monarquia, a aristocracia e a
democracia.
Quando se trata das formas de governos e suas sucessões, Políbio afirma que
as mesmas são cíclicas, alternando-se entre as boas e as más, mas sempre uma
se degenerando em direção à próxima. No entanto, considera que a forma de
amenizar essa degeneração é com a existência de uma constituição política, que
deve almejar a “estabilidade, pois só com ela a constituição pode, de fato, cumprir
sua função que é a de estabelecer uma ordem na vida social” (Maciel, 2013, p. 16).
Sendo assim, classifica as formas de governo entre boas e más, sendo as primeiras
constituídas pela monarquia, aristocracia e monarquia; e a más seriam a tirania,
a oligarquia e a oclocracia que é o governo da multidão desgovernada.
Com a decadência do Império Romano a partir de 476 d.C. e com o avanço do
poder da Igreja Católica, com a criação de estruturas administrativas e diretrizes
muito bem definidas de seu projeto de poder e de levar o Evangelho para todas
as religiões do mundo, adentramos o que ficou caracterizado como Idade Média,
que erroneamente foi por um longo período chamada de Idade das Trevas. Na
realidade foi um período de grande ebulição do conhecimento, que foi gestado até
o início da modernidade. Tem que se levar em consideração que para o ocidente,
a decadência do Império Romano deixou a população sem referencial de ordem
política e social, que pudesse agregar a sociedade. Ocorreu um esfacelamento das
grandes extensões territoriais, antes dominada pelos romanos e agora na posse
generais, e outros privilegiados durante este período, que começaram a se deno-

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UNICESUMAR

minar de reis. Neste sentido, coube à Igreja Católica, junto com o seu projeto de
poder, começar a oferecer estes referenciais.
Neste período histórico a política foi influenciada pelo pensamento desen-
volvido por dois autores, ambos sacerdotes da Igreja Católica e rol dos maiores
filósofos do mundo ocidental, são eles: Santo Agostinho (354-430 d.C.), também
conhecido como Agostinho de Hipona (sua terra natal) e São Tomás de Aquino
(1225-1274). Embora pertencessem à Igreja Católica, possuem pensamentos di-
vergentes, principalmente no tocante à política.
Durante a medievalidade filosofia e teologia conviveram separadas por uma
linha muito tênue, que às vezes se rompiam, produzindo confusão sobre o campo
de atuação de cada uma. A filosofia passa a estar a serviço de Deus e a este não
pode contrariar. Na realidade, a política passa a sofrer ataques de todas as ordens,
contrariando tudo aquilo que o mundo grego e romano construiu ao longo de
suas existências, pois “os primeiros cristãos primitivos não param de propagar
tendências antipolíticas, desesperançosos do mundo aqui de baixo” (Ruby, 1998,
p. 39). A política já não pode tornar o mundo melhor, pois esta dádiva pertence
aos ensinamentos da Bíblia interpretados a partir da perspectiva e interesses da
Igreja Católica.
Corroborando esta forma de pensar, e dando fundamentos filosóficos e teo-
lógicos para estas questões é que Agostinho de Hipona desenvolve de forma
mais específica o seu pensamento político, que foi realizado através da “busca de
uma conciliação entre o pensamento racional e a verdade revelada que permitiu
o nascimento de uma filosofia cristã” (Maciel, 2013, p. 17), e esta sim, a filosofia
cristã, seria a verdadeira filosofia.
Se no mundo grego e romano o poder pertencia aos governantes, reis e im-
peradores para bem governar os homens, na medievalidade o poder deve estar
a serviço de Deus, pois é preciso instaurar uma nova ordem no mundo e neste
sentido, “os príncipes, a quem tal poder foi confiado, seriam ministros de Deus”
(Maciel, 2013, p. 18). O poder do príncipe seria reconhecido somente se estivesse
em coalisão com os interesses do poder espiritual, representado pela figura de
Deus. A espada deve estar a serviço de Deus, em todos os momentos, como o
foram a cruzada, momento em que o uso da espada encontra a sua legitimidade
no plano de Deus, para aqui estabelecer um novo mundo, afinal de contas, a
mesma não deveria ser utilizada para matar cristãos, mas tão e somente bárbaros
e hereges que se opunham a contribuir para a realização do plano divino.

31
UNIDADE 2

Embora Agostinho de Hipona tenha sido influenciado pela filosofia platônica,


discorda desde quanto à possibilidade de neste mundo terreno, construirmos a
cidade perfeita, porque “diante da instabilidade terrestre, a filosofia da res públi-
ca adere por inteiro à oposição entre a lei divina e a lei humana, concebida em
termos da degradação da lei divina” (Ruby, 1998, p. 40). Se a lei humana não é, e
nem pode ser perfeita, pois o homem se encontra na posição de um pecador in-
veterado, o que lhes resta é reconhecer que a Igreja, através de seus ensinamentos,
com fundamento nas leis divinas, possa conduzir os homens ao único mundo que
realmente possa lhes garantir a salvação, que é a Cidade Celestial de Jerusalém.
O que deve reger campo da política não é mais as necessidades materiais
dos homens, mas sim a política que que necessariamente se impõe como único
caminho para a salvação, que é aquela dirigida de acordo com os planos divinos
e que tem na Igreja Católica, a instituição política e espiritual capaz de executar
este plano.
Agostinho de Hipona desenvolve uma filosofia política que “submete a lei hu-
mana, suas necessidades e as atividades jurídicas, à autoridade justa da Igreja, essa
sociedade soberana à qual Cristo submeteu os reinos deste mundo, assim como
a organização da Salvação” (Ruby, 1998, p. 42). A Ágora, que era o espaço públi-
co aonde os gregos tratavam dos seus problemas coletivos, e o Senado romano,
onde os mesmos se colocavam na condição de participantes direto das grandes
decisões, a partir deste momento passa a ficar restrito a um espaço inacessível aos
homens pecadores, pois a Igreja assume esta função, tratando de afastar o máximo
possível, qualquer possibilidade e tentativa de ampliar o campo das discussões
política. A política se associa diretamente com os meios e as condições necessárias
para o homem buscar a salvação.
Outro aspecto que sofrerá mudanças é quanto a relação com a autoridade e
seus fundamentos, se antes os homens obedeciam em função da lei, eo governante
era apenas o seu executor, a sua autoridade advinha justamente da lei, o perfil de
obediência agora é outro, porque “a obediência torna-se virtude, o crente deve
submeter-se por asceticismo à autoridade delegada do pastor, que por sua vez o
domina, pois conhece seus pecados” (Ruby, 1998, p. 42), ficando caracterizado que
é o medo, principalmente pelas consequência do além-vida, é o grande respon-
sável pela condição de submissão. O pastor conhece o que os demais não podem
conhecer. Sendo assim, a autoridade também se estabelece através da chantagem,
no que não pode ser revelado, pois a sua revelação praticamente excluiria qual-

32
UNICESUMAR

quer possibilidade de continuar vivendo em sociedade.


Contrapondo o pensamento platônico e aristotélico que se propor a discutir
as formas de governo justas e injustas, boas ou más, “Santo Agostinho não vê
sentido na discussão das formas de governo justas e injustas, uma vez que todas
estariam marcadas pela mancha da corrupção humana” (Maciel, 2013, p. 18). De
certa forma, existe em Agostinho de Hipona um grande pessimismo com relação
à condição do homem aqui na terra, e que só poderia ser amenizado se este con-
cordasse na submissão de sua vontade, àquela que pode lhe conduzir a salvação.
Sob o aspecto do exercício do poder, o rei governa, mas o faz necessariamente
sob a intervenção direta da Igreja, cabendo ao mesmo apenas a execução destas
ordens. O rei faz leis, mas todas trazem o imperfeição característica da existência
humana na Cidade dos Homens, no entanto, “o apelo às leis divinas e à supre-
macia do poder de Deus sobre quaisquer poderes humanos atribui um caráter
crítico ao pensamento político de Santo Agostinho, pois fornece critérios para o
julgamento das autoridade seculares e das leis positivas” (Maciel, 2013, p. 19). Na
realidade, este tipo d visão acaba estabelecendo limites rígidos para o exercício
do poder temporal, pois o parâmetro a ser buscado e atingido é aquele que ne-
cessariamente corrobore para a aplicação das leis divinas.
A filosofia do Agostinho de Hipona prevaleceu durante um longo período da
medievalidade, encontrando um rival de peso, apenas quando surge a filosofia de
São Tomás de Aquino, ou simplesmente, Tomás de Aquino ou ainda, o “aquinate”
como alguns filósofos o chamam. É preciso ressaltar que o título de Santo, tanto
para Agostinho de Hipona, quanto para Tomás de Aquino, não se refere a mila-
gres realizados pelos mesmos, mas como forma de reconhecimento da Igreja pela
contribuição ímpar de suas obras para o fortalecimento do cristianismo. Outros
também receberam este título, por motivos semelhantes e não por seus milagres.
É com Tomás de Aquino que parte da filosofia agostiniana começa a ser
contestada, e a filosofia cristã passa a dar respostas a questões levantadas prin-
cipalmente pela filosofia árabe. Durante um longo período da medievalidade a
filosofia aristotélica foi relegada a segundo plano, como consequência da própria
filosofia agostiniana, de cunho platônico.
A visão de Tomás de Aquino sobre os homens não é tão pessimista quanto a
de Agostinho de Hipona, embora continue colocando a Igreja e seus ensinamen-
tos como meios para se conhecer a verdade e a verdade é Deus. O seu pensamento
político caracteriza-se por procurar construir uma teoria teológica que pudesse

33
UNIDADE 2

dar conta das relações e problemas entre o poder e o Estado.


Diferente de Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, um aristotélico, afir-
ma que o homem vive em sociedade porque esta forma de vida constitui a sua
natureza, e como resultado, precisam organizar a sua vida em cidades e neces-
sitam de que alguém exerça o poder, inserindo-se a figura do rei, que segundo
Antonio Carlos Wolkmer (2001), constitui-se de uma autoridade social, capaz de
conduzir os homens em direção ao bem comum e, portanto, a uma vida melhor.
Viver bem e melhor, relacionarem-se harmoniosamente com o próximo, auxiliar
os necessitados, e outras ações que se originam no próprio homem, constitui-se
parte de um plano divino.
O poder passa a ser compreendido como um dos elementos necessários à
concretização deste plano divino, dentro desta linha de pensamento do aquinate,
“a necessidade do poder político ganha nova interpretação, pois ela não é um sinal
do pecado humano, mas uma necessidade natural de cuja satisfação depende a
própria realização do homem” (Maciel, 2013, p. 20). Nada de errado existe com
a existência do poder, da sociedade e do Estado, pois todos são naturalmente
necessários para que o homem caminhe em direção a Deus. O problema não se
encontra no poder, mas a forma e para quem se destinam todas as forças resul-
tantes deste poder, portanto, se as mesmas permitirem que o homem caminhe
na direção de Deus, eis o plano divino sendo executado.
Quanto à sociedade é preciso compreender que “Deus criou os homens para
viverem em sociedade, pois só a vida em sociedade é uma vida plena ou feliz,
digna da condição do homem na escala das criaturas” (Maciel, 2013, p. 20), pois
ela permite que o homem pense, viva e aja de acordo com o bem coletivo, que
tem como referência os ensinamentos de Deus. Mas para viver em sociedade e
de forma organizada, não se pode furtar da necessidade natural de determinação
de um poder que eleve os homens aos interesses coletivos, “por isso, é necessário
haver um governo terrestre, que regule a multidão, levando-o a alcançar o bem
coletivo” (Maciel, 2013, p. 20).
Com relação aos limites do poder do rei, o poder temporal, diferente de Agos-
tinho de Hipona, o aquinatense apresenta outra perspectiva, qual seja, a de que
o poder do rei que é temporal, não se confunde com o poder da Igreja que é
espiritual, desde que o primeiro possibilite aos homens caminharem em direção
a Deus. Tal distinção é possível se compreendermos que “os fins do Estado são
fins morais (o bem–estar de toda comunidade), sendo que os cidadãos estão

34
UNICESUMAR

comprometidos com um fim temporal (representado pela autoridade estatal) e


com um fim espiritual (corporificado pela Igreja, que atua como instância maior)”
(Wolkmer, 2001, p. 23).
A existência de uma finalidade espiritual é o caracteriza o pensamento polí-
tico da medievalidade, porque “no regime cristão, a finalidade política não con-
siste mais simplesmente numa vida virtuosa, mas numa vida virtuosa exaltada,
preparatória da beatitude suprema” (Ruby, 1998, p.50). O homem vive esta vida
terrena, como forma de se preparar para alcançar uma vida superior, que só pode
ser garantida, tendo como guia a Igreja, que representa na terra, entre outras
coisas, o grande guardião e propagador da palavra de Deus.
Mas o tempo do rei não é o tempo das coisas divinas. O rei não é rei sob todas
as circunstâncias e neste sentido, Tomás de aquino nos ensina que “o rei não é,
como o papa, um vigário de Cristo, por conseguinte inamovível (salvo pelo pró-
prio Cristo). O rei é somente o vigário da multidão. Não possui, portanto, senão
um cargo (curam) de regência cujo atributo é a lei que ordena, obriga e vincula”
(Ruby, 1998, p. 49), sendo assim, o rei pode ser deposto, desde que o povo não
caminhe para a anarquia e ordem seja restabelecida por uma nova autoridade.
Tal justificativa ocorre a partir de uma possibilidade de que o rei possa governar
contrariando as leis de Deus, levando os homens a se afastarem das mesmas, o
que contraria o plano divino e requer uma ação capaz de restabelecer esta ordem.
No entanto, está ação só terá legitimidade, na visão de Tomás de Aquino, se for a
vontade do povo e não apenas de um pequeno grupo de homens. É o que ficará
conhecido na modernidade como Direito de Resistência e que mais recentemen-
te, tem levado inclusive à deposição de presidentes e monarcas.
Como parte de seu pensamento político, Tomás de Aquino apresenta uma
classificação das leis, que assim se dispõe: lei eterna, lei natural, lei humana e lei
divina, e que na visão de Wolkmer (2001, p. 24) é este um dos grandes méritos
no desenvolvimento do pensamento político do aquinate, porque sistematiza e
estabelece além de um limite, relações diretas de dependência.
A lei eterna é a “manifestação da lei eterna de Deus no mundo por Ele criado”
(Maciel, 2013, p. 21), é a lei que está acima de todas as demais, por ordena e regula
o universo como um todo, sendo assim, os seus reflexos recaem mesmo sob os
seres inanimados. A lei natural “é a manifestação incompleta e imperfeita da lei
eterna em todos os seres humanos” (Wolkmer, 2001, p. 24) e que pode ser perce-
bida pela razão, contudo não em sua plenitude, porque a razão conhece apenas

35
UNIDADE 2

aquilo que o mundo lhe permite conhecer dentro de uma relação de experiência
e reflexão. A lei humana são normas impostas a partir de uma autoridade polí-
tico, com a finalidade organizar e normatizar a sociedade. Leis feitas para bem
ordenar os homens e que, diferente da visão de Agostinho de Hipona, podem
ser consideradas justas desde que estejam em consonância com a lei natural. E
finalmente, as leis divinas que “não é descoberta da razão, mas revelação prove-
niente das Escrituras Sagradas (Velho e Novo Testamento), destinada a sanar as
imperfeições da lei humana” (Wolkmer, 2001, p. 24). Mas a revelação pertence
somente aos cristãos, de forma mais específica, àqueles que se dedicam a Igreja e
cumprem com todas as suas obrigações, aceitando todos os seus dogmas.
Diante deste contexto, a lei humana é apenas uma pequena parte de toda esta
legislação e necessariamente precisa estar em consonância com elas, e de certa
forma, estabelece limites para a atuação do rei-legislador, o rei ainda não é sobe-
rano e cabe a Igreja estabelecer o papel de representante de Deus na terra, para
a defesa dos interesses de ordem espiritual. O rei governa, mas dentro da esfera
dos problemas terrenos e que de forma trata apenas de questões contingentes,
como por exemplo, as ações necessárias para construir uma ponte, desde que esta
possa ter como finalidade produzir o bem comum.
O pensamento político medieval forneceu os subsídios necessários à fermen-
tação do Estado Moderno, e sua filosofia não pode ser desprezada. Se em alguns
momentos filosofia e teologia parecem ser a mesma coisa, e às vezes o são, repre-
sentam características históricas de um mundo que busca uma nova forma de ser.
O pensamento político de Immanuel Kant pode nos esclarecer sob estas questões,
embora exija do leitor um conhecimento um pouco mais refinado de filosofia.
Pensadores posteriores a Tomás de Aquino, como por exemplo, Guilherme
de Ockham e Marsílio de Pádua irão apontar a decadência de uma “concepção
teocrática de poder” (Maciel, 2013, p. 22) e a necessidade de uma separação nítida
e efetiva entre fé e razão, demonstrando um fortalecimento do pensamento da
modernidade, para quem a existência do Estado não está relacionada com um
plano divino, mas sim uma construção natural e racional da condição humana.
Uma forma específica de organizar estabelecer o campo de atuação dos poderes
necessários, para que o Estado possa conduzir os homens a atingir o mais alto
grau de satisfação e bem coletivo.

36
UNICESUMAR

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A histórica do pensamento político demonstra que nem sempre, a construção


deste, estava conectado com a realidade, sendo assim, demonstravam muito mais
a tentativa de construção de um modelo ideal de sociedade, do que a necessi-
dade de compreender a sociedade real e a partir desta constatação, elaborar as
mudanças necessárias para tal.

37
1. Explicar qual o núcleo do pensamento político de Sócrates.

2. Dissertar sobre o significado da palavra “pólis” e sua relação com a existência da


política.

3. O que significa afirmar que: “o nosso mundo é o mundo dos gregos”? Fundamentar
sua resposta.

4. É possível inferir que Agostinho de Hipona e Tomas de Aquino tem a mesma visão
sobre a ideia de poder? Fundamentar sua resposta.

5. Explicar qual a principal diferença entre o pensamento político de Platão e de Aris-


tóteles.

38
3
O Pensamento
Político dos
Modernos I
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender a construção do pensamento político de Maquiavel


• Aprender e compreender o realismo político de Maquiavel.
• Aprender e compreender o que “é o poder” para Maquiavel.
UNIDADE 3

O pensamento político de Maquiavel dará início ao nominado realismo mo-


derno, pois o autor analisa a política, não a partir de condições ideais, mas como
ela realmente é.
Maquiavel realiza uma autópsia sobre a natureza humana no tocante ao poder
e nos ensina que, alguns homens desejam o poder, mas nem todos estão prepa-
rados para suportar a lógica da força que constitui este poder.
Presente também se encontra a ideia de republicanismo em Maquiavel e a
contribuição que estas ideias irão dar, para o ressurgimento da democracia na
modernidade.

40
UNICESUMAR

Nicolau Maquiavel

O autor que marca o pensamento político da modernidade e também, em-


bora não seja unanimidade, marca o surgimento da Ciência Política é Nicolau
Maquiavel. Um pensador controvertido, mas que procurou descrever a política
como ela é e não como deveria ser.
Desenvolve o seu pensamento político procurando fornecer subsídios para
que um príncipe se mantenha ou conquiste os domínios necessários para cons-
tituir o seu principado. A sua obra não se dirige a qualquer homem, “para saber
qual é o ator político a quem Maquiavel se dirige é preciso procurar no cenário
social aquele cuja posição capacita para relacionar sua ação e seu pensamento
com os princípios do realismo” (Lefort, 2003, p. 13). Este autor deve se apoderar
do discurso como aquele que pode torná-lo real, não dentro das condições ideais
que tal discurso pode pretender construir, mas com as condições e ferramentas
que a realidade lhes oferece.
Maquiavel trabalha com o realismo político levando em consideração que a
natureza humana pode ser imprevisível, quando se trata de questões pertinentes
ao poder. O príncipe não é e talvez nem queira ser o rei-filósofo defendido por
Platão, e tão pouco o governante cheio de virtudes aristotélicas, pois o que ele
precisa é governar, e neste sentido, “governar impõe a necessidade constante de
avaliar uma situação em termos de relações de força, tanto no que diz respeito à
vida interna do Estado quanto no que concerne às relações de Estado com Estado”
(Lefort, 2003, p. 13).
Conforme nos demonstra Maquiavel, depois da avaliação de como se compõe
as forças que oferecem resistência a implantação e/ou continuidade para o poder
do príncipe, nem sempre as ações necessárias irão agradar a todos os homens,
principalmente aqueles fundados na ética e moralidade cristã. Inúmeros equívo-
cos existem quando se referem ao pensador político florentino, afirmando que
o mesmo expõe a sua teoria sem aspectos da moralidade comum, mas é preciso
compreender que a sua visão realista não se preocupa com estas questões, e tam-
bém, porque nem sempre a ação do príncipe pode se fundamentar neste padrão
de moralidade. Portanto, não se trata de construir um padrão moral para ser um
príncipe, mas sim de demonstrar quais são os meios e as ações necessárias para
a conquista e conservação do poder.
Com relação ao poder é necessário enfatizar que a obra de Maquiavel chama a

41
UNIDADE 3

nossa “atenção para a natureza do poder, se o revela como criação humana resul-
tantes das condições de permanência da luta social, é porque se dirige àqueles a
quem o poder cega, que ainda não compreenderam que, por pouco que sejam, os
mais fortes estão com o poder ao seu alcance e qual o preço para sua conquista”
(Lefort, 2003, p. 14). É o realismo de Maquiavel nos revelando algo que caracteriza
a natureza humana, que a ambição ao poder e quando não a tem, pedem apenas
que não sejam oprimidos. Neste sentido, a conquista e conservação do poder
não se dirigem a todos, e tão pouco pode ser exercido por todos, mas somente
pelo príncipe que tem a obrigação de vislumbrar os horizontes que poder surgir
advindos de suas ações. O príncipe deve ser realista, mas sem deixar de ser tam-
bém um visionário.
Embora este raciocínio não apareça de forma direta na obra de Maquiavel,
mas está implícito no conjunto da mesma, era um dos seus objetivos demonstrar
que a unificação da Itália seria possível, desde que fosse realizado pela pessoa
certa. No entanto, tal feito não poderia ser realizado de forma graciosa, portanto,
“compreendendo que um povo deve consentir em certos sacrifícios para emanci-
par-se da tutela da classe dominante, que deve aceitar a mediação de um príncipe
para alcançar sua própria unidade” (Lefort, 2003, p. 15). A unificação da Itália só
seria alcançada através de uma aliança entre a próspera burguesia comerciante
e a monarquia absolutista e certo que está aliança precisava do apoio do povo,
que segundo Maquiavel, é como uma massa informe, que deseja apenas não ser
oprimido, mas pode ser um instrumento importante, pois as forças necessárias
para tal empreendimento, certamente viria desta classe uma vez que ele abomi-
nava a existência dos chamados exércitos mercenários, uma vez que, tão logo se
defrontassem com uma dura batalha, bateria em retirada para as suas regiões de
origem, porque não tinham vínculo que as terras a ser conquistadas.
É difícil dizer se a polêmica sobre o seu pensamento advém de certo precon-
ceito com o termo “maquiavélico”, ou se é resultante das análises concretas e reais
sobre a natureza humana e sua relação com o poder, no entanto, é evidente que
a sua visão sobre a política permanece mais atual do que nunca.
Maquiavel exerceu o cargo de chanceler durante parte do reinado da família
de Lourenço de Médici na Itália, sendo caracterizado como um homem plena-
mente inserido dentro dos ideais do renascimento e seu referencial será o grande
período clássico, predominantemente romano. É nos exemplos da história de
Roma que irá buscar as relações necessárias para o desenvolvimento de seu pen-

42
UNICESUMAR

samento político. O que Maquiavel faz é analisar o comportamento dos homens


de sua época e compará-los com os acontecimentos do mundo romano, procu-
rando ao final desta análise fornecer subsídios para que o príncipe possa exercer
a sua função com conhecimento de causa sobre a natureza humana.
Para Maquiavel as formas de governo, diferente do mundo grego, pouco im-
portam até porque, o príncipe é quem deverá ser o grande autor e criador das
ações necessárias ao exercício de sua função que é de governar, sendo assim,
podemos dizer que a obra O Príncipe é destinada ao indivíduo príncipe e não ao
povo propriamente dito e tão pouco para a formação de seus auxiliares.
Para Newton Bignoto (1991) Maquiavel foi um dos primeiros a defender a
unificação da Itália, libertando-a das ingerências diretas da Igreja Católica, assim
como, de interferência direta de seus vizinhos do norte e dentro desta perspecti-
va e as emergentes necessidades de seu momento histórico, a questão era como
conquistar e governar de forma a dar certa estabilidade a república, e não discutir
possíveis formas democráticas ou compartilhamento do poder, como terá depois
seus sucessores da modernidade. Outro aspecto importante é que no momento
histórico em que Maquiavel está vivendo, a discussão sobre a democracia ainda
era incipiente, embora a mesma tenha surgido no mundo grego, a sua difusão
ocorreu na realidade a partir do século XIX e na América Latina, por exemplo,
somente no século XX.
Um dos aspectos que circundam a obra de Maquiavel é a conquista, a fun-
dação e a manutenção do principado e por consequência, o esforço necessário
para que o poder seja exercido na plenitude das forças do príncipe, contudo, este
tipo de acontecimento tem a sua própria dinâmica, pois “à conquista do poder
corresponde um movimento rápido e violento que deve triunfar contra diversas
formas de resistência” (Lefort, 2003, p. 40). Um dos grandes problemas advindos
desta situação é que o povo teme o novo, enquanto que o antigo, por mais violento
que o seja torna-se no decorrer do tempo, algo previsível. Mas o novo é sempre
desconhecido e inclusive, por não conhecer as fraquezas do povo, pode vir a
cometer violência maior do que a necessária.
Se o príncipe pode surgir no meio dos homens comuns, isso não quer dizer
que ele possa levar consigo esta característica, pois se alguém deseja o poder é
preciso que se eleve acima destes homens, inclusive, rompendo com os padrões
tradicionais de moralidade e formas de ação. Não se trata de abandonar a mora-
lidade e implantar a imoralidade, nem tão pouco, deixar de ser virtuoso, para a

43
UNIDADE 3

prática do oposto da virtude, mas simplesmente de compreender que o exercício


do poder requer a compreensão e o estudo da força a partir de outra perspectiva.
Romper com a tradição medieval e mesmo clássica, exigiu de Maquiavel, além
das questões de ordem ética, moral, religiosa e mesmo social, encontrar outros
suportes que aparecem o príncipe tanto nos seus aspectos de vitória, quanto da
derrota. A forma encontrada foi buscar no período romano, dois conceitos e
depois, adequá-los às suas teorias.
O primeiro conceito foi o de virtù, que não pode ser confundida com virtude,
ainda que dela herde apenas algumas características quanto a ação. Portanto, a
virtù “reside na flexibilidade que permitirá ao príncipe a escolha de um leque de
ações determinadas, não necessariamente comprometidas com ideais de bondade
e moralidade ou justiça” (Guanabara, 2009, p.33).
A virtù não está associada com herança genética, religiosa e nem mesmo
social do príncipe, mas antes, a capacidade que o mesmo aprende e desenvol-
ve ao longo de sua vida com o objetivo de lidar com o poder, a partir de uma
perspectiva diferente daquela da tradição medieval. Não se trata de abandonar
determinadas características que faz com que os homens sejam bem vistos pe-
los outros, mas também não descarta a possibilidade de utilizar todos os meios
necessários e ao seu alcance, para conquistar e manter sob seu controle, os prin-
cipados conquistados. É a virtù que permitirá ao príncipe identificar o momento
adequado de expressar a verdade, mas também, aquele em que mentir pode ser
mais conveniente, pois os frutos a serem colhidos serão melhores.
O príncipe que desejar conquistar, fundar e manter um principado não pode
ser dar ao luxo de acreditar na bondade da natureza humana, pois esta é ambi-
ciosa e instável, sendo assim, é preciso aprender a jogar com as regras do jogo,
no entanto, será a virtù quem permitirá ao príncipe tomar a melhor decisão para
que a mesma contribua para os seus objetivos. Como um perspicaz observador
da natureza humana, quando leitor e estudioso das obras do mundo romano,
Maquiavel nos ensina, na obra O Príncipe, que o remédio amargo deve ser dado
de uma só vez, ao passo que o remédio doce deve ser dado à conta-gotas, pois os
homens esquecem muito mais rápido das coisas boas que os outros e a vida lhes
oferece, do que das coisas ruins e amargas. O príncipe de virtù saberá dosar tanto
um, quanto o outro remédio, e ao ministrar a dose correta, colherá os louros de
sua ação bem sucedida.
De outro lado, sabe Maquiavel que a vida do príncipe nem sempre é permeada

44
UNICESUMAR

de glórias e sucessos, sendo assim, é preciso, como forma de fugir das questões
de interferência de ordem metafísica, buscar um conceito para o surgimento de
forças e acontecimentos que fogem à capacidade de controle do príncipe. Esta
força é a fortuna. A deusa caprichosa oriunda da mitologia romana. A deusa
que tanto pode ser boa, como pode ser má. Portanto, para Maquiavel, “a fortuna
representaria o imponderável, o acaso, algo que os homens não poderiam prever
e que, por isso, poderia lhes ser fatal caso os pegasse desprevenidos” (Guanabara,
2009, p. 33).
A fortuna é uma força que foge ao controle do príncipe, que se apresenta em
momentos inesperados, o imponderável, o que estava fora do cálculo, e que tanto
pode se apresentar de forma positiva, como de forma negativa, no entanto, um
príncipe de virtù saberá como tirar o melhor proveito da situação, que às vezes,
pode perfeitamente implicar em apenas minimizar o prejuízo, para poder re-
compor as forças e ai sim, diante de algo que se apresenta como visível, conduzir
a situação para o seu controle.
A política, assim como a natureza humana, não é estável, perene, constante,
para que se possa ter uma única fórmula para resolver todos os problemas, sendo
mutável, exige do príncipe capacidade para se adequar rapidamente às novas
circunstâncias, e isso ele o fará através da virtù. Sendo assim, virtù e fortuna, são
antagônicos, mas não totalmente opostos, se originam de fontes diferentes de
poder, mas se complementam em determinadas situações e o príncipe precisará
aprender a lidar com estas duas forças, e neste sentido, Maquiavel irá explorar o
máximo que estas possam lhes oferecer, porque também,“impõe necessariamente
a qualidade da audácia, da coragem e da virilidade para atrair e enfrentar a fortu-
na, bem como dominá-la. Pelo exposto, a estabilidade política estará sempre mais
perto do príncipe corajoso e impetuoso” (Guanabara, 2009, p. 35).
O príncipe, diferente de outros homens, está submetido a uma lógica da for-
ça, sob a qual não se aplica os mesmos ensinamentos dos homens comuns, no
entanto, não engendra os seus atos porque fora escolhido por forças externas,
principalmente de ordem metafísica, mas sim, porque é alguém que vislumbra
a possibilidade de dar ao principado, e projetando para o futuro o Estado, uma
unidade capaz de torná-lo forte e respeitado pelos seus vizinhos e opositores.
A complexidade destas forças impõe ao príncipe uma forma diferente de com-
portamento, se comparado à de outros homens, como é o caso da bondade e da
maldade, que devem ser aplicadas na dose certa e no momento adequado, até

45
UNIDADE 3

o fato de que é melhor ser temido do que amado, porque para com as pessoas
amadas, os homens às vezes confundem as coisas e podem pedir mais do que
realmente lhes é necessário e quando cobrados, retribuir menos do que o espe-
rado, no entanto, o príncipe temido se constitui sempre em uma autoridade a ser
respeitada, e que as pessoas tratam com cautela e normalmente, pedem menos
do que o necessário e contribuem mais do que o devido.
Temido mas não odiado, pois o homem odiado está sempre associado com a
ideia de alguém injusto e que comete injúrias, e Maquiavel alerta que os homens
jamais esquecem a injúria que um dia receberam. No entanto, deve o príncipe
ficar atento sobre a instabilidade da natureza humana, a razão “é que os homens
geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinhei-
ro, e, enquanto lhes fizerem bem, todos estão contigo, oferecem-te sangue, bens,
vida, filho, como disse acima, desde que a necessidade esteja longe de ti. Mas,
quando ela se avizinha, voltam-se para outra parte” (Maquiavel, Cap. XVII, 1987).
Por outro lado, não escapa do campo de atuação da fortuna a existência de
forças de ordem metafísica, às quais Maquiavel não quer tratar, mas também não
as despreza plenamente, neste sentido, “a oposição entre virtù e fortuna transfor-
ma-se em oposição entre poder de depender apenas de si e sujeição aos desejos de
Outro e esta, por sua vez, transforma-se em oposição entre autonomia do homem
e dependência de Deus” (Lefort, 2003, p. 55). A dependência de Deus pode existir,
mas prevalecerá somente depois de esgotada todas as possibilidades resultantes
do exercício da virtù. O realismo de Maquiavel não refuta a possibilidade da
interferência de forças externas à natureza humana, mas também não coloca o
príncipe como um refém deste tipo de força.
Outro aspecto importante na vida do príncipe, e que Maquiavel dedicou uma
obra especial, é que o mesmo deve compreender a guerra como uma arte e não
como um fardo a ser carregado, “deve, portanto um príncipe não ter outro ob-
jetivo, nem pensamento, nem tomar como arte sua coisa alguma que não seja a
guerra, sua ordem e disciplina, porque esta é a única arte que convém a quem
comanda” (Maquiavel, 2007, p. 71). Observando o mundo atual, podemos obser-
var que as chamadas grandes potências estão sempre se articulando no sentido
de demonstrar que se encontram preparadas para a guerra, em alguns casos,
mais do que para a paz, conforme se observa nos últimos redutos do malfadado
comunismo clássico. Sendo assim, o pensamento de Maquiavel continua mais
atual do que nunca, dentro de um contexto geopolítico em constante mutação.

46
UNICESUMAR

Novamente rompendo com a tradição medieval, Maquiavel nos ensina que


o príncipe não deve ser movido por gastos faustosos, mas antes de tudo, é prefe-
rível que tenha fama de miserável, porque assim, não precisará sobrecarregar o
povo com impostos, e tão pouco lhes roubar, gerando insatisfação, assim como
não precisar fazer concessões em troca de recursos com seus vizinhos e outros,
colocando em risco a sua autonomia de governar com as forças de que dispõe
por mérito seu, ainda que a fortuna possa ter contribuído para tal, no entanto,
será a virtù quem lhe permitirá usar somente o que for estritamente necessário,
guardando o excedente para momentos de escassez.
Conhecendo a instabilidade da natureza humana, conforme nos indica na
leitura de sua obra, outro aspecto importante a que Maquiavel alerta o príncipe,
é para a formação de um exército próprio, proveniente do povo a quem deve
defender, porque os exércitos mercenários, tão logo encontrem um obstáculo
que exige um sacrifício maior para o qual foram pagos, abandonam o campo
de batalha e retornam aos seus lares, ao passo que o povo que defende o seu
próprio território não tem outro lugar para aonde ir, a não ser lutar com bravura
pelo que já é seu, mas precisa da força e da coragem para mantê-lo. Este fato era
muito comum, principalmente durante o renascimento, que os reis alugassem
exércitos mercenários para a defesa de seus interesses, e muitos, conforme nos
relata Maquiavel na obra O Príncipe, se arrependeram de tal empreitada. Neste
aspecto se apresenta a preocupação de Maquiavel com um ideal de unificação
da Itália, que nesse período histórico, encontrava uma forte oposição da Igreja
Católica, para quem a Itália seria uma região ideal e cômoda para a instalação
de seu reino terreno.
A obra de Maquiavel foi e continua sendo polêmica, no entanto, ainda é rea-
lista, quando apresenta algumas questões controvertidas, quando analisadas sob
a linha de visão do homem comum, como por exemplo, quando ele afirma que
“um príncipe não pode, nem deve, guardar a palavra dada, quando isso se torna
prejudicial ou quando deixem de existir as razões que o haviam levado a prome-
ter. Se os homens fossem todos bons, esse preceito não seria bom, mas, como são
maus e não mantêm sua palavra para contigo, não tens também que cumprir a
tua” (Maquiavel, 2007, p. 84). É a chamada arte de simular e dissimular, tão prati-
cada ainda no campo da política nacional e internacional. Neste mesmo sentido,
o príncipe deve ora vestir pele de lobo e em outros momentos, pele de cordeiro.
Ensina-nos que a política nem sempre é o campo aonde as forças são colocadas de

47
UNIDADE 3

forma clara e verdadeira, pois é como um jogo de xadrez, aonde um movimento


sutil e leve, permite a abertura para um avanço rápido e fatal. No campo político
atual, inúmeras são as ameaças de ações de ordem econômica e militar, inclusive
com rompimento de contratos e promessas, como forma de obter vantagens que
não foram possíveis de serem obtidas em momento anterior.
Quanto ao príncipe e sua vida pessoal, esta fica reduzida a um espaço mínimo
e o extremamente necessário, pois se transforma ele em prisioneiro de sua própria
obra, conforme nos ensina Newton Bignotto (1991) e assim, é alguém que vive
de forma solitária, e sempre pensando no próximo passo a ser dado, portanto,
diferente dos outros homens, e mesmo os soldados, que podem se dar ao luxo de
comemorar uma vitória, para o príncipe é apenas a oportunidade para se dedicar
à próxima linha de ação. Na obra O Príncipe, afirma que mesmo nas suas horas
de descanso, enquanto cavalga pelos seus domínios, deve imaginar e construir
como se comportaria numa batalha naquele local e que vantagem poderia tirar
deste seu conhecimento. Neste sentido, o príncipe é alguém que se entrega e é
absorvido pela sua própria criação, aonde primeiro deseja o poder, para depois
se transformar em prisioneiro do próprio poder.
Assim como o fará Thomas Hobbes para quem também, os homens tem mais
medo das armas, do que a intenção de manter as suas palavras e neste sentido, o
príncipe deve governar com as armas e as leis, equilíbrio este que será possível
realizar somente depois da conquista, que é o momento da desconstrução social,
conforma já apresentado anteriormente. Cita o exemplo de Frei Savonarola que
tentou governar com fundamento na fé dos homens e foi morto logo após chegar
ao poder, pois esqueceu que primeiro os homens temem a espada, depois as leis, e
quando lhes interessam, as demais coisas. É neste sentido, que Barros nos ensina
que para Maquiavel, “os meios materiais que o príncipe dispõe para agir são as
leis e as armas. Como avalia que as boas leis dependem das boas armas, concen-
tra sua análise na qualidade das armas, isto é, no tipo de exército que o príncipe
pode utilizar” (2012, p. 81). Dai o ataque aos exércitos mercenários, conforme já
explicado anteriormente, mas reforça a preocupação de Maquiavel para que o
príncipe mantenha junto de si, sempre o poder sobre as armas, ainda que governe
pelas leis, porque estas também dependem das boas armas.
Já com relação ao povo, Maquiavel afirma que num principado o povo é como
se fosse uma massa informe, ou seja, que pode ser moldado de acordo com a força
que o príncipe imprime junto a este, no entanto, é mais fácil agradar ao povo do

48
UNICESUMAR

que aos nobres e outros, pois o povo apenas não deseja ser oprimido, sendo assim,
é mais sincero em seus desejos. Embora a liberdade seja um elemento importante
na obra de Maquiavel, ela é algo que precisa ser conquistada, e aqueles que a têm,
a defenderão até a morte, é neste sentido, que é mais difícil a um príncipe impor
sua personalidade e forma de ser, a um povo que já experimentou a liberdade,
devendo nestes casos, como última forma de recurso, exterminar a todos, se isto
lhe garantir segurança para a construção de sua obra.
Além dos ensinamentos próprios ao príncipe, para que possa bem governar,
outro aspecto de destaque na obra de Maquiavel é a questão do republicanis-
mo, com fundamento nos ensinamentos de Cícero e do Império Romano. Neste
sentido, embora Maquiavel mencione sempre o principado, como seu objeto de
estudo, na realidade, tinha profunda admiração pela república, sendo conside-
rado um dos restauradores da ideia de república, conforme nos ensina Newton
Bignotto (1991). Neste sentido, nos ensina Barros que “para Maquiavel, o governo
republicano favorece o surgimento das virtudes cívicas, uma vez que proporcio-
na aos cidadãos, ao conferir-lhes liberdade, um campo de possibilidade para o
desenvolvimento de suas potencialidades” (2012, p. 92).
Diferente de um principado, aonde o príncipe deve estar atento à variação
de humores dos homens, nas repúblicas, “são necessárias leis que permitam a
previsão dos modos ordinários de garantia da liberdade, de forma que o conflito
entre os humores ou as facções seja definido pelo público” (Ricciardi, 2005, p.
44). De certa forma todos se tornam responsáveis pela manutenção e defesa da
liberdade, pois ela é resultado de uma decisão coletiva e não da imposição de um
único homem, como é o caso de um principado.
A liberdade que o povo quer e deseja não se contradiz com o pensamento de
Maquiavel, pelo contrário, ela favorece a existência e necessidade da existência do
poder, porque “o desejo do povo de não ser dominado lhe parece mais próximo
da liberdade, porque revela uma face importante de sua manifestação que é a
ausência de ambição do poder” (Barros, 2012, p. 93). O povo deseja apenas não
ser oprimido, e não tem ambição de poder e tão pouco do exercício do mesmo,
podendo ser um aliado importante para quem exerce o poder, porque o povo,
numa república livre, torna-se sempre vigilante e atento às forças que se opõem
à sua liberdade e, portanto, também ao governo. O governo mais estável é aquele
em que o povo, conhecendo e conquistando a sua liberdade, não abre mão de
defendê-la sob qualquer circunstância.

49
UNIDADE 3

Numa república o povo não pode ser considerado como uma massa informe,
tal qual Maquiavel o considera num principado, cuja ação política centra-se na
figura do príncipe, de seus seguidores e opositores, porque em uma república
aonde o povo livre, “para não ser dominado e viver em liberdade é necessário
que o povo resista e tenha uma ação política contínua em oposição ao desejo dos
grandes de dominar” (Barros, 2012, p. 93). Na realidade o povo age como um es-
cudo de proteção e vigilância entre o governo e aqueles que vislumbram o poder
a qualquer custo, pois tem apenas o desejo de oprimir o povo e tirar vantagens
de ordem pessoal no exercício do poder. Para proteger a sua liberdade e resguar-
dar os seus interesses, numa república o povo exige a construção de instituições
políticas e jurídicas que sejam capazes de exercer o poder com esta finalidade,
fortalecendo assim, a função de quem realmente exerce o poder.
Outra característica de uma república é quanto a manutenção do poder e
a estabilidade dessa forma de governo, a razão é que “na república, a conquista
da durabilidade acontece graças ao fato de que a primazia da ação, antes exclu-
sivamente reconhecida ao indivíduo-príncipe, torna-se patrimônio de todos os
cidadão” (Ricciardi, 2005, p. 47). É mais fácil manter a ordem e a lei, pois o povo
conhecendo que a lei é quem lhes garante a estabilidade passa a vigiar e a cobrar
de todos a sua obediência, cabendo ao governo apenas conter os excessos que
fogem a este controle.
Enfim, o príncipe de Maquiavel revela a política com um olhar que os gregos
e mesmo os romanos, ficaram ofuscados durante o seu período histórico, ou seja,
que existe uma lógica da força na política, que não permite muito espaço para a
prática das virtudes e moralidades que norteiam a vida de um homem comum,
dada a complexidade destas forças e mesmo a instabilidade da natureza humana,
quando se trata da existência do poder. Isso não quer dizer que aquele que exerce
o poder deve se despir da moralidade e da ética em todas as suas ações, mas deve
compreender que, a partir de Maquiavel é possível inferir que existe uma razão
de Estado, que faz com que determinadas ações não possam ser norteadas pelas
diretrizes de vida de um homem comum, pois os interesses em jogo estabelecem
outra lógica para o jogo político.
Os ensinamentos de Maquiavel nos auxilia a compreender porque, em nossa
história recente, o governo tem, a um custo elevado, defender a ideia de que a
inflação e a política econômica se encontram sob controle, procurando assim,
dissimular aquilo que parece óbvio. Tal artifício terá que ser sustentado o má-

50
UNICESUMAR

ximo de tempo possível, até que o governo consiga criar as forças e condições
necessárias para procurar contornar e enfrentar o problema. Principalmente no
campo econômico a arte da dissimulação apresentada por Maquiavel, pode ser
necessária, principalmente numa economia globalizada e muito sensível a peque-
nos ajustes de forças em momentos de instabilidade. É lógico que a democracia
contemporânea procurou criar mecanismos para reduzir o campo dessa dissimu-
lação, principalmente com o controle e exposição das contas públicas e outros,
mas mesmo assim, ainda existem espaços para este tipo de articulação política.

Republicanismo

Ao tratar do pensamento político de Maquiavel é necessário, ainda que de


forma pontual e inicial, uma abordagem sobre o republicanismo, que constituir-
-se-a, quando do estabelecimento da democracia, um de seus componentes mais
importantes.
Foi um movimento que surgiu com Aristóteles, mas ganhou força e vida,
principalmente com os romanos, em especial na figura de Cícero (106-42 a.C.),
que defendia a tese central do republicanismo, que coloca a moral e a virtude no
centro da vida cívica, principalmente a virtude no sentido aristotélico, em outras
palavras, a virtude de ordem individual representa apenas o início do processo
de sua construção, pois a sua efetiva existência estará necessária no exercício das
virtudes públicas e que possam contribuir para o engrandecimento da civita, da
cidade.
Cícero escreve na obra De Officcis, traduzindo, Dos Deveres, e em outros mo-
mentos de suas obras, que servir à república pode exigir deste homem sacrifícios
e às vezes, até de ordem pessoal pois, queira ou não, ela exige que este homem
abra mão de suas ambições e desejos pessoais, para se dedicar a república, melhor
dizendo, a res publica, ou ainda, a coisa de todos. Em sentido mais específico e
próprio de seu termo, podemos dizer que a república é aquilo que é de todos, mas
não pertence a ninguém.
Segundo Cícero na obra Dos Deveres, ao se referir a dedicação a república e
por conseqüência, a vida pública, “os bons cidadãos devem estar preparados para
assumir os encargos públicos e devem ambicionar o poder, a fim de evitar que
os maus o façam e destruam a república, ao impor seus interesses particulares”.

51
UNIDADE 3

Pois a ambição dos bons cidadãos, portanto, dos homens virtuosos, encontra
o seu limite no próprio interesse de ordem coletiva, porque bem o sabe que é
o somatório da força de todos, que podem tornar o homem um ser grandioso.
Procedendo desta forma, estariam afastando os homens maus da vida pública,
privando-os de um poder para o qual não estão preparados para exercer. Neste
sentido, e seguindo a linha de pensamento aristotélica, da qual o mundo romano
não discordava, se o homem é um animal político, e por conseqüência um ser
social, tem o também, o dever moral de viver em sociedade, cuidando daquilo
que interessa a todos. A moral como mera expressão de uma individualidade,
termina com a ação do próprio indivíduo, ao passo que a moral resultante da
existência da república, se multiplica em cada indivíduo, tornando a sociedade
mais coesa e promissora.
Para Cícero, e com fundamento em Aristóteles, a moral se fundamenta na-
quilo que é mais apropriado, adequado, à vida em comum, sendo assim, carac-
teriza-se não como um direito do indivíduo, mas sim como um dever que o um,
tem para com todos. Antes um dever que um direito.
Para o filósofo, orador e senador romano, ainda com referência a sua obra
Dos Deveres, a “república é coisa do povo. E povo não é qualquer ajuntamento de
homem congregados de qualquer maneira, mas o ajuntamento de uma multidão
associada por um consenso jurídico e por uma comunidade de interesses. E a
primeira razão para se juntarem não é tanto a fraqueza quanto uma tendência
natural dos homens para se congregarem”. Sendo assim, existe uma finalidade
jurídica que é o d estabelecer uma ordem para as ações humanas, e também,
algo necessário para preservar e ampliar os interesses de cada um, o que acentua
uma das características de uma república, no modelo defendido por Cícero, de
que nela vive homens livres, obedientes a ordem jurídica, mas não submissos às
injustiças praticadas por qualquer forma de poder. Se os homens precisam viver
em sociedade, que pelo menos vivam da melhor maneira possível.
Os fundamentos de uma república são dois: a natureza de sua forma de go-
verno, que se estabelece por homens livres; e o direito, que garante a todos a
possibilidade de uma tutela mínima de seus direitos, através das instituições que
compõe a república. A garantia dos direitos se dá, entre outros fatores, por ser a
república uma instituição de caráter permanente, pois não se sustenta pela von-
tade de um só, mas pela vontade de todos.
Na visão de Cícero sobre a concepção da república, o problema não são as

52
UNICESUMAR

formas de governo, mas o abandono às regras do direito, que assim produzem a


sua corrupção, a partir das instituições que compõe a república e são necessárias
para a sua existência. Sendo assim, a monarquia caminha em direção à tirania,
quando o autoritarismo do rei extrapola os limites estabelecidos pela lei e a sua
vontade, passa necessariamente a ser a única lei. A aristocracia se transforma em
oligarquia, quando a ambição dos nobres extrapola os limites estabelecidos pelo
direito e o seu desejo pela propriedade vai além das fronteiras já estabelecidas.
A democracia caminha em direção a oclocracia, ou seja, o governo da multidão
descontrolada, quando aqueles que vivem na democracia jaó não mais acatam a
ordem estabelecida pelas leis, em outras palavras, a causa é o desprezo pela ordem.
Mas qual seria a melhor forma de governo? A proposta de Cícero se asse-
melha àquela defendida por Políbio, que é a de que a melhor forma de governo
é retirar de cada uma destas formas o melhor, foi o que fez o Império Romano.
O ideal republicano foi sufocado pelo pensamento teológico-político da me-
dievalidade durante um longo período, e o republicanismo será retomado no sé-
culo XV pelos humanistas do renascimento italiano, de forma mais contundente,
embora também existam manifestações do mesmo, em outras regiões da Europa.
Para Quentin Skinner e outros estudiosos, o que favorece a recuperação do
republicanismo foi o descontentamento de alguns reis que, já apresentavam re-
sistência com relação a ingerência do Papa nos seus governos e entendiam que as
leis civis eram suficientes para governar os homens, e realizar um bom governo,
desde que seus princípios estivessem fundamentados no ideal republicano, ainda
que o rei não admitisse a sua substituição por um outro rei, numa alternância de
poder, que na verdade, ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, não é
uma característica do republicanismo, mas sim da democracia.
Segundo Newton Bignotto, na obra Maquiavel Republicano, neste período
do renascimento italiano, desenvolve-se a “figura clássica do cidadão ativo, vol-
tado para os problemas de sua cidade foi retomada e uma série de discussões a
respeito da dedicação ao bem público, da capacidade e possibilidade de agir na
cidade voltou a ocupar o centro do debate filosófico”, deslocando assim, uma das
características da idade média que era a vida contemplativa na fé quem nutria
os laços entre os homens, para uma nova visão do homem e sua relação com o
mundo, e neste período são as atividades na cidade e em torno da cidade, é que
pode fornecer aos homens uma vida nobre, é a vida cívica.
Um fenômeno que ocorre neste período, foi um resgate da política como

53
UNIDADE 3

ação humana, conforme retratada por Maquiavel, e que passa a partir de agora, a
exigir uma ação, uma interferência humana e não mais sobrenatural, de natureza
metafísica, dependente das benções ou não de alguém que se nomeia como repre-
sentante da Igreja de Pedro e Paulo. Inicia-se então, a redução do poder temporal
e político da Igreja e que irá influenciar também a redução do peso político das
demais religiões que surgirão a partir do século XV. Na realidade, a engenharia
política foi mais sofisticada do que possamos pensar, pois os republicanos deste
período tinham que encontrar uma solução para conter o papado e ao mesmo
tempo as monarquias absolutistas, mas não era o momento adequado para um
confronto direto com nenhum destes poderes.
A ideia de republicanismo exercerá influência principalmente quando do
estabelecimento da primeira democracia no mundo ocidental moderno, que
surgiu com a Independência Americana e depois se propagou pela Europa e de
forma mais tardia, as demais regiões da América.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Maquiavel não tem nada de maquiavélico, mas apenas nos ensina que o po-
der não pode ser exercido por qualquer um, mas aquele que o exerce, precisa
compreender e estar atento a todo momento, sobre a lógica da força que move
este poder.
É ditado antigo que, se queres conhecer um homem, conceda-lhe poder, mas
Maquiavel vai além, quando nos ensina que este homem precisa ter “virtù” e
aprender a controlar e enfrentar a “fortuna”, caso contrário, o desastre será emi-
nente.

54
1. Explicar qual a diferença entre realismo político e moralismo político.

2. Explicar o que significa a passagem, quando Maquiavel afirma que o “príncipe ora
precisa vestir pele de lobo, e ora, pela de cordeiro”.

3. É possível inferir que virtude e “virtù” são as mesmas coisas para Maquiavel? Jus-
tificar sua resposta.

4. Segundo Maquiavel, a fortuna significa as riquezas que os homens terão ao longo


de sua vida”? Fundamentar sua resposta.

55
4
Os
contratualistas
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender e compreender como e porque surgem as teorias con-


tratualista.
• Aprender e compreender qual a ruptura produzida pelas teorias
contratualista.
• Aprender e conhecer os aspectos principais da política de Thomas
Hobbes.
UNIDADE 4

Trata-se de um período histórico que antecederá a formação do Estado Mo-


derno, assim como, também lhe fornecerá algumas das teorias que o compõe.
Não é uma corrente específica e restrita de pensamento, mas apenas um fun-
damento para o desenvolvimento de uma teoria que constituirá um período de
grandes mudanças para a filosofia política e também, não poderia ser diferente,
para o próprio direito.
É um movimento filosófico importante pois dará início as teorias que irão
discutir a necessidade da separação de poderes entre o Estado e a Igreja.
Um dos primeiros contratualista é o filósofo Thomas Hobbes, que irá reali-
zar, segundo estudiosos, uma antropologia teológica-política sobre o homem e a
necessidade da existência da figura do Soberano, o grande Leviatã.

58
UNICESUMAR

Introdução conceitual

Trata-se de um período histórico que antecederá a formação do Estado Mo-


derno, assim como, também lhe fornecerá algumas das teorias que o compõe.
Não é uma corrente específica e restrita de pensamento, mas apenas um fun-
damento para o desenvolvimento de uma teoria que constituirá um período de
grandes mudanças para a filosofia política e também, não poderia ser diferente,
para o próprio direito.
Para Maria Isabel Limongi nos seus estudos sobre política moderna, o ponto
nuclear desta teoria é o aspecto jurídico, e a forma encontrada foi a ideia de Con-
trato. Como é própria da concepção jurídica de contrato, é preciso determinar um
objeto que determine a natureza jurídica deste contrato, sendo assim, o objeto é a
segurança e/ou a propriedade, dependendo do autor e da característica política de
sua obra. De outro lado é preciso identificar quem deseja estabelecer este contrato,
que juridicamente só pode ser o homem. Um contrato implica necessariamente
no estabelecimento de obrigações entre as partes, caracterizando-se uma relação
de direitos e deveres entre as partes envolvidas, outra característica jurídica do
termo, é que o que move o contrato é a livre vontade entre as partes para o seu
estabelecimento. Portanto, de forma jurídica, não tem validade o contrato que
se estabelece contra a vontade das partes envolvidas, este tipo de situação pode
até acontecer, mas está no âmbito das relações jurídicas lícitas e ilícitas, mas não
pode ser caracterizado como um contrato.
Embora existam outros autores de menor expressão, o contratualismo clás-
sico se refere sempre aos filósofos Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques
Rousseau, mais modernamente temos Immanuel Kant, mas numa visão diferente
daquela fundada por Thomas Hobbes e mais modernamente, de forma mais
específica no início de 1970, a ideia de contrato defendida na obra Teoria da
Justiça por John Rawls, certamente uma das maiores expressões da filosofia do
direito contemporâneo.
Mas porque foi necessário tal artifício? Uma possível causa, observada na
obra de Thomas Hobbes, foi tentar romper com a tradição da medievalidade
onde a legitimidade do poder estava sob a égide da Igreja e buscar uma funda-
mentação humana para a ideia de poder e mesmo do direito, pois os três autores
estabelecem o direito, como um elemento necessário para a ideia de contrato.
Estão situados num período histórico onde a humanidade está de passagem da

59
UNIDADE 4

ideia de teocentrismo, aonde Deus é o centro do universo e de toda a existência


humana, para o chamado antropocentrismo, em outras palavras, o homem do-
tado de razão, passa a ser o centro do universo e o foco de todas as atenções, que,
aliás, será um dos fundamentos do iluminismo, ou, a idade das luzes, do qual
Jean-Jacques Rousseau vai ser um representante polêmico.
No entanto, surge um problema: aonde buscar um referencial para a legiti-
midade desta nova forma de poder? A tese da existência de um contrato permite
inferir que a sociedade é resultado de uma criação artificial, e não natural, con-
forme defende Aristóteles. E mais ainda, todo contrato necessita que as partes
tenham interesses no estabelecimento do mesmo, reforçando a ideia de uma
construção artificial, que visa a saciar desejos e interesses das partes envolvidas,
e não como algo natural à sua própria existência. Se para Aristóteles o homem é
um animal político e viver na pólis, ou seja, na cidade é algo que pertence à sua
própria natureza, pois o homem que não vive na pólis é uma besta ou um Deus e
os homens não podem ser, nem um, e nem o outro, e nem ser um animal político
se nela não viver. Os contratualistas defenderão a ideia de a vida em sociedade é
necessária porque ela supre parte dos interesses dos homens.
Mas recorrendo novamente à ideia jurídica de contrato, esta admite neces-
sariamente a existência de dois momentos, que se adaptados a esta nova visão
política sobre a natureza humana e sua relação com a vida em sociedade, se
caracteriza pelo momento anterior ao contrato, aonde o homem vive de forma
caótica e sem a existência de um poder definido, capaz de governar a todos; e o
momento posterior, quando da adesão do contrato, que garante ao homem uma
condição de estabilidade de toda a ordem, com um poder definido e limitado
não mais pela simples vontade e/ou paixão do governante, mas sim pelos direitos
e deveres estabelecidos pela lei. Não se trata mais de uma questão de crença nas
forças invisíveis, mas sim da crença da força de lei dos homens, que realiza as
suas punições ainda nesta vida. Outro aspecto a ser abordado é que um contrato
implica necessariamente na transferência de um algo e a finalidade deste é que
ambas as partes saiam satisfeitas, pois assim o estabeleceram de livre e espontânea
vontade.
Para Maria Isabel Limongi, “o decisivo modo contratualista de pensar o fun-
do jurídico da política é a ideia de que a estrutura jurídica do corpo político lhe
é coextensiva, isto é, que o corpo político reside precisamente no conjunto das
relações de direito e deveres estabelecidos pelo contrato”. Na realidade o que se

60
UNICESUMAR

procura é reconhecer uma relação intrínseca entre o direito e a política, e não


mais como relações separadas, principalmente com a interferência de uma ma-
triz de ordem metafísica. É o pensar o direito e a política como uma criação dos
homens, como forma de gerenciar as suas vidas em sociedade, não mais com a
percepção de forças que estão fora da compreensão de sua natureza, mas que se
pautam de forma objetiva e acessível a qualquer homem. Não é mais preciso ter fé.
É uma coexistência: o direito dá a legitimidade à política e a política reco-
nhece o direito como instrumento para estabelecer os limites necessários à so-
ciedade. Ainda que às vezes possa ser uma relação bastante conflituosa, como
bem o demonstra nossa realidade política, nas relações entre Poder Legislativo,
Executivo e Judiciário, nenhum dos poderes admite a possibilidade da supressão
do outro, mas desejam apenas concessões que satisfaçam a interesses, nem sempre
de ordem pública.
Independente do autor e das vertentes utilizadas pelos menos na construção
de sua teoria contratualista existe um ponto que é comum a todos, a de que o
contrato tem a finalidade de fundar um corpo político, e a palavra chave é a
busca do “justo”, nem sempre do justo ideal, mas as vezes do justo possível, dado
as contingências que cercam o Estado e por conseqüência a própria sociedade.
Estabelecido o contrato, passando do estado de natureza, que era o estado
anterior ao contrato, para o do governo civil, do Estado política e juridicamente
organizado, tem que se ponderar de que Se o Estado é uma criação artificial foi o
consentimento dos homens quem concedeu a ele a autoridade necessária, agora
restam as pessoas obedecê-lo.
Segundo Bird na sua obra Filosofia Política, ao aderir ao contrato os ho-
mens, “eles participam de uma transação na qual trocam certos direitos naturais
que possuem originalmente no estado de natureza”, por direitos resultantes da
expressão de sua racionalidade. É produto de suas próprias necessidades e os
demais animais não tiveram esta possibilidade, e este é um dos fatores que não
os permitiram estabelecerem uma vida em sociedade.
A ideia de contrato faz com que o direito possa ser compreendido através
de dois momentos distintos, a saber: antes, na medievalidade, o direito natural,
divino, de matriz metafísica; e depois, o direito estabelecido por convenção legal
e necessariamente positivado, constituído a partir de uma autoridade com legi-
timidade e legalidade para tal.
Diante deste cenário histórico, o direito, nas suas três vertentes se apresenta

61
UNIDADE 4

de forma antagônica, pois, o direito divino nos remete a uma relação metafísica
é preciso ter “fé” e esta relação de fé não pode ser direta com Deus, mas precisa de
um intermediário, que é a Igreja, dirigida por um homem, com todas as limitações
de um homem comum, de outro lado, o direito natural que é resultado de uma
relação intrínseca com a própria natureza humana, todos o têm, independente
de sua existência política, o próprio Tomas de Aquino reconhece que Deus dotou
o homem de razão, para que, entre outras coisas, pudesse conhecer o direito na-
tural, e finalmente, o direito convencional legal que é resultado de uma vontade
racional, que se sustenta sobre a existência de um ente abstrato chamado Estado.
É sobre esta perspectiva do Estado, inicialmente levantada pelos contratualis-
tas, que a própria concepção de liberdade sofrerá mudanças, pois conforme nos
ensina Ruby (1998), “a sociedade política não deve resultar de um simples jogo
de forças, mas no engajamento de cada um num estado civil produzido por esse
engajamento. A liberdade efetiva apóia-se sobre um sistema de direito garantido
pelo Estado e cujo ponto focal é o cidadão”.

Thomas hobbes (1588-1679)

O pensamento político de Hobbes tem influência direta no período histórico


em que está sendo construído, caracterizando-se como um pensamento teológi-
co-político, pois quer se libertar da vertente teológica que é própria do período
da medievalidade, mas não pode, ou não quer fazer com que este rompimento
seja brusco, como o fez Maquiavel. Mas são autores com perspectivas políticas
diferentes.
O que se observa na originalidade de seu pensamento teológico-político é
a quase constante necessidade de romper com a tradição política e humana de
Aristóteles, que chega a este período histórico através das obras de Tomas de
Aquino. A primeira provocação para este rompimento é a defesa de Aristóteles, e
depois retomada por Aquino, para quem o homem é um zoom politikón, ou seja,
uma animal político, e por ser político é também um animal que deseja viver em
sociedade, que se constitui no desenvolvimento do pensamento de Aquino. Para
Aristóteles e Aquino o homem precisa viver em sociedade porque está é a forma
de ele realizar a potencialidade de sua natureza humana, ainda que isto, no caso
de Aquino, esteja associado com a fé.

62
UNICESUMAR

No entanto, na visão de Hobbes o homem não é um animal político em fun-


ção de sua natureza, mas sim porque precisa da contribuição da comunidade
política para a defesa de seus interesses. Se o homem é um ser racional, nem
sempre estes atributos lhes parecem evidente, porque existem situações em que
as paixões e os sentimentos contrariam a sua natureza racional, e termina por
conduzi-lo ao posto da criatura mais perversa sobre a face da terra.
Como um bom contratualista e talvez o mais vigoroso de todos, para cons-
truir a sua teoria parte do pressuposto da existência de dois momentos distintos,
mas intimamente associados, que é o fato do homem inicialmente viver no Estado
de Natureza, estado este caracterizado pela predominância do direito natural,
direito este, que segundo Hobbes, permite tudo, e se permite tudo, não é direito.
É neste sentido que “O Leviatã (publicado em 1651) expõe uma concepção do
estado de natureza como um estado de guerra” (Ruby, 1998, p. 78).
Para Hobbes o homem é um ser calculista, que mede as suas ações através
da possibilidade da satisfação de seus interesses, e este será um dos argumentos
para refutar a teoria aristotélica de a cidade é natural, algo intrínseco à própria
necessidade da natureza humana, pois na sua visão “o cálculo dos interesses e
o desejo da paz, impõe a exigência de um vínculo social estável, que garanta a
conservação da vida de cada um s longo termo: o medo da morte desencadeia o
imperativo de se dedicar à arte da segurança civil” (Ruby, 1998, p. 79). É o medo
da morte e a necessidade de proteger seus interesses que leva o homem a procurar
sair do Estado de Natureza e constituir uma vida em sociedade, aonde a segurança
possa ser garantida por alguém, com poder maior do que aquele concedido a um
único homem, ou a um bando desorganizado de homens.
Neste sentido, a cidade não nasce de forma natural, mas será resultado da
escolha entre os homens, que cansados da instabilidade e da solidão da vida no
Estado de Natureza, onde os seus interesses estão sempre a mercê de forças que
podem fugir ao seu controle, resolvem constituir uma cidade, melhor dizendo,
uma cidade aonde o poder será exercido por um governo.
No entanto, Hobbes terá primeiro que enfrentar um problema, a descons-
trução do direito natural, para depois afirmar a necessidade do direito positivo,
como forma de conduzir e ao mesmo tempo, conter a maldade dos homens. A
ideia central do seu pensamento, conforme nos ensina Ruby é a de que os homens
chegam a conclusão da necessidade de estabelecer entre si “um pacto inicial pelo
qual os homens renunciam ao estado de natureza, a um direito natureza que não

63
UNIDADE 4

seria garantido coletivamente, em benefício de um Estado político regido por lei


que garantem, dessa vez igualmente para todos, esse direito natural transmutado
em direito civil” (1998, p. 78).
É possível que alguém indague que no Estado de Natureza os homens são
iguais, pois o direito natural iguala a todos, posição que Hobbes discorda, no es-
tado de natureza os homens são iguais, não no sentido absoluto, mas no sentido
relativo, pois o que “falta a alguns em termos de força física pode ser compensado
pela astúcia, e em último caso os fracos poderão unir-se para vencer os fracos”
(Adams e Dyson, 2006, p. 49). É um estado de instabilidade, de insegurança, que
precisa de um arranjo de forças constante e sempre precário e sempre duvidoso,
pois falta aos homens um poder externo e independente, capaz de impor aos
mesmos, a necessidade do cumprimento de seus contratos e do estabelecimento
de regras comuns para ordenar as suas vidas.
No estado de natureza é natural que as pessoas busquem “maximizar o prazer,
evitar o sofrimento e afastar da morte”, o problema é com relação aos indisciplina-
dos, que colocam todo o equilíbrio em risco. Mas cada um o faz de acordo com os
seus interesses que são únicos e entendem ser este um direito natural. No estado
de natureza não temos segurança e nem a certeza de que não seremos atacados. E
se o formos, quem intervirá em nosso nome? Quem fará o outro devolver aquilo
que nos pertence? Fica evidente a visão pessimista que Hobbes tem da natureza
humana, pois, “na versão de Hobbes, os seres humanos antes do Pacto viviam
uma vida curta, sórdida e brutal em um estado de natureza onde a quase única
certeza era a de uma morte violenta” (Brito, 2012, p. 121). É a condição aonde o
homem é lobo do próprio homem, pois a única forma de sobreviver é agindo
com violência e repúdio à convivência em grupo social.
Pode-se alegar que o direito de natureza nos ensina que somente podemos
nos apossar daquilo que realmente nos pertence, mas segundo Hobbes, as leis
naturais não são leis propriamente ditas, pois a sua existência e obediência fica
restrita à própria vontade do agente, sendo assim, elas não obrigam ninguém a
obedecê-las, e desta forma, aquele que abusa deste direito que não alguém capaz
de puni-lo no devido tempo. Questiona-se como ficaria o sentimento de justiça e
injustiça, de moralidade e imoralidade, de ética, no entanto, estas questões só po-
derão ser conhecidas pelos homens, quando estes passarem a viver em sociedade,
pois serão os parâmetros estabelecidos pelas leis criadas pelo soberano absoluto.
O que Hobbes procura construir no estado de natureza, diferente de seus

64
UNICESUMAR

sucessores, como por exemplo, John Locke e Jean-Jacques Rousseau é a total


precariedade do estado de natureza, pois neste estado os homens, no intuito de
se preservar, devem agir com violência, porque os homens não conhecem limites
para suas ações e o medo é seu companheiro constante. Este tipo de conduta ex-
trapola a própria existência da maldade na natureza humana, pois se trata de uma
condição de sobrevivência. Não podemos nos esquecer que, quando da Primeira
Guerra Mundial a imprensa chega ao campo de batalha, com revelação de fotos
mostrando o horror das batalhas, a humanidade fica escandalizada, com algo
que já tinha se transformado em cenas normais na vida de um soldado daquela
guerra. As atrocidades era a forma de se manter vivo. Por mais absurdo que possa
parecer, ou será, que os americanos não tinham um mínimo de noção do poder
de destruição das bombas de Hiroshima e Nakasaki?
Cansados da instabilidade oriunda do Estado de Natureza, das limitações
dos homens em defender os seus interesses, é que estes se reunião e procurarão
assinar um contrato de sujeição, ou seja, aonde os direitos e deveres deverão ser
inicialmente iguais para todos. Aonde todos se sujeitem a observar e acatar as leis.
É na obra O Leviatã que Hobbes irá desenvolver a sua teoria contratualista,
quando assim expressa inicialmente a construção de sua teoria, “autorizo este
homem ou esta assembleia, e cedo-lhe meu direito de governar a mim mesmo,
com a condição que tu lhe cedas teu direito e que autorize todas as suas ações
da mesma maneira”. A autorização para que “este homem ou esta assembleia” go-
verne os homens, será simbolizado pela figura do Soberano Absoluto na obra de
Hobbes. Fica claro que a adesão ao contrato deve ser de todos. E depois ninguém
mais pode renunciar ao contrato, pois seria necessária novamente a presença
de todos os titulares do contrato, o que pode não ser mais possível. O contrato
hobessiano não permite a repactuação dos termos do contrato, pois não pode
existir o retorno ao Estado de Natureza. É uma questão polêmica em Hobbes,
mas constitui-se no núcleo de sua teoria a necessária estabilidade do contrato.
No entanto, não é possível viver em uma comunidade, numa sociedade de
homens que extrapolem a simples condição de homens reunidos, senão, com a
intenção de ir além desta condição, constituindo um poder que seja capaz de
fazer com que os homens cumpram o que fora pactuado quando do contrato, e
depois, no decorrer de suas vidas, os faça também, cumprir os demais contratos
estabelecidos de forma normal, na vida em sociedade.
Se foi o medo do estado de natureza, também chamado de medo mútuo,

65
UNIDADE 4

quem impulsionou os homens a constituir o Estado, a vida civil organizada jurí-


dica e politicamente, é preciso que este permaneça, mas não mais em relação aos
demais homens, mas ao poder que o Soberano tem de fazer com que todos os
homens cumpram as leis estabelecidas quando do estabelecimento do contrato.
Com a criação do contrato, instrumento pelo qual os homens saem do estado
de natureza para viver sob a tutela de um governo civil, com fundamento nas leis
criadas pelo soberano absoluto, os homens concordam com a prerrogativa que
este tem de punir os infratores. As leis de natureza não deixam de existir, mas
agora a sua transgressão passa a ser punida, por uma lei civil que é do conheci-
mento de todos e não mais depende da vontade do agente. Uma lei civil que se
aplica tanto sobre o forte, quanto ao fraco, e que será exercida por alguém a quem
os homens, por vontade própria, ainda que fundada na necessidade, transferiram
ao soberano, aquele que deve tutelar as suas vidas, garantindo a sua segurança e
estabelecendo regras claras e iguais para todos.
Não resta dúvida que os homens saem estado de natureza, não pela bondade
de suas almas, e tão pouco com fundamento na necessidade de viver uma vida
virtuosa, mas sim pelo medo, e ao procederem desta forma, também cumprem
uma lei que consta do direito natural, ou seja, ou de autopreservação, portanto,
não abandonou o direito natural, apenas positivou aqueles direitos que os homens
de uma forma geral reconhecem como existentes. É muito mais racional procurar
por meios externos e imparciais procurar garantir um direito natural, do que dei-
xar que este direito prevaleça no campo da boa vontade e disposição do agente,
uma vez que, para Hobbes e de certa forma para Maquiavel também, a natureza
humana é instável e insegura. Para uma melhor compreensão desta questão, é
preciso ressaltar que “quando Hobbes insiste que as leis naturais só obrigam in
foro interno, na interioridade, quer dizer que qualquer um pode transgredi-las
ou recusá-las sem medo de ser, por isso, sancionado por um poder que ele deve
reconhecer como irresistível” (Piccinini, 2005, p. 129). Problema semelhante será
levantado por John Locke na obra Dois Tratados Sobre o Governo, mesmo em
Jean-Jacques Rousseau, ainda que este o faça de forma romântica, portanto, “a
moral das leis naturais é uma moral para tempos de paz” (Piccinini, 2005, p. 129),
o que caracteriza que o pensamento de Hobbes não refuta de forma absoluta a
ideia de um direito natural, apenas aponta problemas relacionados às condições
em que os homens possam se encontrar, de forma que os impeça, ou ao menos,
imponha limites para projetar as suas ações acreditando na pureza e singeleza

66
UNICESUMAR

dos atos de outros homens.


Uma questão possível de ser levantada é aquela que afirma não ser perigo-
so transferir ao soberano absoluto todos os poderes, pois isso facilitaria tam-
bém, que o mesmo cometesse injustiças. Primeiro que o soberano absoluto não
é qualquer homem, ou assembleia de homens, mas somente os melhores, além
do que, conforme defende Hobbes na obra De Cives, ou Do Cidadão o conceito
de justiça/injustiça não se situa no direito de natureza, pois é resultado de uma
criação humana: “antes que houvesse governo, não havia justo ou injusto, cujas
naturezas sempre se referem a alguma ordem. Toda ação em sua natureza é in-
diferente, depende do direito do magistrado tornar-se justa ou injusta”. Portanto,
deixa claro que o conceito de justo e injusto se constrói a partir das leis criadas
pelo soberano, sendo assim, quem as obedece é um homem justo, caso contrário,
é considerado um homem injusto.
Se Hobbes quer romper com a ideia de que o conceito de justiça está asso-
ciado com uma concepção teológica, como o fora durante toda a medievalidade,
precisa indicar a partir de quando surge este conceito e se ele é realmente ne-
cessário. Não poderia advir como reminiscência do estado de natureza, porque
assim, haveria a possibilidade de que pudesse existir um cadinho de bondade
nos homens, sendo assim, não reconhece a sua existência no estado anterior, e de
forma enfática, garante que somente as decisões tomadas pelo soberano absoluto
poderão ser consideradas justas. Uma das razões para esta defesa é a de que, o
soberano passa a ser o juiz de todos os conflitos resultantes da vida em sociedade,
retirando dos homens a possibilidade de decidi-los pela sua própria razão ou
irracionalidade, sendo assim, o conceito de justo e injusto passa a ser definidos
pelos seus atos, resultantes de seu julgamento, e não podem ser considerados
como injustos. Não podemos nos esquecer de que esta via de pensamento vai
influenciar profundamente o positivismo jurídico, pois não temos um ditado
popular de que, decisão judicial não se questiona, se cumpre. Na se trata de ser
justa ou injusta, porque ela simplesmente se fundamenta na lei?
No entanto, mesmo em Hobbes não é possível refutar que a lei natural não
possa influenciar os homens, e mesmo, lhes fornecer o indicativo de um hori-
zonte mais seguro, porque de forma geral, é possível admitir que a lei de natureza
diz que o homem deve utilizar todos os meios necessários à sua conservação, e
como conseqüência desta determinação natural, deve buscar a paz, pois esta é a
que lhe garante as melhores condições. Ainda que nem todos os homens possam

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UNIDADE 4

perceber as sutilezas existentes nesta lei, porque até o mais tosco dos homens,
deseja ter momentos de paz, de tranquilidade, com a finalidade de descansar e
repor suas energias. O homem não é um animal criado para ter períodos longos
e intensos de atividade, mas sim, talvez o animal que mais tempo precisa para
repor as energias que gasta durante o seu tempo de atividade.
Se os homens, de comum acordo, transferem ao soberanos os seus direitos,
com a finalidade de que este protegesse e garantisse os seus direitos, ainda que
para tal ocorrer seja necessário o estabelecimento de outros direitos e deveres,
também deve reconhecer que este, a saber, o soberano, deverá ter também, com
fundamento na lei, o poder de julgar os atos cometidos pelos homens que entrem
em conflito com a lei, neste sentido, a finalidade do juiz é julgar e designar a pu-
nição de todos os homens que, se afastando da razão, coloca em risco a continui-
dade da existência do contrato. Em Hobbes, como também em outros filósofos,
a lei é uma criação da razão, um produto resultante da necessidade dos homens,
estabelecerem com fundamento na razão, leis capazes de conter os excessos que
colocam em risco a própria continuidade da liberdade, por mais precária que está
seja, e tratando o assunto com a visão positivista. Esta necessidade não é diferente
em Hobbes, pois se os homens estabeleceram um contrato, certamente, o mínimo
que se espera é que razão reconheça a necessidade de cumprir este contrato.
A lei em Hobbes é uma das condições para o estabelecimento do governo
civil e para a existência necessária do soberano. A construção da lei não pode
depender da vontade dos participantes do contrato, porque as suas vontades e
necessidades são contraditórias, como o eram no estado de natureza, ou seja, cada
um desejava fazer o que lhe era estritamente de seu interesse, contudo, o soberano
é alguém responsável pela segurança e estabilidade de todos, portanto, precisa de
liberdade para criar as leis que possam garantir esta segurança. No entanto, o que
caracteriza o homem hobesiano é que a maldade não estava presente somente
no estado de natureza, mas é característica de sua própria natureza, pois a sim-
ples existência do contrato, não pode ser considerada e nem comparada como
uma figura messiânica para a solução deste problema. Este tipo de consideração
contribui ainda mais, para a existência da lei. Ela é necessária e imprescindível,
como instrumento capaz de conter esta maldade, mas para tanto, é preciso que a
punição pela desobediência à lei seja tão dura, a ponto de desestimular os homens
a enfrentá-la em outra situação e também, de servir de exemplo aos demais.
Dentro desta perspectiva, a lei, em Hobbes, deve ter uma punição proporcio-

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UNICESUMAR

nal ao ato cometido, porque “é dado que o objetivo da punição não é a vingança
nem dar largas à cólera, mas sim a correção do ofensor, ou de outros, através dos
exemplos, as mais severas punições devem ser infligidas àqueles crimes que são de
maior perigo para as coisas públicas” (Hobbes, 1979, p. 207). O homem não muda
as suas paixões e sentimentos, simplesmente porque agora vivem em sociedade,
estas inconstâncias e incertezas sobre o seu caráter, continuarão existindo, no
entanto, quando sob o poder das leis civis, no território governado pelo soberano,
o senhor absoluto e com capacidade para coordenar a vida em sociedade, surge
um instrumento que é a lei, desta forma, para Hobbes, é a força externa lei quem
será capaz de reconduzir os homens a racionalidade. Mas os homens não irão
obedecer às leis porque elas são simplesmente boas, mas sim porque temem o
poder da espada agindo sobre suas cabeças, quando ousarem enfrentar a lei. Não
é sem propósito que a figura que estampa a abertura da obra O Leviatã, entre
outros símbolos, apresenta-se o soberano com a espada na mão direita, pois não
é o texto da lei quem convence os homens, mas o fio da lâmina da espada, que
não pode entrar em ação, a não ser a mando da própria lei.
Para Hobbes, o juiz, que não é o soberano absoluto, mas um funcionário a
quem este delega temporariamente o exercício do poder, com fundamento na lei
criada por ele, pode vir a falhar, a errar, e mesmo cometer injustiça por descuido
de sua ação, no entanto, a sua autoridade não está sujeita a este tipo de situação.
A sua autoridade é infalível. A sua autoridade é inquestionável. É insubstituível.
Mas e quanto ao conceito de justiça? Hobbes nos ensina através da obra O
Leviatã, que no estado de natureza, o estado em que o homem se encontra numa
condição caótica, estado de insegurança e de instabilidade, não lhe permitia mi-
nimamente ter a ideia de justiça ou injustiça, sendo assim, quando avançam e pas-
sam a viver sob a proteção do soberano, são as leis civis instituídas pelo mesmo,
que estabelecem o parâmetro de justiça. Portanto, não faz sentido a preocupação
dos homens se o soberano será justo ou injusto, pois ainda nem experimentar
esta possibilidade, pois o estado de natureza hobesiano, é o estado onde todas
as finalidades de nossas ações estão associadas diretamente com a condição de
autopreservação.
Perspectiva semelhante nos apresenta Mascaro, quando nos ensina que “no
esquema hobesiano, a justiça e a injustiça se levantam a partir do Estado, da de-
terminação do soberano. Sua autoridade é a justiça, e justo ao súdito é se submeter
às leis civis, e não às leis naturais” (2012, p. 170). O termo súdito aqui se adequa

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UNIDADE 4

à condição em que o homem se encontra depois da adesão ao contrato, e não


mais, o homem individual. Súdito, porque, juntamente com os demais, aderiu
ao contrato e renunciou a algumas de suas liberdades, em troca da segurança e
estabilidade da vida sob a égide das leis civis.
Que as leis tenham importância no pensamento de Hobbes não é novidade,
mas inicialmente ele não se refere a qualquer, mas a um tipo especial de lei, por-
que, “entendo por lei civis aquelas leis que os homens são obrigados a respeitar,
não por serem membros deste ou daquele Estado em particular, mas por serem
membros de um Estado” (Hobbes, 1979, p. 161). Membros de um Estado que não
se compara a nenhuma concepção particular de Estado, porque é resultado da
adesão de todos, e não alguns homens e de outros não. De um Estado que tem
um governo, um soberano com a responsabilidade de governar os homens e lhes
oferecer segurança, estabilidade e preservar os seus interesses.
Conforme é possível inferir, e de forma evidente, existe uma preocupação de
Hobbes e especificar a que lei ele refere, principalmente, quando afirma que “a lei
civil é, para todo súdito, constituída por aquelas regras que o Estado lhe impõe,
oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade, para usar
como critério de distinção entre o bem e o mal; isto é, do que é contrário ou não
é contrário à regra” (Hobbes, 1979, p. 161). Contudo, esta lei não tem como fonte
uma pessoa comum, mas sim a persona civitatis, que nada mais é, do que a pessoa
do Estado, deixando bem claro, que não se trata de uma lei natural, que é de for-
ma geral um produto da razão, ou ainda, de ordem metafísica, e tão pouco, uma
lei que tem sua origem na vontade de um líder religioso qualquer. Reforçando a
sua linha de raciocínio é preciso complementar que uma lei “não é uma ordem
dada por qualquer um a qualquer um, pois é dada por quem se dirige a alguém
já anteriormente obrigado a obedecer” (Hobbes, 1979, p. 161). Mas obrigado a
obedecer com fundamento em que ato jurídico? Foi o contrato que os homens
estabeleceram com o soberano, que os colocou na condição de súditos, de quem
reconhece que a obediência às leis é forma que ele tem de cumprir aquilo que
ele pactuou.
O que representa a persona civitatis no pensamento político desenvolvido
por Hobbes? É o ente jurídico chamado Estado, que “é uma pessoa de cujos atos
uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi insti-
tuída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos
de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa

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UNICESUMAR

comum” (Hobbes, 1979, p. 106). É um ente abstrato, que existe, mas não tem
vida própria, portanto, precisa de um corpo para lhe representar, sendo assim,
“àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui
poder soberano. Todos os restantes são súditos” (Hobbes, 1979, p. 106). Poder
soberano porque todos os demais poderes existentes a ele estão submissos, pois
uma das características do pensamento político de Hobbes é o de não admitir
a possibilidade de compartilhamento de poder, principalmente entre o poder
temporal e o espiritual.
Hobbes era contrário à divisão do poder. Afirmava que dividir o poder seria
o mesmo que dissolvê-lo, sendo assim, só deveria existir um poder sob a face da
terra, que é o pode temporal, depositado na figura do soberano que é absoluto
porque dele surge todas as leis, como conseqüência, “o soberano está acima das
leis, já que ele as estabelece e não é por elas limitado, pois ele pode livrar-se delas
graças a outras leis. O soberano está acima da justiça, já que é ele que define o
que é justo e o que é injusto; tudo que ele pronuncia e executa é justo a partir do
momento em que seus atos são soberanos” (Polin, 2003, p. 120-121).
O poder soberano tem para si prerrogativas sem as quais não poderia exercer
o seu poder com soberania, como resultado desta construção teórica, nos ensina
Hobbes que “pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras através das
quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar, e quais as ações
que pode praticar, sem ser molestado por qualquer de seus concidadãos: é a isto
que os homens chamam propriedade” (1979, p. 110). Portanto, o soberano não
governa de acordo com as suas paixões, vontades e sentimentos, mas o faz com
fulcro na lei, que embora tenha sido criada por ele, é necessariamente um pro-
duto da razão, e necessariamente, deve sempre buscar estabelecer uma condição
melhor aos homens. O soberano não fez um pacto com os homens em particular,
mas sim, foi a multidão quem fez um pacto com o soberano, com a intenção de
que este procurasse a paz e a segurança de todos. E mais, não é a figura privada,
particular do soberano que é absoluto, mas sim o Estado, este é absoluto porque
é sob a sua responsabilidade que os homens depositaram a esperança de paz e
segurança.
O soberano, enquanto soberano, não é um homem comum, mas um homem
singular, para o qual os homens, ao aderir ao pacto, transferiram ao mesmo os
seus direitos, com a finalidade de terem em troca, segurança, paz e ampliar a sua
própria autoproteçao. O soberano representa a soma dos desejos de todos os

71
UNIDADE 4

homens que aderiram ao pacto, portanto,“o agir comandado (ou concedido) pelo
representante é o mesmo agir do súdito, transformado na dimensão comum da
representação” (Piccinini, 2005, p. 135). É o mesmo caso de alguém que, através
de uma procuração, representa o seu titular, como se ele ali o tivesse, portan-
to, que aceita e reconhece a procuração, com amparo na lei, aceita e reconhece
que ali, através de seu representante, é como se o próprio titular ali estivesse em
pessoa. O soberano não se encontra nesta condição, simplesmente porque quer,
ou a escolher, mas como resultado da vontade e escolha dos homens, que não
fizeram uma simples concessão, mas uma transferência de seus direitos a quem
teria capacidade de governá-los.
O soberano absoluto, como o próprio adjetivo significa, tudo pode no exer-
cício do poder temporal, e assim deve fazer, pois é para esta função que ele surge
como um Leviatã, na condição de quem exerce a potestas, o poder temporal sobre
todos os homens, em contraposição à quem exerce a auctoritas, o poder espiritual,
mas que a partir da ideia de contrato, não mais o fará de forma absoluta, como o
fora durante a medievalidade. O fato do soberano absoluto deter tanto poder, não
se traduz num problema para Hobbes e nem mesmo, pelo menos no contexto de
sua obra, lhe parece causar qualquer embaraço, nos parece que “Hobbes está tão
consciente do caráter exorbitante dessas disposições que ele faz notar que, por
mais repressivo que seja, o poder soberano é menos prejudicial do que a ausência
de um tal poder” (Châtelet, 2009, p. 49).
A figura do Estado é fundamental para compreender a teoria hobesiana, na
realidade, o soberano é apenas um ser mortal que serve de motor para a própria
existência do Estado, e a paz, a segurança almejada, é resultante do cálculo dos
interesses, através da razão, portanto, “tal esforço de paz consolida-se no Estado,
esse soberano instituído, cujo papel consiste em proteger cada um, privando a
todos (daí seu nome, Leviatã, réplica do monstro bíblico, sob a forma de um
animal artificial), que submete cada um a concessões recíprocas, que realiza a
paz alienando cada direito natural ao singular” (Ruby, 1998, p. 79). Soberano
instituído porque existem outras formas de soberania, como por exemplo, aque-
las que são herdadas, mas não é este o campo de análise, e tão pouco a forma de
soberania que irá fundar o contrato de Hobbes, o que lhes interessa é a soberania
oriunda da escolha dos homens, pois a ideia de contrato parte necessariamente da
condição que os homens são livres para estabelecer este tipo de relação jurídica.
Se na perspectiva de Hobbes a natureza humana é sempre um problema a

72
UNICESUMAR

ser enfrentado, independente das circunstâncias em que este se encontra, tam-


bém não lhe nega a possibilidade, com fundamento no direito de natureza, da
necessidade de buscar a paz, mas a busca desta, nem sempre é, e nunca será uma
busca fácil, que se conquiste sem esforços, sem sacrifício, neste sentido, Maquiavel
já tinha feito observações sobre este aspecto, sendo assim, “a construção da paz
requer, portanto, que os homens submetam as suas vontades e decisões à vontade
e decisão do representante, transferindo a ele o direito de promulgar as leis (que
passarão a constituir o critério de distinção entre o bem e o mal) e a força para
punir os infratores” (Frateschi, 2008, p.307).
A lei de natureza é refutada por Hobbes, enquanto aquela que cada homem
pense que pode fazer, tudo o que quiser, seja para destruir a si mesmo, ou para
destruir o próximo, porque em via de regra, os homens pensam muito mais nos
seus desejos e interesses imediatos, e muito raramente no futuro. No entanto,
admite a que a lei de natureza possa contribuir inclusive, para que o juiz realize
o seu julgamento, quando se interpreta a mesma a partir de outra perspectiva, a
de que ela é “um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual
se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-los dos
meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contribuir
melhor para preservá-la” (Hobbes, 1979, p. 78). É inegável, principalmente através
da razão, que a melhor forma de preservar a vida é através da paz, e todo homem
deve lutar para atingir este objetivo, ainda que tenha que renunciar a algum di-
reito, mas que o faça somente na medida em que o outro também venha a agir
da mesma maneira, mas pode ser o caso, de que o outro se recuse a fazer, sendo
assim, não podendo viver em paz, que o homem tire o melhor proveito do estado
de guerra (Hobbes, 1979, p. 78).
Quanto à autopreservação, como uma das molas propulsoras que impulsio-
nará o homem a sair do estado de natureza, procurando viver em paz, no entanto,
“o direito à autodefesa não quer dizer, no pensamento de Hobbes, que o soberano
não tenha o poder de determinar a execução do cidadão. O soberano é absoluto,
e seu poder não se contesta, em nenhuma decisão. Mas o indivíduo tem o direi-
to de preservar a própria vida, sabendo dos riscos que corre nesta empreitada”
(Mascaro, 2012, p. 171). Quando o soberano determina a execução de um súdito,
não o faz por vontade de sua individualidade, mas sim com fundamento na lei,
como forma de cumprir o pacto que fez com os seus súditos, que é o de garantir
e preservar a segurança, a paz, a propriedade. Outro aspecto é que certamente, o

73
UNIDADE 4

crime cometido pelo súdito é de tal risco à preservação do contrato, que a única
medida que resta ao soberano é esta medida extrema, mas com fundamento na
racionalidade que elaborou a lei, que permite ao soberano tomar tal decisão. Ele
o faz não porque quer, mas porque tem poder, legitimidade e legalidade para tal.
Uma questão normalmente levantada é: porque o soberano agiria com tanta
justiça, com uma conduta irreparável, se ele também é um homem, um ser huma-
no comum, que poderá cometer os mesmo erros de outros homens? É Frateschi
que nos oferece e desenvolve uma linha de raciocínio para esta resposta, porque
“a aposta que os homens fazem ao dar poder absoluto ao Estado não é infundada:
espera-se que o soberano, desejando manter a sua vida, a sua força e a sua glória,
vá zelar pela segurança de seus súditos” (2008, p. 319). O homem também tem e
deve proteger a sua vida, e assim como os demais homens, deseja e quer o poder,
mas sabe que agora, no Estado, o poder lhe fora concedido, para que em troca
oferecesse aos homens segurança, paz e a preservação de seus interesses.
Mas ele também tem os seus interesses, pois “como todos os homens, ele
é guiado pelo princípio do benefício próprio, e a sua permanência no poder é
mais facilmente garantida se houver paz. Conta-se, portanto, que ele aja para
manter a paz e a segurança dos súditos e não para promover o seu prejuízo e a
sua morte” (Frateschi, 2008, p. 319). Neste sentido, quanto mais preservados e
prósperos forem os interesses dos seus súditos, mas garantido está o seu poder e
a permanência no mesmo, sendo assim, “espera-se, enfim, que ele seja racional e
governe de acordo com as leis da razão, pois essa conduta garantirá a manutenção
da paz e, por conseguinte, a manutenção de seu poder” (Frateschi, 2008, p. 319).
Mesmo com a figura do soberano, Hobbes procura identificar e nos apresentar
que também nele se manifesta as mesmas características do homem comum, a
de que cada um procura garantir e preservar os seus interesses.
Existe um limite para a lealdade e obediência dos súditos ao soberano? A re-
lação entre os súditos e o soberano é sempre de reciprocidade dos interesses, pois
o súdito não admira o soberano por questões de ordem subjetiva ou metafísica,
mas sim em função dos resultados satisfatórios que o soberano traz aos interes-
ses de cada um. O homem hobesiano é calculista e não romântico, como o é de
Rousseau, ou ainda, um homem virtuoso de forma incondicional, como o é o de
Aristóteles. Sendo uma relação de reciprocidade de interesses,“os súditos perdem
a obrigação de obedecer àquele governante que foi derrotado por um invasor
inimigo” (Adams e Dyson, 2006, p. 53). A razão primeira é que o soberano não

74
UNICESUMAR

cumpriu a sua parte no contrato, que era o de oferecer segurança e paz, e depois,
“o soberano deixará de ser soberano, e os súditos terão pleno direito de transferir
sua lealdade para o conquistador, ou seja, para alguém mais apto a protegê-los do
que o soberano derrotado” (Adams e Dyson, 2006, p. 53).
Finalizando, o Estado em Hobbes não está associado com uma crença que se
situa fora da condição material deste mundo, daí, entre outras questões, Hobbes
ser chamado de materialista – o que ele nos apresenta, é que as relações humanas
são movidas pelo interesses, pelos cálculos que os homens fazem da relação cus-
to-benefício de suas ações. Dentro desta perspectiva, embora trave uma batalha
para a desconstrução da ideia de um poder espiritual concorrente com o poder
temporal do soberano, reconhece que o mesmo medo que os homens têm do
invisível, é o medo que os move também do estado de natureza para o governo
civil. É o mesmo medo que os leva a obedecer a lei criada pelo soberano, mas com
uma diferença: enquanto o medo do invisível não ocorre neste mundo material,
concreto, real, o medo das leis é real, concreto, pois o sofrimento resultante da
sanção prevista pelas mesmas, deve ser imediato.
O pensamento teológico-político de Hobbes, com a sua defesa na separação
do poder espiritual do temporal, com a prevalência deste último, contribuiu com
a “construção de um Estado neutro, acima de qualquer partido político ou seitas
religiosas, levou ao positivismo jurídico. No seu conceito de lei formal não impor-
ta o conteúdo, isto é, o valor da lei. Exige que a lei seja proveniente de autoridade
competente dotada de poder coercitivo” (Branco, 2009, p. 83). Perspectiva que
ajuda a recuperar do direito romano uma célebre frase: dura Lex, sed lex, tra-
duzindo: dura é a lei, mas é a lei. Uma vez que a lei exista e tem por fundamento
uma autoridade legítima e legal, só cabe aos homens obedecê-la. E também, é
possível inferir que “o direito, assim como a religião, não passa de um instrumento
a serviço de quem tem o poder fático de mando” (Branco, 2009, p. 83).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A separação de poderes entre a Igreja e o Estado foi fundamental para desvincular


a política de questões de ordem teológica, Thomas Hobbes tem uma contribuição
valiosa para a construção deste momento.

75
UNIDADE 4

Na sua visão pessimista sobre a natureza humana, Thomas Hobbes se aproxi-


ma das ideias de Maquiavel, mas envereda por outros caminhos para explicar a
necessidade da existência do Governo Civil e o vínculo real e contratual entre o
Soberano e o povo.

76
1. Explicar como as ideias contratualista tratam a questão do direito natural e direito
positivo.

2. Existe uma relação entre as ideias contratualista e as questões pertinentes à liber-


dade? Fundamentar sua resposta.

3. Explicar porque Thomas Hobbes recorre a figura bíblica do Leviatã para explicar a
existência do Estado.

4. É possível inferir que o Soberano Absoluto de Thomas Hobbes poderá ser deposto
pelo povo? Fundamentar sua resposta.

77
5
Os
contratualistas – II
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender e compreender como se constitui o contratualismo de


John Locke
• Aprender e compreender a ideia de liberdade e propriedade em
John Locke.
• Aprender e compreender o que é “poder político” em John Locke.
UNIDADE 5

Bryan Magee dá a John Locke o título de “O Supremo Liberal”, pois o seu


pensamento político se dá na defesa de um dos pressupostos mais fundamentais
do liberalismo clássico, que é a questão da liberdade e do direito de propriedade.
Para Brito, se existem dúvidas sobre o fato de alguns autores afirmarem ser Tho-
mas Hobbes um dos precursores do liberalismo, esta dúvida não paira sobre a
totalidade da obra de Locke, pois “os grandes temas do liberalismo, o respeito à
vida e à propriedade, a tolerância política e religiosa, a separação dos poderes do
Estado, são por ele apresentados e defendidos” (2012, p. 123).
Assim como Hobbes, Locke é também um contratualista, mas de uma ver-
tente diferente de seu conterrâneo e ao mesmo tempo, contemporâneo, pois não
nos apresenta uma visão tão pessimista e caótica sobre o homem, nem mesmo
no estado de natureza, momento que antecede à formação do contrato.
É sob esta perspectiva em defesa da propriedade privada, da liberdade e da
ideia de trabalho, que será desenvolvido este capítulo.

80
UNICESUMAR

John locke (1632-1704)

Bryan Magee dá a John Locke o título de “O Supremo Liberal”, pois o seu


pensamento político se dá na defesa de um dos pressupostos mais fundamentais
do liberalismo clássico, que é a questão da liberdade e do direito de propriedade.
Para Brito, se existem dúvidas sobre o fato de alguns autores afirmarem ser Tho-
mas Hobbes um dos precursores do liberalismo, esta dúvida não paira sobre a
totalidade da obra de Locke, pois “os grandes temas do liberalismo, o respeito à
vida e à propriedade, a tolerância política e religiosa, a separação dos poderes do
Estado, são por ele apresentados e defendidos” (2012, p. 123).
Assim como Hobbes, Locke é também um contratualista, mas de uma ver-
tente diferente de seu conterrâneo e ao mesmo tempo, contemporâneo, pois não
nos apresenta uma visão tão pessimista e caótica sobre o homem, nem mesmo
no estado de natureza, momento que antecede à formação do contrato.
Sendo um contratualista precisa definir que era este homem antes e depois do
contrato. Para Merlo, “o ponto de partida de Locke é a comunidade natural, isto é,
o conjunto de homens que vivem juntos conforme a razão, sem um superior na
Terra que possua autoridade para julgar entre eles” (2005, p. 157). Contrariando
a perspectiva adotada por Hobbes, Locke admite que mesmo no estado de natu-
reza, o homem vive segundo a razão e o problema se encontra inicialmente, na
ausência de uma autoridade reconhecida por todos, que possa julgar os conflitos
que naturalmente surgirá no seio desta sociedade. Não será necessariamente a
corrupção da natureza humana quem dará início a este possível conflito, mas
poderá ser também, as contingências da própria vida, como por exemplo, quando
o patriarca da família falecer, a quem caberá cada quinhão de seu patrimônio? Ou
ainda, o animal do vizinho, que foge do cercado e ataca a horta do vizinho, quanto
de indenização caberá ao dono da horta? Na visão de Locke, não é conveniente e
nem sábio que os homens julguem quando seus interesses estão em jogo, sendo
assim, é preciso procurar e encontrar alguém que seja neutro e imparcial, mas
que o faça com conhecimento de causa e não apenas para resolver uma situação
pontual. Que o faça com liberdade para exercer a sua função e não por obrigação
de ordem moral e social para atender ao pedido de dois amigos. Que o faça com
fundamento numa lei que se aplique a todos.
Assim o fez Hobbes, e também o fará Rousseau, a ideia de um “estado de na-
tureza” serve apenas como forma de criar as condições sociais necessárias para

81
UNIDADE 5

justificar a criação de uma ordem política, mas com fundamento jurídico.


Novamente, tomando Hobbes como referência, aonde nos parece que a ideia
de contrato é construída com o solapar dos instrumentos rudimentares e violen-
tos que produzem no homem uma falsa sensação de segurança momentânea, em
Locke esta construção se dá em dois momentos distintos, um de ordem social e
outro de ordem política e jurídica, sendo assim, “o Estado converte-se numa obra
política que resulta imediatamente de um primeiro contrato assinado entre os
homens que desejam preservar em comum o melhor de um estado de natureza
feliz” (Ruby, 1998, p. 80).
Não se trata de um rompimento propriamente dito, mas de uma passagem
de uma condição que lhes dava um determinado grau de felicidade, que precisa
ser preservado, para o de outra condição, aonde a liberdade e esta felicidade será
ampliada em função das novas garantias oferecidas pelo estabelecimento de um
poder político. Entretanto, “esse primeiro contrato – ou contrato social propria-
mente dito – constitui a sociedade civil, pois nele cada um deposita nas mãos da
comunidade (commonwealth, no sentido de res publica) os poderes que detém”
(Ruby, 1998, p. 80). Para Hobbes estes poderes seriam depositados nas mãos de
um homem, ou de uma assembléia de homens, em Locke o mesmo será depo-
sitado inicialmente nas mãos da comunidade, sendo, portanto, de forma direta,
uma responsabilidade de ordem coletiva. No entanto, o processo ainda não foi
concluído, porque “a comunidade não exerce ela mesma a função legislativa. É
por isso que é necessário um segundo contrato, o contrato de governo, pelo qual
a comunidade designa os homens que cumprirão essa função” (Ruby, 1998, p. 80).
Fica evidente em Locke que o poder é do povo e a ele sempre pertencerá, melhor
dizendo, o poder é da commonwealth, cabendo a um grupo de homens cum-
prirem a função de exercê-lo, para que o contrato político possa ser cumprido.
Diferente de Hobbes, não existe no contrato de Locke transferência de poder, mas
somente o consentimento para que através do poder político, os homens possam
se governar. Quem consente, o faz na condição de que temporariamente, não
deseja fazer ou agir por si próprio, mas o direito de consentir sempre permanece
no seu campo de poder.
Inicialmente Locke deixa claro qual é a sua concepção de poder, que não tem
a mesma motivação e objetivo, como por exemplo, no poder do magistrado sobre
o súdito, do pai sobre o filho, ou do pai sobre a mão, enfim nas diversas relações
sociais aonde necessariamente se estabelecem relações de poder. O seu objetivo

82
UNICESUMAR

é tratar do poder político “que é o direito de editar leis com pena de morte e,
conseqüentemente, todas as penas menores, com vistas a regular e a preservar
a propriedade, e de empregar a força do Estado na execução de leis e na defesa
da sociedade política contra os danos externos, observando tão-somente o bem
público” (Locke, 2001, p. 381). Explicita a necessidade de defesa da sociedade
política, que é o campo máximo da vida social de um homem, assim como, es-
tabelece que o ponto de chegada, para o qual toda a energia necessária deve ser
empregada é a ideia de bem público, ou bem comum, que já estava presente e
delineado em Aristóteles.
Diferente do pensamento de Hobbes, para Locke o estado de natureza é “um
estado de perfeita liberdade para regular suas ações e dispor de suas posses e pes-
soas do modo como julgarem acertado, dentro dos limites da lei da natureza, sem
pedir licença ou depender da vontade de qualquer outro homem” (Locke, 2001, p.
382). Perfeita liberdade porque existe somente a lei de natureza a regular as ações,
no entanto, esta não depende de um agente externo e tão somente, da vontade
do homem em obedecer aos seus ditames ou não, sem temer as conseqüências
por suas escolhas. No entanto, o próprio estado de natureza fornece aos homens
uma lei capaz de lhe apontar qual a decisão correta a ser tomada, que é a razão,
cuja lei “ensina a todos aqueles que a consultem que, sendo todos iguais e inde-
pendentes, ninguém deveria prejudicar a outrem em sua vida, saúde, liberdade
ou posses” (Locke, 2001, p. 384). No entanto, e até como forma de preservar a sua
preocupação com a liberdade, esta lei ensina a todas aqueles que a consultem,
o que abre a perspectiva que alguns homens poderão não realizar esta consulta,
portanto, não é uma lei que obrigue os homens, mas que é colocada à disposição
dos mesmos, o que abre a perspectiva para a possibilidade de existência de infra-
tores. Tal disposição de pensamento é coerente com a preocupação de Locke, um
ardoroso defensor da liberdade, que constitui um dos pilares para a fundação de
sua teoria, senão o principal deles.
Se o estado de natureza é o estado da mais perfeita liberdade, não quer dizer
que seja o estado aonde o homem seja o mais perfeito, portanto, diante da liber-
dade dos homens, em consultar o não o que a razão lhes aconselha a fazer, cada
um fica responsável se comportar como a lei de natureza determina, também
de julgar e executar a lei quando da transgressão desta lei contra a sua pessoa,
pois “no estado de natureza todos têm o poder executivo da lei da natureza, não
duvido que se objetará que não é razoável que os homens sejam juízes em causa

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UNIDADE 5

própria, que o amor-próprio os fará agir com parcialidade em favor de si mes-


mos e de seus amigos” (Locke, 2001, p. 391). É preciso ressaltar que Locke inicia
o Livro II, da obra Dois Tratados Sobre o Governo, citando a passagem bíblica
do mito adâmico, o que coloca os homens, na condição de seres imperfeitos, mas
também, como seres dotados de razão e liberdade para escolher entre o bem e o
mal, que aliás, é um preceito já incluso na lei de natureza, uma vez que, primeiro
deve procurar preservar a si mesmo e depois, “tanto quanto puder, preservar o
resto da humanidade” (Locke, 2001, p. 385).
É para resolver este tipo de problema, que encerra em si mesmo, o direito à
vida, à liberdade e à propriedade é será necessário o contrato, para instituir entre
os homens um governo capaz de julgar com imparcialidade os conflitos que
surgem das relações entre os homens, sendo assim, o próprio Locke afirma que
admite “sem hesitar que o governo civil é o remédio adequado para as inconve-
niências do estado de natureza, que certamente devem ser grandes quando aos
homens é facultado serem juízes em suas causas próprias, pois é fácil imaginar
que aquele que foi injusto a ponto de causar injúria a um irmão dificilmente será
justo o bastante para condenar a si mesmo como tal” (Locke, 2001, p. 391-392).
Em outras palavras, um único ato injusto cometido por um homem injusto, já
seria o suficiente para colocar em crise a ideia de que permanentemente, o estado
de natureza seja bom, a ponto de desprezar esta única injustiça. Neste sentido,
Martin Luther King irá dizer nos de 1960, que um único ato de injustiça cometido
contra um homem, deverá ser motivo de preocupação para todos. A injustiça não
é injustiça pela quantidade, mas simplesmente por ser injustiça.
Se a garantia do direito à vida já esta garantida, existe outro direito que é
fundante da teoria de Locke, que é a liberdade. A liberdade no estado de natureza
é a mais absoluta, e ao mesmo tempo, a mais insegura também, em função dos
mesmos problemas já apresentados quando da discussão do direito de autopre-
servação e da necessidade de um juiz para resolver os conflitos. Portanto, segundo
Locke, “a liberdade natural do homem consiste em estar livre de qualquer poder
superior na Terra e em não estar submetido à vontade ou à autoridade legislativa
do homem, mas ter por regra apenas a lei da natureza” (2001, p. 401). Tudo isso
seria perfeito e ideal, se todos os homens consultassem a razão e tomassem a
decisão segundo esta determinação, mas como são livres para tomar outra deci-
são e mesmo, em nem consultar a razão, pode haver casos em que os problemas
surgirão e não existirá uma terceira pessoa neutra, imparcial e com poder de

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UNICESUMAR

punir que ousou transgredir a lei de natureza.


Saindo da liberdade natural, e aderindo ao contrato, com a formação do poder
político, essa liberdade assume outro aspecto, mas preserva parte de sua essência,
porque “a liberdade do homem em sociedade consiste em não estar submetido
a nenhum outro poder legislativo senão àquele estabelecido no corpo político
mediante consentimento, nem sob o domínio de qualquer vontade ou sob a res-
trição de qualquer lei afora as que promulgarem o legislativo, segundo o encargo
a este confiado” (Locke, 2001, p. 402). Estes novos aspectos desta liberdade do
homem em sociedade deve ser resultado necessariamente do ato do legislativo,
em seguir uma forma própria daquela determinada pelo poder político. É evi-
dente que, Locke sendo um liberal, seja a liberdade, no seu aspecto mais amplo
tratada com a preocupação para que a mesma permaneça sempre no controle dos
homens. Não se transfere o direito de liberdade, apenas o de legislar no sentido de
todos os homens tenham os mesmos direitos e os deveres para com a mesma. Se
eventualmente existir uma diferença, isto se deve ao fato de que alguém avançou
em direção à liberdade do outro, o que seria um grande problema, pois colocaria
a própria credibilidade no poder político em crise. A este fato, nos dias atuais,
damos o nome de descrédito nas instituições que governam e orientam o Estado,
o que pode colocar a própria continuidade do Estado em risco.
Contudo, somente o direito à vida e à liberdade não seria suficiente para
estabelecer um dos pilares centrais para a sustentação do contrato de Locke, ain-
da falta tratar da questão da propriedade, como é a preocupação de todo bom
liberal. Como o faz em vários momentos de sua obra, quando precisa buscar
referências para a vida do homem no estado de natureza, Locke aqui também
utiliza a Sagrada Escritura (Bíblia dos Cristãos) para tratar inicialmente deste
tema. Refere-se ao fato de que Deus ao criar o homem e colocá-lo no mundo,
também criou a natureza e tudo que ela possa produzir para a preservação do
homem, nas palavras de Locke, “é perfeitamente claro que Deus, como diz o rei
Davi, deu a terra aos filhos dos homens, deu-a para a humanidade em comum”
(2001, p. 406). A conseqüência desta dádiva de Deus é a de que todos os homens
têm direito de usufruir e viver do que a natureza lhes oferece. Se distanciando da
ideia caótica de Hobbes sob o estado de natureza, nos ensina que “a Terra, e tudo
quanto nela há, é dada aos homens para o sustento e o conforto de sua existência”
(Locke, 2001, p. 407). A conseqüência desta benesse de Deus é a de que os homens
não tinham a necessidade de delimitar espaço territorial a fim de determinar

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UNIDADE 5

que ali se estabelecesse a sua propriedade, pois sendo de todos, todos poderiam
e deveriam usufruir do que ela viesse a produzir, ou pela simples necessidade de
por ali passar, repousar, ou ficar.
Este é o conceito de propriedade no sentido comum, comunitário, universal,
no entanto, seguindo a sua tendência liberal, aponta outro tipo de propriedade,
mas esta de ordem individual, e tão fundamento se constitui a partir da seguinte
passagem: “embora a Terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos
os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. A esta
ninguém tem direito algum além dele mesmo” (Locke, 2001, p. 409). Busca inicial-
mente uma definição individual da propriedade, partindo de um acontecimento
natural, que é a própria vida, e que ninguém pode negar que não seja pertencente
ao próprio indivíduo.
Mas a questão neste momento não é o de tratar o direito à vida, o que já
fora feito em momento anterior, mas sim em de discorrer sobre outro fato, que
é consequência direta da vida, ou seja, a de que “o trabalho de seu corpo e a obra
de suas mãos, pode-se dizer, são propriamente dele” (Locke, 2001, p. 409). Esta é a
primeira propriedade a que o homem tem direito, já quando no estado de nature-
za, mas neste estado, isso serve apenas para garantir a sua sobrevivência, mas para
caracterizar o direito de propriedade quando da instituição do poder político, é
preciso ser mais preciso e objetivo na definição, portanto, Locke especifica que
“qualquer coisa que ele então retire do estado com a natureza, mistura-a ele com
seu trabalho e junta-lhe algo que é seu, transformando-a em sua propriedade”
(2001, p. 409).
Já no estado de natureza, quando a água que passa o riacho no fundo de um
vale, pertence a todos e todos podem usufruir a mesma, no entanto, segundo Loc-
ke, se algum homem pega uma jarra, coleta e confina a água nesta jarra e leva para
outro local, a partir deste momento, o mesmo pode vir a exigir uma recompensa
pelo trabalho realizado, pois ali, naquele líquido confinado, existe um gasto de
força física realizada pelo seu corpo, e este lhe pertence, sendo assim, nada mais
justo do que ser recompensado pelo mesmo. Deus deu a cada homem as forças
necessárias à sua autopreservação e lhe restando forças, que também cuide dos
demais, mas merece ser recompensado pelo uso de sua força.
No entanto, quando aderir contrato, e passar a viver em sociedade os homens
irão através do poder político e por consequência das leis, estabelecer limites
objetivos sobre a propriedade, pois se ao matar um animal para o seu sustento,

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UNICESUMAR

no corpo do animal o homem tem a extensão de sua propriedade, e mais ainda,


quando findar a carne e tudo o mais que se possa aproveitar do mesmo, termina
também a propriedade propriamente dita, o mesmo não acontece com a terra e
aquilo que está sobre a mesma.
Novamente Locke, usando os argumentos de um bom liberal apresenta uma
saída inicial para este aparente problema, quando expõe que “a extensão de terra
que um homem pode arar, plantar, melhorar e cultivar e os produtos dela que
é capaz de usar constituem sua propriedade” (Locke, 2001, p. 412). No entanto,
aparentemente poderia surgir uma contradição, pois se Deus colocou a natureza
à disposição de todos, como pode alguém invocar que agora algo lhe pertence
de forma particular?
Novamente Locke realiza uma interpretação liberal sobre as Escrituras Sagra-
das, o que não é novidade, face as diversas interpretações que começam a surgir
com a propagação da Reforma Protestante, seguindo esta possível tendência, nos
ensina que “quando deu o mundo em comum para toda a humanidade, Deus
ordenou também que o homem trabalhasse, e a penúria de sua condição assim o
exigia” (Locke, 2001, p. 413). A penúria do homem se origina a partir do pecado
original, daquele que surge pela audácia de Adão e Eva em fazer a escolha que
marcará a miserabilidade de toda a ração humana, sendo assim, é preciso que
o homem, agora já refém do pecado original, tenha que trabalhar para suprir
as suas necessidades. Continuando a sua linha de raciocínio, “Deus e sua razão
ordenaram-lhe que dominasse a Terra, isto é, que a melhorasse para benefício
da vida, e que, dessa forma, depusesse sobre ela algo que lhe pertencesse, o seu
trabalho” (Locke, 2001, p. 413).
Tudo caminha, com fundamento na própria natureza, na necessidade do ho-
mem em melhorar a terra, de produzir mais como forma de diminuir a fome,
primeiro dele, e de, pois dos demais, é quem fornecerá a necessidade de que
alguns tenham a posse da terra, porque, segundo Locke, “e a condição humana,
que requer trabalho e materiais com os quais trabalhar, introduz necessariamente
a propriedade particular” (2001, p. 415).
Outro aspecto, que fortalece a sua teoria sobre a ideia de propriedade par-
ticular, ou privada, como ficará mais conhecida no positivismo jurídico, é a de
que, o homem que se apropria da terra e começa produzir, como fruto de seu
próprio trabalho, não contraria, nem a Deus e nem a lei de natureza, ao contrário,
melhora a condição humana de sobrevivência, pois a terra bruta, no seu estado

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UNIDADE 5

natural, tem baixa produtividade, e nem sempre possui o que realmente precisa-
mos. Portanto, se melhora a produção da terra a consequência e passa a produzir
mais do que o necessário para o seu sustento, tem que saber que, o mesmo não
poder desperdiçar, pois este tipo de conduta contrária a finalidade para o qual
Deus colocou a natureza à disposição do homem, mas como para um liberal
nenhum obstáculo é impossível de ser removido na defesa da liberdade, segundo
Locke, para resolver este tipo de problema, “instituiu-se o uso do dinheiro, um
instrumento durável que o homem pudesse guardar sem se estragar e que, por
consentimento mútuo, os homens aceitassem em troca dos sustentos da vida,
verdadeiramente úteis mas perecíveis” (Locke, 2001, p. 426). Portanto, o dinheiro
passa a ser um instrumento e ao mesmo tempo um motivo para que o homem
pudesse acumular riqueza, através de seu trabalho e comprando o trabalho de
outros. Tal conduta, na visão de Locke, apenas fortalece a ideia de que Deus deu
ao homem o trabalho, para que pudesse viver do seu sustento, e também, possibi-
litar que outros se utilizassem deste expediente para garantir a sua sobrevivência,
ainda que trabalhando para outro homem.
No entanto, quando da vida em sociedade, o homem que produz, com o
fruo de seu próprio trabalho, mais do que precisa, pode trocar o resultado de seu
trabalho por dinheiro, e dinheiro não apodrece, portanto, não desperdiça, sendo
assim, pode acumular este dinheiro, e vendo que o seu vizinho, ou outro, não
conseguem tornar a terra produtiva, e reconhecendo que a mesma lhes pertence,
pode comprar as terras e aumentar a produtividade de alimentos e outros para
a humanidade.
Surge então, outro problema: como fazer com a questão do trabalho, se agora
não poderá trabalhar mais do que o possível, e a sua extensão de terra é maior?
Na visão liberal de Locke este problema já estaria resolvido, pois se o homem
ao nascer já é dono do trabalho fruto de seu próprio corpo, e sendo livre para
dispor do mesmo, desde que se autopreserve e aumente as suas expectativas de
vida, pode vender a um preço justo, a sua força de trabalho para outro homem.
Neste caso, não se trata de exploração e nem injustiça, pois se paga pelo que sobra
a outro homem, o seu trabalho. Troca o fruto do trabalho do homem, por um
valor que se paga ao mesmo, de forma que ele continua a ser um homem livre
para dispor como achar melhor de sua força de trabalho.
Tratado das questões pertinentes ao direito à vida, à liberdade e á propriedade
é preciso compreender, como Locke trata a questão da formação do poder po-

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UNICESUMAR

lítico, que necessariamente caracteriza a vida em sociedade, ou, a chamada vida


civil, para diferenciar da vida no estado de natureza, neste sentido, “o ingresso no
estado civil requer que cada um renuncie ao poder executivo da lei natural que
lhe pertence em estado de natureza e o coloque nas mãos da comunidade: este é
o ato pelo qual se forma um povo, permitindo a união de todos os contratantes
em um corpo político” (Frateschi, 2008, p. 340).
Diferente de Hobbes, para quem o poder fica na mão do soberano absoluto,
em Locke este poder é colocado na mão da comunidade, da commomwealth,
não de forma absoluta, e tão pouco de forma incondicional, mas com objetivos
bem definidos, porque “os homens decidem viver em sociedade com um objetivo
específico de garantir a proteção de sua vida, liberdade e bens, e é precisamente
em nome da realização de tal objetivo que se desenha o modo de organização, a
divisão e os limites do poder do Estado em Locke” (Frateschi, 2008, p. 341). Em
Locke, o poder, mesmo aquele exercido pelo poder político precisa ser limitado,
contido por lei resultante da vontade do povo que assim constituiu este poder,
até porque, ele não concordava com a monarquia absolutista que colocava os
homens em plena condição de submissão, reduzindo ou suprimindo o campo
da liberdade civil e política. É preciso que este corpo político seja resultado do
consentimento dos homens que se reuniram para decidir quem os governaria e
de que forma isso seria realizado, deixando claro que o exercício do poder não
se caracteriza como uma dádiva de Deus, e nem mesmo pela vontade única de
um homem, conforme expõe Maquiavel, ou mesmo Hobbes.
Antecedendo a Teoria da Tripartição dos Poderes de Montesquieu, e por
via diferente, Locke introduz a ideia de separação dos poderes, mas para fins de
ordem jurídica e não política, conforme nos ensina o primeiro. Sendo assim, “o
poder do Estado se divide em três: o legislativo, o executivo e o federativo, sendo
que este último tem o poder de guerra e paz, bem como de cuidar das relações
exteriores, inclusive e principalmente do comércio exterior” (Frateschi, 2008, p.
341). Ainda que Locke defenda a Monarquia, pois era o mentor jurídico da no-
breza inglesa, não compartilhava a existência de um poder absoluto, mas sim uma
divisão de poderes entre o Rei e a o Parlamento.
Dentro desta perspectiva, nos ensina que “o legislativo é o poder supremo e
subordina o executivo, a sua função é assegurar a propriedade, enquanto a do
executivo é fazer valer as leis que a preservam” (Frateschi, 2008, p. 341). O que
não difere muito das funções exercidas por estes dois poderes na atualidade, mas

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UNIDADE 5

Locke reforça a responsabilidade do legislativo dentro do contrato, quando afirma


que “o poder legislativo é aquele que tem o direito de fixar as diretrizes de como
a força da sociedade política será empregada para preservá-la e a seus membros”
(Locke, 2001, p. 514).
Para Locke o contrato parte necessariamente com a criação de leis que te-
nham por objetivo, garantir a vida, a liberdade e a propriedade de cada um de
seus participantes, e o coloca em destaque em relação aos outros dois, a saber, o
poder executivo e o poder federativo, como consequência, “enquanto subsistir o
governo, o legislativo é o poder supremo. Pois o que pode legislar para outrem
deve por força ser-lhe superior [...].” (Locke, 2001, p. 519).
O legislativo tem necessariamente que cumprir a função para o qual foi esta-
belecido, a saber, o que ele não pode fazer: “1) ser arbitrário em relação à proprie-
dade; 2) arrogar-se a poder de governar por decretos arbitrários e extemporâneos;
3) tomar a propriedade de homem algum sem o seu consentimento; 4) transferir
o poder de elaborar as leis para outras mãos” (Frateschi, 2008, p. 341). O fato de
Locke não desejar construir uma forma de governo que detenha o poder abso-
luto, se dá pelo fato dele defender o chamado direito de resistência, posição que
veremos logo a seguir.
Embora Locke admita que em certos casos o Executivo também poderá com-
por o legislativo, e exercer as duas funções, não simultaneamente, mas represen-
tado pela mesma pessoa, não é uma situação muito cômoda e recomendada, no
entanto, que “o poder executivo, quando não estiver depositado numa pessoa
que também participe do legislativo, estará visivelmente subordinado a este a a
ele responde, podendo ser trocado e deslocado à vontade” (Locke, 2001, p. 521),
isto porque o poder supremo pertence ao legislativo. O executivo, assim como o
legislativo e o poder federativo, devem sempre governar e agir de acordo com a
finalidade para o qual foram criados e chamados a compor a estrutura do Estado,
que necessariamente deve buscar o bem público.
Embora defenda a existência do legislativo e a sua condição de poder supre-
mo, Locke não vê necessidade para que o mesmo esteja em constante funciona-
mento, cabendo esta função mais ao executivo, no entanto, isso não significa que
o Executivo possa agir como legislador, porque todas as vezes que for necessário,
o poder legislativo deverá ser convocado. Mas se o poder executivo procurar usar
uma força que não lhe compete, porque a lei não lhe conferiu tal possibilidade, e
mesmo tentar impedir a reunião do legislativo, cria-se o cenário para a ideia do

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UNICESUMAR

direito de resistência, pois “em todos os estados e condições, o verdadeiro remédio


para a força sem autoridade é opor-lhe a força. O uso da força sem autoridade
põe sempre aquele que a emprega em estado de guerra, como agressor, e sujeita-o
a ser tratado nos mesmo termos” (Locke, 2001, p. 523).
O pensamento de Locke inova em relação a outras teorias, que defende a ideia
de que nenhum direito e poder é concedido de forma incondicional, que não pos-
sa ser restabelecido a quem por legitimidade o transferiu, a consequência desta
linha de pensamento liberal é que “tanto o legislativo e o executivo são poderes
fiduciários, o povo terá o direito de lhes resistir quando os limites do seu exercício
forem extrapolados” (Frateschi, 2008, p. 342). Portanto, resistir, lutar e retomar o
poder pertence sempre ao povo, todas as vezes que este não corresponder, terá
ele o direito de tomar de volta e reconstituir um novo governo.
Um aspecto ainda não analisado é quanto ao poder judiciário, e como se daria
a sua existência, se não está instituído a partir da ideia inicial dos três poderes
em Locke. É um tema um tanto intrigante na teoria deste autor, mas que pode
começar a ser compreendida quando da passagem do estado de natureza para
a formação do poder político, pois quando os homens constituem a sociedade
política ou civil, isto os retira do estado de natureza, “estabelecendo um juiz na
Terra, investindo de autoridade para resolver todas as controvérsias e reparar os
danos que possam advir a qualquer membro dessa sociedade – juiz este que é o
legislativo ou os magistrados por ele nomeados” (Locke, 2001, p. 460). Portanto, o
judiciário está no âmbito de atribuição do poder legislativo, porque não se cons-
titui de um poder específico, mas sim uma continuidade da própria função do
legislador que é o de criar leis imparciais, mas é Bobbio quem pode nos esclarecer
melhor sobre este assunto, quando afirma que “a função do juiz imparcial é exer-
cida, na sociedade civil, eminentemente pelos que fazem as leis, porque um juiz
só pode ser imparcial, se existirem leis genéricas, formuladas de modo constante
e uniforme para todos” (1998, p. 232). Para Locke legislativo e judiciário apenas
representam aspectos distintos do mesmo poder, porque na realidade, o judiciá-
rio só tem legitimidade e legalidade, quando julga tendo como fundamento a lei
criada pelo legislativo, e quanto mais próximo for deste poder, mas facilmente
poderá tomar ciência da imparcialidade da lei.
Mas assim como em outros filósofos da política, em Locke também existe a
possibilidade da degeneração do governo, podendo neste caso, estabelecer um
caos, que nem mesmo existia no estado de natureza. É possível que o governo ve-

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UNIDADE 5

nha a ser dissolvido através de quatro formas: “a conquista, a usurpação, a tirania


e a dissolução do governo” (Jorge, 2009, p. 117). No entanto, a questão da disso-
lução do governo está sempre relacionado com os direitos que o dominador e os
dominados passam a ter a partir daquele momento, além do grau de liberdade
que passa a lhes ser conferido.
Quando da conquista por outro Estado é preciso analisar se a mesma se deu
de forma justa ou injusta, pois a este fato estão relacionados quais direitos o con-
quistador tem ou não. Se a guerra for justa, “o poder que obtém o conquistador
sobre aqueles a quem vence em uma guerra justa é perfeitamente despótico:
tem ele um poder absoluto sobre a vida daqueles que, pondo-se em estado de
guerra, perderam o direito a ela; mas não tem com isso título e direito de posses
deles” (Locke, 2001, p. 547). É justo que o conquistador queira ser ressarcido
pelos prejuízos da guerra, somente contra aquela parcela do povo que fora seu
oponente, no entanto, “o direito de conquista estende-se apenas às vidas daqueles
que tomaram parte na guerra e não às suas propriedades, a não ser para reparar
eventuais danos causados e cobrir os custos da guerra, resguardando-lhes, ainda
assim, o direito da esposa e dos filhos inocentes” (Locke, 2001, p. 549). O poder do
conquistador é despótico, ou seja, tem o direito de vida e morte sobre as pessoas,
mas não pode avançar de forma desmedida sobre a propriedade, e tão pouco
ameaçar e vida e a liberdade dos inocentes.
Quanto à legitimidade do poder despótico, esta se fundamenta no próprio
direito de natureza, o de autopreservação,“pois é a força bruta que o agressor usou
que dá ao adversário o direito de tirar-lhe a vida e, se quiser, destruí-lo como a
uma criatura nociva, mas são apenas os danos sofridos que lhe dão direitos aos
bens de outrem” (Locke, 2001, p. 549). São os danos sofridos e não a sua condição
de conquistador.
Por outro lado, quando a guerra for injusta, já não é possível levar em con-
sideração os mesmos direitos, porque “que o agressor que se põe em estado de
guerra com outrem e viola injustamente o direito alheio não pode jamais, com
uma tal guerra injusta, chegar a ter direitos sobre os conquistados” (Locke, 2001,
p. 543). Não existe direito, e por conseqüência justiça, de onde não existe legiti-
midade para o seu surgimento, nem mesmo no estado de natureza, sendo assim,
“a injúria e o crime são iguais, sejam cometidos por quem porta uma coroa ou
por um vilão desprezível” (Locke, 2001, p. 544). Quanto aos injustiçados, os con-
quistados, a própria lei de natureza que dá, não somente o direito, mas o dever

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UNICESUMAR

de resistir contra aquele que usurpou seu direito. Em Locke a vida, a liberdade e
a propriedade só podem ser transferidas a responsabilidade de outrem, quando
isto se fizer por convenção, ou seja, por livre e espontânea vontade dos homens,
não no sentido absoluto, mas apenas como forma de aumentar as garantias sobre
as mesmas.
Outra forma de dissolução do governo se dá através da usurpação que é “uma
espécie de conquista interna, com a diferença de que o usurpador não pode ja-
mais ter o direito do seu lado, pois só existe usurpação quando alguém se apodera
daquilo a que outrem tem direito” (Locke, 2001, p. 559). Usurpar é tomar por
posse aquilo que por direito não pertence ao pretendente, e como é de origem
interna, “constitui uma mudança de pessoas, mas não das formas e regras de go-
verno” (Locke, 2001, p. 559). A usurpação ocorre, por exemplo, quando um dos
poderes passa a exercer a atividade de outro, quando não existe previsão legal
para tal, principalmente se o poder executivo toma e assume para si, a atividade
de legislar, o que o pode fazer inclusive, colocando obstáculos para a convocação
e reunião do legislativo.
O ato de violência institucional do usurpador não lhe confere títulos e nem
pode transferir poder, e segundo Locke, “tampouco pode tal usurpador, ou qual-
quer outro dele derivado, ter jamais um título, até que o povo tenha a liberdade
de consentir, e tenha de fato consentido em permitir e confirmar nele o poder
que até então usurpara” (Locke, 2001, p. 560). Fica mais evidente ainda, que em
Locke a concepção de sociedade civil e política, de poder político, encontram-se
sempre no âmbito da liberdade dos constituintes do contrato e jamais pertencerá
a alguém que por violência, ou artimanha tenha, por presunção, conquistado tal
vantagem.
Outra possibilidade para a dissolução do governo é a tirania. Segundo Locke,
“assim como a usurpação é o exercício de um poder a que outro tem direito, a
tirania é o exercício do poder além do direito, a que ninguém pode ter direito”
(Locke, 2001, p. 561). Nenhuma tirania pode se fundar no direito, mas tão e so-
mente na ambição e vontade de ordem pessoal, ou de um pequeno grupo de
homens, sendo assim, “consiste ela em fazer uso do poder que alguém tenha nas
mãos não para o bem daqueles que estiverem submetidos a esse poder, mas para
sua vantagem própria, distinta e privada” (Locke, 2001, p. 561). A tirania contraria
qualquer possibilidade para a existência da liberdade, na qual o homem não se
encontre submisso à força de outro contra a sua vontade e também, ao seu direito

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UNIDADE 5

de por convenção escolher sob qual lei deseja ser governado. Também não per-
mite o respeito e a proteção do direito de propriedade, porque estas já não mais
pertencem ao povo, mas a vontade e inconstâncias do tirano.
A tirania é o reino da inexistência de leis justas, pois “onde termina a lei co-
meça a tirania, se a lei for transgredida para prejuízo de outrem” (Locke, 2001, p.
563). A finalidade da lei positiva deve ser sempre a de garantir a vida, a liberdade
e preservar o direito de propriedade, todos estes, elementos fundamentais e im-
prescindíveis para o estabelecimento de uma sociedade civil e política.
E finalmente, a última forma que é a dissolução do governo propriamente dita.
Para Jorge, “a dissolução do governo ocorre por violação da confiança, quando
o Poder Legislativo extrapola os limites que lhe foram impostos. Em outras pa-
lavras, quando viola os direitos naturais dos súditos” (2009, p. 120). No entanto,
conforme nos esclarece Locke, a dissolução do governo não é a mesma coisa que
a dissolução da sociedade.
A dissolução da sociedade ocorre quando da invasão de forças estrangeiras
e da derrota do governo para as forças invasoras, é que neste caso, o povo já não
está mais obrigado à obediência ao contrato, até porque, o poder político do qual
constituía a peça fundamental deste contrato, já não mais existe como poder
soberano de editar as leis, tal qual pactuado.
A dissolução do governo tem característica diferente, porque a sociedade
continua a existir e o povo continua preso ao contrato, mas este é o caso em que
“o poder político torna-se uma ameaça aos direitos naturais, isto é, à propriedade
e, conseqüentemente, o governo se dissolve, o poder supremo retorna ao povo”
(Jorge, 2009, p. 120). Se o objeto do contrato é o exercício do poder político, com
a finalidade de que, este poder também chamado de supremo, possa governar a
todos em busca do bem comum, que é aquele que garante a vida, a liberdade e o
direito de propriedade, não mais o faz conforme o contrato é no mínimo justo e
natural que este poder retorne a quem de direito pertence, para que possa esta-
belecer um novo contrato.
Mas existe o caso, em que o Poder Executivo pode provocar a dissolução do
governo, rompendo com o equilíbrio dos poderes, e segundo Jorge isto pode
ocorrer diante de cinco situações: “1) o governante substitui as leis por sua vonta-
de arbitrária; 2) o governante impede os legisladores de reunir-se em assembléia;
3) o governante modifica as formas da eleição; 4) quando a sociedade é subjugada
por uma potência estrangeira; 5) o governante deixa de aplicar as leis sancionadas

94
UNICESUMAR

pelo Legislativo” (2009, p. 119).


A manutenção não apenas do governo enquanto estrutura, mas enquanto
uma estrutura que deve necessariamente cumprir com a missão que lhe foi es-
tatuída quando do contrato, é um dos pontos extensamente discutido na teoria
de Locke. Quando da dissolução, além daqueles motivos já expostos, nos ensi-
na Locke que há “outra maneira pela qual os governos são dissolvidos, quando
quer o legislativo, quer o príncipe, age contrariamente ao encargo que lhe foi
confiado” (2001, p. 579), em outras palavras, quando há quebra de confiança,
em consequência da não obediência aos princípios pelos quais fora construído
o contrato. Ainda nesta linha de pensamento, “o legislativo age contrariamente
ao encargo a ele confiado quando tenta violar a propriedade do súdito e fazer a
si, ou a qualquer parte da comunidade, senhor ou árbitro da vida, liberdade ou
bens do povo” (Locke, 2001, p. 579). O contrato em Locke também assume uma
responsabilidade de ordem moral, e não apenas de execução do contrato, pois
o mesmo deve ser cumprido, não porque os homens precisam apenas defender
seus interesses, mas sim como forma de manter a sociedade unida através do
fortalecimento da sociedade política.
Outro aspecto não menos importante da teoria de Locke, e que no direito
assume grande importância, principalmente nos dias atuais, é a questão da tole-
rância religiosa, o que não poderia ser diferente, para quem se caracteriza como
um liberal, ou seja, constrói a sua obra, tomando a liberdade como um bem pre-
cioso e que precisa ser tutelada pelo contrato, estando no núcleo de quase todas
as questões primordiais.
Locke, assim como Hobbes, estava vivendo num período histórico de grande
turbulência religiosa, originada principalmente pelo crescimento do protestantis-
mo e suas variantes, algumas mais ortodoxas e outras, mais liberais, o que não era
diferente no catolicismo conduzido pela Igreja Católica. Enfrentando o problema,
com o objetivo sempre de preservar a liberdade, Locke “em sua Carta Sobre a To-
lerância, propôs que todas as crenças religiosas que não atentassem diretamente
contra a existência do Estado deveriam ser toleradas” (Brito, 2012, p. 126).
Na Carta Sobre a Tolerância, Locke deixa claro que não pode ser objetivo
da religião fazer com que os homens sofram, e sim de suas ambições enquanto
homens, que a religião tem por objetivo salvar almas, porque ela não “se instituiu
em vista da pompa exterior, nem a favor do domínio eclesiástico e nem para se
exercitar através da força, mas para regular a vida dos homens segundo a virtude

95
UNIDADE 5

e a piedade” (Locke, 1983), e não pode ser piedoso, o homem que, em nome da
religião, venha a fazer seus semelhantes sofrerem.
Esclarece que o Estado e a religião têm missões diferentes, e que ambos não
podem ser utilizados para camuflar intenções que não constituem o objetivo da
religião e tão pouco do Estado, pois ao ferir a liberdade de alguém e se apossar
de seus bens, não podem ser aceitas tais violações porque contrariam o contrato
para a vida em sociedade e também, entram em contradição com os preceitos da
religião cristã que se fundamenta no amor e não no ódio. Neste sentido, “a função
de uma religião é apenas e tão somente ajudar a salvar a alma de cada indivíduo,
as crenças religiosas não deveriam se imiscuir na política” (Brito, 2012, p. 126-
127). E como uma das principais funções do Estado é o de garantir a liberdade,
este também não deveria perseguir este ou aquele, porque não pactua de uma
religião específica. Em outras palavras, as perseguições religiosas realizadas por
uma ou outra instituição, não teria fundamento e nem seria justa, se atentarmos
para as finalidades que fundamentam as suas existências.
Quanto à função da comunidade política, afirma que “parece-me que a co-
munidade é uma sociedade de homens constituída apenas para a preservação
e melhoria dos bens civis de seus membros. Denomino de bens civis a vida, a
liberdade, a saúde física e a libertação da dor, e a posse de coisas externas, tais
como terras, dinheiro, móveis, etc” (Locke, 1983). A comunidade trata das coisas
de ordem material, terrena, bens, posse, propriedade, liberdade e também, não
pode querer transitar por uma seara que não lhe pertence por natureza e nem
está estabelecido no contrato.
Na defesa da tolerância religiosa, fica evidente a posição de Locke, para que
a comunidade política desempenhe o papel objeto de sua criação, quando nos
ensina que “que toda a jurisdição do magistrado diz respeito somente a esses
bens civis, que todo o direito e o domínio do poder civil se limitam unicamente
a fiscalizar e melhorar esses bens civis, e que não deve e não pode ser de modo
algum estendido à salvação das almas” (Locke, 1983). O magistrado se preocupa
com o domínio do poder civil e não o que por natureza extrapola este poder.
Delimita o poder do magistrado a apenas tratar das coisas referentes ao do-
mínio do poder civil, também nos ensina o que é a religião em termos de corpo
social e de suas finalidades, pois “parece-me que uma igreja é uma sociedade
livre de homens, reunidos entre si por iniciativa própria para o culto público de
Deus, de tal modo que acreditam que será aceitável pela Divindade para a salva-

96
UNICESUMAR

ção de suas almas” (Locke, 1983). O fato de ser uma sociedade livre, em que os
homens participam por iniciativa própria, e, portanto, tem que ter essa liberdade
respeitada, é a própria ideia central do liberalismo clássico, ou seja, deixar que as
pessoas, desde que não contrariem os interesses do Estado, caminhem fazendo
as suas próprias escolhas. Contrariando inclusive a tradição romana antiga, para
a qual o culto sagrado era resultado de uma herança de família, a religião é antes
de tudo, o resultado de uma liberdade individual.
No entanto, o limite de sua tolerância encontra-se inserido dentro da própria
condição para a existência da comunidade política, pois, “uma igreja não pode
seguir um senhor estrangeiro (a referência sendo, nesse caso, à Igreja Católica e
ao Papado), pois ela seria então um corpo estranho à comunidade, e na verdade
estando obrigada a tentar subverter essa comunidade, já que segue outras leis”
(Brito, 2012, p. 127). Não poderia ser diferente, porque a partir da formação da
sociedade política, a obediência são as regras estabelecidas pelo legislador, sendo
assim, compartilha com uma teoria já defendida por Hobbes, que não se pode
obedecer a dois senhores, em se tratando de coisas terrenas e nem admitir, que
os dois encontram-se numa escala de igualdade. Faz restrições ao dogma católico
de que o poder se encontra em Roma, e também aos incrédulos, porque “não
tendo nenhum tipo de divindade, os seus compromissos não teriam valor. Isto é,
uma sociedade se faz com pacto, mas o que valeria o Pacto com alguém que não
tivesse uma divindade para o qual jurar?” (Brito, 2012, p. 127).
Finalizando, o pensamento filosófico político de Locke se estabelece a partir
dos pressupostos do liberalismo clássico, trabalhando com a ideia da preservação
da vida, da liberdade e da propriedade, como pontos fundamentais do contrato
para a construção da comunidade política. No entanto, existe em Locke uma
preocupação com a educação, e com a teoria do conhecimento, questões que ele
se preocupa em obras específicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

John Locke é considerado um dos principais expoentes do liberalismo político


e nos ensina que o direito de propriedade já nasce com os homens, e que o uso
adequado deste direito, permite ao homem acumular riquezas, não contrariando
a religião.

97
UNIDADE 5

O pensamento filosófico político de Locke se estabelece a partir dos pressupos-


tos do liberalismo clássico, trabalhando com a ideia da preservação da vida, da
liberdade e da propriedade, como pontos fundamentais do contrato para a cons-
trução da comunidade política. No entanto, existe em Locke uma preocupação
com a educação, e com a teoria do conhecimento, questões que ele se preocupa
em obras específicas.

98
1. Explicar como era no homem no Estado de Natureza para John Locke.

2. Explicar o conceito de poder político em John Locke.

3. Dissertar sobre a ideia de liberdade em John Locke.

4. Explicar como seria a ideia de divisão de poderes em John Locke.

99
6
Os
contratualistas III
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender e compreender o que foi o movimento iluminista.


• Aprender e compreender a importância do movimento iluminista
para a filosofia política.
• Aprender e compreender a influência do movimento iluminista
para a construção da democracia moderna.
UNIDADE 6

Para compreender as teorias que irão anteceder a Revolução Francesa e mes-


mo aquelas que irão sucedê-la, é necessário estudar algumas características do
movimento iluminista, que ainda está muito presente nos dias atuais.
É indiscutível que o movimento iluminista do século XVIII estava inserido
dentro do projeto burguês, como forma de criar uma identidade filosófica para a
reivindicação e construção do Direito e da sociedade que atendiam as exigências
desta, que agora, queria ser reconhecida como uma nova classe social, pois aquele
ideia desenvolvida durante a medievalidade, no qual constavam como classes
sociais a nobreza e os seus súditos, tendo o clero como uma classe que estava à
margem e ao mesmo tempo, como suporte para a existência das duas classes, já
não mais interessa a esta classe emergente. Se o fundamento metafísico religioso
não lhes oferecia um aporte para a defesa de sua ideologia enquanto classe social,
era preciso buscar algo, que pudesse aproximar as suas exigências com funda-
mento na razão, melhor dizendo, na racionalidade.
E com esta preocupação que iremos estudar este capítulo em nosso curso.

102
UNICESUMAR

O Iluminismo

Para compreender o pensamento político de Rousseau é necessário recuperar


algumas ideias que constituíram o iluminismo.
É indiscutível que o movimento iluminista do século XVIII estava inserido
dentro do projeto burguês, como forma de criar uma identidade filosófica para a
reivindicação e construção do Direito e da sociedade que atendiam as exigências
desta, que agora, queria ser reconhecida como uma nova classe social, pois aquele
ideia desenvolvida durante a medievalidade, no qual constavam como classes
sociais a nobreza e os seus súditos, tendo o clero como uma classe que estava à
margem e ao mesmo tempo, como suporte para a existência das duas classes, já
não mais interessa a esta classe emergente. Se o fundamento metafísico religioso
não lhes oferecia um aporte para a defesa de sua ideologia enquanto classe social,
era preciso buscar algo, que pudesse aproximar as suas exigências com funda-
mento na razão, melhor dizendo, na racionalidade.
Nas palavras de Oliver, “o iluminismo foi uma nova aurora da cultura do
Ocidente. Não surpreende, portanto, que tenha produzido o período mais fértil
da história da filosofia ocidental. De Descartes a Kant, houve um imenso desen-
volvimento no estudo da filosofia empírica” (1998, p. 71). Foi o período mais fértil,
enquanto questões de ordem quantitativa, e que fora favorecida inclusive, pela
própria invenção da imprensa por Gutenberg, pela propagação das universidades
na Europa, e certamente, pela decadência do poder da Igreja Católica, que por
mais de mil anos na história, praticamente monopolizou a educação, a cultura e
também a filosofia.
Na realidade fora mais do que uma discussão de ordem filosófica, ou ainda,
de afirmação de uma nova classe social, porque “o iluminismo estabelecera um
conflito entre a ciência e a religião. Havia séculos a cultura européia era dominada
pelas práticas religiosas: o destino humano encontrava-se firmemente colocado
nas mãos de Deus” (Oliver, 1998, p. 72). Foi um movimento que reivindicava um
rompimento, com a tradição medieval de vertente cristã, e teocêntrica, para uma
nova perspectiva acerca do homem, o que ficou conhecido como antropocentris-
mo, e a ciência, que começara a se despontar desde os escritos de Francis Bacon,
principalmente com a obra Novum Organum, que já vislumbrava a possibilidade
de que ao dominar a natureza, o homem, através do conhecimento científico,
poderia colocar a mesma ao seu serviço, forneceu todas as condições necessárias

103
UNIDADE 6

para este enfrentamento, neste sentido, ele “procurou conectar a razão científica
a preocupações práticas ligadas à racionalidade científica” (Oliver, 1998, p. 66).
O fato é que a ciência já tinha explicações convincentes de inúmeros fenô-
menos naturais, que antes eram associados com a questão da fé e a interferência
direta de Deus, principalmente, ao mostrar que determinadas leis da natureza
existiam, independente da fé ou não dos homens e também, que algumas destas
leis poderiam ser reproduzidas pelos homens, se determinadas condições forem
satisfeitas, principalmente no campo da biologia, onde algumas doenças passam
a ser compreendidas a partir da debilidade de alguns órgãos do corpo humano,
e não mais como conseqüência da ausência de fé, o que facilitaria o domínio do
demônio, ou de outros supostos seres de ordem metafísica.
Fato paralelo que contribuiu para as grandes mudanças dos séculos XVII e
XVIII, foi a nominada Revolução Inglesa de 1688, mais conhecida como Revolu-
ção Gloriosa, que resultou na substituição do Rei Jaime II, pertencente a família
dos Stuart , então um rei católico, por um rei protestante chamado de Guilherme,
então originário da família dos Orange e pela sua esposa a Rainha Maria II, que
por ironia do destino, ou melhor dizendo, resultante dos casamentos arranjados
pelas monarquias para se manterem no poder, era filha de Jaime II. O principal
fato desta Revolução é que “foi um momento decisivo no surgimento do mundo
moderno, ao desafiar o direito divino dos reis. Foi uma vitória do livre-arbítrio,
da idade da razão e do espírito iluminista” (Oliver, 1998, p. 73).
Outro aspecto fundamental e inseparável das ideias que constituíam a Idade
da Razão foi a questão da verdade, até então, nas mãos da Igreja, ainda na con-
cepção de que a verdade seria revelada em função da fé, portanto, condicionava
o conhecimento da verdade, a uma relação direta com a fé, tendo a Igreja, como
grande centro de concentração de poder, para regular o que poderia ou não ser
revelado. Foi Galileu Galilei (1564-1642), um dos principais precursores do en-
frentamento da verdade condicionada pela fé, quando defendeu a sua teoria de
que o sol era o centro do universo, e não mais a terra. Afirmava que “acreditar que
a verdade está tão escondida de nós e que é difícil de diferenciá-la do que é falso
é totalmente despropositado: a verdade permanece escondida apenas enquanto
não temos nada além de opiniões e especulações duvidosas; mas assim que a
verdade se manifesta, sua luz imediatamente dispersa as sombras do obscureci-
mento” (Oliver, 1998, p. 73).
Quando no Renascimento, caminhando em direção ao iluminismo, o homem

104
UNICESUMAR

começa a se descobrir como um ser que tem o direito de ser livre, para deter-
minar a necessidade ou não do campo da fé individual, assim como, não estar
mais sujeito ao jugo dos reis, que lhes imprimiam personalidades que não lhes
pertenciam, ou seja, já não mais aceitam passivamente certos valores intrínsecos
à religião, começa a se constituir o chamado secularismo, que depois, fará surgir
o conceito de Estado laico, que se desvincula da religião, não mais aceitando
ingerências diretas e também, não mais reconhecendo as autoridades religiosas
como representantes do Estado, ou da vontade do Estado. Segundo Oliver, “o
secularismo que caracterizou a idade da razão manifestou-se no poder político
por meio da queda da monarquia e do estabelecimento da soberania parlamen-
tar” (1998, p. 73).
Para compreender melhor que mudanças no campo jurídico e social, quais os
aspectos principais que relacionam a burguesia e o iluminismo, é preciso recorrer
a Cotrim, quando cita Lucien Goldmann, “os valores fundamentais defendidos
pelo iluminismo podem ser relacionados com a principal atividade econômica da
burguesia, representada pelo comércio” (1996, p. 171). Para tanto, alicerçada pela
ideia de progresso, já apresentada pelo iluminismo, a burguesia precisou criar e
desenvolver novos valores para a defesa de seus interesses.
A burguesia passou a defender a igualdade jurídica, e na “compra e venda, o
que efetivamente importa é a igualdade jurídica dos participantes do ato comer-
cial” (Cotrim, 1996, p. 171), pois o que importa é a capacidade jurídica que os
envolvidos têm, para dar legalidade a esta relação, todas as demais desigualdades
não constituem elementos que interessam à relação de compra-venda. É o prin-
cípio jurídico, depois transformado em direito positivo, de que todos são iguais
perante a lei. A lei os igualou na formalidade, sem se preocupar com as questões
de ordem material, como por exemplo, um problema que ainda aflige grande
parte de nossa população, que é a dificuldade de ter acesso à justiça.
Vencida a questão da igualdade jurídica é necessário defender a tolerância
religiosa ou filosófica, pois “para a realização do ato comercial, não têm a menor
importância as convicções religiosas ou filosóficas das pessoas” (Cotrim, 1996,
p. 171). O que se comercializa são coisas, objetos, trabalho, que existem indepen-
dentes de qualquer tipo de convicção, além do que, capital acumulado não tem
crença religiosa, nem corrente filosófica, e tão pouco etnia, é sempre capital. Estas
ideias já foram esclarecidas, quando da apresentação da teoria de John Locke. A
ideia de tolerância foi a forma que a burguesia encontrou, para tirar vantagem de

105
UNIDADE 6

uma situação que lhe era muito conveniente, ampliar a suas relações comerciais
e econômicas, como condição imprescindível para ser reconhecida como uma
nova classe social.
Mas igualdade jurídica e tolerância religiosa ou filosófica apenas, não satis-
fazem a extensão de suas necessidades, portanto, é preciso defender a ideia de
liberdade, tanto no campo pessoal, como social e na junção das duas, a liberdade
política, a razão é que “o comércio só pode se desenvolver numa sociedade onde
as pessoas estejam livres para realizar seus negócios” (Cotrim, 1996, p. 171). A
partir deste ponto, foi a burguesia um dos principais responsáveis pelo fim da
escravidão porque não se pode estabelecer relações comerciais, com quem não
sendo livre, também não recebe salário, é a lógica do mercado capitalista. Não se
questionou num primeiro momento questões referente às desigualdades sociais,
mas a necessidade e capacidade que as pessoas tenham de comprar e vender,
ainda que a vantagem tenha sempre um único destinatário: a burguesia. A bur-
guesia lutou contra a escravidão não por questões humanitárias, mas sim por
interesses de ordem econômica. Os ingleses pressionaram o Brasil para acabar
com a escravidão, pura e simplesmente, porque a indústria e o comércio inglês
não conseguiam encontrar no Brasil, competitividade com os produtos resultan-
tes da participação da mão de obra escrava.
E finalmente, um dos principais baluartes do liberalismo clássico, ao que o
iluminismo aderiu, sem muita resistência, que foi a defesa da propriedade privada,
pois “o comércio também só é possível entre pessoas que detenham a propriedade
de bens ou capitais, pois a propriedade privada confere ao proprietário o direito
de usar e dispor livremente do que lhe pertence” (Cotrim, 1996, p. 171). A pro-
priedade confere a seu titular, juntamente com a igualdade jurídica e a liberdade
pessoal, a condição de dispor de seu bem, da maneira como achar melhor, inclu-
sive, extingue a ideia de escravidão, para substituí-la pela de salário, embora, nos
dias atuais, o valor do salário condiciona os homens à escravidão, mas como os
homens são livres, para dispor de sua propriedade, que é o trabalho, juridicamente
a questão fica resolvida.
O movimento iluminista deixou um grande legado ao mundo moderno, e
dentro deste período, estão inseridos grandes filósofos, entre os quais, Immanuel
Kant que segundo alguns estudiosos, provocou uma momento de ruptura na
filosofia, tanto é que, afirmam, depois do mundo grego, existir uma filosofia antes
de Kant, e depois de Kant. Mas esse é um assunto que deve ficar para a Filosofia

106
UNICESUMAR

do Direito.
Segundo Cotrim, “os pensadores iluministas foram, não há dúvida, ideólo-
gos da burguesia, mas a análise de seu pensamento não deve parar por ai. A
própria postura do filósofo se modificou no século XVIII. Abandonando os cír-
culos fechados de seus antecessores, ele circulava pelas ruas e salões, exibindo
e exercitando a razão” (1996, p. 172). De certa forma, tiraram a filosofia de um
círculo fechado, restrito, como o fora a maior parte de sua construção histórica,
e começou a se expressar com análises de problemas contingentes ao seu próprio
período histórico, ora de forma mais conservadores, e em outros momentos, de
forma mais liberal e moderna. Principalmente, no campo da política, quando
tratou de forma mais objetiva, os problemas de uma sociedade que precisava
encontrar uma forma de governo que viesse a suplantar a monarquia absolutista
e também, minimizar o poder da religião.
A liberdade era um dos temas centrais desta discussão filosófica-política,
sendo assim, “para esses filósofos propagandistas, como escreveu o pensador Er-
nst Cassirer (1874-1945), a razão não era o cofre da alma onde se guardava as
verdades eternas, mas era a força espiritual, a energia, capaz de nos conduzir ao
caminho da verdade” (Cotrim, 1996, p. 172). Através da razão o homem conquis-
tava a liberdade que poderia abrir novos caminhos para a busca e a interpretação
da verdade, principalmente, com a observação e a experimentação da natureza.
É neste momento histórico, de grandes mudanças e conturbações de todas as
ordens, que Jean-Jacques Rousseau se desponta, como um dos filósofos mais im-
portantes, a estabelecer uma crítica sobre alguns dos pressupostos do iluminismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento iluminista procura tratar a questão da racionalidade e da liberdade,


como temas centrais para a natureza humana, e também, a necessidade da for-
mação de um Estado que pudesse minimamente garantir estes e outros direitos
de ordem individual.

107
1. Citar e explicar duas características do movimento iluminista.

2. Explicar como os iluministas tratavam a questão da liberdade e sua relação com o


Estado.

3. A preocupação maior dos iluministas era tratar questões de ordem individual ou


coletiva? Fundamentar sua resposta.

4. Explicar como os iluministas compreendiam as questões pertinentes à monarquia.

108
7
Contratualistas IV
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar aspectos fundamentais da obra de Jean-Jacques Rous-


seau.
• Estudar e compreender a ideia principal que constitui o Contrato
Social de Rousseau.
• Estudar e compreender a ideia de vontade geral e particular em
Rousseau.
UNIDADE 7

De Aristóteles até Rousseau a visão que os homens tinham, ainda que colo-
cassem algumas restrições, era a de que a vida em sociedade, sempre fora melhor
do que fora dela. Se Agostinho de Hipona, o filósofo da Patrística, visualizava a
vida em sociedade como consequência do pecado original, também não via outra
possibilidade de salvação, senão através da Cidade dos Homens, caminhando em
direção à Cidade Celestial de Jerusalém, ainda que coloque a Igreja como único
interlocutor nesta caminhada.
Rousseau, como todo iluminista, tinha uma preocupação com a liberdade,
que nas palavras de Diderot, outro iluminista, “todo século tem o espírito que o
caracteriza, o nosso é a liberdade”, representando assim, o tema central sobre o
qual irá orbitar a Idades das Luzes. É lógico que a liberdade também fora preocu-
pações de outras épocas, mas não sob o enfoque que ela receberá neste período,
principalmente no campo das liberdades civis e políticas.
É com esta perspectiva que iremos abordar a obra de Jean-Jacques Rousseau e
também, compreender a importância da mesma para as democracias modernas.

110
UNICESUMAR

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

De Aristóteles até Rousseau a visão que os homens tinham, ainda que colo-
cassem algumas restrições, era a de que a vida em sociedade, sempre fora melhor
do que fora dela. Se Agostinho de Hipona, o filósofo da Patrística, visualizava a
vida em sociedade como consequência do pecado original, também não via outra
possibilidade de salvação, senão através da Cidade dos Homens, caminhando em
direção à Cidade Celestial de Jerusalém, ainda que coloque a Igreja como único
interlocutor nesta caminhada.
Rousseau, como todo iluminista, tinha uma preocupação com a liberdade,
que nas palavras de Diderot, outro iluminista, “todo século tem o espírito que o
caracteriza, o nosso é a liberdade”, representando assim, o tema central sobre o
qual irá orbitar a Idades das Luzes. É lógico que a liberdade também fora preocu-
pações de outras épocas, mas não sob o enfoque que ela receberá neste período,
principalmente no campo das liberdades civis e políticas.
Uma das características dos iluministas era o de querer romper com o modelo
de liberdade dos antigos, de forma mais específica o modelo grego e romano, para
criar um novo modelo de liberdade, a liberdade dos modernos. Neste sentido,
também inova o pensamento de Rousseau, porque traz a liberdade a ser discutida
em outro campo da responsabilidade, pois defende, como outros contratualista, a
necessidade de um contrato social, no entanto,“este pacto deve definir um Estado
político legítimo e justo, um Estado democrático moderno. Graças a ele, o homem
permanece o único responsável pela existência que leva” (Ruby, 1998, p. 84).
Assim como outros o fizeram, principalmente Hobbes e Locke, Rousseau
também irá usar a ideia de contrato social, como base metodológica para o de-
senvolvimento de sua teoria, e o fará nas mesmas condições dos demais, ou seja,
o contrato social dará juridicidade ao Estado e está será transferida aos homens,
através das leis e da forma de governar do mesmo. O método consiste em cons-
truir, de certa forma, até uma construção lúdica, um Estado que nem se sabe se
existiu desta forma, e tão pouco se faz esforço para buscar um referencial para
tal, no máximo, alguns autores da época, apontam os índios na América, como
aqueles que vivem neste Estado, mesmo sem conhecer a estrutura social e política
destas tribos. Mera suposição empirista, mas longe da realidade.
Conforme já estudado anteriormente, a ideia do contrato permite trabalhar
com duas situações, uma de ordem social e outra de ordem político-jurídica, ou

111
UNIDADE 7

seja, determinar quem possivelmente era o homem antes do contrato, e como


deverá ser este homem depois do contrato, estabelecendo um parâmetro, um
referencial, com o objetivo, ainda que disfarçado, como fora o caso de Rousseau,
que a criação do Estado, necessariamente através do Contrato Social, permitiu
ao homem ampliar o escopo de sua liberdade, e como consequência direta, de
seus direitos e também deveres, desta perspectiva surge a denominação de Estado
de Natureza e Estado Civil, Poder Político, ou qualquer outro nome, que possa
representar simbolicamente, esta nova forma de ser do Estado.
É preciso compreender que “o estado de natureza é em primeiro lugar uma
hipótese metodológica, que não corresponder a menor gênese histórica de um
Estado e responda a simples necessidade racional de estabelecer o modo de cons-
tituição de um Estado e de um sistema de direito” (Billier e Maryioli, 2005, p. 148).
É um artifício que atende a perspectiva de uma análise social, ao descrever como
era este homem no estado de natureza e sua relação com os demais, demonstrar
também que o seu direito se fundava praticamente no limite de suas forças e
esperando dos demais uma retribuição; e depois, como, através do direito, que
funda a necessidade de um outro arranjo social, passa a ser este homem.
Mas em Rousseau, diferente dos demais contratualista, temos uma descrição
um tanto caótica desta vida em sociedade, em contraponto com o estado de natu-
reza, o que não deixa de ser uma necessidade metodológica, principalmente, num
diálogo indireto com Thomas Hobbes e John Locke, de que as possibilidades até
então apresentadas, não levavam em consideração a liberdade, e ao mesmo tempo
a responsabilidade do indivíduo, em querer legislar sobre a sua própria condição
de animal político, ou melhor dizendo, para utilizar um termo de Rousseau, na
condição de cidadão.
Para Rousseau o homem no estado de natureza conhece a liberdade na sua
forma mais ampla, e ao mesmo tempo mais limitada, neste sentido, a liberdade
é a contradição de si mesma. É uma liberdade com fundamento no primeiro
mandamento do direito natural, pois quando o homem está no estado de natu-
reza, “sua primeira lei é prover sua própria preservação, seus primeiros cuidados
são aqueles que deve a si mesmo; e, assim que atinge a idade do discernimento,
é o único juiz dos meios adequados, para preservar-se, tornando-se assim seu
próprio senhor” (Rousseau, 2002, p. 214). Ele é livre na proporção de suas pró-
prias forças físicas, pois na medida em que as mesmas vão se esgotando, a sua
liberdade começa a se transformar em prisioneira da sua ausência de força física.

112
UNICESUMAR

É uma liberdade necessariamente relacionada com a capacidade de forças para


a preservação de si mesmo.
Inicialmente a liberdade do homem está associada, ao menos em Rousseau,
com uma lei natural, que o fazia livre por si mesmo, e responsável exclusivo pela
sua preservação, o homem era senhor de si mesmo, e não de outro homem.
Para delinear a contradição existente entre o homem livre e o escravo, recorre
à passagem aristotélica, quando o mesmo afirma que os homens são diferentes
por natureza, e como conseqüência dessa diferença, alguns nascem para ser livre
e outros para ser escravo, o que ele chamava de escravidão por natureza, mas não
é assim para Rousseau, pois afirma, até com uma ironia refinada, que “Aristóteles
estava certo, mas tomava o efeito pela causa... Os escravos perdem tudo em suas
correntes, até mesmo o desejo de escapar delas... Então, se existem escravos por
natureza, é porque houve escravos contra a natureza” (Rousseau, 2002, p. 214).
Fora a existência da escravidão uma criação humana que contrariou a própria
natureza, pois o homem deve nascer e continuar livre, pois somente assim, poderá
exercer sob todas as formas, a sua condição de ser livre.
Se de forma a contrapor a teoria de Hobbes sobre o estado de natureza, Rous-
seau afirma que lá vive a figura do “bom selvagem”, do homem destituído das an-
gústias, vaidades, egoísmos e outras formas de manifestação da individualidade,
que caracteriza a vida em sociedade, é lá também que, de forma natural, surgem
problemas intrínsecos à própria condição humana. Se no estado de natureza o
grau de liberdade está associado com a presença da força do indivíduo, segundo
Rousseau,“o mais forte nunca é forte o bastante para ser sempre o senhor, a menos
que transforme a força em direito e obediência em dever” (2002, p. 214). Direito
e obediência são elementos que o homem só os conhecerá efetivamente, e na
mesma condição de igualdade dos demais homens, quando aderir ao contrato e
social e passar a viver em sociedade. O direito o conhecerá na condição de cida-
dão, e o dever na condição de súdito, que aliás, são conceitos importantes para a
teoria de Rousseau e que serão apresentados oportunamente.
Mas como conhecer quem realmente é o homem no estado de natureza?
Segundo Rousseau é preciso separar no homem, aquilo que lhe é natural daquilo
que é artificial, pois este último ele adquiriu quando passou a viver em sociedade,
em função do acentuamento do egoísmo, das ambições e outras paixões próprias
dos homens. É que quando do estado de natureza o homem precisava de pou-
cas coisas para satisfazer suas necessidades, pois a sua preocupação era com a

113
UNIDADE 7

sua preservação, utilizando aquilo que a natureza colocava à sua disposição. A


sua liberdade estava, entre outras coisas, em não dedicar mais do que o tempo
necessário para a sua preservação, e o de não por obstáculos a outros homens
que assim também o fizesse. Ao descrever este homem no estado de natureza,
Rousseau afirma que “sua imaginação nada lhe descreve, o coração nada lhe pede.
Suas módicas necessidades encontram-se com tanta facilidade ao alcance da mão
e tão longe do grau de conhecimento necessário para desejar alcançar outras
maiores que não pode ter nem previdência, nem curiosidade” (Rousseau, 1999,
p. 66). Neste sentido, o homem no estado de natureza é antes de tudo, um ser
preocupado com a sua preservação, com a sua individualidade, não no sentido
de superar a do outro, mas apenas de garantir o que lhe é estritamente necessário
para a sua sobrevivência.
O pensamento de Rousseau, desse homem no estado de natureza e despojado
de bens desnecessários, não está tão longe assim, de algumas experiências na his-
tória da humanidade, como por exemplo, ordens sacerdotais que se caracteriza-
ram por se despojar de bens materiais, vivendo apenas do que lhes é estritamente
necessário, como forma de purificar o corpo e a alma, para se aproximar de Deus,
ainda que o viés seja religioso, a experiência, a empiria, não deixa de produzir
reflexões interessantes, principalmente aquela, de que normalmente vivemos com
muito mais do que o necessário, o que acaba por nos tornar escravos do consumo.
Que Rousseau tem uma visão romântica e até mesmo, segundo alguns estu-
diosos, uma certa inocência deste homem no estado de natureza, fica evidente
quando se refere a este bom selvagem e sua própria condição de existência, mes-
mo quando se trata de situações em que, naturalmente, a sua condição existencial
se apresenta em momentos fatídicos, como por exemplo: “será sempre certo que
o selvagem doente, abandonado a si mesmo, nada espera senão da natureza e, em
compensação, nada deve temer senão o seu mal, o que frequentemente torna sua
situação preferível à nossa” (Rousseau, 1999, p. 62). Como o limite de sua preser-
vação se encontra também, no limite de sua força física, o que ele espera é somente
aquilo que a natureza determinar, porque não conhece outra possibilidade, além
daquelas colocadas à disposição pela própria natureza.
Outro aspecto deste bom selvagem e sua condição de viver somente com
aquilo que a natureza posse colocar à sua disposição, se apresenta como resultado
de uma das características da natureza humana, e que desperta nos homens, na
maioria das vezes, desejo de ter, o que naquele momento se apresenta como um

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obstáculo, no entanto, isso não acontece com este bom selvagem, porque “a ima-
ginação, que determina tantos prejuízos entre nós, não atinge corações selvagens;
cada um recebe calmamente o impulso da natureza, entrega-se a ele sem escolha,
com mais prazer do que furor, e, uma vez satisfeita a necessidade, extingue-se
todo o desejo” (Rousseau, 1999, p. 80). Parece-nos que a própria carência do es-
tado de natureza torna este homem de Rousseau um indivíduo terno e pacífico,
pois deseja somente o que lhe é necessário, e não ambiciona o que não está à sua
disposição, portanto, de certa forma, não se torna escravo de suas paixões, mas
apenas atento às suas necessidades básicas.
Não é que o homem no estado de natureza seja destituído de desejos e pai-
xões, apenas que as conhece da forma que a natureza, colocava à sua disposição,
porque “o homem selvagem sujeito a poucas paixões e bastando-se a si mesmo,
não possuía senão o sentimento e as luzes próprias deste estado, no qual só sentia
suas verdadeiras necessidades, só olhava aquilo que acreditava ter interesses de
ver, não fazendo sua inteligência maiores progressos do que a vaidade” (Rousseau,
1999, p. 81).
No entanto, este homem no estado de natureza não tem para si somente o
direito natural de autopreservação, de forma a excluir qualquer outra possibili-
dade, qualquer outro sentimento, que a natureza lhe desperta de forma natural,
porque “não iremos, sobretudo, concluir com Hobbes que, por não ter nenhuma
ideia de bondade, seja o homem naturalmente mau; que seja corrupto porque não
conhece a virtude; que nem sempre recusa a seus semelhantes serviços que crê
dever-lhes; nem que, devido ao direito que se atribui com razão relativamente às
coisas de que necessita, loucamente imagine ser o proprietário do universo intei-
ro” (Rousseau, 1999, p. 76). Sendo assim, este bom selvagem não tem necessidade,
e nem sentimentos que incitem a sua individualidade, a se julgar proprietário,
daquilo que a natureza colocou à disposição de todos, nem tão pouco, não seja
possuidor de determinados sentimentos, que além de garantir a sua preservação,
também lhe desperte a necessidade de avançar sobre o seu semelhante, de forma
a lhe colocar em desvantagem, ou ainda, verificando o seu sofrimento, não possa
socorrer ao mesmo.
Segundo Rousseau, este selvagem, ou melhor dizendo, este bom selvagem,
não é o lobo de Hobbes, e o fato de viver no estado de natureza, não lhe retira a
possibilidade de ter determinados sentimentos em relação a própria preservação
do próximo, porque “não creio ter a temer nenhuma contradição, se conferir ao

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UNIDADE 7

homem a única virtude natural que o detrator mais acirrado das virtudes huma-
nas teria de reconhecer. Falo da piedade, disposição conveniente a seres tão fracos
e sujeitos a tantos males como vimos; virtude tanto mais universal e tanto mais
útil ao homem quando nele procede o uso de qualquer reflexão, e tão natural que
as próprias bestas às vezes dão dela sinais perceptíveis” (Rousseau, 1999, p. 77).
A piedade é o sentimento que estabelece limites para a própria preservação, pois
desperta o fato de, naturalmente preservar a si mesmo, evitando qualquer ação
que coloque a preservação do outro em risco, ou ainda, o sentimento capaz de
auxiliar o próximo, quando este estiver em desvantagem tão distante da superação
pelas suas forças, para no mínimo, garantir a preservação do próximo.
A preservação de si próprio, o primeiro dos direitos naturais ao qual o homem
toma ciência, desenvolve o que Rousseau chama de amor por si próprio, mas para
não desequilibrar a natureza, e tornar-se um ser extremamente egoísta, conhece,
de forma natural, a piedade, sentimento este que equilibra e compensa o instinto
de preservação. A piedade, segundo Rousseau, pode ser observada a partir do
comportamento de muitos animais, pois “um animal não passa sem inquietação
ao lado de um animal morto de sua espécie; há até alguns que lhes dão uma espé-
cie de sepultura, e os mugidos tristes do gado entrando no matadouro exprimem
a impressão que tem do horrível espetáculo que os impressiona” (Rousseau, 1999,
p. 77). Na visão de Rousseau, se os próprios animais, destituídos do mínimo de
racionalidade, com fundamento nos seus instintos naturais, assim procedem, o
mesmo deve acontecer com os homens, que traduzem este sentimento como
algo que é próprio da sua condição de ser humano. A piedade permite que o
homem equilibre o seu direito de preservação com o mesmo direito concedido
ao próximo, pois se este não coloca em risco a sua própria existência, contraria
também o direito natural, oferecer risco à continuidade de sua existência, sendo
assim, este sentimento se estabelece no campo da reciprocidade das intenções
dos sujeitos envolvidos.
A piedade é um sentimento importante no estado de natureza mas que, quan-
do vivendo em sociedade, o homem permite que a mesma se deteriore, assim
como os demais sentimentos, no entanto, ele continua presente e Rousseau lhe
confere um significado importante na construção de sua teoria, pois, “que são a
generosidade, a clemência, a humanidade, senão a piedade aplicada aos fracos, aos
culpados ou à espécie humana em geral?” (1999, p. 78). O sentimento de piedade
se estabelece como uma barreira, que não permite ao homem no estado de natu-

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reza, se transformar no “homem lobo do próprio homem” da teoria de Hobbes.


Sendo assim, o sentimento de piedade é como se fosse um instrumento capaz
de conter a maldade pela simples maldade, nas palavras de Rousseau: “certo, pois
a piedade representa um sentimento natural que, moderando em cada indivíduo
a ação do amor de si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda a espé-
cie” (1999, p. 78). É nesta passagem que Rousseau, assim como o fizera em outras,
apresenta uma dose de romantismo da sua visão sobre o homem, pois afirma que
este sentimento substitui, no estado de natureza, as leis e outros instrumentos
artificiais que existem no estado civil, para educar e conduzir os homens a terem
uma vida pacífica. A esta forma de proceder do bom selvagem no estado de na-
tureza, permite estabelecer um contraponto, com o que ele chama de “máxima
sublime da justiça raciocinada”, ou seja, “faze a outrem o que deseja que façam a
ti-, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem menos
perfeita, mas talvez mais útil do que a precedente – alcança teu bem com o menor
mal possível para outrem” (Rousseau, 1999, p. 79).
No entanto, se existe semelhança entre o que os animais sentem uns pelos
outros, e o que os homens o têm através do sentimento de piedade, as semelhanças
param por ai, pois esta relação com os animais sofre mudança radical, quando
se trata da questão da liberdade, pois quanto aos animais, o mesmo agem em
função do instinto e necessidade associada simplesmente de saciar a fome, e não
por escolha, por deliberação. No entanto, quando se trata de homens, a liberdade
se caracteriza pela possibilidade de escolha, de deliberação própria, sendo assim,
é preciso compreender que “um escolhe e rejeita por instinto, e o outro, por um
ato de liberdade, razão porque o animal não pode desviar-se da regra que lhe é
prescrita, mesmo quando lhe fora vantajoso fazê-lo, e o homem, em seu prejuízo,
frequentemente se afasta dela” (Rousseau, 1999, p. 64).
A questão da liberdade é fundamental para compreender o desenvolvimento
da teoria de Rousseau, de forma específica o contrato social, não é sem propósito
que o termo usado é o contrato, termo jurídico, que se sustenta, principalmente,
pela ideia de que os seus agentes o constituem de livre e espontânea vontade. Isso
não quer dizer que a natureza não exerça o seu poder sobre os homens, assim
como o faz com os animais, mas sim, nas palavras de Rousseau, o que determina
a mudança no comportamento é a qualidade do agente, pois “a natureza manda
em todos os animais, e a besta obedece. O homem sofre a mesma influência, mas
considera-se livre para concordar ou resistir, e é sobretudo na consciência dessa

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liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma” (Rousseau, 1999, p. 64).


A natureza de um elefante não lhe permite voar, porque se atém a seguir a lei da
gravidade, que é uma lei natural, no entanto, o homem como ser individual e
desprovido de meios mecânicos não o pode fazer, mas quando usa a sua enge-
nhosidade para a construção de meios artificiais, contraria e vence esta lei natural.
Por motivos diversos, escolheu vencer a lei da gravidade. Não se conformou com
a mesma. Contundo, da mesma forma que alguns desejam ampliar o seu grau de
liberdade, outros preferem conceder a sua liberdade ao poder de um soberano,
que os colocará na condição de escravos.
É através desta mesma liberdade, como capacidade de escolher com funda-
mento naquilo que o homem entende ser de melhor, e portanto, de não aceitar
o determinismo existente na natureza, é que se o homem consegue, diferente
dos animais, se aperfeiçoar, se desenvolver através de suas ações e circunstân-
cias, o que permite ao homem, ao longo de um determinado tempo, nunca ser
o mesmo, fato que ocorre com os animais. Este movimento que se estabelece na
obra de Rousseau, serve como alavanca para o autor defender que é inevitável
que o homem saia do estado de natureza e caminhe em direção ao governo civil.
Ainda que, inicialmente, a vida em sociedade traga a este homem uma série de
infortúnios, a saída do estado natureza para a nova vida, agora constituída de uma
sociedade que lhe exige mais do que o necessário, despertando paixões, egoísmo,
egocentrismo e outros, é inevitável, mas o que Rousseau lamenta, é o fato de que
os homens ainda não estariam preparados para viverem em sociedade.
O movimento que se estabelece através da liberdade, característica que per-
tence somente aos homens, é aquele que propicia ao homem o desenvolvimento
da linguagem, como forma de aperfeiçoar a sua comunicação com o próximo,
mas também lhe traz algum desconforto, e entre eles, a ideia de propriedade,
porque a partir deste momento, podiam expressar “isso é meu”, o que de imediato
gera a desigualdade. Para Rousseau, “o verdadeiro fundador da sociedade civil
foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu
e encontrou pessoas suficientemente simples para acredita-lo” (1999, p. 87). A
linguagem possibilitou o meio de expressão necessário para dar início à ideia
de delimitação de espaço físico, daí, o nascimento do direito de propriedade e a
produção da desigualdade, pois no estado de natureza tudo pertencia a todos,
porque cada um retirava somente o que lhe era necessário no estado presente.
No estado de natureza a terra e tudo que nela se encontrava e necessário à pre-

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servação do homem, pertencia a todos, o problema, surge a partir do momento


em que se institui a ideia de propriedade privada, justamente quando alguém
cercou um pedaço e terra, e exclui o acesso aos demais.
O que corroborou com o desenvolvimento do direito de propriedade, se-
gundo Rousseau, foi o momento em que o homem deixou de se preocupar so-
mente consigo mesmo, em que cada um deixou de contar somente com a sua
força, para também contar com força do outro, ou seja, no momento em que se
rompe a individualidade existente no estado de natureza, as coisas começam a
sofrer profundas mudanças, porque “desde o instante em que um homem sentiu
necessidade do socorro de outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar
com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade,
o trabalho tornou-se necessário[...]” (1999, p. 94) e assim, surgiu a necessidade do
trabalho que seria realizado a partir do suor de um outro homem, e este, acabou
por se tornar um escravo de seu semelhante. É quando o sentimento de piedade,
de comiseração, começa a se exacerbar, o homem vislumbra a possibilidade de
explorar o mais fraco, colaborando para a existência da escravidão.
Enquanto o iluminismo venerava a ideia de progresso, Rousseau fazia incur-
sões na sua obra, sobre os aspectos negativos advindos desta ideia. Na realidade
é um recurso metodológico, pois para a construção de uma teoria é necessário
refutar o que se entende de negativo nas teorias predominantes naquele momento
histórico, artifício este, por exemplo, utilizado por Aristóteles, quando refutava
o pensamento platônico sobre a existência de um mundo ideal, para defender a
sua teoria que pretendia construir uma ética e uma política, que se encontrava
no mundo real.
O progresso traz junto de si necessidades, ambições, egoísmo e outros, que
não estavam presentes no estado de natureza, além do estritamente necessário,
pois o “homem de livre e independente que era antes, devido a uma multidão
de novas necessidades passou a estar sujeito, por assim dizer, a toda a natureza
e, sobretudo, a seus semelhantes, dos quais num certo sentido se torna escravo,
mesmo quando se torna senhor: rico, tem necessidade de seus serviços; pobre,
precisa de seu socorro, e a mediocridade não o coloca em situação de viver sem
eles” (Rousseau, 1999, p. 97). Enquanto no estado de natureza a necessidade era
apenas de preservação, e em relação ao outro, no máximo a piedade, na vida em
sociedade o homem passa depender do outro, seja na condição de senhor, ou na
condição de serviçal, mas ambos transformam-se em escravos desta nova forma

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UNIDADE 7

de viver.
Ao estabelecer uma relação entre o estado de natureza e a nova forma de
vida advinda com o progresso, Rousseau afirma existir dois tipos de desigual-
dades entre os homens, “a física e a política ou moral” (Romêo, 2009, p. 165). A
desigualdade natural existe independente da vontade do homem, pois trata-se da
sua condição física, psíquica e outras, que não estão sob o controle dos homens,
mas se constituem, segundo Aristóteles, em acidentes, a esta, inicialmente nada
podemos fazer, é num outro momento, quando da constituição da sociedade
política é que a mesma poderá ser resolvida, ainda que parcialmente.
No entanto, o mesmo não ocorre com a outra forma de desigualdade, porque
“as desigualdades políticas ou morais são aquelas baseadas no poder, no status e
no dinheiro. Diferenças políticas, sociais e econômicas são, portanto, ilegítimas
e não autorizadas pela lei natural” (Romêo, 2009, p. 165). Portanto, sua existência
se caracteriza pela imposição do poder de alguém, criadas de forma artificial,“são
autorizadas pelo consentimento dos homens e baseadas em convenções que, em
vez de ajuda-los, trazem a infelicidade e vida na aparência” (Romêo, 2009, p. 165).
O consentimento do próprio homem, o torna escravo a quem fora concedido o
poder, é que para Rousseau a liberdade é um bem tão precioso, que somente o
próprio cidadão deveria legislar sobre os assuntos pertinentes à mesma, pois tanto
pode preservar partes da liberdade que se encontravam no estado de natureza,
quanto restringir ou mesmo ampliar a chamada liberdade civil.
A vida em sociedade trouxe inúmero problemas que entram em contradição
com a sua própria natureza, pois “em sociedade, as diferenças econômicas, sociais
e políticas seriam a fonte da infelicidade dos homens, sobretudo a desigualdade
política – que afasta o homem de si mesmo e o submete ao poder do outro ile-
gitimamente. Os homens, nascidos livres, seriam, então, servos do sistema social
criado ao acaso pela convivência humana” (Romêo, 2009, p. 167). Esta vida em
sociedade ao qual Rousseau se refere, é aquele que antecede ao contrato social,
ao qual estabelece o ponto de partida para a sua crítica.
No entanto, embora o estado de natureza possa receber de Rousseau uma
referência para o homem, melhor do que aquela que ele vivia em sociedade,
a caminhado do estado de natureza para a sociedade política é inevitável, irá
acontecer, porque a engenhosidade da natureza humana, em determinado mo-
mento será impulsionada à esta caminhada, o problema, segundo o autor, é que
o homem ainda não estava preparado para tal façanha. O retorno também não

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será possível. Ocorrerá um momento em que o homem terá que escolher entre
ficar no estado de natureza e perecer, ou, sair em direção à sociedade política e
ter que se adaptar a uma nova forma de ser. Como a própria lei natural diz que o
homem deve primeiramente preservar a si mesmo, a sua caminhada em direção
à esta sociedade será inevitável.
É preciso então estabelecer o contrato social. No entanto, a saída não encontra
solução tão fácil e evidente e nas palavras do próprio Rousseau: “o problema é
encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda força comum
a pessoa e os bens de cada associado e em que cada qual, embora se uma ao todo,
possa obedecer apenas a si mesmo e continuar tão livre quanto antes” (Rousseau,
2002, p. 216). O contrato social se propõe a resolver este tipo de problema, o de
preservar a liberdade do homem, ainda que possa dar a ela, uma nova nuance.
Quanto à questão da continuidade da liberdade, agora não mais liberdade natural,
mas liberdade civil, só será possível porque cabe somente ao homem, e ao próprio
homem, sem a existência de intermediários, o de legislar sobre a sua liberdade e
de seus interesses.
Se não é mais possível viver de acordo com a lei natural, que a liberdade do
homem possa ser protegida como liberdade civil, tendo o Estado como grande
tutor desta liberdade, e aos homens a responsabilidade de exercer o seu papel de
cidadão, defendendo-a de ser vilipendiada. No contrato social os homens não
transferem mais do que podem ganhar em troca de tal transferência, pois “cada
homem, dando-se a todos, não se dá a ninguém; e como não há nenhum asso-
ciado sobre o qual ele não adquire o mesmo direito que cede a outros sobre si
mesmo, ganha um equivalente de tudo que perde e um aumento de força para a
preservação daquilo que tem” (Rousseau, 2002, p. 216). A liberdade não mais será
a liberdade natural, mas sim uma outra forma de liberdade, que é a liberdade civil,
ou seja, a liberdade que tem por fundamento a existência de uma lei, que submete
todos os homens na mesma intensidade e extensão, e que tem por fundamento,
a manifestação primeiro da vontade individual, que se no processo final de sua
construção transformar-se-á na vontade geral.
Segundo Rousseau o contrato social reduz-se aos seguintes termos: “cada
um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu poder sob a direção suprema
da vontade geral e, em nossa capacidade de associado, recebendo cada membro
como uma parte indivisível do todo” (2002, p. 216). Sendo assim, a liberdade e
a igualdade não serão conduzidas por ninguém menos do que a expressão da

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vontade geral.
Mas o que é a vontade geral em Rousseau? Estudiosos afirmam que é um con-
ceito que está aberto na obra de Rousseau, e ainda questiona se, em determinadas
leis, a mesma poderia realmente ser a expressão da vontade geral, contudo, se faz
necessário dar um parâmetro para este conceito importante, e que só pode ser
compreendido dentro do todo da obra do autor, “sendo a vontade geral a vontade
própria do corpo político, vale dizer, aquilo que o distingue de uma mera agre-
gação de homens, essa vontade precisa de um instrumento específico para ser
fixada, capaz de expressá-la sem deturpar sua natureza peculiar” (Silva, 2008, p.
369). A vontade geral é aquela que supera a vontade individual, porque ela existe
somente em função da construção de um corpo político, com uma estrutura para
dar movimento a este, como aquele capaz de realizar os objetivos para o qual foi
instituído o contrato social.
A vontade geral está associada diretamente com a finalidade do próprio con-
trato social, como forma de reduzir o espaço individual e de construir e dar uma
dimensão ao coletivo, porque “a vontade geral passa a ser a diretriz de toda a
vida social institucionalizada. Os interesses pessoais que se lhes contraponham
são ilegítimos” (Mascaro, 2012, p. 197). É possível inferir que a vontade geral se
funda na condição de que, a única forma do homem poder viver em sociedade,
é compartilhando aquilo que lhes é comum, instituindo leis e outros instrumen-
tos para dirimir os conflitos, e reservando um pequeno espaço, para o que ele
pode fazer, como resultado da vontade individual, sem minimamente colocar
em risco o contrato social. Neste sentido, “a vida política do Estado passa a ser
não apenas legitimada por conta dos instrumentos formais – como o era com os
demais contratualista, com a mera delegação de um poder a um terceiro –, mas
sim por um diretriz substancial – o bem comum. O contrato social de Rousseau,
lastreado na vontade geral, passa a ter uma perspectiva formal e também material
de orientação” (Mascaro, 2012, p. 197).
O contrato social exige a formação e existência de um novo homem, pois
aquele do estado de natureza, embora seja o bom selvagem, não tem as caracterís-
ticas necessárias para a sua nova forma de ser, que é homem cidadão, que é aquele
que não abre da condição de participação do corpo soberano, não delegando
poderes, mas ele próprio fazendo parte das decisões, que não permite que outros
tratem de forma direta sobre a sua liberdade e os seus limites, e estes aspectos
passariam a ser discutidos e a existirem a partir de uma “reforma política, que

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visaria criar o cidadão, ou o homem desnaturado, estaria ligada à outra reforma, a


da educação”, pois através da educação, os homens poderiam conhecer e aprender
como, utilizando a razão que preserva as suas liberdades, possa controlar desejos
e paixões que coloquem em risco a sua vida no contrato social.
A ideia de contrato social em Rousseau é aquela que permite ao homem viver
na condição de cidadãos e súditos simultaneamente, como forma de se manter
como homens livres. Na condição de cidadãos, exercerão o direito de elaborar
as leis que governarão a todos de forma indiscriminada, na condição de súditos,
quando deverão obedecer as leis que eles próprios criaram, portanto, estarão exer-
cendo a liberdade, porque escolheram obedecê-las. Para Rousseau, “os homens
poderão viver em liberdade se viverem conforme as regras que criaram para
si mesmos. Isso significa que devem ser cidadãos de um Estado no qual façam
suas próprias leis: uma democracia” (Adams e Dyson, 2006, p. 72). No entanto, a
democracia projetada por Rousseau não tal qual a concebemos nos dias atuais,
de forma geral, e apenas com o objetivo de esclarecer alguns pontos iniciais,
Rousseau “via o Estado em termos de uma Grécia antiga, como uma comunidade
guiada pela moral, um ente corporativo com uma só vontade. Partidos e grupos
traziam a divisão” (Adams e Dyson, 2006, p. 73). ´
A questão política em Rousseau só poderá ser resolvida se a participação
do povo no Estado, levar em consideração aspectos de ordem moral, religiosa e
mesmo na perspectiva de uma religião civil, pois,“além da democracia direta, par-
ticipativa, que fizesse com que o povo não delegasse sua soberania, a educação e a
formação moral dos cidadãos poderiam ser armas de resistência ao perecimento
do social” (Mascaro, 2012, p. 201). Não é sem propósito Rousseau dedica uma
obra densa e complexa sobre educação, nominada como Emílio ou Da Educação,
considerando a educação como um instrumento que deve ser colocado à dispo-
sição dos homens, para fortalecer o seu caráter, permitir conhecer o real valor
de sua existência e os meios necessários para que ele viva numa boa sociedade.
Mas a ideia de contrato social, com a formação do Estado exige a criação
de um tipo artificial de pessoa, compreendida a partir do corpo político, sendo
assim, para Rousseau, “o corpo político, moral e coletivo surgido do pacto, toma a
forma de uma pessoa pública, artificial, mas que tem as mesmas sensibilidades de
uma pessoa comum. Assim como a natureza forjou os homens, esses formaram
o Estado” (Romêo, 2009, p. 173). Da vontade individual, resquícios do estado de
natureza, surge a necessidade de se constituir uma vontade coletiva e de dar a

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UNIDADE 7

esta, a ideia de uma pessoa pública e artificial, que nada mais é, e nem pode ser,
senão o resultado da vontade geral. No Contrato Social, Rousseau esclarece que
“em lugar da personalidade individual de cada parte contratante, esse ato de as-
sociação cria um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos
forem os votantes da assembleia, que recebe desse ato sua unidade, sua identidade
comum, sua vida e sua vontade” (2002, p. 216-217).
Mas a concepção de corpo político não se apresenta como uma estrutura
uma, e sim, a partir de três elementos constitutivos: “um órgão legislativo, um
órgão administrativo e a assembleia popular” (Silva, 2008, p. 372). Quanto ao
órgão legislativo, “Rousseau nos diz que o legislador deve possuir características
especiais, tais como uma moralidade incorruptível e um alto conhecimento sobre
a história, cultura e geografia do corpo político” (Silva, 2008, p. 372), mas é preciso
ressaltar que não se trata de uma elite, mas características que todo homem deve
ter após aderir ao contrato social, daí a importância da educação em Rousseau.
Ressalta que a função de legislador não lhe confere direito adicional, que o
possa diferenciar dos demais cidadãos, a não ser o fato de legislar, pois, “a pessoa
imbuída da tarefa de redigir as leis não possui o direito de fazê-lo seguindo sua
própria vontade. Sendo a vontade soberana a vontade do povo, ninguém em
particular pode substituí-la” (Silva, 2008, p. 372). Pode-se dizer que o legislador
apenas adequa a vontade do povo, a vontade geral, à técnica legislativa necessária
para que as leis exprimam a vontade geral, e possa ser aplicada sobre todos os
homens, pois seria inadmissível alguém fazer uma lei e depois não concordasse
que a mesma pudesse ser aplicada sobre a sua própria pessoa.
Outra instituição que compõe o corpo político é a o órgão administrativo, que
é denominado por Rousseau de “governo” e que “possui a função de executar as
leis produzidas; quer dizer, de aplicar as leis gerais e abstratas a casos particulares,
podendo mesmo usar da força física estatal para fazer valer as determinações da
vontade coletiva” (Silva, 2008, p. 372). Todas as ações necessárias à execução das
atribuições do órgão administrativo, não o faz o deliberação própria, mas somente
em função das leis criadas pelo órgão legislativo, que deve, necessariamente, ex-
pressar o que fora deliberado pela assembleia popular, pois, “os governantes são
meros funcionários do povo, subordinados, portanto a ele; quando ineficientes
ou desleais, o povo deve retirar-lhes o cargo e nomear novos funcionários aptos
a cumprir devidamente as funções administrativas” ( Silva, 2008, p. 372).
Quanto ao último órgão, ou seja, a “assembleia popular”, Rousseau “se refere

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às reuniões do povo para o exercício de sua autoridade soberana, as quais de-


vem ocorrer não apenas com o advento de circunstâncias extraordinárias que
reclamam seu pronunciamento público, mas também periodicamente por meio
de convocações legalmente previstas” (Silva, 2008, p. 374). Ou seja, o poder so-
berano sempre pertence ao povo, até porque, os dois primeiros órgãos, a saber,
o legislativo e o administrativo, ambos se constituem de cidadãos eleitos pela
“assembleia popular”.
Ainda falta definir que é o soberano em Rousseau, e sua relação com o Estado,
é necessário compreender que o contrato social inicialmente constitui o que se
chama de soberano, cujo resultado final, para a concretização do contrato, será
a expressão da vontade geral. O soberano surge a partir da percepção da indivi-
dualidade dos membros que compõe o contrato social, para a construção de uma
unidade que se chamará de vontade geral. Contudo, “sendo o soberano formado
no conjunto pelos indivíduos que o compõem, não tem nem pode ter qualquer
interesse contrário ao deles; e, como consequência, o poder soberano não neces-
sita dar qualquer garantia a seus súditos, porque é impossível que o corpo deseje
prejudicar a todos os seus membros” (Rousseau, 2002, p. 217).
Conhecido o conceito de soberano, Estado e Governo, assim como também o
de cidadão, resta definir quem é o súdito, e sua relação com os outros elementos,
que na soma e existência de suas vontades, constituir-se-á no Estado. Segundo
Romêo, “súdito e cidadão se diferem em relação à forma de participação política:
enquanto o súdito é o resquício do homem natural – privado –, o cidadão é o ho-
mem modificado pela convenção – educação” (2009, p. 173). O súdito é o homem
privado que se encontra subordinado à lei, pois é parte constituinte do contrato
que todos, quando se tratar de uma lei, encontram-se na mesma condição.
Ao contrário do que se poderia pensar, a submissão à lei não é contrária à
ideia de liberdade, pois foi na condição de cidadão, componentes do soberano,
que os homens, exercendo a liberdade civil advinda do contrato social, esco-
lheram pela elaboração e existência das leis, pois a lei simplesmente caísse num
espaço vazio, em outras palavras, ficasse limitada somente à vontade do súdito em
obedecê-la ou não, isto colocaria em risco a continuidade existencial do próprio
contrato social, por isso,“a fim, então, de que não seja fórmula vazia, o pacto social
inclui tacitamente esse compromisso, o único que pode dar força ao resto: quem
se recusar a obedecer à vontade geral será forçado pelo corpo a fazê-lo” (Rous-
seau, 2009, p. 217). É neste momento que entra em ação o órgão administrativo,

125
UNIDADE 7

na função de judiciário, pois Rousseau não adota a divisão clássica adotada por
Montesquieu para a repartição dos poderes. O Estado ao usar a força necessária
contra o súdito, que se recusa a obedecer a lei, não entra em contradição com a
ideia de liberdade, ao contrário, está obrigando o mesmo a ser livre, “pois essa é a
condição que, ao dar cada cidadão a seu país, garante - o contra toda dependên-
cia pessoal” (Rousseau, 2009, p. 217). O que deve prevalecer necessariamente é a
vontade geral, pois ser livre é viver de acordo com o que fora determinado pela
vontade geral, e não de acordo com a vontade individual. E as determinações da
vontade geral se transformam em leis.
Com relação às leis, Rousseau nos ensina que “pelo pacto social demos vida
e existência ao corpo político; e agora e temos que lhe conferir movimento e
vontade pela legislação” (2002, p. 222). A vontade geral não pode ficar apenas
no campo do discurso e das proposições do povo, que exercendo a condição de
soberano, ali está para deliberar o que deve ser acatado por todos os cidadãos
que aderiram ao pacto social. Sendo assim, “as leis são, propriamente falando,
apenas as condições da sociedade civil. O povo, estando sujeito às leis, deve ser seu
autor, as condições da sociedade devem ser regulamentadas apenas por aqueles
que se juntam para formá-la” (Rousseau, 2002, p. 222). As leis como os homens
devem se comportar diante do pacto social. Aponta-lhes os limites e estabelece as
conseqüências pelo não acatamento das mesmas, se trata de uma obediência, na
condição de súditos, mas não de submissos plenos, e sim como expressão de suas
liberdades. O escravo obedece por submissão plena, o cidadão como expressão
de sua participação ativa junto ao corpo político.
Assim como outros autores que filosofaram pelo campo da filosofia política,
e por agregação, o do direito, e herdeiro de uma tradição clássica, Rousseau nos
afirma que: “quando digo que o objeto das leis é sempre geral, quero dizer que a
lei considera os súditos em masse e as ações do abstrato, e jamais uma ação ou
pessoa em particular” (Rousseau, 2002, p. 222). Considerar os súditos em masse,
quer dizer considerá-los na sua totalidade, ou seja, suprimindo os aspectos de sua
individualidade, pois a lei representa necessariamente a vontade geral, a vontade
resultante de um corpo político que fora constituído a partir do pacto social. O
tema a ser tratado pela lei pode ser amplo, e mesmo estabelecer determinados
privilégios, mas não o pode fazê-lo de forma discriminada, como por exemplo,
“uma lei pode, de fato, decretar que haverá privilégios, mas não pode conferi-los
a ninguém nominalmente” (Rousseau, 2002, p. 222).

126
UNICESUMAR

Mas seria a melhor forma de governo no pensamento político de Rousseau?


O autor inicia a exposição de suas ideias pertinentes a este assunto, através de
uma provocação que conduz o leitor a uma inquietação, porque, “quando, pois,
se pergunta, de modo absoluto, qual é o melhor governo, faz-se uma pergunta
tão insolúvel quanto indeterminada ou, em outras palavras, ela tem tantas boas
soluções quanto combinações possíveis há nas posições absolutas e relativas dos
povos” (Rousseau, 1999b, p. 171). Não existe uma forma única, senão aquela que
permite ao povo manter a sua liberdade e prosperar.
Para responder a esta questão, Rousseau primeiro pergunta qual seria a fina-
lidade de uma associação política, a qual responde que é “a conservação e pros-
peridade de seus membros. E qual o sinal mais seguro de que se conservam e
prosperam? – o seu número e a sua povoação. Não ide, pois, procurar alhures
esse indício tão discutido” (1999b, p. 171). Mas é bom esclarecer, segundo nota de
rodapé de Lourival Gomes Machado, que Rousseau se refere a “povoar, no sen-
tido clássico, para significar tanto a multiplicação da espécie quanto a ocupação
do espaço habitável. Assim como já reduzira a produção econômica à agrícola,
Rousseau agora se adstringe ao critério da povoação para avaliar a ação efetiva
dos governos” (Rousseau, 1999b, p. 171).
Finalizando, o pensamento político de Rousseau se apresenta normalmente,
em condições além de seu tempo, pois apresenta uma sofisticação até então não
desenvolvida por outros autores, principalmente, porque deposita sob a respon-
sabilidade do homem, de forma mais objetiva, do cidadão a responsabilidade de
legislar sobre o tema central do contrato social, que é a liberdade e a construção
de uma boa sociedade. É indiscutível que “Rousseau fundou uma nova maneira
de pensar a política. Os pressupostos da vontade geral, o papel do legislador e
a valorização do povo soberano se fixaram no pensamento político” (Romêo,
2009, p. 181).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O pensamento político de Rousseau se apresenta normalmente, em condições


além de seu tempo, pois apresenta uma sofisticação até então não desenvolvida
por outros autores, principalmente, porque deposita sob a responsabilidade do
homem, de forma mais objetiva, do cidadão a responsabilidade de legislar sobre

127
UNIDADE 7

o tema central do contrato social, que é a liberdade e a construção de uma boa


sociedade. É indiscutível que “Rousseau fundou uma nova maneira de pensar a
política. Os pressupostos da vontade geral, o papel do legislador e a valorização
do povo soberano se fixaram no pensamento político” (Romêo, 2009, p. 181).

128
1. Explicar como Rousseau caracterizava o homem no estado de natureza.

2. Dissertar sobre a ideia de liberdade presente no pensamento de Rousseau.

3. Explicar o que é a vontade geral no pensamento político de Rousseau.

4. Existe uma relação política entre a vontade particular e a vontade geral no pensa-
mento de Rousseau? Fundamentar sua resposta.

129
8
Teoria da divisão
dos poderes
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar aspectos fundamentais da obra de Montesquieu.


• Estudar e compreender a “Teoria da Tripartição de Poderes” de
Montesquieu.
• Estudar e compreender as preocupações de Montesquieu para
com a democracia.
UNIDADE 8

Um dos principais problemas enfrentados pelos filósofos que transitaram


pela campo da filosofia política, é a questão do exercício do poder, ou seja, deverá
ser exercido por uma só pessoa ou por vários? É este o problema a ser enfrentado
por Montesquieu, embora John Locke também tenha tratado desta questão, mas
não de forma tão específica como o fará o presente autor.
Historicamente Charles Louis de Secondant, ou Barão de Montesquieu, como
é mais conhecido, é anterior a Rousseau. No entanto, são pensadores com propos-
tas distintas, enquanto Rousseau era contratualista, Montesquieu era muito mais
formalista e tinha preocupações distintas da ideia de contrato social. Rousseau
se preocupou muito mais com o cidadão-legislador, e Montesquieu em dividir
o poder, mas manter a ideia de unidade. É por estas e outras razões, que o mes-
mo está sendo analisado posteriormente à Rousseau, o que de forma nenhuma
afasta outras possibilidades de convergência e mesmo divergência na obra dos
respectivos autores.

132
UNICESUMAR

Barão de Montesquieu (1689-1755)

Historicamente Charles Louis de Secondant, ou Barão de Montesquieu, como


é mais conhecido, é anterior a Rousseau. No entanto, são pensadores com propos-
tas distintas, enquanto Rousseau era contratualista, Montesquieu era muito mais
formalista e tinha preocupações distintas da ideia de contrato social. Rousseau
se preocupou muito mais com o cidadão-legislador, e Montesquieu em dividir
o poder, mas manter a ideia de unidade. É por estas e outras razões, que o mes-
mo está sendo analisado posteriormente à Rousseau, o que de forma nenhuma
afasta outras possibilidades de convergência e mesmo divergência na obra dos
respectivos autores.
A sua principal e mais destacada obra chama-se Do Espírito das Leis (1748)
que “tornou-se uma obra de referência fundamental para os democratas consti-
tucionais na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França. Montesquieu plantou
sementes das quais brotaram relatividades modernas, substituindo antigos ab-
solutos” (Morris, 2002, p. 157).
Segundo Adams e Dayson (2006, p. 63) a obra Do Espírito das Leis, não é de
litura fácil, “trata-se de um livro muito longo ao qual o leitor se depara com no-
tórias incoerências e falhas de natureza formal”, e assim o é, segundo os autores,
porque Montesquieu queria fugir da censura, e criar uma barreira para leitores
menos preparados, pudessem distorcer o conteúdo de suas teorias e também,
porque preferia que o próprio leitor desvendasse o núcleo de suas teorias. Pode-se
afirmar que, “o Universo, dizia Montesquieu, mostra como sendo parte de sua
natureza certas regularidades a que damos o nome de leis. Em tal sentido, leis são
relações necessárias derivadas da verdadeira natureza das coisas. Até Deus está
preso a essas leis – as condições necessárias –, que tornam possível a atividade
criativa” (Adams e Dayson, 2006, p. 63). Sendo assim, é impossível compreender
a natureza humana, e sua relação social, sem a existência de leis, que oriente e
governo as ações humanas. Mas não afasta a existência das leis naturais, apenas
que edifica sob as mesmas, a existência das leis positivas, ou seja, daquelas criadas
artificialmente pelos homens, um produto advindo da razão.
Dada algumas incoerências, propositais ou não; assim como as falhas de na-
tureza formal, “se quisermos estabelecer uma linha que nos conduza através do
pensamento político de Montesquieu e de certa forma o resuma, devemos buscá-
-la e sintetizá-la em termos de duas questões fundamentais: o problema do poder

133
UNIDADE 8

e da liberdade” (Freire, Wagner e Barboza, 2009, p. 129). Questões que também


foram enfrentadas por outros pensadores, apenas que o fará sob outra perspec-
tiva, que não estará associada, por exemplo, com a vontade geral de Rousseau,
mas na descentralização do poder, como forma de conter o próprio poder, sem
que ele venha a perder a sua finalidade. Moderar para preservar. Eis a tônica do
pensamento de Montesquieu, mas po outro lado, “percebe-se que Montesquieu,
ao abandonar a premissa do contrato social, empreendeu a tarefa de desenvolver
uma teoria sociológica de governo e de direito, demonstrando que a estrutura e
funcionamento de ambos dependem das circunstâncias em que vive um povo”
(Soares, 2008, p. 64).
Diferente de outros pensadores, passa a analisar a liberdade a partir da exis-
tência das leis, pois elas existem bem antes da própria condição de existência
do homem, ou seja, não é uma criação da sua existência, mas sim, é graças a sua
criação que o homem existe, pois antes de criar os homens, Deus criou as leis
naturais e outras necessárias. Montesquieu não tinha problemas com questões
de ordem religiosa, ainda que fizesse críticas à Igreja Católica, diante da condição
histórica em que se encontrava, principalmente, em função do desgaste com ques-
tões internas de corrupção, mas foi um cristão convicto durante toda a sua vida.
Inicia a sua obra afirmando que “as leis, em seu significado mais geral, são as
relações necessárias que se originam da natureza das coisas. Nesse sentido, todos
os seres têm suas leis: a divindade, suas leis; o mundo material suas leis; as inteli-
gências superiores aos homens, suas leis; o homem, suas leis [...]” (Montesquieu,
2002, p. 158). Ainda que a sua proposta seja a de estudar as leis que se originam a
partir dos homens, como forma de estabelecer as suas condutas, quando da vida
em sociedade. Assim como outros pensadores, procura romper com a tradição
da teologia-política medieval, procurando demonstrar que as leis surgem a partir
de relações necessárias e naturais, para que tudo possa ser organizado, de acordo
com a sua finalidade, ou seja, se os homens precisam viver em sociedade, e mais
ainda, sob a égide de um Estado, é necessário que existam leis, para que as mesmas
estabelecem condições para a continuidade da existência da causa primária, que
é o próprio Estado.
Embora não possa ser considerado um contratualista, como o são Hobbes,
Locke e Rousseau, partilha, com algumas das ideias de Hobbes, sobre o homem e
sua condição quando no estado de natureza, pois a “primitiva condição da huma-
nidade, carente de governo – o “Estado de Natureza” –, seria um estado de miséria

134
UNICESUMAR

e terror” (Adams e Dyson, 2006, p. 63), pois os homens estariam desamparados


de leis positivas e de alguém que pudesse impor a todos, os limites a serem res-
peitados, portanto, “é sob o peso desse terror que a razão humana, embora ainda
entorpecida, chama a atenção do homem para a necessidade de criar e aplicar leis
positivas, as quais os tornarão capaz de alcançar a paz e a segurança” (Adams e
Dyson, 2006, p. 63). Sendo assim, o Estado surge como uma necessidade própria
da existência humana, pois sem o mesmo, o homem não pode ter uma boa vida
em sociedade.
No entanto, algumas leis surgem mesmo antes da reunião dos homens para
viver em sociedade, e de certa forma, os impulsiona a esta vida, pois segundo
Montesquieu, quando no estado de natureza, ao contrário do estado belicoso
de Hobbes, e do romantismo de Rousseau, este homem sentir-se-ia impotente,
fraco, e prisioneiro de seus próprios medos, sendo assim, “em vez de ser ciente
de sua igualdade, imaginar-se-ia inferior. Logo, não haveria perigo de um atacar
o outro; a paz seria a primeira lei da natureza” (2002, p. 159). É um homem mais
propenso a conter e esconder o seu medo, do que se colocar em indisposição com
outros homens, preferindo a paz do que a guerra. No entanto, é uma paz precária,
instável e que dependeria de quanto medo este homem poderia suportar, sem
que este se transformasse num instrumento de suas revoltas.
Subjugar o outro não pareceria uma boa ideia, porque produziria uma ins-
tabilidade ainda maior e traria outros complicadores, para os quais os homens
ainda não estariam preparados, sendo assim, “sem seguida à percepção de sua
fraqueza, o homem logo se tornaria ciente de suas necessidades. Daí, uma outra
lei da natureza o iria impelir a procurar alimentos” (Montesquieu, 2002, p. 159). A
necessidade de se alimentar faria surgir a segunda lei da natureza e o homem teria
que começar a desenvolver algumas das engenhosidades próprias da natureza
humana e, agregando a este fato, o medo que se manifestaria da mesma forma em
todos os homens, “logo se empenhariam em associar-se” (Montesquieu, 2002, p.
159). Mas existe um outro fato, uma outra lei natural em função da própria natu-
reza das coisas, que é a aproximação natural entre os animais da mesma espécie,
aproximação esta que estaria associada a uma atração de ordem sexual, porque
“a atração que surge da diferença de sexo acentuaria esse prazer, e a inclinação
natural que ele tem um pelo outro formaria uma terceira lei” (Montesquieu, 2002,
p. 159). Sendo assim, os seres humanos teriam uma atração de ordem natural e
que coexiste com aquela, oriunda da necessidade de se viver em sociedade, que

135
UNIDADE 8

segundo Montesquieu (2002, p. 159) constituir-se-ia na quarta lei, que “provem


do desejo de viver em sociedade”. Conforme já exposto, embora não seja um
contratualista no modelo clássico do conceito, não deixa de supor, que existe um
momento anterior àquele no qual o homem vive em sociedade organizada, em
que as leis, que surgem como forma necessária para a existência das coisas, atual
sobre os homens e a natureza, mas independentemente de sua escolha e vontade.
Para Montesquieu, a partir do momento em que o homem deseja viver em
sociedade, é imprescindível que crie leis, capaz de dar ordem a situações que não
se constituem mais a partir da natureza das coisas, mas que surgirão a partir de
condições artificiais, como é a própria criação do Estado. A questão das leis, se-
gundo Montesquieu, é fundamental e imprescindível para a vida em sociedade e
é sob esta perspectiva, que construirá a sua teoria da separação dos poderes, mas
demonstra também, ter herdado parte de sua formação teórica do mundo grego
e grego. É neste sentido que nos ensina que “como membros de uma sociedade
que deve ser sustentada de maneira apropriada, tem leis relativas aos governantes
e aos governado, as quais distinguimos com o nome de Direito político. Também
têm um outro tipo de leis, já que estão em relação uns com os outros; é o que se
entende por Direito civil” (Montesquieu, 2002, p. 159). Observa-se assim que,
procura afastar a possibilidade de outro tipo de lei, que não seja aquela associada
a natureza das coisas, e aquelas leis que tem por origem, a vida em sociedade, em
outras palavras, não se dispõe a analisar se as leis de natureza teológica interferem,
ou devem interferir na constituição desta vida em sociedade.
A preocupação em dar uma característica de racionalidade para a existência
da lei, afirma que “a lei é, em geral, a razão humana, visto que governa todos os
habitantes da terra; as leis civis e políticas de cada nação deviam ser apenas os
casos particulares em que se aplica a razão humana” (Montesquieu, 2002, p. 160).
Sendo assim, pode-se inferir, e o próprio autor deixa isto explícito, que o ideal é
que cada nação possa criar as leis, de acordo com as suas necessidades e mesmo
características específicas de cada local, admitindo assim, que pode existir agentes
externos à própria lei, que venha exigir considerações especiais para a sua elabo-
ração, como o clima, a geografia, o solo e outros fatores. Portanto, em regiões de
escassez de alimentos, pode ser necessário a existência de leis mais rígidas quanto
ao roubo e desperdício destes alimentos.
Mas com a finalidade de catalisar as forças necessárias para a realização das
leis necessárias à vida em sociedade, é preciso estabelecer um governo para que

136
UNICESUMAR

através das leis, possa bem orientar os homens e criar as condições necessárias
para este tipo de vida. Segundo Montesquieu, a república deve ser movida pela
virtude, que deve ser uma associação entre princípios da vida moral e da ética,
tal qual nos ensina Aristóteles na obra Ética a Nicômaco. Neste tipo de governo o
governante deve necessariamente ser escolhido pelo povo, mas quando os prin-
cípios da moral e da ética não se encontram bem fortalecidos e reverenciados no
cotidiano das pessoas que os compõe, o mesmo pode facilmente se deteriorar,
porque “quando a virtude é banida, a ambição invade as mentes daqueles que
estão dispostos a acolhê-la, e a avareza toma conta de toda a comunidade” (Mon-
tesquieu, 2002, p. 160). Sendo assim, deixa claro que a república, representada
pela democracia, tem a sua existência marcada por uma linha muito tênue, dada
a precariedade da própria natureza humana, em tratar com questões de ordem
valorativa, como é o caso da moral e da ética.
Quanto a monarquia, essa deposita nas mãos de um único homem, a respon-
sabilidade pela manutenção dos interesses de todos, até porque,“nas monarquias,
a política realiza grandes coisas com o mínimo de virtude possível [...]. As leis
preenchem aqui o lugar dessas virtudes” (Montesquieu, 2002, p. 161). O que era
de característica de cada indivíduo em si numa república, pode ser assumido por
um único indivíduo, mas agora sob uma outra forma, a honra. Pois é o que os
súditos esperam de seu monarca, que ele tenha suas ações norteadas pela honra
de servir aos eu povo, sendo assim, é na monarquia que se é “capaz de inspirar as
ações mais gloriosas e, combinada com a força das leis, pode levar-nos à finali-
dade do governo, assim como a própria virtude” (Montesquieu, 2002, p. 161). No
entanto, quando Montesquieu se refere à monarquia, o faz tendo como modelo
a monarquia inglesa, e não a francesa, que naquele momento histórico, consti-
tuía-se de monarquias absolutistas.
Embora Montesquieu apresente a República como uma boa forma de gover-
no, é evidente a sua admiração pela monarquia, principalmente, tomando como
referência a monarquia inglesa, e neste sentido, nos ensina que, “em monarquias
bem reguladas, são quase todos bons súditos, e muito poucos, bons homens; por-
que para ser um bom homem é necessário ter uma boa intenção, e deveríamos
amar nosso país, não tanto por nós próprios, mas em consideração à comunidade”
(Montesquieu, 2002, p. 161). Na visão de Montesquieu é mais seguro invocar a
honra de um nobre, como é o caso da monarquia, do que confiar nas virtudes
que compõe o tecido social que estrutura a democracia, no entanto, e conforme

137
UNIDADE 8

já explicitado, não se refere a qualquer modelo de democracia, pois irá defender


“a ideia de que a Monarquia Constitucional (como no caso da Inglaterra) é a
mais eficaz forma de governo” (Rocha, 2013, p. 112). Lembrando que a monar-
quia inglesa era na realidade, uma Monarquia Parlamentarista Constitucional,
conceito este que tem relação direta com a ciência política e com o Direito. Sendo
constitucional, tem se por princípio fundante que existe um conjunto mínimo
de leis que limita o poder e suas existências, em outras palavras, o rei é rei, mas
não pode tudo. Se existe um parlamento, no mínimo se supõe que existe um
grupo de homens que minimamente deve defender os interesses comuns, se são
eleitos somente pelos nobres, ou pelo povo, trata-se apenas de questões de ordem
estrutural e mesmo cultural, no entanto, fica evidente que o rei passa a dividir
o poder com o parlamento, que deve estar sempre vigilante, e fiscalizar as ações
do rei.
A monarquia a qual Montesquieu demonstra mais simpatia do que a pró-
pria democracia, é aquela em que as leis ordenam a vida de todos, inclusive com
a instituição de tribunais, pois “nas monarquias deve haver tribunais, os quais
devem proferir suas decisões, estas devem ser preservadas e aprendidas, a fim
de que possamos julgar da mesma maneira hoje como ontem, e para as vidas e
propriedades dos cidadãos possam ser garantidas e fixas como a própria Cons-
tituição do Estado” (Montesquieu, 2002, p. 161). O fato de exigir que os tribunais
julguem hoje, da mesma forma que julgaram ontem, traduz-se no conceito con-
temporâneo como “segurança jurídica”, ou seja, que não existam interpretações
tão inovadoras assim, a ponto de mudar radicalmente o sentido e a aplicação de
uma lei. Além do que, nos oferece como padrão de estabilidade a Constituição
do Estado.
Quanto a outra forma de governo, e que se contrapõe radicalmente às duas
anteriores, é o despotismo, que tem origem na língua grega, com a palavra des-
potès, que significa, aquele que tem poder de vida e morte sobre todos, ou seja,
que exerce poder absoluto. Embora a história demonstre a persistência deste tipo
de governo, diferente dos outros dois e anteriores a este, Montesquieu não nutre
a mínima simpatia por esta forma de governo, e nos ensina que, “assim como a
virtude é necessária numa república e a honra numa monarquia, o medo é ne-
cessário num governo despótico; em relação à virtude, não há ocasião para ela,
e a honra seria extremamente perigosa” (Montesquieu, 2002, p. 161). O governo
despótico se caracteriza pelo uso da força, de todas as ordens e formas, como

138
UNICESUMAR

meio de manter o medo como um elemento reinante no comportamento das


pessoas. As pessoas se curvam diante dos pés do governante, não como referência
resultante da virtude e tão pouco de sua honra, mas pelo medo que têm de suas
decisões tempestuosas e normalmente, com punições desproporcionais aos atos
cometidos.
Uma outra característica do governo despótico é com relação às leis e sua se-
veridade, porque “a severidade das penas é mais própria dos governos despóticos,
cujo princípio é o terror, do que da monarquia ou da república, cuja mola mestre é
a honra e a virtude” (Montesquieu, 2002, p. 163). Se uma das preocupações de sua
teoria era a questão do poder e sua limitação, assim como manter a liberdade, não
pode ser diferente a crítica de Montesquieu com relação aos governos despóticos.
Uma questão a ser ressaltada é quem em “Montesquieu a tirania é inimaginável,
desnecessária. Se as instituições democráticas baseadas nas leis funcionarem,
não haverá necessidade de estados de exceção. O exemplo seria o Parlamenta-
rismo Monárquico constitucional moderno” (Rocha, 2013, p. 113). A democracia
como forma de governo pode existir tanto em uma República, quanto em uma
Monarquia, pois a questão da participação do povo na elaboração das leis, pode
existir tanto em uma, como em outra forma de governo, e é preciso compreender,
que nem sempre o conceito de democracia, estende o direito ao voto a todos os
cidadãos, assunto que será abordado um pouco mais adiante em nosso curso.
Se o objetivo é tratar dos limites do poder e sua relação com as leis, é impres-
cindível antes, compreender como se resolve os problemas inerentes à liberdade
em Montesquieu, e neste sentido, o próprio autor nos alerta da complexidade
para se tratar deste tema, pois “não existe palavra alguma que admita significados
mais variados, e que tenha causado impressões diferentes da mente humana, do
que a palavra liberdade” (2002, p. 166). Uma das questões levantada, de forma
destacada pelos iluministas, é a diferença entre a liberdade dos antigos e a dos
modernos, como forma de estabelecer uma parâmetro entre períodos distintos
de nossa história, porque, de forma sintética, a liberdade dos antigos estava mais
associada com a liberdade de ordem civil, como por exemplo, o direito de ir e
vir, de propriedade, entre outros, enquanto que para os modernos, além destes
direitos, é necessário acrescentar o que seria talvez, a liberdade no seu aspecto
mais amplo, ou seja, a liberdade política. Liberdade está que traz para os homens
a responsabilidade de participar de forma direta e indireta da vida política, e mais
ainda, de decidir qual o limite e espectro de liberdade dos governantes sobre os

139
UNIDADE 8

governados. Pode e deve existir um poder superior para governar e conduzir a


vida dos homens em sociedade, mas este poder só pode e deve existir, porque
tem origem na vontade política dos homens que compõe a sociedade e depois o
Estado. Uma questão que fica evidente, principalmente na história da Inglaterra,
aonde a figura histórica do rei ou da rainha é importante, pois eles mandam, mas
não mandam mais do que a lei, até porque, eles próprios estão submissos às leis.
Ao tratar da questão da liberdade, Montesquieu nos ensina que “nas demo-
cracias, o povo parece agir como lhe agrada; mas liberdade política não consiste
em liberdade ilimitada” (2002, p. 177). Em uma democracia, assim como em uma
monarquia constitucionalista, não existe liberdade ilimitada, assim como, não
pode existir restrição de liberdade que não tenha por fundamento a racionalidade
e a necessidade de associá-la com a ideia de bem comum. Contudo,“em governos,
isto é, em sociedades dirigidas por leis, liberdade não pode consistir apenas no
poder de fazer aquilo que devemos querer, e em não ser reprimidos de fazer o
que não devemos querer” (Montesquieu, 2002, p. 166). Os limites entre o ser que
é o aspecto relacionado com decisões de ordem moral, de liberdade entre fazer e
não fazer, e o dever ser, que é o fato de sermos conduzidos por normas exteriores à
nossa vontade individual, ficam mais claros, quando nos lembrarmos que em uma
democracia o cidadão deve caracterizar a sua vida através da virtude, virtude está,
tendo como referência o modelo aristotélico. Neste sentido, Aristóteles, na obra
Ética a Nicômaco, nos ensina que as virtudes nos permite conhecer aquilo que
podemos querer, e o que não podemos querer, porque contraria a possibilidade
da busca do bem comum. Sendo assim, podemos querer tomar um bom cálice
de vinho, mas não podemos e nem devemos, beber vinho a ponto de colocar em
risco a existência da coletividade
Mas o que é a liberdade para Montesquieu? Não é este um conceito desen-
volvido pelo autor, é antes de tudo, uma definição clássica, que já estava presente
nas obras de Platão e Aristóteles, passando pelo mundo romano e pela medie-
validade, portanto, a “liberdade é um direito de fazer tudo que a lei permite; e, se
um cidadão pudesse fazer aquilo que a lei proíbe, ele já não mais seria dotado
de liberdade, porque todos os seus semelhantes teriam o mesmo poder” (Mon-
tesquieu, 2002, p. 166). Em outras palavras, para Montesquieu, quando se trata
de governos, onde as leis são elaboradas com a finalidade de fortalecer os laços
da vida em sociedade, o tema liberdade implica sempre no estabelecimento de
limites. Limites estes que no campo individual serão vigiados pela virtude e no

140
UNICESUMAR

campo político, pelas leis. No entanto, conforme já apresentado, Montesquieu


não tinha uma crença irrefutável na existência da virtude e na sua efetividade na
vida dos homens, sendo assim, é preciso que tenha um limite externo à própria
vontade individual, que são as leis do Estado. Contudo, estas leis se fundam sobre
a necessidade da construção de um bem comum, como é o caso da República
e da Monarquia, o que se opõe ao governo Despótico, cujas leis existem apenas
para satisfazer a necessidade do tirano, ou de um pequeno grupo de homens que
se beneficiam com tal artifício.
Mas a sua preocupação central é tratar das questões referentes à liberdade
política, que nada mais é, do que a liberdade associada com o uso e exercício do
poder. Para o referido autor, “a liberdade política só será encontrada em governos
moderados; e, mesmos nesses, nem sempre é encontrada” (Montesquieu, 2002,
p. 166). Moderados no sentido de que o poder deverá ser exercido dentro de
limites necessários ao seu exercício, neste sentido, a liberdade política “só existe
quando não há nenhum abuso de poder, mas a experiência constante nos mostra
que todo homem investido de poder é capaz de abusar dele e de levar sua auto-
ridade tão longe quanto puder” (Montesquieu, 2002, p. 166). O abuso de poder
desconstituí a liberdade de seu fundamento e transforma-se em tirania, em uso
desproporcional e desnecessário da força. O uso ilimitado e irrestrito da força
contraria até mesmo as leis naturais, pois os animais carnívoros matam somente
o necessário para saciar a sua fome, e os demais, fazem o mesmo. Mas a natureza
humana é constituída de uma certa engenhosidade, que pode ser tanto constru-
tiva quanto destrutiva, sendo assim, e desconfiando da capacidade de todos os
homens usarem a virtude para conhecer e estabelecer seus próprios limites, é que
Montesquieu afirma que a própria virtude precisa encontrar limites externos a
ela mesma, como forma de limitar as ações de alguns homens. Ações estas que, se
colocadas em prática em toda a sua extensão, colocaria a vida do próprio Estado
em risco.
Se o poder é necessário, o seu exercício em excesso pode ser tão prejudicial
quanto a sua ausência, portanto, “para impedir esse abuso, é necessário, pela pró-
pria natureza das coisas, que o poder seja um obstáculo ao poder” (Montesquieu,
2002, p. 166). Isto quer dizer que, os homens devem fazer somente aquilo que
a lei os obrigue a fazer, não porque o governante o quer, mas porque a lei assim
determina; assim como, não pode e nem deve, ser obrigado a fazer aquilo que
a lei permite que o mesmo se abstenha de fazer, sendo assim, o poder consiste

141
UNIDADE 8

em exigir o que está previsto nas leis e de se afastar das questões para o qual o
estabelecimento da lei não foi necessário.
A existência da lei determina a existência de um poder, poder de alguém
em fazer cumprir a mesma, afasta dos homens o medo, pois a lei expressa de
forma objetiva o que pode e o que não pode ser feito, ao mesmo tempo, em que
estabelece as formas e os limites para a punição. Fica evidente a existência de
três momentos, e ao mesmo tempo, de três estruturas diferentes de poder, que é
o de fazer as leis, depois de colocá-las em execução e posteriormente, o de jul-
gar e aplicar as devidas punições pelas suas violações. Segundo Montesquieu, é
neste momento que surge o problema da existência do próprio poder, pois não
é conveniente que um mesmo homem participe de todos estes momentos, pois
seria conceder poder demais a um único homem. E neste ponto em que busca
referência nas Constituição da Inglaterra naquele momento histórica, embora a
mesma, na sua essência, não tenha sofrido mudanças tão radicais nos dias atuais.
A importância da teoria da tripartição dos poderes, pode ser melhor com-
preendida a partir da citação de Paulo Bonavides, que nos ensina que “assim como
a Inglaterra conhecera John Locke por pensador político do contra-absolutismo,
vazado na inspiração dos direitos naturais oponíveis ao Estado, a França vai co-
nhecer, com o gênio de Montesquieu, a criação da obra Do Espírito da Leis da
técnica de separação dos poderes, que resume o princípio constitucional de maior
voga e prestígio de toda a idade liberal” (1986, p. 149). No entanto, a ideia não
é tão original assim, pois John Locke já tinha abordado esta possibilidade, mas
com uma pequena variação, concentrando importância maior na relação entre
legislativo e o parlamento.
Para começar a expor a sua teoria sobre a tripartição dos poderes, afirma
que “a liberdade política do súdito é uma tranquilidade de espírito que se ori-
gina na opinião que cada pessoa tem de sua segurança” (Montesquieu, 2002, p.
166), neste sentido, o grau de segurança está associado também, à existência e
exercício da liberdade do súdito, que não se conformando com a mesma, pode
e deve protestar, para que o Estado cumpra com as suas responsabilidades, e se
for caso, exigir mudanças nas leis, para que a mesma busque a contínua cons-
trução do bem comum. Portanto, “a fim de ter essa liberdade, é requisito que o
governo seja constituído de tal modo que um homem não precise ter medo do
outro” (Montesquieu, 2002, p. 167), e para que isto possa existir, é necessário que
nenhum homem sinta-se constituído de poder maior do que outro, pois quando

142
UNICESUMAR

o poder é exercido de forma moderada, todo o poder é e deve ser exercido dentro
de limites estabelecidos pela própria lei.
Segundo Montesquieu, “quando os poderes legislativo e executivo se reúnem
na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistrados, não pode haver liberdade
alguma; porque podem surgir apreensões de que o mesmo monarca ou Senado
promulgue leis tirânicas para executá-las de maneira tirânica” (2002, p. 167). A
virtude que move o homem comum é mesma para o homem público, e o próprio
conceito de honra, não se trata de um conceito absoluto em si mesmo, pois a na-
tureza humana é permeada de contradições que afetam a sua própria natureza,
como por exemplo, o consumo de drogas, de bebidas alcoólicas e outros, portanto,
não se pode conceder poder demais a um governante, além daquele necessário
ao exercício da própria natureza de seu poder.
Continuando o desenvolvimento de seu raciocínio, Montesquieu afirma que
“por outro lado, não existe liberdade se o poder judiciário não for separado do
legislativo e do executivo. Onde ele está reunido ao legislativo, a vida e a liberda-
de do súdito estaria exposta ao controle arbitrário; porque, então, o juiz seria o
legislador. Onde ele está reunido ao poder executivo, o juiz pode comportar-se
com violência e opressão” (2002, p. 167). O desenvolvimento da teoria de Mon-
tesquieu nos conduz ao encontro de um equilíbrio e moderação para a existência
do poder, passando pela ideia de que o mesmo existe de forma una, mas com
características particulares, cuja soma, quando positiva, pode apenas contribuir
para o fortalecimento das leis e por consequência do Estado, e ao mesmo tempo,
garantir a liberdade com amparo na existência das leis.
Concluindo esta primeira parte de construção de sua teoria sobre a triparti-
ção dos poderes, nome que obviamente surgiu posteriormente à sua obra, afirma
que “tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo, seja de nobres
ou do povo, exercesse três poderes, o de promulgar leis, o de executar as reso-
luções públicas e o de julgar as querelas dos indivíduos” (Montesquieu, 2002, p.
167). Portanto, fica evidente de que, para que o exercício do poder seja moderado,
é necessário primeiramente, descentralizar as diversas fases que o compõe a sua
estrutura, a saber, as leis; para depois, do resultado do exercício moderado do
poder de cada um, o Estado possa surgir como um poder uno e que tenha por
característica principal, preservar e garantir a liberdade dos homens.
Cada um dos poderes que compõe o poder central que é o Estado, tem ca-
racterísticas próprias de sua natureza e deve ser exercido por pessoas com ha-

143
UNIDADE 8

bilidades específicas para tal. Sendo assim, “o poder executivo deve permanecer
nas mãos de um monarca porque esta parte do governo, que quase sempre tem
necessidade de uma ação momentânea (no sentido de instantânea), é mais bem
administrada por um do que por muitos; ao passo que o que depende do poder
legislativo é, amiúde, mais bem-ordenado por muitos do que por um só” (Montes-
quieu, 1997, p. 206). A execução é por vezes, mais complexa e exige intervenções
mais rápidas, com resultados mais imediatos, do que as duas esferas do poder.
Maquiavel já compartilhava desta faceta do exercício do poder, ao afirmar que
diferente dos demais homens, o príncipe nunca descansa, pois as forças que os
cercam não medirão esforços para colocá-lo sempre à prova quanto a sua virtù.
Por outro lado, com referência ao Poder Legislativo, em se tratando de carac-
terísticas ainda pertinentes à sua época histórica, diz que “o poder legislativo será
confiado tanto à nobreza como ao corpo escolhido para representar o povo, cada
qual com suas assembleias e deliberações à parte e objetivos e interesses separa-
dos” (Montesquieu, 1997, p. 205). É o que na Inglaterra constituía-se da Câmara
dos Lordes e da Câmara dos Comuns, no que ficou conhecido como regime
bicameral, a qual os americanos, através da Teoria Federalista de Madison, Jay e
Hamilton, darão um novo sentido e que veremos mais adiante em nosso curso.
Sendo assim, é possível inferir que Montesquieu, originário da nobreza, entendia
que, por natureza, algumas pessoas tinham certos direitos associados com a sua
condição de nobreza, portanto, naquele momento, também necessariamente de
ordem econômica, portanto, tinham interesses e necessidades peculiares à sua
própria condição social, o que não era nada de excepcional na sua época.
Ainda com relação ao Poder Legislativo, estabelece qual deveria ser o seu
campo de atuação, além daquele classicamente admitido, que é o de fazer leis,
em outras palavras, “o corpo representante também não deve ser escolhido para
tomar uma resolução ativa, coisa que não executaria bem, mas, sim, para fazer
leis ou para ver se as que fez são bem executadas, coisa que pode executar mui-
to bem, e ninguém pode fazer melhor do que ele” (Montesquieu, 1997, p. 205).
Quando se refere a resolução ativa, são aquelas ações necessárias para cumprir
o que determina as leis, tarefas destinadas ao Poder Executivo no exercício roti-
neiro de seu trabalho, e do judiciário, quando prolata uma sentença. Ao mesmo
tempo que reconhece a importância do Poder Legislativo, de onde na realidade
provém a liberdade, pois em Montesquieu, “a liberdade é o poder das leis, não do
povo” (Freire, Wagner e Barbosa, 2009, p. 138), também afirma que “seria inútil

144
UNICESUMAR

que o corpo legislativo estivesse sempre reunido. Isto seria incômodo para os
representantes e além disso ocuparia muito o poder executivo, que não pensa-
ria em executar mas em defender suas prerrogativas e seu direito de executar”
(Montesquieu, 1997, p. 206).
Mas quem poderia e deveria convocar o corpo legislativo? Na visão de Mon-
tesquieu este não poderia se autoconvocar, pois para que isso acontecesse, seria
necessária a presença unânime de seus membros; mas a questão não é apenas
de ordem formal, e sim da possibilidade que este teria, quando diante de uma
crise, e querendo colocar os demais poderes em crise, resolvesse não realizar a
convocação para o enfrentamento da crise. Se a ideia é conter o poder, sem lhe
tirar a necessidade da ação, portanto, é necessário “que seja o poder executivo
quem regulamente o momento da convocação e da duração dessas assembleias
com relação às circunstâncias que ele conhece” (Montesquieu, 1997, p. 207).
Embora estas reuniões do corpo legislativo não precisem ser diárias, e o Poder
Executivo é que tem força de lei para a sua convocação, isto não transfere a este
poder, um poder absoluto, ou seja, de não mais convocar as reuniões do corpo
legislativo, a razão é que se “o corpo legislativo ficasse durante muito tempo sem
se reunir, não haveria mais liberdade, pois, de duas coisas, uma aconteceria: ou
não haveria mais resolução legislativa, e o Estado mergulharia na anarquia, ou
estas resoluções seriam tomadas pelo poder executivo e ele tornar-se-ia absoluto”
(Montesquieu, 1997, p. 206). Se não houvesse equilíbrio dos poderes, estabelecido
pelas suas funções necessárias, o exercício do poder caminharia sempre em dire-
ção ao exercício absoluto do poder, o que contrariaria toda a ideia de liberdade. O
que se observa em Montesquieu é que a vida em sociedade, notadamente aquela
que se refere ao viver em um Estado constituído por liberdades políticas e civis,
tem seu próprio movimento e que exige de cada um dos poderes uma presença
de acordo com suas contingências e necessidades, mas jamais podem deixar de
existir. A supressão dos poderes está fora de cogitação na construção da teoria
de Montesquieu.
Quanto ao poder judiciário, nos ensina que “o poder de julgar não deve ser
outorgado a senado permanente mas exercido por pessoas extraídas do corpo
do povo num certo período do ano, de modo prescrito pela lei, para formar um
tribunal que dure apenas o tempo necessário” (Montesquieu, 1997, p. 203). O
modelo é aquele adotado por Athenas no período do auge de sua história, aonde
cidadãos eram escolhidos para julgar, com fundamento nas leis, todos os homens.

145
UNIDADE 8

Exemplo este dado pelo julgamento de Sócrates, de forma mais enfática, através
das obras Apologia de Sócrates, ou Críton ou Do Dever. No entanto, o próprio
Montesquieu apresenta as suas razões para tal forma de ser do judiciário, pois “o
poder de julgar, tão terrível entre os homens, não estando ligado nem a uma certa
situação nem a uma certa profissão, torna-se, por assim dizer, invisível e nulo. Não
se têm constantemente juízes diante dos olhos e teme-se a magistratura mas não
os magistrados” (1997, p. 202). Uma das razões para este tipo de procedimento
é que, assim como era em Athenas, os homens deveriam ter cautela em julgar, e
quando o fizesse, deveria ser com fundamento na justiça, pois num futuro muito
próximo, encontrar-se-ia na condição de homens comuns, e sujeitos a serem
julgados por quem um dia fora julgado por eles. Não deixa de ser uma forma
de conter a existência do próprio poder, ao mesmo tempo em que reconhece
a importância de sua existência, pois busca junto ao povo, pessoas que tenham
conduta de vida capaz de exercer, ainda que temporariamente, esta função.
Dentro desta perspectiva de análise de Montesquieu, e sua preocupação e
dar a lei um caráter de objetividade indiscutível, e perceptível aos olhos de todos
os homens, que vai além das teorias tradicionais sobre a existência dos juízes,
quando expõe que “cumpre mesmo que, nos grandes processos, o criminoso,
juntamente com a lei, escolha os juízes, ou que, pelo menos, possa recusar tão
grande número deles que os que sobrarem sejam tidos como de sua escolha”
(Montesquieu, 1997, p. 203). É preciso ressaltar que tal procedimento não pode
ser realizado pelo bel prazer do criminoso, mas juntamente com a lei, sendo assim,
será a lei que deverá definir as formas para a realização deste fato. Nos tempos
atuais, no Tribunal do Júri Popular, como nomina alguns autores, é possível ve-
rificar, que os advogados de defesa e acusação, podem fazer, cada um, restrição
a três jurados, porque na realidade, e segundo as teorias do Direito Penal, neste
caso, o julgador é o povo, ao juiz cabe apenas conduzir o julgamento e dosar a
pena cabível ao crime.
No entanto, parece uma contradição o fato de que o poder de julgar seja tem-
porário e também, não seja exercido por um rol de funcionários específicos para
a função, como aliás, defende a teoria de John Locke e mesmo Hobbes. Contudo,
para responder a esta aparente e superficial possibilidade de contradição, Mon-
tesquieu afirma que “os outros dois poderes (executivo e legislativo) poderiam,
preferivelmente, ser outorgados a magistrados ou corpos permanentes, porque
não se exercem sobre nenhum indivíduo, sendo um somente a vontade geral do

146
UNICESUMAR

Estado (legislativo) e outro somente a execução dessa vontade geral (executivo)”


(Montesquieu, 1997, p. 203).
Reconhece Montesquieu a existência de situações em que o poder de julgar,
de forma mais contemporânea, o judiciário deve ser exercido dentro de certas
condições, ao garantir alguns direitos, e pode-se dizer, à primeira vista, certos
privilégios, a pessoas que exercem funções específicas dentro do Estado e sendo
assim, sejam julgados não por juízes arregimentados entre os homens comuns,
mas por seus pares, ou ainda, por pessoas mais próximas de sua importância
política e não pessoal.
Inicia a exposição de suas razões afirmando que os poderosos “estão sem-
pre expostos à inveja e se fossem julgados pelo povo não fruiriam do privilégio
que, num Estado livre, o mais humilde cidadão possui de ser julgado pelos seus
pares” (Montesquieu, 1997, p. 208), portanto, os mesmos deveriam ser julgados
pelo legislativo e seus correspondentes nobres. Diferente de Rousseau e outros
pensadores de vertente mais crítica e social, o presente autor não vê problemas
na existência dos poderosos, pois estes até são necessários para que um Estado,
seja uma República, como uma Monarquia, possa ser forte e respeitado pelos seus
opositores. Parte do pressuposto de que os pares não mantêm animosidades entre
si, e sendo assim, podem julgar com maior independência, ao passo que se um
poderoso fosse julgado por uma pessoa mais pobre que ele, pelo menos na visão
do autor, seria normal que este nutrisse um certo sentimento de inferioridade e
o quisesse corrigir a partir de seu julgamento, o que acabaria por constituir-se
numa injustiça.
Outra possibilidade é aquela em que “poderia ocorrer que algum cidadão,
nos negócios públicos, violasse os direitos do povo, cometendo crimes que os
magistrados estabelecidos não saberiam ou não poderiam julgar” (Montesquieu,
1997, p. 208), seria o caso, por exemplo, de um legislador que tenha, por descuido
dos demais, legislado em causa própria. O que se questiona é como, neste caso
específico, um juiz advindo do povo, possa saber como julgar, justamente aquele
que fez as leis, além do que, para preservar a própria ideia de que cada poder deve
exercer a sua finalidade, mas levando em consideração a administração do Esta-
do, segundo Montesquieu, o Poder Legislativo só poderia agir como acusador, o
que seria um problema, pois acusaria diante de quem? Portanto, “para conservar
a dignidade do povo e a segurança do indivíduo, é mister que a parte legislativa
do povo faça suas acusações diante da parte legislativa dos nobres, a qual não

147
UNIDADE 8

possui nem os mesmos interesses que ele nem as mesmas paixões” (Montesquieu,
1997, p. 208).
Aparentemente existe uma situação crítica, que seria aquela em que o le-
gislador, legislasse no sentido de colocar o próprio Estado em risco, e mesmo,
criando condições para que fosse facilmente dominado por um outro Estado.
Esta situação pode equilibrada, se o Poder Executivo exercer o seu direito de
“participar da legislação através do direito de veto, sem o que seria despojado de
suas prerrogativas. Mas, se o legislador participar da execução, o poder executivo
estará igualmente perdido” (Montesquieu, 1997, p. 208). A ideia é de que os po-
deres são harmônicos, mas mantém uma certa independência entre si, contudo,
nenhum deles pode, e nem deve, colocar a existência do Estado em risco, porque
isso contraria a própria natureza para as suas existências. No entanto, conforme
já exposto quanto tratamos do poder legislador, este pode e deve fiscalizar se as
leis que ele criou, estão sendo executadas.
As considerações de Montesquieu sobre a Monarquia, tinha como referência
àquela existente na Inglaterra, no entanto, “consta haver Montesquieu cometido
equívoco fundamental quando propôs a Constituição da Inglaterra por exemplo
vivo relativo à prática daquele princípio de organização política, porquanto na
ilha vizinha o que efetivamente se passava era o começo da experiência parlamen-
tar de governo, esbatendo toda a distinção de poderes” (Bonavides, 1986, p. 149).
A razão é a de que, num governo parlamentar, o primeiro-ministro, que é quem
exerce o poder executivo, é eleito entre os pares do parlamento, normalmente,
por indicação do partido que detêm o maior número de cadeiras, sendo assim, a
origem do poder executivo é o próprio parlamento, que também, pode, a qualquer
momento, destituir o primeiro-ministro e eleger um novo.
Independentemente de ter ou não cometido um equívoco é preciso reconhe-
cer que Montesquieu, não propugnou, simplesmente, a separação e a independên-
cia dos três poderes, mas sim a combinação e o equilíbrio ajustado entre esses três
poderes. A limitação e a fiscalização mútuas, especialmente, estabelecidas entre os
poderes impediriam a eventual usurpação inoportuna por parte de algum deles”
(Farias Neto, 2011, p. 260). Outro aspecto, e que irá marcar a política moderna,
foi o fato de ter delimitado a esfera de competência de cada poder, sem perder a
perspectiva de que o mesmo só existe em função do todo, e este todo, é o Estado
organizado a partir da perspectiva das leis.
Finalizando, é preciso reconhecer ainda que em momento nenhum afasta a

148
UNICESUMAR

existência do poder a partir da necessidade das leis, que primeiro o legitimam


e depois, lhes dá o caráter de juridicidade, e também, o fato de que “a teoria da
separação dos poderes alimentou a constituição republicana dos Estados Unidos
da América e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Daí,
todos os processos políticos inspirados nesses documentos incluírem essa ideia.
Ao mesmo tempo, porém, a Revolução Francesa incorporou de Montesquieu o
regime bicameral” (Freire, Wagner e Barbosa, 2009, p. 143).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O problema na democracia não é o poder, mas a forma, quem exerce, e quais os


limites para o seu exercício. A ideia de Montesquieu é dividir dentro das especi-
ficidades administrativas do governo, sem, contudo, colocar em risco a unidade
do poder, desta construção filosófica surge a conhecida “Teoria da Tripartição
dos Poderes”, que ainda predomina nas democracias contemporâneas. É uma
contribuição importante e o constitucionalismo rapidamente irá aderir à mesma.

149
1. Explicar em linhas gerais, o teor da principal obra de Montesquieu.

2. Dissertar como Montesquieu desenvolve o seu pensamento sobre as leis.

3. A lei em Montesquieu tem um apelo emotivo ou racional? Justificar sua resposta.

4. Explicar como Montesquieu relaciona a ideia de liberdade com a existência das leis.

150
9
Teoria
Federalista
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Aprender e compreender o surgimento do federalismo moderno.


• Estudar e compreender a importância da obra O Federalismo.
• Estudar e compreender os problemas do Sistema Federalista.
UNIDADE 9

Sem saber os motivos, mas desejando conhece-los, é raro encontrar das obras
que tratam de Ciência Política, referência a obra de Madison, Jay e Hamilton, que
foi o desenvolvimento do que conhecemos hoje como o federalismo moderno. É
verdade que foi uma teoria (ou primeiro como prática) desenvolvida com fina-
lidade objetiva de resolver um problema que inicialmente, ao menos no mundo
moderno, surge com a independência americana, e na realidade, primeiro se
vivenciou a prática e depois de construiu a teoria, pois a discussão desta questão
ocorre nos momentos históricos inseridos entre a Independência Americana em
1776 e a proposta e aprovação da Constituição Americana em 1787.
O conhecimento da obra destes três americanos pode nos esclarecer as ori-
gens e as razões para o desenvolvimento do federalismo moderno, modelo este
adotado pelo Brasil, embora de forma precária, pois o poder da União ainda é
muito grande e pouca liberdade sobrou aos Estados e Municípios, principalmente
na coleta e distribuição de recursos.

152
UNICESUMAR

O Federalismo Moderno

Sem saber os motivos, mas desejando conhece-los, é raro encontrar das obras
que tratam de Ciência Política, referência a obra de Madison, Jay e Hamilton, que
foi o desenvolvimento do que conhecemos hoje como o federalismo moderno. É
verdade que foi uma teoria (ou primeiro como prática) desenvolvida com fina-
lidade objetiva de resolver um problema que inicialmente, ao menos no mundo
moderno, surge com a independência americana, e na realidade, primeiro se
vivenciou a prática e depois de construiu a teoria, pois a discussão desta questão
ocorre nos momentos históricos inseridos entre a Independência Americana em
1776 e a proposta e aprovação da Constituição Americana em 1787.
É fruto da existência do Estado Moderno, e mais, de um Estado Moderno
cuja forma de governo é a democracia representativa, tendo como fundamen-
to uma Constituição, união de elementos que colocam este momento histórico
americano, em questões que na Europa só serão tratadas de forma efetiva, após a
Revolução Francesa em 1789. Sintetizando o problema americano, a questão era
como constituir um governo central, que coordenasse os demais governos locais,
num país de dimensão continental e por terras ainda a serem desbravadas, mas
de qualquer forma, superior em extensão territorial a maioria das nações euro-
peias, governos locais estes, que não desejam abrir mão de sua autonomia local,
de características culturais e mesmo de vertente religiosa (ainda que protestante)
diferentes. De certa forma, podemos afirmar com certeza, de que o colonizador
americano era culturalmente, superior aos colonizadores que se instalaram nas
outras regiões da América. Tinham desde o momento da colonização, um forte
vínculo com o liberalismo em desenvolvimento na Europa, e apreciavam a liber-
dade como um bem maior.
Outra característica fundamental, é que tinham que declarar a sua indepen-
dência, de uma nação que já se mostrava grandiosa na Europa, com uma força
militar naval e mesmo de infantaria, capaz de impor respeito a todos os povos
europeus. Esta força será demonstrada, principalmente no período de Napoleão
Bonaparte (1769-1821), não podemos nos esquecer que, para fugir de Napoleão
Bonaparte, então Imperador de França, a monarquia portuguesa teve que solicitar
proteção à Inglaterra e, também, fazer concessões que sobrecarregariam o povo
brasileiro.
A Independência americana foi dramática e muito custou ao povo americano,

153
UNIDADE 9

pois tiveram que enfrentar os ingleses, mas ficar atentos com os interesses escu-
sos da França, que inclusive forneceu armamentos e alguns homens para a luta
contra os ingleses, e mais ao sul, enfrentar os espanhóis e seus descendentes, já na
formação do povo mexicano, em lutas sangrentas e violentas, como o fora toda e
qualquer processo de colonização desenvolvido pelos espanhóis. Quem descreve
com detalhes estes momentos cruéis e bárbaros do processo de colonização lati-
no-americano é Eduardo Galeano na obra As Veias Abertas da América Latina.
O federalismo, tal qual o conhecemos, é um produto necessariamente re-
sultante do Estado Moderno. Embora possa ter existido algumas experiências
federalista na Grécia e Roma Antiga, mesmo na Itália no período renascentista e
mesmo na Alemanha, nenhuma delas se assemelha de forma enfática ao modelo
desenvolvido pelos americanos, pois eram muito mais de conveniência de ordem
militar, do que econômica e mesmo política. Para Dallari, “o Estado Federal é um
fenômeno moderno, que só aparece no século XVIII, não tendo sido conhecido
na Antiguidade e na Idade Média. Sem dúvida, houve muitas alianças entre Esta-
dos antes do século XVIII, mas sempre temporárias e limitadas a determinados
objetivos, não implicando a totalidade dos interesses de todos os integrantes”
(2012, p. 252). O máximo que se pode afirmar, foi a existência de um proto-fede-
ralismo, até porque, o Estado Moderno começará a ser gestado somente a partir
do século XV.
O federalismo ou Estado Federal, como também é mais conhecido no Brasil,
de forma simples, pode ser definido, apenas inicialmente, como “uma aliança ou
união de Estado” (Dallari, 2012, p. 252). No entanto, de forma mais sofisticada
e para compreender a extensão de seu significado, o Estado Federal “representa
uma distribuição constitucional de poder entre o governo central e as unidades
governamentais constituintes, de tal forma que todos podem compartilhar dos
processos de produção e implementação de política públicas” (Ismael, 2009, p.
227). Sendo assim, o federalismo se sustenta necessariamente, sobre uma Cons-
tituição, que delimitará as atribuições e os limites jurisdicionais, sobre cada um
dos componentes da federação, preservando grande parte das liberdades locais,
desde que as mesmas sejam orientadas a partir das finalidades projetadas pela
Constituição. Na realidade, requer mais do que a simples união entre Estados,
pois através da Constituição explicita como se dará a integração entre os seus
componentes, não de forma impositiva, mas com o estabelecimento de liberda-
des políticas, capaz de garantir a todos estabilidades e justo tratamento dos seus

154
UNICESUMAR

problemas locais, sem contudo, interferir de forma direta na maioria dos casos.
É que na realidade o processo de independência americana foi diferente da-
queles existentes no restante da América, o fato histórico é que “o Estado Federal,
nasceu, realmente, com a constituição dos Estados Unidos da América, em 1787.
Em 1786 treze colônias britânicas da América declararam-se independentes,
passando a constituir, cada uma delas, um novo Estado” (Dallari, 2012, p. 252).
O desenvolvimento do federalismo se confunde com a própria história da inde-
pendência e da formação do constitucionalismo americano, podendo-se afirmar
que, a necessidade prática auxiliou na construção da sua própria teoria. Este de-
senvolvimento se inicia já no período das colônias, e segundo Lima, citando a
obra de Fredys Orlando Sorto,“as colônias tinham desfrutado de ampla liberdade
durante a administração colonial [...]. Após a Guerra dos Sete Anos (1763), que
culminou com o Tratado de Paris, a Inglaterra impôs restrições ao comércio
colonial e taxou vários produtos. Foram tributados o açúcar (Sugar Act, 1764) e
todo o material impresso nas colônias (Stamp Act, 1765). Este último imposto,
instituído pela denominada Lei do Selo, provocou violenta reação dos colonos,
que constituíram uma associação chamada Filhos da Liberdade, para combater a
referida lei” (2011, p. 127). Foi uma questão de ordem tributária, mas que atingia
de forma direta um dos pressupostos do liberalismo clássico, principalmente
aquele desenvolvido por John Locke, que fez com as colônias se organizassem,
para a criação da associação Filhos da Liberdade, nome emblemático, para um
povo que já tinha conhecimento da extensão de seu significado. A cobrança de
tributos por parte do governo é discutida na obra de John Locke, nominada de
Dois Tratados Sobre o Governo, aonde o mesmo defende a ideia de que os tri-
butos não podem sobrecarregar a riqueza dos cidadãos, principalmente, quando
a sua finalidade for injusta, pois isto fere o direito de propriedade, que é um dos
pilares do liberalismo.
Concretizada a independência as 13 colônias tinham um problema a ser en-
frentado: como lutas contra a Inglaterra que não iria, de forma pacífica, abrir mão
de sua colônia mais próspera e que de certa forma, ainda mantinha laços étnicos
muito forte com a metrópole? São as questões de ordem prática e real que impul-
sionam as colônias a buscar uma forma de se manterem livres, mas estabelecer
laços de solidariedade e união, para enfrentar agora, o que seria o inimigo mais
temível: a coroa inglesa. Foi quando no Congresso Continental de 1777 que as
treze colônias norte-americanas resolveram adotar o sistema de confederação,

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UNIDADE 9

a sua característica é a de que “a estrutura adotada conferia ampla autonomia


às unidades estaduais, e um limitado papel à confederação, a qual tinha poucos
meios para impor suas decisões aos estados, e também não podia se dirigir dire-
tamente aos cidadãos” (Ismael, 2009, p. 229). O grau de liberdade era tão grande,
que a Confederação, constituída de um poder central, quase nada poderia fazer,
além do que, “a maior fragilidade dos Artigos da Confederação consistiu em não
ter estabelecido nenhum braço executivo para o governo central, muito menos
um poder judiciário central. E o congresso continental, que era um legislativo
unicameral, não possuía praticamente nenhum poder” (Lima. 2011, p. 128), o que
acabou por constituir-se muito mais de forma figurativa e com pouca efetivida-
de. Outro aspecto que conferiu fragilidade ao modelo confederativo, foi o fato
de que cada Estado contribuía de acordo com as suas condições, e quando lhe
fosse possível, e em situações de guerra, os Estados mais pobres, normalmente de
atividade agrária e escravagista, contribuíam apenas com homens, o que acabou
gerando insatisfação nos Estados economicamente mais ricos, que acabavam
arcando com a maioria das despesas, e também, ofereciam maior risco de invasão.
Desejavam tanto a liberdade, que resolveram estabelecer uma confederação
que se lhes garantia esta liberdade, pouco também poderia oferecer de resistência
àqueles que eram contra esta liberdade, inclusive, alguns insurgentes que não
concordavam com a independência da Inglaterra, por questões diversas, paralelo
a estes acontecimentos, e “à revelia dos Artigos da Confederação, os treze Estados,
que possuíam Constituições próprias, viviam sob a égide da denominada “política
da liberdade”, isto é, uma política na qual havia o predomínio absoluto do legis-
lativo” (Lima, 2011, p. 128). Tal atitude concedia um poder quase ilimitado aos
legislativos, o que contraria a teoria da Tripartição de Poderes de Montesquieu,
e mesmo o modelo que o antecede, desenvolvido por John Locke.
O modelo de confederação não era estranho aos norte-americanos, pois “em
1643 quatro colônias haviam constituído a Confederação da Nova Inglaterra,
para atuarem juntas nas guerras contra os indígenas e para resistirem às ameaças
da expansão holandesa na América” (Dallari, 2012, p. 252). Mas o objetivo neste
caso, era específico, pois o era de interesse militar, de defesa, e não envolvia aspec-
tos de ordem política e administrativa, o que pode ter favorecido o seu sucesso.
No entanto, o novo propósito da confederação era mais amplo e exigia relações
mais complexas, pois envolvia as relações dos Estados como um todo.
A questão da preservação das liberdades das Colônias, que com a indepen-

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UNICESUMAR

dência passam a ser chamadas de Estado, segundo Dallari (2012, p. 252), faziam-
-se presentes no Tratado de Confederação com o seguinte teor: “Art. 2º Cada
Estado reterá sua soberania, liberdade e independência, e cada poder, jurisdição
e direitos, que não sejam delegados expressamente por esta confederação para
os Estados Unidos, reunidos em Congresso”. Segundo nos ensina Dallari, se cada
Estado continuará a ter soberania, liberdade e independência, o rompimento do
contrato pela confederação poderá ser unilateral, e além do mais, para preservar
estes três valores, podem muito bem arguir contestações com relação à sua capa-
cidade contributiva. Necessariamente, uma união de Estados precisa ser realizada
através de algumas concessões, que possibilitem o mínimo de rigidez ao corpo
político que a constitui, como forma de cobrar de cada um, o cumprimento dos
deveres das respectivas partes.
O modelo de confederação demonstrou ser muito frágil para corresponder
ao estabelecimento de relações mais complexas, que exigiam intervenções de or-
dem política e militar mais rápidas e efetivas, por isso, a “experiência demonstrou,
em pouco tempo, que os laços estabelecidos pela confederação eram demasiado
frágeis e que a união dela resultante era pouco eficaz. Embora houvesse um senti-
mento de solidariedade, havia também conflitos de interesses, que prejudicavam
a ação conjunta e ameaçavam a própria sobrevivência da confederação” (Dalla-
ri, 2012, p. 253). O próximo passo era procurar um novo modelo, que pudesse
manter os estados unidos, mas que permitisse a existência mais efetiva de um
poder central.
Em resposta a estes e outros problemas, é que surge a proposta federalista
de Madison, Jay e Hamilton, que se estabeleceu de forma definitiva, com a Con-
venção Federal de 1787, quando a confederação cedeu lugar ao surgimento do
que ficou conhecido como federalismo, ou ainda, Estado Federal. No entanto,
“diferente da confederação, o novo modelo reduzia a autonomia dos estados e
ampliava as atribuições do poder central, estabelecendo novas bases para as re-
lações entre os membros do pacto territorial. Entretanto, o arranjo federativo
também não se confundia com o unitarismo” (Ismael, 2009, p. 229). Uma das
características estruturais de um estado unitário é que o mesmo possui uma
somente uma esfera de organização política e administrativa, sendo assim, a sua
unicidade é mantida através de uma única ordem política, não compartilhando
as atividades de interesse geral; uma única ordem jurídica, que necessariamente
prevalece sobre as demais; e finalmente, uma única ordem administrativa, aonde

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UNIDADE 9

existe somente, uma esfera de atuação nacional, e uma esfera de atuação local,
mas com poderes restritos.
Mas a ideia de um sistema federativo não é um mero arranjo de Estado com
um mínimo de afinidades, pois “é possível dizer que o arranjo federativo é esta-
belecido e regulado por uma aliança cujas conexões internas refletem um tipo
peculiar de divisão que deve prevalecer entre os participantes, isto é, cada um
reconhece a integridade de cada associado e busca promover um tipo especial
de unidade entre eles” (Ismael, 2009, p. 228). O modelo federalista proposto por
Madison, Jay e Hamilton fora resultado de artigos públicos em jornais, e portanto,
saíram de um debate público entre os seus autores, que em alguns casos, tinham
opiniões e posições diferentes, mas de qualquer forma, foi uma discussão de
âmbito público, privilegiando um dos pilares do liberalismo clássico, principal-
mente aquele advindo de John Stuart Mill, para quem a liberdade de imprensa é
fundamental para a existência do liberalismo, desde que cada um seja responsável
pelo que venha a dizer, e conforme nos ensina este liberal, pouco temos a per-
der quando concedemos liberdade de pensamento e expressão as pessoas, pois
nos defrontamos com duas situações: a primeira, é que podemos observar que
a mesma apresenta aspectos interessantes e que podemos incorporar às nossas
opiniões; a segunda, se a opinião fosse um absurdo, a mesma fortaleceria as nossas
nossas convicções de que realmente estamos no caminho certo.
Embora possamos encontrar a influência de outros filósofos políticos na
construção dos argumentos sobre o federalismo, dois autores contribuíram de
forma mais incisiva e constante, são elas, John Locke, com as suas ideias perti-
nentes à defesa da liberdade e do direito de propriedade, assim como, da necessi-
dade de um corpo político e de que o poder pertence ao povo, e este pode pedir
o mesmo de volta, aonde defende a ideia de uma democracia representativa; e
o outro, foi Montesquieu, principalmente com a sua Teoria da Tripartição dos
Poderes, que será implementada pelos americanos. Na realidade, segundo nos
ensina Ismael (2009, p. 231), a proposta da federação foi realizada com muita
habilidade política, pois a mesma não quis, naquele primeiro momento, tratar
de algumas questões que eram delicadas, e que inclusive, estavam expostas nas
teorias de John Locke, como foi o caso da escravidão, pois, enquanto os estados
do norte eram ricos e industriais e já tinham, naturalmente, e por exigência da
própria teoria liberal, abandonado a escravidão, o mesmo não se observava nos
estados do sul, que eram agrícolas e ainda dependiam da mão-de-obra escrava.

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UNICESUMAR

Historicamente, é possível afirmar que a escravidão, independente de questões de


ordem política, perseverou principalmente, naquelas regiões aonde o modo de
produção ainda se encontrava atrasado, e muito mais concentrado na execução
de trabalho braçal que não requeria grandes habilidades e sim, mais força física.
Um exemplo claro desta perspectiva, pode ser encontrada na história do Brasil
e sua relação com a escravidão.
No entanto, os americanos não ficaram passivos com relação a esta questão,
porque, “esta questão retornaria de forma dramática na segunda metade do sécu-
lo XIX, durante a Guerra de Secessão. A derrota dos sete estados do sul do país,
denominados Estados Confederados da América, abriu espaço para a aprovação
da décima terceira emenda constitucional em 1865, abolindo a escravatura em
todo o território nacional” (Ismael, 2009, p. 231). Antes mesmo desta emenda
constitucional, foi durante a guerra que Abraham Lincoln prometeu a todos os
negros que desertassem do exercido do sul, e se alistassem no deserto do norte,
teriam após o seu término, declarados homens livres, o que não deixou de se
constituir de uma estratégia de guerra que provocou perdas consideráveis aos
sulistas, tornando-os, assim, mais frágeis ainda.
Conforme já afirmado, o federalismo se sustenta sobre a ideia de uma cons-
tituição, capaz de delinear as características políticas e mesmo jurídicas de uma
nação. A Constituição Americana incorporou as condições mínimas para a exis-
tência do federalismo, principalmente, estabelecendo como seriam as relações
entre a União e os Estados, sendo assim, “a relação entre a União e os estados,
no texto constitucional, revela uma dupla soberania, ou seja, diferentemente do
modelo unitário, a federação pode ser vista como uma associação de unidades
soberanas, em que a soberania da união convive com a dos outros participantes
do pacto federativo” (Ismael, 2009, p. 232). Não se trata de uma soberania ampla,
mas sim de uma soberania que tem por finalidade fortalecer os laços de união e
assim, garantir uma maior estabilidade à Nação.
Uma das questões centrais acerca do sistema federalista, era o de não suprimir
as liberdades políticas em nenhuma das esferas de poder, de forma a manter o
poder descentralizado, enquanto que a União, ou melhor dizendo, o Estado Fede-
ral passaria a deter uma parcela de poder imprescindível para a manutenção do
pacto federativo. A saída encontrada foi adotar, o sistema bicameral, já presentes,
principalmente nas teorias de John Locke e depois em Montesquieu, aonde os
Estados estariam representados no pacto federativo através dos Senadores, e o

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UNIDADE 9

número de representantes seria o mesmo para cada Estado, independentemente


do número de habitantes ou de eleitores. Já o povo, seria representado junto ao
Estado Federal, por seus Deputados Federais, cujo número seria proporcional
ao número de habitantes. Como os Senadores tratam apenas de questões de in-
teresse do pacto federativo, o número igual de Senadores para cada Estado, não
permitiria que os Estados menores tivessem os seus interesses diminuídos, ou
mesmo preteridos. Como os Deputados Federais tratam de questões pertinentes
as localidades que representam, e o seu número é maior do que os de Senadores,
existem dificuldades adicionais para a formação de grandes blocos capaz de pro-
vocar boicotes, a interesses de Estados menores. Outro artifício jurídico-político
é que, se algum Deputado Federal fizesse uma proposição que não atendesse aos
interesses de seu Estado, o mesmo poderia ser contido no Senado, fazendo assim,
com que o voto de uma pequena parcela da população tivesse peso suficiente para
restabelecer o equilíbrio de forças.
Toda esta engenharia política, fez com que o federalismo surgisse,“combinan-
do, no Congresso Nacional, representações de natureza distinta, uma delas típica
das democracias modernas – a representação nacional – e uma outra, com base
no pacto territorial – a representação federal” (Ismael, 2009, p. 232).
Uma outra questão a ser enfrentada era como o Estado Federal iria prover-
-se de renda, para que pudesse desenvolver as suas atividades, sem depender da
contribuição dos Estados através de cotas ou outra forma, e também não deveria
onerar de forma excessiva os contribuintes, pois está fora uma das causas da inde-
pendência com a Inglaterra. No artigo 21 de O Federalista, fica claro que um dos
erros da confederação, e que precisa ser evitado pela federação, é que a primeira
estabeleceu a contribuição através de cotas, o que acentuava a desigualdade en-
tre os cidadãos, e com isso despertou uma série de descontentamento por parte
dos Estados mais ricos, para resolver este e outros problemas advindos com a
arrecadação, “não há outro meio de evitar este inconveniente, senão autorizar o
governo nacional a perceber as suas rendas ao seu modo” (Hamilton, Madison e
Jay, 2003, artigo 21). Sendo assim, era inevitável que a Constituição garantisse ao
Estado Federal, meios para constituir a sua própria renda, mas teria de ser feito
de forma a não acentuar as desigualdades e tão pouco, sobrecarregar os demais,
por esta razão, que os autores recomendam, entre outras formas, àquela que eles
entendem ser uma lei natural do mercado, que é o imposto sobre o consumo,
pois “a soma da contribuição de cada cidadão é, até certo ponto, dependente da

160
UNICESUMAR

sua vontade, e pode ser determinada pelo conhecimento que ele tem dos seus
meios” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 21). Se um determinado cidadão
tem vontade de consumir algo, e possui os meios necessários para supri-la, nada
de errado e de desigual, existe em que o mesmo pague um determinado imposto
pela mercadoria, o que de certa forma, contribuiria para que o Estado Federal,
entre outras responsabilidades, pudesse bancar políticas públicas, capaz de tornar
os cidadãos em potenciais consumidores, estabelecendo-se assim, um círculo de
consumo-geração de renda-geração de impostos.
Outro aspecto que favorece esta visão, notadamente liberal, é o fato de que “o
rico pode ser extravagante, o pobre pode ser moderado e a opressão particular
pode sempre ser prevenida por uma escolha judiciosa dos objetos sujeitos aos tri-
butos deste gênero” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 21). Portanto, caberia
a cada um decidir o que consumir, e o faria dentro dos meios de que dispões, e a
taxação de impostos sobre estes produtos, deveria ser feita com critério judiciosos,
ou seja, justos o suficiente, para determinar, por exemplo, o que é imprescindível
para a existência humana, e portanto, seria taxado em valores menores, e aquilo
que pode ser dispensável, mas se o cidadão não desejar o fazer, que pague uma
parcela maior de impostos. Corrobora essa visão liberal o fato de que “uma vanta-
gem decisiva dos tributos sobre o consumo é que eles mesmos já trazem consigo
o remédio contra os seus próprios excessos. O limite natural dessa qualidade de
tributos está fixado pela sua própria natureza; e não é possível ultrapassá-lo sem
prejudicar o seu fim, que é o aumento da renda” (Hamilton, Madison e Jay, 2003,
artigo 21). É uma visão própria da economia para a qual, se o imposto for muito
elevado é natural que o produto seja mais caro e o consumo seja menor, diante
de tal circunstância a lógica do mercado oferece três alternativas: o produto não
tem mercado, diminui-se os impostos para alavancar as vendas, ou ainda, pro-
porciona-se um aumento de renda para tornar o consumo possível.
A ideia de criar um Estado Federal atendia a uma exigência fundamental para
a preservação da grandiosidade da América, para usar um termo de O Federalista,
que era o de manter a união entre as 13 colônias e as demais que posteriormente
iriam aderir ao pacto federalista. No artigo nº 2 apresenta-se, em tom de exaltação,
e até mesmo messiânico, a necessidade de se manter unido os estados america-
nos, pois “é coisa bem digna de notar-se que não somente o primeiro Congresso,
mas todos aqueles que se lhe seguiram, assim como a última convenção, todos
concordaram com o povo em pensar que a prosperidade da América depende

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UNIDADE 9

da união: para mantê-la e eternizá-la foi que a convenção atual se convocou;


para eternizá-la e mantê-la foi calculado o projeto que a convenção ofereceu”
(Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 2). Daí, a justificada que identifica o estado
americano, o de se ser conhecido como Estados Unidos da América, dando ênfase
de que a união não se caracteriza apenas por questões de ordem quantitativa,
mas antes de identidade de uma nação que tem a necessidade de construir a sua
própria personalidade.
Quando se fala na existência de um Estado Federal, na introdução de um
novo poder que se coloca acima de todos, com a principal finalidade de tratar de
assuntos de interesse da união, ou ainda, responsável pela criação e participação
direta em políticas públicas para diminuir as diferenças entre os estados mais
ricos e os mais pobres, pois a fortaleça de todos os Estados, necessariamente se
reflete no fortalecimento da União, ou melhor dizendo, do Estado Federal, o que
deve preocupar é a seguinte questão: qual e como estabelecer os limites deste
poder?
A ideia de dividir o poder dentro da especificidade de suas ações, advém das
teorias de John Locke, e de Montesquieu, mas é deste último, que no tocante a
este assunto, os autores procuraram fundamentar a sua teoria, pois “Hamilton e
Madison eram em linhas gerais seguidores da teoria da separação dos poderes
de Montesquieu. Entretanto, defenderam algumas inovações decisivas, quando
teorizavam sobre o modelo federalista norte americano” (Ismael, 2009, p. 243).
Montesquieu entendia, em função de condições diversas, que era mais difícil
manter uma república em um Estado de grande extensão territorial, do que nos
menores, assim, como outros teóricos de origem europeia também o fizeram. Mas
os americanos precisaram superar estas teorias e realizar os arranjos necessários
para superar estes obstáculos, conforme nos ensina Ismael (2009) é no artigo 51
que os mesmos iniciam o tratamento deste assunto, quando afirmam que “para
manter a separação dos poderes, que todos assentam ser essencial à manuten-
ção da liberdade, é de toda necessidade que cada um deles tenha uma vontade
própria; e, por consequência, que seja organizado de tal modo, que aqueles que
o exercitam tenham a menor influência possível na nomeação dos depositários
dos outros poderes” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 51). A vontade pró-
pria significa que não são movidos pelo impulso dos outros poderes, mas por
necessidade de que cada um, exerça as funções que constituem a sua própria
natureza, como, por exemplo, não pode ser por inércia do legislativo em legislar

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UNICESUMAR

sobre determinado assunto, que o executivo não deve mais exercer a sua função,
e tão pouco, o judiciário também não o faça. Mas é certo que, em determinados
momentos é a vontade própria de um determinado poder que necessariamente,
e dentro de previsões legais, faça com que, obrigatoriamente um outro poder
assuma movimentos, sob pena de prevaricação no exercício de suas funções, em
outras palavras, a omissão também pode ser considerada uma ação ilegal.
Uma inovação que não estava prevista por Montesquieu, e que se apresenta
como inovação do pensamento federalista americano, era a participação do voto
popular na maior extensão possível da vida do Estado, portanto,“é necessário que
as nomeações para as supremas Magistraturas Legislativa, Executiva e Judiciária
saiam do povo, que é a fonte primitiva de toda a autoridade, por meio de canais
que não tenham entre si a mínima comunicação” (Hamilton, Madison e Jay, 2003,
artigo 51). A tripartição dos poderes é de Montesquieu, mas a ideia de que o
povo é a fonte de todo o poder, provém das teorias de John Locke, sendo assim,
é possível inferir, que naquilo que lhes fora conveniente, procuraram associar as
teorias necessárias para lhes dar o suporte que precisavam para o estabelecimento
de sua teoria. Mas ponderando situações específicas, reconhecem que algumas
dificuldades, permitem estabelecer alguma flexibilidade nesta questão do voto
popular para alguns cargos, como por exemplo, “a respeito do Poder Judiciário,
algum desvio poderia haver sem grave inconveniente do princípio mencionado;
em primeiro lugar, porque é preciso que aqueles que a exercitam tenham conhe-
cimentos particulares, e o ponto está em adotar o modo de eleição mais favorável
aos homens dotados desses conhecimentos indispensáveis; e, depois, porque, de-
vendo os juízes ser vitalícios, não ficarão dependendo daqueles a quem deverem a
sua nomeação” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 51). Se no poder executivo
e legislativo a estabilidade só pode ser conquistada através do voto, e do mandato
temporário, no caso dos juízes, os mesmos tem cargo vitalício, com a finalidade
de não serem pressionados por ninguém no exercício de suas atribuições, mas é
óbvio que, existem previsões legais para as suas destituições, quando do exercício
indevido de suas atribuições.
Seguindo a tradição da maioria dos pensadores políticos até aquela época,
com relação a um certo pessimismo, ou melhor dizendo, uma visão realista sobre
a natureza humana e suas possibilidades de desvios, como o fizera Platão, Maquia-
vel, Hobbes, Locke, Montesquieu e outros, os autores de O Federalista, quando
no artigo 51 nos expõe que “se os homens fossem anjos, não haveria necessidade

163
UNIDADE 9

de governo; e se anjos governassem os homens, não haveria necessidade de meio


algum externo ou interno para regular a marcha do governo: mas, quando o
governo é feito por homens e administrado por homens, o primeiro problema
é pôr o governo em estado de poder dirigir o procedimento dos governados e o
segundo obrigá-lo a cumprir as suas obrigações”. Corrobora a ideia de que devi-
do à instabilidade própria da natureza humana, os homens precisam conhecer
um poder exterior à sua vontade, que lhes possa aplicar, quando imprescindível
e previsto em lei, a força necessária para reconduzi-los ao caminho projetado
pelo Estado. Neste sentido, assim como também o expusera Hobbes, o Estado é
uma criação artificial, com a finalidade de possibilitar que os homens vivam em
sociedade, onde todos possam usufruir de segurança e tenha garantido o seu
direito de propriedade.
Diante desta precariedade da natureza humana, embora ela não possa ser
generalizada, porque se assim o fosse, não haveria homens justos o suficiente para
idealizar e realizar o Estado, é necessário dispor de meios de equilibrar os poderes,
não permitindo que os seus ocupantes encontrem-se numa zona de conforto
e não se sintam vigiados nos seus atos, não somente pela lei, mas pelos demais
homens também. Portanto, “o verdadeiro meio de embaraçar que os diferentes
poderes não se vão sucessivamente acumulando nas mesmas mãos, consiste em
dar àqueles que os exercitam meios suficientes e interesse pessoal para resistir às
usurpações” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 51). Embaraçar se apresenta
no sentido de manter os poderes separados, distantes, com a finalidade de que um
poder não possa exercer influência sobre o outro, sendo assim, devem ser exer-
cidos por pessoas diferentes, pois não seria conveniente que uma mesma pessoa
exercesse um cargo referente ao poder executivo, e ao mesmo tempo exercesse
função de legislador. Quanto aos meios suficientes, trata-se de dar a estes poderes,
e as pessoas que os exercem, garantias constitucionais, e consequentemente legais,
para que tenha condições, agora sob todos os aspectos, de cumprirem com as suas
respectivas funções, mas ainda falta um elemento importante, que é o incentivo
pessoal para o exercício destas funções.
O que se procura desenvolver é uma forma de que os poderes tenham poderes
mútuos, mas um está sempre vigilante em relação a outro, e diante de todas as di-
ficuldades próprias da vida em sociedade e da complexidade da natureza humana,
é preciso criar mecanismos de defesa, sendo assim, “os meios de defesa devem
ser proporcionados aos perigos do ataque; é preciso opor ambição à ambição e

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UNICESUMAR

travar de tal modo o interesse dos homens, com as obrigações que lhes impõem
os direitos constitucionais dos seus cargos, que não possam ser ofendidas as últi-
mas sem que o primeiro padeça” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 51). Fica
evidente a importância da Constituição na vida do Estado e por consequência,
na vida do cidadão, com relação a ambição, primeiro a mesma seria contida pela
própria Constituição, mas os autores defendiam a necessidade de se desenvolver
meios para gerar competitividade entre os poderes, na execução de suas funções,
o que é característico da visão liberal que defende a meritocracia como forma de
promover os homens.
Na mesma linha de raciocínio de Ismael (2009, p. 244), os já referidos autores
nos apresentam a sua preocupação, com a aparente fragilidade do Poder Judiciá-
rio, pois é aquele que tem menor possibilidade de articulação política, pois não
é de sua função constitucional trabalhar nesta seara, mas sim, se preocupar com
a interpretação e aplicação da lei, sendo assim, “quem considerar com atenção
os diferentes poderes deve reconhecer que, nos governos em que eles estão bem
separados, o Poder Judiciário, pela mesma natureza das suas funções, é o menos
temível para a Constituição, porque é o que menos meios tem de atacá-la” (Ha-
milton, Madison e Jay, 2003, artigo 51). A função principal do judiciário, tema da
disciplina de História e Teoria Jurídica, é o de analisar o caso concreto e encon-
trar uma lei que se aplica ao mesmo, processo esse chamado de hermenêutica
jurídica, pois diferente de outras áreas do conhecimento, o Direito possui suas
regras próprias para a interpretação e aplicação das lei, sendo assim, o judiciário
quase não possui meios de atacar a Constituição, até porque, se o juiz realizar
uma interpretação indevida, a sua sentença pode ser revista por outro magistrado,
atendendo o princípio do devido processo legal e de acesso à justiça.
Cada poder detém para si, funções específicas e inerentes às suas atividades, e
dentro desta perspectiva, “o Poder Executivo é o dispensador das dignidades e o
depositário da força pública; o Legislativo dispõe da bolsa de todos e decide dos
direitos e dos deveres dos cidadãos: mas o Judiciário não dispõe da bolsa nem da
espada e não pode tomar nenhuma resolução ativa” (Hamilton, Madison e Jay,
2003, artigo 78). O Poder Executivo detém as honras e tem para si, a prerroga-
tiva do uso da força para fazer com que os homens cumpram as leis, já o Poder
Legislativo, tem para si a função de legislar sobre os impostos, e a feitura das leis,
podendo alterar e mesmo revogar qualquer lei, atendendo a algumas condições
estabelecidas pela própria lei. Quanto ao Poder Judiciário, o seu trabalho, embora

165
UNIDADE 9

seja independente no sentido de execução de suas atribuições constitucionais,


depende do resultado do trabalhado dos outros dois poderes, porque “sem força
e sem vontade, apenas lhe compete juízo; e esse só deve a sua eficácia ao socorro
do Poder Executivo” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 78). Com relação a
vontade, é a questão é que o judiciário só age quando alguém ousar enfrentar a
lei, até que isso não aconteça, a sua função é inerte, e quanto ao socorro do Poder
Executivo, não podemos nos esquecer que o uso da força, é uma prerrogativa das
forças policiais colocadas à disposição do Poder Executivo, pois é força neces-
sária para executar as diretrizes legais previstas pelo legislador, e também, para
executar as sentenças prolatadas pelo judiciário.
Com relação às eleições é fundamental que as mesmas sejam realizadas den-
tro de uma certa frequência, pois se o poder pertence ao povo, nada mais justo
que este julgue quem deve ou não, continuar exercendo este poder, e também,
porque obrigava os representantes do poder delegado pelo povo, a prestar con-
ta de suas ações. Outro aspecto questionado pelos opositores do federalismo é
quanto às eleições federais e as estaduais, com referência ao tipo de eleitor que
se pode esperar, ao que os autores respondem “quais devem ser os eleitores dos
representantes federais? Pobres e ricos, ignorantes e sábios, indivíduos obscuros
e pessoas ilustres; numa palavra, a totalidade do povo dos Estados Unidos, do
mesmo modo que nas eleições dos representantes de cada legislatura particular”
(Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 57). O fato de ser uma eleição federal
não muda o perfil do eleitor, mas apenas a esfera de poder a ser exercida pelos
candidatos e depois, se os assuntos serão de interesses junto ao poder nacional,
ou ao poder regional.
Se a eleição deveria ser realizada com a frequência suficiente para que os Se-
nadores, Deputados e demais cargos eletivos prestassem contas de suas atuações,
junto ao povo, que é quem realmente detém o poder, estes precisam ter um perfil
ideal para o exercício deste poder, sendo assim,“quais poderão vir a ser os homens
honrados com a confiança do povo? Aqueles que se tomarem recomendáveis
pelo seu merecimento; riqueza ou nascimento, religião ou emprego, nada pode
servir de obstáculo à vontade ou ao juízo do povo” (Hamilton, Madison e Jay,
2003, artigo 57). Expressa assim, a existência de um homem que tenha a virtude
aristotélica, e a ação política de Rousseau, essencialmente na condição primeiro
de cidadão e depois de súdito, nãos dos homens, mas das leis resultantes de suas
vontades, ou para usar um termo de Rousseau, da vontade geral. No entanto, este

166
UNICESUMAR

merecimento não surge como um mero agrado, mas sim no sentido, de que estes
assumem responsabilidades adicionais em suas vidas, porque “já é de presumir
que, se os seus concidadãos lhes deram a preferência, foi porque as qualidades
que os distinguiam prometiam zelo sincero pelo desempenho dos seus deveres”
(Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 57). No presente artigo, os autores expres-
sam as suas ideias, de como de ser honroso a um homem servir aos cidadãos, e
como é importante que o exercício de tal parcela do poder, tenha necessariamente
amparo constitucional.
Outra questão a ser esclarecida, e que certamente causou preocupação no
Congresso realizado para propor adoção do sistema federativo, é com relação a
soberania do Estado Federal e do Governo Estadual. A preocupação era de que
o Estado Federal, ou a União, viesse a assumir toda a soberania que antes perten-
ciam aos Estados, no entanto, “é verdade que a inteira consolidação dos Estados
em um só governo soberano nacional supõe a inteira subordinação dos membros
e que, se alguns poderes restarem a estes últimos, hão de ser sempre dependentes
da vontade geral; mas, como o plano da Convenção não estabelece senão uma
união ou consolidação parcial, é evidente que os governos dos Estados hão de
conservar todos os direitos de soberania que dantes tinham e que não forem
“exclusivamente” delegados aos Estados Unidos” (Hamilton, Madison e Jay, 2003,
artigo 32). Não se trata da delegação de um poder e soberania absoluta ao Estado
Federal, mas sim, de algumas prerrogativas que se demonstram ser do interesse
de todos, e que, para fortalecer os laços entre os Estados, devem ser geridos por
um poder central. Contudo, não é uma delegação que se faz de forma subjetiva
e sem parâmetros que determinem os seus limites, mas sim, “essa delegação ex-
clusiva não pode existir senão em três casos: ou quando a Constituição concede
um poder exclusivo à União; ou quando por um artigo se concede à União uma
faculdade que por outro artigo é proibida aos Estados; ou quando, finalmente,
concede-se à União uma faculdade que seria contraditória e impossível conceder
ao mesmo tempo aos Estados” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 32). Ora, a
Constituição não é uma procuração em branco que se entrega aos governantes,
antes disso, é resultado da expressão da vontade geral, como expressa Rousseau.
Também não é a vontade da maioria, ou de um grupo dominante, mas a vontade
necessária para a construção do bem comum. Outro aspecto a ser analisado é o
fato de que uma Constituição estabelece limites para o próprio exercício do poder
e também, ao menos dentro da Teoria Constitucional, pode fazer previsões para

167
UNIDADE 9

eventuais mudanças, desde que a mesma represente a vontade do povo.


É a Constituição quem deve determinar quando prevalece somente os inte-
resses da União, quando o limite do interesse da União termina com a vontade de
o próprio Estado legislar sobre determinados problemas, ou ainda, quando União
e Estado podem e/ou devem legislar de forma solidária. Na linha de pensamento
desenvolvida por Ismael, os autores parecem, no contesto da obra como um todo,
deixar claro que “a vitalidade do federalismo nascente viria dos governos esta-
duais e não do governo federal, indicando que o processo decisório continuaria
em boa medida sendo descentralizado” (2009, p. 241).
Que os autores defendem necessariamente, uma República Federativa presi-
dencialista, cuja forma de governo seja a democracia, é evidente e desnecessário
elaborar qualquer hipótese contrária. Sendo assim, se caracterizam a sua obra
por uma preocupação constante com a liberdade, e as formas de preservá-la, e
também, a liberdade de expressão e de imprensa, que aliás, constitui-se nas rei-
vindicações do liberalismo clássico, principalmente em John Locke, Benjamin
Bentham e John Stuart Mill, entre outros, determinados problemas surgirão de
forma natural. Também se identifica na respectiva obra, uma visão não pessimista,
mas realista sobre a natureza humana, a de que lamentavelmente, alguns homens
estarão dispostos, em alguns momentos de suas vidas, a contrariar os interesses
do bem comum. Não seria diferente na sociedade americana estes equívocos, e
também, é evidente que em uma democracia, as pessoas têm o direito de discor-
dar das opiniões dominantes.
Esta preocupação dos autores, de forma mais específica de Madison, foi tra-
tada no Artigo 10º, e segundo Ismael, foi neste artigo, que, “o federalista, natural
do estado de Virgínia, revelaria toda sua capacidade para compreender uma or-
dem social movida por interesses legítimos ou não, os quais não poderiam ser
suprimidos, nem tampouco podiam ser deixados à própria sorte” (2009, p. 239).
Este grupo de cidadãos, movidos por interesses legítimos ou não, Madison dá o
nome de facção, segundo o autor, “entendo por facção uma reunião de cidadãos,
quer formem a maioria ou a minoria do todo, uma vez que sejam unidos e diri-
gidos pelo impulso de uma paixão ou interesse contrário aos direitos dos outros
cidadãos, ou ao interesse constante e geral da sociedade” (Hamilton, Madison e
Jay, 2003, artigo 10). Ainda que seja para defender o interesse constante e geral da
sociedade, um dos objetivos de uma facção é desestabilizar o governo, colocando
em risco a União e os próprios Estados.

168
UNICESUMAR

No entanto, logo no primeiro parágrafo do artigo 10, Madison já apresenta o


problema e antecipa, não a solução do mesmo, mas aspectos positivos que possam
colaborar para a amenização das consequências do mesmo, porque, “entre as nu-
merosas vantagens que nos promete uma União fundada em bons princípios, não
há nenhuma que tanto mereça ser desenvolvida como a sua tendência a amortizar
e reprimir a violência das facções”. De outra sorte, seria muito fácil, esmagar as
facções se o regime fosse o despótico, pois, conforme nos ensina Montesquieu,
este é caracterizado pelo medo e uso irracional da força, não é a este tipo de
governo que se dirige a teoria federalista, e tão, esta possibilidade poderia existir
para quem defende o liberalismo.
Mas é preciso enfrentar as facções porque elas existem em função da própria
instabilidade da natureza humana, a também, porque os homens são diferentes
entre si, contudo, “há dois métodos de evitar as desgraças da facção: ou prevenir-
lhe as causas, ou corrigir-lhe os efeitos” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo
10). A primeira possibilidade não se apresenta como sendo a ideal, e possível de
ser inserida dentro da teoria que os autores pretendem construir, pois, “os méto-
dos de prevenir as causas das facções são igualmente dois: o primeiro, destruir a
liberdade essencial à sua existência; o segundo, dar a todos os cidadãos as mesmas
opiniões, as mesmas paixões e os mesmos interesses” (Hamilton, Madison e Jay,
2003, artigo 10). A primeira possibilidade não pode existir, pois a liberdade, com
fundamento no liberalismo clássico, por diversas vezes defendido pelos autores
no decorrer da obra, trata-se de um bem valioso e inegociável, a não ser, quando
for para ampliar os seus horizontes, e não para lhes restringir. Quanto a segunda,
seria inconcebível admitir a possibilidade de que os homens fossem todos iguais,
porque “ diversidade de faculdades nos homens, que é a origem dos direitos de
propriedade, é um obstáculo igualmente invencível à uniformidade dos inte-
resses. A proteção dessas faculdades é o primeiro fim do governo” (Hamilton,
Madison e Jay, 2003, artigo 10). Sendo assim, a primeira hipótese está descartada,
restando apenas a segunda, ou seja, a de corrigir os defeitos do Estado e da socie-
dade, que servem de alimento para as facções.
Madison nos apresenta alguns defeitos que propiciam o surgimento e a ma-
nutenção das ideias que movem as facções, porque “a causa que mais comumente
tem dado lugar ao nascimento das facções tem sempre sido a desigual distribui-
ção das propriedades. Os interesses dos proprietários têm sempre sido diferentes
interesses daqueles que o não são. Uma linha de demarcação semelhante separa

169
UNIDADE 9

igualmente os devedores dos credores” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 10).
É lógico que dentro da concepção liberal, a solução para este tipo de problema
não se encontra na distribuição de terras e tão pouco, de uma solução socialista
para o problema, mas sim de permitir que os homens tenham oportunidades
proporcionais aos seus méritos e que lhes permite, dentro da própria dinâmica
política e econômica do liberalismo, ampliar os seus direitos de propriedade,
assim como, as condições para tal. Esta questão já fora tratada por John Locke,
quando o mesmo afirma que o primeiro direito de propriedade que o homem
tem, e que ninguém pode lhe tirar, é o direito sobre o próprio trabalho, que deve
se converter, num direito que lhes permita obter outras formas de propriedade.
Uma outra forma de resolver esta questão, na visão dos autores da obra O
Federalista, é a de que “é de necessidade que entre as nações civilizadas se for-
mem interesses de agricultura, interesses de manufaturas, interesses de comércio,
interesses capitalistas e outros menos importantes que dividem a sociedade em
diferentes classes com vistas e sentimentos diferentes” (Hamilton, Madison e Jay,
2003, artigo 10). Numa perspectiva liberal encontrar uma solução para o pro-
blema dos motivos que originam as facções, não é algo viável, porque sempre se
encontra o limite nas questões pertinentes à liberdade. Se a saída mais efetiva seria
aquela, se fosse possível, criar nos homens os mesmos desejos e paixões, a mesma
fere o direito que os homens têm de ser diferentes, então tem que se caminhar
por outra via em direção ao enfrentamento do problema.
Contudo, o caminho para o enfrentamento deste tipo de problema encontra-
-se na própria forma de governo republicano, em que a participação popular é o
combustível que lhes é fornecido para estabelecer o seu próprio movimento, que
é a participação popular. Sendo assim, “quando uma facção não compreende a
maioria, o remédio existe no mesmo princípio do governo republicano que dá à
maioria os meios de destruir projetos sinistros da facção por uma votação regular.
[...]. Mas, quando a maioria toma parte numa facção, a forma do governo popular
pode dar-lhe os meios de sacrificar às suas paixões ou aos seus interesses o bem
público e os direitos dos outros cidadãos” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo
10). É preciso reconhecer que as facções podem existir no limite da Constituição,
que é o limite estabelecido para todo e qualquer cidadão, e que garantem a todos
o maior grau de liberdade, desde que esta não ofereça riscos a continuidade da
construção do bem público e nem dos direitos individuais de outros cidadãos,
que o exercem com fundamento na Constituição. Tal solução encontrada pelos

170
UNICESUMAR

autores, está inserida no contexto do próprio núcleo da ideia de liberalismo, de-


fendida principalmente, por John Stuart Mill, quando afirma que o homem pode
e deve ser livre, desde que a sua liberdade não produza maldade para com o outro,
no entanto, quando se trata de uma república, com as características já elencadas,
o outro, agora assume a ideia de bem público, bem comum.
Finalizando, e segundo Ismael, os autores da obra O Federalista, nos ensinam
que “uma investigação para esclarecer o tipo de federalismo praticado num país
não deve deixar de fora a cultura política, em termos nacionais e estaduais. O
conjunto de valores e de atitudes que caracterizam cada sociedade influencia o
federalismo reinante, tornando-o, por exemplo, mais ou menos centralizado ou
mais ou menos corporativo” (2009, p. 247). Em outras palavras, o modelo de fe-
deralismo não se impõe como se fosse um elemento mecânico, mas é dependente
de condições que estão circunstanciadas pela cultura social e política.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra O Federalista representou um grande avanço no desenvolvimento das


ideias filosóficas que trataram das questões pertinentes entre, o poder da união
e dos demais entes, ou seja, permitindo que cada Estado mantivesse suas carac-
terísticas culturais, econômicas e mesmo política, mas mantendo os mesmos
agregados nas questões de ordem comum.

171
1. Explicar como segundo os autores, seria estabelecido os limites dos poderes a serem
exercidos pelos atores do pacto federativo.

2. Explicar qual a diferença apontada pelos autores, entre o sistema confederativo e


federativo americano.

3. Explicar o que são as facções para os autores da obra O Federalista.

4. É possível inferir que os autores defendem o extermínio das facções? Justificar sua
resposta.

172
10
A liberdade de
expressão
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender a importância da construção liberal de


John Stuart Mill.
• Estudar e compreender a liberdade de expressão em John Stuart
Mill.
• Estudar e compreender as preocupações de John Stuart Mill para
com a democracia e sua representatividade.
UNIDADE 10

O tema liberalismo é o pano de fundo de quase todas as questões tratadas


pelas democracias contemporâneas, em outras palavras, qual limite para a liber-
dade e como tratar as questões pertinentes à liberdade de expressão.
Os princípios liberais exerceram influência tanto na filosofia, quanto na eco-
nomia e é muito difícil afirmar que ele tenha nascido primeira em uma, ou em
outra. Já com John Locke (1632-1704) se manifesta evidente a ideia de a liberdade,
nos moldes liberais, seria a melhor forma de viver dos homens, mas a sua teoria
se propunha a tratar o liberalismo no campo filosófico-político, e apenas fazendo
incursões necessárias no campo econômico.
É com esta perspectiva de análise que propomos um breve estudo sobre as
ideias filosóficas de John Stuart Mille o seu liberalismo político.

174
UNICESUMAR

John Stuart Mill e o liberalismo político

Os princípios liberais exerceram influência tanto na filosofia, quanto na eco-


nomia e é muito difícil afirmar que ele tenha nascido primeira em uma, ou em
outra. Já com John Locke (1632-1704) se manifesta evidente a ideia de a liberdade,
nos moldes liberais, seria a melhor forma de viver dos homens, mas a sua teoria
se propunha a tratar o liberalismo no campo filosófico-político, e apenas fazendo
incursões necessárias no campo econômico.
No entanto, esta nova forma de apresentar e enfrentar o mundo, ganha consis-
tência, e mesmo profundidade, com as obras de Adam Smith (1723-1790), autor
de “A Riqueza das Nações, sua obra mais conhecida, na qual procurou demonstrar
que a prosperidade das nações da atuação de indivíduos que, movidos sobretudo
pelo seu próprio interesse, promovem o crescimento econômico e a inovação
tecnológica” (Smith, 2013, Introdução). Na Obra A Mão Invisível apresenta as
exposições de seus argumentos que defendem a ideia de que a economia se au-
torregula, não necessitando da intervenção do governo, pois o mercado tem as
suas próprias leis, e uma delas, é a lei da oferta e da procura, dentro deste contexto,
todas as vezes que a oferta for maior do que a procura, os preços tendem a cair,
e quando a oferta for menor do que a procura, os preços tendem a aumentar.
Assim como, a própria economia pode estimular os homens a desenvolver a sua
capacidade de empreender e encontrar solução para os seus próprios problemas.
John Stuart Mill (1806-1873) foi um filósofo e economista, sendo considerado
um dos maiores expoentes do liberalismo do século XIX, caracterizado como
período do florescimento e auge da Revolução Industrial inglesa. O pai, James
Mill foi um economista e teórico do utilitarismo social, que o educou com a ajuda
de Benjamim Bentham, certamente, um dos maiores expoentes do liberalismo
e das teorias utilitaristas. Dentre suas obras, duas se destacam para a Ciência
Política, que é a obra nominada como A Liberdade, e a outra, Considerações
Sobre o Governo Representativo, ou ainda, como é mais comumente conhecida,
O Governo Representativo.
Portanto, se apresenta com dois temas de interesses geral para a Ciência Polí-
tica, as questões pertinentes à liberdade e o governo representativo e suas implica-
ções para a existência das ideias liberais e utilitaristas. As suas posições pessoais,
e as assumiu sempre que necessário o fosse, eram consideradas radicais demais
para a sua época, entre elas, “apoiou o Norte na Guerra Civil – insistindo em que

175
UNIDADE 10

a abolição da escravatura era a questão fundamental e desprezando questões


secundárias. Era decididamente a favor do sufrágio feminino e, junto com duas
influentes mulheres, foi fundador da primeira organização a trabalhar para isso”
(Morris, 2002, p. 365).
No entanto, antes de nos aprofundarmos sobre a questão da liberdade e outros
aspectos, é preciso compreender, com tais conceitos surgem a partir de uma visão
utilitarista, que não se confunde, com a definição do senso comum, em expres-
sar, que tudo que é útil se encaixa dentro desta definição. As questões sobre este
assunto, são um pouco mais complexas do que isso. Sendo assim, “o credo que
aceita, como fundamento da moral, a Utilidade, ou o Princípio da Maior Felicida-
de, considera que as ações são corretas na medida em que tendem a promover a
felicidade, incorretas quando tendem a produzir o contrário da felicidade” (Mill,
2002, p. 367). A felicidade é o ponto de partida e de chegada para o utilitarismo,
colocando o indivíduo no centro de toda esta relação, pois é ele que tem para sai,
a opção de realizar ou não este tipo de ação moral. Em se tratando de uma moral,
e não de permissividade total, ou ainda, de liberdade plena,“por felicidade se quer
dizer prazer e ausência de sofrimento; por infelicidade, sofrimento e privação de
prazer” (Mill, 2002, p. 367).
Se a felicidade fosse realizada na plenitude da vontade ou da necessidade do
indivíduo, o utilitarismo poderia servir de fundo para qualquer teoria absolutista
sobre o exercício do poder, no entanto, como outros filósofos já o fizeram, como
por exemplo, Hobbes e Locke, é nas escrituras sagradas que Mill irá buscar o
limite desta felicidade, quando, “lemos, na Regra de Ouro de Jesus de Nazaré, o
completo espírito da ética utilitarista. Fazer aos outros o mesmo que desejamos
que nos façam, e amar ao próximo como a nós mesmos, constitui a perfeição da
moralidade utilitarista” (Mill, 2002, p. 368). Embora seja uma visão a partir do
cristianismo, não poderia ser diferente, em momento histórico aonde as questões
de ordem religiosa não eram tratadas com tanta tolerância como nos dias atuais,
mas de forma geral, ao menos para as chamadas religiões ocidentais e que pre-
valece entre nós, não fazer mal ao próximo e amar o próximo, está presente nas
mesmas, de uma forma ou de outra.
Mill inicia a obra Sobre a Liberdade dizendo que “o tema deste ensaio é... a
Liberdade Civil ou Social; a natureza e os limites do poder que pode ser exercido,
de maneira legítima, pela sociedade sobre o indivíduo” (Mill, 2002b, p. 382). É
necessário ressaltar que o conceito de Estado Social e de Liberdade Social, não

176
UNICESUMAR

tem a mesma conotação que damos nos dias atuais, para Mill, “o Estado social é,
ao mesmo tempo, tão natural, tão necessário e tão habitual para o homem que,
exceto em algumas circunstâncias incomuns ou por esforço de abstração vo-
luntária, ele jamais se concebe de outra maneira que não como membro de um
conjunto; e esta associação é fixada cada vez mais à medida que a espécie humana
se afasta do estado de independência selvagem” (Mill, 2002, p. 370). Portanto, a
liberdade social é aquela que caracteriza necessariamente a vida em sociedade,
dentro de uma organização social, que permite a preservação da liberdade a partir
da visão utilitarista.
Ao tratar do tema da liberdade, Mill afirma que a pior tirania é a da sociedade,
pois normalmente, com fundamento na moral da classe de maioria numérica,
tem o desejo de oprimir e posteriormente extinguir a vontade da minoria, sendo
assim, “nas especulações políticas, a tirania da maioria é incluída agora, em geral,
entre os males contra os quais a sociedade deve ficar de guarda” (Mill, 2002b, p.
383). Existe uma preocupação do autor, no sentido de procurar delimitar qual
seria o poder que o “povo”, constituindo-se da maioria, poderia exercer sobre a
outra parte, que seria caracterizado como a minoria, portanto, “o povo que exerce
o poder nem sempre é o mesmo povo composto daqueles sobre quem ele é exer-
cido, e o falado governo autônomo não é o governo de cada qual por si mesmo,
mas sim de cada qual por todos os restantes” (Mill, 2002b, p. 383).
Uma das características da obra de Mill é o seu descrédito na natureza huma-
na, assumindo assim, ainda que por via diferente, perspectiva próxima daquela
defendida por Hobbes. Não acreditava que o povo, enquanto agindo como von-
tade da maioria, poderia tomar, no caso da liberdade, decisões que pudessem ser
ratificadas pela razão. Para o autor, “a vontade do povo significa praticamente a
vontade da parte mais numerosa ou mais ativa do povo: a maioria, ou aqueles que
são bem sucedidos em se fazer bem aceitos como a maioria; por conseguinte, o
povo pode desejar oprimir uma parte de sua multidão; e são necessárias tantas
preocupações contra este como contra qualquer outro abuso de poder” (Mill,
2002b, p. 383). Existe uma preocupação em Mill com relação a opressão contra
a liberdade, que deve ser preservada no seu grau máximo, sem deixar de levar
em consideração que o homem vive em sociedade, que por si só, já demonstra
que a liberdade não poderá ocorrer no seu grau máximo, pois se assim o fosse, a
próximo passos seria o estabelecimento de uma tirania, portanto, “como outras
tiranias, a tirania da maioria era, a princípio, e ainda é comumente, julgada com

177
UNIDADE 10

temor, operando sobretudo por intermédio dos atos das autoridades públicas”
(Mill, 2002b, p. 383).
Se mesmo na visão utilitarista, a liberdade não pode ser exercida no seu grau
máximo, pois ninguém pode exercer uma liberdade que provoque o sofrimento
de seu semelhante, é preciso definir os limites para tal, contudo,“a questão prática
sobre onde colocar o limite – como fazer o ajuste adequado entre a independência
individual e o controle social – é um assunto no qual tudo permanece por ser
feito” (Mill, 2002b, p. 383). Para Mill, a sociedade poderia ser conduzida através
do poder delegado ao Estado, e neste sentido, com a utilização da força física
caso fosse necessário, ou a “coerção moral da opinião pública” (Mill, 2002b, p.
384). Contudo, é preciso levar em consideração que na obra Sobre a Liberdade, “o
interesse maior é a liberdade individual, exercida por pessoas conscientes, adultas
e bem-educadas” (Brito, 2012, p. 138). Tal fato, nos auxilia a compreender que na
respectiva obra, trata-se de proteger as liberdades individuais, de pessoas, que na
visão de Mill, estão aptas e preparadas para melhor usufruir de sua liberdade. Esta
perspectiva se insere na linha de visão desenvolvida pela teoria utilitarista, que
exige do sujeito agir dentro de uma moral muito mais rigorosa, do que aquela es-
tabelecida pelo Estado. Na realidade, ainda seguindo sua linha de visão, é porque
“essas pessoas, sendo as mais autônomas dentre todas, são o sal da terra, é a ela que
se devem as artes, as ciências. Não que não errem, pois não se trata de contrapor
simplesmente, o conhecimento de poucos contra a ignorância de muitos” (Brito,
2012, p. 139). Estas pessoas estão mais preparadas para usufruir da liberdade, por
terem entre outras coisas, um espírito mais progressista que as demais, e somando
estes e outros fatores, fariam as melhores escolhas sobre a liberdade.
A questão também pode ser explorada, a partir de uma sociedade que naquele
momento histórico a que o autor passa a circunstanciar a sua análise, já está mais
solidificada e a existência de um governo para conduzir os homens na vida em so-
ciedade, parece não ser mais o grande obstáculo e sim, parte da solução. Contudo,
partindo da suposição que esta seja uma sociedade democrática, e que as pessoas
transferir ao governo a autorização para agir em seu nome, “sob o imperativo
da vontade da maioria, reforçar-lhe-ia a autoridade moral sobre os indivíduos”
(Abranches, 2009, p. 295). Sendo assim, além da autoridade própria do governo,
com fundamento na lei e no uso da força, agora este também estaria revestido
de um poder advindo da autoridade moral que lhe fora depositada pela maioria,
no entanto, “para Stuart Mill, não seria tanto controle moral da sociedade, mas

178
UNICESUMAR

o fato de não haver garantias legais contra a sua interferência na liberdade dos
indivíduos” (Abranches, 2009, p. 295).
Na perspectiva utilitarista, da qual o autor é um dos seus principais represen-
tantes, “o único propósito para o qual o poder pode ser legitimamente exercido
sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é
impedir que se faça dano aos outros” (Mill, 2002b, p. 385). Se a ação a ser realizada
pelo indivíduo não fizer dano aos outros, nenhum poder pode, legitimamente,
ser utilizado contra a vontade deste indivíduo, pois se assim o fizesse, estaria
ferindo a sua liberdade de escolha, no entanto, isto não afasta a possibilidade das
pessoas demonstrarem a este indivíduo, o porquê, deve ou não realizar este ou
aquele ato. Existem limites para a existência e, situações, em que a preservação
da mesma exige que o indivíduo, ou mesmo a sociedade, limite o exercício desta
liberdade, ou seja,“a única finalidade para a qual a espécie humana está justificada,
de modo individual, a interferir na liberdade de ação de algum de seus membros
é a autoproteção” (Mill, 2002b, p. 385).
A liberdade na extensão que se propõe a analisar Mill, estabelece uma con-
dição inicial para a sua efetividade, pois, “talvez seja desnecessário dizer que essa
doutrina está destinada a ser aplicada apenas aos seres humanos na maturidade
de suas faculdades” (Mill, 2002b, p. 385). No entanto, quando se trata de liberdade
social, a mesma não é absoluta, e pode existir situações, em que o indivíduo, para
contribuir com o interesse de outras pessoas, pode realizar determinadas ações,
aonde o mesmo estará na condição de quem deve executar uma obrigação.
Para o autor, existem “muitos atos positivos para o benefício de outros que
a pessoa pode ser legitimamente obrigada a realizar; como prestar testemunho
num tribunal de justiça; dar sua cota justa na defesa do bem comum, ou em
qualquer outro trabalho em comum para o interesse da sociedade cuja proteção
desfruta e realizar certos atos de beneficência individual” (Mill, 2002b, p. 385).
Estes, são nominados como atos obrigatórios por exceção, mas não é para dimi-
nuir a liberdade do indivíduo, mas para zelar pela sociedade. A liberdade social
exige do indivíduo certas responsabilidades, porque ao zelar pela autoproteção
da própria sociedade, também estará ampliando o seu grau de liberdade. No en-
tanto, este tipo de atos obrigatórios por exceção, só deferiam ser tomados, depois
de uma análise cuidadosa e criteriosa, capaz de determinar que a sua realização
seria mesmo de interesse do maior número possível de pessoas. Para Abran-
ches, “a formulação do princípio da autoproteção, cujo objetivo é a limitação da

179
UNIDADE 10

interferência legítima da sociedade ou do Estado na liberdade individual, teria,


na Inglaterra, função preventiva” (2002, p. 296). O aumento de poder por parte
da sociedade, faz com que o indivíduo tenha reduzida a sua parcela de poder,
resultando, numa luta constante, que ainda existe em nossos dias, de procurar
um equilíbrio entre o poder exercido pelo Estado sobre o indivíduo, e o poder
que este indivíduo tem sobre si e os demais que o cercam. É o poder coletivo no
embate constante com o poder individual.
A questão da autoproteção não se resolve por si só, todos os problemas advin-
dos do embate natural, entre a liberdade individual e a liberdade social, é preciso
levar em consideração, segundo Abranches, “que o caminho para a obtenção de
um bem como o aperfeiçoamento da relação entre sociedade e indivíduo não
poderia colocar em risco um bem já conquistado. Ou seja, o resultado da luta his-
tórica entre a liberdade e a autoridade que de acordo com o credo liberal estaria
manifesto na antinomia entre sociedade versus Estado” (2009, p. 297). Mill é um
defensor, como todo liberal, da ideia de progresso como resultado de uma luta
histórica, o que não permite a possibilidade de destruir algo já conquistado, mas
apenas, expandir as suas possibilidades o que caracteriza muito bem, a discussão
levantada pelos modernos, entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos moder-
nos, cuja diferença fundamental, ao menos aos olhos da Ciência Política, é a ideia
de liberdade civil e liberdade política, no qual está implícito, o direito fundamen-
tal, da sociedade participar de todas as esferas do poder emanado pelo Estado,
uma vez que estes poderes, em relação aos homens, são sempre transitórios, e em
relação ao Estado, existirão enquanto a vontade geral assim o determinar.
Expostas as questões pertinentes a relação da liberdade do indivíduo pro-
priamente dito, enquanto pessoa, para com a sociedade, existem outras formas
de liberdade, na qual,“a sociedade não teria interesse, senão indireto” (Abranches,
2009, p. 297). Trata-se da liberdade de expressão, de pensamento, de gostos de or-
dem estritamente individual, não se tratando de aspectos diretos de ordem física,
e nem de necessidades básicas da contingência humana, mas sim, resultantes de
uma ideia de progresso. Neste sentido, “é de esperar que tenha passado o tempo
em que seria necessária alguma defesa da liberdade de imprensa como uma das
seguranças contra governos corruptos e tirânicos” (Mill, 2002b, p. 386). É a liber-
dade sendo usada para preservar a própria liberdade, pois o que se empreende
da obra de Mill, é a de que a liberdade precisa ser constantemente vigiada, pois
é certo que, aquele que deseja o poder a qualquer custo, teme a liberdade de ex-

180
UNICESUMAR

pressão e pensamento, que tem, de forma mais efetiva que as de ordem pessoal,
a imprensa como seu maior aliado.
Não se trata apenas de desejar ouvir, o que se quer ouvir, mas o que se tem
para ouvir, ou mesmo ver, porque, segundo Mill, “o mal peculiar de silenciar a
expressão de uma opinião é que se está privando a raça humana, tanto a posteri-
dade como a geração existente, daqueles que discordam da opinião, mais ainda
do que aqueles que têm a opinião” (2002b, p. 386). De certa forma, a própria
ideia de progresso se constrói sobre esta perspectiva, em outras palavras, de que
somente temos ciência de que as coisas podem ou não serem melhoradas, a par-
tir do momento que tomamos conhecimento de sua existência. Continuando a
sua linha de raciocínio, “se a opinião for correta, a espécie humana será privada
da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se for errada, ela perde, o que é
quase um benefício tão grande, a percepção mais clara e a impressão mais vívida
da verdade, produzida por sua colisão com o erro” (Mill, 2002b, p. 386). Na visão
utilitarista, um erro pode ser utilizado para fortalecer uma verdade, de forma a
reforça-la, pois agora, passa-se a ter um outro parâmetro que testou a verdade e
não conseguiu destituir o seu status, tais argumentos são reforçados, quando Mill
nos ensina que, “se não se permitisse que até a filosofia newtoniana fosse questio-
nada, a humanidade não poderia sentir a completa garantia de sua verdade que
sente agora” (2002b, p. 387).
A questão da liberdade de expressão e pensamento, assim como, os meios
para trazê-las ao conhecimento da sociedade, que naquele momento histórico,
a imprensa era o mais acessível, faz de Mill um dos defensores mais ardorosos
deste tipo de liberdade. A preocupação não é apenas com relação ao poder que
o Estado pode exercer, através das leis para restringir este tipo de liberdade, mas
também, aquele exercido pela sociedade, através da moral social, em restringir os
direitos individuais, que o autor expõe vários motivos, para que o leitor defenda a
necessidade de preservar estes direitos, até porque,“na realidade, quando a lei ou o
sentimento público não permite que seja discutida a verdade de uma opinião, eles
(a lei e o sentimento público) são igualmente pouco tolerantes com a negação de
sua utilidade. O máximo que permitem é uma atenuação de sua necessidade ab-
soluta, ou da inegável culpa de rejeitá-la” (Mill, 2002b, p. 387). Colocar as opiniões
em discussão franca e aberta, permite às pessoas mensurar o seu grau de utilidade,
portanto, vislumbrar possibilidades de sua aplicação nas suas vidas, como forma
de imprimir uma maior velocidade em direção ao progresso, de outro lado, caso

181
UNIDADE 10

a mesma não tenha fundamento ou utilidade, ao menos se defendeu a liberdade


individual de alguém, e também, permitiu verificar que o caminho a ser seguido
terá que ser mudado ou corrigido.
Não estar propenso a possibilitar o embate de opiniões e ideias, pode trazer
aos autores dessas opiniões, e mesma da sociedade, prejuízos, no sentido de con-
tinuar a trabalhar e viver em função de verdades que já não representam mais a
realidade em que elas vivem. Este tipo de visão, já se constitui num dos cernes do
mundo moderno, o de que toda verdade é sempre temporária, e nada é eterno,
pois progresso vai, ao longo de sua caminhada, estabelecendo leis que lhe dão
maior mobilidade, em substituição às anteriores, portanto, “por maior que se seja
a relutância de uma pessoa de opinião forte em admitir a possibilidade de que
sua opinião seja falsa, ela devia ser influenciada pela consideração de que, por
mais verdadeira que possa ser, se não for discutida por completo, com frequência
e de maneira destemida, será considerada um dogma morto e não uma verdade
viva” (Mill, 2002b, p. 389).
No entanto, o autor não defende uma liberdade absoluta, do qual os efeitos
de certas opiniões extrapolam condições mínimas de favorecimento à sociedade.
Conforme já apresentado, Mill desenvolve a sua teoria, especificamente no to-
cante às questões que envolvem a liberdade, para pessoas educadas e preparadas
para viver e conviver com este tipo de sociedade. Sendo assim, o uso indevido,
desproporcional e mesmo irresponsável da expressão destas opiniões podem
trazer sérios prejuízos à sociedade, e na visão utilitarista, o ato que caracteriza
a liberdade, encontra o seu limite, na condição de que não pode produzir mal a
outrem. Neste sentido, o próprio autor apresenta um exemplo, que ainda pode
ser percebido nos dias atuais, quando afirma que “uma opinião de que os comer-
ciantes de grãos matam os pobres de fome, ou de que a propriedade privada é um
roubo, não deveria ser molestada quando apenas circulasse através da imprensa,
mas pode, com justiça, ficar sujeita à punição quando emitida verbalmente para
uma multidão excitada, reunida diante da casa de um negociante de grãos, ou
quando passada de mão em mão, na forma de um cartaz, através desta multidão”
(Mill, 2002b, p. 392). O problema, na linha de visão desenvolvida por Mill, é que
nem todas as pessoas se encontram desenvolvida com grau de maturidade sufi-
ciente, para compreender determinadas questões e enfrentar as mesmas a sereni-
dade que a vida numa democracia requer, até porque, “a liberdade do indivíduo
deve ser limitada até esse ponto; ele não deve tornar-se um estorvo para outras

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UNICESUMAR

pessoas” (Mill, 2002b, p. 392). Na realidade, quem emite este tipo de opinião, nas
circunstâncias anunciadas por Mill no seu exemplo, não o faz com a intenção de
contribuir com o progresso da multidão, mas somente o de incitá-la contra uma
situação em particular, e os seus resultados, podem colocar a liberdade social em
risco, o que requer do Estado e mesmo da sociedade, assumir o dever de conter
tal possibilidade.
Outro aspecto é que muitas vezes, o fazer o mal aos outros tendo como fun-
damento a defesa de nossa liberdade, não está situado apenas no campo da ação
propriamente dita, mas algumas vezes, como reflexo indireto da conduta das
pessoas, portanto, “se por meio de seus vícios ou loucuras uma pessoa não cau-
sa dano direto a outros, ainda assim ela é (pode-se dizer) prejudicial com seu
exemplo; e deveria ser forçada a se controlar, em benefício daqueles aos quais a
visão ou conhecimento de sua conduta poderia corromper ou desencaminhar”
(Mill, 2002b, p. 396). O fato é que a moralidade liberal desenvolvida por Mille e
outros utilitaristas é rigorosa com relação às sanções impostas pelo meio social
ao homem que a desafia, sendo assim, a liberdade é um bem precioso, e uma
grande conquista ao longo da história da humanidade, preservá-la e ampliar seus
horizontes é dever de todo homem.
Mas como que, o que era defendido como liberdade passa necessariamente a
ser punido? A esta questão Mill nos responderia que: “sempre que houver algum
dano definido, ou risco definido de dano, quer para o indivíduo, quer para o
público, o caso é retirado do campo da liberdade e colocado no campo da mo-
ralidade ou da lei” (Mill, 2002b, p. 397).
Como é próprio das ideias liberais, deposita-se sobre o indivíduo parcela sig-
nificativa de responsabilidade, para o enfrentamento das situações contingentes
que o mundo lhes apresenta, e não poderia ser diferente, no pensamento político
e libertário de Mill, de forma mais pontual, quando nos ensina que,“sempre existe
necessidade de pessoas que não só descubram novas verdades e apontem quando
aquilo que um dia foi verdade já não o é mais, mas que também comecem novas
práticas e dêem o exemplo de conduta mais esclarecida e melhorem o gosto e o
sentido da vida humana” (2002b, p. 394). Outra característica das ideias liberais
é o de reconhecer que as pessoas apresentam, além das desigualdades de ordem
material, desigualdades originárias das próprias condições e capacidades de de-
senvolvimento das mesmas, pois, “é verdade que esse benefício, não pode ser
apresentado por todo mundo do mesmo modo; existem apenas poucas pessoas,

183
UNIDADE 10

em comparação com o conjunto da humanidade, cujas experiências, se adotadas


por outros, provavelmente apresentariam alguma melhora na prática estabele-
cida” (Mill, 2002b, p. 394).
Mesmo não sendo um contratualista e até fazendo críticas quanto a possibi-
lidade de se retirar de um contrato, formas dos homens cumprirem com as suas
obrigações sociais, defende a ideia que ao viver em sociedade, os homens sempre
ficam com um débito para com a mesma, porque “todos que recebem proteção
da sociedade devem uma retribuição por esse benefício, e o fato de viverem em
sociedade torna indispensável que cada qual seja obrigado a observar uma certa
linha de conduta em relação aos demais” (Mill, 2002b, p. 395).
Quando se trata de liberdade em Mill é preciso ampliar um pouco mais os
horizontes, pois nãos e trata apenas da liberdade dentro do campo do fazer ou
poder fazer, de acordo com a nossa conveniência, porque “a proteção da liberdade
implica a continuidade do desenvolvimento e, portanto, a possibilidade de am-
pliar não só as liberdades, mas o usufruto das benesses trazidas pelo progresso à
maioria da população” (Brito, 2012, p. 139). Pode-se dizer que é o aspecto utilita-
rista da liberdade, no sentido que provoca a ampliação de condições necessárias
e que favorecem o progresso da humanidade.
No entanto, conforme pode-se inferir da leitura de sua obra, “a liberdade
de pensamento e de gosto deve ser praticamente irrestrita, mas não a liberdade
para agir, já que ninguém defende que as ações possam ser tão livres quanto as
opiniões. As ações, afinal, têm consequências que podem estar ao controle e ser
sujeitas à repressão das leis” (Brito, 2012, p. 139).
Exposta algumas considerações sobre a liberdade, tema precioso à Ciência
Política, Filosofia e ao Direito, é preciso enfrentar algumas questões apresenta-
das por Mill na obra Considerações Sobre o Governo Representativo, contudo,
é preciso ressaltar que “em Mill, governo representativo é o mesmo que governo
parlamentar, cujo Executivo deve ser escolhido periodicamente por uma assem-
bleia representativa perante a qual será responsável” (Adams e Dyson, 2006, p.
118). Posição diferente daquela defendida por Rousseau, Madison, Jay, Hamilton
e outros pensadores modernos, mas convergente com as ideias de Locke e outros
liberais de origem inglesa. Como o próprio título do livro nos indica, Mill era
contra a democracia direta, ou seja, aquela que o povo participa diretamente das
decisões, de forma mais específica, na participação da elaboração das leis. Sendo
assim, defende o que conhecemos como democracia representativa, até porque,

184
UNICESUMAR

acreditava que somente algumas pessoas estavam devidamente preparadas, atra-


vés da educação, para conduzir os demais em direção ao progresso.
Outro aspecto a ser observado é que nesta obra, “Mill defende a democra-
cia como a melhor forma de governo, conciliando-a com o Estado Liberal. Mill
figura entre os pensadores liberais, entre os quais nos lembramos de Madison,
que procura equacionar a questão sobre a combinação possível ou não entre a
liberdade e a igualdade” (Abranches, 2009, p. 305). Primeiro, é preciso esclarecer
que liberalismo e democracia não significam a mesma coisa, e mais ainda, o Es-
tado Liberal surgiu antes do Estado Democrático. Algumas monarquias, entre as
quais a inglesa aderiu ao liberalismo muito antes de se transformarem em uma
democracia.
Já no capítulo inicial, ao discutir se as formas de governo são realmente uma
opção dos homens, deixa evidente, que “que as instituições políticas (não importa
o quanto esta proposição possa ser ignorada às vezes) são obra dos homens, e que
eles devem sua origem e toda a sua existência na vontade humana” (Mill, 1981, p.
6), portanto, não se vinculam ao sagrado, e nada mais são, do que expressões que
caracterizam a própria maneira como os cidadãos querem ver o Estado. Sendo
obra dos homens, podem, quando não devidamente construídas, estar sujeitas
as mesmas características da natureza humana, a qual Mill não depositava tanta
confiança assim, portanto, os governos corruptos são produtos e reflexos desta
natureza humana, e não das instituições em sim. Para o autor é evidente que “é a
máxima de que o governo de um país é aquilo que as forças sociais o obrigam a
ser, é verdadeira apenas enquanto favorecem, ao invés de desencorajar, a tentativa
de exercer, entre todas as formas de governo praticáveis na condição existente da
sociedade, uma escolha racional” (Mill, 1981, p. 12).
Mill na presente obra, procura tratar com riqueza de detalhes, semelhante
a um estilo aristotélico, a analisar todas as possibilidades para a constituição do
governo, trabalhando pontos e ao mesmo tempo, oferecendo contrapontos, com
a finalidade de mostrar que nem sempre, os conceitos envolvendo a questão dos
governos, são claros o suficiente, a ponto de se poder dizer, por exemplo, que pelo
simples fato de um governo ser democrático, não possa estar cercado de corrup-
ção e mais ainda, agir de forma a corroborar com a corrupção. Já no seu tempo,
Auguste Comte tinha apresentado a sua teoria positivista, e Mill recorre a alguns
aspectos desta teoria, mormente aquelas vinculadas a ideia da existência de um
governo. E começa por fazer crítica, as definições tanto os franceses, com a ideia

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UNIDADE 10

comtiana de Ordem e Progresso, quanto os ingleses, representados por Coleridge,


quando adaptou o termo comtiano para Permanência e Progresso, dizendo que
as mesmas, no fundo apresentava uma confusão, pois não permitiam definir os
critérios para uma boa forma de governo, como as mesmas tinham proposto,
afirmando que as mesmas não eram corretas e tão pouco científicas.
Começa a tratar do tema ao propor uma provocação, quando faz a seguinte
colocação: “ora, em primeiro lugar, o que são ordem e progresso? No que respeita
ao progresso, não há nenhuma dificuldade, ou pelo menos nenhuma aparente, à
primeira vista. Quando as pessoas se referem ao progresso como um dos desejos
da sociedade humana, pode-se supor que ele queira dizer aperfeiçoamento. Esta
é uma ideia toleravelmente distinta. Mas o que é a ordem?” (Mill, 1981, p. 14).
A ideia de progresso já vinha sendo discutida deste os primeiros movimentos
que constituíram o liberalismo, sendo aceito o progresso, ou aperfeiçoamento,
como algo necessário a existência da própria condição humana, que desejava
ampliar a sua liberdade. Não podemos nos esquecer, que Mill era um inglês, e
talvez, nenhum país tenha experimentado tanto os efeitos e as consequências da
Revolução Industrial, quanto a Inglaterra. A concepção de progresso, enquanto
aperfeiçoamento, já estava implícito na própria ideia de industrialização.
Mas a questão que se apresenta com maior polêmica, ao menos na visão de
Mill, era a de ordem. Sendo assim, “no seu sentida mais estreito, ordem significa
obediência. Diz-se de um governo que ele mantém a ordem quando consegue se
fazer obedecido. Mas existem graus diferentes de obediência, e nem todo grau é
recomendável. Apenas um despotismo puro pode exigir dos cidadãos individuais
a obediência sem reservas a todas as diretrizes das pessoas que detêm o poder”
(Mill, 1981, p. 14). É evidente que Mill não deseja tratar desta questão nos gover-
nos despóticos, mas sim, buscar uma definição conceitual para o termo ordem a
partir da perspectiva de uma democracia representativa, aonde a questão de or-
dem estava associada não somente com a liberdade, mas com a moralidade social
e também as leis. Não satisfeito com a definição inicial, precária porque permite
inclusive que um governo despótico a utilize, é preciso buscar uma compreensão
mais restrita, portanto,“num sentido abrangente, ordem significa a preservação da
paz pela cessação da violência privada. Diz-se que a ordem existe naqueles países
cujos habitantes cessaram de resolver suas querelas à mão armada, e adquiriram
o hábito de confiar ao governo a decisão de suas disputas e a reparação de seus
prejuízos” (Mill, 1981, p. 14).

186
UNICESUMAR

Contudo, não existe uma dissociação entre ordem e progresso, porque na


visão liberal a ideia de progresso estava intrinsecamente associada à liberdade e
ampliação de seus horizontes, e a de ordem, com um governo que pudesse, uti-
lizando os princípios liberais, governar com o menor grau de interferência nas
questões de ordem individual, e contudo, garantir a estabilidade do todo. Ainda
mais, quando se trata de uma democracia liberal, como quer defender o autor.
Com estas considerações, Mill nos leva a compreender que “a ordem encontraria
um lugar mais adequado entre, as condições do Progresso; de vez que, se quiser-
mos aumentar nossa soma de bens, nada mais indispensável do que tomarmos
devido cuidado com aquilo que já possuímos. Se estivermos à procura de mais
riquezas, nossa primeira regra deverá ser a de não desperdiçar inutilmente nossos
meios existentes” (Mill, 1981, p. 17). Essa relação intrínseca entre ordem e pro-
gresso, com a preservação e ampliação do espaço da liberdade, conduzidas por
uma moralidade social e também, pela existência das leis, só seria possível num
governo em que a democracia-liberal fosse representativa, que é a ideia central
do pensamento político de Mill.
Segundo Abranches, é na obra Sobre a Liberdade que Mill expõe os motivos
pelo qual é contra a ideia de democracia direta, “primeiro, pelo que constata ser
a tirania da maioria e, em segundo, pelo mal que essa tirania poderia causar ao
livre desenvolvimento individual e, consequentemente, ao desenvolvimento da
humanidade como um todo” (2009, p. 305). É que Mill não acreditava que to-
das as pessoas, e nem que a maioria, estivesse preparada para compreender as
questões referentes à liberdade, e nem aptas a tomar as ações necessárias para a
concretização destas liberdades. Quanto as pessoas aptas para tal, até as nomina
como “o sal da terra”, justamente por estarem capacitadas a nortear suas ações
pela ideia de progresso, de aperfeiçoamento, e de compreensão dos reais limites
da liberdade. Sob certos aspectos, são pessoas dotadas da mais alta moralidade
social e consciência de que, ao usurpar a liberdade, as pessoas deveriam arcar
com duas consequências inevitáveis: a sanção referente à moralidade social, e a
punição inevitável por parte das leis do Estado.
Depois de expor outras formas de governo, assim como, os problemas in-
trínsecos à possibilidade de que todos participem de forma direta do governo, e
alguns problemas específicos da própria natureza humana, Mill chega à conclusão
que “único governo capaz de satisfazer a todas as exigências do estado social é
aquele do qual participou o povo inteiro; que toda a participação, por menor que

187
UNIDADE 10

seja, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, na proporção em que
permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode
desejar nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano
do Estado” (1981, p. 38). Fica evidente que a participação no governo deve ser de
todos, no entanto, somente uma pequena parcela está apta a participar do poder,
cujo exercício é necessário à própria existência do Estado e assim mesmo, esta
participação dependerá do grau geral de desenvolvimento da comunidade, ao
qual o autor, conforme já apresentado, discute quando trata das questões refe-
rentes à concepção de progresso.
Embora apresente convenientes e inconvenientes de outras formas de gover-
no, Mill é enfático na forma de governo que ele defende, sendo assim, expõe que
“identificamos no governo representativo o tipo ideal do governo mais perfeito,
ao qual por conseguinte todos os povos se adaptam melhor em proporção ao seu
grau de desenvolvimento geral. Quanto menos avançado estiver um povo em seu
desenvolvimento menos lhe será adequada, geralmente falando, esta forma de
governo; embora isto não seja universalmente verdadeiro, visto que a adaptabi-
lidade de um povo ao governo representativo depende muito mais do grau em
que possui certos requisitos especiais do que da posição que ocupa na escala geral
da humanidade” (Mill, 1981, p. 39). Se é o governo mas perfeito, o é em função do
grau de desenvolvimento em que a população se encontra, pois o mesmo exige
do povo e de suas instituições políticas, determinados conhecimentos que não
estão presentes em povos mais atrasados. Tal perspectiva de análise se faz com
fundamento na própria ideia de progresso desenvolvida por Mill e já presente,
de forma mais enfática, em vários pensadores de sua época, e que servirá em
momento futuro, como nos demonstrará Karl Marx, num ponto de apoio para
estabelecer uma crítica contundente contra o capitalismo e a própria ideia de
Estado construída e idealizada pela burguesia.
Para que qualquer governo tenha uma existência minimamente temporária,
é necessário que algumas condições sejam satisfeitas, e não seria diferente para o
governo representativo, as três condições são as seguintes: “1) que o povo esteja
disposto a aceitá-lo; 2) que o povo tenha a vontade e a capacidade de fazer o ne-
cessário para sua preservação; e 3) que este povo tenha a vontade e a capacidade
de cumprir os deveres e exercer as funções que lhe impõe este governo” (Mill,
1981, p. 39). Embora o autor diga que são condições para a existência de qualquer
governo, certamente não se aplica aos governos despóticos, pois não se pode

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UNICESUMAR

confundir submissão com vontade e capacidade.


Diante destas considerações, e da importância que Mill dá ao governo repre-
sentativo, qual seria o princípio que regeria esta democracia, além da participação
do povo na escolha dos governantes, e participação no poder? Segundo o autor,
seria uma democracia na qual “todos estariam representados, e não apenas a
maioria — onde os interesses, as opiniões, os níveis de inteligência que estão em
minoria, seriam ouvidos apesar de tudo, e teriam uma chance de obter, pelo peso
de sua reputação, e pela potência de seus argumentos, uma influência superior
à sua força numérica – esta democracia, onde existiria a igualdade, a imparciali-
dade, o governo de todos por todos, a única democracia verdadeira, estaria livre
dos grandes males das democracias falsas, hoje em grande número, e que servem
de base para a ideia corrente que se faz de democracia” (Mill, 1981, p. 87).
Contudo, embora tenha admiração pela democracia, o autor também conhe-
ce os problemas que pode advir, de um sistema de governo, com fundamento
liberal, no tocante aos desejos e egoísmos da natureza humana, pois, “se a demo-
cracia é superior às outras formas de governo porque promove maiores escla-
recimentos e independência de público, por outro lado, ela não se distingue das
demais, igualando-se em deficiência, por duas razões: a existência de interesses
sinistros, isto é, egoístas, tanto nos homens em geral como nos governantes; e a
orientação por interesses imediatos em oposição aos reais” (Abranches, 2009, p.
313). Na visão realista do autor sobre a natureza humana, fica evidente a preo-
cupação com a forma como os homens podem, em determinados momentos,
exercer o seu egoísmo a um ponto tão extremado, que colocaria em risco a sua
própria liberdade, em se tratando de uma democracia liberal, cujo fundamento é
a liberdade, o risco pode ser ainda maior, pois é possível que alguns homens, não
bem formados e educados, venham a confundir a liberdade que deve preservar
a liberdade do próximo, com a percepção de uma liberdade individual que tem
por finalidade, reduzir ao máximo a liberdade do outro. Dentro desta perspectiva,
e na preocupação de Mill, com a educação do homem, que deverá conduzi-lo
ao fortalecimento da moralidade social, assim como, expondo de forma geral
alguns pontos importantes na construção de seu pensamento político, é preciso
compreender que, “tudo aquilo que fortalece, por pouco que seja, as faculdades,
cria um desejo cada vez maior de exercê-las mais livremente; e uma educação
popular será falha se preparar o povo para qualquer outro estado que não aquele
que o induz a desejar, e muito provavelmente a reivindicar” (Mill, 1981, p. 30), o

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UNIDADE 10

que caracteriza, um Estado aonde as liberdades sociais sejam um direito e uma


garantia, e não um favor que se pede ao soberano, como forma de recompensa.
Antes um direito, do que um mimo.
A participação popular na administração do Estado, vai muito além do seu
poder de escolher os governantes e seus representantes, pois na administração
do Estado, em toda a sua extensão, exige a presença de pessoas qualificadas e
preparadas para o exercício de suas funções. Estas questões e outras, apresentadas
por Mill no capítulo XV da respectiva obra, deixa bem claro que, os governantes
e pessoas mais aptas e educadas, devem fazer muito mais do que apenas conduzir
as coisas do Estado, devem também, constituir-se em professores, que ensinam
as pessoas menos capacitadas, a se aprofundarem em conhecimento, e assim,
exercer as suas atividades com maior eficiência. Ao tratar das diferenças entre as
administrações locais e outras superiores a estas, afirma que “o maior defeito das
instituições populares locais, e a causa principal de seu frequente insucesso, é o
baixo nível dos homens que geralmente as dirigem. Que estes homens sejam de
tipos muito variados, é, na verdade, parte das vantagens dá instituição; é esta cir-
cunstância principalmente que faz da instituição uma escola de aptidão política
e de inteligência geral” (Mill, 1981, p. 151).
No caso do Estado, a vantagem é que, cargos exercidos por pessoas menos
capacitadas, as coloca em contato com pessoas mais capacitadas e portanto, mais
aptas a lhes ensinar, estabelecendo assim, uma outra característica da educa-
ção, aquela voltada as questões da administração do Estado, e que exige uma
habilidade e capacidade diferente daquelas pertinentes às coisas privadas. No
entanto, não é prudente admitir que as pessoas mais capacitadas se encontrem
somente na condição de superioridade, como se fosse algo que pertence somente
a elas próprias, e que as mesmas apenas as concedem quando se tem necessidade
de tal conhecimento, porque “é muito pobre a educação que associa ignorância
com ignorância e que deixa os cidadãos, se aspirarem ao saber, sem ajuda para
encontrá-lo, ou sem ele, se não o aspirarem” (Mill, 1981, p. 156). Estas mesmas
características são transferidas ao cidadão na sua relação com Estado, pois estes
não podem, e nem devem, esperar que o Estado possa resolver todos os seus
problemas, porque “quando os indivíduos em tudo passam a depender do Estado
e dos seus funcionários, se o Estado não consegue corresponder às expectativas,
há risco de revolução” (Abranches, 2009, p. 309). Este é um dos pressupostos do
próprio liberalismo e da proposta utilitarista, que as pessoas dependam de seus

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UNICESUMAR

semelhantes, somente naquilo que lhe é estritamente necessário, porque se tal


dependência for muito grande, a consequência é a restrição da liberdade da outra
pessoa, e como a liberdade deve ser preservada, tal forma de comportamento,
aonde a pessoa busca solucionar os seus próprios problemas, contribui para o
fortalecimento da vida em sociedade.
Na visão de Mill a forma de se enfrentar esta suposta ignorância que predomi-
na em parcela significativa da sociedade, e que pode ser exercida por aqueles que
tem mais conhecimento em relação ao demais, principalmente em se tratando de
funcionários do governo, é compreendendo que “o que importa é despertar na
ignorância a consciência de seu estado, e torná-la capaz de aproveitar o conheci-
mento; acostumar mentes que só agem pela rotina a agir segundo princípios e a
sentir o valor destes; ensiná-las a comparar diferentes linhas de ação, e a distin-
guir a melhor usando seu próprio raciocínio. Se desejarmos ter uma boa escola,
não poderemos eliminar o professor” (Mill, 1981, p. 156). Portanto, as pessoas
mais capacitadas, mais educadas e mais aptas a exercer parcelas maior de poder,
também podem, e moral devem, nortear as suas ações como um professor deve
fazer na relação com um aluno, colocar o conhecimento à sua disposição e lhes
ensinar, como este se relaciona com o aperfeiçoamento da humanidade.
O direito de votar constitui-se na forma capaz de ampliar a participação do
povo no governo, o que implica também, no reconhecimento clássico da maio-
ria dos liberais, de que o poder pertence ao povo e não a um homem, ou uma
classe específica de homens. No entanto, “seria absurdo estende o direito de voto
a um vasto eleitorado, cujos membros, demasiado ignorantes, possam manter-
-se alheios à responsabilidade de suas escolhas” (Adame e Dyson, 2006, p. 119).
A sua proposta para resolver este problema, ficou conhecida como voto plural,
aonde determinados indivíduos que provassem a sua capacidade intelectiva, teria
direito a mais de um voto. Isto implica na necessidade de um exame público, a
que os homens se sujeitariam, “com o objetivo de provarem se eram dignos de
exercer o direito ao voto” (Adame e Dyson, 2006, p. 119). Para Mill é o governo
representativo exige que as pessoas tenham conhecimento sobre a importância
e a responsabilidade sobre a sua condição de cidadão em votar, e afirma que é
“inadmissível que possa participar do sufrágio uma pessoa que não saiba ler, es-
crever ou, ainda, executar as operações comuns de aritmética” (Mill, 1981, p. 89).
Contudo, não exime o Estado e mesmo a sociedade, de dar a estas pessoas
condições para que possam ser educadas, e neste sentido, defende que “A justiça

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UNIDADE 10

exige que, mesmo que o sufrágio não dependa disso, os meios de atingir estes
conhecimentos elementares sejam colocados ao alcance de todas as pessoas, seja
gratuitamente, seja a um preço que possa ser pago até mesmo pelos mais pobres.
Se fosse este o caso, pensar em dar o sufrágio a um analfabeto seria o mesmo
que pensar em dá-lo a uma criança que não saiba falar; e tal pessoa não estaria
sendo excluída pela sociedade, mas sim por sua própria preguiça” (Mill, 1981,
p. 89-90). No pensamento de Mill, e em especial na sua visão política, fica claro
que a educação assume um papel fundamental, mas também pragmática, porque
deve estar associada com as necessidades do Estado e da sociedade, e não como
um instrumento colocado de forma espontânea ao homem. É verdade que a
liberdade permite a este homem escolher entre ser educado ou não, mas a não
escolha implica em restrições de sua própria liberdade, não como punição, mas
como condição sine qua non de sua cidadania.
Expõe a responsabilidade que a sociedade tem na condução da Educação, pois
“o fato de a sociedade não ter cumprido seu dever de tornar este grau de instrução
acessível a todos é realmente uma injustiça, mas uma injustiça à qual devemos nos
resignar. Se a sociedade houver negligenciado o cumprimento de duas obrigações
solenes, a mais importante e mais fundamental deve ser cumprida primeiro: a
educação universal deve preceder o sufrágio universal” (Mill, 1981, p. 90), isto não
quer dizer que o voto não continuará existindo, mas sim que não será universal e
sim reservado para aqueles que detém um grau de educação capaz de conhecer
a extensão de suas responsabilidades, quando assumem a condição de cidadãos
que querem escolher os seus representantes.
Mas as restrições não se referem somente a questões de educação, e outras po-
dem ser necessárias, como por exemplo,“é importante, também, que a assembleia
que vota os impostos, tanto gerais quanto locais, deve ser eleita exclusivamente
pelos que pagam os referidos impostos. Os que não pagam impostos, dispondo
através de seus votos do dinheiro de outras pessoas, têm todas as razões ima-
gináveis para serem pródigos, e nenhum para economizar” (Mill, 1981, p. 90).
Uma das razões é que estas pessoas não se encontram livres, pois dependem do
dinheiro do governo e também, seria o mesmo que legislar em interesse próprio,
pois é da natureza humana se adaptar mais fácil em receber benefícios, do que em
trabalhar para conquista-los. Outro aspecto para negar a estas pessoas, de forma
temporária, o direito de votar, é o de que “seja como for, considero óbvio o fato
de que o recebimento de uma ajuda financeira por parte do governo representa

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UNICESUMAR

uma exclusão peremptória do direito de votar. A pessoa que não consegue viver
de seu próprio trabalho não tem o direito de se servir do dinheiro dos outros”
(Mill, 1981, p. 91). Questões como estas, de ordem meramente numérica, portan-
to, objetivas, seriam fáceis de serem resolvidas.
Com relação a esta característica do pensamento de Mill, ou seja, a de associar
o direito ao voto, a algumas condições de natureza pecuniária, Abranches nos en-
sina que “Mill, ao defender algum condicionamento pecuniário para o exercício
do voto de representação, o faz por ingerência demasiada dos cidadãos pouco ou
não produtivos sobre os mais ricos. Além disso, esses cidadãos poderiam exercer
uma influência negativa no caráter dos representantes, que poderiam se tornar
irresponsáveis no que diz respeito aos gastos públicos, vistos serem estes os que
votam os impostos” (2009, p. 317). O que não é novidade, pois o pensamento libe-
ral sempre se caracterizou por uma preocupação especial com relação as questões
envolvendo o pagamento de impostos pelos cidadãos, a razão é que, quando feita
de forma injusta e desproporcional, fere o direito de propriedade, porque avança
sobre o patrimônio do cidadão, e também, o seu direito de liberdade, que é o de
dispor de seus bens exercendo a possibilidade de escolha.
Mas e quanto ao fato de que para outros casos, algumas pessoas, com fun-
damento no voto plural, tenham um direito de voto maior do que as demais?
Ao que Mill responderia: “se me for perguntado até onde pode ser levado este
princípio, ou quantos votos podem ser concedidos a um indivíduo em virtude de
quaisquer qualidades superiores, responderia que isto não é tão importante em
si, desde que as distinções e as gradações não sejam feitas de maneira arbitrária,
mas sim de uma maneira que possa ser compreendida e aceita pela consciência
e o entendimento gerais” (1981, p. 94). Para quem de certa forma, desacredita na
natureza humana, parece-nos uma contradição acreditar que, com fundamen-
to na moralidade social, e mesmo na educação, algumas pessoas se sentissem
conformadas pela restrição de seus direitos, quando não se encontrassem na
categoria daqueles que tivessem este direito. A razão para este posicionamento,
pode ser melhor compreendida quando compreendemos a importância que a
moral social tem para o utilitarismo, existindo até mesmo, como um elemento
efetivo de coerção de determinadas liberdades do indivíduo.
A preocupação central de Mill com relação a essa questão do voto, é sempre o
medo da predominância da maioria sobre a minoria, de forma a suprimir os de-
sejos e as liberdades da minoria, não com fundamento na razão, mas procurando

193
UNIDADE 10

dar razão àquilo que não tem razão. O que o autor espera é que a educação mental
e política esteja acessível a todos, na esperança de que a mesma faça os homens
a agirem de acordo com a racionalidade, neste sentido que, de forma enfática,
afirma que “não é útil, mas sim nocivo, o fato de a constituição do país proclamar
que a ignorância deva ter poder político igual ao da sabedoria. Todas as coisas
que dizem respeito às instituições nacionais devem ser apresentadas por elas à
mente do cidadão comum, da maneira mais vantajosa possível para ele; e como
é altamente vantajoso para o cidadão pensar que todos têm direito a uma certa
influência, mas que os melhores e mais sábios têm direito a mais influência do que
os outros, é importante que esta convicção seja professada pelo Estado, e posta
em prática pelas instituições nacionais” (Mill, 1981, p. 96). A condição é que essa
vantagem temporária do voto plural, seja algo determinado pela Constituição do
Estado e não como simples vontade de uma minoria que detém maior capaci-
dade intelectual do que os demais. Na visão do autor, as classes mais instruídas,
seriam as grandes responsáveis por impulsionar o progresso, de oportunizar o
aperfeiçoamento da sociedade, pois dotadas de educação mental e política, teriam
consciência desta responsabilidade, e estariam mais aptas a providenciar a ação
necessária para dar o movimento em direção ao progresso.
Mas apesar de polêmico em várias de suas posições, comparadas à sociedade
em que vivemos, Mill tinha algumas teorias que iam além de seu tempo, e as
restrições que estabelece com relação ao sufrágio universal, o faz no fundamen-
to no conhecimento que as pessoas deveriam ter, da responsabilidade que elas
têm quando da oportunidade de votar neste ou naquele candidato. No entanto,
certamente foi o primeiro pensador político liberal a defender o direito que as
mulheres também tinham de votar, numa sociedade, que apesar de liberal, ainda
mantinha uma forte carga machista em praticamente todas as esferas da vida em
sociedade, quanto mais da política. Ao defender estas ideias, assim expõe os seus
argumentos: “na argumentação anterior, em favor do sufrágio universal, porém
escalonado, não dei importância nenhuma atenção à diferença de sexos. Con-
sidero o problema tão inteiramente irrelevante, em termos de direitos políticos,
quanto a diferença de altura ou de cor de cabelo. Todos os seres humanos têm
o mesmo interesse em ter um bom governo; o bem-estar de todos é igualmente
afetado por ele, e todos têm direito a uma voz para garantir sua porção de be-
nefícios” (Mill, 1981, p. 97). Demonstra assim, que se não tratou do assunto, não
é porque o mesmo não seja importante, mas sim que as suas referências eram

194
UNICESUMAR

sempre em relação ao homem enquanto gênero, e não com referência ao sexo.


Admite que na visão liberal os interesses pertencem à espécie humana e não
a uma condição de “acidente da natureza”, para usar um termo aristotélico. Expõe
que se os homens, enquanto do sexo masculino, precisam das leis para defender
os seus direitos, muito mais precisariam as mulheres, justamente por serem mais
frágeis do que os homens, sendo assim, não existe argumento racional que justi-
fique a exclusão das mesmas do voto. Chega mesmo até a assumir um discurso
que será assumido pelos primeiros movimentos feministas no século XX, quando
afirma que “hoje em dia, ninguém mais sustenta que as mulheres devam ser es-
cravizadas; que não possam ter nenhum outro pensamento, desejo ou ocupação,
que não seja de ser burro de carga de seus maridos, seus pais ou seus irmãos. É
permitido às mulheres solteiras, e por muito pouco também às mulheres casadas,
possuir fortuna própria, e de ter interesses pecuniários e comerciais da mesma
maneira que os homens” (Mill, 1981, p. 97).
Exalta o fato de que as pessoas associam sempre o voto com a ideia de que
as pessoas desejariam ter acesso ao poder, o que não pode ser levado como obs-
táculo para que as pessoas não tenham acesso ao voto, pois “os homens, assim
como as mulheres, não precisam dos poderes políticos para que possam governar,
mas sim para que não possam ser mal governados” (Mill, 1981, p. 98). O poder
político não pode somente representar a possibilidade de acesso ao poder, mas
também, para evitar que as pessoas menos preparadas tenham ascensão aos me-
nos, e sejam governantes que coloquem em risco a liberdade de seus governados,
contrariando o progresso estabelecido pela história da liberdade dos homens. No
entanto, como algumas pessoas poderiam, e nos dias de hoje ainda pensam, se os
homens, sejam esposos ou irmãos, exercerem poderes sobre a mulher, de forma
a conduzir o seu voto, de acordo com suas opiniões, assim mesmo, ainda seria
vantajoso que a mulher votasse, pois, “o pior que se diz é que elas votariam como
meros dependentes, segundo a orientação de seus parentes do sexo masculino.
Se for assim, que seja. Se elas pensarem por si mesmas, ótimo, se não o fizerem,
nada de mal acontecerá. É bom para os seres humanos verem retiradas suas alge-
mas, mesmo que não desejem se locomover” (Mill, 1981, p. 98). No pensamento
desenvolvido por Mill, e também já pactuado por outros pensadores, como por
exemplo Étienne de La Boétie, o homem só aprende a ter gosto e a defender com
a própria vida o direito de ser livre, quando experimenta o sabor da liberdade.
Maquiavel também já dizia, que seria mais difícil ao príncipe conquistar um povo

195
UNIDADE 10

que aprendeu a ser livre, do que um povo que sempre esteja sob o jugo de um
governante que restringisse a sua liberdade.
Justificando a sua constante preocupação não somente com o voto, mas com
a qualidade do voto, porque, “além do mais, a qualidade do próprio voto também
seria melhorada. O homem teria frequentemente que encontrar razões honestas
para justificar sua maneira de votar, de modo a que possa convencer o caráter
mais correto e imparcial de sua esposa a se filiar ao mesmo partido. A influência
da mulher faria que o homem se prendesse mais à sua própria opinião sincera”
(Mill, 1981, p. 98). Para Mill, a liberdade quando conduzida pela educação, e
com influência da moralidade social, permite aos seres humanos reconhecer
que a única forma de ampliar a sua própria liberdade, primeiro é exercendo o
direito de escolher que serão governados somente pelos melhores, e depois, que
a própria prática constante, através das eleições, iria se aperfeiçoando e tornando
o sistema mais eficaz.
Como forma de proteger as minorias contra a opressão da vontade da maio-
ria, Mill defendeu, o foi um dos primeiros assim a fazer, o chamado voto propor-
cional, que foi “proposto originalmente em 1859 por Thomas Hare, um advogado
londrino, no livro A Treatise on the election of representatives, parliamentary
and municipal (Tratado sobre a eleição de representantes para o Parlamento e
os governos locais)” (Adams e Dyson, 2006, p. 119).
Este sistema não é simples, mas pode ser explicado, da seguinte exposição:
“os partidos apresentam candidatos até o número da magnitude do distrito. O
primeiro passo é calcular uma quota (número de votos dividido pelo número
de cadeiras mais um) em cada distrito. Assim, é calculado o número de votos
necessários para a eleição de cada representante; os eleitores assinalam na lista a
ordem de sua preferência. Os candidatos que atingirem a cota estarão eleitos. Se,
numa primeira apuração, não forem preenchidas as cadeiras, os votos dos can-
didatos que excederam a cota de eleição serão transferidos a outros candidatos,
segundo a preferência demonstrada pelo eleitor. Também é utilizado o sistema de
transferência de votos dos candidatos eliminados” (Pereira, 2008, p. 10). As cotas
se refere ao número máximo de legislador no distrito, um número estabelecido
pela legislação do país, no caso do Brasil, como não temos voto distrital, seria o
número máximo de deputados federais ou estaduais.
Finalizando, Mill foi um dos mais consistentes defensores da liberdade asso-
ciada a ideia de democracia de seu tempo, e neste sentido, “aplaudia o governo

196
UNICESUMAR

representativo e o tonificante efeito moral que, no seu entender, podia ter sobre
os cidadãos comuns, mas gostaria que as coisas fossem organizadas de modo a
assegurar a ininterrupta influência de uma elite intelectual e moral” (Adams e
Dyson, 2006, p. 119). As suas obras ainda servem como instrumentos de reflexão
e provocação para se compreender a democracia a partir da responsabilidade que
as pessoas devem ter, principalmente, no tocante ao voto. Mas uma coisa é certa, e
Mill nos ensina: cada povo tem o governo que merece, uma vez que, o governante
é eleito, numa democracia, a partir dos votos dos eleitores. Com relação ao voto
plural, em situações bem específicas, o mesmo ainda existe, como por exemplo, na
maioria das universidades públicas, aonde o voto dos professores, por exemplo,
tem peso 10, o dos funcionários peso 5 e dos acadêmicos peso 1. Sendo assim, o
voto de um professor corresponde ao voto de 10 acadêmicos. Polêmica ou não
esta forma de eleição para reitor, ela ainda existe e se perpetua em nosso tempo,
sem entrar no mérito da questão, por não ser o objetivo de nosso curso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Jonh Stuart Mill foi um dos mais ardorosos e consistentes defensores do tema
da liberdade, ainda que o faça sob o ponto de vista liberar, é muito difícil não
ceder às suas ideias, principalmente, quando o mesmo trata de um tema que nos
é muito caro nos dias atuais, a liberdade de expressão.
É um tema pertinente e que precisamos nos debruçar para estudar, discutir e
aperfeiçoar instrumentos capaz de melhor compreender esta questão.

197
1. Explicar quais as preocupações que John Stuart Mill tinha com a democracia no
tocante à liberdade.

2. Apresentar segundo John Stuart Mill quais seriam as três condições necessárias para
a existência do governo representativo.

3. Explicar segundo John Stuart Mill qual seria o limite para a liberdade de expressão.

4. Dissertar sobre pelo menos dois pontos de convergência entre o pensamento de


John Locke e de John Stuart Mill.

198
11
A crise política
do estado
moderno
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender como karl Marx e Friedrich Engels enten-


dem a figura do Estado.
• Estudar e compreender por para Marx e Engels o Estado é opres-
são.
• Estudar e compreender quando e porque o Estado deveria ser
suprimido.
UNIDADE 11

Poucos filósofos enfrentaram as questões pertinentes ao liberalismo clássico e


ao capitalismo emergente, quanto o fora Karl Marx (1818-1883) e seu fiel amigo
Friedrich Engels (1820-1895). Na verdade, além de ser um equívoco, é injusto
falar de Marx, sem colocar ao seu lado Engels, no mesmo grau de genialidade e
pensamento crítico.
Que Marx e Engels são dois autores polêmicos, o que não nos parece novidade
e embora não seja unanimidade, é o pensamento da maioria das pessoas. Nada
de anormal, dado a profundidade e a complexidade de seus pensamentos.
Polêmico ou não, a sua contribuição é ímpar para a filosofia política, sendo
assim, vamos dedicar um pouco de tempo para conhecer a obra destes dois im-
portantes filósofos.

200
UNICESUMAR

Karl Marx: o Estado como opressão

Poucos filósofos enfrentaram as questões pertinentes ao liberalismo clássico e


ao capitalismo emergente, quanto o fora Karl Marx (1818-1883) e seu fiel amigo
Friedrich Engels (1820-1895). Na verdade, além de ser um equívoco, é injusto
falar de Marx, sem colocar ao seu lado Engels, no mesmo grau de genialidade e
pensamento crítico.
Não existe uma obra específica de Marx e Engels com a finalidade de tratar de
seu pensamento político, portanto, o que existe, é que este encontra-se ao longo da
maior parte de sua obra, daí, a dificuldade em ter contato com este pensamento.
Mas certamente, foram os autores que estabeleceram uma das críticas mais con-
sistentes sobre a condição humana, não apenas no momento histórico em que
viveram, mas também, fazendo uma desconstrução da visão histórica do homem
e sua relação com o modelo de sociedade predominante, desde o mundo grego
até os dias em que estavam vivendo. A sua obra mais densa, complexa e também
inacabada, porque Marx morreu antes de terminar a mesma, é O Capital (1867).
A compreensão da obra de Marx e Engels é mais complexa do que a maioria
dos filósofos políticos, sendo assim, antes de expor o seu pensamento político
propriamente dito, é necessário conhecer alguns pré-requisitos metodológicos e
conceituais. É com este propósito que dividiremos o nosso estudo em dois mo-
mentos: no primeiro momento iremos explorar o conhecimento necessário para
compreender a visão como um todo de Marx e Engels, sobre a sociedade e seus
problemas; num segundo momento, iremos explorar o seu pensamento político
e a relação com outros pensadores, antes e depois de Marx e Engels.
No entanto, diferente do que a maioria das pessoas supões, o termo socia-
lismo não é uma criação de Marx e Engels, e tão pouco, na sua origem, assume
necessariamente a vertente crítica adotada por eles. Segundo Lalande, o termo
parece ter surgido primeiramente na França, por volta de 1833, citado por Pierre
Leroux, um dos discípulos das teorias de Saint-Simon, e que “entendia por isso
(socialismo) o excesso oposto ao individualismo, a teoria que subordina intei-
ramente o indivíduo à sociedade” (1996, p. 1042). O conceito tem sua origem no
campo da economia, como forma de oposição entre individualismo e o que está
diretamente relacionado com questões que interessam ao conjunto coletivo da
sociedade. Já na vertente inglesa, tomando como referência escola econômica de
Robert Owen (1835), o conceito quer dizer, da possibilidade que os indivíduos

201
UNIDADE 11

possam se reunir, em auxílio do Estado, para justamente lutar pela dissolução do


mesmo, neste sentido, seria uma oposição entre sociedade e Estado. Existem di-
versas acepções de socialismo, mas para o nosso curso, iremos tratar do conceito
desenvolvido por Marx, Engels e outros pensadores.
Mas existem diversas acepções de socialismo, no entanto, como este não é
o objetivo da Ciência Política, vamos nos ater ao conhecimento de apenas de
dois conceitos fundamentais para compreendermos a obra política de Marx e
Engels, que é o socialismo utópico e socialismo científico, e as suas relações na
construção da obra destes autores. Segundo Vázquez, “pode-se qualificar como
utópico certo comportamento teórico ou determinada atividade prática. Utopia
pode traduzir-se por lugar imaginário ou, como fez Francisco de Quevedo ao
verter ao castelhano a Utopia de Thomas Morus, por não há tal lugar” (2010, p.
20). Portanto, quando se fala em socialismo utópico, se fala de um socialismo que
ainda não existe em lugar nenhum, mas também não é impossível de que venha
existir, desde que determinadas condições sejam satisfeitas, ou seja, que desde
se coloque em prática uma vontade capaz de produzir transformações daquelas
condições reais até então existentes. Dentro desta perspectiva, existem vários
teóricos que antecederam a Marx e Engels, do qual se desenvolveu inicialmente
o conceito de socialismo, como por exemplo, Saint-Simon, Fourier e Owen, este
último desenvolveu sua teoria com maior proximidade do que os demais, daquela
que viria a ser apresentada por Marx e Engels e também, foi um dos primeiros a
desenvolver o socialismo utópico. Segundo Medeiros,“Owen passou grande parte
de sua vida buscando inspirar a criação e comunidades utópicas isoladas e rea-
lizando ações filantrópicas com trabalhadores e empresários ingleses influentes
para convencer os mais ricos e os mais pobres da necessidade de uma sociedade
industrial mais racional e humana” (2012, p. 178). Apresentava a necessidade de
se construir uma sociedade que ainda não existia, daí, a ideia de utopia, mas com
fundamento na realidade das sociedades de seus tempos, no caso de Owen, tendo
a sociedade industrial como algo necessário.
Quanto ao socialismo científico, ele supera algumas questões que estavam
presentes no socialismo utópico, como por exemplo, o fato de não ser “uma dou-
trina inventada, mas sim do fruto do exame das condições reais” (Vázquez, 2010,
p. 35). Através do exame das condições reais, por exemplo, pode-se verificar que
geralmente a violência está associada com a falta de perspectiva de vida melhor
para uma legião de pessoas, assim como, uma descrença na própria sociedade

202
UNICESUMAR

e do governo. Sendo assim, o “socialismo científico quer dizer teoria científica


da sociedade e da história, teoria que permite fazer certas predições inferidas –
à diferença das antecipações imaginativas das utopias – do conhecimento das
condições reais existentes” (Vázquez, 2012, p. 35). De certa forma, no socialismo
utópico as condições ideais passariam a existir de uma hora para outra, pois
seriam dadas as pessoas essas condições, já no socialismo científico, a própria
sociedade, dentro de sua realidade histórica, precisaria construir ao longo de um
tempo, a sua própria história, tomando a revolução como um ponto de partida.
Como consequência desta nova forma engenharia social, pode-se afirmar que
“o socialismo científico constitui, pois, a tentativa de fundar a práxis do conheci-
mento do real, não no sentimento ou imaginação – como se vinha fazendo antes
de Marx” (Vázquez, 2012, p. 35).
Filiando o conceito à visão sobre o mesmo desenvolvida por Marx e Engels,
pode-se dizer que “o socialismo, mais que um corpo coerente de ideias políticas, é
um movimento, um campo em disputa em torno da definição teórica e prática de
como realizar a liberdade dos seres humanos de explorações e opressões de todos
os gêneros” (Medeiros, 2012, p. 173). No entanto, Marx e Engels introduzirão um
elemento fundamental para as suas teorias: a economia, sob a qual realizam uma
leitura da realidade e da história que constituiu essas realidades, estabelecendo
relações proximais para procurar compreender, como o homem se tornou su-
bordinado ao capitalismo e suas formas de mascarar a realidade.
Conforme nos ensina Vázquez, o termo socialismo “caracteriza também uma
fase de desenvolvimento social, uma nova sociedade, posterior ao capitalismo,
que se distingue radicalmente deste pela socialização dos meios de produção, por
novas relações e instituições sociais e por uma nova cultura” (2012, p. 35). Não se
trata de apenas uma mera mudança de postura, mas de romper com a tradição
até então existente, em que o capitalismo e as formas que o antecederam eram
apresentados fato inevitáveis e inabaláveis na história da própria humanidade,
para o estabelecimento de uma sociedade, aonde as formas de produção se da-
riam necessariamente, como um instrumento para promover a igualdade, sob
todos os aspectos das relações sociais. Em outras palavras, as formas de produção
não mais deveriam estar vinculadas à produção de capital, mas à promoção da
condição humana.
Diferente de outros autores, aonde o contexto histórico poucas influências
exerceram nas suas teorias, e, em alguns autores, utilizando o método estrutu-

203
UNIDADE 11

ralista é até possível fazer uma leitura de suas obras, sem o conhecimento da
realidade que os cercavam, o mesmo certamente não acontece, na maior parte da
estrutura que compõe a obra de Marx e Engels. Neste aspecto, os próprios autores
utilizam-se de exemplos e situações para estabelecer as suas críticas, próprias de
suas épocas, ou ainda, de épocas próximas. Dentro deste contexto, é preciso com-
preender que Marx situa-se “em um período histórico determinado, específico,
em que o capitalismo emprega, necessariamente, sua principal força de trabalho
na indústria, e o capital industrial é o poder econômico dominante” (Magalhães,
2009, p. 21). Com estas características, as suas teorias enxergam a sociedade a
partir desta perspectiva, que necessariamente é também, consequência da Revo-
lução Industrial, sendo que uma de suas principais características, é um abandono
significativo do modo de produção artesanal, e portanto, também de participação
familiar, culminando com o êxodo rural parcial, para que a sociedade passasse a
se concentrar maciçamente nas cidades, estabelecendo um modo de produção
em massa, aonde a personalidade do artista, antes impressa na sua própria obra,
seja ela qual fosse, para a mecanização da produção, que já não carrega mais
junto de si, parte da personalidade do artista, mas sim, o vigor e a rapidez que as
máquinas lhes imprimem.
Sendo assim, a mercadoria já não se identifica mais com o artesão, e sim
com a máquina e a sua capacidade de produzir mais, e mais barato. Na visão de
Walter Benjamin, a mercadoria, produto final, já não se identifica mais com o
artista, o seu autor, pois a sua marca pertence à máquina que a moldou, e não ao
trabalhador que a fez, até porque, este trabalhador existe apenas, como um dos
elementos que compõe a produção, e não mais, como aquele que imprime no
objeto, parte de sua personalidade. De forma geral, é a máquina substituindo,
pelo seu ritmo frenético de produção, a personalidade que antes o artesão dava à
mercadoria. Outra característica fundamental é que esta mercadoria é destituída
de personalidade que a diferencie das demais, pois a máquina produz muito, e
produz igual. Ninguém, nenhum artista até este momento conseguiu produzir
outra Monalisa, por mais que tentassem, sempre lhes faltava um detalhe, detalhe
este que, necessariamente pertencia à personalidade de Leonardo Da Vinci, en-
quanto artista, que de uma forma ou de outra, deixava impressa na tela, detalhes
resultantes desta.
Outro aspecto a ser levado em consideração é a diferença entre socialismo
e marxismo, que não se confundem em essência, mas somente no consenso do

204
UNICESUMAR

homem comum. Quanto ao conceito de socialismo e suas concepções, já fora


exposto anteriormente. Contudo, “o marxismo é a teoria de Marx que envolve
uma concepção do mundo em que se encontra uma crítica ao capitalismo e sua
superação através da luta dos trabalhadores, isto é, através de uma prática revo-
lucionária que se convencionou chamar de práxis” (Magalhães, 2009, p. 48). É
possível inferir que, o socialismo trata da teoria como um todo, enquanto que
o marxismo, traz a teoria mais exige a construção de uma prática que promo-
ve, através da revolução, a luta contra o capitalismo e a subjugação do homem.
Portanto, mais do que simples teoria, o marxismo apresenta as ferramentas ne-
cessárias para a transformação do mundo, principalmente no enfrentamento do
capitalismo, procurando recuperar a própria identidade do homem, libertando-o
das amarras do capitalismo, para quem este homem só pode ser compreendido
em duas esferas possíveis: como sujeito de produção e consumo. Neste sentido,
a práxis assume uma posição de destaque, porque ela se apresenta como “uma
compreensão teórica da realidade, sua explicação e transformação” (Magalhães,
2009, p, 49).
No entanto, filosofia e práxis não se encontram dissociados do pensamento de
Marx e Engels, mas sim como elemento constituinte da própria teoria marxista,
citando Sanchez Vázquez, “a filosofia como crítica do real não muda a realidade.
Para tal, a filosofia deve realizar-se. A filosofia se realiza através da práxis, ela se
torna prática. E a passagem da crítica ao real (crítica radical), isto é, do plano
teórico ao prático, e a revolução” (Magalhães, 2009, p. 51).
A influência da obra de Marx e Engels, que doravante, nos referimos somente
a Marx, é tão vasta e abrangente, que é preciso ter cautela, para separar o que
realmente pertence a Marx, que é necessariamente o conteúdo de suas obras,
e o que pode ser referenciado como marxismo advindo de inúmeras vertentes,
que aderiram às obras do autor, quando ainda estava vivo, ou mesmo, depois de
sua morte, chegando até os nossos dias. Este marxismo a que nos referimos, é
“todo um movimento teórico, cultural e político que tem surgimento a partir
dos primeiros intelectuais que se disseram signatários de Marx, e que vem em
constante transformação e desenvolvimento até os dias de hoje” (d´Avila Filho,
2009, p. 324). De certa forma, os marxistas fazem uma releitura das obras de
Marx, alguns de forma mais exegética, portanto, procurando manter intacto os
pressupostos de suas obras, sem a devida atualização histórica; e outros, aban-
donando grande parte da ortodoxia marxista, mas procurando atualizar o seu

205
UNIDADE 11

conteúdo, como, por exemplo, o movimento marxista mais expressivo, chamado


de Escola de Frankfurt, dos quais são signatários, Adorno, Marcuse, Habermas,
Horkheimer, e outros.
É quase que unanimidade entre os estudiosos, identificar três fases distintas
da construção da obra de Marx, identificando características das mesmas, sendo
assim, a primeira fase, está contida nos seus primeiros escritos, o chamado Marx
jovem, cuja obra mais expressiva é o Manuscritos Econômicos e Filosóficos escri-
tos no ano de 1984, quando o autor apresenta as suas discussões eminentemente
filosóficas, principalmente, no enfrentamento da concepção de Hegel sobre o
Estado, e ao mesmo tempo, procura solidificar através da dialética hegeliana (tese
– antítese – síntese), terreno para desenvolver a sua própria dialética.
Na sua segunda fase, rompe com o pensamento crítico tradicional, princi-
palmente com as teses de Feuerbach, e também, como o movimento chamado
de esquerda hegeliana. Este período constitui-se de uma luta filosófica contra o
idealismo alemão e sua suposta desconexão com a realidade, e a principal obra
é a Ideologia Alemã. É neste período que será construído por Marx e Engels, o
chamado materialismo histórico, que é um dos principais pilares da sua obra.
Neste período, também fica mais claro o conceito de ideologia e como a mesma
se articula na crítica que o autor faz, ao capitalismo e à filosofia que vigorou até
a sua época.
Já na terceira fase, quando alguns estudiosos se referem carinhosamente, ao
“velho Marx”, faz parte o conjunto mais denso em termos de conteúdo da sua
obra, principalmente com os Grundisse (1857-1858) e O Capital (1866). A ques-
tão da ideologia passa a ser tratada sobre nova perspectiva, ou seja, conforme nos
ensina d´Avila Filho, como “realidade invertida”.
Mas qual a real importância da ideologia para a compreensão da obra de Mar-
xiana? A concepção de ideologia em Marx é de razoável complexidade, mas para
a finalidade de nossos estudos, vamos trata-la de forma sintética. O conceito não
é uma criação de Marx, é bem posterior e Hegel explorou também esta questão.
Para Marx, a ideologia é a mascaração da realidade, a inversão dos reais valores
e forças que constituem a história e constitui-se de uma negatividade, qual seja,
de não permitir a uma classe de excluídos do processo de construção do conhe-
cimento, conhecer a realidade como ela é, não como parece ser. Neste sentido,
a burguesia se utiliza da ideologia, como forma de ocultar uma realidade que
interessa a sua revelação, pois trata-se, sempre, de uma condição de subjugação,

206
UNICESUMAR

como por exemplo, “quando se diz que o trabalho dignifica o homem e não se
analisam as condições reais de trabalho, que brutalizam, entorpecem, exploram
certos homens em benefício de uns poucos. Estamos diante da ideia de trabalho
e não diante da realidade histórico-social do trabalho” (Chaui, 2006, p. 81). A
questão da ideologia, está em fazer, os menos esclarecidos acreditarem, que essa
realidade é boa e que realmente, contribui para a melhoria das condições de todos
os seres humanos.
Dentro desta concepção de ideologia do exemplo citado é possível ir mais
longe ainda, pois a mesma pode reconhecer que o trabalho pode ser realmente
duro, mas as pessoas têm sempre a possibilidade de escolher algo melhor, ou me-
nos pior, como se isso fosse realmente possível, numa realidade concreta aonde as
chances de trabalho para a maioria da população, ainda são extremamente redu-
zidas. Ou ainda, conforme nos ensina Chaui, “quando se diz que os homens são
livres por natureza e que exprimem essa liberdade pela capacidade de escolher
entre coisa e situações dadas, sem que se analise quais coisas e quais condições são
dadas para que os homens escolham” (2006, p. 81), também se caracteriza como
uma ideologia, utilizada pela burguesia, principalmente depois da Revolução
Francesa, para dar um caráter aparente da liberdade, mas não, real e concreto. Um
trabalhador não qualificado, e em alguns casos, mesmo os qualificados, realmente
podem exercer a sua liberdade e escolher entre este o aquele emprego? Será que
o mercado permite o exercício dessa suposta liberdade? Não existem questões
contingentes e de mercado, que apresenta apenas essa liberdade como algo apa-
rente, mas longe de se tornar realidade?
Durante muitos anos, a mídia, com uma propaganda ideológica, ensinou a
várias gerações que fumar representava masculinidade, status social e poder de
decisão. Será que realmente isso contribuiu para que as pessoas, principalmente
àquelas menos esclarecidas, tivessem percepção do mal que o uso de tal entor-
pecente produzia em suas vidas futuras?
Portanto, e diante de outros exemplos que se poderia citar, a ideologia “é re-
sultado da luta de classes e que tem por função esconder a existência dessa luta.
Podemos acrescentar que o poder ou a eficácia da ideologia aumentam quanto
maior for sua capacidade para ocultar a origem da divisão social em classes e a
luta de classes” (Chaui, 2006, p. 82).
Outro aspecto importante, e que interessa de forma direta à Ciência Política,
pois nos ajudará a compreender a concepção de Estado em Marx, é a afirmação

207
UNIDADE 11

marxiana de que a história da humanidade é a história das lutas de classes, de


onde surge o conceito de proletariado, a classe numericamente mais expressiva,
daí, o prefixo “prole”; e em oposição a esta classe social, a burguesia.
A palavra burguesia tem a sua origem, mais próxima do que a entendemos,
do alemão burgs, que quer dizer castelo, o que origina o termo burgo, que his-
toricamente se referia a pequenas cidades, propriamente vilarejos constituídos
da sua maioria de pequenos comerciantes, que viviam, durante a medievalidade,
em regiões bem próximas dos castelos, e também, principalmente na região da
Alemanha, em torno dos castelos, com a finalidade de ali estabelecerem um pe-
queno comércio autônomo, e que de certa forma, também atendia aos interesses
dos senhores feudais, pois às vezes, compravam pequenos excedentes para serem
revendidos aos demais vassalos e outros trabalhadores.
Em contraposição à burguesia temos o proletariado, o operário propriamente
dito, o trabalhador, na maioria das vezes, constituído de força bruta de trabalho
e de domínio intelectual muito escasso. O proletariado em termos de submis-
são, tinha o senhor feudal, ou a classe nobre, no topo da pirâmide e depois, a
burguesia, com quem tinha que negociar o pouco excedente, ou ainda, comprar
o que lhe carecia, às vezes pagando em espécie, às vezes com resultado da caça,
principalmente peles de animais, ou ainda, com trabalhos esporádicos.
Esta classe burguesa, conforme nos ensina Gerd Bornheim, em seus estudos
sobre a burguesia, aprendeu a arte de comerciar, de trocar mercadorias e também,
desde de muito cedo, a poupar os seus ganhos, o que possibilitou acumular rique-
zas, e a partir do século XV, começaram a oferecer aos nobres com a cobrança de
juros e sendo assim, a aumentar o seu capital. Até que, em determinado momento,
já no ocaso da medievalidade, quando da ascensão do Estado Moderno, querem
ser reconhecidos como uma nova classe social, reivindicando, principalmente, e
inicialmente, o direito de propriedade.
Ainda, segundo Gerd Bornheim, o projeto burguês de ascensão social, foi um
projeto bem construído e com êxito maior do que esperavam inicialmente, e já
no século XVI foram se infiltrando na aristocracia, e fazendo se perceber como
uma nova classe social, oriunda de relações econômicas bem sucedidas, e com a
Revolução Francesa, finalmente tiveram os seus direitos reconhecidos. Depois da
Revolução e com a ascensão do Estado Moderno, culminando com o desenvol-
vimento do capitalismo, a burguesia constitui-se em alta burguesia, que passou
então, a deter o controle dos meios de produção, e portanto, a começar a ditar as

208
UNICESUMAR

regras de mercado, depois, em média e pequena burguesia, que realizavam uma


série de serviços para a manutenção do gerenciamento da alta burguesia, e que
depois, próximo do século XX passa a ser chamada de classe média, constituída
principalmente de profissionais liberais, e outros, com autonomia para gerenciar
seus próprios negócios. Sendo assim, é possível inferir que a ascensão e o projeto
burguês, selou as pretensões da nobreza tradicional e mudou as estruturas sociais,
além de ter realizado a transformação mais profunda nos meios de produção e
na ordem econômica.
A burguesia traz junto si, a divisão do trabalho, e das classes sociais que o
compõe, criando, dentro do modelo dialética, uma das primeiras contradições,
porque “a divisão social do trabalho, ao separar os homens em proprietários e
não-proprietários, dá aos primeiros poder sobre os segundos. Estes são explo-
rados economicamente e dominados politicamente. Estamos diante de classes
sociais e da dominação de uma classe por outra” (Chaui, 2006,p. 82). Dentro do
modelo dialético, originariamente hegeliano, a existência de uma classe de pro-
prietários, por si só, já se apresenta como negação de um classe que lhe opõe, que
são os não-proprietários, como consequência, se cria polos antagônicos, como
necessidades diferentes, aonde o poder do mais forte reduz o mais fraco a um
grau de insignificância tão grande, que o mesmo passa a existir como a negação
da própria sociedade, e às vezes, passam a ser representados, como sendo o lado
negativo da própria sociedade, como por exemplo, qual a compreensão simbólica,
para uma parte significativa da sociedade, das chamadas favelas? De certa forma,
é aquilo que não queremos ser, eles existem, mas desejo me abster de aceitar a
mesma, como uma contradição da ordem social e econômica, da qual, o capi-
talismo tira o máximo proveito, porque, na maioria das vezes, irá explorar, com
salários aviltantes, essa mão-de-obra desqualificada, para realizar trabalhos, aos
quais, trabalhadores mais qualificados não se sujeitariam.
E quanto ao proletariado? Segundo Marx, “do ponto de vista econômico, só
pode chamar-se proletário o operário assalariado que produz e valoriza o capital”
(Magalhães, 2009, p. 98). No entanto, conforme nos esclarece Magalhães, o termo
operário tem sido mal compreendido dentro da obra de Marx, porque não se
traduz tão e somente, como, num primeiro momento, possamos compreender,
como necessariamente a mão-de-obra relacionado ao trabalho na indústria, ou
mesmo, na sua forma bruta. Neste sentido, “Marx afirma que só é produtivo o
operário que produz mais-valia para o capitalista, ou aquele que trabalha para

209
UNIDADE 11

tornar rentável o capital” (Magalhães, 2009, p. 99), sendo assim, podemos estender
o conceito para outras classes de trabalhadores, no entanto, este trabalhador não
apenas torna rentável o capital, como também, irá se submeter a um processo de
transformação da sua própria concepção de trabalho, enquanto algo concreto e
real, que é a alienação.
Portanto, o conceito de operário, que é a personalização do termo proletário,
também o pode ser, como por exemplo, na profissão de um professor, porque,
“Marx acrescenta que um professor pode ser igualmente produtivo se, além de
promover mudanças na mentalidade dos alunos, realiza seu próprio trabalho
para enriquecer o patrão. E conclui que, desse modo, não vê diferenças entre
um trabalhador de uma fábrica de salsichas e um trabalhador de uma fábrica de
ensino” (Magalhães, 2009, p. 99). O conceito de operário, que se insere na condi-
ção de proletariado, está associado, não diretamente com a função que o mesmo
exerce, mas sim, quanto aos resultados do trabalho, que são transferidos à quem
detêm o poder sobre o capital, que é o burguês.
O termo operário não pode se confundir com proletariado, embora, o pri-
meiro possa estar inserido no segundo, em outras palavras, “na realidade, o pro-
letariado – o grande sujeito revolucionário de Marx – não constitui, realmente,
uma classe. Ele é, antes de qualquer coisa, um conjunto de trabalhadores as-
salariados, explorados pelo capital que, pela sua situação específica no mundo
da produção, representa o setor mais avançado e progressista da sociedade e,
portanto, o segmento com maior possibilidade de produzir as transformações
sistêmicas” (Magalhães, 2009, p. 99-100). Pode se inferir, que o proletariado é o
sujeito revolucionário, pois encontra-se na condição de sujeito ativo da história,
pois tem consciência de que é preciso reescrever a história, mas agora não mais
como sujeito passivo e que admite que a sua história seja escrita e construída por
outros, e sim, tem para si, a vontade, através da revolução de institui o que Marx
chama de a ditadura do proletariado, substituindo o governo da burguesia. A
condição para que o proletariado realize essa revolução, é que o mesmo esteja
bem formado, pois se a revolução pode ser realizada em curto prazo, a construção
de uma ordem socialista requer tempo e conhecimento.
Se a ideologia é a mascaração da realidade, a realidade invertida, a realidade
inventada pela classe dominante, outro aspecto a ser analisado é quanto a aliena-
ção, que surge também a partir da perspectiva da fragmentação do trabalho, tal
qual, Charles Chaplin nos mostra no filme Tempos Modernos. Embora outros

210
UNICESUMAR

pensadores tenham dado uma conotação diferente para a palavra alienação, Marx
a associa com a economia, de onde surge a alienação econômica, cuja construção
teoria e real, se dá sob dois aspectos, o primeiro enquanto fragmentação do tra-
balho e o segundo, enquanto o produto que é necessariamente apropriado por
outros, que acrescentam ao mesmo, um valor subjetivo que não é repassado ao
operário, ao que Marx chama de mais-valia.
Portanto, a alienação do trabalho consiste, “em que o produto do trabalho, os
objetos produzidos pelo trabalhador, não lhe pertencem, aparecendo-lhe como
algo estranho, como um poder independente dele e que o domina” (Naves, 2000,
p. 25). O produto final do trabalho não mais se identifica com o seu criador, até
porque, com a fragmentação do trabalho, o trabalhador não tem mais percepção
da existência e mesmo importância, da concretização de seu próprio trabalho,
porque, simplesmente apertar um ou mais parafusos, através da ideologia e da
própria alienação, se apresenta como algo tão elementar, que pode ser realizado
por qualquer um. O trabalhador, enquanto sujeito de carne e osso, e toda a sua
constituição de ordem metafísica, a sua transcendência, e a suas relações sociais,
são relegados e sua importância é substituída pela existência do objeto que com-
põe o todo do trabalho. O trabalho passa a lhe consumir sob todos os aspectos,
portanto, “quanto mais o trabalhador produz, mais vê-se privado dos objetos
necessários à sua subsistência e, na medida em que menos objetos ele possui, mais
ele cai sob o domínio dos produtos que são criados por ele, isto é, sob o domínio
do capital” (Naves, 2000, p. 25).
O trabalho não mais dignifica o homem, sob o ponto de vista do trabalhador,
mas sim, o coloca numa condição de submissão, aonde a sua vontade é substituída
pela necessidade, o que torna o trabalho um fardo a ser carregado e também, o
que recebe pelo seu trabalho, já não mais lhe garante o necessário para repor suas
energias e nem, para suprir as necessidades básicas de sua família, o que acaba
por produzir duas situações distintas, a primeira é a de que precisará de um ou-
tro trabalho, a ser realizado em período diferente do primeiro, subtraindo dele e
da família, o convívio social necessário à sua própria identificação enquanto ser
humano; ou, a criação de um sentimento de frustração e impotência diante do
mundo e que termina por produzir, na maioria dos casos, doenças correlatas a
esta sua condição, e em casos mais extremos, e nem tão raro quanto se pensa, o
de adquirir vícios que o afasta cada vez mais da realidade.
O resultado final de todo este complexo processo, que tem o seu início com

211
UNIDADE 11

a ideologia e se acentua quando o trabalhador se aliena ao trabalho, tornando


o mesmo, um fardo a ser carregado, retira deste homem a sua própria condição
de humanidade, caracterizando-o apenas como um sujeito de produção, e cujo
produto transformado por ele, nem mais pode ser identificado com a sua pes-
soa. E ainda, como complicador desta relação, na maioria das vezes, nem tem
condições de consumir o próprio produto acabado, resultante de seu trabalho. A
produção não se destina a quem produz, mas a quem tem condições de consumir.
O trabalhador alienado, só tem para si a perspectiva de viver para o trabalho.
Segundo Naves, “esse trabalho não é pertencente ao próprio trabalhador, mas
pertence a outro, e o trabalhador mesmo, nessa atividade, também pertence a
outro. A atividade do trabalhador não é mais uma autoatividade, mas, justamen-
te porque pertence a outro, ela significa a perda do trabalhador de si mesmo”
(2000, p. 26). É o trabalhador que ao vender a sua força de trabalho e se alienar
ao trabalho, perde a si mesmo, no sentido que este já não mais controla as suas
vontades e nem dispõe de seu tempo, o resultado final é que, quem detém o capital
fica totalmente com o lucro, o mais-valia, enquanto que remunera o trabalhador
pela lei da oferta e da procura, e quando se trata de mercados aonde existe uma
desproporção entre a oferta de mão-de-obra e escassez de trabalho, o que resulta
é que o trabalhador passa a ser remunerado pelo mínimo, mas não o mínimo
necessário da realidade, do concreto, mas aquele construído por uma ideologia,
que nasce nos gabinetes de técnicos. Neste sentido, o salário é mínimo para que
o lucro seja maximizado.
Desenvolvido estes temas iniciais é preciso caminhar no enfrentamento de
uma construção originariamente marxiana, que é o materialismo histórico, que
constituir-se-á, numa das grandes contribuições de Marx para o estabelecimento
da sociologia como uma ciência. O ponto de partida é a compreensão de Marx,
que até o momento histórico em que estava vivendo, a filosofia apenas tratou de
problemas e questões de ordem abstrata, de como seria o mundo ideal, e que a sua
filosofia, seria a filosofia da práxis, da ação transformadora e que trabalharia com
o homem concreto, real. Sendo assim, é o materialismo histórico quem permiti-
rá conhecer e trabalhar com estas questões, portanto, “Marx parte de uma base
materialista ao estabelecer os seus pressupostos, ou seja, não se trata de elaborar
uma ideia ou um conceito para depois procurar conformar a eles uma realidade.
O material de Marx são os indivíduos reais, a ação que eles desenvolvem, as suas
condições de vida” (Naves, 2000, p. 31). As ideias, as teorias filosóficas por si só,

212
UNICESUMAR

não produzem transformações sociais, a razão não pode ser aperfeiçoar, pelo
simples fato de ser razão. Quem realmente existe, e necessariamente está inserido
no motor que move a história, são os sujeitos reais e as condições existentes, ou
criadas por eles mesmo, ou ainda, negada por quem tinha condições para tal.
Na linha de pensamento desenvolvida por Collin, “o materialismo, se há ma-
terialismo, consiste apenas em que Marx rejeita a transformação de seres de razão
(sociedade, Estado, classe social) em realidades subsistentes por elas mesmas”
(2008, p. 109), em outras palavras, essas realidades não existem por elas mesmas,
pois trata-se apenas de abstrações de sujeitos, que inclusive, na maioria das vezes,
encontram-se muito distante da realidade. Sendo assim, “o que existe realmente,
o que é o fundamento material de toda a explicação histórica, são os indivíduos
vivos dos quais devemos naturalmente partir: uma classe social, por conseguinte,
não é uma coisa, mas apenas um certo modo que indivíduos têm de se relaciona-
rem entre si” (Collin, 2008, p. 109). Uma classe social não é apenas um conceito
que trata de uma coisa, mas é resultado da ação de homens, que por um motivo
ou outro, resolvem dar um mínimo de coesão a uma certa forma de ser, para a
construção de uma personalidade comum e que os identifica.
A identificação destes referenciais se mostra necessária, porque na visão de
Marx o Estado insere na condição de opressor legal das classes sociais, princi-
palmente daquelas que se encontram na chamada infra-estrutura, ou estrutura,
ou ainda, subestrutura. Para explicar esta relação entre os meios de produção e
os aportes que constituem o poder da classe dominante, se desenvolve a ideia de
que, a sociedade se constrói a partir da perspectiva de que a mesma se comporta
como um edifício, aonde a substrutura ou a fundação propriamente dita, sustenta
todos o edifício, mas o que o mundo realmente vê, é apenas o que se encontra na
condição de superestrutura.
Neste sentido, “para Marx, a organização socioeconômica da sociedade – sua
subestrutura ou base – é fundamental, não apenas por tornar possível todos os
outros aspectos da sociedade, mas também por determinar a natureza de todos
esses aspectos” (Adams e Dyson, 2006, p. 107). Os bens materiais, sua colocação
ou não, à disposição dos homens, e a intervenção humana através do trabalho,
modificando e alterando estes bens materiais, determina a forma com que se dará
as relações sociais de produção, e os homens passam a viver de forma artificial
estas relações. Por outro lado, não o fazem simplesmente porque querem, mas
porque a sua necessidade de sobrevivência está vinculada necessariamente ao

213
UNIDADE 11

trabalho. Outro aspecto que interfere no seu fazer, parte da influência de fatores
que se encontram acima do edifício, porque, “em qualquer sociedade, a superes-
trutura de leis, governo, educação, religião, arte, crença e valores é resultado direto
de sua organização econômica e social” (Adams e Dyson, 2006, p. 107).
É na superestrutura que se encontram as raízes do qual originam princi-
palmente, através da ideologia, da religião e das leis, a ideia de que todos somos
iguais, e que as condições estão colocadas de forma igual para todos, e também,
de que os homens são livres para decidirem as suas vidas. O que nos leva a pen-
sar a máxima que se encontra no meio empresarial: não está contente, procura
outro emprego, pois você é livre para escolher. Como se tal liberdade realmente
existisse, e estivesse à disposição dos homens, empregos e salários dignos para
que o trabalho não fosse um fardo, mas sim um instrumento realizador de seus
projetos de vidas.
O Estado passa a ser um instrumento de manutenção do poder da classe
dominante, aliado à justiça que se constrói a partir de leis que visam garantir os
interesses dessa classe social. Ao depositar na figura do Estado poder para tal,
na realidade, a burguesia, a sua criadora, procura dar ao mesmo, a legitimidade
e a legalidade para agir e defender os seus interesses. A ideologia serve como
instrumento de justificação deste poder descomunal que o Estado tem sobre as
classes sociais, cujas relações sociais de produção realmente constroem o próprio
Estado, portanto, é “nessa esfera, segundo Marx, que a religião, a educação, as artes
e as ideias predominantes desempenham o seu papel” (Adams e Dyson, 2006, p.
107), ou seja, de criar uma ilusão de que o Estado, através de toda a estrutura que
o cerca, organizou a sociedade de forma justa, garantindo a todos, a igualdade
em todas as esferas da vida humana, devendo cada um, mobilizar as suas forças,
de acordo com seus projetos de vida. A crítica que os marxistas fazem a esse res-
peito é a de que, se a pobreza pode ser considerada um projeto de vida, ou uma
submissão da própria condição humana ao capitalismo, porque, supostamente
não tendo força, ante a legitimidade e legalidade do Estado, resta apenas a con-
formação, como se tal situação fosse natural.
Dentro desta linha de raciocínio, o Estado é opressão e age de acordo com as
linhas traçadas pela classe dominante e tem por objetivo, conter, com fundamento
na lei, a pretensão da classe dominada e fazer reconhecer os seus direitos. Na rea-
lidade é a luta da burguesia pela instituição de seus direitos, contra o proletariado,
para que o mesmo reconheça como justo, somente os seus deveres.

214
UNICESUMAR

Mas quem realmente é o Estado para Marx e Engels? Para Engels, “como o
Estado nasceu da necessidade de combater o antagonismo das classes, e como,
ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado
da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, por
intermédio dele, se converte também em classe politicamente dominante e adqui-
re novos meios para repressão e exploração da classe oprimida” (Engels, 1998, p.
137). Portanto, o Estado é o que ele é, porque cumpre o objetivo para o qual fora
criado pela classe dominante, que através das formas artificiais de construção da
política, transforma-se também, na classe politicamente dominante.
Na obra o Manifesto Comunista os autores nos ensinam que o Estado nada
mais é do que um grande balcão para gerenciar os problemas da burguesia, para
preservar o que conquistaram com a sua revolução, pois se houve uma revolução
que realmente foi bem sucedida, foi aquela promovida pela burguesia, tomando
como referência a Revolução Industrial como aquela que transformou as formas
de produção, reduzindo o valor do trabalho humano; e posteriormente, a Revolu-
ção Francesa, que completando este momento revolucionário, reduziu o poder da
Igreja, praticamente exterminou as pretensões das monarquias, principalmente
as absolutistas, instituiu o modelo jurídico que prima pela defesa da propriedade,
e trata questões da liberdade e desigualdades sociais, pela ideia apenas abstratas
de que todos são iguais perante a lei, e finalmente, institui a figura quase que
sacrossanta do Estado, além de que, sacramentou o capitalismo como o novo
modelo a reger a vida em sociedade.
A partir desta perspectiva institui-se o modelo político que doravante irá
nortear as relações entre o Estado e a sociedade, no qual, o poder político será,
sempre que conveniente, o poder organizado de uma classe para a opressão de
outra. O poder não foi construído para ser dividido entre todos, mas ser utilizado
como instrumento da manutenção dos interesses da classe dominantes. Em Marx
e Engels, “o político é o reino da ilusão, um teatro de sombra em que os interesses
das classes em luta se exprimem disfarçados atrás dos falsos universais. A realida-
de são os interesses individuais dos quais os indivíduos partem sempre” (Collin,
2008, p. 231). Os falsos universais se manifestam através de garantias de concessão
ilusória, que faz não para que sejam cumpridas, mas apenas para se afirmarem
como promessas, como, por exemplo, a ideia jurídica de todos são iguais perante
a lei, ora, como pode existir uma igualdade perante a lei, que a própria ideia de
justiça pública já se caracteriza por uma desigualdade, que se manifesta deste a

215
UNIDADE 11

contratação de um defensor qualificado, até as custas processuais?


Se o Estado tal qual como está, institui-se a partir da defesa dos interesses da
burguesia, como deverá ocorrer esta mudança? A partir do momento em que a
classe trabalhadora tomar consciência de que na realidade, e ela quem produz,
quem trabalha e quem realiza as relações sociais de produção, mas não controla os
meios de poder que determinam esta forma de ser. Quando o proletariado, através
da revolução, porque a burguesia não fará concessões de forma pacífica, para que
estes assumam o poder, instituir a chamada ditadura do proletariado, que nada
mais é, do que um momento de passagem para a consolidação do socialismo.
Para Marx e Engels, “a revolução é o princípio que impulsiona a mudança nas
sociedades, mormente a transformação da sociedade capitalista para a sociedade
socialista” (Magalhães, 2009, p. 58). A revolução instituirá a ditadura do proleta-
riado, porque é ele, o proletariado, o grande sujeito revolucionário, a razão é que “o
seu poder advém do fato de estarem condensados nele todas as condições de vida
da sociedade da sua época, sobretudo no que eles podem ter de mais inumano”
(Magalhães, 2009, p. 96). É a classe social sob a qual está plasmado tudo que é
necessário para a sua própria existência: capacidade de produção, transformação
das condições materiais colocadas à sua disposição e também, de como gerir as
liberdades resultantes de sua própria condição, não mais como escravo do traba-
lho, mas como alguém, que possa realmente ter o valor do trabalho reconhecido.
Não se trata de acabar com o Estado, mas o de estabelecer como interesses do
Estado, os interesses da classe proletária, porque esta sim representaria os interes-
ses da maioria e teria, no decorrer de um tempo de transição, dar fim a divisão de
classes sociais, isso não quer dizer exterminando a burguesia no sentido da força
bruta ou de um genocídio, mas apenas acabando com as formas de produção que
permitiram instituir a divisão de classes, principalmente entre o trabalho material
e intelectual, e fazer reconhecer que o trabalho se caracteriza pela transformação
e pela quantidade de energia necessária para a sua produção. Se esta energia não
é reposta, como exigir do trabalhador que trabalhe?
Finalizando, Marx e Engels nunca escreveram uma obra pertinente sobre o
seu pensamento político propriamente dito, e tão pouco, uma Teoria do Estado,
o que tem é uma análise a partir da totalidade de suas obras. Mesmo assim, o
seu pensamento político ainda continua a ser um grande desafio para o mundo
acadêmico. Neste sentido, uma leitura atenta do Manifesto Comunista auxiliaria,
de forma introdutória, a começar uma reflexão sobre este pensamento político.

216
UNICESUMAR

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Marx e Engels nunca escreveram uma obra pertinente sobre o seu pensamento
político propriamente dito, e tão pouco, uma Teoria do Estado, o que tem é uma
análise a partir da totalidade de suas obras. Mesmo assim, o seu pensamento
político ainda continua a ser um grande desafio para o mundo acadêmico. Neste
sentido, uma leitura atenta do Manifesto Comunista auxiliaria, de forma intro-
dutória, a começar uma reflexão sobre este pensamento político.

Outra leitura importante, é a obra A Ideologia Alemã, quando trabalham a ques-


tão da ideologia e nos explicam melhor a sua visão sobre este assunto.

217
1. Explicar o conceito de ideologia para Marx e Engels.

2. É possível inferir que para os autores o Estado cumpre a sua função de proteger os
interesses dos mais fracos e oprimidos? Justificar sua resposta.

3. Dissertar sobre o trabalho no pensamento dos autores e como este se relaciona com
o campo das relações sociais.

4. Na visão política desenvolvida pelos autores, como o proletariado poderia chegar ao


poder? Fundamentar a sua resposta.

218
12
Liberalismo
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender o que é o liberalismo.


• Estudar e compreender quando surge o liberalismo.
• Estudar e compreender a importância do liberalismo para cons-
trução da democracia moderna.
UNIDADE 12

Liberalismo e socialismo tem estado na pauta das discussões política com


grande intensidade depois da Segunda Guerra Mundial e nos Brasil, com a ascen-
são de Lula ao poder, são questões sempre presentes nas conversas sobre política
e economia
O termo liberalismo assume três concepções: como doutrina política (livre
comércio), como doutrina político-filosófica (o homem é livre para fazer o que
quiser) e como doutrina econômica (não interferência do Estado). Cada uma
destas concepções tem o seu surgimento e ápice em momentos distintos de nossa
história. Mas todas elas têm um ponto em comum: tem o seu embrião, ainda que
prematuro, quando no final da Idade Média Galileu-Galilei (1564-1642) entra
em conflito com a Igreja Católica, ao apresentar a sua teoria, onde afirmava que
não era a terra o centro do universo, mas sim que está girava em torno do sol
manifestada na obra Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo Pto-
lomáico e Copernicano.

220
UNICESUMAR

Introdução

O termo liberalismo é se suma importância para a compreensão da própria


Ciência Política, porque a formação e perpetuação do Estado Moderno, ocorrerá
justamente em função da influência marcante desta corrente de pensamento.
O termo liberalismo assume três concepções: como doutrina política (livre
comércio), como doutrina político-filosófica (o homem é livre para fazer o que
quiser) e como doutrina econômica (não interferência do Estado). Cada uma
destas concepções tem o seu surgimento e ápice em momentos distintos de nossa
história. Mas todas elas têm um ponto em comum: tem o seu embrião, ainda que
prematuro, quando no final da Idade Média Galileu-Galilei (1564-1642) entra
em conflito com a Igreja Católica, ao apresentar a sua teoria, onde afirmava que
não era a terra o centro do universo, mas sim que esta girava em torno do sol
manifestada na obra Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo Pto-
lomáico e Copernicano.
Pelo conteúdo desta obra, Galileu foi julgado pela Santa Inquisição, e para não
ser condenado teve que retirar a sua teoria e se isolar em sua residência. Conta
a história da filosofia, que após a última audiência, onde ele teve que negar o seu
postulado, dizendo que era o sol que girava em volta da terra (pois a teologia
cristã afirmava que a terra era o centro do universo), e não a terra que girava em
torno do sol (como provava a sua teoria), ao se retirar da sala ele disse em voz
baixa: “mas que ela gira, ela gira”.
De qualquer forma a teoria de Galileu ganhou força, juntamente com as teo-
rias de Newton (1642-1727) acerca da física moderna, este último, tornou-se
o que a ciência chama de um dos maiores cientistas que o mundo já teve. A
principal obra de Newton é chamada “Nos Princípios” (1687), onde ele formula
a sua teoria da gravidade e as famosas três leis do movimento, a saber: um corpo
continua no seu estado de repouso (velocidade zero) ou de movimento retilí-
neo uniforme (velocidade constante) a menos que seja obrigado a mudá-lo pela
ação de uma força externa; se uma força de desequilíbrio age sobre um corpo,
a aceleração produzida por ela é proporcional à força aplicada. A constante de
proporcionalidade é a massa inercial do corpo e em um sistema onde não estão
presentes forças externas, toda força de ação é sempre oposta por uma reação
igual e oposta.
Neste mesmo período temos o nascimento de Francis Bacon (1561-1626),

221
UNIDADE 12

que propôs uma nova forma de estudar e fazer ciência, “Bacon foi um dos pri-
meiros a ver que o conhecimento científico poderia dar ao homem poder sobre a
natureza, portanto, que o avanço da ciência poderia ser usado para promover em
escala inimaginável o progresso e a prosperidade humana”. No entanto, ao contrá-
rio do que possam imaginar, a ciência proposta por Bacon não estava deslocada
da religião, pois ele dizia que “um pouco de filosofia inclina a mente do homem ao
ateísmo, mas o mergulho na filosofia aproxima as mentes dos homens da religião”.
A principal obra de Bacon chama-se “Novum Organum”, ou seja, “Nova Ciência”,
para resgatar o que Aristóteles produziu na Grécia Antiga, quando escreveu a sua
obra voltada a ciência de sua época, chamada de “Organum” ao mesmo tempo
em que opunha alguns problemas à obra aristotélica.
Temos também Thomas Hobbes (1588-1679), considerado pelos estudiosos o
primeiro materialista moderno, numa época em que a Santa Inquisição cometia
barbaridades em nome de Deus, ele irá desenvolver uma filosofia puramente
materialista, na sua obra mais significativa, chamada de “O Leviatã” (1651). Irá
desenvolver a sua teoria metafísica, psicológica e filosofia política, e defender a
necessidade que os homens têm em determinar um Soberano, cuja missão será
preservar os interesses comuns e manter a harmonia entre os homens através
de leis e outros elementos necessários, assim como a sua legitimidade em punir
aqueles que as transgredirem. Segundo Magee, “Hobbes propôs a ideia de que a
matéria física é tudo o que existe, e de que tudo pode ser explicado em termos
de matéria em movimento” . As últimas palavras de Hobbes denotam muito bem
o seu materialismo, quando ele diz: “estou prestes a fazer minha última viagem,
um grande salto no escuro”.
Uma outra grande expressão desta época é René Descartes (1596-1649). O
legado cartesiano é inestimável, quem já não ouviu falar em “gráfico cartesiano”,
ou nas palavras “penso, logo existo”? Ele fora educado no College La Flèche, pelos
Jesuítas, considerados pelos estudiosos em educação, a mais fenomenal e culta
das ordens religiosas cristãs já existentes. O cabedal de conhecimentos na área da
educação, deixado pelos jesuítas é inestimável para o mundo ocidental. As obras
de Descartes não são extensas, como de outros filósofos e cientistas, mas de uma
profundidade ainda não explorada em sua totalidade. A sua principal obra cha-
ma-se “Discurso do Método”, onde as questões principais estão: no que eu posso
saber, se realmente sei, e o princípio da chamada dúvida hiperbólica, ou seja, antes
de afirmar se realmente sei, é preciso duvidar de tudo, inclusive de mim mesmo!

222
UNICESUMAR

Ele inicia o “Discurso do Método” dizendo: “o bom senso é a coisa mais bem
distribuída do mundo, pois cada um se acha bem provido dele”. Descartes é um es-
critor primoroso, tem um estilo inigualável, preciso, claro, não utiliza os chamados
“jargões filosóficos”, metódico em suas exposições, sem ser repetitivo e cansativo.
Dezessete anos antes da morte de Descartes, temos o nascimento daquele que
seria nominado como o “Supremo Liberal”, John Locke (1632-1704). É considera-
do pela maioria dos pensadores como o “pai do empirismo”. No entanto, já temos
aqui uma questão a propor: o que vem a ser empirismo? É uma corrente que
defende a ideia de que todo o conhecimento provém unicamente da experiência.
Não admitem a verdade revelada, muito própria da religião e das correntes mís-
ticas e mesmo do conhecimento que não possa ser provador no mundo sensível.
Mas qual o legado de Locke para os nossos dias? No campo da política e da
economia, o empirista inglês deixou a sua maior obra, “Dois Tratados Sobre o
Governo”, onde ele expõe de modo muito claro, as suas ideias liberais, princi-
palmente, quando ele afirma a tríade famosa do liberalismo em todas as épocas:
“Liberdade – Igualdade – Propriedade”. Outra citação clássica e que o capitalismo
se apossará de modo ferrenho é a de que “a natureza nunca faz coisas para usos
vis ou nenhum uso”, é lógico que o capitalismo se apropriou somente do segundo
termo.
No Livro II, chamado de “Segundo Tratado Sobre os Dois Governos”, ele nos
coloca uma posição muito clara, e que inclusive juridicamente, será ponto de
referência para a história ocidental, qual seja: aquele que encontrando um objeto
na natureza, e exerce sobre ele uma transformação, tem o direito da posse sobre
o mesmo, e pode dispor sobre esta coisa, da forma que melhor lhe prouver, desde
que não desperdice. O que isso significa? Quando um homem apanha uma jarra
d´água no rio, ao conter o líquido em seu interior, o homem já exerceu uma trans-
formação sobre algo, que outrora estava livre na natureza, pois bem, doravante
este homem terá todo o direito de vender, trocar ou fazer qualquer uso da mesma.
Qual a importância da construção desta linha de raciocínio por Locke? Es-
tamos nos idos de 1700, o mundo, em especial a Inglaterra caminha para um
momento ímpar na história da humanidade. Qual será este momento? A Revo-
lução Industrial Inglesa (1760 – 1820), e apontamos uma outra questão: qual um
dos principais fatores que permitiram à Inglaterra se destacar de outros países,
no tocante a este fato histórico? As grandes reservas de carvão, a justificativa que
os ingleses de explorar novos mercados de matérias primas, comprar a preço

223
UNIDADE 12

irrisório, e na maioria das vezes se apossar pela força, transformar estes produtos,
agregar valores e depois vender ao mundo.
Um outro grande pensador deste período é Adam Smith (1723-1790), cuja
obra “A Riqueza das Nações”, contém a filosofia que sustenta os valores econômi-
cos do capitalismo liberal. Smith é leitor astucioso de John Locke, mas cria a sua
própria filosofia. Infelizmente, este pensador inglês é muito mais citado do que
lido, mas é preciso admitir que seus escritos não são apenas uma teoria econô-
mica, mas englobam também questões éticas, teoria política e história.
Adam Smith criticava ferrenhamente as práticas monopolistas, principal-
mente aquelas praticadas pelo Estado, pois entendia que estas restringiam o es-
pírito empreendedor natural que só pode ser realizado pela livre concorrência.
É chamado o criador da teoria da “mão invisível”, pois afirmava que a própria
concorrência do mercado iria regular os preços, de modo a que a produção fos-
se máxima e o custo mínimo. Seu ideal acerca do mercado livre terminou por
conduzi-lo a uma visão minimalista do Estado, e que será o grande balizador das
ações do Estado Moderno.
Entre a Revolução Inglesa, séc. XVIII e o Século XIX o surgimento de uma
miríade de pensadores, mas já envolvidos com as questões sociais, cujos pensa-
mentos determinarão a restituição de alguns direitos ao homem, principalmente
ao trabalhador.
O primeiro, por ordem cronológica, é John Stuart Mill (1806–1873), um ho-
mem declaradamente liberal, defensor ferrenho da liberdade do homem, e dizia
que “o indivíduo deve estar livre para fazer o que quiser, desde que não gere pre-
juízos aos outros”. O primeiro a defender publicamente a necessidade de que as
mulheres também pudessem votar e desenvolveu a tese, muito utilizada nos dias
atuais, da chamada Democracia Liberal, onde defende que numa população nu-
merosa, o voto deveria ser representativo, pois desta forma estaremos protegendo
a democracia de uma massa ignorante, e que não tem desejos e nem opiniões pró-
prias. Para Alves, a modernidade fez com que o homem suplantasse a fé religiosa
e a hierarquia, ele se tornou senhor do seu destino, pois ampliou os seus poderes
sobre a natureza, e assim pode se sentir desta forma. Neste momento, os direitos
humanos surgem como forma de controlar as arbitrariedades dos monarcas,
preservando assim o indivíduo, mas não garantiu a coesão social da sociedade.
Neste mesmo período temos o nascimento de um dos grandes expoentes
do pensamento ocidental moderno, e que também será adotado pelos europeus

224
UNICESUMAR

orientais. É Karl Marx (1818-1883), que será aquele que vai criar e desenvolver a
metodologia de pesquisa chamada de materialismo-histórico, cuja linha de racio-
cínio pode ser assim resumida: o homem tem que ser visto como um “ser social” e
como tal, ele recebe influências de todas as ordens que o cercam, principalmente
da economia. É preciso analisar as causas que conduziram aos efeitos, e situa-las
dentro do contexto histórico. Desenvolveu, tendo como fundamento a sua crítica
a Hegel, o que chamamos de Método Dialético, e sendo assim, afirma que “a coisa
inseparável que os seres humanos têm de fazer se quiserem viver é obter os meios
de subsistência: devem ter como se alimentar, se vestir e se abrigar, e atender
a outras necessidades básicas”. A produção dos meios de vida é uma atividade
social e já não é uma tarefa individual. A história do homem é uma constante
disputa de classes, de conflitos por poder. É o homem que se potencializa em seu
consumo, mas que se minimaliza no valor do seu trabalho, que não tendo nada
mais a vender, só lhe resta vender a força de seu trabalho, vender não, entregá-la
a troco de um mísero salário, que ao mesmo tempo em que constrói a fortuna do
capitalista, degrada moral e socialmente o trabalho e todos aqueles que dependem
do resultado de seu trabalho.
Karl Marx faz uma crítica contunde à filosofia desenvolvida até a sua época,
ao afirmar que “os filósofos se limitaram apenas a interpretar o mundo de diversas
maneiras; trata-se, porém, de transformá-lo”. E a sua filosofia, a filosofia da práxis
era propor as formas de transformação desta sociedade.
Finalmente temos um dos últimos grandes expoentes do século XIX, já
adentrando ao século XX, que é Max Weber (1864-1920). É dele a teoria mais
abrangente das origens e da natureza da modernidade. Defendeu a ideia de que
o capitalismo nasceu no ocidente, e diferente de Marx, dizia que a cultura e os
valores sociais é que levavam as práticas econômicas e políticas específicas. A
sua obra mais conhecida é “A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo”, onde
entre outros assuntos, procura explicar o porque dos filhos de protestantes terem
ascendidos aos cargos das grandes empresas, enquanto os filhos dos católicos e da
burguesia, eram sutilmente colocados em outro plano. Qual a estratégia adotada
pela família protestante? Estudar, com muito sacrifico e até humilhações, os seus
filhos em escolas de formação econômica, administrativas e ligadas diretamente
com o gerenciamento da produção, seu objetivo: ocupar os cargos de direção,
para os quais os filhos do segundo grupo não estavam preparados.
A fermentação destas ideias, acomodação das fronteiras geográficas da Eu-

225
UNIDADE 12

ropa, a redefinição de vários Estados europeus, o desenvolvimento acentuado


do capitalismo e como consequência o aumento da desigualdade, levaram ao
surgimento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), à Revolução Russa (1917),
assim como a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e esta seqüência de aconte-
cimentos mudaram as relações sociais no mundo, e até mesmo fizeram com que
o liberalismo necessitasse de algumas reformas estruturais.
No mês de julho de 1944, em New Hampshire ocorreu a chamada Confe-
rência de Bretton Woods, cujo objetivo era montar a arquitetura de cooperação
econômica do pós-guerra, obviamente atendendo as exigências e imposições dos
americanos e ingleses.
Esta conferência iria estabelecer o dólar como moeda de referência nas nego-
ciações internacionais, pois era, até então, o único país com condições de manter
uma estabilidade econômica confiável. Temos aqui um referencial para a recupe-
ração do liberalismo, a uma intensificação do fenômeno objeto inicial de nossa
análise: mundialização e globalização. Alguns autores chamam este momento de
neoliberalismo. O chamado pós-neoliberalismo será dado como consequência
do fenômeno apresentado em momento futuro de nosso curso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso compreender que ser um liberal ou ser um socialista compõe o ce-


nário para a existência da democracia. O problema não é o cidadão aderir a uma
ou outra corrente, mas sim, após aderir, saber o que elas realmente representam
e quais os fundamentos ideológicos defendidos pelas mesmas.
Portanto, é imprescindível conhecer pelo menos estas duas correntes, embo-
ra existam outras correntes minoritárias, cujo conhecimento pode ser obtido a
partir de um aprofundamento nos seus estudos.

226
1. Explicar uma diferença fundamental entre a visão socialista aqui representada por
Marx e Engels e a visão Liberal.

2. Explicar quando e porque ocorre a dolarização da economia.

3. Dissertar sobre os ideais que movem o liberalismo.

4. Apresentar e explicar as três concepções sobre o liberalismo.

227
13
Correntes
políticas
contemporâneas I
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender as relações entre liberalismo e marxismo.


• Estudar e compreender o núcleo das ideias que constituem o
liberalismo.
• Estudar e compreender os problemas advindos das ideias liberais.
UNIDADE 13

Uma vez expostas as teorias que fundamental o liberalismo e o marxismo


é necessário traçar uma linha de análise, que nos permite compreender no seu
aspecto geral, as características fundantes destas duas formas de ser do Estado
Moderno, principalmente, entendendo-se Estado Moderno, aquele resultante
da Revolução Francesa até os nossos dias, pois, conforme iremos aprender, as
características predominantes deste Estado, continua sendo a mesma.
De forma geral, é sobre estas duas correntes que se debruçam as discussões
nos dias atuais, sendo que, dentro das mesmas, apresentam-se subdivisões, que
nada mais são, do que adaptações que surgem a partir da tentativa de dar respos-
tas a críticas a estes sistemas. Em outras palavras: não se inventou uma nova forma
de ser do Estado, e também, não ocorreram rupturas com as formas antigas.
A nossa intenção neste capítulo é procurar estabelecer um paralelo entre as
duas correntes, para demonstrar os possíveis campos de convergência e diver-
gência das mesmas.

230
UNICESUMAR

Marxismo e liberalismo

Uma vez expostas as teorias que fundamental o liberalismo e o marxismo


é necessário traçar uma linha de análise, que nos permite compreender no seu
aspecto geral, as características fundantes destas duas formas de ser do Estado
Moderno, principalmente, entendendo-se Estado Moderno, aquele resultante
da Revolução Francesa até os nossos dias, pois, conforme iremos aprender, as
características predominantes deste Estado, continua sendo a mesma.
De forma geral, é sobre estas duas correntes que se debruçam as discussões
nos dias atuais, sendo que, dentro das mesmas, apresentam-se subdivisões, que
nada mais são, do que adaptações que surgem a partir da tentativa de dar respos-
tas a críticas a estes sistemas. Em outras palavras: não se inventou uma nova forma
de ser do Estado, e também, não ocorreram rupturas com as formas antigas.
As ideias liberais surgem a partir da perspectiva do jusnaturalismo e de certos
direitos que antes de pertencer à sociedade, já nascem com o próprio indivíduo.
Esta corrente pode ser melhor compreendida através das obras de Thomas Hob-
bes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755) e Jean-Jac-
ques Rousseau (1712-1778). Todos estes autores, marcados pela ideia fictícia da
existência de um contrato social, instrumento pelo qual os homens aderem ao
Estado e o aceitam como aquele sobre o qual se concentram as forças necessárias
para coordenar a vida em sociedade.
Um dos pilares fundamentes do liberalismo é a ideia de liberdade e igualdade
entre os homens, que já nascem como direitos naturais, mas com fundamento
na razão e não como herança de ordem teológica. Antes de aderir ao contrato
os homens viviam no Estado de Natureza, seja num caos provocado pela insta-
bilidade da natureza humana, como nos declara Thomas Hobbes, ou ainda, e de
forma mais romântica, o bom selvagem de Jean Jacques Rousseau, e que predo-
minava neste estado, é a concepção de Direito Natural, resultante da observação
harmoniosa da natureza e do funcionamento do cosmo como um todo, em outras
palavras, as coisas sempre funcionaram bem desta forma e assim deve ser. É lógico
que existem concepções de Direito Natural que tratam a sua origem como de
ordem teológica, e outra, que o trata como resultado da observação do homem
em relação à natureza e a tudo que o cerca, inclusive a sua relação com o outro.
O Estado de Natureza se caracteriza por se aquele, aonde os homens estavam
entregues à sua própria sorte, porque se organizam no máximo, enquanto gru-

231
UNIDADE 13

pos sociais familiares, e cada home detinha parcela de poder equivalente à sua
força física, associadas às suas habilidades de sobrevivência. Supostamente, neste
Estado os homens usufruiriam do maior grau de liberdade individual e a ideia
de propriedade ainda não estava presente, podendo o homem desfrutar de tudo
quanto a natureza colocava à sua disposição. O sentido de posse se caracterizava
por ser sempre de ordem transitória e necessária à sua sobrevivência, aliada à sua
força física para dispor de tal posse, assim, como de sagacidade e esperteza que
naturalmente a sua experiência iria construindo.
Neste estado em que o homem se encontrava, cada homem era juiz de si
mesmo, portanto, árbitro de suas diferenças com o próximo e que deveria pre-
valecer era a ideia de força física e disposição para o combate. Como não existia
convenção entre os homens, que pudessem regular pela moral e pela ética as
relações com os próximos, que são características da vida em sociedade, também
não existia a concepção de certo e errado, de bom e de mal, de moral e imoral.
Cada um agiria de acordo com a melhor conveniência e oportunidade.
Uma característica fundamental deste Estado de Natureza era o de que os
homens eram iguais na sua efetividade, mas ao mesmo tempo, eram detentores
de certos direitos naturais que não poderiam renunciar, ou seja, a liberdade no
seu mais amplo espectro e também a propriedade, não como forma de acúmulo,
mas como o necessário para a sua sobrevivência e de sua família. Não se tratava
da concepção de propriedade de ordem individual, mas necessariamente, da-
quela necessária à sua sobrevivência. Outro aspecto, é de que, inexistindo a ideia
de Estado Político, cada homem agia de acordo com as suas possibilidades, não
esperando do grupo coletivo, auxílio que pudesse defender o que supostamente
deveria ser o interesse de todos. Não existindo ordem coletiva, o que prevaleceria
seria a ordem individual.
Conforme já estudamos, a permanência deste homem no Estado de Natureza
e a necessidade de sua saída, muda de autor para autor, como por exemplo, em
Thomas Hobbes, o Estado de Natureza é aquele em que tudo é possível e a força
física predomina sobre os demais sentimentos e instintos do homem, terminando
pro estabelecer o que se chama de Estado de Guerra, aonde o homem é lobo do
próprio homem, pois o sentimento de ambição é mais forte do que a razão. Este
homem é desconfiado de sua própria natureza e arma-se, tranca a sua casa, é sem-
pre precavido com relação ao próximo e estaria mais disposto a ir para a guerra,
do que resolver os conflitos pelo diálogo. Não se trata de maldade premeditada,

232
UNICESUMAR

mas de instintos de autoproteção.


Já para John Locke, o homem não desconheceria a ideia de razão e não vi-
veria num caos ao modelo hobesiano, no entanto, como não existiria um juiz
independente para julgar os conflitos que naturalmente surgem entre os homens,
este se caracterizaria como um estado de guerra, pois um homem não pode ser
juiz de seus próprios atos, quando se trata da relação com os outros. Não exis-
tindo alguém imparcial e independente, como apelar para uma justiça de ordem
superior? John Locke não tem uma ideia tão pessimista sobre o homem, como
aquela exposta por Thomas Hobbes.
No pensamento de Jean Jacques Rousseau, o que encontramos uma oposição
vertical ao pensamento de Thomas Hobbes, pois no Estado de Natureza, viveria o
homem caracteriza como o bom selvagem, que destituído da maldade e das malí-
cias características da vida em sociedade, não faria mal ao seu semelhante, porque
traria junto de si um sentimento de compaixão para com o outro, tomando como
referência de observação, características presentes em alguns animais, como por
exemplo, os elefantes, que ao morrer um semelhante, esboçam certos movimentos
e grunhidos que denotam a existência de algum sentimento. Se está presente nos
animais irracionais, porque também não estaria presente nos homens?
Mas um outro complicador surge, segundo Jean Jacques Rousseau, quando
os homens passam a dominar a linguagem, e se fazem entender através da lin-
guagem, e alguém diz: isto é meu. E como os demais acreditam que de fato, isto
pertence aos outros, nasce ai, a ideia de desigualdade entre os homens. O surgi-
mento da propriedade privada alavanca a guerra, que não é decorrente do Estado
de Natureza, mas de uma característica pertinente à vida civil, ou seja, a uma vida
associada a uma sociedade que passa a conviver dentro de certas expectativas
comuns. Essa desigualdade irá na realidade se acentuar com a passagem do Es-
tado de Natureza para a vida em sociedade.
Independente do autor, o homem teria abandonado a vida no Estado de Na-
tureza, em função de certa instabilidade e insegurança, para então, supostamente
terem uma vida melhor, criando a ideia de Estado política, social, econômica e
juridicamente organizado.
Mas a partir da ideia de Estado, enquanto um ente abstrato e criado para
ordenar, organizar a vida em sociedade, concentrando o poder na mão de um
único homem, ou um corpo político, porque anteriormente, este poder estava
diluído nas mãos dos homens como seres individuais. Com a organização do

233
UNIDADE 13

poder, e a predominância da razão, estes autores defendem, com pequenas nuan-


ces na construção de seus pensamentos, que a razão é o único meio pelo qual
os homens podem conhecer os direitos naturais, e outro aspecto, é que o direito
natural constituí, de forma geral, a única base do Direito Civil, pois trata-se da
esfera do direito que regula as relações entre os homens. No entanto, os direitos
ditos naturais, como a liberdade e a propriedade devem ser preservados, e a esfera
de sua proteção ampliada, não mais apenas de ordem individual, mas na ordem
coletiva, na medida em que o Estado se constitui na vontade da maioria e deve
zelar pelo interesse de todos. Os homens não renunciam a direitos, mas apenas,
encontram uma fórmula política-jurídica de criar um ente abstrato, que será o
tutor, o protetor destes direitos, sobre os quais se acrescentam novos direitos.
De certa forma, é o caso em que, ao menos no campo teórico político-jurídi-
co, os homens saem do campo de uma liberdade incerta e instável do Estado de
Natureza, para uma liberdade objetiva que seria garantida pela figura do Estado
Moderno. a propriedade que antes era garantida pela força física de seu proprie-
tário, agora recebe do Estado a proteção jurídica, que é o instrumento jurídico de
posse, e também, a força coletiva, representada pelo poder de polícia que tem o
Estado, para que, sempre que chamado, colocar à disposição do sujeito que teve
o direito de propriedade ofendido, o necessário para que o mesmo reassuma a
sua posse.
Na realidade é um artifício interessante em que os homens reconhecem a
necessidade abrir mão do uso de sua força física individual, e nem sempre apta
a exercer, ou ainda, por motivos sentimentais, de a exercer de forma despropor-
cional, para transferir ao Estado esta responsabilidade. Neste sentido, como o
Estado não tem sentimento, e cabe a ele apenas zelar pela ordem da sociedade,
não age pela emoção, mas pela racionalidade presente na própria ideia de lei, tão
bem exposta no mundo romano, pelo ditado popular, dura lex, sede lex, em outras
palavras, dura é a lei, mas é a lei.
Neste sentido, e na visão do liberalismo, o Estado existe não para restringir
direitos oriundos da ideia de direito natural, mas para preservar e dar garantias
a estes direitos, tendo como fundamento, a liberdade e o direito de propriedade,
considerados pela maioria destes autores, como direitos que os homens jamais
podem renunciar, e também, não podem e nem devem serem coagidos a abrir
mão dos mesmos, porque já lhes pertenciam mesmo antes da existência do Esta-
do. o Estado é uma criação artificial, com a finalidade de servir aos ideais liberais

234
UNICESUMAR

e não para questionar os seus valores.


Por isso que, dentro da concepção de Estado Liberal, o Estado não pode tudo,
e nem se encontra na condição de poder absoluto. É John Locke, nas obra Dois
Tratados Sobre o Governo, que defende o que ficou conhecido como direito de
resistência, ou seja, se o Estado é uma criação da sociedade, está, apenas trans-
feriu o poder ao mesmo, na esperança de que governasse preservando direitos
irrenunciáveis e de acordo com os seus interesses, a partir do momento, em que
o Estado já mais procede desta forma, é necessário, para preservar estes direitos,
que a sociedade reivindique para si, a devolução deste poder, ou seja, o direito
de resistir e exigir a restituição deste poder, para então, da forma que julgar me-
lhor, constituir outro poder. Na verdade esta teoria já estava presente quando
do pensamento de Tomas de Aquino, o mesmo defendia o direito, e até dever,
de todo bom cristão, de resistir ao governo dos Reis ou de outros, quando estes
não governassem tendo por fundamento as leis divinas. No liberalismo, o Estado
pode, mas não pode tudo.
Diante da construção desta linha de raciocínio, e tendo por fundamento,
principalmente a experiência do mundo romano, é que se introduz a ideia de
Estado enquanto ente coletivo com força capaz de regular a vida dos homens, e
a de sociedade civil, enquanto aquela que continua detendo o poder, e a origem
de todas as relações da vida do Estado. A sociedade civil enquanto um determi-
nado grupo de homens, com afinidades de ordem cultural, objetivos comuns
que se fortalecem com a vida cívica e que defendem a necessidade de um poder
central. Diante do Estado e da sociedade civil, surge uma aparente dicotomia
entre a esfera pública e a esfera privada. A esfera pública destina-se a trabalhar
em função do interesse coletivo, enquanto a esfera privada, resguarda a defesa
de interesses individuais, deste que os seus resultados finais possam fortalecer a
vida em sociedade. Neste sentido, e na visão liberal, o comerciante que defende
uma margem de lucro para a venda de seus produtos, o faz primeiramente como
uma defesa de ordem privada, mas o resultado final é que mais impostos serão
arrecadados, mais empregos serão gerados e assim sucessivamente.
É evidente que não existe base e nem fundamentos históricos capazes de
comprovar a existência histórica do Estado de Natureza. Nem estes autores es-
tão preocupados com esta questão. O que se pretende na realidade, é produzir
uma ruptura no pensamento predominante, que associava naquele momento, a
existência do Estado como parte da concessão de um poder divino à Igreja ou

235
UNIDADE 13

ainda, as monarquias que fundamentavam o seu poder nas Escrituras Sagradas,


ou outro livro qualquer associado à ideia de poder concedido pela religião.
O que se procura construir primeiramente no campo teórico e depois na prá-
tica, é que é a “vontade e a força do povo que se encontram por de trás do poder
do Estado – mesmo no caso das monarquias hereditárias – e não a vontade e a
força de Deus, encontra-se representada na capa da primeira edição do Leviatã”
(Coelho, 2010, p. 58) e também, nos demais autores. O Estado é o meio pelo qual
os homens escolheram um ente abstrato, para ordenar, organizar, harmonizar as
suas vidas no mundo terreno, concreto, ideal, contingente, deixando ao campo
religioso, a questões pertinentes a um mundo que, de forma direta, não se coa-
duna com o existente.
É preciso reconhecer, que vários destes teóricos, tinham profundas ligações
com a religião, e também, não propunham em suas teorias o fim das religiões, o
que poderia entrar em contradição com a própria ideia de liberdade que defen-
diam, no entanto, alguns, como Thomas Hobbes, colocavam a religião como um
instrumento útil para o soberano, desde que a mesma não colocasse em risco
a ideia de poder terreno e tão pouco, a concorrência entre o poder espiritual e
poder temporal, pois neste mundo contingente, o que deve prevalecer sempre, é
o poder temporal, o poder do soberanos de bem governar os homens.
A questão é dar ao Estado o fato de ser um produto da razão humana, fun-
damentando a questão da legitimidade e da legalidade da existência do Esta-
do. Sendo assim, “foi essa pretensão universalista e atemporal que animou os
revolucionários franceses de 1879 a elaborarem a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão. Esses mesmos princípios e ideais encontram-se inscritos
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas, em 1948” (Coelho, 2010, p. 58).
Mas é preciso ressaltar que, conforme apresentado, a concepção de Estado
Liberal surge antes do Estado Democrático, e várias das democracias contempo-
râneas, principalmente dos chamados países desenvolvidos, surgiram antes como
Estado Liberal, transformação esta que pode ser observada a partir do século XIX
e XX, como por exemplo, a Inglaterra, Suécia, Suíça, entre outros. Diferente foi
a história dos Estados Unidos da América, que desde sua independência surge
como uma Democracia Liberal, ou seja, associando os pressupostos de um es-
tado democrático, com a incorporação de ideais do liberalismo clássico, que se
caracteriza pela defesa intransigente da liberdade e do direito de propriedade.

236
UNICESUMAR

Embora não seja um contratualista a explicar as origens do Estado, mas de


que irá fornecer importantes subsídios para a defesa da liberdade, são as obras
de John Stuart Mill, um utilitarista, que se caracterizou por ser um defensor das
ideais liberais acerca da liberdade, mas no tocante a aspectos mais específicos
e internos desta liberdade. Se os primeiros filósofos políticos se preocuparam
com questões pertinentes às liberdades externas, como o direito à propriedade,
John Stuart Mill acrescenta a esta liberdade outras nuances, caracterizadas pelo
que ele chama de liberdades intermediárias, sendo as mesmas, de características
internas ao próprio indivíduo. Inserem-se no rol destas liberdades, a liberdade
de expressão, de opinião, de pensamento, liberdade filosófica e mesmo religiosa,
embora com relação a esta última, John Locke já tenha tratado na obra Cartas
Sobre a Tolerância.
Para John Stuart Mill a liberdade de opinião e de expressão, pode ser um
instrumento importante para a própria concepção de liberalismo, pois revela ao
mundo aquilo que antes se encontrava somente no âmbito interno do indivíduo,
e podemos aprender com estas liberdades, ainda que as mesmas não representem
as nossas convicções, no entanto, podem nos induzir a uma reflexão mais apu-
rada de nossas próprias verdades, ou ainda, nos fazer ter a certeza de que a nossa
verdade é, ao menos naquele momento, a melhor de todas as verdades, e aquela
que pode efetivamente contribuir para o desenvolvimento da sociedade. A defesa
destas liberdades culminará com aquela que será fundamental para a existência
e o fortalecimento não só do liberalismo, mas da democracia em séculos futuro,
que é a liberdade de imprensa.
Mas diferente de outros autores, que não tratam o tema de forma tão ampla,
para John Stuart Mill a liberdade de expressão, e outras formas de existência
das chamadas liberdades intermediárias, não podem existir como liberdades
absolutas, neste sentido, faz uma aproximação com a moral, a religião e também,
com a esfera legal. Antes de tratar deste assunto é preciso esclarecer que para este
autor somente as pessoas preparadas e educadas estão aptas a se utilizarem da
liberdade no seu grau mais amplo, as demais, os analfabetos e outros, deverão
receber auxílio por parte do Estado e da sociedade, para saírem desta condição e
assumirem as responsabilidades que são pertinentes ao uso da liberdade.
Para John Stuart Mill, um liberal e utilitarista por excelência, a liberdade,
mesmo no Estado Liberal, não existe na sua plenitude, mas dentro das condições
de maturidade necessárias à sua existência, sendo assim, fica reservado ao campo

237
UNIDADE 13

da moral e da religião, educar as pessoas para o uso devido destas liberdades, e ao


Estado, o dever de punir os excessos. Cita um exemplo, para o qual, o excesso de
liberdade pode colocar em risco a própria ideia de sociedade harmoniosa, que é
quando determinado grupo de pessoas se deslocam para a frente da cada de um
comerciante, tendo este se envolvido em atos ilícitos, e neste grupo de pessoas,
alguém começa através de sua liberdade de expressão, proferir um discurso que
incitem as pessoas a realizar justiça com as próprias mãos, contra o comerciante.
Neste caso, segundo John Stuart Mill, se a liberdade de expressão e opinião pode
ser mais elástica, o mesmo não se pode dizer, da liberdade de agir das pessoas,
sendo assim, esta pessoa deverá ser punida pelas leis do Estado, por incitar as
demais pessoas a agir em desconformidade das mesmas leis que garantem a sua
liberdade. E é sob estas condições que está ideia de liberdade chega até os nossos
dias.
Os ideais liberais influenciarão de forma decisiva as democracias que irão
surgir e se fortalecer no século XIX e XX e vários deste chamados direitos naturais
irrenunciáveis foram positivos em nossa Constituição Federal de 1988, embora a
maioria também existia em constituições anteriores, como por exemplo: “Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. A igualdade jurídica
é uma reivindicação liberal que influenciou a Revolução Francesa, como forma
de dizer que a partir daquele momento, as desigualdades deixariam de existir, e
os homens sendo iguais, poderiam contrair direito e obrigações, o que facilitaria
a expansão da economia.
Outro exemplo, ainda no artigo 5º é o inciso II que assim determina: “nin-
guém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei”, que surge a partir da perspectiva liberal de que o rei, o Estado governa, mas
não mais de acordo com subjetividade do governante, e sim com a racionalidade
da lei. Não é mais o humor do governante, ou os desígnios de Deus que determi-
nam como e quando puder os homens por transgredir as liberdades de ordem co-
letiva, mas o que os próprios homens deliberaram como razoáveis e necessários.
A ideia de liberalismo se associa com a liberdade de ordem econômica, sendo
assim, ainda no artigo 5º, inciso XIII, temos que “é livre o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer”, pois não existe economia sem trabalho e nem trabalho sem pessoas

238
UNICESUMAR

habilitadas a exercer determinadas atividades, mesmo as mais humildes e que


não requer habilidades de ordem intelectual, senão a estritamente necessária ao
exercício da função.
O próprio direito de propriedade, que é irrenunciável na perspectiva libe-
ral, encontra-se preservado no artigo 5º, inciso XXII: “é garantido o direito de
propriedade”. Mesmo quando é imprescindível a propriedade para uso público,
o Estado não o pode fazer por simples deliberação, no inciso XXIV temos: “a lei
estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade
pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro,
ressalvados os casos previstos nesta Constituição”, deixando claro que, o direito
de propriedade pertencente ao indivíduo pode lhe ser retirado, mas não sem
indenização devida, portanto, o direito de propriedade está preservado.
Nesta mesma perspectiva de análise, e reforçando a participação dos ideais
liberais nas democracias contemporâneas, no artigo 5º, inciso XXV tem-se a
seguinte redação: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização
ulterior, se houver dano”. Se o interesse público deve prevalecer em determinadas
situações, o direito de propriedade do indivíduo, quando sacrificado, deverá ser
preservado e ressarcido diante de um dano.
Ainda no artigo 5º, inciso VII tem-se que é “plena a liberdade de associação
para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”, dando ampla liberdade para as
pessoas criarem associações com as mais diferentes possibilidades de ação, desde
que seja lícita, ou seja, atividades que não estejam à margem da lei. Já o inciso
LIV expressa a Constituição Federal que “ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal”, prevendo uma das reivindicações do
liberalismo, que é o de conter o poder do Estado, limitando a sua atuação nos
limites estabelecidos pela lei, descartando assim, a figura do soberano absoluto
hobesiano, para o soberano que age de acordo com as leis criadas pelos próprios
homens.
Enfim, utilizando aqui as colocações do Professor Ricardo Côrrea Coelho
(2010), de forma sintética o liberalismo possui algumas características a serem
observadas: 1) a característica fundante do jusnaturalismo de vertente raciona-
lista, é que o mesmo tem como ponto de partida o sujeito na sua individualidade;
2) parte do pressuposto, como originário do Estado de Natureza, de que todos
os homens são iguais e possuidores de direitos constituídos a partir da ideia de

239
UNIDADE 13

universalidade e que os mesmos não podem negociar estes direitos, sob pena de
colocar em risco a sua própria liberdade; 3) entre estes direitos irrenunciáveis e
irrevogáveis, situam-se dois principais e que, por via direta ou indireta, criaria os
demais, que é o direito de liberdade e de propriedade; 4) estes homens, que saem
do Estado de Natureza, para viverem no Estado política e juridicamente organi-
zado, o fazem com a condição de que só reconhecem como poder legítimo, os
Estados que obedecem o direito à liberdade e à propriedade, este poder até poderá
existir, mas não será reconhecido como um poder legítimo e contra ele, deve se
mover todas as forças necessárias para a sua destruição; 5) o Estado assume fun-
ções bem definidas, que é a de garantir a segurança, a liberdade e a propriedade
dos indivíduos, devendo restringir o máximo possível a participação ativa na
vida destes, defendendo a ideia de Adam Smith, centralizada na figura da “mão
invisível da economia” e finalmente, 6) o poder do Estado existe necessariamente
a partir da relação de governante e governado, e também, por uma constituição
capaz, de forma legítima e legal, limitar a existência dos poderes necessários à
vida administrativa do Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ideias liberais constituirão o núcleo das democracias contemporâneas, e de


certa forma, o capitalismo será constituído do lado perverso destas ideias, prin-
cipalmente pela defesa intransigente da acumulação de riquezas, sem as preocu-
pações advindas das desigualdades geradas naturalmente pelo sistema.

240
1. Explicar se existe relação entre as ideias sobre o estado de natureza e liberalismo.

2. Apresentar e explicar de forma sintética as suas ideias principais sobre as quais se


constitui o liberalismo.

3. Segundo o texto desenvolvido pelo autor, explicar porque o homem abandonou o


estado de natureza.

4. Explicar o que é o Estado Liberal.

241
14
Correntes políticas
contemporâneas II
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender as críticas levantadas por Marx e Engels


com relação ao liberalismo.
• Estudar e compreender os problemas advindos do liberalismo,
na visão de Marx e Engels.
UNIDADE 14

Outra concepção política é o marxismo, cuja visão é distinta daquela apre-


sentada pelo liberalismo político. Enquanto o liberalismo tem como ponto de
partida a análise do indivíduo e sua relação com a ideia inicial de jusnaturalismo,
a corrente marxista se preocupa em analisar determinado grupo social e sua
relação com o mundo real.
O marxismo rompe com a tradição filosófica de analisar o homem abstrato,
para analisar o homem real, concreto, de carne e osso, inserido dentro de um
mundo construído a partir de contradições que marcaram a história da huma-
nidade, produzindo a chamada luta de classes.
Como existem muitos marxismos, iremos nos ater em nosso estudo às ideais
mais originais de Marx e Engels, abandonando como o faz a Escola de Frankfurt,
a chamada ortodoxia marxista.

244
UNICESUMAR

Marxismo e liberalismo II

Outra concepção política é o marxismo, cuja visão é distinta daquela apre-


sentada pelo liberalismo político. Enquanto o liberalismo tem como ponto de
partida a análise do indivíduo e sua relação com a ideia inicial de jusnaturalismo,
a corrente marxista se preocupa em analisar determinado grupo social e sua
relação com o mundo real.
O marxismo rompe com a tradição filosófica de analisar o homem abstrato,
para analisar o homem real, concreto, de carne e osso, inserido dentro de um
mundo construído a partir de contradições que marcaram a história da huma-
nidade, produzindo a chamada luta de classes.
Diferente das ideias jusnaturalistas que não se preocupam com a história para
fundamentar as suas teorias, o marxismo coloca a história como necessária para
o desenvolvimento de sua análise, pois parte da concepção que a história é feita
de homens vivos e não de uma mera sequência de fatos e acontecimentos que
sucedem dentro de uma linha histórica determinada e rígida. A história existe
porque os homens existem, e a linha temporal é uma mera condição necessária
para demonstrar a condição de omnidade, de um ser delimitado dentro de um
período histórico, mas não como um objeto, uma montanha, um rio, e sim como
um ser vivo que ora constrói a sua própria história, na condição de sujeito ativo
e em outras horas, encontra-se na condição de sujeito passivo, pois sente-se im-
potente para levantar forças contra a história construída pela classe dominante.
Embora as ideias liberais tenham surgido antes do desenvolvimento do pen-
samento marxista, não se encontra em sua obra, referências diretas demonstran-
do sua contrariedade a esta linha de pensamento, no tocante ao liberalismo polí-
tico, o mesmo não ocorre, quando se trata do liberalismo de vertente econômica,
principalmente aquele que se constrói a partir da economia política inglesa.
Se o campo de trabalho do liberalismo foi o das suposições abstratas para a
construção de sua teoria, e depois a aplicação da mesma na construção da figura
jurídica e abstrata do Estado, o campo de trabalho da teoria de Marx será a his-
tória, será o campo de trabalho sobre o qual o autor se debruçará, não para tentar
reescrever a mesma, mas para compreender quais foram as condições materiais
colocadas ou não, à disposição dos homens, em especial a um grupo social deter-
minado, que é a classe operária, que os impossibilitou de serem membros ativos
na construção do Estado. Alguns autores afirmam que Marx coloca os homens

245
UNIDADE 14

como vítimas da história, o que não é realidade, mas ele nos diz que nem sempre
os homens escrevem a história que gostariam de escrever, e sim a que foi possível
escrever, em função das condições materiais colocadas à sua disposição.
Neste sentido, não acredita que os homens vivam na pobreza simplesmente,
porque assim optaram. Podem não ser vítimas, mas é preciso reconhecer que
existe limitação de diversas ordens, que impossibilitam a superação dos obstá-
culos. Sendo assim, aquela máxima bíblica de que a “fé move montanhas”, não se
aplica na história do homem, mas é utilizada como forma ideológica de dizer aos
mesmos, que se não conseguiram transpor determinado obstáculos, foi porque
lhes faltou vontade própria, o que caracteriza a própria ideia de fé, como algo que
pertence somente ao indivíduo.
Sendo assim, e na perspectiva marxista, a história feita pelos homens cons-
titui-se de elementos materiais que, em determinado tempo histórico, serviram
como instrumento de ascensão de uma classe social, a burguesia, ao poder e de
lá, passaram a impor sobre a classe dos vencidos, os proletários, a dominação,
utilizando os mais variados artifícios, entre eles, o aparelho do Estado, a religião e
a ideologia. No entanto, Marx não irá contar a história, descrever a história, como
a maioria dos homens o fizeram ao longo de sua caminhada, e ainda continuam
a fazer, mas sim, estabelecer um movimento dialético, que de certa forma, é um
movimento estabelecido através do pensamento, como se fosse uma elipse que
subiria ao infinito, tomando como modelo uma figura utilizada ao analisar o
pensamento de Hegel, filósofo sobre o qual Marx se debruçou para construir
parte de sua teoria.
De forma figurativa, pode-se dizer que a dialética usada por Marx estabelece
uma espécie de diálogo com o sujeito que vivenciou esta história, procurando
investigar quais as circunstâncias em que se situa esse sujeito na história, não
de forma abstrata e subjetiva, mas real, concreta, que efetivamente exerceram
influências na construção da história desse sujeito. Através da dialética observar-
-se-á que o desenvolvimento da história se dá através das contradições criadas
pela própria natureza humana.
Se a sua análise parte de um determinado grupo social, este deve estar asso-
ciado à produção de bens, e é assim dividida, em função da cadeia que constitui
a produção. Neste sentido, o que diferencia os homens dos demais animais, é
que os primeiros, através do trabalho, e como resultado da sua engenhosidade
e da construção histórica de habilidades necessárias para transformar, tiram a

246
UNICESUMAR

natureza de uma condição de imobilidade própria de sua essência, para que possa
ser utilizada pelos homens saciarem as suas necessidades. O trabalho é uma das
causas da divisão social entre os homens.
As forças produtivas são aqueles bens, tanto de ordem material, como ordem
intelectual, colocados à disposição dos homens, neste sentido, teremos então, o
próprio trabalho humano como força produtiva, assim como os demais objetos
necessários e imprescindíveis para serem transformados. Como resultado deste
trabalho humano, temos o que se chama de relações sociais de produção, carac-
terizadas como uma relação de apropriação deste trabalho e de seu resultado,
estabelecendo assim, uma divisão social do trabalho.
São as relações históricas traçadas entre as forças produtivas e as relações
sociais de produção, que determinaram ao longo da história, a divisão de clas-
ses sociais. Num primeiro momento os homens produziam para a sua própria
subsistência, sendo assim, trabalhavam para sustentar a ele próprio e o seu pe-
queno grupo social. Trabalho de características físicas, embora, na realização de
qualquer trabalho, sempre exista a necessidade, ainda que mínima, de esforço
intelectual. Neste momento, o que prevalecia era a ideia de comunismo, pois toda
a produção era dividida entre os membros daquela comunidade, ideia está, que
Platão desenvolve parcialmente na obra A República. A produção se destina à
comunidade e o acúmulo da produção como bem individual, não faz sentido e
nem precisa existir.
Segundo Marx e aqui, entre outras, a importante contribuição de Engels, com
a evolução dos meios materiais necessários para aprimorar a agricultura, e con-
sequentemente com o aumento da produção, vislumbrou-se a possibilidade de
acumular o excedente, garantindo assim ao indivíduo, a apropriação de um bem
que agora, já não se encontra mais a disposição de todos. O próprio John Locke
desenvolve esta ideia, quando escreve Dois Tratados Sobre o Governo, mas dá a
ela, a visão conveniente ao liberalismo.
Na visão marxista, a possibilidade do acúmulo do excedente, acabou por pro-
duzir também a divisão de classes sociais, fato este, também apontado por Jean
Jacques Rousseau, a partir da teoria de quando surge o direito de propriedade,
ainda que com outras nuances, mas de vertente crítica, como o fora a de Marx
e Engels. Com a divisão social de classes, em função da diferença entre aqueles
que acumularam e os que, por motivos diversos não acumularam, surge a pos-
sibilidade de que, os que mais tem, possam, se apropriar do trabalho alheio pela

247
UNIDADE 14

troca de seu excedente. Desenvolve-se então, as classes dominantes, em oposição


às classes dominadas.
Seguindo a própria marcha da história da humanidade, e também, da na-
tureza egoísta dos homens, o acúmulo, que se caracteriza como um direito de
propriedade, passa a ser algo natural e um fato de direito. Na realidade, a linha de
raciocínio seguida por Marx e Engels, no tocante a este assunto, não difere muito
daquela oriunda do liberalismo, o diferencial estará na forma crítica com que se
analisa o acúmulo de riqueza.
Ao acumular riqueza e ter que zelar pela própria guarda das mesmas, e tam-
bém, ficando sujeito a impetuosidade da natureza humana existente em alguns,
ou seja, de se apoderar da coisa alheia como sua o fosse, mas de forma indevida,
e precisando de alguém que legitimasse e reconhecesse a legalidade das riquezas
acumuladas, foi que a burguesia, a partir do século XIII ou XIV, existem pequenas
divergências sobre estas datas, deu início ao seu projeto de revolução, que será a
mais bem sucedida ao longo da história da humanidade, que é a construção do
Estado Moderno.
Sendo assim, o Estado Moderno não foi criado como uma construção que
representava os interesses da maioria, e sim para proteger, dar legitimidade e
legalidade aos interesses da burguesia. Neste sentido, trabalha como um balcão
de negócios na defesa destes interesses, criando direitos ilusórios para a maioria e
tornando o direito de propriedade, um direito quase que sagrado, senão, sagrado
mesmo em algumas situações, tanto é que, em determinada situações envolvendo
a restituição de posse de invasões a bens imóveis abandonados e deixados para
servirem de moeda especulativa, não cumprindo a sua função social e nem per-
mitindo o desenvolvimento da sociedade, a negativa por parte do judiciário em
conceder a reintegração, caracteriza-se como uma possibilidade de insegurança
jurídica, ou seja, de não mais garantir, aquilo que sempre foi garantido pelo Es-
tado, a partir da construção do Estado Moderno.
As mudanças do modo de produção se deram ao longo da história da huma-
nidade, até que finalmente, foi instituído o modo de produção capitalista, caracte-
rizado entre outros aspectos pela existência da classe burguesa, que passa a ser a
proprietária de todos os meios de produção e por outro lado, a negação da própria
burguesia, que são os proletários, classe social que não possui outra propriedade,
a não o fruto de seu próprio trabalho. Mas não satisfeita com a posse de todos os
meios de produção, a burguesia institui uma outra forma de dominação, consti-

248
UNICESUMAR

tuindo-se na máxima de que, quem tem o capital, também detém o direito sobre o
trabalho e portanto, institui-se o salário como forma de remunerar o proletariado
pelo seu trabalho, contudo, não paga o que é necessário pagar, mas o que acha
mais conveniente pagar, em função da maximização do lucro e a diminuição do
custo, lógica está interna ao próprio capitalismo.
Dentro desta perspectiva de análise, o capitalismo deve se preocupar com a
relação custo-benefício, e não mais com as questões de ordem humana. É sob esta
linha de visão, que os americanos, a custo de mão-de-obra barata e milhares de
vidas, construíram grande parte de sua malha ferroviária, utilizando principal-
mente, o trabalho dos chineses que neste período, imigraram em massa para os
Estados Unidos e depois, construíram o Canal do Panamá, símbolo do progresso
e desenvolvimento da engenharia americana, e que, dadas as condições precárias,
dizimaram milhares de vidas de trabalhadores latinos daquela região, pois em
nome do progresso, da relação custo-benefício, tudo é possível.
No entanto, invoca-se que agora não se escraviza mais os trabalhadores, por-
que trabalham por um contrato, que é a expressão jurídica e positivada de sua
vontade, são homens livres e que também calcularam o seu custo-benefício. O
recebimento do salário era a demonstração que recebiam pelo fruto de seu traba-
lho, quanto ao valor, a resposta está que se fundamenta na relação da lei da oferta
e da procura. Sendo assim, muitos trabalhadores desempregados, significa uma
menor remuneração, o inverso, uma remuneração maior, mas nunca justa. E aqui
entra outro componente da ideologia utilizada pelo capitalismo: melhor receber
pouco e continuar empregado, do que não receber nada e continuar desempre-
gado. Melhor ser um empregado explorado, do que um desempregado livre.
Sobre essa relação com a ideologia, nos ensina Coelho que “segundo Marx, a
ideologia dominante em uma determinada sociedade é, também, a ideologia da
sua classe dominante. Portanto, nada mais natural que nas sociedades capitalistas
a ideologia dominante seja a ideologia burguesa. Essa corresponde à visão que
os burgueses têm da sociedade e foi formada a partir do ponto de vista da sua
inserção econômica e de seu interesse de classe” (2010, p. 67). Ou seja, de que a
remuneração do capital de acordo com as leis de mercado, significam o reconhe-
cimento de uma revolução bem sucedida: a revolução burguesa e a construção
e solidificação do capitalismo.
Outro aspecto de mudança imposto pelo capitalismo, foi a transformação das
relações sociais, naturalmente existentes no mercado, ao que Marx nomina como

249
UNIDADE 14

fetichismo, o fetichismo da mercadoria, e o próprio trabalhado realizado pelo


trabalhador é uma mercadoria que pode ser negociada livremente no mercado,
“portanto, o fetichismo da mercadoria significa que relações de dominação entre
classes sociais adquirem a aparência de troca entre coisas no mercado, segundo
uma dinâmica e uma lógica regidas pela lei impessoal da oferta e da demanda,
aparentemente independente da vontade e da ação das pessoas” (Coelho, 2010,
p. 66).
O garantidor de todos estes novos direitos introduzidos pela visão capitalista,
é o Estado, o encarregado de conter os protestos e de garantir, através da execução
das leis criadas pela classe burguesa, que todo o processo encontre justificativa
suficiente para a legitimidade e legalidade de suas ações. Entra em cena, o posi-
tivismo jurídico e o dogma de que lei é igual para todos.
Segundo Marx, com a criação do salário e não do valor justo e capaz de
permitir ao trabalhador realmente repor as energias gastas pelo seu esforço,
além do que, dar a sua família uma vida confortável, fica devido o campo para
o surgimento de um outro conceito fundamental na teoria marxista, a ideia de
mais-valia, que em outras palavras, uma vez que o capitalista retirou os custos
de matéria-prima e outros necessários à produção, somado ao salário pago ao
trabalhador, acrescentou a isto uma valor real, ao que se chama de lucro e para
Marx de mais-valia. O problema é que o trabalhador não participará das van-
tagens excedente e gerado pelo seu trabalho, que é apropriada pelo capitalista.
E mais ainda, estando o custo da matéria-prima estabilizada no mercado, e os
preços de venda também estabilizados em função da concorrência, a saída para
aumentar o lucro, é diminuir o custo de produção referente a salários, normal-
mente, reduzindo em quantidade de trabalhadores, mas mantendo a quantidade
de produtos produzidos.
O capitalismo exige que o capitalista cada vez acumule mais, no entanto, “o
que diferencia o capitalista de um marajá é, precisamente, o destino que cada
um dá a sua riqueza. O marajá a utiliza fundamentalmente para o seu deleite, e o
capitalista para reinvestir no seu negócio e produzir e acumular cada vez mais”
(Coelho, 2010, p. 69).
Diante destes e de outros dilemas surgidos a partir da predominância da visão
capitalista, qual seria a saída apresentada por Marx e Engels? Seria construção
do socialismo, e neste sentido, “a classe operária teria, portanto, de se organizar
em um partido político com o objetivo de tomar o poder e, a partir do Estado,

250
UNICESUMAR

implantar uma ordem social conforme os seus interesses de classe, os quais se-
riam também os interesses da maioria, uma vez que o proletariado seria a classe
majoritária na sociedade” (Coelho, 2010, p. 71).
Essa tomada do poder se daria tanto de forma pacífica, quanto pelo uso da
violência se assim o fosse necessário, pois “Marx observa que a conquista do po-
der político pelo proletariado organizado não se processaria pelo emprego, em
todas as partes, de meios idênticos” (Santos, 2002, p. 97). A realidade histórica e
política de cada Estado seria determinante para a escolha da melhor forma de
produzir essa revolução, no entanto, ela teria que ser necessariamente realizada
com um caráter universalizante, contudo, “independentemente dos caminhos
pelos quais haveria de se processar a superação da sociedade regida pelo capital,
a nova sociedade nasceria de um árduo e doloroso processo” (Santos, 2002, p. 99).
O caminho a ser trilhado demandaria um esforço descomunal, mas certa-
mente, esta seria a única forma de superar o capitalismo e as mazelas resultantes
de sua existência, pois “seria um equívoco pensar que a destruição da sociedade
do capital decorreria de um decreto plebiscitário” (Santos, 2002, p. 99). A bur-
guesia não iriai entregar por meio fácil, aquilo que ela própria conquistou por
uma revolução.
Porém, não se pode esperar que apenas a revolução resolvesse todos os pro-
blemas, porque no sentido lato, ela se constitui de apenas um momento, e deve
ser uma revolução e não uma transformação, porque revolucionar algo é romper
com o que tradicionalmente estava estabelecido, para impor uma nova ordem,
portanto,“a revolução social, porém, não representava a vitória definitiva da classe
operária. Na realidade, toda revolução adentra ao cenário histórico como possibi-
lidade a ser efetivada em sua plenitude, uma vez que uma série de circunstâncias
concorrem para o seu sucesso ou fracasso” (Santos, 2002, p. 105). A revolução seria
apenas o primeiro e necessário passo, o processo como um todo se constituiria
de uma série de ações e intervenções posteriores.
Ao realizar a revolução, que é a construção e um momento simbólico em que
o novo se institui sobre o velho, segundo, Marx, o proletariado deveria: “1) acabar
com a propriedade privada dos meios de produção, que é a base material, isto é, a
infraestrutura sobre a qual a burguesia exerce o seu poder sobre o proletariado e;
2) instituir a ditadura do proletariado, pondo fim ao ordenamento político então
vigente, ou seja, à ordem liberal, isto é, à superestrutura da sociedade burguesa”
(Coelho, 2010, p. 72). O receio de Marx e Engels é que a experiência fracassada

251
UNIDADE 14

da Comuna de Paris (1871), que foi a primeira experiência de um governo ope-


rário cujo fracasso se caracterizou pela crença de que após a revolução, as demais
ações aconteceriam de forma natural e sem resistência por parte da burguesia,
voltasse a acontecer.
Colocação que pode produzir interpretação equivocada e diferente daquela
pretendida por Marx e Engels, o termo ditadura do proletariado, neste sentido,“ao
empregar o termo ‘ditadura’, Marx não estava propondo uma forma de governo
mais dura ou autoritária que a dos governos liberais e monarquias parlamentares
do seu tempo. Estava, simplesmente, deixando claro que aquele seria um governo
de classe, e não um governo de todos” (Coelho, 2010, p. 72). Se aquela existente era
a ditatura da burguesia, de uma classe minoritária, impondo-se sobre a maioria,
que mal haveria de agora mudar a denominação da ditadura?
Reforça essa ideia de Marx e Engels, o fato de que “a exemplo da burguesia,
o conjunto dos operários deveria lutar pela conquista do poder do Estado com
plena consciência de ter de utilizá-lo como instrumento de dominação de classe”
(Santos, 2002, p. 108), mas agora, de uma classe que realmente representa a maio-
ria e sob a qual se estabelece os meios de produção necessário para as grandes
mudanças. Sendo assim, se os trabalhadores, que realmente movem as forças
necessárias para realizar a ordem econômica assumissem o poder, porque não
instituir uma única e definitiva classe: a dos proletários?
Depois da revolução, não poderia pensar o proletariado em manter o Estado,
mas se apoderar de todas as suas estruturas, para depois de período de transição
com a finalidade de construir uma sociedade emancipada e capaz de construir
um novo modelo de Estado, o Estado Comunista. Abolida as divisões de classe,
e a instituição de uma única classe, a do proletariado, “o poder do Estado, que
existe para manter a grande maioria dos produtores na servidão a uma minoria
que os explora, desaparece, e as funções do governo transformam-se em simples
funções administrativas” (Santos, 2002, p. 109).
Dentro desta perspectiva, o socialismo “seria apenas uma fase transitória do
capitalismo ao comunismo, durante a qual o proletariado utilizaria toda a força
do Estado para acabar com a sociedade de classes. A missão histórica e libertadora
do proletariado seria precisamente essa: acabar com as classes sociais, restabe-
lecendo a igualdade inicial entre os homens” (Coelho, 2010, p. 73). A fase final e
consagradora desta revolução, seria a implantação do comunismo, sendo assim,
“o comunismo seria o estágio superior da condição humana, em que o homem

252
UNICESUMAR

viveria em uma sociedade civilizada e sem Estado” (Coelho, 2010, p. 74).


Com a instituição do comunismo, seria declarado também o fim do Estado
no modelo como conhecemos, pois não mais existindo divisão de classes sociais,
também não haveria necessidade de um Estado para proteger interesses dessas
classes. Na visão marxista seria no comunismo aonde o proletariado realmen-
te experimentaria o exercício da democracia, porque, diferente do capitalismo,
aonde o que prevalece são os interesses da minoria que detém o poder, e o voto, é
apenas uma forma de mascarar essa experiência democrática, no comunismo, o
que vai efetivamente prevalecer é a vontade da maioria, e esta maioria é o prole-
tariado, sendo assim, estaria sendo realizada a democracia na sua extensão maior.
Apesar de todos os problemas aparentes ou não, sobre as ideias marxistas, e
a predominância do pensamento capitalista e da visão liberal na condução dos
Estados na sua maioria com estas características, é preciso reconhecer que, a exis-
tência de uma outra forma de interpretar o mundo, mormente na esfera política,
trouxe e ainda trará grandes contribuições, se não para resolver, ao menos para
aliviar alguns problemas de ordem social e de desigualdades sociais.
Na atualidade, o único país grande, e com influência global, que ainda vive
sob parte dos postulados marxistas é a China, no entanto, é preciso analisa-la
com cautela, é ainda uma incógnita no tocante a assuntos de ordem política, mas
de uma coisa nós sabemos, a China é extremamente capitalista nas suas relações
externas, notoriamente de ordem econômica, praticando inclusive exploração
contra os trabalhadores, o que contraria os postulados marxistas, e por outro
lado, ainda fortemente socialista nas suas relações internas.
Mas o que se revela com a abertura chinesa ao mercado mundial, é que mes-
mo na estrutura social chinesa, ainda existe divisões de classe, que fazem com que,
pessoas mais abastadas tenham acesso a tecnologias e conforto de primeiro mun-
do, e as demais, principalmente no interior da China, ainda tenham um modo
de vida em condições semelhantes àquelas existentes no século XVIII e XIX. Os
demais países, como Coréia do Norte, Cuba e outros, não possuem experiências
consolidadas para dizer que as suas revoluções foram bem sucedidas, como por
exemplo, em Cuba, aonde os irmãos Castros dominam a vida política desde a
sua revolução e sob certos aspectos, ainda não permitiram que o povo cubano
experimentasse a democracia, como forma de decidir seus próprios problemas.
Destarte divergências sobre os sucessos ou não dos Estados nominados como
comunistas, não podemos deixar de reconhecer, que inúmeras ideias socialistas

253
UNIDADE 14

estão presentes em nossa Constituição Federal, que foram introduzidas não como
concessões, mas como conquistas da sociedade, como por exemplo, no Capítulo
II – Dos Direitos Sociais, quando no artigo 6º, o legislador constitucional assim
esclarece e determina: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à mater-
nidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
É evidente que no caso do Brasil, como sempre ocorreu ao longo de nossa histó-
ria, quando se trata de direitos e interesses de ordem social, o Estado apresenta
o seu alto grau de incompetência, mas não podemos deixar de reconhecer, por
exemplo, ainda que de forma precária, e dentro das condições oferecidas aos seus
trabalhadores, o Sistema Único de Saúde, universal e gratuito, presta um grande
serviço à população mais carente.
No próprio artigo 7º, temos uma série de direitos e prerrogativas dos trabalha-
dores, como por exemplo, nos seguintes incisos: “I - relação de emprego protegida
contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar,
que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II - seguro-de-
semprego, em caso de desemprego involuntário; III - fundo de garantia do tempo
de serviço”. Fica evidente a necessidade de tutelar o trabalhador, numa sociedade
em que as relações trabalhistas, em função da lei da oferta e da procura, ainda se
encontram em estado primitivo e semelhantes àquelas do século XVIII.
Enfim, de qualquer forma existem contribuições significativas da visão socia-
lista, se estas se concretizaram em sua totalidade ou não, ficando algumas como
grandes promessas, isso não se deve às ideias, mas a incapacidade dos cidadãos
em fazer com que o Estado realmente cumpra aquilo que prometeu, e aqui, ci-
tamos uma passagem da obra de Antonio Carlos Wolkmer, História do Direito
no Brasil, aonde afirma que as nossas constituições sempre foram promessas que
seriam conciliadas, somente quando possível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, de qualquer forma existem contribuições significativas da visão socia-


lista, se estas se concretizaram em sua totalidade ou não, ficando algumas como
grandes promessas, isso não se deve às ideias, mas a incapacidade dos cidadãos
em fazer com que o Estado realmente cumpra aquilo que prometeu, e aqui, ci-

254
UNICESUMAR

tamos uma passagem da obra de Antonio Carlos Wolkmer, História do Direito


no Brasil, aonde afirma que as nossas constituições sempre foram promessas que
seriam conciliadas, somente quando possível.
E de acordo com análise de nossa história, quando foi possível fazer, a classe
dirigente não teve as habilidades necessárias para conduzir o processo.

255
1. Explicar porque segundo Marx e Engels existe uma contradição entre o salário e real
valor do trabalho.

2. Explicar o que são as forças produtivas para Marx e Engels.

3. Apresentar e explicar qual o tipo de homem que o marxismo quer analisar.

256
15
Mundialização e
Globalização
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender o fenômeno da mundialização e globa-


lização.
• Estudar e compreender a influência destes fenômenos para a
democracia contemporânea.
• Estudar e compreender as contradições resultantes da globali-
zação.
UNIDADE 15

Tendo estudado as principais correntes da filosofia política ocidental, prin-


cipalmente o socialismo e o liberalismo, é necessário abordar um outro tema
tão caro à Ciência Política e ao direito, que é a questão da mundialização e da
globalização.
Estes temas que assume já a partir do século XX uma importância significa-
tiva é o da globalização ou mundialização, pois como qualquer outra área do co-
nhecimento e da própria experiência humana, não há como fugir deste processo,
pode-se oferecer uma resistência inicial, mas de qualquer forma, mais cedo ou
mais tarde, ele existirá. Mais recentemente, grupos fundamentalistas religiosos
pegaram em armas, para se rebelar e não aceitar a globalização e a importação e
imposição do modo de vida ocidental, notoriamente europeu, constituindo-se
num foco preocupante de violência e acentuamento de vários problemas, prin-
cipalmente no Oriente Médio e em alguns países da mãe África.

258
UNICESUMAR

Convergências, Divergências ou Paradoxos?

Tema que assume já a partir do século XX uma importância significativa é


o da globalização ou mundialização, pois como qualquer outra área do conhe-
cimento e da própria experiência humana, não há como fugir deste processo,
pode-se oferecer uma resistência inicial, mas de qualquer forma, mais cedo ou
mais tarde, ele existirá. Mais recentemente, grupos fundamentalistas religiosos
pegaram em armas, para se rebelar e não aceitar a globalização e a importação e
imposição do modo de vida ocidental, notoriamente europeu, constituindo-se
num foco preocupante de violência e acentuamento de vários problemas, prin-
cipalmente no Oriente Médio e em alguns países da mãe África.
O temo globalização e mundialização tem se tornado de uso corrente na
maioria das áreas do conhecimento. No entanto, uma questão parece-nos ser
necessária levantar: o que vem a ser mundialização ou globalização e qual a co-
notação que as mesmas recebem em algumas áreas do saber humano, embora o
nosso trabalho tenha uma convergência específica para a área das ciências huma-
nas e sociais aplicadas? Podemos realmente fazer uma distinção entre os termos?
Há certa unanimidade quanto à similitude dos termos, pois segundo Benko “a
mundialização, ou ainda, em termos anglo-saxões, a globalização, muito em voga
nos países da América Latina, constitui, nos anos 1990, uma das preocupações
prediletas dos intelectuais de todas as tendências [...]”(Benko, pág. 45-54). Os
americanos preferem chamar de globalização, mas é preciso compreender que
a palavra global tem origem no latim “globus” e significa “bola, esfera, multi-
dão” (Houais, 2001). O termo globalização, no seu aspecto econômico e político,
assume a conotação de “integração cada vez maior das empresas transnacionais,
num contexto mundial de livre-comércio e de diminuição da presença do Estado,
em que empresas podem operar simultaneamente em muitos países diferentes e
explorar em vantagem própria as variações nas condições locais” (Houais, 2001).
No entanto, os franceses optaram pelo termo mundialização , parece-nos
neste momento, que a utilização de um ou outro termo, é meramente uma questão
político-cultural entre as duas nações.
Historicamente podemos dizer que os romanos, ao introduzirem nas colô-
nias conquistadas os primórdios da federalização, e permitir o livre trânsito de
mercadorias entre as mesmas, desde que os impostos fossem pagos a Roma, já
estabeleceram a proto-mundialização dos mercados. No entanto, é no fim da

259
UNIDADE 15

idade média e início da modernidade, mais especificamente, com o fim do feu-


dalismo e o surgimento do mercantilismo, ou seja, quando a França, Portugal,
Inglaterra e Espanha resolveram iniciar a disputa marítima para a conquista de
novas terras e busca de novos mercados, é que temos o surgimento da mundiali-
zação da economia, da história, dos aspectos culturais, filosóficos, geográficos, e
outros que serão determinantes na história ocidental. Fato não menos importante
foi a descoberta da imprensa por Gutemberg (1448) e que gerou um processo
facilitador de todas as áreas do conhecimento, para a disseminação de ideias,
protestos e outras formas de manifestação.
A importância da imprensa como elemento de difusão, ocorre na literatura
com mais intensidade, e segundo Rouanet, “tanto Goethe quanto Marx usam a
expressão `Weltliteratur´, literatura mundial, e nos dois casos a literatura fun-
ciona como alusão metonímica à cultura como um todo” (ROUANET, 2000). O
processo já fora iniciado a um século e meio atrás e não pode mais ser contido, é
a afirmação contundente do intelectual brasileiro, e a sua infiltração na cultura
se deu de modo tão intenso que “cada vez mais os valores, símbolos e produtos
culturais extravasam as fronteiras nacionais, e cada vez menos eles podem ser
reduzidos à soma das culturas locais, ou a extroversão imperialista de uma cul-
tura nacional hegemônica”, em outras palavras, até que ponto podemos dizer nos
dias atuais, mesmo nos rincões mais distante deste país, que temos uma cultura
puramente nacional?
Nesta mesma linha de raciocínio, será que podemos dizer que determinadas
culturas indígenas são autênticas, quando observados os mesmos realizando os
seus rituais, danças e afazeres cotidianos, utilizando instrumentos, roupas e outros
acessórios resultantes do mundo capitalista e globalizado? E mais ainda, até que
ponto ainda podem ser nominadas como cultura indígena, se vêm as cidades
comercializar seus produtos, e adquirir bens e serviços próprios da cultura do
homem ocidental? Ainda pode ser tratada como uma cultura indígena, ou como
uma cultura para um processo de transição, notoriamente de vertente capitalista?
Para Navarro “globalização não é palavra nova, pois o famoso dicionário edi-
tado pela Universidade de Oxford já identificou o aparecimento em Inglês do
termo ‘global’ há, pelo menos, 400 anos” (Navarro). Quanto ao termo no contexto
atual, temos algumas divergências, pois para Benko o termo surge “nos anos de
1990” e para Fausto este fenômeno já está presente a partir de 1980. No entanto,
um fato parece ser comum a todos: é de que a agilidade nas comunicações, prin-

260
UNICESUMAR

cipalmente com o surgimento e disseminação da internet, é o elemento principal


e facilitador para o crescimento da globalização, e também dos transportes em
larga escala, que através de aviões de grande porte, navios e trens, levam pessoas
e mercadorias ao outro extremo do planeta, em questão de horas.
Aliás, foram notoriamente a velocidade dos meios de transporte de animais
e pessoas, principalmente os chamados continentais, que também globalizou as
pestes e doenças, podendo provocar, em questões horas grandes catástrofes, como
por exemplo, o ebola, gripe aviária e outros, além do que, as chamadas guerras
químicas, possibilidade aumentada depois do ataque de 11 de setembro às Torres
Gêmeas nos Estados Unidos da América.
Exposta as questões inicialmente apresentadas, é preciso definir o que vem a
ser este fenômeno, seja ele nominado como globalização ou mundialização. Para
Benko, “a mundialização designa a crescente integração das diferentes partes do
mundo, sob o efeito da aceleração das trocas, do impulso das novas tecnologias
da informação e da comunicação, dos meios de transportes, etc” (Benko). Sendo
assim, o termo está ligado diretamente à produção, distribuição e consumo de
modo rápido, e faz parte, intrinsecamente, da ótica capitalista. Uma outra linha
de visada, nos é apresentada por Fausto, quando diz que “trata-se de uma inter-
penetração de relações econômicas e financeiras, com dimensão planetária, em
que os Estados Unidos figuram como pólo dominante” (FAUSTO), parece-nos
que as duas definições se completam, pois enquanto a primeira aponta de forma
mais precisa o movimento interno do termo, a segunda nos apresenta o principal
agente de suas intenções.
Embora a crítica tenha seu foco central nos Estados Unidos, é necessário
dizer que a China, além de ser um país socialista, é um componente forte deste
mercado globalizado, principalmente porque consegue produzir em larga escala,
com baixos custos de produção, além da prática legalizada da pirataria existente
nos seus setores de produção.
A globalização pode ser estudada sob os mais diversos pontos de influências,
mas como ela se reflete mais especificamente na geografia? O Professor Benko
apresenta a globalização sob as mais diversas óticas, e quanto ao economista diz
que “é a globalização financeira ou, em outras palavras, a integração dos mercados
e das bolsas como consequência das políticas de liberalização e do desenvolvi-
mento das novas tecnologias da informação e da comunicação; é também a inten-
sificação dos fluxos de investimento e de capital na escala planetária” (BENKO).

261
UNIDADE 15

Não é um fenômeno pontual, isolado, mas necessariamente estabelece uma


ligação entre o espaço geográfico e o setor produtivo resultante de sua exploração,
assim como a influência que este mesmo espaço recebe dos setores produtivos
e consumidores externos ao seu meio natural. Pois “em geografia, a noção de
globalização é uma maneira de sublinhar a persistência de um registro espacial
de fenômenos econômicos – a localização dos locais de produção de uma empre-
sa multinacional nos territórios” (BENKO). Podemos dizer que a instalação de
um setor produtivo internacional, ou como a globalização chama de “empresas
transnacionais”, temos naquele espaço geográfico a implantação de tentáculo
capitalista, cujos objetivos estão intrinsecamente condicionados aos objetivos
da matriz da empresa. Ora, tal fato não fere de modo direto a soberania do país
que, por direito pertence aquele espaço?
Tecendo comentários acerca da obra “Por uma globalização – do pensamento
único à consciência universal”(SANTOS, 2000) Navarro diz que a globalização,
“trata-se meramente de um conjunto de mudanças através do qual diminuem
os constrangimentos geográficos (e seus vetores de tempo e de espaço) sobre os
processos sociais, econômicos, políticos e culturais, redução esta sobre a qual os
indivíduos cada vez são mais conscientes” (NAVARRO). Neste sentido, temos
vários exemplos de movimentos que se dizem contra o processo capitalista e de
globalização imposta pelos americanos, mas sacam de seus bolsos, Ipad, Iphone
e outros produtos típicos da indústria americana. Incoerência ou necessidade?
Sob o âmbito da análise geográfica o Professor Milton Santos nos apresenta
a possibilidade de uma outra globalização, e na obra supra citada, “toma para a
análise a realidade relacional do ser humano, e a esta realidade relacional perversa
atribui os males revelados pelo território” (MENDES, 2001). O espaço geográ-
fico pode ser “perverso” não somente pela escassez de recursos, mas também
pelo excesso, ou porque o resultado de sua exploração pode ser um produto
ambicionado e necessário às nações, como é o caso das regiões onde o petróleo é
explorado (com exceção da exploração em alto mar), as demais regiões afastam o
cidadão que mesmo tendo direito à terra, não pode explora-la, seja por questões
legais (como no Brasil), por falta de recursos tecnológicos, ou ainda, porque de
longa data já perderam a posse de suas terras, pela astúcia maléfica do capitalismo,
em detectar potencial de exploração, e forçar o êxodo destas áreas, em troca de
recursos insignificantes.
O que podemos inferir quanto aos aspectos positivos ou negativos da globa-

262
UNICESUMAR

lização? Aqui também temos pontos convergentes e divergentes, dependendo da


leitura que se realiza quanto aos aspectos interiores da globalização. Para Fausto,
o aspecto positivo é que “o intercâmbio comercial e cultural entre as nações é em
si mesmo um fator desejável – e riscos reais” (FAUSTO).
A civilização ocidental tem a sua construção fundamentada na cultura gre-
ga (e também romana), onde Aristóteles na obra “A Política”, já afirmava que o
homem se realiza na “polis” (cidade), pois o homem é um animal político e esta
não se faz sem antes inseri-lo na sociedade. É preciso que o homem se relacione
com o mundo, o conceito de autonomia, não pode ser compreendido sob a ótica
do isolamento, mas sim daquele que mesmo não tendo, tem em si a possibilidade
de escolha.
Segundo Fausto, o aspecto negativo é que se “não houver medidas no sentido
de limitá-la ou regulamentá-la, ela tende a acentuar a desigualdade entre países
ricos e pobres” (FAUSTO). Com o advento da internet, e a conseqüente virtua-
lização do capital, com o surgimento das chamadas empresas transnacionais, o
capital circula de modo rápido e anônimo em questão de segundos.
É possível que um grande investidor americano, do escritório de sua residên-
cia, faça de modo instantâneo uma retirada vultuosa de capitais de uma bolsa de
valores, e imediatamente aplique este mesmo capital em outro lugar do mundo,
provocando uma queda acentuada nas ações da bolsa de valores. O mercado
virtual está desregulamentado. O Estado já não mais controla a economia. A sua
própria dívida interna é vítima e ao mesmo tempo algoz da globalização.
Mas qual o fenômeno que levou a esta desregulamentação? Segundo Kurz, o
colapso da União Soviética e a queda do Muro de Berlim fez com que o mundo
perdesse a possibilidade de ter um outro “referencial conceptual” (KURZ, 2005).
Anterior a estes fatos, embora existisse a chamada Guerra Fria, ainda tínhamos
um possível referencial, mas segundo Kurz, a falta de criatividade da esquerda,
em apresentar uma alternativa real contra o capitalismo, permitiu a queda do
socialismo real (logicamente desvirtuado daquele apresentado por Karl Marx) e
apresenta o capitalismo como vitorioso nesta luta incauta. Contudo, “o que pa-
recia ser a ‘vitória’ do capitalismo ocidental foi-se revelando, ao longo dos anos
noventa, como uma derrocada socio-econômica irreversível, desde já, de extensas
partes da periferia do mercado mundial” (KURZ, 2005).
Na visão de Kurz, a globalização cria pólos de produção de alta tecnologia e
alta produtividade, competitividade e baixa necessidade de mão de obra, e torna

263
UNIDADE 15

outras regiões meramente consumidoras e sem possibilidade de ascensão a esta


tecnologia. A virtualização do capital, juntamente com a tecnologia, produziu o
“desacoplamento dos mercados financeiros da economia real” (KURZ, 2005), pois
agora a maioria dos rendimentos das empresas transnacionais, são resultantes de
especulação financeira quase que instantânea para os diversos mercados no mun-
do, que lhes apresente condições mais favoráveis de lucro. A saída apontada por
Kurz é a mesma apresentada por Fausto, ou seja, a necessidade de regulamentação
do mercado, mas no caso do sociólogo alemão, isto só poderia ser feito mediante
uma revolução, que seria resultante da implosão do capitalismo.
Qual seria o resultado imediato da globalização? Para Fausto, “com o novo
quadro das relações sociais advindo da globalização, mostrou-se necessário unir
países, às vezes até abrindo mão de certos aspectos da soberania nacional” (FAUS-
TO), no tocante à América Latina, temos o surgimento do Mercosul e da Alca.
A globalização acentuou a necessidade do aumento da produtividade, e da
redução de custos e padronização de consumo. O que representa sociologica-
mente estes fatores? Para Mendes, citando Milton Santos, “a competitividade é
ausência de compaixão. Tem a guerra como norma, e privilegia sempre os mais
fortes em detrimento dos mais fracos. Busca fôlego na economia e despreza os
que pensam mais para além” (MENDES). É preciso produzir mais, não importa as
relações que se estabelecem com os outros e nem com a condição de exploração
irracional do espaço geográfico.
Mas não foi apenas no campo econômico que a globalização exerceu influên-
cia, no próprio campo da política, para muitos assuntos e enfrentamento de crises
e problemas, se fala, nos dias de hoje, em política global ou mundial, como por
exemplo, para enfrentar o narcotráfico, o contrabando de armas, o contrabando
de pessoas, o contrabando de tecnologia para ser utilizada de modo a produzir
armas de destruição e outros.
Não se pode negar, que medidas econômicas e políticas tomada por países
desenvolvidos, e com forte participação nos mercados de uma forma geral, não
afetem o mundo globalmente. Diariamente, o mercado está atento às ações toma-
das pelo Banco Federal Americano, ou ainda, pelo seu equivalente na China. O
pronunciamento do governo Chinês com relação à mudança no campo político
de seu país, torna-se um fato de interesse global, pois poderá afetar de forma sig-
nificativa as nações que tem laços econômicos e tecnológicos com aquele governo.
Enfim, vivemos num mundo global e as teorias e ações tomadas por grupos

264
UNICESUMAR

que podem representar interesses ao mundo, podem perfeitamente refletir numa


nova tomada de ação política, contra ou a favor de determinado país. Nota-se
nos últimos tempos, mudanças de ordem política em alguns países da América
Latina, no sentido de fazer restrições ao capital estrangeiro e portanto, transnacio-
nal nas suas economias, o que faz com, como numa ação conjunta, quase global,
países que tem capital a investir, estabeleçam de imediato, vigilância e requeiram
informações detalhadas, através de agências que contam com Cientistas Políticos
especialistas em análises políticas e também, de economistas que entendem de
política. As teorias estão postas, resta que as pessoas dotadas de capacidade crítica
e de relacionamento, as interpretem e possam fazer previsões de acordo com os
seus interesses.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, vivemos num mundo global e as teorias e ações tomadas por grupos que
podem representar interesses ao mundo, podem perfeitamente refletir numa
nova tomada de ação política, contra ou a favor de determinado país. Nota-se
nos últimos tempos, mudanças de ordem política em alguns países da América
Latina, no sentido de fazer restrições ao capital estrangeiro e portanto, transnacio-
nal nas suas economias, o que faz com, como numa ação conjunta, quase global,
países que tem capital a investir, estabeleçam de imediato, vigilância e requeiram
informações detalhadas, através de agências que contam com Cientistas Políticos
especialistas em análises políticas e também, de economistas que entendem de
política. As teorias estão postas, resta que as pessoas dotadas de capacidade crítica
e de relacionamento, as interpretem e possam fazer previsões de acordo com os
seus interesses.

265
1. Explicar se existe diferença entre o termo mundialização e globalização.

2. Explicar qual a perspectiva sobre globalização defendida pelo Professor Milton San-
tos.

3. Apresentar 3 aspectos negativos e positivos para o tema globalização.

4. Explicar como Robert Kurz trata o tema globalização.

266
16
Ciência Política e
Contemporaneidade
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender o que são grupos sociais excluídos.


• Estudar e compreender a tutela constitucional para estes grupos.
• Estudar e compreender as consequências do abandono a estes
grupos sociais.
UNIDADE 16

A Ciência Política não pode mais se limitar somente a tratar de questões


pertinentes às teorias políticas, e se desvincular das análises dos reflexos ou não,
destas mesmas na sociedade como um todo. Principalmente numa democracia,
a existência de problemas de ordem social, estão intrinsecamente associados
com a relação entre teoria e prática, em outras palavras, não é simplesmente a
existência de um documento político-jurídico, como é a constituição, quem irá
dizer se determinado país tem características meramente liberal, capitalista ou
mesmo socialista, mas sim, como estas teorias políticas são ou não aplicadas no
campo social.
Sendo assim, nos últimos anos tem se ampliado o campo de discussão da
Ciência Política, portanto, a nossa perspectiva de análise se dará dentro desta
nova linha de visada.

268
UNICESUMAR

Os grupos sociais excluídos

A Ciência Política não pode mais se limitar somente a tratar de questões


pertinentes às teorias políticas, e se desvincular das análises dos reflexos ou não,
destas mesmas na sociedade como um todo. Principalmente numa democracia,
a existência de problemas de ordem social, estão intrinsecamente associados
com a relação entre teoria e prática, em outras palavras, não é simplesmente a
existência de um documento político-jurídico, como é a constituição, quem irá
dizer se determinado país tem características meramente liberal, capitalista ou
mesmo socialista, mas sim, como estas teorias políticas são ou não aplicadas no
campo social.
Os grupos sociais bem definidos podem perfeitamente nos revelar aspectos
positivos ou negativos da política interna de um país, e também, como este faz
para enfrentar estes problemas e qual o comportamento jurídico deste país, para
tratar a possível manifestação dos interesses destes grupos, em outras palavras,
bem sabemos, que a República Islâmica do Irã não permite que grupos relaciona-
dos direta ou indiretamente pela defesa dos homossexuais, possam se manifestar
em público ou ainda, de forma reservada mas lícita, de acordo com suas leis.
Por outro lado, podemos afirmar com certeza, que a Marcha pela Defesa da
Maconha no Brasil, encontra amparo constitucional, deste que se manifesta pela
liberação e uso lícito daquela droga e não faça apologia ao uso indiscriminado e
ilícito da mesma. Comportamento semelhante encontramos nos Estados Unidos
da América e mesmo naquelas países que aderiram à Comunidade Européia.
A forma como determinado país enfrentam problemas pertinentes a estes
grupos sociais e outros, permite à Ciência Política realizar projeções e mesmo,
fornecer subsídios para o tratamento e enfrentamento destes problemas. A Ciên-
cia Política contemporânea já rompeu com a velha tradição de estudar apenas as
teorias políticas e suas relações com o Estado, da mesma forma que a geografia,
rompeu com a tradição de se preocupar apenas com questões pertinentes ao
espaço físico-geográfico e passa a analisar a geografia a partir de uma nova visão,
a geografia humana.
Sendo assim, a própria Ciência Política reconhece, e como realmente é, que
pode ser considerada como uma ciência autônoma, no sentido de definir o seu
objeto de estudo e o método, mas não pode se refutar a procurar subsídios em
outras ciências, que possuem um conhecimento mais profundo sobre determi-

269
UNIDADE 16

nados temas e assim, trazer os mesmos para o estudo no âmbito de sua ciência.
É o que será tratado a seguir.
As diferenças sociais também podem ser verificadas pelas condições de aces-
so da população, a bens e serviços que o Estado constitucionalmente deveria
garantir à população. A não existência destes, entre os quais o direito à moradia
digna, produz um fator que colabora para a exclusão social, e esta, conduz a outros
elementos que acentuam ainda mais as diferenças, tais como “a subnutrição, as
doenças, o baixo nível de escolaridade, o desemprego ou o subemprego” (Corrêa,
1994, p. 29).
Ao serem incluídos nos grupos não qualificados, e assim o sendo, poucas são
as oportunidades de emprego formal, estes terminam por se integrarem àqueles
que vivem na economia informal (Dickenson, 1983, p. 225), o que contribui por
piorar a sua situação, pois não tendo rendimentos formais, portanto, comprova-
dos, também não podem solicitar crédito para a aquisição de moradia, nos raros,
e diga-se de passagem, caros programas de financiamento governamental, ou pri-
vado, para a compra de imóveis residenciais, com financiamentos a longo prazo.
No entanto, dentro da realidade brasileira atual, podemos verificar uma mu-
dança de postura do Estado brasileiro, com a instituição de programas habita-
cionais que possibilitaram diminuir estes custos, mas que ainda não conseguem
suprir a demanda reprimida por um período muito longo de escassez deste tipo
de ação.
Não tendo meios de reagir ao sistema, os excluídos terminam por procurar
abrigos nos cortiços, favelas e mesmo como moradores de rua, vivendo ao relento,
ou ainda, utilizando de forma precária, os aparelhos públicos, tais como viadutos,
prédios públicos e privados abandonados, terrenos insalubres e impróprios para
a construção de moradias, e também, vivendo à margem de rodovias com um
tráfego de veículos elevado, estando sujeitos a toda sorte de infortúnios.
Enquanto permanecerem nesta condição, ou seja, se não fixação de um local
para moradia, e sem possibilidade de organização social para defender os seus
interesses, estes grupos não podem ser chamados de “agentes modeladores” (Cor-
rêa, 1994, p. 30), e continuam na sua posição inicial, mas ao assumirem a intenção
de construir as suas moradias, mesmo que irregulares, em locais impróprios, e
ali fixarem residência, e passam a constituir grupos sociais que reivindicam seus
direitos constitucionais, e mesmo de princípios fundamentais da dignidade da
pessoa humana, passam a criar um corpo uníssono de resistência ao sistema, e a

270
UNICESUMAR

defender o seu direito de reintegração social.


É a resistência que se associa com a necessidade de sobrevivência (Corrêa,
1994, p. 30), de uma massa de trabalhadores, em sua maioria originários de áreas
rurais, e que desejam adentrar a cidade, e ali conquistar os seus direitos de cida-
dão. É a necessidade de junção da moradia, com a proximidade do local de traba-
lho dos grandes centros urbanos, associado à baixa qualificação da mão-de-obra,
falta de oportunidade e condições de qualificação, que termina por constituir as
causas principais da formação das favelas no Brasil e outros países do “Tercei-
ro Mundo”. Neste contexto, segundo Corrêa, podemos dizer a criação da favela
possui uma lógica interna, associando trabalho-proximidade de moradia, aliado
a inexistência de possibilidades de obtenção de um local para habitação, dentro
das normas legais do Estado.
Outro aspecto a ser levado em consideração às favelas, ou outras formas de
aglomeração social, é que, como reflexo do alto custo do solo urbano, no qual in-
fluência de forma significativa, o seu uso para especulação imobiliária, as mesmas
passam a redefinir espaços físicos inimagináveis pelos urbanistas, com formas
inimagináveis pela técnica, mas que aparente, resolvem os seus problemas. Nos
referimos por exemplo, a moradias que ocupam um espaço físico de pouco mais
de 25 metros quadrados em que se constroem dois ou três pavimentos.
Qual a solução encontrada por estes excluídos sociais? Antes de responder a
esta questão, entendemos ser necessário explicar quando e onde surge o termo
“exclusão social”. Para Matias (2004, p. 179), “o termo exclusão social conceitual-
mente surgiu na Europa em 1990 com o crescimento dos sem-tetos, pobreza
humana, desemprego dos imigrantes jovens e outras minorias”, mas efetivamente,
este termo existe na história do Brasil, desde o seu descobrimento, quando o co-
lonizador português trouxe para o nosso país, os apenados em Portugal, portan-
to, excluídos daquela sociedade, e também, excluiu o índio da participação das
ações de colonização, tomando-o apenas como escravo da colonização, depois
como inimigo a ser enfrentado, pois resistia ao seu domínio, e finalmente, com
os jesuítas, um elemento humano, cuja conversão ao catolicismo interessava à
Igreja Católica.
Retomando à nossa questão inicial, segundo Dickenson (1983, p. 225) a forma
encontrada é o estabelecimento dos chamados assentamentos urbanos ilegais,
que já existiam antes da segunda guerra mundial em 1945, mas somente depois
desta data, estes passam a ser um aspecto significativo da urbanização. Este tipo

271
UNIDADE 16

de ação dos excluídos é repudiada pelo Estado e pela sociedade num primeiro
momento, mas terminam por ser tolerados, em função da própria ineficiência do
Estado para encontrar meios de resolver na sua origem o problema.
Se num primeiro momento o Estado e a própria sociedade repudia a existên-
cia destas favelas, a sua persistência, juntamente com soma do esforço de manter
a moradia, passada de pai para filho, e os efetivos progressos obtidos na melho-
ria das mesmas, termina num futuro próximo, por obrigar o Estado a reconhe-
cer a legalidade destes espaços urbanos, e mesmo que precariamente, fornecer
a estes, os aparelhos estatais necessários à existência da cidadania, e diga-se de
passagem, garantidos pela Constituição Federal, artigo 6º, quando diz que “são
direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e a a infância, a assistência aos
desamparados [...]”, todos eles relacionados diretamente à existência de um local
digno de moradia.
Quando da ocorrência destes reconhecimentos, mesmo que precários e res-
tritos, estes espaços urbanos passam a ser valorizados, e se integram aos espaços
urbanos da classe média, ou mesmo classe média alta, que se situam, normalmen-
te, entre estas regiões e o núcleo da cidade.
Mas e o governo e a classe média, num primeiro momento refutam este tipo
de ação, porque o aceitam num outro momento? O governo, pressionado e apoia-
do pela classe média alta, entende que este tipo de financiamento é oneroso aos
cofres públicos, que a receita do Estado é insuficiente para fazê-lo, e a classe do-
minante também não aceita a hipótese de reduzir os seus lucros, e sendo assim,
o próprio Estado apresenta uma solução, é o incentivo a autoconstrução ilegal
(Dickenson, 1983, p. 227). É o poder estatal reconhecendo a sua ineficiência, e
também aceitando a ingerência liberal nas suas relações para com os cidadãos
mais fracos na relação, e que permite a continuidade desta ilegalidade, para que
estes não apontem de forma veemente, esta sua incapacidade. No entendimento
dos liberais contemporâneos, este tipo de comportamento por parte do Estado,
permite que o cidadão desenvolva o seu potencial de “empreendedorismo”, quan-
do na realidade, o que temos, é a tentativa de sobrevivência abaixo do mínimo
necessário.
Se num primeiro momento, este reconhecimento é justo e benéfico, ele tam-
bém produz uma outra exclusão, ou melhor dizendo, continua a produzir a ex-
clusão social, pois aqueles moradores, que por motivos diversos, não tiveram

272
UNICESUMAR

condições de realizar melhorias nas suas moradias, e mesmo aumentar o seu


poder aquisitivo, não poderão arcar com os custos necessários desta nova fase,
tais como IPTU, água, luz elétrica pública, e outras formas de impostos e taxas, que
passam a ser legalmente justificadas, no momento em que o Estado os reconhece
e passa a prestar os chamados serviços públicos e o resultado desta valorização,
é que ela irá gerar a exclusão deste grupo social, e o seu deslocamento para uma
outra região periférica da cidade (Dickenson, 1983, p. 231).
Esta exclusão dará início a um novo processo, pois o capitalismo vive e so-
brevive de suas próprias crises. Estas zonas residenciais, ou melhor dizendo, ini-
cialmente de moradias provisionais, e sem a mínima condição de saúde e higie-
ne, em outras épocas eram chamadas de “câncer urbano”, mas nos dias de hoje,
assumem a função de “zonas residenciais de imigrantes, que se adaptam a vida
urbana” (Dickenson, 1983, p. 228), e mesmo à cultura, e modus vi-vendi daquela
cidade, e se convertem assim, em zonas de recepção deste cidadão que adentra á
cidade desconhecida, na esperança de encontrar condições melhores de salário,
e mesmo de qualidade de vida.
Mas como será a composição social destes excluídos? Segundo Dickenson
(1983), ao contrário do que poderíamos pensar, este grupo social é composto de
várias classes sociais, religiosas, e com o fenômeno da globalização, associado
com a facilidade de transporte e comunicação, temos até a existência de diver-
sos povos, situados no mesmo espaço social de exclusão, fenômeno este, muito
comum nos Estado Unidos da América, onde temos as comunidades hispânicas,
sul-americanas, africanas, asiáticas e outras, tentando sobreviver na ilegalidade,
mas de pleno direito na sua condição de ser humano.
Um fato social importante, segundo Dickenson (1983) surge nos países da
América Latina, mais precisamente nas favelas do Rio de Janeiro e São Paulo,
quando surge nestes aglomeramentos humanos, organizações, associações, que
irão defender os interesses desta classe de excluídos, assumindo voz ativa, e em
alguns casos, até determinante, nas decisões políticas, com ações cuja finalidade
é produzir uma amenização do problema social, que é resultante, no caso desta
região, do enorme abismo social entre a classe baixa e a média alta. Para Matias
(2004, p. 183), analisando o caso brasileiro, “a partir de 1978 se expande à emer-
gência de movimentos populares urbanos que apresentam, como eixo determi-
nante de suas reivindicações, o processo crescente de exclusão dos benefícios da
urbanização”.

273
UNIDADE 16

Estas organizações sociais transformam-se também em organizações de rei-


vindicações de ordem política e econômica, constituindo-se num importante
colégio eleitoral, capaz de eleger representantes na classe política, nicho este, já
detectado pelo narcotráfico, que tem nas últimas eleições, possivelmente patro-
cinado a eleição destes representantes. É inegável a preocupação do Estado com
o aumento da influência e participação destas pessoas.
Especificamente no caso da América Latina, a maioria da população tem
baixo salário, condições precárias de trabalho, pouca perspectiva de ascensão
no trabalho, ineficiência da ação do Estado, e mais recentemente, o domínio do
narcotráfico que assumiu o vazio deixado por aquele que, constitucionalmente,
deveria dar aos cidadãos o mínimo de dignidade. Diante de tal força social, e
mesmo da violência, o governo não consegue conter os assentamentos ilegais,
e também não cria condições financeiras para resolver estes problemas. Estes
assentamentos produzem o aumento expressivo da densidade populacional da
cidade, e traz consigo, o crescimento da informalidade.
Para Dickenson (1983) todos estes fatores terminam por produzir uma mar-
ginalidade, que é o distintivo da urbanização dos países do chamado “Terceiro
Mundo”, e que traz consigo, o emprego informal, a existência de moradias precá-
rias e também, mais recentemente, de moradores ilegais, ou seja, de imigrantes
originários de países mais pobres para regiões de alta concentração de necessi-
dade de mão-de-obra não qualificada.
Segundo Matias (2004, p. 179), “o que parece é que sempre continuará exis-
tindo segregação sócio-espacial, apropriação irregular do território, ampliação
da periferia urbana, ruptura da solidariedade, dialética entre integrados e os ex-
cluídos e daqueles excluídos dentro dos países integrados”, num cenário realista,
mas um tanto catastrófico, inserido dentro da própria crise do capitalismo, com
reflexos diretos na ocupação do espaço geográfico, e na restrita possibilidade de
aquisição deste, ou seja, com a crescente valorização imobiliária de áreas com
condições de habitação, e a restrição de consumo imposta a classe baixa, devido
aos salários defasados, e a falta administrativa dos problemas sociais pelo Estado,
caminhamos para um conflito caótico, entre o direito à propriedade, defendido
com todo o vigor pelas normas jurídicas, e o direito à dignidade humana, exposto
apenas como uma forma política de esperança àqueles que perderam todos os
seus direitos, inclusive um dos mais elementares, o de ter direito a uma moradia
digna.

274
UNICESUMAR

Finalizando, todo problema de ordem social é antes de tudo um problema de


ordem política, se é de ordem política é preciso analisar; primeiro, se as teorias
políticas não contemplaram a análise destes problemas; segundo, se contem-
plaram e não se aprofundaram nestes problemas; terceiro, se contemplaram, se
aprofundaram no enfrentamento deste problema, aonde ocorreram os desvios,
que não permitiram apresentar soluções, ainda que transitórias, para os mesmos.
Nos dias atuais, entre estes grupos excluídos e que tiveram uma forte ascensão
de ordem social e mesmo política, podemos citar o MST (Movimento dos Tra-
balhadores Sem Terra), o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), os
Movimentos Sindicais, entre os quais, se destaca mais recentemente, a conquista
dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas, que estavam e em parte
continuam inseridas dentro dos chamados grupos sociais excluídos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos dias atuais, entre estes grupos excluídos e que tiveram uma forte ascensão
de ordem social e mesmo política, podemos citar o MST (Movimento dos Tra-
balhadores Sem Terra), o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), os
Movimentos Sindicais, entre os quais, se destaca mais recentemente, a conquista
dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas, que estavam e em parte
continuam inseridas dentro dos chamados grupos sociais excluídos.
Não é possível avançar com a democracia sem antes enfrentar e encaminhar
os problemas advindos destes grupos sociais, que não mais podem ficar à margem
da sociedade.

275
1. Explicar o que pode nos revelar os grupos sociais bem definidos.

2. Explicar com relação ao sem tetos, como representação deste grupo social pode
espelhar a realidade de nossas cidades.

3. Explicar porque, no caso da América Latina, os grupos socialmente excluídos aderi-


ram às ideologias de esquerda.

4. Identificar e dissertar sobre a existência de amparo constitucional aos grupos dos


socialmente excluídos.

276
17
A constituição do
estado moderno
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender a constituição do Estado Moderno.


• Estudar e compreender a questão da liberdade no mundo antigo.
• Estudar e compreender a questão da liberdade no mundo mo-
derno.
UNIDADE 17

É inegável que a relação entre a Ciência Política e o Direito Constitucional é


intrínseca, sendo assim, vários de seus temas são comuns e precisam ser tratados
sob a perspectiva das teorias políticas e aquelas plasmada na Constituição. Não
se pode mais separar Estado, cidadão, dignidade humana, liberdade, como temas
isolados e que requerem soluções particulares, sendo assim, o tema proposta é
procurar justificar o porquê desta aproximação e seu reflexo numa construção
crítica acerca destas relações.
Sendo assim, a teoria constitucional passa também a ser um campo de análise
da Ciência Política e é nesta perspectiva que daremos início a está análise.

278
UNICESUMAR

Do Ideal De Liberdade Para O Princípio Da Digni-


dade Da Pessoa Humana - I

É inegável que a relação entre a Ciência Política e o Direito Constitucional é


intrínseca, sendo assim, vários de seus temas são comuns e precisam ser tratados
sob a perspectiva das teorias políticas e aquelas plasmada na Constituição. Não
se pode mais separar Estado, cidadão, dignidade humana, liberdade, como temas
isolados e que requerem soluções particulares, sendo assim, o tema proposta é
procurar justificar o porquê desta aproximação e seu reflexo numa construção
crítica acerca destas relações.
Diferente de outros momentos em nosso Curso, aqui dividimos o tratamento
dos temas, de modo a dar uma definição clara de que o mesmo se propõe a anali-
sar o tema e propor uma forma de enfrentamento do mesmo e não, como o fora
em outros momentos, o tratamento de teorias específicas que representavam o
pensamento de autores consagrados, sendo assim, é sob esta perspectiva que se
deve ler o presente capítulo. Pode-se se dizer, que é uma síntese crítica de tudo
que estudamos até o presente momento.
O Estado Moderno ao mesmo tempo em que possibilitou avanços no mundo
da ciência, e das relações entre os Estados, trouxe consigo uma série de problemas
sociais resultantes da sua estrutura interna, que nos dias de hoje, se manifestam
eminentemente capitalista, pois a queda do Muro de Berlim, se não extinguiu
totalmente a possibilidade da existência de um socialismo real, aumentou de
forma abissal a sua execução nos momentos atuais, mas também tornou ainda
mais evidente o não cumprimento das promessas do capitalismo, e o aumento
da desigualdade de condições e perspectivas da construção de um Estado ideal.
Na formação do Estado Moderno, na acepção da palavra Estado tal qual
entendemos nos dias atuais, que segundo Skinner (1996, p. 10), tem a sua origem
no século XVI, ao menos na França e na Inglaterra, temos a Constituição, ou
Carta Magna, como um dos elementos jurídicos que irão definir a estrutura do
Estado como um todo, e apresentar os fundamentos de sua legitimidade. Para
Canotilho (2003, p. 52) a Constituição Moderna é um “documento escrito no qual
se declaram às liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político”.
A tríade liberdade-direito-poder, parece-nos ser comum a maioria das defi-
nições do que vem a ser uma Constituição no Estado Moderno. Será necessário
buscar uma compreensão de qual liberdade o mundo moderno estabelece como

279
UNIDADE 17

referencial, e qual a sua real dimensão dentro das constituições, e se estas ampliam
ou reduzem este conceito, para se adequarem às exigências do liberalismo que
originou o mundo moderno, e buscou garantias jurídicas para a sua permanência,
estabelecendo a propriedade como elemento central para a sua fundamentação.
Para compreendermos a formação do Estado Moderno, será preciso analisar,
mesmo que de modo sintético, a passagem da medievalidade para a modernida-
de, tendo o Renascimento Italiano, como um período de transição e que muito
contribui para o estabelecimento do mundo jurídico, tal qual temos nos dias
atuais. Segundo Skinner, foi a necessidade da liberdade de se auto-governar que
impeliu as cidades no norte da Itália, já no século XII a buscar uma forma de
“repúblicas independentes; cada uma delas era governada ‘pela vontade de côn-
sules mais que de príncipes’” (1996, p. 25). Cada cidade possuía uma estrutura
própria para a administração de seus interesses, e mesmo que de forma limitada,
constituía o seu próprio corpo de leis, estabelecendo as condições mínimas, mas
suficientes, para garantir a coesão social e jurídica dos seus cidadãos.
No entanto, ao analisarmos a história da liberdade, quase que de forma inevi-
tável associamo-la com as condições de produção e consumo, ou seja, o homem
é livre enquanto tem possibilidades de se tornar um agente de consumo, mas
quanto à produção, pode ter um alto grau de liberdade quando se encontra no
ápice da hierarquia produtiva, em outras palavras, quando possuía a posse da
propriedade que são os meios materiais necessários à produção. Mas também
pode situar-se internamente nesta cadeia de produção, como aquele que vende, de
forma miserável, ou próximo desta, a sua força de produção, no entanto, quando
os fatores levam a uma eminência de discórdia e rompimento destas relações, o
mundo do direito nos apresenta a norma jurídica como forma de contenção e
legalidade da existência do desequilíbrio social. A liberdade se reduz a perspec-
tivas formais e de interpretações vagas e contingenciais, inclusive de ordem orça-
mentária e ideológicas, o homem se desconecta de sua ontologia, o capitalismos
nos reduz a números, o “outro” será visto apenas como aquele que tem potencial
de consumo, ou que se apresenta como um concorrente para a tomada de uma
vaga de trabalho, ou ainda, como um marginal da mais alta periculosidade, e o
homem passa a ser então, um ser que produz com um custo irrisório e consome
de forma insana.

280
UNICESUMAR

A Relação Entre Produção E Liberdade Na Civiliza-


ção Clássica

O mundo clássico grego aparentemente não desenvolveu uma teoria especí-


fica sobre o conceito de liberdade, pois entendia que esta faz parte das categorias
essenciais que constituem o homem, sendo que este é um animal político cujo
telos se realiza na vida em sociedade, portanto, o movimento não se dá pela
discussão da liberdade, mas quais as fundamentações que o logos nos apresenta,
capaz de definir a vida em coletividade como um dos maiores bens que o homem
pode ter, tal qual nos expõe Aristóteles na Política. A liberdade no mundo grego
não estava no campo do individual, mas inserido no campo da política, com toda
a ação característica desta atividade humana, se não inventada pelos gregos, com
certeza é nesta civilização que encontramos os fundamentos que ainda regem o
mundo ocidental, de forma mais específica nos países que vivem num Estado
Democrático de Direito.
Nas duas obras referenciais para a compreensão da articulação do pensamen-
to grego, a República de Platão (1999) e Política de Aristóteles (1998), a liberdade
não é a categoria a ser explorada e muito menos tangenciada, pois na primeira
obra a busca é pela construção de uma pólis bela, onde a coesão social será ga-
rantida por uma epistemologia da justiça e o Rei-Filósofo será aquele que de
posse de um conhecimento ontológico, juntamente com um homem instruído
pela paidéia, conduzirá a pólis para que saia da caverna e caminhe em direção
ao sol. Os conceitos a serem buscados, tanto de justiça, quanto do que vem a ser
o conhecimento, encontram-se no mundo das idéias, mas ambos só podem ser
realizados, concretizados dentro das contingências do homem, se cada um destes
homens realizarem as tarefas que lhes competem e para a qual foram preparados,
ou seja, produzirem o que for necessário para a construção da pólis. O artesão
deverá produzir o melhor dos artesanatos, o guerreiro deverá dedicar toda sua
força e honra para produzir e garantir segurança, o juiz deverá buscar todos os
meios necessários para buscar a realização da justiça. Aparentemente as funções
de produção parecem-nos separadas, isoladas, como se fosse suficiente que cada
um simplesmente fizesse tão e somente, o determinado pela sua função, no en-
tanto, todas as funções idealizadas só encontram o seu telos quando realizadas
em função da unidade da pólis. O importante é garantir o resultado da unidade
que nada mais é do que a busca da coletividade como o bem supremo.

281
UNIDADE 17

Na sua busca pela cidade ideal, Platão quando da obra A República, seguindo
as características próprias de sua dialética (ou resultantes da influência socrática),
inicia a sua ascese começando pela definição conceitual do que vem a ser a justiça,
passando pela necessidade da paidéia, até culminar com a polis, mas Aristóteles
terá uma posição diferente quando da obra Política inicia a construção de suas
idéias procurando definir o que vem a ser a pólis, conceituando-a, inicialmente,
como o conjunto de uma “comunidade de cidadãos” (Aristóteles, 1998, p. 49),
sendo a mesma o resultado das relações entre o casal, depois a família, a aldeia e
depois a pólis propriamente dita. A pólis realiza a sua essência quando adquire
a autarkheia, em outras palavras, quando passa a ser auto-suficiente no campo
político, nas suas relações de poderes, quanto no campo econômico por produzir
de forma direta ou indireta, os meios necessários para a sua sobrevivência. Para
Aristóteles a pólis existe para proporcionar ao homem uma vida boa, uma vida
feliz, e que serão resultados de uma ação coletiva, pois se a felicidade é um ideal
individual a mesma se realiza tão e somente quando a autarkheia, que é resulta-
do do coletivo, for alcançada. A pólis é formada pelo conjunto de famílias, e as
mesmas existem em função de uma relação de propriedade, de uma necessidade
de produção e administração dos resultados da transformação do trabalho. Sem
a propriedade, inclusive a dos escravos, “só não pode se viver como não se pode
viver bem” (Aristóteles, 1998, p. 59), o que estabelece um vínculo forte entre a
necessidade de produção e a realização da felicidade contingente e da autarkheia
da pólis.
Tanto Platão quanto Aristóteles não tratam a liberdade como um elemento
isolado, e nem como um constitutivo imperioso a ser conquistado antes dos
demais. Para Platão, primeiro precisamos conceituar o que vem a ser a justiça e
depois os demais componentes da pólis. Para Aristóteles é primordial definir a
pólis partindo de sua estrutura mais elementar que é o casal, a relação natural
entre macho e fêmea, numa nítida relação de produção, e mesmo entre escravos
e homens livres. Para ambos a liberdade não é resultado de uma conquista in-
dividual, mas parece estar implícita e ser um resultado natural, quando a pólis
ideal for conquistada. Ela é resultado do coletivo, não limitada por uma definição
conceitual acabada, estanque, com limites para os dois extremos, mas é produto
de um movimento constante da própria ação humana e condicionada pela pro-
dução material necessária para que o homem possa ser feliz. A liberdade advém
com um conjunto de categorias resultantes da autarkheia da pólis, como por

282
UNICESUMAR

exemplo, a felicidade, a virtude a capacidade do homem em se transformar pelo


conjunto de ações da paidéia.
Estas relações entre a necessidade de produção e o homem não são prima-
zias nem de Platão e tão pouco de Aristóteles, mas já é construído pela cultura
grega, principalmente por Sófocles quando na obra Os Trabalhos e os Dias nos
apresenta o trabalho, como resultado de uma ação humana nobre e um esforço
benéfico digno, capaz de garantir ao homem prudente sustento nos momentos
de dificuldade, além de que, aquele que empreende o seu esforço para produzir,
e com isso adquire riqueza é um homem justo. O homem ocioso passa fome, e a
ociosidade desperta ira nos deuses e nos demais homens (Hesíodo, 1996, v. 300),
no entanto, os excessos devem sempre serem evitados, pois a vida do homem
é o trabalho e junto deste, traz ele a possibilidade do acúmulo. O melhor é que
o homem possa consumir o resultado do seu esforço, pois se em momentos de
dificuldade toma do outro, deve devolver o mais urgente possível e na medida
igual ou superior a tomada, procedendo assim, este homem que produz é justo e
honrado. Os excessos serão sempre punidos pela justiça e o equilíbrio será resta-
belecido. O homem idealizado por Hesíodo nesta obra conquista a sua liberdade,
felicidade e honra, quando o resultado de seu trabalho lhe produz o sustento
capaz de primeiro saciar a sua fome, e num momento posterior possibilitar o acú-
mulo necessário aos momentos de dificuldade e se com isso ele adquirir riqueza,
e se esta em algum momento perturbar a sua conduta, e com isso lhe conduzir
ao ócio, Hesíodo o alerta: “se nas entranhas riqueza desejar teu ânimo, assim faze:
trabalho sobre trabalho trabalha” (1996, v.380). É o trabalho que realiza a sua
essência garantindo ao homem a sua vida, mas ao mesmo tempo insere-se como
elemento social e necessário à construção e continuidade da vida harmoniosa da
pólis e da coletividade.
A liberdade no mundo grego não pertencia ao indivíduo, e era expressa so-
mente como resultado das contingências da pólis, pois a esta o homem devia a
realização de sua própria essência. O mundo romano irá restringir ainda mais
essa liberdade, quando em relação a civilização grega, incentiva o acentuamento
do direito positivo, limitando ainda mais as ações do homem, com a promessa de
retirar a possibilidade de desvios de conduta, uma vez que o Império, e somente
ele, pode garantir a vida em sociedade.
Uma das preocupações iniciais e centrais deste direito positivo é o da defesa
da propriedade, independente da forma obtida, conforme nos diz Cícero (1999,

283
UNIDADE 17

I, 21) ao defender a legalidade da posse da terra, mesmo quando está fora toma-
da em tempos antigos pela força das armas, pois este proprietário lançou mão
do que lhe coube em determinado tempo. Procede desta forma para justificar
a existência da chamada propriedade privada e propriedade pública, onde na
primeira, o resultado de sua produção é de direito exclusivo de quem detém a
posse da mesma, e no segundo tipo de propriedade, a produção ou qualquer be-
nefício que dela resultar será destinado não ao povo diretamente, mas somente
ao cidadão romano.
Quando no mundo grego existia a predominância do pensamento mítico, o
homem ainda tinha esperanças de que o ideal de liberdade fosse obtido junto
aos Deuses, pois não havia intermediários nas suas relações. Com a passagem do
pensamento mítico, para aquele fundamentado no logos o homem grego sente a
necessidade de delegar a um ou vários homens, a tarefa de conduzir e gerenciar
as relações entre as diversas fontes de discórdias, próprias da vida em sociedade, é
quando começa a esboçar a idéia de Estado, ainda que limitado às contingências
da época. Doravante os homens não terão mais as suas liberdades submetidas às
vontades e desejos dos Deuses, mas entregaram, de forma paulatina, nas mãos
daquele que deveria representar de forma coletiva os seus anseios.
No mundo clássico não havia liberdade individual, inclusive a valentia era
um determinante da lei, pois “a valentia perante o inimigo até o ponto de dar a
vida pela pátria é uma exigência imposta aos cidadãos pela lei, e a sua violação
acarreta penas graves” (Jaeger, 2001, p. 138), portanto não havia liberdade entre ser
ou não ser um herói, pois a sua não escolha implicaria numa sanção que muitas
vezes extrapolava os riscos das batalhas. Se Hesíodo apenas relata as dificuldades
pela qual passa o homem inútil, tendo como resultado a fome, o que é desonroso,
mais enfático e dogmático é Cícero (1999, III, 30) quando defende que se um
homem que é útil à sociedade tomar algo que pertence a um homem inútil, não
merece censura da sociedade, reduzindo ainda mais a liberdade e criando um
subjetivismo na sua interpretação, em nome da manutenção de uma coletivida-
de. O homem que não produz não é útil à sociedade, não importando as causas,
deslocando assim a importância do homem enquanto objeto da construção da
humanidade, para a produção como sendo o ponto focal para compreender a
passagem do sujeito coadjuvante da mesma, que é o homem.
Com o fim do Império Romano e o início da Idade Média, período que irá
se estender até por volta de 1400 d.C., época das chamadas grandes navegações,

284
UNICESUMAR

temos mudanças significativas em praticamente todas as relações sociais e produ-


tivas que compõe a história, principalmente pela predominância do cristianismo,
fundamentado num dogmatismo que mostrar-se-á implacável diante dos seus
opositores. Será um período marcado por uma cumplicidade suspeita entre a
classe dominante e a elite religiosa cristã, cuja arma de controle será o pecado e
o terror a forma de contenção dos supostos excessos. O homem comum, media-
no, será relegado ao papel de um pecador inveterado e irrecuperável, pois a sua
pobreza é resultado de um pecado, e a forma de expiação será o sofrimento e a
submissão aos governantes, que procuram buscar a legitimidade de seu poder,
em supostas heranças divinas com algumas tramas bem engendradas, mas muito
distantes da sutileza e da beleza das grandes obras míticas gregas.
Não existe mais uma civilização unida pela cultura, pela língua e pela origem
mítica, como foi o caso do mundo grego, e nem um império unido pela organiza-
ção política e militar, como fora o Império Romano. A Europa está fragmentada
em pequenas extensões de terra, formando os feudos e que por sua vez estavam
unidos a um monarca, cujo senhores feudais deviam parte de sua obediência, e de
uma forma ou de outra, tanto os primeiros, quanto os segundos, tinham diante de
sua autoridade o poder papal que não tinha um exército significativo, mas trazia
consigo um poder maior e que assombrava a imaginação do homem desta época:
as fogueiras do inferno e as conseqüências pela afronta de um representante de
Deus na terra. A obra O Nome da Rosa de autoria de Umberto Eco consegue
expressar ao leitor, uma parte desta relação entre terror, temor, liberdade (se é
que existia) e o dogmatismo.
A liberdade no mundo terreno será substituída totalmente pela perspectiva de
uma vida na eterna Cidade Eterna de Jerusalém, tal qual nos relata Santo Agos-
tinho na obra A Cidade de Deus. Este será o mundo do sofrimento, da expiação,
do trabalho que garante a permanência da miserabilidade humana, que reinará
doravante na sociedade ocidental. O acúmulo como resultado do trabalho será
um ideal a ser buscado e alcançado somente pela classe do clero e da nobreza, e
estes dividirão os impostos e outras taxas arrecadadas do povo. Pouco ou quase
nenhum interesse existe para que o homem alcance uma condição melhor, o tra-
balho é uma forma de redenção e a miséria um castigo advindo da sua condição
de pecador por essência, ainda num referencial originário do mito adâmico, onde
Adão e Eva terminam por realizar a escolha errada e a partir deste momento, os
homens pagam o ônus desta escolha indevida. Se Platão no Timeu afirmava ser

285
UNIDADE 17

o corpo a prisão da alma, o mundo cristão dirá que “o corpo não é a prisão da
alma, mas tornou-se tal por efeito do pecado original, e o primeiro objeto da vida
moral é o de nos libertar dele” (Gilson, 2001, p. 153). Liberto do corpo a alma
pode buscar na Cidade Eterna de Jerusalém, o seu lugar de aconchego junto ao
Pai Celestial, numa contradição da sua própria essência, mas característica das
religiões, o cristianismo medieval exclui a possibilidade do outro, pois a salvação
chegará somente àqueles que se converterem de forma irrestrita aos dogmas da
Igreja Católica, o “outro” não é mais universal mas somente o “outro” que aceita
a imposição do dogma.
O “outro” estabelece-se como oposição, como o lado mal do homem, a sua
existência manifesta-se apenas pela sua produção, desde que esta seja útil para
manutenção de um estado precário, ainda em formação, mas que já esboça a
possibilidade de uma positivação das leis, que irá reduzir ainda mais a perspectiva
da construção de um mundo ideal, substituindo-o por um mundo ideológico,
segundo as perspectivas liberais de Locke, Adam Smith e outros.

Os Primórdios Do Estado Moderno: A Relação En-


tre Os Seus Objetivos e a Base De Produção De
Bens

Com o fim da Idade Média, marcada segundo historiadores com o início das
grandes navegações em 1400 d.C., e a contribuição das ciências, principalmente
com a teoria de Copérnico (1473-1543) segundo a qual a “terra tem um movi-
mento diário em torno de seu próprio eixo e um movimento anual em torno do
sol estacionário” (Magee, 1999, p. 64), deslocando a terra como o centro do uni-
verso e colocando em choque as teorias de Ptolomeu, e a cosmologia aristotélica
explorada principalmente por Tomas de Aquino. A autoridade dogmática da
Bíblia e da Igreja Católica é colocada em risco e a dúvida começa a pairar, sobre
um conhecimento que se julgava verdadeiro e acabado. É um conflito entre o
antigo e novo que se começa a formar, entre a tradição e a ciência que agora busca
a sua autonomia e inicia o processo de relativização do conhecimento.
Com o início da modernidade temos o caminhar final do feudalismo, onde
o sistema de produção estava centrado no trabalho braçal, e na sobrevivência
precária do vassalo. Ao senhor feudal pertencia o resultado do trabalho do ho-

286
UNICESUMAR

mem, e acima daqueles, tínhamos os reis e soberanos que governavam extensões


maiores de terras, e no ápice deste sistema estamental temos o clero. Não havia
possibilidade de ascensão entre vassalo e senhor feudal, ou para as duas outras
classes, mas a nobreza era a que fornecia o elemento humano necessário à classe
sacerdotal, onde a principal exigência situava-se na posse de extensas proprie-
dades e influência de poder. Embora a relação entre senhor feudal e vassalo não
fosse de uma escravidão oficializada, pois o primeiro era supostamente livre para
deixar o feudo e ir viver em outro local, como podemos dizer que é livre o ho-
mem que tem diante de si apenas duas escolhas: viver sob a forma de servidão e
morrer trabalhando para um senhor que nem ao menos lhe reconhecia o míni-
mo da condição humana, ou sair e morrer de fome pois este não possuía outra
possibilidade de trabalho, a não ser aquelas práticas resultantes da agricultura?
Sem propriedade não é possível produzir e portanto, viver com o fruto do seu
trabalho, e a Europa do final do século XV já está praticamente toda dividida
entre o clero e a classe nobre e muito pouco restou para uma legião de homens,
que não tiveram a possibilidade de obtenção de terras e propriedades.
Se no período em que prevaleceu o pensamento mitológico, o homem ainda
imaginava que a intervenção dos Deuses no mundo terreno poderia alterar a
sua situação, seja ela moral, material e espiritual, a medievalidade rotulou este
homem como pecador inveterado, lançou a possibilidade da realização das suas
aspirações para a outra vida, o surgimento do Estado Moderno limitou ainda
mais as suas possibilidades, pois positivou as leis não para garantir o direito de
todos, mas sim o da burguesia ascendente e da nobreza, garantindo primeiro o
direito à propriedade e depois o direito de quem possui a propriedade fazer o
que for necessário para a sua manutenção e expansão. Este direito não foi aquele
escolhido pelo homem mediano, como resultado de uma reflexão e vontade da
coletividade, mas sim aquele que garantiu as conquistas da classe dominante, e
apenas sentiu a necessidade de formalizar alguns direitos, com o intuito de cobrar
de forma efetiva os deveres da maioria do povo.
O mundo grego criou a política como a forma de resolver os conflitos causa-
dos pelos particulares, mas que afetam a harmonia da pólis, e “se a atividade polí-
tica é nobre por excelência, a razão está no fato de que nenhum cidadão poderia
romper seu compromisso com a continuidade da Cidade à qual é destinado, da
qual recebe sua educação” (Ruby, 1998, p. 13), sendo o poder político derivativo
da responsabilidade de dirigir a pólis à sua autarkheia. Para Locke (2001, II, 3),

287
UNIDADE 17

considerado por Magee (1999) “o Supremo Liberal”, e um dos filósofos a defen-


der o Estado Moderno, o poder político tem por finalidade editar as leis para
garantir o direito à propriedade, utilizando para isso, toda a força necessária. É
uma visão que expressa muito bem o seu caráter liberal, assim como uma defesa
incontingente do direito de propriedade, atendo-se muito mais a questão da le-
galidade da possa da terra, do que da legitimidade da mesma. Um outro aspecto
a ser considerado é que a garantia da posse, externa na sua posição antagônica a
restrição da liberdade de outrem, uma vez que a política, outrora representante
dos direitos coletivos, neste momento passa a assumir a posição de defensora
quase que exclusiva, daqueles que possuem a propriedade. É a admissão de que
a desigualdade gerada pela posse é muito mais um problema de ordem natural,
do que resultante do desequilíbrio entre as relações de produção, e neste caso,
o poder político não só reconhece este fato, como garante a sua continuidade,
acentuando as diferenças e não interferindo na estrutura que o constitui.
A liberdade não é mais um ideal a ser buscado, conquistado, mas sim um dos
elementos que só pode ser alçado através da lei, pois “onde não lei, não há liber-
dade. A liberdade consiste em estar livre de restrições e de violência por parte de
outros” (Locke, II, 57), o direito positivo é que irá determinar o grau de liberdade
e não mais o ethos, o movimento interior capaz de transformar o homem num
ser que educa e é educado pelos bons hábitos, pois somente a vida harmoniosa
com o todo pode garantir a perspectiva de uma liberdade libertadora, e não de
uma liberdade supostamente garantida e restringida pela lei, onde o princípio
é a defesa da propriedade e não as causas que impõe ao homem a condição de
um vassalo.
Da necessidade da criação de um poder político como forma de garantir o
direito a propriedade, podemos inferir que a preocupação principal do Estado
Moderno encontra-se na base de produção e que os homens são apenas o meio
para obtenção do acúmulo de riquezas. O Estado não surge com o objetivo de
fazer uma reflexão sobre uma história onde o homem é o seu ponto central, o seu
grande foco, e a origem de sua criação, mas principalmente com a intenção de
agir como elemento material, que se expressa através do princípio de coercitivi-
dade, que é uma das características da lei, e se manifesta com uma legitimidade
questionável, com a utilização da força bruta, não como restaurador de um pos-
sível direito que garanta ao homem uma vida feliz e que possa viver bem, com
o resultado de seu próprio trabalho, mas antes, como um instrumento da classe

288
UNICESUMAR

dominante para dar continuidade a uma história que parece se manifestar de


forma determinística: manda quem pode, obedece quem não tem forças para
reagir e quem pode, já conseguiu a sua condição em tempos históricos remotos,
aos demais destina-se apenas o cumprimento da lei. Neste sentido temos uma
função reducionista do Estado e muito próxima da teoria kelsiana, onde o “Estado
é uma organização política por ser uma ordem que regula o uso da força, porque
ela monopoliza o uso da força” (Kelsen, 2005, p. 273), sendo assim o Estado nada
mais é do que um promotor do uso da força e um órgão ao qual o cidadão deve
antes temer, do que depositar nele a possibilidade de resolver os conflitos causa-
dores das diferenças de condições materiais e morais, com a finalidade de formar
um cidadão capaz de ser e agir politicamente. O Estado protege a propriedade
pelo uso da força, garante as condições de produção e aos demais resta apenas à
função de consumir, pois produção-consumo será o ponto de equilíbrio que irá
garantir a continuidade da classe dominante.
O Estado Moderno abandona a perspectiva de agir como formador do ci-
dadão, tal qual nos reporta Platão na obra A República, ou ainda Aristóteles na
Política, para assumir um papel predominantemente de agente repressor, princi-
palmente contra aqueles que não concordam com as suas leis e encontram bar-
reiras praticamente intransponíveis na estrutura interna do Estado, para mudar
as leis, e estas passarem assim, a representar o interesse do homem mediano, e
não somente de uma classe minoritária, mas influente e determinante nas de-
cisões do Estado. Posição semelhante tem aquela defendida por Hobbes (1979)
onde uma vez eleito o soberano, ao povo cabe apenas obedecer as suas leis, pois
este é o melhor de todos os homens, o mais puro em suas intenções e livre de
qualquer influência que caminhe contra os interesses daqueles que o elegeram. É
uma liberdade cuja prática se restringe a uma única vez: quando o cidadão elege
o seu soberano e a partir deste momento resta-lhe apenas obedecer a lei, “pois é
evidente que a lei, em geral, não é um conselho, mas uma ordem” (Hobbes, 1979,
p. 161). O Estado hobbesiano tem na sua origem a segurança dos bens mate-
riais, além de constituir-se de um elemento quantitativo, em outras palavras, no
estado de natureza uma família, ou uma pequena aldeia não teria condições de
defender-se contra aqueles que poderiam se apropriar de seus bens, tendo então
que se associar a um número maior de homens com a finalidade de formar um
Estado, cujo número de armas fosse o suficiente para causar temor àqueles que
supostamente se aventurassem em aumentar as suas posses. Para preservar e

289
UNIDADE 17

ampliar a propriedade o homem abre mão de parte de sua liberdade, e no caso


hobbesiano, de forma quase que irrestrita, uma vez que o soberano detém como
seu legítimo poder, o destino da vida dos homens, podendo inclusive condená-lo
à pena de morte.
Posição diferente de Hobbes assume Rousseau para o qual o homem abre
mão de uma liberdade plena do estado de natureza, mas que lhe impunham
riscos que poderiam estar além de suas forças, para conquistar outras liberdades,
inclusive àquela que iria garantir a manutenção de suas posses e de sua própria
vida. Contrariando o pensador inglês, Rousseau (1999, Vol I, p. 53) defenderá a
posição de que o homem age de forma sábia quando reage ante o soberano que
lhe usurpar de uma liberdade que não fora explicitamente concedida no contrato
social, e de forma mais enfática e clara nos diz que a origem da sociedade e das
leis é porque “sendo a força insuficiente para conservar o que adquiriu, o rico, a
fim de legitimar sua posse, imagina dar aos homens máximas e instituições além
das naturais” (1999, Vol. II, p. 23) o que retoma a nossa questão inicial, de que o
Estado Moderno trata a liberdade em relação direta e quase que irrestrita com os
meios materiais necessários a produção, e não invoca a necessidade de um resgate
ontológico do homem, e sim o reduz à condição de materialidade.
No próximo capítulo iremos apresentar como se caracteriza a materialidade
no homem, dentro deste Estado Moderno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado Moderno passa a tratar o homem inicialmente sob a perspectiva


de seus interesses e direitos individuais.
A produção se relaciona com a ideia de liberdade em função das contradi-
ções que as mesmas apresentam dentro desta nova ordem. O Estado Moderno
se alinha perfeitamente dentro da ordem capitalista.

290
1. Explicar como era a liberdade no mundo grego e comparar com a liberdade dos
modernos.

2. Explicar como Platão e Aristóteles tratam a questão da liberdade no seu tempo


histórico.

3. Existe uma relação na Idade Média entre a liberdade no mundo terreno e a liberdade
no mundo espiritual? Fundamentar sua resposta.

4. Explicar como será tratada a liberdade com o estabelecimento do Estado Moderno.

291
18
A Constituição do
Estado Moderno
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender o Estado Moderno e a Constituição.


• Estudar e compreender como a ideia de Constituição materializou
o homem moderno.
• Estudar e compreender como a Constituição garantiu a liberdade
formal.
UNIDADE 18

Este capítulo aprofunda as questões inicialmente tratada no capítulo ante-


rior, tratando as mesmas a partir da Revolução Francesa e a fundação do Estado
Moderno.

294
UNICESUMAR

O Estado Moderno e a Constituição: A Materializa-


ção Do Homem

A Revolução Francesa em 1789, cujo marco foi a queda da bastilha, muito


mais um símbolo do ancien regime do que uma prisão propriamente dita na
época, pois dentro da bastilha além de armas fora encontrado apenas “sete pri-
sioneiros: quatro falsários, dois loucos e um jovem aristocrata” (Magee, 1999, p.
123), serviu como um modelo ideal de revolução para outras regiões da Europa
e do mundo, porque marca supostamente, a diluição dos poderes da nobreza e
do clero com o surgimento do chamado Terceiro Estado, e a exigência do voto
igualitário como aquele capaz de garantir os desejos e anseios da maioria, até este
momento da história desprezada, se é que existe um momento posterior a este, em
que os desejos do Terceiro Estado foram realmente atendidos. Até este momento
temos uma convivência pacífica entre o liberalismo e o autoritarismo; o primeiro
criara as fundamentações filosóficas e políticas para a defesa da propriedade e da
existência de um soberano para dirigir as forças dos homens comuns, o segundo
usava de uma suposta legalidade e também legitimidade infundada, para justi-
ficar o uso da força bruta como forma de conformar o povo na sua condição de
inferioridade ante o clero e a nobreza.
Não podemos nos esquecer que a Revolução Francesa foi uma revolução
arquitetada pela burguesia, mas realizada na prática, no campo de batalha, pelo
povo, que contribui com a sua força e ingenuidade, mas muito pouco usufruiu
destes resultados. A burguesia busca ampliar os seus direitos e a garantia de sua
propriedade, e entra em choque com uma nobreza decadente e endividada e que
se recusa a sair de sua categoria, o clero enfraquecido mediante a decadência
da nobreza e ainda tendo que enfrentar os resultados da Reforma Protestante,
também não quer abrir mão de qualquer suposto direito, até porque as teorias
jusnaturalistas procuram fundamentar a todo custo os seus direitos, pois é justo
“dar a César o que é de César”, e César agora é representado pelo Clero.
Antecedendo a Revolução Francesa e sofrendo o ofuscamento produzido pela
mesma, Sieyès (2001) publica em janeiro de 1789 a obra A Constituinte Burguesa,
onde fundamenta a existência e importância do chamado Terceiro Estado, no-
minando-o de “um homem forte e robusto que está com um braço preso” (2001,
p. 3) e que a nação é constituída de homens de todas as classes que vivem sob a
mesma lei e esta não pode dar privilégios a alguns, de forma a manter e acentuar

295
UNIDADE 18

as diferenças. Reconhece que a constituição, quando elaborada pelos dois primei-


ros estados, ou seja, o clero e a nobreza, acentua as diferenças, produz conflitos e
gera insatisfação, portanto, se é inevitável a elaboração de uma constituição, ao
menos que essa seja feita pelo povo, pelo Terceiro Estado.
Um conceito quase que unânime de Constituição nos países democráticos, é
que esta deve representar uma vontade geral, seja resultado de uma Assembléia
constituída especificamente para este fim, ter em seu corpo constituinte repre-
sentantes dos mais diversos segmentos da sociedade, no entanto, o resultado da
constituição não deve ser a expressão de uma vontade particular, “mas a vontade
soberana da nação, isto é, a unidade política” (Duso, 2005, 212). Parece-nos que o
movimento reflexivo se dá sempre no sentido de compreender os mecanismos e
os aspectos meramente jurídicos e necessários, para a elaboração da constituição
e não a busca da articulação das intenções quando da elaboração e execução das
mesmas, reduzindo-a a um mero instrumento burocrático-jurídico capaz de per-
mitir a existência de um ordenamento jurídico, onde a sua principal preocupação
é a garantia da propriedade, que na realidade já se faz de longa data, e incluir sob a
forma de promessas que serão cumpridas somente mediante situações especiais,
direitos que em outras épocas pertenciam ao homem, não fundamentado num
suposto jusnaturalismo, mas antes conquistas resultantes de uma análise reflexiva
e totalizante da história, da compreensão da economia e das intenções da classe
dirigente e dominante, da convivência intrínseca da cultura e da história que o
próprio homem constrói, enquanto um sujeito que sofre e faz história. O homem
não é o seu objeto principal de guarida, porque antes dele aparece a propriedade
e a necessidade imperiosa de sua proteção, então temos um deslocamento de
valores pois não nos importa mais conhecer o homem em sua ontologia sendo
suficiente reduzi-lo à materialidade, e atribuir uma valor financeiro e um núme-
ro nos dados estatísticos, como por exemplo, se dá na população carcerária de
nosso país onde o destaque que se dá é na quantificação da existência da raça
negra, ou mulato como queiram, mas não se procura apresentar quais as razões
históricas e econômicas para estes números. Não esclarece que num determinado
momento da história a Princesa Isabel libertou os escravos e prendeu os negros,
pois lhes deu a liberdade e eles foram expulsos da única atividade econômica que
realizavam com eficiência, sem as menores condições materiais para ali continua-
rem, e nem a possibilidade de adquirirem conhecimentos que poderiam levá-los
a outras atividades, jogaram eles na rua, a deriva num mar sem referência, ao

296
UNICESUMAR

mesmo tempo em que a lei defendia o dever do Estado em realizar prisões por
“vadiagem”, então o escravo liberto termina por ser preso novamente, mas agora
por um outro motivo, pois se o primeiro motivo ofendia o direito à liberdade e
uma ofensa à própria condição de humanidade, o segundo apenas cumpre um
dispositivo legal.
Uma das características do Estado Moderno é o de possuir um ordenamento
jurídico, onde a Constituição seja a lei maior e de onde deverá derivar as demais
normas. As constituições modernas, segundo Canotilho (2003), têm por objetivo
garantir a liberdade dos cidadãos, o acesso aos direitos, mais individuais do que
coletivos, e finalmente, limitar o poder político, através do sistema de contrapeso
entre os poderes. Historicamente as constituições realizaram de forma exemplar
os desejos da classe dominante, disponibilizaram uma série de direitos cuja exis-
tência fica sempre no campo das promessas, mas procura de forma clara e objetiva
limitar a atuação do Estado no campo econômico e social, definir o direito de
propriedade, como aquele capaz de garantir a estabilidade das relações sociais e
ser um grande incentivador para que o homem trabalhe, pois o trabalho digni-
fica o homem, não importando o quanto ele receba por este esforço. Enquanto
instrumento de defesa da propriedade as Constituições têm realizado o seu papel
com eficiência e respostas imediatas, principalmente quando em nome de uma
suposta “segurança jurídica”, o Estado fornece plenas garantias ao capital externo,
pouco importando qual será o modelo de exploração a ser utilizado, e tão pouco o
quanto isso pode contribuir para o desenvolvimento e as melhorias de condições
de vida do povo. Devemos deixar claro que a crítica aqui apresentada não se faz
pela destituição plena desta posse, mas sim quanto aos benefícios sociais que ela
pode realmente trazer, ou seja, se a propriedade realmente cumpre a sua função
social, tal qual determina a Constituição.
Uma forma direta de apresentar a Constituição como resultante da vontade
geral, é o de primeiro garantir o direito à liberdade, para num momento próximo
limitar o mesmo, acentuando o direito à propriedade, pois a liberdade termina
por ficar sempre no campo da subjetividade e sua realização dependente de uma
série de conjunção de fatores, quase sempre impossíveis de serem realizados, ao
passo que a propriedade situa-se no campo da objetividade e diante de conflitos,
os mesmos se resolvem de uma forma simples e direta: quem possui o título de
propriedade? É um problema simples e pode ser resolvido de forma concreta,
material, na grande maioria das vezes de forma imediata. A liberdade ao direito de

297
UNIDADE 18

posse da propriedade está garantida. Um dos fundamentos do postulado liberal


de John Locke foi totalmente cumprido. A liberdade se materializa pela proprie-
dade e o homem que tem propriedade realmente existe. É um ser concreto e com
liberdade de dispor da sua propriedade como melhor lhe prouver.
Mas o que dizer do homem que não tem propriedade? O que fazer com
ele? Para Marx (1999) este homem ainda não está destituído de todas as suas
propriedades, pois ele ainda tem a propriedade sobre a sua força de trabalho. Ele
ainda pode dispor desta força e receber algo em troca, pois a própria Constituição
é contra a escravidão e ainda garante o direito ao trabalho. Este homem ainda
tem a liberdade de vender a sua força de trabalho. O problema então situa-se
num outro campo: qual a extensão desta liberdade? Ou ainda: quais as condi-
ções para a realização desta liberdade? O capitalismo e as teorias que sustentam
a sua estrutura de apoio resolvem este problema com o princípio da autonomia
da vontade, já fundamentada nas teorias de Rousseau (1999), onde os homens
aderem ao contrato social por sua livre e espontânea vontade, pois o homem é
livre para fazer aquilo que melhor lhe prouver, contudo, como admitir que diante
da supremacia do capital, do excesso de mão-de-obra produtora, e da escassez
de empregabilidade, pode o homem ser livre para decidir se assina ou não este
contrato? Ora, só pode haver igualdade na assinatura deste suposto contrato,
quando as condições entre as partes são efetivas e reais e não apenas formais.
Esta é mais uma das promessas do Estado Moderno e que não será cumprida,
mas acentuada com o avanço da flexibilização das relações de trabalho e com a
virtualização do capital.

A Liberdade Como Um Ideal e a Liberdade do Es-


tado Moderno

A Argumentar sobre a liberdade ideal nos remete de forma inevitável, pro-


curar compreender o mundo antigo e de forma mais específica a história antiga
clássica, tendo como referencial o mundo grego. Uma liberdade existente num
mundo ideal, harmônico, num universo organizado, e então, o demiurgo (Platão,
1999) contemplando um modelo perfeito de liberdade, entrega aos homens uma
cópia, ainda que pálida, sujeita as limitações existentes no mundo contingente,
que ainda não é a verdadeira, mas que no movimento do devir, do engendramento

298
UNICESUMAR

das mudanças, pode vir a ser. Saindo do campo das questões metafísicas e aden-
trando ao campo da dialética platônica (seja ela uma criação de Sócrates ou de
Platão), podemos inferir que o “modelo originário, enquanto puro ser, é objeto de
ciência, que alcança verdades incontrovertíveis” (Reale, 1994, Vol II, p. 133), em
outras palavras, um modelo inatingível, mas que deve ser buscado, pois o belo e
o perfeito só podem ser compreendidos quando conhecermos a ontologia do ser.
Quanto à “imagem desse modelo (e, portanto, o nosso cosmo físico que é justa-
mente imagem) é objeto de opinião” (Reale, 1994, Vol II, p. 133), e sendo opinião
(doxa) pode até ter uma fundamentação do logos, mas não é um conhecimento
verdadeiro, uma episteme, pois as opiniões dos homens situam-se no campo das
sensações e podem ser alteradas pela retórica do discurso, como Sócrates acusa
os sofistas de construírem verdades contingentes às suas necessidades momen-
tâneas, mas que não encontram sustentação epistemológica.
Mas o que vem a ser o “ideal”? Para Kant o “ideal é um ser concebido como
único, individual e tal que satisfaça exatamente todas as condições de uma idéia
[...] que a razão reclama, mas de que a experiência não fornece exemplo” (Lalande,
1996, p. 485), é algo que é perfeito e nenhuma experiência do mundo sensível
pode acrescentar algo ao seu ser. Ele existe por si e compõe o universo harmônico
e organizado, “ainda que impossível de realizar, um tal ideal serve de regra e de
protótipo para agir e julgar” (Lalande, idem), são referenciais construídos pela
humanidade no seu caminhar, cuja perpetuação se dá pelo resultado de lutas e
conquistas do homem para se libertar do julgo daquele que governa, ou tenta
governar pelo uso da força bruta, suprimindo o “outro” e impondo o monólogo
da força estúpida e irracional.
A liberdade idealizada pelo mundo grego não se estabelece “em relação a”,
mas sim na possibilidade do homem grego enfrentar e conter a hýbris, ou seja,
o excesso, a desmedida, o impetuoso, o violento, e com o uso do logos encontrar
o que Aristóteles na Ética a Nicômaco chama de “meio-termo” que é a justa
medida das coisas. A realização desta liberdade só existiria quando o homem
estivesse inserido na pólis, não como um escravo, mas como um homem livre e
que necessariamente participasse da vida política da pólis, entretanto isso ainda
não era suficiente, pois um cidadão grego devia obediência às leis, concedendo
inclusive, o direito a sua própria vida, pois a recusa em defender com a própria
vida a autarkheia da pólis, geralmente era punida com a morte ou o exílio. O
grego era livre para ser grego. E ser grego exigia obediência às leis. Sócrates, o

299
UNIDADE 18

“mais ateniense dos atenienses” (Wolff, 1987) foi um homem livre até a sua morte,
pois abriu mão de sua própria vida, uma vez que a possibilidade de exílio fora
aventada em seu julgamento, e a fuga poderia se realizar com certa facilidade, mas
ao encarnar em si o modelo de um ateniense ideal, torna-se livre para entregar a
sua vida a serviço da pólis. Mostra para Atenas que os seus valores estavam sendo
corrompidos, e que o ideal universal estava sendo substituído pelos desejos pes-
soais de seus governantes. Sócrates não desejava a liberdade “relativa”, pois ao ser
exilado ou fugir, a sua liberdade seria relativa a uma cidade qualquer, desde que
excluísse Atenas. Ele desejava a busca de uma liberdade ideal e construída pela
realização na pólis, uma liberdade garantida por princípios fundamentais que
se sustentassem pela sua essência, refletindo assim a sua universalidade. Não era
suficiente ser livre apenas em Atenas é necessário ser livre em qualquer cidade da
Grécia. Sócrates morre como um homem livre, embora tenha recusado fugir de
Atenas. É livre porque se recusa a ter a liberdade de desobedecer à própria lei e
ao obedecer às leis da pólis se liberta de ser acusado de corromper os jovens, para
Chauí (Apud Merleau-Ponty, 2002, p. 206), “Sócrates tem um jeito de obedecer
que é um jeito de resistir”.
Mesmo na medievalidade com toda a força repressiva e moral da cristandade,
fundamentada numa verdade revelada, a Bíblia, nos entrelaçamentos econômicos
e políticos que a Igreja travava em seu interior, os conflitos com a religião Islâ-
mica e a sua ascendente importância e contribuição na filosofia, assim mesmo
tínhamos um ideal de liberdade, centrada na doutrina da redenção do homem,
pois se o corpo físico, material, que nos impõe limitações, dores, desconforto,
prazeres lascivos, entre outros é resultado de um pecado original (Gilson, 2001),
a liberdade por ser conquistada pela conduta moral sustentada pela Igreja, prin-
cipalmente na figura do Papa, seu representante espiritual e político, e assim o
homem se liberta das contingências deste mundo e sua alma conquistará o pa-
raíso. A busca desta liberdade irá determinar as ações dos homens, influenciando
de forma direta todas as relações sociais, entre as quais a economia. A fé também
gera uma necessidade de produção e consumo na medievalidade, em nome da
liberdade a ser conquistada pela alma, quando na Europa inicia-se a construção
das grandes catedrais, como em Bolonha, Chartres, Córdoba, Florença, entre
outras, e com estas temos o surgimento de um mercado interessante, a venda
de supostos ossos, coração, cabeças e outros órgãos, para financiar a construção
destas catedrais (Marchi, 1992). Em nome da fé e da liberdade, estabelece-se uma

300
UNICESUMAR

rica relação de produção-consumo e expõe a contradição resultante da materiali-


zação do sagrado, quando se acentua as diferenças de classes, e a própria religião
concorda em buscar fundamentações para justificar os direitos divinos dos reis e
impor à classe humilde da população a sua permanência na miserabilidade, como
forma de resgate do pecado original. O custo da liberdade será determinado por
uma moral rígida e determinista, um código canônico inflexível, principalmen-
te para aqueles que, mesmo de forma justa, reclamavam dos excessos da classe
dominante, mas ainda resta um ideal de liberdade a ser conquistada, e ele poder
ser realizado pela redenção do homem.
O Estado Moderno traz para a liberdade uma nova perspectiva, quando a
insere como conseqüência das relações de produção e consumo, dando à pro-
priedade a primazia de centralizar as relações de direito. A positivação do direito
à propriedade no Estado Moderno, tem como um dos referenciais principais
Locke ao defender a posição inicial de que Deus concedeu a Terra para os homens
trabalharem e produzirem o necessário ao seu sustento, e “a condição da vida
humana, que requer trabalho e materiais com o que trabalhar, introduz necessa-
riamente a propriedade particular” (2001, II, 35), sendo assim, a propriedade da
terra não deve atender ao bem coletivo, mas num primeiro momento reduzir-se
ao particular, para em seguida, quando da produção além do necessário à sua
sobrevivência, possa ser negociado, permitindo assim o acúmulo de bens com
a criação do dinheiro e a possibilidade de expansão da propriedade da terra.
Doravante a condição para aquisição da propriedade estará condicionada pela
existência de capital, e somente terá condições de produzir mais, e assim acumular
mais, quem tem capital.
Mas o que fazer com o homem que não tem propriedade, e portanto está
destituído da condição primária de produzir para acumular? Para Locke (2001,
II, 27) esse problema pode ser resolvido se considerarmos que cada homem tem
como primeira e inalienável propriedade a pessoa humana, portanto, o trabalho e
qualquer ação resultante deste corpo são de sua propriedade, e se este homem não
tem terras para produzir ele deverá vender o seu próprio trabalho, para garantir
o seu sustento e poder acumular bens. Sem dúvidas de que no contexto atual esta
teoria pode nos parecer ingênua, até porque o valor do trabalho não é regulado
por quem detém a propriedade do mesmo, no caso o trabalhador, mas sim pela
lei da oferta e da procura, atividades reguladas pelos detentores do capital. A
questão da liberdade insere no direito à própria propriedade, que de forma física

301
UNIDADE 18

já cria um limitador ao estabelecer limites entre as terras, com a confrontação


de suas divisas, na questão da humanidade, retira dos homens a possibilidade de
reter o espaço suficiente para produzir com a finalidade primeira de garantir o
seu sustento, e depois de que o excedente seja destinado à solução dos conflitos
resultantes de uma desigualdade de condições materiais, procurando assim o
equilíbrio de classes para num futuro, ainda que utópico, venhamos a ter a su-
pressão de classes, dentro de uma construção ideal de mundo, para recuperarmos
parte dos postulados de Marx.
A Revolução Francesa trouxe consigo a estruturação do Estado Moderno, tal
qual existente nos dias atuais, principalmente no âmbito jurídico, onde temos o
estabelecimento da Constituição ou Carta Magna, como o instrumento jurídico
resultante de uma suposta vontade da maioria, e um fanal capaz de orientar as
demais normas, assim como a responsável por dar as garantias iniciais à pro-
priedade e todas as garantias econômicas conseqüentes a esta, e supostamente
resguardar os direitos do cidadão que agora passam a se chamar “direitos que
protegem a dignidade da pessoa humana” e de forma enfática, deixar clara a
supremacia do Estado no uso da força bruta, assim como da arrecadação fiscal.
As garantias efetivas ocorrem sempre no campo econômico e da propriedade,
as demais nos parecem apenas como uma utopia que o Estado não se apresenta
muito propenso a realizar, a não ser, nos casos em que a ordem política do mo-
mento, possa tirar proveitos eleitorais de programas assistencialistas que além de
não resolver o problema, cria uma indústria política de troca de favores.
Antes da Revolução Francesa havia pelo menos a perspectiva de uma possível
ruptura, para a implantação de um Estado que caminhasse em busca de uma
condição humana ideal. O problema é que a Constituição é um elemento muito
mais organizador das forças que compõe este Estado, do que um instrumento
garantidor do estabelecimento de um equilíbrio entre as forças de produção e
de consumo. Um dos exemplos é que a maioria das Constituições, inclusive a
brasileira, refere-se à garantia de um salário mínimo, e não de um salário ideal,
mas quem estabelece este mínimo? É notório que o mercado regula este salário
uma vez que o capitalismo, tal qual previra Marx, criou um cinturão de reserva
de mão-de-obra situando-se numa periferia miserável e pronta a assumir a sua
posição a qualquer momento, mesmo que a proposta da compra de sua força de
trabalho, leve consigo a sua alma. Sendo assim, regulou-se a força de produção,
estancou a sua possibilidade de reação, da realização de um ideal, em troca de

302
UNICESUMAR

garantias que expressam as necessidades de sobrevivência do mercado e não do


homem.
No positivismo dogmático jurídico, leis posta é lei a ser obedecida sem con-
testação, porque ela foi constituída pelos representantes legislativos do povo, in-
dependente dos artifícios imorais e mesmo ilegais de tal eleição, e expressam a
vontade do povo, portanto, o mínimo que resta ao cidadão é o seu cumprimento,
e o máximo é não enfrentar as questões de legitimidade de interesses coletivos
da lei. O objetivo das revoluções sempre foi o de produzir uma ruptura, assim
o eram a maioria das promessas, principalmente com a Revolução Francesa, a
Revolução Russa, para citarmos apenas as mais conhecidas historicamente, no
entanto, embora as mesmas tenham sido realizadas com a força das massas, do
homem comum, do homem angustiado, desapontado e desacreditado com os
regimes vigentes, as rupturas não ocorreram e o que observamos foi apenas uma
transformação, onde parte do velho permaneceu e o novo procurou se adaptar à
ordem já vigente. Na realidade não ocorreram alterações significativas, mas ape-
nas a troca das classes dominantes e a manutenção do ímpeto liberal e capitalista,
concedendo sob formas de compensação, cuja subjetividade encontrava modos
de conter a sua realização, às classes menos favorecidas e que agora estavam des-
tituídas da possibilidade de realização de qualquer ideal. A própria organização
política e jurídica do Estado, tratou de colocar à margem da lei toda e qualquer
perspectiva de uma revolução, negando justamente um dos pilares que levaram
à sua construção. O capitalismo é um sistema que vive e sobrevive de suas pró-
prias contradições. Promete num primeiro momento, com a finalidade de conter
os espíritos animosos e depois de passada a fase crítica, procura encontrar uma
racionalidade para justificar a impossibilidade das realizações destas promessas.
E mais grave ainda é que o Estado acaba encontrando esta racionalidade, quando
encontra na precariedade da arrecadação fiscal contingente e geradora de caixa
para o Estado, a razão contábil para o não cumprimento destas promessas. E
quando falamos em arrecadação, quem mais paga imposto em nosso país, e tam-
bém nos demais? É a classe trabalhadora que tem os seus tributos descontados
diretamente em folha de pagamento.
Quanto ao sistema de produção na realidade as Constituições o cercaram de
todas as garantias, uma vez que positivou de forma clara e indubitável o direito
à propriedade, e mais recentemente deram garantias para a virtualização dos
capitais, temos agora o “ciberespaço como metáfora do dinheiro” (Alves, 2000,

303
UNIDADE 18

p. 51) junto com o capital não vem o esforço humano da transformação, pois as
grandes empresas não mais precisam do setor de transformação. O capital agora
circula pela internet de forma “líquida”, onde os riscos são sempre minimizados
por garantias governamentais e jurídicos, mas os ganhos ficam restritos às gran-
des corporações. Qual será então a relação de produção? Nenhuma, senão aquela
que por si só produz mais capital.
Qual seria a esfera da liberdade e o conceito de homem, no âmbito desta
Constituição que foi parida e usou a energia do sangue de milhares de homens
que foram de forma ilusória, conduzidos ao seu próprio matadouro? A liberdade
fica restrita apenas naquilo que a Constituição e as normas jurídicas não estabe-
lecem os limites, e ainda, nas limitações impostas pelas condições materiais, que
são controladas pelo mercado, sendo assim, um pai de família que por motivos
diversos não tenha tido as condições para uma formação profissional condizente
com as exigências do mercado, tem a sua liberdade limitada ao seguinte: morrer
passando fome, mas morrer com dignidade. Pois não é o sistema que se apresenta
de forma injusta, mas é ele que não foi capaz de compreender o submundo das
intenções econômicas e assim padece pela sua ignorância e ingenuidade. As coi-
sas parecem que se resolvem de forma simples na ótica capitalista; ainda existe
a liberdade de morrer!
Em tempos de outrora, o homem ainda tinha o ideal de buscar a construção e
formação de um homem tal qual os heróis gregos e romanos, alguém que devido
as suas qualidades não seria um mortal comum, e devido à algumas limitações
também não seria um Deus, ao menos tinha a perspectiva de ser um Semideus,
era um ideal utópico é verdade, mas era uma motivação para se viver, um motor
capaz de mover as ações humanas dentro de uma perspectiva ética, tal qual aquela
idealizada por Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco.
A condição ontológica do homem foi reduzida à existência do respeito à “dig-
nidade da pessoa humana”, e assim o importante não é mais garantir o suficiente,
mas sim dar garantias precárias, subjetivas, para supostamente garantir o mínimo,
mesmo sabendo que o Estado nem a isto irá garantir. No lugar do salário ideal
e necessário para que o homem viva como homem, coloca-se o salário mínimo
que será o suficiente para que ele viva e rasteje pelos programas sociais, muito
mais eleitoreiros, do que solucionador das causas, dentro de condições que não
ferem a sua dignidade, pois isso lhe foi tirada há muito tempo, mas sim a ferir a
sua condição de homem, buscando-a na sua essência. A garantia da dignidade

304
UNICESUMAR

da pessoa humana é uma redução vil da condição do homem, até porque, no


capitalismo parece-nos que este enxerga a possibilidade de que um trabalhador
vendendo a sua força de trabalho, com uma jornada de 44 horas semanais, possa
sustentar uma família, recebendo um salário mínimo, e pior ainda, o Estado lhe
concede, com uma bondade angelical, um salário mínimo de aposentadoria, para
ele desfrute os míseros restantes dias de suas vidas, vivendo como um aposen-
tado que rasteja pelos postos de saúdes e hospitais. No campo da saúde pública
as contradições são maiores ainda, ou será que é parte positiva e construtiva da
dignidade humana, as pessoas doentes se empilharem como entulhos em corre-
dores de hospitais e postos de saúde? Na segurança pública as coisas se mostram
mais caóticas ainda, ou será que é digna uma criança morrer com uma bala per-
dida, resultante da ineficiência do Estado em controlar a criminalidade, quando
volta da Escola para casa? Neste setor até o “crime é organizado”, mas o Estado
ainda não encontrou a fórmula “motivacional” para que os seus comandados
enfrentem a criminalidade, não de forma igual, pois isso seria um absurdo, mas
de forma superior.
Mas onde então encontraríamos uma possível solução para a superação desta
liberdade capitalista? O Estado capitalista só compreende a coletividade como
resultado da soma da produção de cada um, por exemplo, quando analisa a renda
per capita e depois na soma da potencialidade de consumo individual. A coleti-
vidade garante somente o lucro produzido pelo lixo gerado pelo próprio sistema.
A questão da conquista da liberdade, se inevitavelmente a ligamos ao trabalho, é
procurar tal qual nos expressa Hesíodo na obra Os Trabalhos e os Dias, a pers-
pectiva de um trabalho com finalidade social que seria ocupado inicialmente por
esta massa de trabalhadores excluídos e situados na marginalidade do cinturão
de reserva de trabalhadores, conforme já previsto por Marx.
Enfim, o Estado Moderno construiu seus alicerces tendo como estacas vivas,
a miserabilidade de uma classe impotente de reação. Empenha defesa máxima
e concreta na proteção da propriedade, a estas as leis são claras, explícitas, não
deixam lacunas e são totalmente objetivas. São ações realmente garantidoras e
incentivadoras de sua manutenção, pois garantir a propriedade, tal qual expressa
John Locke, ainda é a forma mais tranquila de fazer imperar o direito. O foco não
é o homem, mas a propriedade e o consumo.
Quanto às garantias que efetivamente poderiam dar ao homem mediano,
comum, de melhorar as suas condições materiais para alçar um equilíbrio maior

305
UNIDADE 18

de sua totalidade, estas situam-se apenas no campo das promessas e de leis cujas
subjetividades ficam para serem interpretadas pela classe dominante, pois o cum-
primento de algumas destas promessas poderiam colocar o sistema financeiro,
as economias globais e outros, em risco eminente o que poderia supostamente
desequilibrar e colocar em risco os projetos da elite dominante, cuja urgência
normalmente se estabelece a curto prazo, enquanto aquelas que visam restituir
a condição ontológica do homem, só podem ser realizadas a longo prazo, aliás,
a prazos muito longos! Tão longos que a humanidade pode até não sobreviver
para ver sua realização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado Moderno construiu seus alicerces tendo como estacas vivas, a miserabi-
lidade de uma classe impotente de reação. Empenha defesa máxima e concreta na
proteção da propriedade, a estas as leis são claras, explícitas, não deixam lacunas
e são totalmente objetivas. São ações realmente garantidoras e incentivadoras de
sua manutenção, pois garantir a propriedade, tal qual expressa John Locke, ainda
é a forma mais tranquila de fazer imperar o direito. O foco não é o homem, mas
a propriedade e o consumo.

306
1. Explicar como as relações de produção mudam a forma do Estado Moderno tratar
a questão da liberdade.

2. Dissertar sobre a liberdade e a questão da fé tratadas sob a perspectiva do Estado


Moderno.

3. Explicar o que é a Constituição para o autor.

4. Explicar como o positivismo jurídico trata a questão da lei e sua relação com a liber-
dade.

307
19
Formas De
Governo e Regimes
Políticos na
Contemporaneidade
Me. Cássio Marcelo Mochi

• Estudar e compreender o que são as formas de governo.


• Estudar e compreender as principais formas de governo.
• Estudar e compreender os regimes de governo.
UNIDADE 19

Dentro da perspectiva da Teoria Constitucional e da Ciência Política, as for-


mas de governo determinam diretamente a relação entre o Estado, o Cidadão e
suas Liberdades.
Sendo assim, é necessário compreender o que são e o que representam estas
formas de governo

310
UNICESUMAR

Autocracias

Ditadura ou autocracia, segundo Norberto Bobbio assumem ao longo da


história o mesmo significado, pois uma autocracia “Uma autocracia é sempre
um Governo absoluto, no sentido de que detém um poder ilimitado sobre os
súditos. Além disso, a autocracia permite que o chefe do Governo seja de fato
independente, não somente dos seus súditos, mas também de outros governantes
que lhe estejam rigorosamente submetidos” (1998b).
Norberto Bobbio no seu Dicionário de Política, nos apresenta que Autocracia
e Ditadura têm o mesmo significado, e faz uma extensa definição sobre o tema,
partindo do termo ditadura no Império Romano, chegando até os dias atuais.
Neste dicionário, nos ensina que o termo ditadura, “tem sua origem na dictatura
romana. O significado moderno da palavra é, porém, completamente diferente
da instituição que o termo designava na Roma republicana”, portanto, o conceito
sofre mutações até chegar aos nossos dias.
Para Norberto Bobbio, “a Ditadura romana era um órgão extraordinário que
poderia ser ativado conforme processos e dentro de limites constitucionalmente
definidos, para fazer frente a uma situação de emergência. O ditador era nomeado
por um ou por ambos os cônsules, em consequência de uma proposta do Senado,
ao qual cabia julgar se a situação de perigo fazia realmente necessário o recur-
so à Ditadura” sendo que seu objetivo principal era dar uma maior agilidade e
poder de decisão em momentos cruciais durante a existência de um povo, que
se caracteriza notoriamente pela sua belicosidade. Neste sentido, pode-se dizer
que o povo romano era um povo naturalmente guerreiro. A guerra constituía-se
na forma de Roma demonstrar o seu poder aos seus vizinhos e outros povos,
sendo mais preparados para a guerra, do que para a paz. Aliás, os períodos de
paz tiveram muita turbulência externa, normalmente provocada pelos soldados
que já mais se ambientavam na sociedade de forma pacífica.
A ditadura possui nuances próprias de uma forma de governo, onde na maio-
ria das vezes idolatra-se a figura de uma pessoa, que traz junto de si um ar mes-
siânico, de salvador, de alguém que irá retirar o povo da condição em que se en-
contra, para conduzi-los ao governo perfeito, ideal; às vezes, essa figura messiânica
surge a partir de instituições do próprio Estado, como foi o caso do período da
ditadura militar no Brasil. Aqui, já de distingui duas formas diferentes de ditadura,
a saber, a civil e a militar, o que caracteriza uma ou outra, é a presença de um civil

311
UNIDADE 19

ou de um corpo militar no comando do Estado, mas de qualquer forma, pode-se


afirmar com bastante precisão que toda e qualquer ditadura precisará sempre de
um grande apoio militar. A razão é que normalmente, os primeiros momentos
destas mudanças, implica e romper a ordem estabelecida e a partir dos supostos
ideais que moveram a ditadura, seja criada uma nova ordem.
Segundo Norberto Bobbio, “a Ditadura apresenta, preferivelmente, uma rup-
tura da tradição. Instala-se utilizando a mobilização política de uma grande parte
da sociedade, ao mesmo tempo que subjuga com a violência uma outra parte”
(1998b). Não se faz mudanças radicais no Estado, senão com apoio de parcela
significativa da sociedade, ainda que, segundo nos ensina Marx, quem espera que
uma revolução faça milagres logo após a sua realização, estará fadado a entrar em
depressão logo após a mesma, como acabou por acontecer, na história da Comuna
de Paris. Continuando a linha de pensamento desenvolvida por Norberto Bobbio,
uma outra característica resultante do estabelecimento de uma ditadura é que a
mesma, “não pode garantir sua continuidade, de modo ordenado e regular, nem
com o processo democrático, de que é a negação, nem com o princípio heredi-
tário, que contrasta com as condições políticas objetivas e com sua pretensão de
representar os interesses do povo. Daí o caráter precário das regras de sucessão
no poder”, sendo assim, o que a persegue durante todo o seu tempo é a instabi-
lidade, e inexistência de regras claras sobre a sucessão do poder, acaba por gerar
sempre a expectativa de quem assumirá o mesmo, após a morte inevitável de
seus idealizadores.
A preocupação com as regras de sucessão e a continuidade do poder, levou
inúmeras ditaduras ao seu fim num curto espaço de tempo, em quanto que outras,
utilizando-se um pouco mais perspicácia política, tomaram as medidas necessá-
rias, preparando o seu sucessor, como é o caso de Cuba, aonde Fidel Castro, de
longa data prepara seu irmão Raul Castro para sucedê-lo no poder.
Outro exemplo, nesta mesma linha de pensamento, é a China, que não perso-
nalizou o poder depois de Mao Tse Tung, mas estabeleceu regras para a sucessão
do poder, o que permite a continuidade da mesma, dentro de uma certa tranqui-
lidade, embora, para a Ciência Política, a China tenha que ser melhor estudada
e com outras perspectivas e modelos, diferentes daqueles predominantes nos
dias atuais.
Depois de realizar uma construção histórica das nuances e significados que
a ditadura assume ao longo da história da humanidade, Norberto Bobbio afirma

312
UNICESUMAR

que na modernidade, “Com a palavra Ditadura, tende-se a designar toda classe


dos regimes não-democráticos especificamente modernos, isto é, dos regimes
não-democráticos existentes nos países modernos ou em vias de modernização
(com que se podem assemelhar também as tiranias gregas dos séculos VII e VI
a.C. e alguns outros Governos surgidos na história do Ocidente)” (1998b). Sendo
assim, o que ocorreu foi uma polarização entre regimes democráticos e regimes
não-democráticos, nominados como ditadura, ou ainda, autocracias.
De forma histórica e assumindo o conceito que se introduz na modernidade,
é possível verificar que na realidade, a humanidade tem uma experiência demo-
crática muito recente, pois o que prevaleceu de forma mais intensa, foram os
governos exercidos nos moldes da ditadura, a própria história da Grécia Antiga
nos faz constatar essa observação. Mesmo no Brasil, de forma muito precária,
a democracia se instala com a Proclamação da República em 15 de novembro
de 1889, sendo assim, em 514 de história, vivemos, voltamos a insistir, de forma
precária, temos apenas 125 anos de vida democrática, pouco mais de 20% de
nossa história.
Como contradição da própria democracia, numa ditadura, a escolha de quem
irá governar e as suas condições de governo, não estarão disponíveis para a esco-
lha dos governados, mas normalmente impostas pelas forças que compõe o poder,
embora, em alguns casos, governos tentam dar um certo ar de democracia ao seu
país, instituindo eleições com cartas marcadas e impossibilitando, ou tornando
impossível o surgindo de candidatos de oposição, é que se costuma chamar na
Ciência Política de “falsa democracia”.
Seguindo alinha de raciocínio desenvolvida por Coelho (2010, p. 88), as auto-
cracias, ou ditaduras se dividem em: Regimes Autocráticos Totalitários, Regimes
Autocráticos Autoritários, Regimes Autocráticos Liberais. A diferença entre um
e outro, se caracteriza necessariamente, pelo maior ou menor grau de liberdade
política, civil e mesmo econômica que o povo possa ou não ter.
Com relação à Ditadura Totalitária, ou Regimes Autocráticos Totalitários,
segundo Norberto Bobbio, “emprega, além dos meios coercitivos tradicionais,
o instrumento peculiar do partido único de massa, tendo assim condições de
controlar completamente a educação e os meios de comunicação e também as
instituições econômicas” (1998b), deixando o espaço para o exercício da liberda-
de, praticamente restrito ao ambiente familiar, ressalvado casos historicamente
conhecidos, principalmente na extinta União das Repúblicas Socialistas Sovié-

313
UNIDADE 19

ticas, mais recentemente na Coréia do Norte e mesmo em Cuba, a infiltração de


espiões da chamada “polícia secreta”, ou nome equivalente, em meios familiares,
inclusive com a cooptação de pais e filhos, estabelecendo praticamente um regime
de terror, aonde não existe confiança, nem no ambiente familiar.
Já a Ditatura Autoritária, ou Regime Autocrático Autoritário, também cha-
mada de Ditadura Simples, “baseia-se nos meios tradicionais do poder coercitivo
(exército, polícia, burocracia, magistratura), possuindo, por isso, escassa capaci-
dade de propaganda e penetração direta nas instituições e nos grupos sociais,
conseguindo apenas reprimir a oposição aberta e contentando-se com uma mas-
sa apolítica e com uma classe dirigente disposta a colaborar”. A ditadura é mais
branda e ainda permite um pequeno grau de liberdade às pessoas, como foi o
caso do período da ditadura militar no Brasil.
Na visão de Coelho (2010, p. 102), quando trata do chamado Regime Auto-
crático Liberal tem o seu surgimento, depois de um longo período de luta contra
as monarquias absolutista, com a diminuição e delimitação do poder do rei, ins-
tituindo assim, as chamadas Monarquias Liberais, que na realidade, precederam
as democracias modernas. Apresenta-nos então algumas características destas
Monarquias Liberais, entre os quais se destacam por terem: regras básicas de
organização do Estado; direitos civis; e direitos políticos. Admitem a existência
do que Max Weber chamaria de uma burocracia estatal, capaz de dar o suporte
técnico necessário, e os cargos não mais seriam concedidos aos amigos dos reis,
que não fossem aptos ao exercício dos mesmos. Incorporam do Direito Romano,
questões fundamentais de direitos civis, reconhecendo por exemplo, questões
pertinentes ao direito de família e o estabelecimento de sucessão para os bens dos
homens. Das ideias advindas principalmente de John Locke, incorporam alguns
direitos políticos, como por exemplo, na Inglaterra, a possibilidade de participar
da eleição da Baixa Câmara.
O segundo aspecto é que se caracteriza por ser o “império da lei; e divisão
de poderes” (2010, p. 102). Em outras palavras, o rei pode, mas não pode tudo,
estabelecido inicialmente na Inglaterra pela Magna Carta de João Sem-Terra que
impôs limites ao poder do rei, desfigurando a personalidade do poder absoluto
do rei. Quanto à divisão dos poderes, na maioria das vezes ocorrerá apenas de
forma simbólica, como por exemplo, na maioria destas Monarquias Liberais,
embora existissem o Parlamento, o mesmo tinha muito mais caráter consultivo
do que poder para realmente propor as leis e exigir o seu cumprimento por parte

314
UNICESUMAR

dos reis. O próprio Brasil Monárquico passou por esta experiência, e embora, o
Parlamento pudesse elaborar leis, a sua aprovação final é um poder discricionário
do Imperador.
Já no tocante aos direitos civis, os mesmos estavam inseridos no seguinte rol:
“liberdade de expressão; liberdade de reunião; liberdade de religião; liberdade de
ir e vir; e direito à propriedade” (2010, p. 102), experiência essa vivenciada princi-
palmente pela Inglaterra de longa data. Talvez este seja o fato de as teorias de John
Stuart Mill ao defender estas prerrogativas, tenham causado muito mais furor
e preocupação em outras regiões da Europa do que na própria Inglaterra. No
século XIV e posterior, a própria Holanda já vivenciava estes tipos de liberdades,
em consequência disto, transformou-se no refúgio de vários filósofos, cientistas
e mesmos líderes religiosos da Europa.
E finalmente, os chamados direitos políticos, assim elencados: “direito à repre-
sentação política; direito a voto limitado aos homens instruídos e proprietários
de bens; e direito das minorias” (2010, p. 102). Pressupostos estes já defendidos
também, por John Locke, John Stuart Mill e portanto, não nos apresenta nada
como novidade.

Democracias

Quando se trata do tema democracia, é preciso lembrar que a mesma foi uma
invenção do povo grego, como forma de controlar o poder dos governantes e
ao mesmo tempo, exigir a participação do povo nas decisões de ordem coletiva.
Norberto Bobbio faz uma descrição detalhada das supostas três fases do de-
senvolvimento do conceito, passando pelo mundo clássico, medieval e chegando
ao moderno, distinções estas, que neste momento não entendemos ser necessá-
rio para o desenvolvimento de nosso Curso. A questão proposta e desenvolvida
pelo referido autor, é quanto a confusão aparente entre Democracia e República,
principalmente advindo dos conhecimentos político de Maquiavel, já na mo-
dernidade.
Enquanto a democracia é a forma de governo em que as liberdades existem
em um grau muito superior as autocracias, uma outra característica fundamental,
é aquela em que os governados efetivamente podem escolher os seus governantes
e mesmo, participar de forma ativa das diversas estrutura que compõe o Estado,

315
UNIDADE 19

além das questões pertinentes às divisões dos poderes. Já o conceito de República,


vem do latim res publica, que na realidade significa a coisa pública, que pertence
a todos mas não é de ninguém. Ao qual Cícero acresce o conceito de cidadania,
que se trata do exercício e participação da vida pública, de acordo com os ideais
do Império Romano.
Destarte as discussões de cunho filosófico político sobre o assunto, na mo-
dernidade, através das teorias política contemporâneas é possível, mais uma vez,
segundo Norberto Bobbio identificar pontos de concordância praticamente uni-
versal, que passaremos a tratar a partir deste momento.
O primeiro, trata-se da efetividade e existência de um poder político, ou seja,
a existência de um “órgão político máximo, a quem é assinalada a função legisla-
tiva, deve ser composto de membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo,
em eleições de primeiro ou de segundo grau” (1998b), em outras palavras, fica
clara a lição de que o poder pertence ao povo, que pode ou não delegar a outras
pessoas o seu exercício.
O segundo se refere à estrutura derivativas do poder político e necessárias
à própria organização interna do Estado, sendo assim, “junto do supremo órgão
legislativo deverá haver outras instituições com dirigentes eleitos, como os órgãos
da administração local ou o chefe de Estado (tal como acontece nas repúblicas)”
(1998b), trata-se de um problema já resolvido pela Teoria Federalista, que reco-
nhece a figura política-jurídica dos Estados e Municípios e sua independência
para estabelece estrutura legislativa semelhante à da União.
O terceiro aspecto estabelece as condições para participação nas decisões
referentes ao Estado, tomando as eleições como forma de participação, portanto,
“todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, de
religião, de censo e possivelmente de sexo, devem ser eleitores” (1998b), neste
aspecto, o Brasil ampliou ainda mais este universo, quando permitiu aos jovens
com mais de 16 anos serem eleitores.
O quarto, trata-se de ampliar a igualdade e o peso do voto, evitando assim,
a existência de votos com peso maior do que outros. A parcela de poder que
cada um tem, deve ser exatamente a mesma, conforme já defendia Jean Jacques
Rousseau.
O quinto, trata-se da liberdade de opinião, sendo assim, “todos os eleitores
devem ser livres em votar segundo a própria opinião formada o mais livremente
possível, isto é, numa disputa livre de partidos políticos que lutam pela forma-

316
UNICESUMAR

ção de uma representação nacional” (1998b), caracterizando assim, a prática da


liberdade de opinião e mesmo expressão.
O sexto, preocupa-se em defender não apenas a liberdade de votar, mas liber-
dade para ser colocada outras possibilidades à sua disposição, sendo assim, “de-
vem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição de ter
reais alternativas (o que exclui como democrática qualquer eleição de lista única
ou bloqueada)” (1998b). Não faz sentido uma democracia, aonde, por pressões
de ordem política e outras, não se tenha a possibilidade de ter outros candidatos,
e que defendam opiniões diferentes.
O sétimo, traz como preocupação, a máxima de que constitui a democracia
originária do mundo grego, em que o que se deve levar em consideração é o
desejo da maioria numérica, e não a suposta importâncias discriminatório do
voto, portanto, “tanto para as eleições dos representantes como para as decisões
do órgão político supremo vale o princípio da maioria numérica, se bem que
podem ser estabelecidas várias formas de maioria segundo critérios de oportuni-
dade não definidos de uma vez para sempre” (1998b), deixando claro, que numa
democracia, deve-se preservar a possibilidade de mudanças.
O oitavo ponto, é uma preocupação de vários liberais que conheceram o
modelo de democracia americana, principalmente Alexis de Tocqueville, em que,
“nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um
modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições” (1998b),
evitando-se assim que a vontade da maioria venha a exterminar a existência das
chamadas minorias. Esta preocupação também já estava expressa no pensamento
liberal de John Stuart Mill, que esperava, como o voto seletivo, ou seja, somente as
pessoas educadas e preparadas poderiam votar, enfrentar este tipo de problema.
E finalmente o nono ponto destacada por Norberto Bobbio (1998b), que trata
da credibilidade que as instituições públicas, notoriamente aquelas de caráter
político, deve ter junto as demais instituições e ao povo. Neste sentido, se o voto
é um elemento importante para a democracia, a sensação de confiança também
contribui para o bom desenvolvimento de suas atividades, no entanto, conforme
nos alerta Alexis de Tocqueville, este grau de confiança não poder ser tão eleva-
do, a ponto de despertar nas pessoas um sensação de segurança suficiente para
que a participação na política seja diminuída e assim, ocorre uma diminuição e
desinteresse por estas questões.

317
UNIDADE 19

Democracias: Direta ou Indireta

Com relação à participação do povo propriamente dita, democracia pode ser


direta ou indireta, também conhecida como representativa. A democracia direta
é aquela em o povo não delega a um terceiro, a possibilidade de tomar as decisões,
participando diretamente tanto da administração, quanto da tomada de decisões.
É o modelo de democracia defendido por Rousseau e também por outros liberais,
e que nos momentos em que a Grécia usufrui desta forma de governo, foi o pra-
ticado pelos gregos, principalmente na cidade de Atenas. O problema é que este
tipo de democracia exige uma participação intensa do povo, e que praticamente,
no modelo quantitativo, torna impossível a sua existência em sociedades mais
numerosas, principalmente num mundo moderno, caracterizado pelo modo de
produção capitalista, aonde as pessoas teriam que deixar os seus afazeres, para se
reunirem em locais específicos e discutir os assuntos de interesse geral e depois,
aprovar ou não os mesmos. Defendendo este tipo de democracia Rousseau de-
fende a ideia de que os homens não podem delegar aos outros, a responsabilidade
de continuar defendendo as suas liberdades e outros direitos.
Quanto a democracia indireta ou representativa é aquela que vivemos no
Brasil, ou seja, dependendo das divisões políticas administrativas internas, o povo
elege os vereadores para representa-los no legislativo municipal, deputados es-
taduais junto ao legislativo estadual e deputados federais e senadores junto ao
Congresso Nacional, além de prefeito, governador e presidente, que são cargos
executivos. Sendo assim, delegamos a outras pessoas a possibilidade de nos re-
presentar neste modelo de democracia.
Mas experiências mais recentes, principalmente na América Latina, têm cria-
do possibilidades de incremento para participação direta do povo nas decisões
do governo, como aquele, embora ainda polêmico, projeto da criação dos Con-
selhos Populares pelo atual governo do Partido dos Trabalhadores. Uma espécie
de órgão consultivo junto ao poder executivo, que representando determinados
segmentos da sociedade, pudesse de forma direta, fornecer subsídios para que o
governo fosse mais ágil e preciso nas suas decisões. O que se alega por contrarie-
dade é que se isto acontecesse, estaríamos diminuindo a importância do poder
legislativo, pois estaria sendo criado um canal direto entre o povo e o governo.

318
UNICESUMAR

Democracias Liberais

O assunto ainda é polêmico, mas o Professor Ricardo Côrrea Coelho assume


a sua defesa, e nos apresenta observações importantes sobre o mesmo. De forma
geral pensamos que toda democracia assume sempre o tom de ser liberal, em
outras palavras, o conceito comumente aceito é que “democracias liberais são
aqueles regimes em que o governo resulta da escolha da maioria por meio de
eleições periódicas, livres e justas e que, ao mesmo tempo, conservam todas as
características dos regimes liberais quanto às regras básicas de organização do
Estado e os direitos civis e políticos dos seus cidadãos” (Coelho, 2010, p. 113).
Já vimos que os governos liberais surgem antes dos governos democráticos,
e em alguns casos, criaram as primeiras referências para estes últimos, no entan-
to, naquelas formas iniciais de governos liberais, caracterizados normalmente
como Monarquias Liberais, a participação e a importância do voto estava muito
reduzida e quando acontecia, na esfera prática, os seus representantes tinham
muito o caráter de expressar o órgão que representava, como voz consultiva e
não deliberativa. Por mais de 200 anos, o Parlamento Inglês era apenas um órgão
consultivo e não poderia deliberar, porque a palavra final era sempre do rei.
Para Norberto Bobbio a democracia liberal “caracteriza-se pela divisão de
fato e de direito do poder e pela transmissão da autoridade política de baixo
para cima” (1998b), em outras palavras, o poder sempre pertence ao povo e não
ao governante, e aquele, através do voto, transfere ao mesmo, apenas o dever de
governar a todos, de forma a manter a sociedade coesa e administrar os proble-
mas oriundos desta vida em sociedade. Neste sentido, a liberdade de expressão,
de opinião e de pensamento, caracteriza-se como instrumentos importantes para
que o povo revele ao governo, o que este concorda ou não com suas ações e forma
de ser, como se a todo momento, o povo tivesse a intenção de corrigir os rumos
do governo, e também, para lembra-lo de que o poder pertence ao povo.
Seguindo esta corrente de pensamento, em uma democracia seja liberal
ou não-liberal, os homens estão a ocupar os cargos sempre de passagem, o que
permanece e também não lhes pertence, são as instituições que eles momenta-
neamente representam. É neste sentido quem, em determinados casos, se não
concordamos com o pensamento dos homens, devemos ao menos respeitar as
instituições que eles representam.
Outra característica importante, principalmente nas democracias modernas,

319
UNIDADE 19

é que normalmente os poderes estão tão bem distribuídos entre as diversas insti-
tuições que compõe o Estado, que praticamente, nenhum homem detém poder
maior do que aquele que necessita para exercer a sua função, é na realidade, mais
do que a simples teoria da tripartição de poderes de Montesquieu. Conforme
nos ensina Coelho, em tempos recentes, que tem tratado este assunto de forma
mais específica é o americano Robert Dahl, quando na obra, Poliarquia (1971),
cria o conceito que é o próprio título da obra, dizendo que a “a democracia é um
governo responsável para todos os seus cidadãos, tendo a igualdade política como
seu pré-requisito básico. Esta condição implica o direito de todos terem poderes
para formular, expressar e ter preferências igualmente consideradas na conduta
do governo” (Abu-El-Haj, 2008, p. 169). Sendo assim, conforme desta o Ciência
Político americano, mais do que direito, a democracia precisa de responsabili-
dade por parte das pessoas e devem influenciar de forma contínua nas próprias
decisões do governo.
A obra de Robert Dahl (1915-2014) é um referencial para uma leitura de
uma democracia sobre uma outra perspectiva, e até certo ponto, inovadora, com
a criação do que ele chama de poliarquia, ou ainda, uma democracia poliárquica,
que seria o novo modelo de democracia. A democracia poliárquica “é um sistema
político dotado de seis instituições democráticas, que passaremos a analisar a
seguir. Mas podemos afirmar que é diferente da democracia representativa, aonde
ainda existiam os sufrágios seletivos (no modelo de John Stuart Mill), e também
das democracias que comumente conhecemos.
Segundo Robert Dahl, é mais você construir uma democracia em pequena
escala, ou seja, em países com menor número de habitantes, do que realizar o
mesmo processo, em um país com grande espaço territorial e populacionalmente
mais denso, como seria o caso do Brasil. Para este tipo de país, a democracia exige
algumas instituições com características bem específicas e que vamos analisar a
seguir.
A primeira instituição política é que os funcionários sejam eleitos, a razão é
que “o controle das decisões do governo sobre a política é investido constitucio-
nalmente a funcionários eleitos pelos cidadãos” (Dahl, 2009, p. 99). Não se trata
apenas de meritocracia, pois as condições para as existências do mérito, pode
advir de circunstâncias justas para uns e injustas para outros, portanto, alia a
meritocracia com a escolha pela população para exercer os cargos públicos.
A segunda instituição política é eleições livres, justas e frequentes, o que daria

320
UNICESUMAR

as condições para que a primeira instituição fosse constantemente renovada,


pois “funcionários eleitos são escolhidos em eleições frequentes e justas em que
a coerção é relativamente incomum” (Dahl, 2009, p. 99).
A terceira instituição política é a liberdade de expressão, pensamento já
constante na obra dos primeiros defensores do liberalismo político, como John
Stuart Mill, fato este que se verifica em função de “os cidadãos têm o direito de
se expressar sem o risco de sérias punições em questões políticas amplamente
definidas, incluindo a crítica aos funcionários, o governo, o regime, a ordem so-
cioeconômica e a ideologia prevalecente” (Dahl, 2009, p. 99-100).
A quarta instituição política é a fonte de informação diversificadas, que de-
sencadearia por consequência, o próprio fortalecimento da liberdade de expres-
são, pois defende o autor (2009, p. 100), que as pessoas têm o direito de buscar
informações em todos os meios disponíveis, o que lhe permitiria, formar a sua
própria opinião acerca da democracia e também, tomar contato com o que outras
pessoas falam sobre a mesma.
A quinta instituição política é a autonomia para as associações, que se ca-
racteriza pela possibilidade dos cidadãos se organizarem, com a finalidade de
poder “obter seus vários direitos, até mesmo os necessários para o funcionamento
eficaz das instituições democráticas” (Dahl, 2009, p. 100). A finalidade é permitir
a existência de grupos e associações, que possam fazer reivindicações, ganhando
peso e força junto ao Estado. Neste sentido, é óbvio que tem muito mais peso e
também legitimidade, quando uma reivindicação vem de um Diretório Central
dos Estudantes (DCE), do que de um acadêmico de forma isolada, ou ainda, de
um pequeno grupo de acadêmicos. Onde não se identifica unidade de poder, não
se identifica força como consequência pelo não acatamento das ideias.
A sexta e última instituição política defendida por Robert Dahl (2009, p. 100),
é a cidadania inclusiva, em outras palavras,“a nenhum adulto com residência per-
manente no país e sujeito a leis podem ser negadas os direitos disponíveis para os
outros e necessários às cinco instituições política anteriormente listadas”. Em uma
democracia, dadas algumas condições básicas de participação, como pertencer a
uma nação, são se pode restringir os exercícios das ações necessárias, não só para
a realização da democracia, como para o próprio fortalecimento das mesmas.

321
UNIDADE 19

Democracia Liberal: Parlamentarismo ou Presiden-


cialismo

Nas democracias liberais, aonde a clássica divisão de Montesquieu ainda é


predominante, existe ainda uma zona de relacionamento bastante complexa, que
é a relação entre os poderes executivo e legislativo. Segundo Norberto Bobbio
(1998b), “a bipartição clássica distingue a Forma de Governo parlamentar e a
Forma de Governo presidencial. É preferível manter estas expressões a usar, em
vez delas, a distinção entre república parlamentar e república presidencial, uma
vez que, enquanto o presidencialismo é apenas típico de um sistema republica-
no, a Forma de Governo parlamentar se encontra tanto no âmbito dos sistemas
monárquicos quanto no dos sistemas republicanos”.
Para Norberto Bobbio, “a Forma de Governo presidencial é caracterizada,
em seu estado puro, pela acumulação, num único cargo, dos poderes de chefe do
Estado e de chefe do Governo. O presidente é eleito pelo sufrágio universal do
eleitorado, subdividido ou não em colégios”. Na figura de Chefe de Estado é ele
que nos representa junto aos demais governos e o grande responsável direto pelas
nossas relações institucionais internacionais, por outro lado, enquanto Chefe de
Governo, atua na figura de representante maior do poder executivo.
No sistema presidencialista, existe uma nítida separação de poderes entre
o representante do executivo, que é o presidente; e o poder legislativo. Destarte
algumas variações no papel do presidente, com maior ou menor poder, este se
caracteriza por ter sua eleição independente do parlamento. Geralmente, a sua
eleição vem através do voto direto do povo e se as eleições são realizadas no
mesmo período do poder legislativo ou não, é opção e variações possíveis e que
nem por isso modificam suas características.
Segundo Coelho,“presidencialismo e parlamentarismo são as duas principais
formas de organização dos governos nos regimes democráticos liberais. Suas
diferenças principais dizem respeito às relações entre Executivo e Legislativo e à
duração dos mandatos dos parlamentares e governantes” (2010, p. 115).
No modelo presidencialista, conforme já apresentado, o presidente exerce a
função de Chefe de Estado e Chefe de Governo ao mesmo tempo, ao passo que,
nos sistemas parlamentaristas, o que diferencia a pessoa do Chefe de Estado e
Chefe de Governo é a forma de governo. Sendo assim, nas Monarquias Parlamen-
taristas Constitucionalistas, a figura do Chefe de Estado pertence ao rei ou rainha,

322
UNICESUMAR

e o de Chefe de Governo ao Primeiro Ministro, eleito pelo parlamento, portanto,


pertence necessariamente a um dos seus pares, e normalmente é a bancada com
maior número de cadeiras, auxiliadas pelas coalisões, é quem acaba indicando
o Chefe de Governo.
Segundo Soares,“o sistema político parlamentarista trata-se de uma forma de
regime representativo dentro do qual a direção dos negócios públicos pertence
ao parlamento e ao Chefe de Estado, por intermédio de um gabinete responsável
perante a representação nacional” (2008, p. 344). Sendo assim, a eleição para o
parlamento dispara necessariamente as condições para que, o partido com maior
número de cadeiras e capacidade de coalisão, possa automaticamente disparar a
eleição do Chefe de Governo, na figura do Primeiro-Ministro.
O que é preciso esclarecer é que “dentre as características do parlamentarismo,
verifica-se, portanto, uma separação atenuada entre os poderes, dada a íntima
e constante colaboração entre o parlamento e o gabinete, o qual divide com o
Chefe de Estado a direção dos negócios públicos” (Soares, 2008, p. 344), o que
não significa de forma alguma, que a vida do Primeiro-Ministro seja uma vida
fácil, ao contrário, ele tem de forma intensa, a fiscalização de suas ações, sendo
realizadas diretamente pelos parlamentares, que ao perceber qualquer deslize,
ou descumprimento de metas ou outros, pode, em reunião específica, vota uma
“monção de repúdio ou descrédito” de suas ações, o que pode levar à sua subs-
tituição por um outro parlamentar. No entanto, o mandato do parlamentar tem
tempo definido e rígido, se é possível reeleição ou não, são mera características
culturais e política de cada país.
No entanto, existe uma característica de ordem jurídica-política que dife-
rencia o presidencialismo do parlamentarismo, é que o primeiro é eleito por um
mandato fixo para o exercício do poder, que é determinado pela constituição de
cada país, no nosso caso, é de quatro anos. Já o Primeiro-Ministro, o Chefe de
Governo do Sistema Parlamentarista, o exercício do seu cargo não tem definido,
ou seja, a qualquer momento, utilizando instrumentos democráticos e jurídicos,
o parlamento pode pedir gentilmente a renúncia do mesmo, ou o fazer através de
uma votação com prazo normalmente, quase que de imediato. Tudo depende das
circunstâncias e conveniências política e da força de seu partido no Parlamento.
Mas é preciso ressaltar que, “seria errôneo imaginar que sob o presidencia-
lismo o governo é mais forte do que sob o parlamentarismo. O simples fato de o
governo presidencial ser eleito diretamente pelo povo e o governo parlamentar

323
UNIDADE 19

ser eleito pelo parlamento, nada diz a respeito da força de um governo” (Coelho,
2010, p. 116). A força política se constitui a partir da força oriunda da represen-
tatividade numérica e da confiança que o povo pode ou não depositar no par-
lamento. Consiste na habilidade dos arranjos políticos necessários e inevitáveis,
principalmente, quando se tem um número muito grande de partidos políticos.
Outro aspecto a ser analisado, é que o parlamentarismo exige a existência
de partidos fortes e bem estruturado, pois caso contrário, o sistema pode não
funcionar de forma adequada, como por exemplo, já ocorreu em países subde-
senvolvidos, gerando, assim, instabilidade política, com reflexos nas demais áreas
do Estado.
Além do que, confiança e credibilidade política entre os partidos que com-
põe o parlamente, principalmente com relação ao Primeiro-Ministro, porque,
“na gestão deste sistema, ocorre uma série de votações de confiança que tem
como resultado outorgar ou retirar a referida confiança (em relação ao Chefe de
Governo)” (Soares, 2008, p. 344). E a retirada da confiança pode ser um pedido
diplomático, para que o Primeiro-Ministro renuncie e abra espaço para nova
composição de governo.
No próximo capítulos apresentaremos maiores detalhes sobre o sistema pre-
sidencialista, que é o sistema atualmente em vigor em nosso país.

Democracia Não-Liberal

Este é um assunto quem tem provocado discussões ainda iniciais, principal-


mente na América Latina. De forma geral, são democracias que possuem apenas
algumas características dos regimes democráticos, como o voto popular, mas
normalmente não apresentam a divisão de poderes, ou, quando apresentam, o
Presidente passa a exercer uma posição de decisão final sobre os assuntos.
Como apenas a perspectiva de lançar uma reflexão, recorremos a Coelho
que assim nos ensina: O cientista político argentino, Gillermo O’Donnell, criou
o termo “democracia delegativa” para dar conta dessa nova forma de regime de-
mocrático que surgiu no mundo nos anos 1990, em que todo o poder é delegado
aos presidentes. Argentina e Peru – e mais recentemente, Venezuela, Equador e
Bolívia –, são casos típicos de democracias delegativas, nas quais o governante é,
inquestionavelmente, eleito por procedimentos democráticos, mas exerce o poder

324
UNICESUMAR

sem limites claramente definidos. Brasil e Chile, contrariamente, são exemplos de


democracias liberais bem consolidadas na América Latina” (2010, p. 121).
Na realidade, o Presidente passa a concentrar uma grande carga de poder,
não porque imprimiu um golpe de estado, mas sim, porque foi eleito, através
de uma Constituição que já previa estes poderes, e em alguns casos, mudanças
constitucionais foram sendo provocadas e realizadas ao longo do caminho. A
característica mais forte destas democracias, e o que leva, entre outros, a serem
questionadas realmente como democracias, é uma forte intervenção do Estado
no campo econômico e o Estado atuando de forma direta e constante na distri-
buição de riqueza.
No entanto, o que se tem observado, principalmente no caso da Bolívia e da
Venezuela, a utilização do termo democracia, para, de forma lenta, instituir o que
se chama de república socialista bolivariana, tomando na figura de Simon Bolivar,
como o grande libertados da América. O que se oferece, na maioria destes casos,
é um discurso com fundamento no combate ao imperialismo americano e uma
aproximação com os resquícios dos últimos grandes países socialistas, e agora,
no rol do capitalistas, mas de oposição declarada aos americanos.
Nestes encontros e desencontros, o que se observa, é que vários destes países
que tentam estabelecer nuances na forma democrática, é o de que esperavam
um apoio incondicional da China, na condição de superpotência mundial, o que
acabou não acontecendo, porque a China faz o jogo que lhe é mais conveniente
no mercado e pouco se mostra preocupada com a expansão ou não do socialismo,
e mesmo, de países de menor expressão e que possam somar forças para fazer
frente ao poderio americanos e europeu. A China joga o seu jogo, e este não é
ideológico, mas sim econômico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das formas de governo existentes o que nos interessa é a democracia, não tratada
como a solução ideal para os problemas do Estado, mas sim, como a melhor das
possibilidades existentes, compreendendo sempre que, diferente do que a maio-
ria das pessoas pensam, democracia significa conflito, mas um conflito que se
supera pela construção dialética, e que tenha por finalidade maior a construção
do coletivo.

325
1. Explicar o que é uma autocracia.

2. Explicar o que é uma democracia direta.

3. Explicar o que é uma democracia indireta.

4. É possível inferir que governo liberal e governo democrático significam a mesma


coisa? Fundamentar sua resposta.

326
20
O Brasil
Me. João Lucas Foglietto de Souza

• Estudar e compreender a representação política na Constituição.


• Estudar e compreender o sistema partidário e a Constituição.
• Estudar e compreender os cálculos para a formação do parla-
mento.
UNIDADE 20

Introdução

Como apresentado na unidade anterior, podemos notar a pluralidade das formas


de governo existentes na contemporaneidade e as suas adversidades para aplica-
ção, desde oposição de conceitos até formas econômicas de aplicação.
No Brasil, adota-se, como regime de governo, a democracia indireta por todas
as influências externas recebidas, e a formação do estado brasileiro corroborou a
utilização desse sistema. Diante disso, é de suma importância a compreensão dos
elementos que compõem o sistema democrático brasileiro, desde as organizações
partidárias até as normativas que regem ao processo eleitoral brasileiro.

Representação e Sistema Partidário

Em nosso país, como dito anteriormente, a democracia indireta é tida como mo-
dus operandi político. Ela é uma forma de regime governamental com alta in-
fluência social, como o próprio nome, em sua língua original, traduz: demos: povo
+ cracia: governo, ou seja, um governo gerido, diretamente, pelo povo. Apesar
de possuir intuito nobre e com ideal de acesso popular direto à política gover-
namental, o modelo democrático enfrenta, desde seus primórdios, dificuldades,
sejam elas territoriais ou de subjetividade do governante.
Preliminarmente, é saliente destacar as formas de democracias existentes e
conceituá-las. Pode-se elencar, de forma inicial, a democracia direta, que nada
mais é do que a direta influência e participação do cidadão nos assuntos de um
estado ou nação. Atualmente, porém, nenhum estado existente pratica essa mo-
dalidade de regime governamental.
A democracia indireta, ou representativa, é aquela onde os cidadãos, por in-
termédio do voto, elegem seus representantes políticos (legislativo e judiciário)
que defenderão seus interesses de forma indireta ou representativamente. Este
meio é utilizado pela maioria dos países democráticos, incluindo o Brasil.

328
UNICESUMAR

A Representação Política

Como visto, a democracia é o regime de governo mais utilizado em todo mundo,


sendo aplicada em sua forma integral ou híbrida (países em transição), conforme
apresentado pela Intelligence Unit, agência de estudos políticos inglesa. A forma
de trazer o povo para “dentro” do governo traz o ideal de igualdade, interação
social e busca por justiça social.
Na criação da teoria da separação dos poderes, Montesquieu pensou em um
modo de separar os poderes dos governos absolutistas e dividi-los em três formas
por ele estipuladas: o Legislativo (legislar e fiscalizar), o Executivo (administrar)
e o Judiciário (julgar). Para tanto, foi desenvolvido, em contraponto, um sistema
dito de freios e contrapesos, que nada mais é do que “os poderes são independen-
tes entre si, mas podem controlar uns aos outros”.
De acordo com TJDFT (2018, on-line),


Montesquieu acreditava que para afastar governos absolutistas e
evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabe-
lecer a autonomia e os limites de cada poder. Com isto, cria-se a
ideia de que só o poder controla o poder, por isso, o Sistema de
freios e contrapesos, onde cada poder é autônomo e deve exercer
determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos
outros poderes. Verifica-se, ainda, que mediante esse Sistema, um
Poder do Estado está apto a conter os abusos do outro de forma
que se equilibrem. O contrapeso está no fato que todos os poderes
possuem funções distintas, são harmônicos e independentes.

[...]. O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do po-


der pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para
exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso
serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por
qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta
forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve
trabalhar em harmonia com os demais Poderes.

329
UNIDADE 20

Desse modo, no sistema brasileiro atual, existem os seguintes poderes:

■ Legislativo: aquele que é eleito pelo povo e representa a sociedade para


a elaboração de leis e projetos de interesse social.
■ Executivo: aquele que é eleito pelo povo e representa a sociedade na
forma de representação direta.
■ Judiciário: aquele que é aprovado em concurso, pelo 5º Constitucional,
ou indicado pelo Executivo (em situações específicas), ele representa o
povo na manutenção da justiça.

Sendo assim, vejamos que todos os poderes possuem o caráter de representati-


vidade indireta. Ressalta-se que o Executivo e o Legislativo são escolhidos pela
sociedade para exercerem sua condição política em prol dela, visando à melhoria
e à garantia do princípio da dignidade da pessoa humana, nos termos do Art. 5º,
da Constituição Federal do Brasil.
O poder Judiciário, também, possui representatividade indireta e, em alguns
casos, poderá ser nomeado diretamente pelo Executivo, mediante aprovação do
Senado Federal. Vejamos o Art. 84, XIV, da Constituição Federal:


Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governa-
dores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente
e os diretores do banco central e outros servidores, quando deter-
minado em lei” (BRASIL, 1988, [s. p.]).

No Brasil, as eleições ocorrem a cada quatro anos, sendo elas alternadas entre
eleições estaduais, federais (presidente, senadores, deputados federais e estaduais
e senadores) e municipais (prefeitos e vereadores).
A representação, por meio da escolha dos candidatos eleitos, demonstra uma
nuance específica do fenômeno democrático, porém também recai em situações
de conflitos pessoais e de interesses individuais, como escândalos de corrupção
vividos durante a História recente do país.

330
UNICESUMAR

Situações que trazem poder ao ser humano, também, entregam situações de


conflitos éticos e morais. Importante salientar que a ética e a moral comungam
da ideia de valores, mas são distintas entre si. Enquanto a ética está na seara in-
dividual, a moral se perfaz a um grupo de indivíduos e pode mudar com relação
ao tempo e ao lugar, já que seus valores são amplamente dinâmicos e mutáveis.
Desse modo, resta reforçar que a melhor forma de exercício da cidadania
seria por meio dos votos nas eleições, a qual é reforçada pelo texto constitu-
cional em seu Art. 14: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos [...]” (BRASIL,
1988, [s. p.]). Conforme apresentado, percebemos que o voto é a demonstração
da soberania por meio do sufrágio. Para tanto, resta conceituar e apresentar
como tal substantivo se apresenta.
A palavra sufrágio é oriunda do latim sulfragium, que significa aprovação e,
segundo Fayth (apud SILVA, 2000), é um “direito público subjetivo de natureza
política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e da ati-
vidade do poder”, em outras palavras, sufrágio é o direito do poder emanar do povo.
Para tanto, devemos nos atentar a um ponto importante na análise sobre o su-
frágio: apesar do texto constitucional apontar sobre a universalidade dele, não é pos-
sível afirmarmos, categoricamente, que o sufrágio existe em um universo absoluto.
Em relação conectiva entre o sufrágio e a sua relação com a Constituição
Federal, cabe apontar a contextualização do texto constitucional em si. A Carta
Magna brasileira, de 1988, foi batizada como Constituição Cidadã, visto que fora
a primeira, após longo período militar no país, e elencou direitos e garantias
fundamentais basilares à democracia. Esses direitos vinham sendo elencados e
reforçados num período Pós-Segunda Guerra Mundial, que abarcou a muitas
constituições esse teor humano. No Brasil, não foi diferente, a nova norma rom-
peu com o período ditatorial e preconizava pela democracia, tendo, inclusive, a
redação de forma expressa e taxativa de muitos preceitos, devido à preocupação
de rompimento que havia com o momento anterior.
Bonavides (1986) apresenta que “a rigor todo sufrágio é restrito. Não há sufrá-
gio completamente universal. Relativa, pois, é a distinção que se estabelece entre
o sufrágio universal e o sufrágio restrito em grau maior; o sufrágio universal em
grau menor”. O sufrágio universal poderia ser traduzido como uma metodologia
de interação social ampla e irrestrita, uma vez que não se estipulam limítrofes

331
UNIDADE 20

relacionados às qualificações pessoais do eleitor, como sexo, nascimento, raça,


grau de estudo, entre outras.
Vale aqui ressalvar, porém, que, apesar do próprio texto constitucional admitir
o sufrágio em sua forma universal, a mesma legislação brasileira limita certos
indivíduos de participarem das eleições como votantes, conforme exemplifica o
Art. 15, da Constituição Federal, nos termos apresentados:


Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou sus-
pensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem
seus efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação
alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º (BRA-
SIL, 1988, [s. p.]).

Salienta-se, ainda, que, no Brasil, não existe a cassação dos direitos autorais e
existem, além das supracitadas formas de limitação de participação das eleições,
situações em que os indivíduos possuem a faculdade do voto. Tal faculdade,
disposta no Art. 14, § 1º, pode ser aplicada aos cidadãos maiores de 16 anos
e aos menores de 18 anos, àqueles que possuem mais de 70 anos de idade ou,
ainda, aos analfabetos.
Diante da condição apresentada sobre o sufrágio universal, podemos traduzir
que nem todos aqueles que o englobam são obrigados e possibilitados a votar,
conforme apresentado pelo Art. 15, da Constituição Federal. Mas é de relevância
recordar que todos são passíveis de serem votados e possibilitados a votar, uma
vez exposto que não existe a cassação dos poderes políticos no Brasil.
Acerca do voto direto, tem-se, pelo TSE ([2022a], on-line), a seguinte colocação:


[...] manifestação direta do eleitorado sem intermediação; a garantia
de sigilo nas votações, fator de liberdade do eleitor; a universalidade
da habilitação dos cidadãos, respeitada apenas a exigência de idade
mínima; e a renovação periódica dos mandatos – são todos corolários
do princípio fundamental do exercício dos direitos da cidadania.

332
UNICESUMAR

Em oposição ao voto direto, existe o voto indireto, que pode ser, conforme Bo-
navides (1986), apresentado ao ser designado o poder do voto a delegados ou
intermediários que ficarão responsáveis pelo desenvolvimento do pleito.
Muitos outros sistemas republicamos já demonstraram afeição pela metodo-
logia do voto indireto, dentre eles, os já mencionados Estados Unidos, país que
tem como lema supra relativização do direito à liberdade, inclusive do direito
de voto. O voto indireto lá praticado em nada, aparentemente, abalou as formas
democráticas e republicanas existentes.
Por outro lado, cria-se, em muitas situações, um paradoxo de pensamentos
acerca do dever cidadão ao participar de uma eleição, seja, meramente, para votar
ou, até mesmo, para ser votado. Ora, o voto direto é um ato de exercício efetivo
de cidadania e democracia, e a sua omissão existente, muitas vezes, pela possibi-
lidade de se exercer, ou não, a votação em algumas nações, cria, de certo modo,
uma omissão de cidadania.
Em contraponto, o voto indireto angaria defensores por um receio que não
é indigno, sobre o caráter e a confiabilidade dos indivíduos que se apresentam
como candidatos. Em outras palavras, para certa parcela da sociedade, o voto
direto condiciona a obrigatoriedade de exercer um direito e corrobora as práti-
cas corruptivas, como a compra de votos e a utilização de influências e poderes
pessoais ou de um grupo, perante uma parcela da sociedade.
Apresentadas as formas de votos (direta e indireta), resta salientar que, na
democracia brasileira, o voto possui natureza igualitária, ou seja, não possui
“peso” definido por condições sociais e culturais, sexo, raça, entre outras carac-
terísticas. Analisadas as premissas necessárias acerca das bases da democracia,
representatividades e sufrágio, partiremos, agora, para as condições práticas das
eleições, mais especificadamente, as condições de eleição direta ou viabilidade
de um segundo turno.
Como ensinado anteriormente, em toda eleição, seja ela em caráter municipal,
estadual, seja presidencial, isto é, eleições para o Executivo (presidente, governa-
dor ou prefeito) e para o Legislativo, existe amparo legal para a realização de um
segundo turno eleitoral. Vejamos os Arts. 2º e 3º, da Lei nº 9.504/97:


Art. 2º Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Go-
vernador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados
os em branco e os nulos.

333
UNIDADE 20

§ 1º Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira


votação, far-se-á nova eleição no último domingo de outubro, con-
correndo os dois candidatos mais votados, e considerando-se eleito
o que obtiver a maioria dos votos válidos.
[...]
§ 3º Se, na hipótese dos parágrafos anteriores, remanescer em se-
gundo lugar mais de um candidato com a mesma votação, qualifi-
car-se-á o mais idoso.
[...]
Art. 3º Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a
maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos.
§ 1º A eleição do Prefeito importará a do candidato a Vice-Prefeito
com ele registrado.
§ 2º Nos Municípios com mais de duzentos mil eleitores, aplicar-se-
-ão as regras estabelecidas nos §§ 1º a 3º do artigo anterior (BRASIL,
1997, on-line).

Diante do trecho da Lei nº 9.504/97, pode-se notar que, no processo de eleição


dos candidatos ao executivo, estes serão eleitos pela maioria absoluta dos votos
válidos. Também é apresentada a forma de viabilidade de um eventual segundo
turno eleitoral, onde tal pleito é realizado caso nenhum dos candidatos alcance
a maioria absoluta.
Os candidatos do executivo, uma vez eleitos, poderão se candidatar novamen-
te a reeleição, apenas, uma vez em sequência, sendo vedada a permanência por
período maior a dois mandatos seguidos, conforme o Art. 14, § 5º, da Constitui-
ção Federal de 1988, com redação dada pela Ementa Constitucional nº 16/1997.
São importantes, também, os requisitos etários mínimos para cada cargo, sendo
eles: a) 35 anos para presidente da república, vice-presidente da república e senador;
b) 30 anos para governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal; c) 21
anos para deputado federal, deputado estadual ou distrital, prefeito, vice-prefeito e
juiz de paz; e d) 18 anos para vereador. Conforme disposto no Art. 14, § 3º, inciso
VI, da Constituição Federal de 1988, sobre o segundo turno, é importante enfatizar
a condicional existente para as eleições de prefeitos municipais, onde só será viável
um segundo turno em casos em que o Município possui mais de 200 mil habitantes,
sendo, neste caso, não aplicável para todas as cidades do país.

334
UNICESUMAR

Nota-se, também, que não são abarcados pelo segundo turno eleitoral car-
gos do Legislativo, sendo, portanto, eleitos no primeiro momento do circuito
eleitoral, ficando a condição de segundo turno exclusiva para aqueles que con-
correm pelo executivo.
Atualmente, o sistema eleitoral aplica a regra da maioria simples dos votos,
ou seja, aquele que possuir mais que 50% dos votos válidos, em primeiro turno, é
eleito. Caso contrário, os dois mais votados serão adversários em segundo turno
(observadas as condições do Art. 2º, § 3º, da Lei n.º 9.504/97).

Sistemas Eleitorais

Como vimos anteriormente, segundo o conceito de sufrágio, todo poder emana


do povo, sendo que cabe a ele a faculdade de escolha de seus representantes me-
diante o voto direto. Diante desse conhecimento prévio já fundamentado, resta
realizarmos um estudo acerca dos sistemas eleitorais para a realização da escolha
dos representantes em seus respectivos poderes (Executivo e Legislativo). Esses
sistemas podem ser divididos em dois grupos: majoritário e proporcional:

■ Sistema majoritário: é a metodologia utilizada para cargos executivos e


senado, consistindo puramente na representação, em determinado local,
pelo indivíduo que obtiver a maioria dos votos, sendo ela absoluta ou
relativa. Junto da metodologia majoritária, recai uma espécie de cobrança
oriunda do povo que realizou o voto naquele candidato, uma vez que, por
muitas vezes, o sistema proporcional acaba por não deixar uma ligação
tão direta entre o candidato e o eleitor, diante da forma de processo que
será expressa a seguir.

■ Sistema proporcional: esse sistema pode ser entendido como a con-


sistência de cada partido eleger o número de representantes conforme a
sua “força” política ou eleitoral. Tal influência pode ser obtida pelo deno-
minado quociente eleitoral, que será apresentado a seguir, realizando a
divisão entre o número de votos válidos e o número de cadeiras a serem

335
UNIDADE 20

preenchidas no Poder Legislativo. No Brasil, utiliza-se tal metodologia,


predominantemente, para os cargos legislativos, exceto ao senado.

Cálculo do Número de Candidatos

Na realização de uma eleição, cada partido possui número determinado e possível


para “lançar” a candidatura de seus filiados aos cargos do pleito. O Art. 10º, da Lei
nº 9.504/1997, apresenta as permissibilidades existentes sobre o tema:


Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara
dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas
e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do
número de lugares a preencher mais 1 (um).
§ 1º Revogado.
§ 2º Revogado.
§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo,
cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por
cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas
de cada sexo.
§ 4º Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se infe-
rior a meio, e igualada a um, se igual ou superior.
§ 5º No caso de as convenções para a escolha de candidatos não indi-
carem o número máximo de candidatos previsto no caput, os órgãos
de direção dos partidos respectivos poderão preencher as vagas re-
manescentes até trinta dias antes do pleito (BRASIL, 1997, on-line).

Sobre o texto normativo apresentado, cabe enfatizar a reserva do percentual para


a candidatura para cada sexo. Tal forma legislativa reforça a necessária busca
pela igualdade social entre os sexos, muito importante para a concretização de
uma cidadania plena. Exemplificando o texto para melhor fixação, tem-se: em
determinado município, o número de cadeiras para vereador é dez, nesse caso,
cada partido poderá apresentar, no máximo, 15 candidatos (equivalente a 150%
das vagas). Caso o mesmo partido realize uma coligação com outros partidos, o
número passaria a ser 20 candidatos a serem lançados (sendo o dobro de dez).

336
UNICESUMAR

Cálculo do Número de Deputados Federais

O cálculo do número de Deputados Federais de cada estado ou ente federado é


regido pelo Art. 45, da Constituição Federal, nos termos:


Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do
povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada
Território e no Distrito Federal.
§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por
Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei comple-
mentar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes
necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas
unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta De-
putados (BRASIL, 1988, [s. p.]).

Importante ressaltar a importância da Lei Complementar nº 78, de 1993, que


estabelece o número de 513 deputados na totalidade, e da análise, pelo IBGE, do
número de eleitores, no ano anterior à eleição, que estipulará o quantum de ca-
deiras em cada estado, sendo obrigatório o mínimo de oito deputados por estado.
Atualmente, de acordo com a Câmara dos Deputados ([2022]), a composição das
cadeiras figura-se da seguinte forma:

Estado Número de Deputados

Acre 08

Amazonas 08

Amapá 08

Distrito Federal 08

Mato Grosso do Sul 08

Mato Grosso 08

Rio Grande do Norte 08

Rondônia 08

337
UNIDADE 20

Estado Número de Deputados

Roraima 08

Sergipe 08

Tocantins 08

Alagoas 09

Espírito Santo 10

Piauí 10

Paraíba 12

Santa Catarina 16

Goiás 17

Pará 17

Maranhão 18

Ceará 22

Pernambuco 25

Paraná 30

Rio Grande do Sul 31

Bahia 39

Rio de Janeiro 46

Minas Gerais 53

São Paulo 70

Total 513

Cálculo do Número de Deputados Estaduais

A quantidade de representantes na assembleia legislativa estadual está, direta-


mente, ligada ao número de deputados federais eleitos. Conforme o texto cons-
titucional, em seu Art. 27, podemos entender:

338
UNICESUMAR


Art. 27. O número de Deputados à Assembleia Legislativa corres-
ponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Depu-
tados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos
quantos forem os Deputados Federais acima de doze.
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, apli-
cando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral,
inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, li-
cença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas (BRASIL,
1988, [s. p.]).

Cálculo do Número de Vereadores

O número de vereadores de cada município é variável de acordo com a sua popu-


lação, sendo necessário respeitar o limite máximo de representantes, estipulado
pelo Art. 29, inciso IV, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda
Constitucional nº 58/2009.
Tal dispositivo legal discorre sobre a composição das Câmaras Municipais,
sendo estipulados, no mínimo, nove vereadores para os municípios de até 15.000
habitantes e, no máximo, 55 representantes legislativos para as municipalidades
que possuem mais de 8.000.000 de habitantes. Os vereadores são eleitos para
mandatos de quatro anos e não existem limites de condições para sua reeleição,
nos mesmos moldes estipulados para os deputados federais e estaduais, anterior-
mente apresentados.

Senadores

Os senadores têm por missão política representar os estados perante a União


Federal. No sistema eleitoral vigente, o número de senadores é fixo: três repre-
sentantes por estado, portanto, temos 81 senadores na atualidade, com base na
Constituição Federal de 1988.
Os mandatos dos senadores da República, diferentemente dos demais membros
do legislativo, serão de oito anos, sendo que as eleições ocorrerão a cada quatro anos,
com renovação de 1/3 e 2/3, respectivamente, não havendo limites para reeleição.

339
UNIDADE 20

Sistema Partidário

O estudo do sistema partidário deve ser aceito como fundamental para os estu-
dos das ciências políticas, com vênia para a sistemática eleitoral brasileira. Nesse
momento, serão abordados assuntos correlatos e que se associam à modalidade
e tratam dos partidos políticos cuja temática se associa ao estudo.
Partido político nada mais é do que uma associação de indivíduos, denomina-
dos “membros do partido”, que se encontram e se coligam em prol de um mesmo
ideal na condução de um governo ou idealismo, com o intuito de atingir esse por
meio de um programa governamental ou plano de ações. Tal feitio só se torna viá-
vel por meio do apoio da sociedade, seja ela em qualquer forma, desde militantes
engajados até mero apoio moral ou simpatizante. Ainda, para Bobbio (1998):


[...] segundo a famosa definição de Weber, o Partido político é uma
associação [...] que visa a um fim deliberado, seja ele ‘objetivo’ como
a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja ‘pes-
soal’, isto é, destinado a obter benefícios, poder e, consequentemente,
glória para os chefes e sequazes, ou então voltado para todos esses
objetivos conjuntamente.

Os princípios que regem as organizações partidárias no Brasil são diversos, po-


rém cabe ressaltar a importância dos seguintes: liberdade, autonomia/democracia
e fidelidade/disciplina partidária. O Art. 17, da Constituição Federal do Brasil,
abarca todos os princípios elencados anteriormente da seguinte maneira:


Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos
políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático,
o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e
observados os seguintes preceitos:
I - caráter nacional;
II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade
ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

340
UNICESUMAR

III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;


IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
[...]
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir
sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação
e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua
organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha
e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a
sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de
vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, dis-
trital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária (BRASIL, 1988, [s. p.]).

Entre os partidos políticos, devem ser observadas as características e as divisões


existentes e intrínsecas ao Sistema Partidário. Importante apresentar as formas
de partidarismos possíveis e presentes na atualidade, sendo elas:

■ Unipartidarismo: admite-se, apenas, um partido como representante da


população civil, sendo utilizado anteriormente na antiga União Soviética
(URSS) e em Cuba. Pode-se dizer que se trata de um governo não demo-
crático, por não possibilitar a opção de candidato, ficando, indiretamente,
forçado a votar no candidato único.

■ Bipartidarismo: são admitidos, apenas, dois partidos que se caracteri-


zam por dois grandes partidos existentes disputando os pleitos. Como
exemplos, temos o cenário político dos Estados Unidos, onde os partidos
Democratas e Republicanos são figuras centrais do sistema eleitoral.

■ Pluripartidarismo: adotado pelo sistema brasileiro, representa a mais


clara forma de democracia e liberdade. Nada mais é do que a permissivi-
dade da existência de inúmeros partidos eleitorais, sendo, de acordo com
o TSE ([2022b]), 32 partidos inscritos hoje no Brasil.

341
UNIDADE 20

Cálculo das Vagas para Deputados e Vereadores

Nos casos dos representantes do Legislativo, são necessárias algumas conside-


rações acerca da forma de eleição. Para esses cargos, existe forma do voto de
legenda, que se divide da seguinte maneira: i) a manifestação de voto diretamente
no indivíduo (candidato); e ii) votar na legenda, que se traduz, puramente, no
partido político ou coligação.
Para a eleição dos candidatos ao Legislativo, o cálculo é realizado de modo
distinto do Executivo (majoritário), como apresentado anteriormente, são uti-
lizados aqui o sistema proporcional. Dessa forma, é necessário, para maior en-
tendimento e fixação do conteúdo, a conceituação de alguns termos técnicos
existentes no sistema proporcional eleitoral, que usaremos a seguir. Esses temos
são elaborados pelo TER-SC ([2022]) da seguinte maneira:

■ Cálculo de vagas: para deputados e vereadores, o cálculo de vagas é obtido


por meio do quociente eleitoral.
■ Quociente eleitoral:


O quociente eleitoral define os partidos e/ou coligações que têm di-
reito a ocupar as vagas em disputa nas eleições proporcionais, quais
sejam: eleições para deputado federal, deputado estadual e vereador.
Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos
válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição
eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente
a um, se superior (Código Eleitoral, art. 106).
Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos
dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias
(Lei n. 9.504/97, art. 5º).
Obs.: anteriormente à Lei n. 9.504/97, além dos votos nominais e dos
votos de legenda, os votos em branco também eram computados no
cálculo dos votos válidos.
Fórmula: Quociente eleitoral (QE) = número de votos válidos nú-
mero de vagas (TRE-SC, [2022], on-line).

342
UNICESUMAR

Exemplo:

Votos nominais + Votos de legen-


Partido/Coligação
da

Partido A 2.100

Partido B 1.050

Partido C 620

*Coligação D 2.000

Votos em Branco 275

Votos nulos 220

Vagas a preencher 10

Total de votos válidos


6.450
(conf. Lei 9.504/97)

QE = 6.450/10 = 645

Logo, apenas os partidos A e B e a coligação D — ilustrando eleições anteriores


a 2020 (veja explicação a seguir) — conseguiram atingir o quociente eleitoral e
terão direito a preencher as vagas disponíveis.

■ -Quociente partidário: o quociente partidário define o número inicial


de vagas que caberá a cada partido ou coligação que tenha alcançado o
quociente eleitoral.


Art. 107. Determina-se para cada partido ou coligação o quociente
partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de vo-
tos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas,
desprezada a fração.
Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um
partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou
superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quan-
tos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação
nominal que cada um tenha recebido (BRASIL, 1965, on-line).

343
UNIDADE 20

Fórmula: Quociente partidário (QP) = (número de votos válidos do partido ou


coligação) / (quociente eleitoral). Exemplo:

Partido/coligação Cálculo Q.P.

Partido A QPA = 2.100/645 = 3,25581 3

Partido B QPB = 1.050/645 = 1,62790 1

Coligação D* QPD = 2.000/645 = 3,10077 3

Total de vagas preenchidas por Q.P. 7

■ Cálculo da Média: é o método pelo qual ocorre a distribuição das vagas


que não foram preenchidas pela aferição do quociente partidário dos
partidos. Para as eleições anteriores a 2020, o mesmo cálculo era aplicado
às coligações. A verificação das médias é, também, denominada, vulgar-
mente, distribuição das sobras de vagas.

Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e a exi-


gência de votação nominal mínima serão distribuídos mediante observância das
seguintes regras:

I - O número de votos válidos atribuído a cada partido político (ou coliga-


ção, se antes de 2020) será dividido pelo número de lugares por ele ob-
tido pelo cálculo do quociente partidário mais um, cabendo ao partido
político ou à coligação que apresentar a maior média um dos lugares a
preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação
nominal mínima.
II - Será repetida a operação para a distribuição de cada um dos lugares.
III - Quando não houver mais partidos (ou coligações) com candidatos que
atendam às duas exigências do item I, as cadeiras serão distribuídas aos
partidos que apresentem as maiores médias.

344
UNICESUMAR

Fórmula:
Distribuição da 1ª vaga remanescente (1ª Média) = número de votos válidos do
partido (ou coligação) dividido pelas vagas obtidas via quociente partidário + 1
Distribuição das demais vagas remanescentes (Médias) = número de votos
válidos do partido (ou coligação) dividido pelas vagas obtidas via quociente
partidário + vagas remanescentes obtidas pelo partido + 1

Havendo mais vagas remanescentes, repete-se a operação. Exemplo:

1ª Média

Partido/Coligação Cálculo Média

Partido A MA = 2.100 / (3+0+1) 525

Partido B MB = 1.050 / (1+0+1) 525

Partido C MC = 620 / (0+0+1) 620

Coligação D* MD = 2.000 / (3+0+1) 500

Partido ou coligação que atingiu a maior média: Partido C

2ª Média

Partido/Coligação Cálculo Média

Partido A MA = 2.100 / (3+0+1) 525

Partido B MB = 1.050 / (1+0+1) 525

Partido C MC = 620 / (0+1+1) 320

Coligação D* MD = 2.000 / (3+0+1) 500

Partido ou coligação que atingiu a maior média: Partidos A e B

345
UNIDADE 20

Resumo das vagas obtidas por partido ou coligação:

Partido Pelo Q.P. Pela Média Total

Partido A 3 1 (2ª média) 4

Partido B 1 1 (2ª média) 2

Partido C 0 1 (1ª média) 1

Coligação D* 3 0 3

7 3 10

*A partir das eleições de 2020, não são mais permitidas coligações para eleições proporcionais. No en-
tanto o raciocínio para o cálculo do quociente continua o mesmo. O exemplo incluindo as coligações foi
mantido para que se entendam os resultados das eleições anteriores a 2020”

Considerações Finais

Apresentado todo o conteúdo teórico, resta a nós, como cidadãos e participantes da


sociedade civil, não, apenas, conhecermos as problemáticas existentes nas formas de
governo bem como as questões partidárias apresentadas, mas, sim, participarmos,
incisivamente, acerca das discussões existentes e fiscalizarmos os nossos eleitos.

346
1. Discorra sobre as formas de representação apresentadas e fundamente acerca da-
quela que se adequa mais a sua opinião.

2. Fundamente acerca da obrigatoriedade do voto bem como sua forma direta ou


indireta e posicione-se favorável ou contrariamente.

3. Explique quais são os sistemas partidários existentes.

4. Conceitue quociente partidário e se posicione sobre a forma de eleição por meio


proporcional.

347
UNIDADE 20

Saiba Mais

Sempre que falamos de política, é impossível fixar um pensamento único e tido


como correto. Portanto, procure livros, entrevistas e programas que versam sobre
a política para que o conteúdo tenha melhor fixação e permita maior visão do
assunto abordado nesta unidade.

Reflita

Democracia e governo representativo no Brasil, de


Rodrigo Mudrovitsch

Ney Bello

Que democracia nós possuímos? O que verdadeiramente caracteriza nosso regi-


me democrático? Ou, perguntado de outra maneira, qual o elemento constitutivo
do regime democrático sem o qual não podemos ousar falar em democracia no
Brasil contemporâneo?
‘Democracia e Governo representativo no Brasil’, de autoria de Rodrigo Mu-
drovitsch, enfrenta a questão lançando um pouco de luz sobre o modelo demo-
crático vigente no Brasil.
Diferenciando representatividade de democracia, e demonstrando que nem
toda democracia é — per se — um modelo de representação, o autor encontra
uma pedra de toque para o modelo democrático, caracterizando-o a partir da
limpeza dos canais de participação e de refrega de opostos. Regime democrático
não é aquele em que os representantes expressam o que o povo diretamente
quer e deseja, mas aquele no qual quaisquer das compreensões políticas têm a
legitimidade e a possibilidade de ocupar o espaço de poder.
Diferentemente de autocracias ou ditaduras, no regime democrático, os
opostos convivem e podem ocupar o poder sem eliminar o divergente. Não
é a representatividade que importa como característica que o define, mas a
possibilidade de alternância.

348
UNICESUMAR

Talvez o mais correto fosse dizer que a ideia de liberdade e tolerância política
está no DNA da democracia, e não a plena representação do povo por seus par-
lamentares e administradores eleitos. O Brasil será tão democrático quanto mais
pudermos tolerar pensamentos políticos opostos e permitir que pensamentos
divergentes ocupem o mesmo espaço de debates. A democracia brasileira precisa
de que ninguém intente eliminar o outro. Quando o direito e os juristas, o povo e
os detentores de mandatos legítimos operarem no sentido de extinguir o oposto,
a democracia terá acabado.
Isso se dá pela só razão de que o representante do povo não é exatamente re-
flexo dos interesses e compreensões do eleitor, abstratamente representado. Este é
um fato que se demonstra através da sólida constatação de que - no Brasil - quem
governa e sempre governou foram as minorias, nunca a maioria. O governo da
maioria é uma ficção; um topoi argumentativo e metafórico que serve para justi-
ficar decisões e acomodar movimentos. Máxime se não há governo direto, e mais
ainda se quem representa os despossuídos - à esquerda ou à direita - também faz
parte da elite, seja ela política, econômica ou intelectual. Talvez o autor admitisse
a hipótese de que o parlamento, como representante do povo, seja somente um
aguilhão discursivo, ou um fetiche acadêmico.
Em tempos de redes sociais e de internet fica clara a possibilidade de um
governo ou um parlamento flertarem com a democracia direta, com a busca
através da tecnologia do desejo primevo do eleitor. Resta saber se isso é desejá-
vel ou possível. Resta saber se isso é democrático ou totalitário. A maioria pode
ser totalitária e não admitir opostos; a maioria poder estabelecer uma ditadura
sobre a minoria.
Para o autor, não é essa a característica da democracia, mas, sim, a tolerância
e a possibilidade de participação política.
Ao enfrentar a tese segundo a qual nos tempos que correm as escolhas de-
mocráticas não são frutos de verdadeiras opções ideológicas, mas construídas a
partir da propaganda, a obra do professor doutor deixa a descoberto uma mentira
contada tantas vezes que se tornou verdade: a de que o parlamentar e o gover-
nante representam os interesses de quem os elegeu.
Seja tomada desde a propaganda eleitoral gratuita, seja admitida em razão da
propaganda dispersa nas redes sociais, o que importa é que a decisão da maioria
por um candidato ou por uma ideia política está construída a partir do grau de
informação que o eleitor possui acerca de um candidato ou de uma proposta.

349
UNIDADE 20

Consequentemente, a representatividade está e sempre esteve corrompida por


fatores reais de divulgação de fatos e opiniões. Antes, a comida e os benefícios
diretos; hoje, a corrente de WhatsApp e as redes sociais. A ignorância sempre
existiu - oxalá não fosse assim - como elemento catalisador de pensamentos a
favor de um ou outro representante que nem de longe representam as vidas, as
compreensões e os interesses dos representados.
A deturpação do interesse existe e é um elemento do jogo democrático.
Mais do que nunca vivemos uma “democracia de audiência” onde os eleitores
presentes num teatro argumentativo deliberam por escolher representantes que pro-
fessam o discurso desejado, mesmo que o resultado da sedução possa ser desastroso!
O grande mérito do texto do professor Rodrigo Mudrovitsch está em aban-
donar conceitos sedimentados acerca das características do nosso modelo de-
mocrático, oferecendo compreensões pragmáticas para entender quem somos e
para onde vamos!
Vale a leitura! Excelente tese de doutorado que agora nos aparece em livro!
Para nossa sorte!

Fonte: Bello (2019, on-line).

350
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Trata-se de uma obra completa e intrigante, desenvolvida pelo pro-


fessor Michael J. Sandel, da Universidade de Harvard (EUA), onde
promovem-se provocações constantes sobre os princípios éticos às
vezes deixados de lado pelos indivíduos. Neste caso, podemos fazer
uma analogia com o mundo político atual, onde, muitas vezes, nos-
sos políticos colocam os interesses pessoais à frente dos princípios morais e
éticos a eles confiados.

NOVAS DESCOBERTAS

Como sugestão de vídeo, sugiro a série House of Cards, da Netflix,


que possui a seguinte sinopse: o congressista Francis Underwood e
sua mulher, Claire, fazem de tudo para conquistar seus objetivos, não
importa o que aconteça. Um mundo político recheado de ganância,
corrupção e luxúria na capital Washington.

351
UNIDADE 20

CONCLUSÃO GERAL

Caro aluno,

O conhecimento da Ciência Política e da Teoria Constitucional é impres-


cindível para o Acadêmico de Direito, pois é das necessidades da sociedade e
do embate político resultantes destes conflitos, que o Legislador constrói todo o
campo do Direito.
Só é possível construir e debater novas teorias, se você conhece as teorias que
ao longo da história construíram o mundo em que vivemos. Portanto, a política
não pode mais ser tratada somente como uma conversa de “botequim”, mas sim,
como um elemento essencial para a existência da democracia.

352
ABRANCHES, Aparecida Maria. John Stuart Mill: a luta contra a opressão. In: FERREIRA, Lier
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