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e Teoria
Constitucional
PROFESSOR
Me. Cássio Marcelo Mochi
EXPEDIENTE
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino
de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi
FICHA CATALOGRÁFICA
Reitor
Wilson de Matos Silva
Me. Cássio Marcelo Mochi
Este curso tem por finalidade apresentar os fundamentos da Filosofia Política que irão
embasar as teorias necessárias para a construção da Ciência Política e Teoria Consti-
tucional, conhecimentos fundamentais para um acadêmico de Direito, pois o Direito
surge necessariamente de uma construção primeiramente política e somente depois
como norma.
Sempre que encontrar esse ícone, Ao longo do livro, você será convida-
esteja conectado à internet e inicie do(a) a refletir, questionar e trans-
o aplicativo Unicesumar Experien- formar. Aproveite este momento.
ce. Aproxime seu dispositivo móvel
da página indicada e veja os recur-
sos em Realidade Aumentada. Ex- EXPLORANDO IDEIAS
plore as ferramentas do App para
saber das possibilidades de intera- Com este elemento, você terá a
ção de cada objeto. oportunidade de explorar termos
e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
RODA DE CONVERSA
1
11 2
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CIÊNCIA POLÍTICA: EVOLUÇÃO
NOÇÕES E HISTÓRICA DO
CONCEITO DE PENSAMENTO
POLÍTICA POLÍTICO
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39 4 57
O PENSAMENTO OS
POLÍTICO DOS CONTRATUALISTAS
MODERNOS I
5
79
OS
CONTRATUALISTAS II
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM
6
101 7
109
OS CONTRATUALISTAS IV
CONTRATUALISTAS III
8
131 9
151
TEORIA DA TEORIA
DIVISÃO DOS FEDERALISTA
PODERES
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A LIBERDADE DE
EXPRESSÃO
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM
11
199 12
219
A CRISE POLÍTICA
DO ESTADO LIBERALISMO
MODERNO
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229 14
243
CORRENTES CORRENTES
POLÍTICAS POLÍTICAS
CONTEMPORÂNEAS I CONTEMPORÂNEAS II
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257
MUNDIALIZAÇÃO E
GLOBALIZAÇÃO
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM
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267 17
277
CIÊNCIA POLÍTICA E A CONSTITUIÇÃO
CONTEMPORANEIDADE DO ESTADO
MODERNO
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293 19
309
A CONSTITUIÇÃO FORMAS DE
DO ESTADO GOVERNO E REGIMES
MODERNO POLÍTICOS NA
CONTEMPORANEIDADE
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327
O BRASIL
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Ciência Política:
noções e
conceito de
política
Me. Cássio Marcelo Mochi
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Uma das mudanças mais significativas para a vida em sociedade, foi o mo-
mento em que os gregos, por volta do século VIII a.C. começaram a perceber
que a vida em uma sociedade organizada exige uma participação mais ativa
dos cidadãos nas decisões que afetam a vida de toda a coletividade. O rei e sua
existência caracterizam-se como elemento importante de constituição de poder,
necessário para controlas as vontades divergentes de cada um, no entanto, sua
importância assume uma graduação maior, quando este age de acordo com os
interesses coletivos.
E os interesses coletivos só podem ser externalizados através da política, e de
todo os recursos disponíveis para a sua existência. É preciso deixar claro que o
conceito de política pode ser aplicado sob as mais diversas formas de governo,
como por exemplo, durante o governo sanguinário de Nero em Roma. Neste
momento histórico também se fazia política. Nero se articulava politicamente,
assim como fizeram os militares no Brasil durante o regime militar.
No entanto, ela assume uma nova concepção, fugindo as suas características
iniciais. Sendo assim, a finalidade é analisar a política a partir de sua ideia original
conforme nos ensina Sócrates, no conjunto de sua obra, para quem a política não
torna os homens iguais, mas reconhece as diferenças e estabelece os seus limites
a partir da necessidade de se buscar uma vida em sociedade mais feliz e justa.
Quando falamos de vida em sociedade necessariamente surge a ideia de po-
der, as formas de ascensão ao poder e o exercício deste poder. Sendo assim, polí-
tica, poder e vida em sociedade constituem-se numa tríade inseparável. Dentro
desta relação de pensamento, “à política associa-se antes de tudo a dominação.
Quem governa não só administra pressões, como dizem alguns, mas também
exerce pressão: coage, reprime, busca se impor e obter obediência. De algum
modo, tolhe liberdades e movimentos” (Nogueira, 2004, p. 27).
Quem vive em uma sociedade organizada certamente está sujeito a uma
constituição de poder, que pode advir desde uma origem autoritária quanto de-
mocrática, pouco importa a forma de exercer o poder, em maior ou menor grau,
ela sempre espera das pessoas a submissão às determinadas condições, normas,
regras, padrão moral e outros. A política foi a forma que os homens encontraram
para dar um movimento próprio à esta vida em sociedade, no sentido de expres-
sar necessidades, vontades, desejos, junto a quem detém o poder. Sendo assim,
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. Explicar o que é a política.
2. Explicar o que significa dizer que a política é a forma que os homens escolheram
para movimento à vida em sociedade.
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Evolução
histórica do
pensamento
político
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argumentos, resultados de uma reflexão, que a filosofia criada pelos gregos nos
permite desenvolver diante do mundo que nos é apresentado.
Um dos primeiros e mais influentes representantes deste tipo de argumento
político é a figura emblemática de Sócrates. Para Maciel (2013, p. 4) é Sócrates,
com o seu pensamento filosófico, quem faz “do mundo humanamente construído
(o mundo do ethos) objeto de uma discussão racional”. Pensar o mundo possível
dentro das contingências humanas, com as ferramentas de que dispomos, e a
principal delas é a razão.
Francis Wolf caracteriza Sócrates como um ponto de interrogação ambulan-
te, que, aliás, foi um dos motivos que levou à sua condenação, ou seja, Sócrates
perguntava demais e respondia de menos. As suas interrogações eram na reali-
dade, uma provocação á própria condição política e social em que se encontrava
Athenas naquele momento histórico. Um momento que antecede a decadência
de Athenas e a ascensão do Império Romano e outros povos vizinhos.
Diferente dos filósofos posteriores a sua existência,“a contribuição de Sócrates
para a formação do pensamento político não consiste em nenhuma doutrina
ou mesmo esboço de doutrina sobre a pólis, mas na introdução de uma postura
investigadora e eminentemente crítica acerca das instituições sociais” (Maciel,
2013, p. 5). Consiste na identificação e definição da real finalidade das instituições
políticas e sociais necessárias à vida na pólis, como por exemplo, na obra nomi-
nada como Político, quando Sócrates interpela um político caminhando pela rua,
e pergunta se o mesmo se relaciona com a justiça nas suas funções de político.
O político afirma que sim, em seguida, Sócrates com a sua refinada ironia, lhe
pergunta o que é a justiça. O político não consegue responder de forma racional e
consistente e então, Sócrates de forma irônica demonstra que na verdade ele nada
sabe, mas assim mesmo, pensa agir com justiça. Moral da história: como alguém
que não sabe o que é justiça, pode realizar justiça? Ainda mais se tratando de um
dos representantes de uma importante instituição política? No entanto, este tipo
de questionamento levará Sócrates à morte.
Em suma, a política de Sócrates estava preocupa com as questões do cotidia-
no, não com as formas de governo e do exercício do poder, como depois, será a
grande preocupação, principalmente da Ciência Política. Ela estava preocupada
em questionar o que estava posto, o que se apresentava como real, verdadeiro,
concreto e que poderia ser percebido pela razão. Por exemplo, é perceptível pela
razão que vivemos num país com alto grau de corrupção, principalmente quando
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se trata da coisa pública. É algo real. É concreto. Está todo dia nos jornais e mais
raramente chega aos tribunais. Não se trata de um castigo sobrenatural, advindos
de forças que vão além da razão, mas sim de desvios de conduta dos homens. É
algo essencialmente humano, associado a uma deformação quanto ao desenvol-
vimento das virtudes necessárias ao homem público e mesmo ao privado.
Já Platão, o mais dileto e conhecido discípulo de Sócrates constrói uma pers-
pectiva diferente acerca teoria política, talvez porque tenha vivido no mesmo
período em que seu mestre Sócrates tenha sido julgado e condenado pela pólis.
Em Platão já é possível identificar a construção de uma teoria política, inclu-
sive com relação as formas de Estado. Este filósofo nos deixou uma obra filosó-
fica razoavelmente vasta para as condições de sua época. É verdade que na sua
maioria, escrita em forma de diálogo na voz de Sócrates, produz alguma confusão
entre o que realmente foi o pensamento de Sócrates e o de Platão. Mas nas obras
da chamada maturidade, de forma destacada A República e as Leis é possível
identifica a construção de um pensamento platônico original.
Para Maciel é a “partir de Platão que e o mundo da pólis é assumido, defi-
nitivamente, como parte integrante da agenda filosófica” (2013, p. 7). A política
é assunto da pólis, do ente coletivo, que deve ser governado pelos mais aptos e
capacitados, conforme nos ensina na obra A República. E na visão platônica o
governante deveria ser o Rei-Filósofo, que não se confunde com o Filósofo-Rei,
pois enquanto o primeiro tem para condições de aliar o conhecimento e força
necessária para governar com sabedoria, o segundo denotaria a exclusividade de
uma classe de homens que, embora amigos da sabedoria e da verdade, poderiam
não ter as habilidades necessárias para o exercício do poder, pelo fato de que, às
vezes, estes filosofam sobre outras características da natureza humana, que não
tem relação direta com a arte de governar e exercer o poder. Enquanto Sócrates
pensava a pólis do possível, concreta, real, Platão desenvolvia a sua teoria política
idealizando a pólis.
Se para Sócrates as classes sociais pouca importância tinham dentro do con-
texto da pólis, o mesmo não se pode dizer do pensamento platônico, para quem
cada classe social estava associada ao melhor de suas virtudes, sendo assim, “os
produtores, encarregados no labor e na obediência de alimentar a coletividade,
dão prova de temperança; os guerreiros, seus defensores, apegam-se à coragem;
e os arcontes (magistrados), decidindo e comandando, manifestam a sabedoria”
(Ruby, 1998, p. 22). Portanto, é possível inferir que a concepção de democracia de
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mente sujeita à vontade da maioria e nem sempre esta vontade se orienta pela
sabedoria, às vezes muito mais pelos seus impulsos momentâneos, outro aspecto
importante é que o fato de muitos participarem da elaboração das leis, não garan-
te que as mesmas sejam justas. Se a democracia tem em uma de suas raízes o ter-
mo dêmos, que é o conjunto, sociedade de homens livres, a liberdade nem sempre
é garantia de sabedoria e conhecimento, pois os animais irracionais também são
livres e nem por isso agem com sabedoria. O conflito de interesses da maioria e a
impossibilidade de se chegar a um termo comum e coletivo, levará esta forma de
governo à corrupção e este transformar-se-á na tirania, pois para colaborar com
este processo de degeneração, segundo Platão, surge a figura de um demagogo,
de um salvador da pátria e de seus problemas, desde que o poder se concentre
nas suas mãos. Nos parece algo bem conhecido na história da América Latina.
A tirania é o governo que se realiza pela força e vontade de um único ou
poucos homens. A vontade e o bem coletivo são suprimidos em função da ne-
cessidade de se manter o povo na condição de escravos e sujeito a uma única
vontade. O campo da política propriamente dito é suprimido e a violência passa
a ser legalizada em função da vontade do tirano. Não é mais a política, mas sim
o medo quem permeia as relações entre os homens e a desconfiança passa a ser
generalizada, pois o medo não apenas corrompe as pessoas, mas cala os protes-
tos. Stalin e outros ditadores sanguinários utilizaram e continuam a utilizar este
artifício, como por exemplo, os últimos resquícios de tiranias violentas ainda
existentes no mundo contemporâneo.
Ao descrever estas formas de governo e as suas sucessões, Platão nos ensina
que a natureza humana, quando se desvia da virtude e da verdade, pode ser fa-
cilmente corrompida, e mais, pois, as tipologias de governo “assim erigidas fazem
crer que o melhor governo resulta do pequeno número de governantes virtuosos”
(Ruby, 1998, p. 25). Segundo nos ensina Platão, a virtude nos permite caminhar
pela estrada do bem comum, aonde a pólis é o elemento central e necessário à
vida do homem, para nesta, e somente nesta, ele possa realizar suas potenciali-
dades.
Enquanto o pensamento político de Platão se encontra na sua obra como
um todo, e tem como objetivo o desenvolvimento de uma teoria política ideal, a
construção da Callipolis (bela Cidade), conforme nos ensina Ruby (1998, p. 20).
Aristóteles adotará perspectivas de análise diferente.
Uma das características de ordem formal que marca a obra aristotélica é que
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a religião, até porque, de longo período, a classe sacerdotal grega já não exercia
influência direta nas decisões de ordem social e política.
Se a pólis busca na sua construção a autarkéia, ou autonomia para governar
a si mesma, o mesmo não se pode dizer dos homens, que só conseguem realizar
a plenitude de suas potencialidades, se forem bem dirigidos pela pólis, e neste
contexto, destaca-se a educação como instrumento necessário a ensinar os ho-
mens a serem virtuosos, para que quando do exercício do poder, possam colocar
esta virtude à disposição da totalidade representada pela pólis.
Diferente de Platão, para Aristóteles “cada forma de governo tem uma causa
própria para sua corrupção” (Chaui, 2002, p. 472), sendo assim, um regime é justo
ou perfeito, não exatamente pela sua forma mas pelo interesse visado por quem
exerce o poder, sendo assim, uma monarquia, que é o governo de muitos, pode
ser justa, desde que o monarca governe de acordo com os interesses coletivos,
neste sentido, não podemos nos esquecer que muitos povos foram e continuam
sendo direta ou indiretamente governados por monarquias, como por exemplo,
a monarquia japonesa, para quem o Imperador é um exemplo de homem a ser
seguido, não porque é de descendência nobre, mas por que suas ações merecem
imitação. Portanto, “há governos justos de um só, de alguns ou de muitos, cada
qual podendo corromper-se e originar governos injustos, desde que se desviem
do interesse geral” (Maciel, 2013, p. 13).
Mas qual seria o pior tipo de governo para Aristóteles? Assim como em Platão,
a tirania é o pior de todos os governos, mas por causas diferentes, porque para
Aristóteles “a tirania é contrária à natureza das coisas, pois entre homens livres
e iguais, não é a razão, mas simplesmente a força, que determina que um seja o
senhor de todos” (Maciel, 2013, p. 14). É a força e não a razão que submete os
homens ao prazer de quem tem para si a prevalência da força maior. Na visão de
Aristóteles, nem o homem virtuoso pode ser capaz de enfrentar este tipo de força
e neste sentido, este homem virtuoso deve usar o seu conhecimento para restabe-
lecer a razão como fonte que guiará os passos dos homens. Não se caracteriza por
ser um homem medroso, para o qual existe uma carência da virtude referente à
coragem, e nem tão pouco, um homem destemido, que de nada têm medo pois
a este carece a virtude da prudência. Este homem deve ser aquele dotado, entre
outras virtudes, de prudência, que busque o meio termo, que saiba o momento
de agir e o momento de esperar a melhor oportunidade.
Mas o exercício do poder não pode ser realizado sem uma diretriz, um ele-
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mento que estabeleça os limites não apenas dos cidadãos, mas também do poder,
por isso que “a constituição política é uma espécie de estrutura que orienta o exer-
cício do poder, ditando a direção que ele tomará” (Maciel, 2013, p. 14). Aristóteles
chegou a estudar mais de 100 constituições políticas de cidade-estado grega de
sua época. Lamentavelmente estes estudos se perderam e temos acesso somente
a algumas destas obras.
É possível verificar em Aristóteles, e de forma mais sistemática do que nos
autores que o antecederam, a necessidade de que uma constituição política que
forneça o campo de ação para o exercício do poder, pois o governante não pode
governar apenas em função de seus desejos, mas daquilo que todos esperam que
ele o faça, e a forma de expressão, além da participação política, pois o cidadão
aristotélico assume para si esta responsabilidade, é através da submissão de todos
às leis que devem governar a pólis. A submissão tem que ter por fundamento a
justiça, pois com ela que devemos nos conformar, porque a “justiça fundante é
aquela que define a regra da proporcionalidade entre os cidadãos, criando os
iguais pelo tratamento desigual dos desiguais” (Chaui, 2002, p. 470).
Embora em Aristóteles a lei tenha a capacidade de expressar o que é justo
ou injusto, é da autonomia do homem virtuoso aprender e reconhecer que é sua
responsabilidade escolher a forma que realmente possa colocar a sua virtude em
prática, ou seja, que permita dar a ação um caráter de virtuosidade. Neste sentido,
o homem virtuoso age desta forma porque não reconhece outra possibilidade a
não ser esta, a escolha está em escolher a melhor ação. A lei é necessariamente a
positivação de uma vontade virtuosa, e ao homem virtuoso só lhe resta seguir a
mesma, no entanto, outros homens a seguem não por virtude, mas por medo de
suas consequências.
Corroborando com esta linha de raciocínio, Aristóteles destaca o papel po-
lítico importante assumido pela pólis, pois é a cidade quem “oferece a garantia
indispensável para a realização da verdadeira sociabilidade, a consciência de uma
existência política” (Ruby, 1998, p. 26). Por isso, o homem é um animal político,
mas político porque vive preocupado no seu relacionamento com o outro, com
fundamento nas virtudes.
Portanto, o pensamento político de Aristóteles leva em consideração a par-
ticipação e responsabilidade dos cidadãos no cumprimento de suas obrigações
para com a pólis, que é a de agir de forma virtuosa, pois virtude não pode ser
somente uma ideia, mas deverá materializar a sua existência através de nossas
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ações. De nada adiante alguém ser virtuoso se passar a vida inteira trancado em
um quarto, pois não estará colocando à prova as suas virtudes. Em Aristóteles,
a política e o homem que vive na política é acima de tudo, um homem que age.
Posterior ao pensamento de Aristóteles, e que sofrerá influência direta da
filosofia grega, encontra-se a figura de Políbio (203-120 a.C.) que na realidade
era um pensador grego mas que viveu em Roma, num período em que a Grécia
já se encontrava em decadência, mas ainda exercia a sua influência na filosofia,
como continua até os dias de hoje.
Políbio foi mais influenciado pelo pensamento de Platão, embora discordasse
do posicionamento platônico na busca de uma república ideal, pois se não era
possível ter o ideal, o Império Romano tinha demonstrado através de seus feitos
até então, que era possível ser grande e dominar uma vasta extensão territorial,
usando uma constituição política que buscava estabelecer o equilíbrio entre as
instituições política que a compunham, que rama monarquia, a aristocracia e a
democracia.
Quando se trata das formas de governos e suas sucessões, Políbio afirma que
as mesmas são cíclicas, alternando-se entre as boas e as más, mas sempre uma
se degenerando em direção à próxima. No entanto, considera que a forma de
amenizar essa degeneração é com a existência de uma constituição política, que
deve almejar a “estabilidade, pois só com ela a constituição pode, de fato, cumprir
sua função que é a de estabelecer uma ordem na vida social” (Maciel, 2013, p. 16).
Sendo assim, classifica as formas de governo entre boas e más, sendo as primeiras
constituídas pela monarquia, aristocracia e monarquia; e a más seriam a tirania,
a oligarquia e a oclocracia que é o governo da multidão desgovernada.
Com a decadência do Império Romano a partir de 476 d.C. e com o avanço do
poder da Igreja Católica, com a criação de estruturas administrativas e diretrizes
muito bem definidas de seu projeto de poder e de levar o Evangelho para todas
as religiões do mundo, adentramos o que ficou caracterizado como Idade Média,
que erroneamente foi por um longo período chamada de Idade das Trevas. Na
realidade foi um período de grande ebulição do conhecimento, que foi gestado até
o início da modernidade. Tem que se levar em consideração que para o ocidente,
a decadência do Império Romano deixou a população sem referencial de ordem
política e social, que pudesse agregar a sociedade. Ocorreu um esfacelamento das
grandes extensões territoriais, antes dominada pelos romanos e agora na posse
generais, e outros privilegiados durante este período, que começaram a se deno-
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minar de reis. Neste sentido, coube à Igreja Católica, junto com o seu projeto de
poder, começar a oferecer estes referenciais.
Neste período histórico a política foi influenciada pelo pensamento desen-
volvido por dois autores, ambos sacerdotes da Igreja Católica e rol dos maiores
filósofos do mundo ocidental, são eles: Santo Agostinho (354-430 d.C.), também
conhecido como Agostinho de Hipona (sua terra natal) e São Tomás de Aquino
(1225-1274). Embora pertencessem à Igreja Católica, possuem pensamentos di-
vergentes, principalmente no tocante à política.
Durante a medievalidade filosofia e teologia conviveram separadas por uma
linha muito tênue, que às vezes se rompiam, produzindo confusão sobre o campo
de atuação de cada uma. A filosofia passa a estar a serviço de Deus e a este não
pode contrariar. Na realidade, a política passa a sofrer ataques de todas as ordens,
contrariando tudo aquilo que o mundo grego e romano construiu ao longo de
suas existências, pois “os primeiros cristãos primitivos não param de propagar
tendências antipolíticas, desesperançosos do mundo aqui de baixo” (Ruby, 1998,
p. 39). A política já não pode tornar o mundo melhor, pois esta dádiva pertence
aos ensinamentos da Bíblia interpretados a partir da perspectiva e interesses da
Igreja Católica.
Corroborando esta forma de pensar, e dando fundamentos filosóficos e teo-
lógicos para estas questões é que Agostinho de Hipona desenvolve de forma
mais específica o seu pensamento político, que foi realizado através da “busca de
uma conciliação entre o pensamento racional e a verdade revelada que permitiu
o nascimento de uma filosofia cristã” (Maciel, 2013, p. 17), e esta sim, a filosofia
cristã, seria a verdadeira filosofia.
Se no mundo grego e romano o poder pertencia aos governantes, reis e im-
peradores para bem governar os homens, na medievalidade o poder deve estar
a serviço de Deus, pois é preciso instaurar uma nova ordem no mundo e neste
sentido, “os príncipes, a quem tal poder foi confiado, seriam ministros de Deus”
(Maciel, 2013, p. 18). O poder do príncipe seria reconhecido somente se estivesse
em coalisão com os interesses do poder espiritual, representado pela figura de
Deus. A espada deve estar a serviço de Deus, em todos os momentos, como o
foram a cruzada, momento em que o uso da espada encontra a sua legitimidade
no plano de Deus, para aqui estabelecer um novo mundo, afinal de contas, a
mesma não deveria ser utilizada para matar cristãos, mas tão e somente bárbaros
e hereges que se opunham a contribuir para a realização do plano divino.
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aquilo que o mundo lhe permite conhecer dentro de uma relação de experiência
e reflexão. A lei humana são normas impostas a partir de uma autoridade polí-
tico, com a finalidade organizar e normatizar a sociedade. Leis feitas para bem
ordenar os homens e que, diferente da visão de Agostinho de Hipona, podem
ser consideradas justas desde que estejam em consonância com a lei natural. E
finalmente, as leis divinas que “não é descoberta da razão, mas revelação prove-
niente das Escrituras Sagradas (Velho e Novo Testamento), destinada a sanar as
imperfeições da lei humana” (Wolkmer, 2001, p. 24). Mas a revelação pertence
somente aos cristãos, de forma mais específica, àqueles que se dedicam a Igreja e
cumprem com todas as suas obrigações, aceitando todos os seus dogmas.
Diante deste contexto, a lei humana é apenas uma pequena parte de toda esta
legislação e necessariamente precisa estar em consonância com elas, e de certa
forma, estabelece limites para a atuação do rei-legislador, o rei ainda não é sobe-
rano e cabe a Igreja estabelecer o papel de representante de Deus na terra, para
a defesa dos interesses de ordem espiritual. O rei governa, mas dentro da esfera
dos problemas terrenos e que de forma trata apenas de questões contingentes,
como por exemplo, as ações necessárias para construir uma ponte, desde que esta
possa ter como finalidade produzir o bem comum.
O pensamento político medieval forneceu os subsídios necessários à fermen-
tação do Estado Moderno, e sua filosofia não pode ser desprezada. Se em alguns
momentos filosofia e teologia parecem ser a mesma coisa, e às vezes o são, repre-
sentam características históricas de um mundo que busca uma nova forma de ser.
O pensamento político de Immanuel Kant pode nos esclarecer sob estas questões,
embora exija do leitor um conhecimento um pouco mais refinado de filosofia.
Pensadores posteriores a Tomás de Aquino, como por exemplo, Guilherme
de Ockham e Marsílio de Pádua irão apontar a decadência de uma “concepção
teocrática de poder” (Maciel, 2013, p. 22) e a necessidade de uma separação nítida
e efetiva entre fé e razão, demonstrando um fortalecimento do pensamento da
modernidade, para quem a existência do Estado não está relacionada com um
plano divino, mas sim uma construção natural e racional da condição humana.
Uma forma específica de organizar estabelecer o campo de atuação dos poderes
necessários, para que o Estado possa conduzir os homens a atingir o mais alto
grau de satisfação e bem coletivo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. Explicar qual o núcleo do pensamento político de Sócrates.
3. O que significa afirmar que: “o nosso mundo é o mundo dos gregos”? Fundamentar
sua resposta.
4. É possível inferir que Agostinho de Hipona e Tomas de Aquino tem a mesma visão
sobre a ideia de poder? Fundamentar sua resposta.
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O Pensamento
Político dos
Modernos I
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Nicolau Maquiavel
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UNIDADE 3
nossa “atenção para a natureza do poder, se o revela como criação humana resul-
tantes das condições de permanência da luta social, é porque se dirige àqueles a
quem o poder cega, que ainda não compreenderam que, por pouco que sejam, os
mais fortes estão com o poder ao seu alcance e qual o preço para sua conquista”
(Lefort, 2003, p. 14). É o realismo de Maquiavel nos revelando algo que caracteriza
a natureza humana, que a ambição ao poder e quando não a tem, pedem apenas
que não sejam oprimidos. Neste sentido, a conquista e conservação do poder
não se dirigem a todos, e tão pouco pode ser exercido por todos, mas somente
pelo príncipe que tem a obrigação de vislumbrar os horizontes que poder surgir
advindos de suas ações. O príncipe deve ser realista, mas sem deixar de ser tam-
bém um visionário.
Embora este raciocínio não apareça de forma direta na obra de Maquiavel,
mas está implícito no conjunto da mesma, era um dos seus objetivos demonstrar
que a unificação da Itália seria possível, desde que fosse realizado pela pessoa
certa. No entanto, tal feito não poderia ser realizado de forma graciosa, portanto,
“compreendendo que um povo deve consentir em certos sacrifícios para emanci-
par-se da tutela da classe dominante, que deve aceitar a mediação de um príncipe
para alcançar sua própria unidade” (Lefort, 2003, p. 15). A unificação da Itália só
seria alcançada através de uma aliança entre a próspera burguesia comerciante
e a monarquia absolutista e certo que está aliança precisava do apoio do povo,
que segundo Maquiavel, é como uma massa informe, que deseja apenas não ser
oprimido, mas pode ser um instrumento importante, pois as forças necessárias
para tal empreendimento, certamente viria desta classe uma vez que ele abomi-
nava a existência dos chamados exércitos mercenários, uma vez que, tão logo se
defrontassem com uma dura batalha, bateria em retirada para as suas regiões de
origem, porque não tinham vínculo que as terras a ser conquistadas.
É difícil dizer se a polêmica sobre o seu pensamento advém de certo precon-
ceito com o termo “maquiavélico”, ou se é resultante das análises concretas e reais
sobre a natureza humana e sua relação com o poder, no entanto, é evidente que
a sua visão sobre a política permanece mais atual do que nunca.
Maquiavel exerceu o cargo de chanceler durante parte do reinado da família
de Lourenço de Médici na Itália, sendo caracterizado como um homem plena-
mente inserido dentro dos ideais do renascimento e seu referencial será o grande
período clássico, predominantemente romano. É nos exemplos da história de
Roma que irá buscar as relações necessárias para o desenvolvimento de seu pen-
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UNIDADE 3
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UNICESUMAR
de glórias e sucessos, sendo assim, é preciso, como forma de fugir das questões
de interferência de ordem metafísica, buscar um conceito para o surgimento de
forças e acontecimentos que fogem à capacidade de controle do príncipe. Esta
força é a fortuna. A deusa caprichosa oriunda da mitologia romana. A deusa
que tanto pode ser boa, como pode ser má. Portanto, para Maquiavel, “a fortuna
representaria o imponderável, o acaso, algo que os homens não poderiam prever
e que, por isso, poderia lhes ser fatal caso os pegasse desprevenidos” (Guanabara,
2009, p. 33).
A fortuna é uma força que foge ao controle do príncipe, que se apresenta em
momentos inesperados, o imponderável, o que estava fora do cálculo, e que tanto
pode se apresentar de forma positiva, como de forma negativa, no entanto, um
príncipe de virtù saberá como tirar o melhor proveito da situação, que às vezes,
pode perfeitamente implicar em apenas minimizar o prejuízo, para poder re-
compor as forças e ai sim, diante de algo que se apresenta como visível, conduzir
a situação para o seu controle.
A política, assim como a natureza humana, não é estável, perene, constante,
para que se possa ter uma única fórmula para resolver todos os problemas, sendo
mutável, exige do príncipe capacidade para se adequar rapidamente às novas
circunstâncias, e isso ele o fará através da virtù. Sendo assim, virtù e fortuna, são
antagônicos, mas não totalmente opostos, se originam de fontes diferentes de
poder, mas se complementam em determinadas situações e o príncipe precisará
aprender a lidar com estas duas forças, e neste sentido, Maquiavel irá explorar o
máximo que estas possam lhes oferecer, porque também,“impõe necessariamente
a qualidade da audácia, da coragem e da virilidade para atrair e enfrentar a fortu-
na, bem como dominá-la. Pelo exposto, a estabilidade política estará sempre mais
perto do príncipe corajoso e impetuoso” (Guanabara, 2009, p. 35).
O príncipe, diferente de outros homens, está submetido a uma lógica da for-
ça, sob a qual não se aplica os mesmos ensinamentos dos homens comuns, no
entanto, não engendra os seus atos porque fora escolhido por forças externas,
principalmente de ordem metafísica, mas sim, porque é alguém que vislumbra
a possibilidade de dar ao principado, e projetando para o futuro o Estado, uma
unidade capaz de torná-lo forte e respeitado pelos seus vizinhos e opositores.
A complexidade destas forças impõe ao príncipe uma forma diferente de com-
portamento, se comparado à de outros homens, como é o caso da bondade e da
maldade, que devem ser aplicadas na dose certa e no momento adequado, até
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o fato de que é melhor ser temido do que amado, porque para com as pessoas
amadas, os homens às vezes confundem as coisas e podem pedir mais do que
realmente lhes é necessário e quando cobrados, retribuir menos do que o espe-
rado, no entanto, o príncipe temido se constitui sempre em uma autoridade a ser
respeitada, e que as pessoas tratam com cautela e normalmente, pedem menos
do que o necessário e contribuem mais do que o devido.
Temido mas não odiado, pois o homem odiado está sempre associado com a
ideia de alguém injusto e que comete injúrias, e Maquiavel alerta que os homens
jamais esquecem a injúria que um dia receberam. No entanto, deve o príncipe
ficar atento sobre a instabilidade da natureza humana, a razão “é que os homens
geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinhei-
ro, e, enquanto lhes fizerem bem, todos estão contigo, oferecem-te sangue, bens,
vida, filho, como disse acima, desde que a necessidade esteja longe de ti. Mas,
quando ela se avizinha, voltam-se para outra parte” (Maquiavel, Cap. XVII, 1987).
Por outro lado, não escapa do campo de atuação da fortuna a existência de
forças de ordem metafísica, às quais Maquiavel não quer tratar, mas também não
as despreza plenamente, neste sentido, “a oposição entre virtù e fortuna transfor-
ma-se em oposição entre poder de depender apenas de si e sujeição aos desejos de
Outro e esta, por sua vez, transforma-se em oposição entre autonomia do homem
e dependência de Deus” (Lefort, 2003, p. 55). A dependência de Deus pode existir,
mas prevalecerá somente depois de esgotada todas as possibilidades resultantes
do exercício da virtù. O realismo de Maquiavel não refuta a possibilidade da
interferência de forças externas à natureza humana, mas também não coloca o
príncipe como um refém deste tipo de força.
Outro aspecto importante na vida do príncipe, e que Maquiavel dedicou uma
obra especial, é que o mesmo deve compreender a guerra como uma arte e não
como um fardo a ser carregado, “deve, portanto um príncipe não ter outro ob-
jetivo, nem pensamento, nem tomar como arte sua coisa alguma que não seja a
guerra, sua ordem e disciplina, porque esta é a única arte que convém a quem
comanda” (Maquiavel, 2007, p. 71). Observando o mundo atual, podemos obser-
var que as chamadas grandes potências estão sempre se articulando no sentido
de demonstrar que se encontram preparadas para a guerra, em alguns casos,
mais do que para a paz, conforme se observa nos últimos redutos do malfadado
comunismo clássico. Sendo assim, o pensamento de Maquiavel continua mais
atual do que nunca, dentro de um contexto geopolítico em constante mutação.
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que aos nobres e outros, pois o povo apenas não deseja ser oprimido, sendo assim,
é mais sincero em seus desejos. Embora a liberdade seja um elemento importante
na obra de Maquiavel, ela é algo que precisa ser conquistada, e aqueles que a têm,
a defenderão até a morte, é neste sentido, que é mais difícil a um príncipe impor
sua personalidade e forma de ser, a um povo que já experimentou a liberdade,
devendo nestes casos, como última forma de recurso, exterminar a todos, se isto
lhe garantir segurança para a construção de sua obra.
Além dos ensinamentos próprios ao príncipe, para que possa bem governar,
outro aspecto de destaque na obra de Maquiavel é a questão do republicanis-
mo, com fundamento nos ensinamentos de Cícero e do Império Romano. Neste
sentido, embora Maquiavel mencione sempre o principado, como seu objeto de
estudo, na realidade, tinha profunda admiração pela república, sendo conside-
rado um dos restauradores da ideia de república, conforme nos ensina Newton
Bignotto (1991). Neste sentido, nos ensina Barros que “para Maquiavel, o governo
republicano favorece o surgimento das virtudes cívicas, uma vez que proporcio-
na aos cidadãos, ao conferir-lhes liberdade, um campo de possibilidade para o
desenvolvimento de suas potencialidades” (2012, p. 92).
Diferente de um principado, aonde o príncipe deve estar atento à variação
de humores dos homens, nas repúblicas, “são necessárias leis que permitam a
previsão dos modos ordinários de garantia da liberdade, de forma que o conflito
entre os humores ou as facções seja definido pelo público” (Ricciardi, 2005, p.
44). De certa forma todos se tornam responsáveis pela manutenção e defesa da
liberdade, pois ela é resultado de uma decisão coletiva e não da imposição de um
único homem, como é o caso de um principado.
A liberdade que o povo quer e deseja não se contradiz com o pensamento de
Maquiavel, pelo contrário, ela favorece a existência e necessidade da existência do
poder, porque “o desejo do povo de não ser dominado lhe parece mais próximo
da liberdade, porque revela uma face importante de sua manifestação que é a
ausência de ambição do poder” (Barros, 2012, p. 93). O povo deseja apenas não
ser oprimido, e não tem ambição de poder e tão pouco do exercício do mesmo,
podendo ser um aliado importante para quem exerce o poder, porque o povo,
numa república livre, torna-se sempre vigilante e atento às forças que se opõem
à sua liberdade e, portanto, também ao governo. O governo mais estável é aquele
em que o povo, conhecendo e conquistando a sua liberdade, não abre mão de
defendê-la sob qualquer circunstância.
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UNIDADE 3
Numa república o povo não pode ser considerado como uma massa informe,
tal qual Maquiavel o considera num principado, cuja ação política centra-se na
figura do príncipe, de seus seguidores e opositores, porque em uma república
aonde o povo livre, “para não ser dominado e viver em liberdade é necessário
que o povo resista e tenha uma ação política contínua em oposição ao desejo dos
grandes de dominar” (Barros, 2012, p. 93). Na realidade o povo age como um es-
cudo de proteção e vigilância entre o governo e aqueles que vislumbram o poder
a qualquer custo, pois tem apenas o desejo de oprimir o povo e tirar vantagens
de ordem pessoal no exercício do poder. Para proteger a sua liberdade e resguar-
dar os seus interesses, numa república o povo exige a construção de instituições
políticas e jurídicas que sejam capazes de exercer o poder com esta finalidade,
fortalecendo assim, a função de quem realmente exerce o poder.
Outra característica de uma república é quanto a manutenção do poder e
a estabilidade dessa forma de governo, a razão é que “na república, a conquista
da durabilidade acontece graças ao fato de que a primazia da ação, antes exclu-
sivamente reconhecida ao indivíduo-príncipe, torna-se patrimônio de todos os
cidadão” (Ricciardi, 2005, p. 47). É mais fácil manter a ordem e a lei, pois o povo
conhecendo que a lei é quem lhes garante a estabilidade passa a vigiar e a cobrar
de todos a sua obediência, cabendo ao governo apenas conter os excessos que
fogem a este controle.
Enfim, o príncipe de Maquiavel revela a política com um olhar que os gregos
e mesmo os romanos, ficaram ofuscados durante o seu período histórico, ou seja,
que existe uma lógica da força na política, que não permite muito espaço para a
prática das virtudes e moralidades que norteiam a vida de um homem comum,
dada a complexidade destas forças e mesmo a instabilidade da natureza humana,
quando se trata da existência do poder. Isso não quer dizer que aquele que exerce
o poder deve se despir da moralidade e da ética em todas as suas ações, mas deve
compreender que, a partir de Maquiavel é possível inferir que existe uma razão
de Estado, que faz com que determinadas ações não possam ser norteadas pelas
diretrizes de vida de um homem comum, pois os interesses em jogo estabelecem
outra lógica para o jogo político.
Os ensinamentos de Maquiavel nos auxilia a compreender porque, em nossa
história recente, o governo tem, a um custo elevado, defender a ideia de que a
inflação e a política econômica se encontram sob controle, procurando assim,
dissimular aquilo que parece óbvio. Tal artifício terá que ser sustentado o má-
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ximo de tempo possível, até que o governo consiga criar as forças e condições
necessárias para procurar contornar e enfrentar o problema. Principalmente no
campo econômico a arte da dissimulação apresentada por Maquiavel, pode ser
necessária, principalmente numa economia globalizada e muito sensível a peque-
nos ajustes de forças em momentos de instabilidade. É lógico que a democracia
contemporânea procurou criar mecanismos para reduzir o campo dessa dissimu-
lação, principalmente com o controle e exposição das contas públicas e outros,
mas mesmo assim, ainda existem espaços para este tipo de articulação política.
Republicanismo
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Pois a ambição dos bons cidadãos, portanto, dos homens virtuosos, encontra
o seu limite no próprio interesse de ordem coletiva, porque bem o sabe que é
o somatório da força de todos, que podem tornar o homem um ser grandioso.
Procedendo desta forma, estariam afastando os homens maus da vida pública,
privando-os de um poder para o qual não estão preparados para exercer. Neste
sentido, e seguindo a linha de pensamento aristotélica, da qual o mundo romano
não discordava, se o homem é um animal político, e por conseqüência um ser
social, tem o também, o dever moral de viver em sociedade, cuidando daquilo
que interessa a todos. A moral como mera expressão de uma individualidade,
termina com a ação do próprio indivíduo, ao passo que a moral resultante da
existência da república, se multiplica em cada indivíduo, tornando a sociedade
mais coesa e promissora.
Para Cícero, e com fundamento em Aristóteles, a moral se fundamenta na-
quilo que é mais apropriado, adequado, à vida em comum, sendo assim, carac-
teriza-se não como um direito do indivíduo, mas sim como um dever que o um,
tem para com todos. Antes um dever que um direito.
Para o filósofo, orador e senador romano, ainda com referência a sua obra
Dos Deveres, a “república é coisa do povo. E povo não é qualquer ajuntamento de
homem congregados de qualquer maneira, mas o ajuntamento de uma multidão
associada por um consenso jurídico e por uma comunidade de interesses. E a
primeira razão para se juntarem não é tanto a fraqueza quanto uma tendência
natural dos homens para se congregarem”. Sendo assim, existe uma finalidade
jurídica que é o d estabelecer uma ordem para as ações humanas, e também,
algo necessário para preservar e ampliar os interesses de cada um, o que acentua
uma das características de uma república, no modelo defendido por Cícero, de
que nela vive homens livres, obedientes a ordem jurídica, mas não submissos às
injustiças praticadas por qualquer forma de poder. Se os homens precisam viver
em sociedade, que pelo menos vivam da melhor maneira possível.
Os fundamentos de uma república são dois: a natureza de sua forma de go-
verno, que se estabelece por homens livres; e o direito, que garante a todos a
possibilidade de uma tutela mínima de seus direitos, através das instituições que
compõe a república. A garantia dos direitos se dá, entre outros fatores, por ser a
república uma instituição de caráter permanente, pois não se sustenta pela von-
tade de um só, mas pela vontade de todos.
Na visão de Cícero sobre a concepção da república, o problema não são as
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ação humana, conforme retratada por Maquiavel, e que passa a partir de agora, a
exigir uma ação, uma interferência humana e não mais sobrenatural, de natureza
metafísica, dependente das benções ou não de alguém que se nomeia como repre-
sentante da Igreja de Pedro e Paulo. Inicia-se então, a redução do poder temporal
e político da Igreja e que irá influenciar também a redução do peso político das
demais religiões que surgirão a partir do século XV. Na realidade, a engenharia
política foi mais sofisticada do que possamos pensar, pois os republicanos deste
período tinham que encontrar uma solução para conter o papado e ao mesmo
tempo as monarquias absolutistas, mas não era o momento adequado para um
confronto direto com nenhum destes poderes.
A ideia de republicanismo exercerá influência principalmente quando do
estabelecimento da primeira democracia no mundo ocidental moderno, que
surgiu com a Independência Americana e depois se propagou pela Europa e de
forma mais tardia, as demais regiões da América.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Maquiavel não tem nada de maquiavélico, mas apenas nos ensina que o po-
der não pode ser exercido por qualquer um, mas aquele que o exerce, precisa
compreender e estar atento a todo momento, sobre a lógica da força que move
este poder.
É ditado antigo que, se queres conhecer um homem, conceda-lhe poder, mas
Maquiavel vai além, quando nos ensina que este homem precisa ter “virtù” e
aprender a controlar e enfrentar a “fortuna”, caso contrário, o desastre será emi-
nente.
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1. Explicar qual a diferença entre realismo político e moralismo político.
2. Explicar o que significa a passagem, quando Maquiavel afirma que o “príncipe ora
precisa vestir pele de lobo, e ora, pela de cordeiro”.
3. É possível inferir que virtude e “virtù” são as mesmas coisas para Maquiavel? Jus-
tificar sua resposta.
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Os
contratualistas
Me. Cássio Marcelo Mochi
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Introdução conceitual
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de forma antagônica, pois, o direito divino nos remete a uma relação metafísica
é preciso ter “fé” e esta relação de fé não pode ser direta com Deus, mas precisa de
um intermediário, que é a Igreja, dirigida por um homem, com todas as limitações
de um homem comum, de outro lado, o direito natural que é resultado de uma
relação intrínseca com a própria natureza humana, todos o têm, independente
de sua existência política, o próprio Tomas de Aquino reconhece que Deus dotou
o homem de razão, para que, entre outras coisas, pudesse conhecer o direito na-
tural, e finalmente, o direito convencional legal que é resultado de uma vontade
racional, que se sustenta sobre a existência de um ente abstrato chamado Estado.
É sobre esta perspectiva do Estado, inicialmente levantada pelos contratualis-
tas, que a própria concepção de liberdade sofrerá mudanças, pois conforme nos
ensina Ruby (1998), “a sociedade política não deve resultar de um simples jogo
de forças, mas no engajamento de cada um num estado civil produzido por esse
engajamento. A liberdade efetiva apóia-se sobre um sistema de direito garantido
pelo Estado e cujo ponto focal é o cidadão”.
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perceber as sutilezas existentes nesta lei, porque até o mais tosco dos homens,
deseja ter momentos de paz, de tranquilidade, com a finalidade de descansar e
repor suas energias. O homem não é um animal criado para ter períodos longos
e intensos de atividade, mas sim, talvez o animal que mais tempo precisa para
repor as energias que gasta durante o seu tempo de atividade.
Se os homens, de comum acordo, transferem ao soberanos os seus direitos,
com a finalidade de que este protegesse e garantisse os seus direitos, ainda que
para tal ocorrer seja necessário o estabelecimento de outros direitos e deveres,
também deve reconhecer que este, a saber, o soberano, deverá ter também, com
fundamento na lei, o poder de julgar os atos cometidos pelos homens que entrem
em conflito com a lei, neste sentido, a finalidade do juiz é julgar e designar a pu-
nição de todos os homens que, se afastando da razão, coloca em risco a continui-
dade da existência do contrato. Em Hobbes, como também em outros filósofos,
a lei é uma criação da razão, um produto resultante da necessidade dos homens,
estabelecerem com fundamento na razão, leis capazes de conter os excessos que
colocam em risco a própria continuidade da liberdade, por mais precária que está
seja, e tratando o assunto com a visão positivista. Esta necessidade não é diferente
em Hobbes, pois se os homens estabeleceram um contrato, certamente, o mínimo
que se espera é que razão reconheça a necessidade de cumprir este contrato.
A lei em Hobbes é uma das condições para o estabelecimento do governo
civil e para a existência necessária do soberano. A construção da lei não pode
depender da vontade dos participantes do contrato, porque as suas vontades e
necessidades são contraditórias, como o eram no estado de natureza, ou seja, cada
um desejava fazer o que lhe era estritamente de seu interesse, contudo, o soberano
é alguém responsável pela segurança e estabilidade de todos, portanto, precisa de
liberdade para criar as leis que possam garantir esta segurança. No entanto, o que
caracteriza o homem hobesiano é que a maldade não estava presente somente
no estado de natureza, mas é característica de sua própria natureza, pois a sim-
ples existência do contrato, não pode ser considerada e nem comparada como
uma figura messiânica para a solução deste problema. Este tipo de consideração
contribui ainda mais, para a existência da lei. Ela é necessária e imprescindível,
como instrumento capaz de conter esta maldade, mas para tanto, é preciso que a
punição pela desobediência à lei seja tão dura, a ponto de desestimular os homens
a enfrentá-la em outra situação e também, de servir de exemplo aos demais.
Dentro desta perspectiva, a lei, em Hobbes, deve ter uma punição proporcio-
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nal ao ato cometido, porque “é dado que o objetivo da punição não é a vingança
nem dar largas à cólera, mas sim a correção do ofensor, ou de outros, através dos
exemplos, as mais severas punições devem ser infligidas àqueles crimes que são de
maior perigo para as coisas públicas” (Hobbes, 1979, p. 207). O homem não muda
as suas paixões e sentimentos, simplesmente porque agora vivem em sociedade,
estas inconstâncias e incertezas sobre o seu caráter, continuarão existindo, no
entanto, quando sob o poder das leis civis, no território governado pelo soberano,
o senhor absoluto e com capacidade para coordenar a vida em sociedade, surge
um instrumento que é a lei, desta forma, para Hobbes, é a força externa lei quem
será capaz de reconduzir os homens a racionalidade. Mas os homens não irão
obedecer às leis porque elas são simplesmente boas, mas sim porque temem o
poder da espada agindo sobre suas cabeças, quando ousarem enfrentar a lei. Não
é sem propósito que a figura que estampa a abertura da obra O Leviatã, entre
outros símbolos, apresenta-se o soberano com a espada na mão direita, pois não
é o texto da lei quem convence os homens, mas o fio da lâmina da espada, que
não pode entrar em ação, a não ser a mando da própria lei.
Para Hobbes, o juiz, que não é o soberano absoluto, mas um funcionário a
quem este delega temporariamente o exercício do poder, com fundamento na lei
criada por ele, pode vir a falhar, a errar, e mesmo cometer injustiça por descuido
de sua ação, no entanto, a sua autoridade não está sujeita a este tipo de situação.
A sua autoridade é infalível. A sua autoridade é inquestionável. É insubstituível.
Mas e quanto ao conceito de justiça? Hobbes nos ensina através da obra O
Leviatã, que no estado de natureza, o estado em que o homem se encontra numa
condição caótica, estado de insegurança e de instabilidade, não lhe permitia mi-
nimamente ter a ideia de justiça ou injustiça, sendo assim, quando avançam e pas-
sam a viver sob a proteção do soberano, são as leis civis instituídas pelo mesmo,
que estabelecem o parâmetro de justiça. Portanto, não faz sentido a preocupação
dos homens se o soberano será justo ou injusto, pois ainda nem experimentar
esta possibilidade, pois o estado de natureza hobesiano, é o estado onde todas
as finalidades de nossas ações estão associadas diretamente com a condição de
autopreservação.
Perspectiva semelhante nos apresenta Mascaro, quando nos ensina que “no
esquema hobesiano, a justiça e a injustiça se levantam a partir do Estado, da de-
terminação do soberano. Sua autoridade é a justiça, e justo ao súdito é se submeter
às leis civis, e não às leis naturais” (2012, p. 170). O termo súdito aqui se adequa
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comum” (Hobbes, 1979, p. 106). É um ente abstrato, que existe, mas não tem
vida própria, portanto, precisa de um corpo para lhe representar, sendo assim,
“àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui
poder soberano. Todos os restantes são súditos” (Hobbes, 1979, p. 106). Poder
soberano porque todos os demais poderes existentes a ele estão submissos, pois
uma das características do pensamento político de Hobbes é o de não admitir
a possibilidade de compartilhamento de poder, principalmente entre o poder
temporal e o espiritual.
Hobbes era contrário à divisão do poder. Afirmava que dividir o poder seria
o mesmo que dissolvê-lo, sendo assim, só deveria existir um poder sob a face da
terra, que é o pode temporal, depositado na figura do soberano que é absoluto
porque dele surge todas as leis, como conseqüência, “o soberano está acima das
leis, já que ele as estabelece e não é por elas limitado, pois ele pode livrar-se delas
graças a outras leis. O soberano está acima da justiça, já que é ele que define o
que é justo e o que é injusto; tudo que ele pronuncia e executa é justo a partir do
momento em que seus atos são soberanos” (Polin, 2003, p. 120-121).
O poder soberano tem para si prerrogativas sem as quais não poderia exercer
o seu poder com soberania, como resultado desta construção teórica, nos ensina
Hobbes que “pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras através das
quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar, e quais as ações
que pode praticar, sem ser molestado por qualquer de seus concidadãos: é a isto
que os homens chamam propriedade” (1979, p. 110). Portanto, o soberano não
governa de acordo com as suas paixões, vontades e sentimentos, mas o faz com
fulcro na lei, que embora tenha sido criada por ele, é necessariamente um pro-
duto da razão, e necessariamente, deve sempre buscar estabelecer uma condição
melhor aos homens. O soberano não fez um pacto com os homens em particular,
mas sim, foi a multidão quem fez um pacto com o soberano, com a intenção de
que este procurasse a paz e a segurança de todos. E mais, não é a figura privada,
particular do soberano que é absoluto, mas sim o Estado, este é absoluto porque
é sob a sua responsabilidade que os homens depositaram a esperança de paz e
segurança.
O soberano, enquanto soberano, não é um homem comum, mas um homem
singular, para o qual os homens, ao aderir ao pacto, transferiram ao mesmo os
seus direitos, com a finalidade de terem em troca, segurança, paz e ampliar a sua
própria autoproteçao. O soberano representa a soma dos desejos de todos os
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homens que aderiram ao pacto, portanto,“o agir comandado (ou concedido) pelo
representante é o mesmo agir do súdito, transformado na dimensão comum da
representação” (Piccinini, 2005, p. 135). É o mesmo caso de alguém que, através
de uma procuração, representa o seu titular, como se ele ali o tivesse, portan-
to, que aceita e reconhece a procuração, com amparo na lei, aceita e reconhece
que ali, através de seu representante, é como se o próprio titular ali estivesse em
pessoa. O soberano não se encontra nesta condição, simplesmente porque quer,
ou a escolher, mas como resultado da vontade e escolha dos homens, que não
fizeram uma simples concessão, mas uma transferência de seus direitos a quem
teria capacidade de governá-los.
O soberano absoluto, como o próprio adjetivo significa, tudo pode no exer-
cício do poder temporal, e assim deve fazer, pois é para esta função que ele surge
como um Leviatã, na condição de quem exerce a potestas, o poder temporal sobre
todos os homens, em contraposição à quem exerce a auctoritas, o poder espiritual,
mas que a partir da ideia de contrato, não mais o fará de forma absoluta, como o
fora durante a medievalidade. O fato do soberano absoluto deter tanto poder, não
se traduz num problema para Hobbes e nem mesmo, pelo menos no contexto de
sua obra, lhe parece causar qualquer embaraço, nos parece que “Hobbes está tão
consciente do caráter exorbitante dessas disposições que ele faz notar que, por
mais repressivo que seja, o poder soberano é menos prejudicial do que a ausência
de um tal poder” (Châtelet, 2009, p. 49).
A figura do Estado é fundamental para compreender a teoria hobesiana, na
realidade, o soberano é apenas um ser mortal que serve de motor para a própria
existência do Estado, e a paz, a segurança almejada, é resultante do cálculo dos
interesses, através da razão, portanto, “tal esforço de paz consolida-se no Estado,
esse soberano instituído, cujo papel consiste em proteger cada um, privando a
todos (daí seu nome, Leviatã, réplica do monstro bíblico, sob a forma de um
animal artificial), que submete cada um a concessões recíprocas, que realiza a
paz alienando cada direito natural ao singular” (Ruby, 1998, p. 79). Soberano
instituído porque existem outras formas de soberania, como por exemplo, aque-
las que são herdadas, mas não é este o campo de análise, e tão pouco a forma de
soberania que irá fundar o contrato de Hobbes, o que lhes interessa é a soberania
oriunda da escolha dos homens, pois a ideia de contrato parte necessariamente da
condição que os homens são livres para estabelecer este tipo de relação jurídica.
Se na perspectiva de Hobbes a natureza humana é sempre um problema a
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crime cometido pelo súdito é de tal risco à preservação do contrato, que a única
medida que resta ao soberano é esta medida extrema, mas com fundamento na
racionalidade que elaborou a lei, que permite ao soberano tomar tal decisão. Ele
o faz não porque quer, mas porque tem poder, legitimidade e legalidade para tal.
Uma questão normalmente levantada é: porque o soberano agiria com tanta
justiça, com uma conduta irreparável, se ele também é um homem, um ser huma-
no comum, que poderá cometer os mesmo erros de outros homens? É Frateschi
que nos oferece e desenvolve uma linha de raciocínio para esta resposta, porque
“a aposta que os homens fazem ao dar poder absoluto ao Estado não é infundada:
espera-se que o soberano, desejando manter a sua vida, a sua força e a sua glória,
vá zelar pela segurança de seus súditos” (2008, p. 319). O homem também tem e
deve proteger a sua vida, e assim como os demais homens, deseja e quer o poder,
mas sabe que agora, no Estado, o poder lhe fora concedido, para que em troca
oferecesse aos homens segurança, paz e a preservação de seus interesses.
Mas ele também tem os seus interesses, pois “como todos os homens, ele
é guiado pelo princípio do benefício próprio, e a sua permanência no poder é
mais facilmente garantida se houver paz. Conta-se, portanto, que ele aja para
manter a paz e a segurança dos súditos e não para promover o seu prejuízo e a
sua morte” (Frateschi, 2008, p. 319). Neste sentido, quanto mais preservados e
prósperos forem os interesses dos seus súditos, mas garantido está o seu poder e
a permanência no mesmo, sendo assim, “espera-se, enfim, que ele seja racional e
governe de acordo com as leis da razão, pois essa conduta garantirá a manutenção
da paz e, por conseguinte, a manutenção de seu poder” (Frateschi, 2008, p. 319).
Mesmo com a figura do soberano, Hobbes procura identificar e nos apresentar
que também nele se manifesta as mesmas características do homem comum, a
de que cada um procura garantir e preservar os seus interesses.
Existe um limite para a lealdade e obediência dos súditos ao soberano? A re-
lação entre os súditos e o soberano é sempre de reciprocidade dos interesses, pois
o súdito não admira o soberano por questões de ordem subjetiva ou metafísica,
mas sim em função dos resultados satisfatórios que o soberano traz aos interes-
ses de cada um. O homem hobesiano é calculista e não romântico, como o é de
Rousseau, ou ainda, um homem virtuoso de forma incondicional, como o é o de
Aristóteles. Sendo uma relação de reciprocidade de interesses,“os súditos perdem
a obrigação de obedecer àquele governante que foi derrotado por um invasor
inimigo” (Adams e Dyson, 2006, p. 53). A razão primeira é que o soberano não
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cumpriu a sua parte no contrato, que era o de oferecer segurança e paz, e depois,
“o soberano deixará de ser soberano, e os súditos terão pleno direito de transferir
sua lealdade para o conquistador, ou seja, para alguém mais apto a protegê-los do
que o soberano derrotado” (Adams e Dyson, 2006, p. 53).
Finalizando, o Estado em Hobbes não está associado com uma crença que se
situa fora da condição material deste mundo, daí, entre outras questões, Hobbes
ser chamado de materialista – o que ele nos apresenta, é que as relações humanas
são movidas pelo interesses, pelos cálculos que os homens fazem da relação cus-
to-benefício de suas ações. Dentro desta perspectiva, embora trave uma batalha
para a desconstrução da ideia de um poder espiritual concorrente com o poder
temporal do soberano, reconhece que o mesmo medo que os homens têm do
invisível, é o medo que os move também do estado de natureza para o governo
civil. É o mesmo medo que os leva a obedecer a lei criada pelo soberano, mas com
uma diferença: enquanto o medo do invisível não ocorre neste mundo material,
concreto, real, o medo das leis é real, concreto, pois o sofrimento resultante da
sanção prevista pelas mesmas, deve ser imediato.
O pensamento teológico-político de Hobbes, com a sua defesa na separação
do poder espiritual do temporal, com a prevalência deste último, contribuiu com
a “construção de um Estado neutro, acima de qualquer partido político ou seitas
religiosas, levou ao positivismo jurídico. No seu conceito de lei formal não impor-
ta o conteúdo, isto é, o valor da lei. Exige que a lei seja proveniente de autoridade
competente dotada de poder coercitivo” (Branco, 2009, p. 83). Perspectiva que
ajuda a recuperar do direito romano uma célebre frase: dura Lex, sed lex, tra-
duzindo: dura é a lei, mas é a lei. Uma vez que a lei exista e tem por fundamento
uma autoridade legítima e legal, só cabe aos homens obedecê-la. E também, é
possível inferir que “o direito, assim como a religião, não passa de um instrumento
a serviço de quem tem o poder fático de mando” (Branco, 2009, p. 83).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. Explicar como as ideias contratualista tratam a questão do direito natural e direito
positivo.
3. Explicar porque Thomas Hobbes recorre a figura bíblica do Leviatã para explicar a
existência do Estado.
4. É possível inferir que o Soberano Absoluto de Thomas Hobbes poderá ser deposto
pelo povo? Fundamentar sua resposta.
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Os
contratualistas – II
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é tratar do poder político “que é o direito de editar leis com pena de morte e,
conseqüentemente, todas as penas menores, com vistas a regular e a preservar
a propriedade, e de empregar a força do Estado na execução de leis e na defesa
da sociedade política contra os danos externos, observando tão-somente o bem
público” (Locke, 2001, p. 381). Explicita a necessidade de defesa da sociedade
política, que é o campo máximo da vida social de um homem, assim como, es-
tabelece que o ponto de chegada, para o qual toda a energia necessária deve ser
empregada é a ideia de bem público, ou bem comum, que já estava presente e
delineado em Aristóteles.
Diferente do pensamento de Hobbes, para Locke o estado de natureza é “um
estado de perfeita liberdade para regular suas ações e dispor de suas posses e pes-
soas do modo como julgarem acertado, dentro dos limites da lei da natureza, sem
pedir licença ou depender da vontade de qualquer outro homem” (Locke, 2001, p.
382). Perfeita liberdade porque existe somente a lei de natureza a regular as ações,
no entanto, esta não depende de um agente externo e tão somente, da vontade
do homem em obedecer aos seus ditames ou não, sem temer as conseqüências
por suas escolhas. No entanto, o próprio estado de natureza fornece aos homens
uma lei capaz de lhe apontar qual a decisão correta a ser tomada, que é a razão,
cuja lei “ensina a todos aqueles que a consultem que, sendo todos iguais e inde-
pendentes, ninguém deveria prejudicar a outrem em sua vida, saúde, liberdade
ou posses” (Locke, 2001, p. 384). No entanto, e até como forma de preservar a sua
preocupação com a liberdade, esta lei ensina a todas aqueles que a consultem,
o que abre a perspectiva que alguns homens poderão não realizar esta consulta,
portanto, não é uma lei que obrigue os homens, mas que é colocada à disposição
dos mesmos, o que abre a perspectiva para a possibilidade de existência de infra-
tores. Tal disposição de pensamento é coerente com a preocupação de Locke, um
ardoroso defensor da liberdade, que constitui um dos pilares para a fundação de
sua teoria, senão o principal deles.
Se o estado de natureza é o estado da mais perfeita liberdade, não quer dizer
que seja o estado aonde o homem seja o mais perfeito, portanto, diante da liber-
dade dos homens, em consultar o não o que a razão lhes aconselha a fazer, cada
um fica responsável se comportar como a lei de natureza determina, também
de julgar e executar a lei quando da transgressão desta lei contra a sua pessoa,
pois “no estado de natureza todos têm o poder executivo da lei da natureza, não
duvido que se objetará que não é razoável que os homens sejam juízes em causa
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que ali se estabelecesse a sua propriedade, pois sendo de todos, todos poderiam
e deveriam usufruir do que ela viesse a produzir, ou pela simples necessidade de
por ali passar, repousar, ou ficar.
Este é o conceito de propriedade no sentido comum, comunitário, universal,
no entanto, seguindo a sua tendência liberal, aponta outro tipo de propriedade,
mas esta de ordem individual, e tão fundamento se constitui a partir da seguinte
passagem: “embora a Terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos
os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. A esta
ninguém tem direito algum além dele mesmo” (Locke, 2001, p. 409). Busca inicial-
mente uma definição individual da propriedade, partindo de um acontecimento
natural, que é a própria vida, e que ninguém pode negar que não seja pertencente
ao próprio indivíduo.
Mas a questão neste momento não é o de tratar o direito à vida, o que já
fora feito em momento anterior, mas sim em de discorrer sobre outro fato, que
é consequência direta da vida, ou seja, a de que “o trabalho de seu corpo e a obra
de suas mãos, pode-se dizer, são propriamente dele” (Locke, 2001, p. 409). Esta é a
primeira propriedade a que o homem tem direito, já quando no estado de nature-
za, mas neste estado, isso serve apenas para garantir a sua sobrevivência, mas para
caracterizar o direito de propriedade quando da instituição do poder político, é
preciso ser mais preciso e objetivo na definição, portanto, Locke especifica que
“qualquer coisa que ele então retire do estado com a natureza, mistura-a ele com
seu trabalho e junta-lhe algo que é seu, transformando-a em sua propriedade”
(2001, p. 409).
Já no estado de natureza, quando a água que passa o riacho no fundo de um
vale, pertence a todos e todos podem usufruir a mesma, no entanto, segundo Loc-
ke, se algum homem pega uma jarra, coleta e confina a água nesta jarra e leva para
outro local, a partir deste momento, o mesmo pode vir a exigir uma recompensa
pelo trabalho realizado, pois ali, naquele líquido confinado, existe um gasto de
força física realizada pelo seu corpo, e este lhe pertence, sendo assim, nada mais
justo do que ser recompensado pelo mesmo. Deus deu a cada homem as forças
necessárias à sua autopreservação e lhe restando forças, que também cuide dos
demais, mas merece ser recompensado pelo uso de sua força.
No entanto, quando aderir contrato, e passar a viver em sociedade os homens
irão através do poder político e por consequência das leis, estabelecer limites
objetivos sobre a propriedade, pois se ao matar um animal para o seu sustento,
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natural, tem baixa produtividade, e nem sempre possui o que realmente precisa-
mos. Portanto, se melhora a produção da terra a consequência e passa a produzir
mais do que o necessário para o seu sustento, tem que saber que, o mesmo não
poder desperdiçar, pois este tipo de conduta contrária a finalidade para o qual
Deus colocou a natureza à disposição do homem, mas como para um liberal
nenhum obstáculo é impossível de ser removido na defesa da liberdade, segundo
Locke, para resolver este tipo de problema, “instituiu-se o uso do dinheiro, um
instrumento durável que o homem pudesse guardar sem se estragar e que, por
consentimento mútuo, os homens aceitassem em troca dos sustentos da vida,
verdadeiramente úteis mas perecíveis” (Locke, 2001, p. 426). Portanto, o dinheiro
passa a ser um instrumento e ao mesmo tempo um motivo para que o homem
pudesse acumular riqueza, através de seu trabalho e comprando o trabalho de
outros. Tal conduta, na visão de Locke, apenas fortalece a ideia de que Deus deu
ao homem o trabalho, para que pudesse viver do seu sustento, e também, possibi-
litar que outros se utilizassem deste expediente para garantir a sua sobrevivência,
ainda que trabalhando para outro homem.
No entanto, quando da vida em sociedade, o homem que produz, com o
fruo de seu próprio trabalho, mais do que precisa, pode trocar o resultado de seu
trabalho por dinheiro, e dinheiro não apodrece, portanto, não desperdiça, sendo
assim, pode acumular este dinheiro, e vendo que o seu vizinho, ou outro, não
conseguem tornar a terra produtiva, e reconhecendo que a mesma lhes pertence,
pode comprar as terras e aumentar a produtividade de alimentos e outros para
a humanidade.
Surge então, outro problema: como fazer com a questão do trabalho, se agora
não poderá trabalhar mais do que o possível, e a sua extensão de terra é maior?
Na visão liberal de Locke este problema já estaria resolvido, pois se o homem
ao nascer já é dono do trabalho fruto de seu próprio corpo, e sendo livre para
dispor do mesmo, desde que se autopreserve e aumente as suas expectativas de
vida, pode vender a um preço justo, a sua força de trabalho para outro homem.
Neste caso, não se trata de exploração e nem injustiça, pois se paga pelo que sobra
a outro homem, o seu trabalho. Troca o fruto do trabalho do homem, por um
valor que se paga ao mesmo, de forma que ele continua a ser um homem livre
para dispor como achar melhor de sua força de trabalho.
Tratado das questões pertinentes ao direito à vida, à liberdade e á propriedade
é preciso compreender, como Locke trata a questão da formação do poder po-
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de resistir contra aquele que usurpou seu direito. Em Locke a vida, a liberdade e
a propriedade só podem ser transferidas a responsabilidade de outrem, quando
isto se fizer por convenção, ou seja, por livre e espontânea vontade dos homens,
não no sentido absoluto, mas apenas como forma de aumentar as garantias sobre
as mesmas.
Outra forma de dissolução do governo se dá através da usurpação que é “uma
espécie de conquista interna, com a diferença de que o usurpador não pode ja-
mais ter o direito do seu lado, pois só existe usurpação quando alguém se apodera
daquilo a que outrem tem direito” (Locke, 2001, p. 559). Usurpar é tomar por
posse aquilo que por direito não pertence ao pretendente, e como é de origem
interna, “constitui uma mudança de pessoas, mas não das formas e regras de go-
verno” (Locke, 2001, p. 559). A usurpação ocorre, por exemplo, quando um dos
poderes passa a exercer a atividade de outro, quando não existe previsão legal
para tal, principalmente se o poder executivo toma e assume para si, a atividade
de legislar, o que o pode fazer inclusive, colocando obstáculos para a convocação
e reunião do legislativo.
O ato de violência institucional do usurpador não lhe confere títulos e nem
pode transferir poder, e segundo Locke, “tampouco pode tal usurpador, ou qual-
quer outro dele derivado, ter jamais um título, até que o povo tenha a liberdade
de consentir, e tenha de fato consentido em permitir e confirmar nele o poder
que até então usurpara” (Locke, 2001, p. 560). Fica mais evidente ainda, que em
Locke a concepção de sociedade civil e política, de poder político, encontram-se
sempre no âmbito da liberdade dos constituintes do contrato e jamais pertencerá
a alguém que por violência, ou artimanha tenha, por presunção, conquistado tal
vantagem.
Outra possibilidade para a dissolução do governo é a tirania. Segundo Locke,
“assim como a usurpação é o exercício de um poder a que outro tem direito, a
tirania é o exercício do poder além do direito, a que ninguém pode ter direito”
(Locke, 2001, p. 561). Nenhuma tirania pode se fundar no direito, mas tão e so-
mente na ambição e vontade de ordem pessoal, ou de um pequeno grupo de
homens, sendo assim, “consiste ela em fazer uso do poder que alguém tenha nas
mãos não para o bem daqueles que estiverem submetidos a esse poder, mas para
sua vantagem própria, distinta e privada” (Locke, 2001, p. 561). A tirania contraria
qualquer possibilidade para a existência da liberdade, na qual o homem não se
encontre submisso à força de outro contra a sua vontade e também, ao seu direito
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UNIDADE 5
de por convenção escolher sob qual lei deseja ser governado. Também não per-
mite o respeito e a proteção do direito de propriedade, porque estas já não mais
pertencem ao povo, mas a vontade e inconstâncias do tirano.
A tirania é o reino da inexistência de leis justas, pois “onde termina a lei co-
meça a tirania, se a lei for transgredida para prejuízo de outrem” (Locke, 2001, p.
563). A finalidade da lei positiva deve ser sempre a de garantir a vida, a liberdade
e preservar o direito de propriedade, todos estes, elementos fundamentais e im-
prescindíveis para o estabelecimento de uma sociedade civil e política.
E finalmente, a última forma que é a dissolução do governo propriamente dita.
Para Jorge, “a dissolução do governo ocorre por violação da confiança, quando
o Poder Legislativo extrapola os limites que lhe foram impostos. Em outras pa-
lavras, quando viola os direitos naturais dos súditos” (2009, p. 120). No entanto,
conforme nos esclarece Locke, a dissolução do governo não é a mesma coisa que
a dissolução da sociedade.
A dissolução da sociedade ocorre quando da invasão de forças estrangeiras
e da derrota do governo para as forças invasoras, é que neste caso, o povo já não
está mais obrigado à obediência ao contrato, até porque, o poder político do qual
constituía a peça fundamental deste contrato, já não mais existe como poder
soberano de editar as leis, tal qual pactuado.
A dissolução do governo tem característica diferente, porque a sociedade
continua a existir e o povo continua preso ao contrato, mas este é o caso em que
“o poder político torna-se uma ameaça aos direitos naturais, isto é, à propriedade
e, conseqüentemente, o governo se dissolve, o poder supremo retorna ao povo”
(Jorge, 2009, p. 120). Se o objeto do contrato é o exercício do poder político, com
a finalidade de que, este poder também chamado de supremo, possa governar a
todos em busca do bem comum, que é aquele que garante a vida, a liberdade e o
direito de propriedade, não mais o faz conforme o contrato é no mínimo justo e
natural que este poder retorne a quem de direito pertence, para que possa esta-
belecer um novo contrato.
Mas existe o caso, em que o Poder Executivo pode provocar a dissolução do
governo, rompendo com o equilíbrio dos poderes, e segundo Jorge isto pode
ocorrer diante de cinco situações: “1) o governante substitui as leis por sua vonta-
de arbitrária; 2) o governante impede os legisladores de reunir-se em assembléia;
3) o governante modifica as formas da eleição; 4) quando a sociedade é subjugada
por uma potência estrangeira; 5) o governante deixa de aplicar as leis sancionadas
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e a piedade” (Locke, 1983), e não pode ser piedoso, o homem que, em nome da
religião, venha a fazer seus semelhantes sofrerem.
Esclarece que o Estado e a religião têm missões diferentes, e que ambos não
podem ser utilizados para camuflar intenções que não constituem o objetivo da
religião e tão pouco do Estado, pois ao ferir a liberdade de alguém e se apossar
de seus bens, não podem ser aceitas tais violações porque contrariam o contrato
para a vida em sociedade e também, entram em contradição com os preceitos da
religião cristã que se fundamenta no amor e não no ódio. Neste sentido, “a função
de uma religião é apenas e tão somente ajudar a salvar a alma de cada indivíduo,
as crenças religiosas não deveriam se imiscuir na política” (Brito, 2012, p. 126-
127). E como uma das principais funções do Estado é o de garantir a liberdade,
este também não deveria perseguir este ou aquele, porque não pactua de uma
religião específica. Em outras palavras, as perseguições religiosas realizadas por
uma ou outra instituição, não teria fundamento e nem seria justa, se atentarmos
para as finalidades que fundamentam as suas existências.
Quanto à função da comunidade política, afirma que “parece-me que a co-
munidade é uma sociedade de homens constituída apenas para a preservação
e melhoria dos bens civis de seus membros. Denomino de bens civis a vida, a
liberdade, a saúde física e a libertação da dor, e a posse de coisas externas, tais
como terras, dinheiro, móveis, etc” (Locke, 1983). A comunidade trata das coisas
de ordem material, terrena, bens, posse, propriedade, liberdade e também, não
pode querer transitar por uma seara que não lhe pertence por natureza e nem
está estabelecido no contrato.
Na defesa da tolerância religiosa, fica evidente a posição de Locke, para que
a comunidade política desempenhe o papel objeto de sua criação, quando nos
ensina que “que toda a jurisdição do magistrado diz respeito somente a esses
bens civis, que todo o direito e o domínio do poder civil se limitam unicamente
a fiscalizar e melhorar esses bens civis, e que não deve e não pode ser de modo
algum estendido à salvação das almas” (Locke, 1983). O magistrado se preocupa
com o domínio do poder civil e não o que por natureza extrapola este poder.
Delimita o poder do magistrado a apenas tratar das coisas referentes ao do-
mínio do poder civil, também nos ensina o que é a religião em termos de corpo
social e de suas finalidades, pois “parece-me que uma igreja é uma sociedade
livre de homens, reunidos entre si por iniciativa própria para o culto público de
Deus, de tal modo que acreditam que será aceitável pela Divindade para a salva-
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ção de suas almas” (Locke, 1983). O fato de ser uma sociedade livre, em que os
homens participam por iniciativa própria, e, portanto, tem que ter essa liberdade
respeitada, é a própria ideia central do liberalismo clássico, ou seja, deixar que as
pessoas, desde que não contrariem os interesses do Estado, caminhem fazendo
as suas próprias escolhas. Contrariando inclusive a tradição romana antiga, para
a qual o culto sagrado era resultado de uma herança de família, a religião é antes
de tudo, o resultado de uma liberdade individual.
No entanto, o limite de sua tolerância encontra-se inserido dentro da própria
condição para a existência da comunidade política, pois, “uma igreja não pode
seguir um senhor estrangeiro (a referência sendo, nesse caso, à Igreja Católica e
ao Papado), pois ela seria então um corpo estranho à comunidade, e na verdade
estando obrigada a tentar subverter essa comunidade, já que segue outras leis”
(Brito, 2012, p. 127). Não poderia ser diferente, porque a partir da formação da
sociedade política, a obediência são as regras estabelecidas pelo legislador, sendo
assim, compartilha com uma teoria já defendida por Hobbes, que não se pode
obedecer a dois senhores, em se tratando de coisas terrenas e nem admitir, que
os dois encontram-se numa escala de igualdade. Faz restrições ao dogma católico
de que o poder se encontra em Roma, e também aos incrédulos, porque “não
tendo nenhum tipo de divindade, os seus compromissos não teriam valor. Isto é,
uma sociedade se faz com pacto, mas o que valeria o Pacto com alguém que não
tivesse uma divindade para o qual jurar?” (Brito, 2012, p. 127).
Finalizando, o pensamento filosófico político de Locke se estabelece a partir
dos pressupostos do liberalismo clássico, trabalhando com a ideia da preservação
da vida, da liberdade e da propriedade, como pontos fundamentais do contrato
para a construção da comunidade política. No entanto, existe em Locke uma
preocupação com a educação, e com a teoria do conhecimento, questões que ele
se preocupa em obras específicas.
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1. Explicar como era no homem no Estado de Natureza para John Locke.
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Os
contratualistas III
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O Iluminismo
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UNIDADE 6
para este enfrentamento, neste sentido, ele “procurou conectar a razão científica
a preocupações práticas ligadas à racionalidade científica” (Oliver, 1998, p. 66).
O fato é que a ciência já tinha explicações convincentes de inúmeros fenô-
menos naturais, que antes eram associados com a questão da fé e a interferência
direta de Deus, principalmente, ao mostrar que determinadas leis da natureza
existiam, independente da fé ou não dos homens e também, que algumas destas
leis poderiam ser reproduzidas pelos homens, se determinadas condições forem
satisfeitas, principalmente no campo da biologia, onde algumas doenças passam
a ser compreendidas a partir da debilidade de alguns órgãos do corpo humano,
e não mais como conseqüência da ausência de fé, o que facilitaria o domínio do
demônio, ou de outros supostos seres de ordem metafísica.
Fato paralelo que contribuiu para as grandes mudanças dos séculos XVII e
XVIII, foi a nominada Revolução Inglesa de 1688, mais conhecida como Revolu-
ção Gloriosa, que resultou na substituição do Rei Jaime II, pertencente a família
dos Stuart , então um rei católico, por um rei protestante chamado de Guilherme,
então originário da família dos Orange e pela sua esposa a Rainha Maria II, que
por ironia do destino, ou melhor dizendo, resultante dos casamentos arranjados
pelas monarquias para se manterem no poder, era filha de Jaime II. O principal
fato desta Revolução é que “foi um momento decisivo no surgimento do mundo
moderno, ao desafiar o direito divino dos reis. Foi uma vitória do livre-arbítrio,
da idade da razão e do espírito iluminista” (Oliver, 1998, p. 73).
Outro aspecto fundamental e inseparável das ideias que constituíam a Idade
da Razão foi a questão da verdade, até então, nas mãos da Igreja, ainda na con-
cepção de que a verdade seria revelada em função da fé, portanto, condicionava
o conhecimento da verdade, a uma relação direta com a fé, tendo a Igreja, como
grande centro de concentração de poder, para regular o que poderia ou não ser
revelado. Foi Galileu Galilei (1564-1642), um dos principais precursores do en-
frentamento da verdade condicionada pela fé, quando defendeu a sua teoria de
que o sol era o centro do universo, e não mais a terra. Afirmava que “acreditar que
a verdade está tão escondida de nós e que é difícil de diferenciá-la do que é falso
é totalmente despropositado: a verdade permanece escondida apenas enquanto
não temos nada além de opiniões e especulações duvidosas; mas assim que a
verdade se manifesta, sua luz imediatamente dispersa as sombras do obscureci-
mento” (Oliver, 1998, p. 73).
Quando no Renascimento, caminhando em direção ao iluminismo, o homem
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UNICESUMAR
começa a se descobrir como um ser que tem o direito de ser livre, para deter-
minar a necessidade ou não do campo da fé individual, assim como, não estar
mais sujeito ao jugo dos reis, que lhes imprimiam personalidades que não lhes
pertenciam, ou seja, já não mais aceitam passivamente certos valores intrínsecos
à religião, começa a se constituir o chamado secularismo, que depois, fará surgir
o conceito de Estado laico, que se desvincula da religião, não mais aceitando
ingerências diretas e também, não mais reconhecendo as autoridades religiosas
como representantes do Estado, ou da vontade do Estado. Segundo Oliver, “o
secularismo que caracterizou a idade da razão manifestou-se no poder político
por meio da queda da monarquia e do estabelecimento da soberania parlamen-
tar” (1998, p. 73).
Para compreender melhor que mudanças no campo jurídico e social, quais os
aspectos principais que relacionam a burguesia e o iluminismo, é preciso recorrer
a Cotrim, quando cita Lucien Goldmann, “os valores fundamentais defendidos
pelo iluminismo podem ser relacionados com a principal atividade econômica da
burguesia, representada pelo comércio” (1996, p. 171). Para tanto, alicerçada pela
ideia de progresso, já apresentada pelo iluminismo, a burguesia precisou criar e
desenvolver novos valores para a defesa de seus interesses.
A burguesia passou a defender a igualdade jurídica, e na “compra e venda, o
que efetivamente importa é a igualdade jurídica dos participantes do ato comer-
cial” (Cotrim, 1996, p. 171), pois o que importa é a capacidade jurídica que os
envolvidos têm, para dar legalidade a esta relação, todas as demais desigualdades
não constituem elementos que interessam à relação de compra-venda. É o prin-
cípio jurídico, depois transformado em direito positivo, de que todos são iguais
perante a lei. A lei os igualou na formalidade, sem se preocupar com as questões
de ordem material, como por exemplo, um problema que ainda aflige grande
parte de nossa população, que é a dificuldade de ter acesso à justiça.
Vencida a questão da igualdade jurídica é necessário defender a tolerância
religiosa ou filosófica, pois “para a realização do ato comercial, não têm a menor
importância as convicções religiosas ou filosóficas das pessoas” (Cotrim, 1996,
p. 171). O que se comercializa são coisas, objetos, trabalho, que existem indepen-
dentes de qualquer tipo de convicção, além do que, capital acumulado não tem
crença religiosa, nem corrente filosófica, e tão pouco etnia, é sempre capital. Estas
ideias já foram esclarecidas, quando da apresentação da teoria de John Locke. A
ideia de tolerância foi a forma que a burguesia encontrou, para tirar vantagem de
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UNIDADE 6
uma situação que lhe era muito conveniente, ampliar a suas relações comerciais
e econômicas, como condição imprescindível para ser reconhecida como uma
nova classe social.
Mas igualdade jurídica e tolerância religiosa ou filosófica apenas, não satis-
fazem a extensão de suas necessidades, portanto, é preciso defender a ideia de
liberdade, tanto no campo pessoal, como social e na junção das duas, a liberdade
política, a razão é que “o comércio só pode se desenvolver numa sociedade onde
as pessoas estejam livres para realizar seus negócios” (Cotrim, 1996, p. 171). A
partir deste ponto, foi a burguesia um dos principais responsáveis pelo fim da
escravidão porque não se pode estabelecer relações comerciais, com quem não
sendo livre, também não recebe salário, é a lógica do mercado capitalista. Não se
questionou num primeiro momento questões referente às desigualdades sociais,
mas a necessidade e capacidade que as pessoas tenham de comprar e vender,
ainda que a vantagem tenha sempre um único destinatário: a burguesia. A bur-
guesia lutou contra a escravidão não por questões humanitárias, mas sim por
interesses de ordem econômica. Os ingleses pressionaram o Brasil para acabar
com a escravidão, pura e simplesmente, porque a indústria e o comércio inglês
não conseguiam encontrar no Brasil, competitividade com os produtos resultan-
tes da participação da mão de obra escrava.
E finalmente, um dos principais baluartes do liberalismo clássico, ao que o
iluminismo aderiu, sem muita resistência, que foi a defesa da propriedade privada,
pois “o comércio também só é possível entre pessoas que detenham a propriedade
de bens ou capitais, pois a propriedade privada confere ao proprietário o direito
de usar e dispor livremente do que lhe pertence” (Cotrim, 1996, p. 171). A pro-
priedade confere a seu titular, juntamente com a igualdade jurídica e a liberdade
pessoal, a condição de dispor de seu bem, da maneira como achar melhor, inclu-
sive, extingue a ideia de escravidão, para substituí-la pela de salário, embora, nos
dias atuais, o valor do salário condiciona os homens à escravidão, mas como os
homens são livres, para dispor de sua propriedade, que é o trabalho, juridicamente
a questão fica resolvida.
O movimento iluminista deixou um grande legado ao mundo moderno, e
dentro deste período, estão inseridos grandes filósofos, entre os quais, Immanuel
Kant que segundo alguns estudiosos, provocou uma momento de ruptura na
filosofia, tanto é que, afirmam, depois do mundo grego, existir uma filosofia antes
de Kant, e depois de Kant. Mas esse é um assunto que deve ficar para a Filosofia
106
UNICESUMAR
do Direito.
Segundo Cotrim, “os pensadores iluministas foram, não há dúvida, ideólo-
gos da burguesia, mas a análise de seu pensamento não deve parar por ai. A
própria postura do filósofo se modificou no século XVIII. Abandonando os cír-
culos fechados de seus antecessores, ele circulava pelas ruas e salões, exibindo
e exercitando a razão” (1996, p. 172). De certa forma, tiraram a filosofia de um
círculo fechado, restrito, como o fora a maior parte de sua construção histórica,
e começou a se expressar com análises de problemas contingentes ao seu próprio
período histórico, ora de forma mais conservadores, e em outros momentos, de
forma mais liberal e moderna. Principalmente, no campo da política, quando
tratou de forma mais objetiva, os problemas de uma sociedade que precisava
encontrar uma forma de governo que viesse a suplantar a monarquia absolutista
e também, minimizar o poder da religião.
A liberdade era um dos temas centrais desta discussão filosófica-política,
sendo assim, “para esses filósofos propagandistas, como escreveu o pensador Er-
nst Cassirer (1874-1945), a razão não era o cofre da alma onde se guardava as
verdades eternas, mas era a força espiritual, a energia, capaz de nos conduzir ao
caminho da verdade” (Cotrim, 1996, p. 172). Através da razão o homem conquis-
tava a liberdade que poderia abrir novos caminhos para a busca e a interpretação
da verdade, principalmente, com a observação e a experimentação da natureza.
É neste momento histórico, de grandes mudanças e conturbações de todas as
ordens, que Jean-Jacques Rousseau se desponta, como um dos filósofos mais im-
portantes, a estabelecer uma crítica sobre alguns dos pressupostos do iluminismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. Citar e explicar duas características do movimento iluminista.
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Contratualistas IV
Me. Cássio Marcelo Mochi
De Aristóteles até Rousseau a visão que os homens tinham, ainda que colo-
cassem algumas restrições, era a de que a vida em sociedade, sempre fora melhor
do que fora dela. Se Agostinho de Hipona, o filósofo da Patrística, visualizava a
vida em sociedade como consequência do pecado original, também não via outra
possibilidade de salvação, senão através da Cidade dos Homens, caminhando em
direção à Cidade Celestial de Jerusalém, ainda que coloque a Igreja como único
interlocutor nesta caminhada.
Rousseau, como todo iluminista, tinha uma preocupação com a liberdade,
que nas palavras de Diderot, outro iluminista, “todo século tem o espírito que o
caracteriza, o nosso é a liberdade”, representando assim, o tema central sobre o
qual irá orbitar a Idades das Luzes. É lógico que a liberdade também fora preocu-
pações de outras épocas, mas não sob o enfoque que ela receberá neste período,
principalmente no campo das liberdades civis e políticas.
É com esta perspectiva que iremos abordar a obra de Jean-Jacques Rousseau e
também, compreender a importância da mesma para as democracias modernas.
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De Aristóteles até Rousseau a visão que os homens tinham, ainda que colo-
cassem algumas restrições, era a de que a vida em sociedade, sempre fora melhor
do que fora dela. Se Agostinho de Hipona, o filósofo da Patrística, visualizava a
vida em sociedade como consequência do pecado original, também não via outra
possibilidade de salvação, senão através da Cidade dos Homens, caminhando em
direção à Cidade Celestial de Jerusalém, ainda que coloque a Igreja como único
interlocutor nesta caminhada.
Rousseau, como todo iluminista, tinha uma preocupação com a liberdade,
que nas palavras de Diderot, outro iluminista, “todo século tem o espírito que o
caracteriza, o nosso é a liberdade”, representando assim, o tema central sobre o
qual irá orbitar a Idades das Luzes. É lógico que a liberdade também fora preocu-
pações de outras épocas, mas não sob o enfoque que ela receberá neste período,
principalmente no campo das liberdades civis e políticas.
Uma das características dos iluministas era o de querer romper com o modelo
de liberdade dos antigos, de forma mais específica o modelo grego e romano, para
criar um novo modelo de liberdade, a liberdade dos modernos. Neste sentido,
também inova o pensamento de Rousseau, porque traz a liberdade a ser discutida
em outro campo da responsabilidade, pois defende, como outros contratualista, a
necessidade de um contrato social, no entanto,“este pacto deve definir um Estado
político legítimo e justo, um Estado democrático moderno. Graças a ele, o homem
permanece o único responsável pela existência que leva” (Ruby, 1998, p. 84).
Assim como outros o fizeram, principalmente Hobbes e Locke, Rousseau
também irá usar a ideia de contrato social, como base metodológica para o de-
senvolvimento de sua teoria, e o fará nas mesmas condições dos demais, ou seja,
o contrato social dará juridicidade ao Estado e está será transferida aos homens,
através das leis e da forma de governar do mesmo. O método consiste em cons-
truir, de certa forma, até uma construção lúdica, um Estado que nem se sabe se
existiu desta forma, e tão pouco se faz esforço para buscar um referencial para
tal, no máximo, alguns autores da época, apontam os índios na América, como
aqueles que vivem neste Estado, mesmo sem conhecer a estrutura social e política
destas tribos. Mera suposição empirista, mas longe da realidade.
Conforme já estudado anteriormente, a ideia do contrato permite trabalhar
com duas situações, uma de ordem social e outra de ordem político-jurídica, ou
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obstáculo, no entanto, isso não acontece com este bom selvagem, porque “a ima-
ginação, que determina tantos prejuízos entre nós, não atinge corações selvagens;
cada um recebe calmamente o impulso da natureza, entrega-se a ele sem escolha,
com mais prazer do que furor, e, uma vez satisfeita a necessidade, extingue-se
todo o desejo” (Rousseau, 1999, p. 80). Parece-nos que a própria carência do es-
tado de natureza torna este homem de Rousseau um indivíduo terno e pacífico,
pois deseja somente o que lhe é necessário, e não ambiciona o que não está à sua
disposição, portanto, de certa forma, não se torna escravo de suas paixões, mas
apenas atento às suas necessidades básicas.
Não é que o homem no estado de natureza seja destituído de desejos e pai-
xões, apenas que as conhece da forma que a natureza, colocava à sua disposição,
porque “o homem selvagem sujeito a poucas paixões e bastando-se a si mesmo,
não possuía senão o sentimento e as luzes próprias deste estado, no qual só sentia
suas verdadeiras necessidades, só olhava aquilo que acreditava ter interesses de
ver, não fazendo sua inteligência maiores progressos do que a vaidade” (Rousseau,
1999, p. 81).
No entanto, este homem no estado de natureza não tem para si somente o
direito natural de autopreservação, de forma a excluir qualquer outra possibili-
dade, qualquer outro sentimento, que a natureza lhe desperta de forma natural,
porque “não iremos, sobretudo, concluir com Hobbes que, por não ter nenhuma
ideia de bondade, seja o homem naturalmente mau; que seja corrupto porque não
conhece a virtude; que nem sempre recusa a seus semelhantes serviços que crê
dever-lhes; nem que, devido ao direito que se atribui com razão relativamente às
coisas de que necessita, loucamente imagine ser o proprietário do universo intei-
ro” (Rousseau, 1999, p. 76). Sendo assim, este bom selvagem não tem necessidade,
e nem sentimentos que incitem a sua individualidade, a se julgar proprietário,
daquilo que a natureza colocou à disposição de todos, nem tão pouco, não seja
possuidor de determinados sentimentos, que além de garantir a sua preservação,
também lhe desperte a necessidade de avançar sobre o seu semelhante, de forma
a lhe colocar em desvantagem, ou ainda, verificando o seu sofrimento, não possa
socorrer ao mesmo.
Segundo Rousseau, este selvagem, ou melhor dizendo, este bom selvagem,
não é o lobo de Hobbes, e o fato de viver no estado de natureza, não lhe retira a
possibilidade de ter determinados sentimentos em relação a própria preservação
do próximo, porque “não creio ter a temer nenhuma contradição, se conferir ao
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homem a única virtude natural que o detrator mais acirrado das virtudes huma-
nas teria de reconhecer. Falo da piedade, disposição conveniente a seres tão fracos
e sujeitos a tantos males como vimos; virtude tanto mais universal e tanto mais
útil ao homem quando nele procede o uso de qualquer reflexão, e tão natural que
as próprias bestas às vezes dão dela sinais perceptíveis” (Rousseau, 1999, p. 77).
A piedade é o sentimento que estabelece limites para a própria preservação, pois
desperta o fato de, naturalmente preservar a si mesmo, evitando qualquer ação
que coloque a preservação do outro em risco, ou ainda, o sentimento capaz de
auxiliar o próximo, quando este estiver em desvantagem tão distante da superação
pelas suas forças, para no mínimo, garantir a preservação do próximo.
A preservação de si próprio, o primeiro dos direitos naturais ao qual o homem
toma ciência, desenvolve o que Rousseau chama de amor por si próprio, mas para
não desequilibrar a natureza, e tornar-se um ser extremamente egoísta, conhece,
de forma natural, a piedade, sentimento este que equilibra e compensa o instinto
de preservação. A piedade, segundo Rousseau, pode ser observada a partir do
comportamento de muitos animais, pois “um animal não passa sem inquietação
ao lado de um animal morto de sua espécie; há até alguns que lhes dão uma espé-
cie de sepultura, e os mugidos tristes do gado entrando no matadouro exprimem
a impressão que tem do horrível espetáculo que os impressiona” (Rousseau, 1999,
p. 77). Na visão de Rousseau, se os próprios animais, destituídos do mínimo de
racionalidade, com fundamento nos seus instintos naturais, assim procedem, o
mesmo deve acontecer com os homens, que traduzem este sentimento como
algo que é próprio da sua condição de ser humano. A piedade permite que o
homem equilibre o seu direito de preservação com o mesmo direito concedido
ao próximo, pois se este não coloca em risco a sua própria existência, contraria
também o direito natural, oferecer risco à continuidade de sua existência, sendo
assim, este sentimento se estabelece no campo da reciprocidade das intenções
dos sujeitos envolvidos.
A piedade é um sentimento importante no estado de natureza mas que, quan-
do vivendo em sociedade, o homem permite que a mesma se deteriore, assim
como os demais sentimentos, no entanto, ele continua presente e Rousseau lhe
confere um significado importante na construção de sua teoria, pois, “que são a
generosidade, a clemência, a humanidade, senão a piedade aplicada aos fracos, aos
culpados ou à espécie humana em geral?” (1999, p. 78). O sentimento de piedade
se estabelece como uma barreira, que não permite ao homem no estado de natu-
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de viver.
Ao estabelecer uma relação entre o estado de natureza e a nova forma de
vida advinda com o progresso, Rousseau afirma existir dois tipos de desigual-
dades entre os homens, “a física e a política ou moral” (Romêo, 2009, p. 165). A
desigualdade natural existe independente da vontade do homem, pois trata-se da
sua condição física, psíquica e outras, que não estão sob o controle dos homens,
mas se constituem, segundo Aristóteles, em acidentes, a esta, inicialmente nada
podemos fazer, é num outro momento, quando da constituição da sociedade
política é que a mesma poderá ser resolvida, ainda que parcialmente.
No entanto, o mesmo não ocorre com a outra forma de desigualdade, porque
“as desigualdades políticas ou morais são aquelas baseadas no poder, no status e
no dinheiro. Diferenças políticas, sociais e econômicas são, portanto, ilegítimas
e não autorizadas pela lei natural” (Romêo, 2009, p. 165). Portanto, sua existência
se caracteriza pela imposição do poder de alguém, criadas de forma artificial,“são
autorizadas pelo consentimento dos homens e baseadas em convenções que, em
vez de ajuda-los, trazem a infelicidade e vida na aparência” (Romêo, 2009, p. 165).
O consentimento do próprio homem, o torna escravo a quem fora concedido o
poder, é que para Rousseau a liberdade é um bem tão precioso, que somente o
próprio cidadão deveria legislar sobre os assuntos pertinentes à mesma, pois tanto
pode preservar partes da liberdade que se encontravam no estado de natureza,
quanto restringir ou mesmo ampliar a chamada liberdade civil.
A vida em sociedade trouxe inúmero problemas que entram em contradição
com a sua própria natureza, pois “em sociedade, as diferenças econômicas, sociais
e políticas seriam a fonte da infelicidade dos homens, sobretudo a desigualdade
política – que afasta o homem de si mesmo e o submete ao poder do outro ile-
gitimamente. Os homens, nascidos livres, seriam, então, servos do sistema social
criado ao acaso pela convivência humana” (Romêo, 2009, p. 167). Esta vida em
sociedade ao qual Rousseau se refere, é aquele que antecede ao contrato social,
ao qual estabelece o ponto de partida para a sua crítica.
No entanto, embora o estado de natureza possa receber de Rousseau uma
referência para o homem, melhor do que aquela que ele vivia em sociedade,
a caminhado do estado de natureza para a sociedade política é inevitável, irá
acontecer, porque a engenhosidade da natureza humana, em determinado mo-
mento será impulsionada à esta caminhada, o problema, segundo o autor, é que
o homem ainda não estava preparado para tal façanha. O retorno também não
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será possível. Ocorrerá um momento em que o homem terá que escolher entre
ficar no estado de natureza e perecer, ou, sair em direção à sociedade política e
ter que se adaptar a uma nova forma de ser. Como a própria lei natural diz que o
homem deve primeiramente preservar a si mesmo, a sua caminhada em direção
à esta sociedade será inevitável.
É preciso então estabelecer o contrato social. No entanto, a saída não encontra
solução tão fácil e evidente e nas palavras do próprio Rousseau: “o problema é
encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda força comum
a pessoa e os bens de cada associado e em que cada qual, embora se uma ao todo,
possa obedecer apenas a si mesmo e continuar tão livre quanto antes” (Rousseau,
2002, p. 216). O contrato social se propõe a resolver este tipo de problema, o de
preservar a liberdade do homem, ainda que possa dar a ela, uma nova nuance.
Quanto à questão da continuidade da liberdade, agora não mais liberdade natural,
mas liberdade civil, só será possível porque cabe somente ao homem, e ao próprio
homem, sem a existência de intermediários, o de legislar sobre a sua liberdade e
de seus interesses.
Se não é mais possível viver de acordo com a lei natural, que a liberdade do
homem possa ser protegida como liberdade civil, tendo o Estado como grande
tutor desta liberdade, e aos homens a responsabilidade de exercer o seu papel de
cidadão, defendendo-a de ser vilipendiada. No contrato social os homens não
transferem mais do que podem ganhar em troca de tal transferência, pois “cada
homem, dando-se a todos, não se dá a ninguém; e como não há nenhum asso-
ciado sobre o qual ele não adquire o mesmo direito que cede a outros sobre si
mesmo, ganha um equivalente de tudo que perde e um aumento de força para a
preservação daquilo que tem” (Rousseau, 2002, p. 216). A liberdade não mais será
a liberdade natural, mas sim uma outra forma de liberdade, que é a liberdade civil,
ou seja, a liberdade que tem por fundamento a existência de uma lei, que submete
todos os homens na mesma intensidade e extensão, e que tem por fundamento,
a manifestação primeiro da vontade individual, que se no processo final de sua
construção transformar-se-á na vontade geral.
Segundo Rousseau o contrato social reduz-se aos seguintes termos: “cada
um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu poder sob a direção suprema
da vontade geral e, em nossa capacidade de associado, recebendo cada membro
como uma parte indivisível do todo” (2002, p. 216). Sendo assim, a liberdade e
a igualdade não serão conduzidas por ninguém menos do que a expressão da
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vontade geral.
Mas o que é a vontade geral em Rousseau? Estudiosos afirmam que é um con-
ceito que está aberto na obra de Rousseau, e ainda questiona se, em determinadas
leis, a mesma poderia realmente ser a expressão da vontade geral, contudo, se faz
necessário dar um parâmetro para este conceito importante, e que só pode ser
compreendido dentro do todo da obra do autor, “sendo a vontade geral a vontade
própria do corpo político, vale dizer, aquilo que o distingue de uma mera agre-
gação de homens, essa vontade precisa de um instrumento específico para ser
fixada, capaz de expressá-la sem deturpar sua natureza peculiar” (Silva, 2008, p.
369). A vontade geral é aquela que supera a vontade individual, porque ela existe
somente em função da construção de um corpo político, com uma estrutura para
dar movimento a este, como aquele capaz de realizar os objetivos para o qual foi
instituído o contrato social.
A vontade geral está associada diretamente com a finalidade do próprio con-
trato social, como forma de reduzir o espaço individual e de construir e dar uma
dimensão ao coletivo, porque “a vontade geral passa a ser a diretriz de toda a
vida social institucionalizada. Os interesses pessoais que se lhes contraponham
são ilegítimos” (Mascaro, 2012, p. 197). É possível inferir que a vontade geral se
funda na condição de que, a única forma do homem poder viver em sociedade,
é compartilhando aquilo que lhes é comum, instituindo leis e outros instrumen-
tos para dirimir os conflitos, e reservando um pequeno espaço, para o que ele
pode fazer, como resultado da vontade individual, sem minimamente colocar
em risco o contrato social. Neste sentido, “a vida política do Estado passa a ser
não apenas legitimada por conta dos instrumentos formais – como o era com os
demais contratualista, com a mera delegação de um poder a um terceiro –, mas
sim por um diretriz substancial – o bem comum. O contrato social de Rousseau,
lastreado na vontade geral, passa a ter uma perspectiva formal e também material
de orientação” (Mascaro, 2012, p. 197).
O contrato social exige a formação e existência de um novo homem, pois
aquele do estado de natureza, embora seja o bom selvagem, não tem as caracterís-
ticas necessárias para a sua nova forma de ser, que é homem cidadão, que é aquele
que não abre da condição de participação do corpo soberano, não delegando
poderes, mas ele próprio fazendo parte das decisões, que não permite que outros
tratem de forma direta sobre a sua liberdade e os seus limites, e estes aspectos
passariam a ser discutidos e a existirem a partir de uma “reforma política, que
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esta, a ideia de uma pessoa pública e artificial, que nada mais é, e nem pode ser,
senão o resultado da vontade geral. No Contrato Social, Rousseau esclarece que
“em lugar da personalidade individual de cada parte contratante, esse ato de as-
sociação cria um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos
forem os votantes da assembleia, que recebe desse ato sua unidade, sua identidade
comum, sua vida e sua vontade” (2002, p. 216-217).
Mas a concepção de corpo político não se apresenta como uma estrutura
uma, e sim, a partir de três elementos constitutivos: “um órgão legislativo, um
órgão administrativo e a assembleia popular” (Silva, 2008, p. 372). Quanto ao
órgão legislativo, “Rousseau nos diz que o legislador deve possuir características
especiais, tais como uma moralidade incorruptível e um alto conhecimento sobre
a história, cultura e geografia do corpo político” (Silva, 2008, p. 372), mas é preciso
ressaltar que não se trata de uma elite, mas características que todo homem deve
ter após aderir ao contrato social, daí a importância da educação em Rousseau.
Ressalta que a função de legislador não lhe confere direito adicional, que o
possa diferenciar dos demais cidadãos, a não ser o fato de legislar, pois, “a pessoa
imbuída da tarefa de redigir as leis não possui o direito de fazê-lo seguindo sua
própria vontade. Sendo a vontade soberana a vontade do povo, ninguém em
particular pode substituí-la” (Silva, 2008, p. 372). Pode-se dizer que o legislador
apenas adequa a vontade do povo, a vontade geral, à técnica legislativa necessária
para que as leis exprimam a vontade geral, e possa ser aplicada sobre todos os
homens, pois seria inadmissível alguém fazer uma lei e depois não concordasse
que a mesma pudesse ser aplicada sobre a sua própria pessoa.
Outra instituição que compõe o corpo político é a o órgão administrativo, que
é denominado por Rousseau de “governo” e que “possui a função de executar as
leis produzidas; quer dizer, de aplicar as leis gerais e abstratas a casos particulares,
podendo mesmo usar da força física estatal para fazer valer as determinações da
vontade coletiva” (Silva, 2008, p. 372). Todas as ações necessárias à execução das
atribuições do órgão administrativo, não o faz o deliberação própria, mas somente
em função das leis criadas pelo órgão legislativo, que deve, necessariamente, ex-
pressar o que fora deliberado pela assembleia popular, pois, “os governantes são
meros funcionários do povo, subordinados, portanto a ele; quando ineficientes
ou desleais, o povo deve retirar-lhes o cargo e nomear novos funcionários aptos
a cumprir devidamente as funções administrativas” ( Silva, 2008, p. 372).
Quanto ao último órgão, ou seja, a “assembleia popular”, Rousseau “se refere
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na função de judiciário, pois Rousseau não adota a divisão clássica adotada por
Montesquieu para a repartição dos poderes. O Estado ao usar a força necessária
contra o súdito, que se recusa a obedecer a lei, não entra em contradição com a
ideia de liberdade, ao contrário, está obrigando o mesmo a ser livre, “pois essa é a
condição que, ao dar cada cidadão a seu país, garante - o contra toda dependên-
cia pessoal” (Rousseau, 2009, p. 217). O que deve prevalecer necessariamente é a
vontade geral, pois ser livre é viver de acordo com o que fora determinado pela
vontade geral, e não de acordo com a vontade individual. E as determinações da
vontade geral se transformam em leis.
Com relação às leis, Rousseau nos ensina que “pelo pacto social demos vida
e existência ao corpo político; e agora e temos que lhe conferir movimento e
vontade pela legislação” (2002, p. 222). A vontade geral não pode ficar apenas
no campo do discurso e das proposições do povo, que exercendo a condição de
soberano, ali está para deliberar o que deve ser acatado por todos os cidadãos
que aderiram ao pacto social. Sendo assim, “as leis são, propriamente falando,
apenas as condições da sociedade civil. O povo, estando sujeito às leis, deve ser seu
autor, as condições da sociedade devem ser regulamentadas apenas por aqueles
que se juntam para formá-la” (Rousseau, 2002, p. 222). As leis como os homens
devem se comportar diante do pacto social. Aponta-lhes os limites e estabelece as
conseqüências pelo não acatamento das mesmas, se trata de uma obediência, na
condição de súditos, mas não de submissos plenos, e sim como expressão de suas
liberdades. O escravo obedece por submissão plena, o cidadão como expressão
de sua participação ativa junto ao corpo político.
Assim como outros autores que filosofaram pelo campo da filosofia política,
e por agregação, o do direito, e herdeiro de uma tradição clássica, Rousseau nos
afirma que: “quando digo que o objeto das leis é sempre geral, quero dizer que a
lei considera os súditos em masse e as ações do abstrato, e jamais uma ação ou
pessoa em particular” (Rousseau, 2002, p. 222). Considerar os súditos em masse,
quer dizer considerá-los na sua totalidade, ou seja, suprimindo os aspectos de sua
individualidade, pois a lei representa necessariamente a vontade geral, a vontade
resultante de um corpo político que fora constituído a partir do pacto social. O
tema a ser tratado pela lei pode ser amplo, e mesmo estabelecer determinados
privilégios, mas não o pode fazê-lo de forma discriminada, como por exemplo,
“uma lei pode, de fato, decretar que haverá privilégios, mas não pode conferi-los
a ninguém nominalmente” (Rousseau, 2002, p. 222).
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1. Explicar como Rousseau caracterizava o homem no estado de natureza.
4. Existe uma relação política entre a vontade particular e a vontade geral no pensa-
mento de Rousseau? Fundamentar sua resposta.
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Teoria da divisão
dos poderes
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através das leis, possa bem orientar os homens e criar as condições necessárias
para este tipo de vida. Segundo Montesquieu, a república deve ser movida pela
virtude, que deve ser uma associação entre princípios da vida moral e da ética,
tal qual nos ensina Aristóteles na obra Ética a Nicômaco. Neste tipo de governo o
governante deve necessariamente ser escolhido pelo povo, mas quando os prin-
cípios da moral e da ética não se encontram bem fortalecidos e reverenciados no
cotidiano das pessoas que os compõe, o mesmo pode facilmente se deteriorar,
porque “quando a virtude é banida, a ambição invade as mentes daqueles que
estão dispostos a acolhê-la, e a avareza toma conta de toda a comunidade” (Mon-
tesquieu, 2002, p. 160). Sendo assim, deixa claro que a república, representada
pela democracia, tem a sua existência marcada por uma linha muito tênue, dada
a precariedade da própria natureza humana, em tratar com questões de ordem
valorativa, como é o caso da moral e da ética.
Quanto a monarquia, essa deposita nas mãos de um único homem, a respon-
sabilidade pela manutenção dos interesses de todos, até porque,“nas monarquias,
a política realiza grandes coisas com o mínimo de virtude possível [...]. As leis
preenchem aqui o lugar dessas virtudes” (Montesquieu, 2002, p. 161). O que era
de característica de cada indivíduo em si numa república, pode ser assumido por
um único indivíduo, mas agora sob uma outra forma, a honra. Pois é o que os
súditos esperam de seu monarca, que ele tenha suas ações norteadas pela honra
de servir aos eu povo, sendo assim, é na monarquia que se é “capaz de inspirar as
ações mais gloriosas e, combinada com a força das leis, pode levar-nos à finali-
dade do governo, assim como a própria virtude” (Montesquieu, 2002, p. 161). No
entanto, quando Montesquieu se refere à monarquia, o faz tendo como modelo
a monarquia inglesa, e não a francesa, que naquele momento histórico, consti-
tuía-se de monarquias absolutistas.
Embora Montesquieu apresente a República como uma boa forma de gover-
no, é evidente a sua admiração pela monarquia, principalmente, tomando como
referência a monarquia inglesa, e neste sentido, nos ensina que, “em monarquias
bem reguladas, são quase todos bons súditos, e muito poucos, bons homens; por-
que para ser um bom homem é necessário ter uma boa intenção, e deveríamos
amar nosso país, não tanto por nós próprios, mas em consideração à comunidade”
(Montesquieu, 2002, p. 161). Na visão de Montesquieu é mais seguro invocar a
honra de um nobre, como é o caso da monarquia, do que confiar nas virtudes
que compõe o tecido social que estrutura a democracia, no entanto, e conforme
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em exigir o que está previsto nas leis e de se afastar das questões para o qual o
estabelecimento da lei não foi necessário.
A existência da lei determina a existência de um poder, poder de alguém
em fazer cumprir a mesma, afasta dos homens o medo, pois a lei expressa de
forma objetiva o que pode e o que não pode ser feito, ao mesmo tempo, em que
estabelece as formas e os limites para a punição. Fica evidente a existência de
três momentos, e ao mesmo tempo, de três estruturas diferentes de poder, que é
o de fazer as leis, depois de colocá-las em execução e posteriormente, o de jul-
gar e aplicar as devidas punições pelas suas violações. Segundo Montesquieu, é
neste momento que surge o problema da existência do próprio poder, pois não
é conveniente que um mesmo homem participe de todos estes momentos, pois
seria conceder poder demais a um único homem. E neste ponto em que busca
referência nas Constituição da Inglaterra naquele momento histórica, embora a
mesma, na sua essência, não tenha sofrido mudanças tão radicais nos dias atuais.
A importância da teoria da tripartição dos poderes, pode ser melhor com-
preendida a partir da citação de Paulo Bonavides, que nos ensina que “assim como
a Inglaterra conhecera John Locke por pensador político do contra-absolutismo,
vazado na inspiração dos direitos naturais oponíveis ao Estado, a França vai co-
nhecer, com o gênio de Montesquieu, a criação da obra Do Espírito da Leis da
técnica de separação dos poderes, que resume o princípio constitucional de maior
voga e prestígio de toda a idade liberal” (1986, p. 149). No entanto, a ideia não
é tão original assim, pois John Locke já tinha abordado esta possibilidade, mas
com uma pequena variação, concentrando importância maior na relação entre
legislativo e o parlamento.
Para começar a expor a sua teoria sobre a tripartição dos poderes, afirma
que “a liberdade política do súdito é uma tranquilidade de espírito que se ori-
gina na opinião que cada pessoa tem de sua segurança” (Montesquieu, 2002, p.
166), neste sentido, o grau de segurança está associado também, à existência e
exercício da liberdade do súdito, que não se conformando com a mesma, pode
e deve protestar, para que o Estado cumpra com as suas responsabilidades, e se
for caso, exigir mudanças nas leis, para que a mesma busque a contínua cons-
trução do bem comum. Portanto, “a fim de ter essa liberdade, é requisito que o
governo seja constituído de tal modo que um homem não precise ter medo do
outro” (Montesquieu, 2002, p. 167), e para que isto possa existir, é necessário que
nenhum homem sinta-se constituído de poder maior do que outro, pois quando
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o poder é exercido de forma moderada, todo o poder é e deve ser exercido dentro
de limites estabelecidos pela própria lei.
Segundo Montesquieu, “quando os poderes legislativo e executivo se reúnem
na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistrados, não pode haver liberdade
alguma; porque podem surgir apreensões de que o mesmo monarca ou Senado
promulgue leis tirânicas para executá-las de maneira tirânica” (2002, p. 167). A
virtude que move o homem comum é mesma para o homem público, e o próprio
conceito de honra, não se trata de um conceito absoluto em si mesmo, pois a na-
tureza humana é permeada de contradições que afetam a sua própria natureza,
como por exemplo, o consumo de drogas, de bebidas alcoólicas e outros, portanto,
não se pode conceder poder demais a um governante, além daquele necessário
ao exercício da própria natureza de seu poder.
Continuando o desenvolvimento de seu raciocínio, Montesquieu afirma que
“por outro lado, não existe liberdade se o poder judiciário não for separado do
legislativo e do executivo. Onde ele está reunido ao legislativo, a vida e a liberda-
de do súdito estaria exposta ao controle arbitrário; porque, então, o juiz seria o
legislador. Onde ele está reunido ao poder executivo, o juiz pode comportar-se
com violência e opressão” (2002, p. 167). O desenvolvimento da teoria de Mon-
tesquieu nos conduz ao encontro de um equilíbrio e moderação para a existência
do poder, passando pela ideia de que o mesmo existe de forma una, mas com
características particulares, cuja soma, quando positiva, pode apenas contribuir
para o fortalecimento das leis e por consequência do Estado, e ao mesmo tempo,
garantir a liberdade com amparo na existência das leis.
Concluindo esta primeira parte de construção de sua teoria sobre a triparti-
ção dos poderes, nome que obviamente surgiu posteriormente à sua obra, afirma
que “tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo, seja de nobres
ou do povo, exercesse três poderes, o de promulgar leis, o de executar as reso-
luções públicas e o de julgar as querelas dos indivíduos” (Montesquieu, 2002, p.
167). Portanto, fica evidente de que, para que o exercício do poder seja moderado,
é necessário primeiramente, descentralizar as diversas fases que o compõe a sua
estrutura, a saber, as leis; para depois, do resultado do exercício moderado do
poder de cada um, o Estado possa surgir como um poder uno e que tenha por
característica principal, preservar e garantir a liberdade dos homens.
Cada um dos poderes que compõe o poder central que é o Estado, tem ca-
racterísticas próprias de sua natureza e deve ser exercido por pessoas com ha-
143
UNIDADE 8
bilidades específicas para tal. Sendo assim, “o poder executivo deve permanecer
nas mãos de um monarca porque esta parte do governo, que quase sempre tem
necessidade de uma ação momentânea (no sentido de instantânea), é mais bem
administrada por um do que por muitos; ao passo que o que depende do poder
legislativo é, amiúde, mais bem-ordenado por muitos do que por um só” (Montes-
quieu, 1997, p. 206). A execução é por vezes, mais complexa e exige intervenções
mais rápidas, com resultados mais imediatos, do que as duas esferas do poder.
Maquiavel já compartilhava desta faceta do exercício do poder, ao afirmar que
diferente dos demais homens, o príncipe nunca descansa, pois as forças que os
cercam não medirão esforços para colocá-lo sempre à prova quanto a sua virtù.
Por outro lado, com referência ao Poder Legislativo, em se tratando de carac-
terísticas ainda pertinentes à sua época histórica, diz que “o poder legislativo será
confiado tanto à nobreza como ao corpo escolhido para representar o povo, cada
qual com suas assembleias e deliberações à parte e objetivos e interesses separa-
dos” (Montesquieu, 1997, p. 205). É o que na Inglaterra constituía-se da Câmara
dos Lordes e da Câmara dos Comuns, no que ficou conhecido como regime
bicameral, a qual os americanos, através da Teoria Federalista de Madison, Jay e
Hamilton, darão um novo sentido e que veremos mais adiante em nosso curso.
Sendo assim, é possível inferir que Montesquieu, originário da nobreza, entendia
que, por natureza, algumas pessoas tinham certos direitos associados com a sua
condição de nobreza, portanto, naquele momento, também necessariamente de
ordem econômica, portanto, tinham interesses e necessidades peculiares à sua
própria condição social, o que não era nada de excepcional na sua época.
Ainda com relação ao Poder Legislativo, estabelece qual deveria ser o seu
campo de atuação, além daquele classicamente admitido, que é o de fazer leis,
em outras palavras, “o corpo representante também não deve ser escolhido para
tomar uma resolução ativa, coisa que não executaria bem, mas, sim, para fazer
leis ou para ver se as que fez são bem executadas, coisa que pode executar mui-
to bem, e ninguém pode fazer melhor do que ele” (Montesquieu, 1997, p. 205).
Quando se refere a resolução ativa, são aquelas ações necessárias para cumprir
o que determina as leis, tarefas destinadas ao Poder Executivo no exercício roti-
neiro de seu trabalho, e do judiciário, quando prolata uma sentença. Ao mesmo
tempo que reconhece a importância do Poder Legislativo, de onde na realidade
provém a liberdade, pois em Montesquieu, “a liberdade é o poder das leis, não do
povo” (Freire, Wagner e Barbosa, 2009, p. 138), também afirma que “seria inútil
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UNICESUMAR
que o corpo legislativo estivesse sempre reunido. Isto seria incômodo para os
representantes e além disso ocuparia muito o poder executivo, que não pensa-
ria em executar mas em defender suas prerrogativas e seu direito de executar”
(Montesquieu, 1997, p. 206).
Mas quem poderia e deveria convocar o corpo legislativo? Na visão de Mon-
tesquieu este não poderia se autoconvocar, pois para que isso acontecesse, seria
necessária a presença unânime de seus membros; mas a questão não é apenas
de ordem formal, e sim da possibilidade que este teria, quando diante de uma
crise, e querendo colocar os demais poderes em crise, resolvesse não realizar a
convocação para o enfrentamento da crise. Se a ideia é conter o poder, sem lhe
tirar a necessidade da ação, portanto, é necessário “que seja o poder executivo
quem regulamente o momento da convocação e da duração dessas assembleias
com relação às circunstâncias que ele conhece” (Montesquieu, 1997, p. 207).
Embora estas reuniões do corpo legislativo não precisem ser diárias, e o Poder
Executivo é que tem força de lei para a sua convocação, isto não transfere a este
poder, um poder absoluto, ou seja, de não mais convocar as reuniões do corpo
legislativo, a razão é que se “o corpo legislativo ficasse durante muito tempo sem
se reunir, não haveria mais liberdade, pois, de duas coisas, uma aconteceria: ou
não haveria mais resolução legislativa, e o Estado mergulharia na anarquia, ou
estas resoluções seriam tomadas pelo poder executivo e ele tornar-se-ia absoluto”
(Montesquieu, 1997, p. 206). Se não houvesse equilíbrio dos poderes, estabelecido
pelas suas funções necessárias, o exercício do poder caminharia sempre em dire-
ção ao exercício absoluto do poder, o que contrariaria toda a ideia de liberdade. O
que se observa em Montesquieu é que a vida em sociedade, notadamente aquela
que se refere ao viver em um Estado constituído por liberdades políticas e civis,
tem seu próprio movimento e que exige de cada um dos poderes uma presença
de acordo com suas contingências e necessidades, mas jamais podem deixar de
existir. A supressão dos poderes está fora de cogitação na construção da teoria
de Montesquieu.
Quanto ao poder judiciário, nos ensina que “o poder de julgar não deve ser
outorgado a senado permanente mas exercido por pessoas extraídas do corpo
do povo num certo período do ano, de modo prescrito pela lei, para formar um
tribunal que dure apenas o tempo necessário” (Montesquieu, 1997, p. 203). O
modelo é aquele adotado por Athenas no período do auge de sua história, aonde
cidadãos eram escolhidos para julgar, com fundamento nas leis, todos os homens.
145
UNIDADE 8
Exemplo este dado pelo julgamento de Sócrates, de forma mais enfática, através
das obras Apologia de Sócrates, ou Críton ou Do Dever. No entanto, o próprio
Montesquieu apresenta as suas razões para tal forma de ser do judiciário, pois “o
poder de julgar, tão terrível entre os homens, não estando ligado nem a uma certa
situação nem a uma certa profissão, torna-se, por assim dizer, invisível e nulo. Não
se têm constantemente juízes diante dos olhos e teme-se a magistratura mas não
os magistrados” (1997, p. 202). Uma das razões para este tipo de procedimento
é que, assim como era em Athenas, os homens deveriam ter cautela em julgar, e
quando o fizesse, deveria ser com fundamento na justiça, pois num futuro muito
próximo, encontrar-se-ia na condição de homens comuns, e sujeitos a serem
julgados por quem um dia fora julgado por eles. Não deixa de ser uma forma
de conter a existência do próprio poder, ao mesmo tempo em que reconhece
a importância de sua existência, pois busca junto ao povo, pessoas que tenham
conduta de vida capaz de exercer, ainda que temporariamente, esta função.
Dentro desta perspectiva de análise de Montesquieu, e sua preocupação e
dar a lei um caráter de objetividade indiscutível, e perceptível aos olhos de todos
os homens, que vai além das teorias tradicionais sobre a existência dos juízes,
quando expõe que “cumpre mesmo que, nos grandes processos, o criminoso,
juntamente com a lei, escolha os juízes, ou que, pelo menos, possa recusar tão
grande número deles que os que sobrarem sejam tidos como de sua escolha”
(Montesquieu, 1997, p. 203). É preciso ressaltar que tal procedimento não pode
ser realizado pelo bel prazer do criminoso, mas juntamente com a lei, sendo assim,
será a lei que deverá definir as formas para a realização deste fato. Nos tempos
atuais, no Tribunal do Júri Popular, como nomina alguns autores, é possível ve-
rificar, que os advogados de defesa e acusação, podem fazer, cada um, restrição
a três jurados, porque na realidade, e segundo as teorias do Direito Penal, neste
caso, o julgador é o povo, ao juiz cabe apenas conduzir o julgamento e dosar a
pena cabível ao crime.
No entanto, parece uma contradição o fato de que o poder de julgar seja tem-
porário e também, não seja exercido por um rol de funcionários específicos para
a função, como aliás, defende a teoria de John Locke e mesmo Hobbes. Contudo,
para responder a esta aparente e superficial possibilidade de contradição, Mon-
tesquieu afirma que “os outros dois poderes (executivo e legislativo) poderiam,
preferivelmente, ser outorgados a magistrados ou corpos permanentes, porque
não se exercem sobre nenhum indivíduo, sendo um somente a vontade geral do
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UNICESUMAR
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UNIDADE 8
possui nem os mesmos interesses que ele nem as mesmas paixões” (Montesquieu,
1997, p. 208).
Aparentemente existe uma situação crítica, que seria aquela em que o le-
gislador, legislasse no sentido de colocar o próprio Estado em risco, e mesmo,
criando condições para que fosse facilmente dominado por um outro Estado.
Esta situação pode equilibrada, se o Poder Executivo exercer o seu direito de
“participar da legislação através do direito de veto, sem o que seria despojado de
suas prerrogativas. Mas, se o legislador participar da execução, o poder executivo
estará igualmente perdido” (Montesquieu, 1997, p. 208). A ideia é de que os po-
deres são harmônicos, mas mantém uma certa independência entre si, contudo,
nenhum deles pode, e nem deve, colocar a existência do Estado em risco, porque
isso contraria a própria natureza para as suas existências. No entanto, conforme
já exposto quanto tratamos do poder legislador, este pode e deve fiscalizar se as
leis que ele criou, estão sendo executadas.
As considerações de Montesquieu sobre a Monarquia, tinha como referência
àquela existente na Inglaterra, no entanto, “consta haver Montesquieu cometido
equívoco fundamental quando propôs a Constituição da Inglaterra por exemplo
vivo relativo à prática daquele princípio de organização política, porquanto na
ilha vizinha o que efetivamente se passava era o começo da experiência parlamen-
tar de governo, esbatendo toda a distinção de poderes” (Bonavides, 1986, p. 149).
A razão é a de que, num governo parlamentar, o primeiro-ministro, que é quem
exerce o poder executivo, é eleito entre os pares do parlamento, normalmente,
por indicação do partido que detêm o maior número de cadeiras, sendo assim, a
origem do poder executivo é o próprio parlamento, que também, pode, a qualquer
momento, destituir o primeiro-ministro e eleger um novo.
Independentemente de ter ou não cometido um equívoco é preciso reconhe-
cer que Montesquieu, não propugnou, simplesmente, a separação e a independên-
cia dos três poderes, mas sim a combinação e o equilíbrio ajustado entre esses três
poderes. A limitação e a fiscalização mútuas, especialmente, estabelecidas entre os
poderes impediriam a eventual usurpação inoportuna por parte de algum deles”
(Farias Neto, 2011, p. 260). Outro aspecto, e que irá marcar a política moderna,
foi o fato de ter delimitado a esfera de competência de cada poder, sem perder a
perspectiva de que o mesmo só existe em função do todo, e este todo, é o Estado
organizado a partir da perspectiva das leis.
Finalizando, é preciso reconhecer ainda que em momento nenhum afasta a
148
UNICESUMAR
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. Explicar em linhas gerais, o teor da principal obra de Montesquieu.
4. Explicar como Montesquieu relaciona a ideia de liberdade com a existência das leis.
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Teoria
Federalista
Me. Cássio Marcelo Mochi
Sem saber os motivos, mas desejando conhece-los, é raro encontrar das obras
que tratam de Ciência Política, referência a obra de Madison, Jay e Hamilton, que
foi o desenvolvimento do que conhecemos hoje como o federalismo moderno. É
verdade que foi uma teoria (ou primeiro como prática) desenvolvida com fina-
lidade objetiva de resolver um problema que inicialmente, ao menos no mundo
moderno, surge com a independência americana, e na realidade, primeiro se
vivenciou a prática e depois de construiu a teoria, pois a discussão desta questão
ocorre nos momentos históricos inseridos entre a Independência Americana em
1776 e a proposta e aprovação da Constituição Americana em 1787.
O conhecimento da obra destes três americanos pode nos esclarecer as ori-
gens e as razões para o desenvolvimento do federalismo moderno, modelo este
adotado pelo Brasil, embora de forma precária, pois o poder da União ainda é
muito grande e pouca liberdade sobrou aos Estados e Municípios, principalmente
na coleta e distribuição de recursos.
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UNICESUMAR
O Federalismo Moderno
Sem saber os motivos, mas desejando conhece-los, é raro encontrar das obras
que tratam de Ciência Política, referência a obra de Madison, Jay e Hamilton, que
foi o desenvolvimento do que conhecemos hoje como o federalismo moderno. É
verdade que foi uma teoria (ou primeiro como prática) desenvolvida com fina-
lidade objetiva de resolver um problema que inicialmente, ao menos no mundo
moderno, surge com a independência americana, e na realidade, primeiro se
vivenciou a prática e depois de construiu a teoria, pois a discussão desta questão
ocorre nos momentos históricos inseridos entre a Independência Americana em
1776 e a proposta e aprovação da Constituição Americana em 1787.
É fruto da existência do Estado Moderno, e mais, de um Estado Moderno
cuja forma de governo é a democracia representativa, tendo como fundamen-
to uma Constituição, união de elementos que colocam este momento histórico
americano, em questões que na Europa só serão tratadas de forma efetiva, após a
Revolução Francesa em 1789. Sintetizando o problema americano, a questão era
como constituir um governo central, que coordenasse os demais governos locais,
num país de dimensão continental e por terras ainda a serem desbravadas, mas
de qualquer forma, superior em extensão territorial a maioria das nações euro-
peias, governos locais estes, que não desejam abrir mão de sua autonomia local,
de características culturais e mesmo de vertente religiosa (ainda que protestante)
diferentes. De certa forma, podemos afirmar com certeza, de que o colonizador
americano era culturalmente, superior aos colonizadores que se instalaram nas
outras regiões da América. Tinham desde o momento da colonização, um forte
vínculo com o liberalismo em desenvolvimento na Europa, e apreciavam a liber-
dade como um bem maior.
Outra característica fundamental, é que tinham que declarar a sua indepen-
dência, de uma nação que já se mostrava grandiosa na Europa, com uma força
militar naval e mesmo de infantaria, capaz de impor respeito a todos os povos
europeus. Esta força será demonstrada, principalmente no período de Napoleão
Bonaparte (1769-1821), não podemos nos esquecer que, para fugir de Napoleão
Bonaparte, então Imperador de França, a monarquia portuguesa teve que solicitar
proteção à Inglaterra e, também, fazer concessões que sobrecarregariam o povo
brasileiro.
A Independência americana foi dramática e muito custou ao povo americano,
153
UNIDADE 9
pois tiveram que enfrentar os ingleses, mas ficar atentos com os interesses escu-
sos da França, que inclusive forneceu armamentos e alguns homens para a luta
contra os ingleses, e mais ao sul, enfrentar os espanhóis e seus descendentes, já na
formação do povo mexicano, em lutas sangrentas e violentas, como o fora toda e
qualquer processo de colonização desenvolvido pelos espanhóis. Quem descreve
com detalhes estes momentos cruéis e bárbaros do processo de colonização lati-
no-americano é Eduardo Galeano na obra As Veias Abertas da América Latina.
O federalismo, tal qual o conhecemos, é um produto necessariamente re-
sultante do Estado Moderno. Embora possa ter existido algumas experiências
federalista na Grécia e Roma Antiga, mesmo na Itália no período renascentista e
mesmo na Alemanha, nenhuma delas se assemelha de forma enfática ao modelo
desenvolvido pelos americanos, pois eram muito mais de conveniência de ordem
militar, do que econômica e mesmo política. Para Dallari, “o Estado Federal é um
fenômeno moderno, que só aparece no século XVIII, não tendo sido conhecido
na Antiguidade e na Idade Média. Sem dúvida, houve muitas alianças entre Esta-
dos antes do século XVIII, mas sempre temporárias e limitadas a determinados
objetivos, não implicando a totalidade dos interesses de todos os integrantes”
(2012, p. 252). O máximo que se pode afirmar, foi a existência de um proto-fede-
ralismo, até porque, o Estado Moderno começará a ser gestado somente a partir
do século XV.
O federalismo ou Estado Federal, como também é mais conhecido no Brasil,
de forma simples, pode ser definido, apenas inicialmente, como “uma aliança ou
união de Estado” (Dallari, 2012, p. 252). No entanto, de forma mais sofisticada
e para compreender a extensão de seu significado, o Estado Federal “representa
uma distribuição constitucional de poder entre o governo central e as unidades
governamentais constituintes, de tal forma que todos podem compartilhar dos
processos de produção e implementação de política públicas” (Ismael, 2009, p.
227). Sendo assim, o federalismo se sustenta necessariamente, sobre uma Cons-
tituição, que delimitará as atribuições e os limites jurisdicionais, sobre cada um
dos componentes da federação, preservando grande parte das liberdades locais,
desde que as mesmas sejam orientadas a partir das finalidades projetadas pela
Constituição. Na realidade, requer mais do que a simples união entre Estados,
pois através da Constituição explicita como se dará a integração entre os seus
componentes, não de forma impositiva, mas com o estabelecimento de liberda-
des políticas, capaz de garantir a todos estabilidades e justo tratamento dos seus
154
UNICESUMAR
problemas locais, sem contudo, interferir de forma direta na maioria dos casos.
É que na realidade o processo de independência americana foi diferente da-
queles existentes no restante da América, o fato histórico é que “o Estado Federal,
nasceu, realmente, com a constituição dos Estados Unidos da América, em 1787.
Em 1786 treze colônias britânicas da América declararam-se independentes,
passando a constituir, cada uma delas, um novo Estado” (Dallari, 2012, p. 252).
O desenvolvimento do federalismo se confunde com a própria história da inde-
pendência e da formação do constitucionalismo americano, podendo-se afirmar
que, a necessidade prática auxiliou na construção da sua própria teoria. Este de-
senvolvimento se inicia já no período das colônias, e segundo Lima, citando a
obra de Fredys Orlando Sorto,“as colônias tinham desfrutado de ampla liberdade
durante a administração colonial [...]. Após a Guerra dos Sete Anos (1763), que
culminou com o Tratado de Paris, a Inglaterra impôs restrições ao comércio
colonial e taxou vários produtos. Foram tributados o açúcar (Sugar Act, 1764) e
todo o material impresso nas colônias (Stamp Act, 1765). Este último imposto,
instituído pela denominada Lei do Selo, provocou violenta reação dos colonos,
que constituíram uma associação chamada Filhos da Liberdade, para combater a
referida lei” (2011, p. 127). Foi uma questão de ordem tributária, mas que atingia
de forma direta um dos pressupostos do liberalismo clássico, principalmente
aquele desenvolvido por John Locke, que fez com as colônias se organizassem,
para a criação da associação Filhos da Liberdade, nome emblemático, para um
povo que já tinha conhecimento da extensão de seu significado. A cobrança de
tributos por parte do governo é discutida na obra de John Locke, nominada de
Dois Tratados Sobre o Governo, aonde o mesmo defende a ideia de que os tri-
butos não podem sobrecarregar a riqueza dos cidadãos, principalmente, quando
a sua finalidade for injusta, pois isto fere o direito de propriedade, que é um dos
pilares do liberalismo.
Concretizada a independência as 13 colônias tinham um problema a ser en-
frentado: como lutas contra a Inglaterra que não iria, de forma pacífica, abrir mão
de sua colônia mais próspera e que de certa forma, ainda mantinha laços étnicos
muito forte com a metrópole? São as questões de ordem prática e real que impul-
sionam as colônias a buscar uma forma de se manterem livres, mas estabelecer
laços de solidariedade e união, para enfrentar agora, o que seria o inimigo mais
temível: a coroa inglesa. Foi quando no Congresso Continental de 1777 que as
treze colônias norte-americanas resolveram adotar o sistema de confederação,
155
UNIDADE 9
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UNICESUMAR
dência passam a ser chamadas de Estado, segundo Dallari (2012, p. 252), faziam-
-se presentes no Tratado de Confederação com o seguinte teor: “Art. 2º Cada
Estado reterá sua soberania, liberdade e independência, e cada poder, jurisdição
e direitos, que não sejam delegados expressamente por esta confederação para
os Estados Unidos, reunidos em Congresso”. Segundo nos ensina Dallari, se cada
Estado continuará a ter soberania, liberdade e independência, o rompimento do
contrato pela confederação poderá ser unilateral, e além do mais, para preservar
estes três valores, podem muito bem arguir contestações com relação à sua capa-
cidade contributiva. Necessariamente, uma união de Estados precisa ser realizada
através de algumas concessões, que possibilitem o mínimo de rigidez ao corpo
político que a constitui, como forma de cobrar de cada um, o cumprimento dos
deveres das respectivas partes.
O modelo de confederação demonstrou ser muito frágil para corresponder
ao estabelecimento de relações mais complexas, que exigiam intervenções de or-
dem política e militar mais rápidas e efetivas, por isso, a “experiência demonstrou,
em pouco tempo, que os laços estabelecidos pela confederação eram demasiado
frágeis e que a união dela resultante era pouco eficaz. Embora houvesse um senti-
mento de solidariedade, havia também conflitos de interesses, que prejudicavam
a ação conjunta e ameaçavam a própria sobrevivência da confederação” (Dalla-
ri, 2012, p. 253). O próximo passo era procurar um novo modelo, que pudesse
manter os estados unidos, mas que permitisse a existência mais efetiva de um
poder central.
Em resposta a estes e outros problemas, é que surge a proposta federalista
de Madison, Jay e Hamilton, que se estabeleceu de forma definitiva, com a Con-
venção Federal de 1787, quando a confederação cedeu lugar ao surgimento do
que ficou conhecido como federalismo, ou ainda, Estado Federal. No entanto,
“diferente da confederação, o novo modelo reduzia a autonomia dos estados e
ampliava as atribuições do poder central, estabelecendo novas bases para as re-
lações entre os membros do pacto territorial. Entretanto, o arranjo federativo
também não se confundia com o unitarismo” (Ismael, 2009, p. 229). Uma das
características estruturais de um estado unitário é que o mesmo possui uma
somente uma esfera de organização política e administrativa, sendo assim, a sua
unicidade é mantida através de uma única ordem política, não compartilhando
as atividades de interesse geral; uma única ordem jurídica, que necessariamente
prevalece sobre as demais; e finalmente, uma única ordem administrativa, aonde
157
UNIDADE 9
existe somente, uma esfera de atuação nacional, e uma esfera de atuação local,
mas com poderes restritos.
Mas a ideia de um sistema federativo não é um mero arranjo de Estado com
um mínimo de afinidades, pois “é possível dizer que o arranjo federativo é esta-
belecido e regulado por uma aliança cujas conexões internas refletem um tipo
peculiar de divisão que deve prevalecer entre os participantes, isto é, cada um
reconhece a integridade de cada associado e busca promover um tipo especial
de unidade entre eles” (Ismael, 2009, p. 228). O modelo federalista proposto por
Madison, Jay e Hamilton fora resultado de artigos públicos em jornais, e portanto,
saíram de um debate público entre os seus autores, que em alguns casos, tinham
opiniões e posições diferentes, mas de qualquer forma, foi uma discussão de
âmbito público, privilegiando um dos pilares do liberalismo clássico, principal-
mente aquele advindo de John Stuart Mill, para quem a liberdade de imprensa é
fundamental para a existência do liberalismo, desde que cada um seja responsável
pelo que venha a dizer, e conforme nos ensina este liberal, pouco temos a per-
der quando concedemos liberdade de pensamento e expressão as pessoas, pois
nos defrontamos com duas situações: a primeira, é que podemos observar que
a mesma apresenta aspectos interessantes e que podemos incorporar às nossas
opiniões; a segunda, se a opinião fosse um absurdo, a mesma fortaleceria as nossas
nossas convicções de que realmente estamos no caminho certo.
Embora possamos encontrar a influência de outros filósofos políticos na
construção dos argumentos sobre o federalismo, dois autores contribuíram de
forma mais incisiva e constante, são elas, John Locke, com as suas ideias perti-
nentes à defesa da liberdade e do direito de propriedade, assim como, da necessi-
dade de um corpo político e de que o poder pertence ao povo, e este pode pedir
o mesmo de volta, aonde defende a ideia de uma democracia representativa; e
o outro, foi Montesquieu, principalmente com a sua Teoria da Tripartição dos
Poderes, que será implementada pelos americanos. Na realidade, segundo nos
ensina Ismael (2009, p. 231), a proposta da federação foi realizada com muita
habilidade política, pois a mesma não quis, naquele primeiro momento, tratar
de algumas questões que eram delicadas, e que inclusive, estavam expostas nas
teorias de John Locke, como foi o caso da escravidão, pois, enquanto os estados
do norte eram ricos e industriais e já tinham, naturalmente, e por exigência da
própria teoria liberal, abandonado a escravidão, o mesmo não se observava nos
estados do sul, que eram agrícolas e ainda dependiam da mão-de-obra escrava.
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sua vontade, e pode ser determinada pelo conhecimento que ele tem dos seus
meios” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 21). Se um determinado cidadão
tem vontade de consumir algo, e possui os meios necessários para supri-la, nada
de errado e de desigual, existe em que o mesmo pague um determinado imposto
pela mercadoria, o que de certa forma, contribuiria para que o Estado Federal,
entre outras responsabilidades, pudesse bancar políticas públicas, capaz de tornar
os cidadãos em potenciais consumidores, estabelecendo-se assim, um círculo de
consumo-geração de renda-geração de impostos.
Outro aspecto que favorece esta visão, notadamente liberal, é o fato de que “o
rico pode ser extravagante, o pobre pode ser moderado e a opressão particular
pode sempre ser prevenida por uma escolha judiciosa dos objetos sujeitos aos tri-
butos deste gênero” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 21). Portanto, caberia
a cada um decidir o que consumir, e o faria dentro dos meios de que dispões, e a
taxação de impostos sobre estes produtos, deveria ser feita com critério judiciosos,
ou seja, justos o suficiente, para determinar, por exemplo, o que é imprescindível
para a existência humana, e portanto, seria taxado em valores menores, e aquilo
que pode ser dispensável, mas se o cidadão não desejar o fazer, que pague uma
parcela maior de impostos. Corrobora essa visão liberal o fato de que “uma vanta-
gem decisiva dos tributos sobre o consumo é que eles mesmos já trazem consigo
o remédio contra os seus próprios excessos. O limite natural dessa qualidade de
tributos está fixado pela sua própria natureza; e não é possível ultrapassá-lo sem
prejudicar o seu fim, que é o aumento da renda” (Hamilton, Madison e Jay, 2003,
artigo 21). É uma visão própria da economia para a qual, se o imposto for muito
elevado é natural que o produto seja mais caro e o consumo seja menor, diante
de tal circunstância a lógica do mercado oferece três alternativas: o produto não
tem mercado, diminui-se os impostos para alavancar as vendas, ou ainda, pro-
porciona-se um aumento de renda para tornar o consumo possível.
A ideia de criar um Estado Federal atendia a uma exigência fundamental para
a preservação da grandiosidade da América, para usar um termo de O Federalista,
que era o de manter a união entre as 13 colônias e as demais que posteriormente
iriam aderir ao pacto federalista. No artigo nº 2 apresenta-se, em tom de exaltação,
e até mesmo messiânico, a necessidade de se manter unido os estados america-
nos, pois “é coisa bem digna de notar-se que não somente o primeiro Congresso,
mas todos aqueles que se lhe seguiram, assim como a última convenção, todos
concordaram com o povo em pensar que a prosperidade da América depende
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UNIDADE 9
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sobre determinado assunto, que o executivo não deve mais exercer a sua função,
e tão pouco, o judiciário também não o faça. Mas é certo que, em determinados
momentos é a vontade própria de um determinado poder que necessariamente,
e dentro de previsões legais, faça com que, obrigatoriamente um outro poder
assuma movimentos, sob pena de prevaricação no exercício de suas funções, em
outras palavras, a omissão também pode ser considerada uma ação ilegal.
Uma inovação que não estava prevista por Montesquieu, e que se apresenta
como inovação do pensamento federalista americano, era a participação do voto
popular na maior extensão possível da vida do Estado, portanto,“é necessário que
as nomeações para as supremas Magistraturas Legislativa, Executiva e Judiciária
saiam do povo, que é a fonte primitiva de toda a autoridade, por meio de canais
que não tenham entre si a mínima comunicação” (Hamilton, Madison e Jay, 2003,
artigo 51). A tripartição dos poderes é de Montesquieu, mas a ideia de que o
povo é a fonte de todo o poder, provém das teorias de John Locke, sendo assim,
é possível inferir, que naquilo que lhes fora conveniente, procuraram associar as
teorias necessárias para lhes dar o suporte que precisavam para o estabelecimento
de sua teoria. Mas ponderando situações específicas, reconhecem que algumas
dificuldades, permitem estabelecer alguma flexibilidade nesta questão do voto
popular para alguns cargos, como por exemplo, “a respeito do Poder Judiciário,
algum desvio poderia haver sem grave inconveniente do princípio mencionado;
em primeiro lugar, porque é preciso que aqueles que a exercitam tenham conhe-
cimentos particulares, e o ponto está em adotar o modo de eleição mais favorável
aos homens dotados desses conhecimentos indispensáveis; e, depois, porque, de-
vendo os juízes ser vitalícios, não ficarão dependendo daqueles a quem deverem a
sua nomeação” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 51). Se no poder executivo
e legislativo a estabilidade só pode ser conquistada através do voto, e do mandato
temporário, no caso dos juízes, os mesmos tem cargo vitalício, com a finalidade
de não serem pressionados por ninguém no exercício de suas atribuições, mas é
óbvio que, existem previsões legais para as suas destituições, quando do exercício
indevido de suas atribuições.
Seguindo a tradição da maioria dos pensadores políticos até aquela época,
com relação a um certo pessimismo, ou melhor dizendo, uma visão realista sobre
a natureza humana e suas possibilidades de desvios, como o fizera Platão, Maquia-
vel, Hobbes, Locke, Montesquieu e outros, os autores de O Federalista, quando
no artigo 51 nos expõe que “se os homens fossem anjos, não haveria necessidade
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travar de tal modo o interesse dos homens, com as obrigações que lhes impõem
os direitos constitucionais dos seus cargos, que não possam ser ofendidas as últi-
mas sem que o primeiro padeça” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 51). Fica
evidente a importância da Constituição na vida do Estado e por consequência,
na vida do cidadão, com relação a ambição, primeiro a mesma seria contida pela
própria Constituição, mas os autores defendiam a necessidade de se desenvolver
meios para gerar competitividade entre os poderes, na execução de suas funções,
o que é característico da visão liberal que defende a meritocracia como forma de
promover os homens.
Na mesma linha de raciocínio de Ismael (2009, p. 244), os já referidos autores
nos apresentam a sua preocupação, com a aparente fragilidade do Poder Judiciá-
rio, pois é aquele que tem menor possibilidade de articulação política, pois não
é de sua função constitucional trabalhar nesta seara, mas sim, se preocupar com
a interpretação e aplicação da lei, sendo assim, “quem considerar com atenção
os diferentes poderes deve reconhecer que, nos governos em que eles estão bem
separados, o Poder Judiciário, pela mesma natureza das suas funções, é o menos
temível para a Constituição, porque é o que menos meios tem de atacá-la” (Ha-
milton, Madison e Jay, 2003, artigo 51). A função principal do judiciário, tema da
disciplina de História e Teoria Jurídica, é o de analisar o caso concreto e encon-
trar uma lei que se aplica ao mesmo, processo esse chamado de hermenêutica
jurídica, pois diferente de outras áreas do conhecimento, o Direito possui suas
regras próprias para a interpretação e aplicação das lei, sendo assim, o judiciário
quase não possui meios de atacar a Constituição, até porque, se o juiz realizar
uma interpretação indevida, a sua sentença pode ser revista por outro magistrado,
atendendo o princípio do devido processo legal e de acesso à justiça.
Cada poder detém para si, funções específicas e inerentes às suas atividades, e
dentro desta perspectiva, “o Poder Executivo é o dispensador das dignidades e o
depositário da força pública; o Legislativo dispõe da bolsa de todos e decide dos
direitos e dos deveres dos cidadãos: mas o Judiciário não dispõe da bolsa nem da
espada e não pode tomar nenhuma resolução ativa” (Hamilton, Madison e Jay,
2003, artigo 78). O Poder Executivo detém as honras e tem para si, a prerroga-
tiva do uso da força para fazer com que os homens cumpram as leis, já o Poder
Legislativo, tem para si a função de legislar sobre os impostos, e a feitura das leis,
podendo alterar e mesmo revogar qualquer lei, atendendo a algumas condições
estabelecidas pela própria lei. Quanto ao Poder Judiciário, o seu trabalho, embora
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merecimento não surge como um mero agrado, mas sim no sentido, de que estes
assumem responsabilidades adicionais em suas vidas, porque “já é de presumir
que, se os seus concidadãos lhes deram a preferência, foi porque as qualidades
que os distinguiam prometiam zelo sincero pelo desempenho dos seus deveres”
(Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 57). No presente artigo, os autores expres-
sam as suas ideias, de como de ser honroso a um homem servir aos cidadãos, e
como é importante que o exercício de tal parcela do poder, tenha necessariamente
amparo constitucional.
Outra questão a ser esclarecida, e que certamente causou preocupação no
Congresso realizado para propor adoção do sistema federativo, é com relação a
soberania do Estado Federal e do Governo Estadual. A preocupação era de que
o Estado Federal, ou a União, viesse a assumir toda a soberania que antes perten-
ciam aos Estados, no entanto, “é verdade que a inteira consolidação dos Estados
em um só governo soberano nacional supõe a inteira subordinação dos membros
e que, se alguns poderes restarem a estes últimos, hão de ser sempre dependentes
da vontade geral; mas, como o plano da Convenção não estabelece senão uma
união ou consolidação parcial, é evidente que os governos dos Estados hão de
conservar todos os direitos de soberania que dantes tinham e que não forem
“exclusivamente” delegados aos Estados Unidos” (Hamilton, Madison e Jay, 2003,
artigo 32). Não se trata da delegação de um poder e soberania absoluta ao Estado
Federal, mas sim, de algumas prerrogativas que se demonstram ser do interesse
de todos, e que, para fortalecer os laços entre os Estados, devem ser geridos por
um poder central. Contudo, não é uma delegação que se faz de forma subjetiva
e sem parâmetros que determinem os seus limites, mas sim, “essa delegação ex-
clusiva não pode existir senão em três casos: ou quando a Constituição concede
um poder exclusivo à União; ou quando por um artigo se concede à União uma
faculdade que por outro artigo é proibida aos Estados; ou quando, finalmente,
concede-se à União uma faculdade que seria contraditória e impossível conceder
ao mesmo tempo aos Estados” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 32). Ora, a
Constituição não é uma procuração em branco que se entrega aos governantes,
antes disso, é resultado da expressão da vontade geral, como expressa Rousseau.
Também não é a vontade da maioria, ou de um grupo dominante, mas a vontade
necessária para a construção do bem comum. Outro aspecto a ser analisado é o
fato de que uma Constituição estabelece limites para o próprio exercício do poder
e também, ao menos dentro da Teoria Constitucional, pode fazer previsões para
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igualmente os devedores dos credores” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo 10).
É lógico que dentro da concepção liberal, a solução para este tipo de problema
não se encontra na distribuição de terras e tão pouco, de uma solução socialista
para o problema, mas sim de permitir que os homens tenham oportunidades
proporcionais aos seus méritos e que lhes permite, dentro da própria dinâmica
política e econômica do liberalismo, ampliar os seus direitos de propriedade,
assim como, as condições para tal. Esta questão já fora tratada por John Locke,
quando o mesmo afirma que o primeiro direito de propriedade que o homem
tem, e que ninguém pode lhe tirar, é o direito sobre o próprio trabalho, que deve
se converter, num direito que lhes permita obter outras formas de propriedade.
Uma outra forma de resolver esta questão, na visão dos autores da obra O
Federalista, é a de que “é de necessidade que entre as nações civilizadas se for-
mem interesses de agricultura, interesses de manufaturas, interesses de comércio,
interesses capitalistas e outros menos importantes que dividem a sociedade em
diferentes classes com vistas e sentimentos diferentes” (Hamilton, Madison e Jay,
2003, artigo 10). Numa perspectiva liberal encontrar uma solução para o pro-
blema dos motivos que originam as facções, não é algo viável, porque sempre se
encontra o limite nas questões pertinentes à liberdade. Se a saída mais efetiva seria
aquela, se fosse possível, criar nos homens os mesmos desejos e paixões, a mesma
fere o direito que os homens têm de ser diferentes, então tem que se caminhar
por outra via em direção ao enfrentamento do problema.
Contudo, o caminho para o enfrentamento deste tipo de problema encontra-
-se na própria forma de governo republicano, em que a participação popular é o
combustível que lhes é fornecido para estabelecer o seu próprio movimento, que
é a participação popular. Sendo assim, “quando uma facção não compreende a
maioria, o remédio existe no mesmo princípio do governo republicano que dá à
maioria os meios de destruir projetos sinistros da facção por uma votação regular.
[...]. Mas, quando a maioria toma parte numa facção, a forma do governo popular
pode dar-lhe os meios de sacrificar às suas paixões ou aos seus interesses o bem
público e os direitos dos outros cidadãos” (Hamilton, Madison e Jay, 2003, artigo
10). É preciso reconhecer que as facções podem existir no limite da Constituição,
que é o limite estabelecido para todo e qualquer cidadão, e que garantem a todos
o maior grau de liberdade, desde que esta não ofereça riscos a continuidade da
construção do bem público e nem dos direitos individuais de outros cidadãos,
que o exercem com fundamento na Constituição. Tal solução encontrada pelos
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. Explicar como segundo os autores, seria estabelecido os limites dos poderes a serem
exercidos pelos atores do pacto federativo.
4. É possível inferir que os autores defendem o extermínio das facções? Justificar sua
resposta.
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A liberdade de
expressão
Me. Cássio Marcelo Mochi
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tem a mesma conotação que damos nos dias atuais, para Mill, “o Estado social é,
ao mesmo tempo, tão natural, tão necessário e tão habitual para o homem que,
exceto em algumas circunstâncias incomuns ou por esforço de abstração vo-
luntária, ele jamais se concebe de outra maneira que não como membro de um
conjunto; e esta associação é fixada cada vez mais à medida que a espécie humana
se afasta do estado de independência selvagem” (Mill, 2002, p. 370). Portanto, a
liberdade social é aquela que caracteriza necessariamente a vida em sociedade,
dentro de uma organização social, que permite a preservação da liberdade a partir
da visão utilitarista.
Ao tratar do tema da liberdade, Mill afirma que a pior tirania é a da sociedade,
pois normalmente, com fundamento na moral da classe de maioria numérica,
tem o desejo de oprimir e posteriormente extinguir a vontade da minoria, sendo
assim, “nas especulações políticas, a tirania da maioria é incluída agora, em geral,
entre os males contra os quais a sociedade deve ficar de guarda” (Mill, 2002b, p.
383). Existe uma preocupação do autor, no sentido de procurar delimitar qual
seria o poder que o “povo”, constituindo-se da maioria, poderia exercer sobre a
outra parte, que seria caracterizado como a minoria, portanto, “o povo que exerce
o poder nem sempre é o mesmo povo composto daqueles sobre quem ele é exer-
cido, e o falado governo autônomo não é o governo de cada qual por si mesmo,
mas sim de cada qual por todos os restantes” (Mill, 2002b, p. 383).
Uma das características da obra de Mill é o seu descrédito na natureza huma-
na, assumindo assim, ainda que por via diferente, perspectiva próxima daquela
defendida por Hobbes. Não acreditava que o povo, enquanto agindo como von-
tade da maioria, poderia tomar, no caso da liberdade, decisões que pudessem ser
ratificadas pela razão. Para o autor, “a vontade do povo significa praticamente a
vontade da parte mais numerosa ou mais ativa do povo: a maioria, ou aqueles que
são bem sucedidos em se fazer bem aceitos como a maioria; por conseguinte, o
povo pode desejar oprimir uma parte de sua multidão; e são necessárias tantas
preocupações contra este como contra qualquer outro abuso de poder” (Mill,
2002b, p. 383). Existe uma preocupação em Mill com relação a opressão contra
a liberdade, que deve ser preservada no seu grau máximo, sem deixar de levar
em consideração que o homem vive em sociedade, que por si só, já demonstra
que a liberdade não poderá ocorrer no seu grau máximo, pois se assim o fosse, a
próximo passos seria o estabelecimento de uma tirania, portanto, “como outras
tiranias, a tirania da maioria era, a princípio, e ainda é comumente, julgada com
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temor, operando sobretudo por intermédio dos atos das autoridades públicas”
(Mill, 2002b, p. 383).
Se mesmo na visão utilitarista, a liberdade não pode ser exercida no seu grau
máximo, pois ninguém pode exercer uma liberdade que provoque o sofrimento
de seu semelhante, é preciso definir os limites para tal, contudo,“a questão prática
sobre onde colocar o limite – como fazer o ajuste adequado entre a independência
individual e o controle social – é um assunto no qual tudo permanece por ser
feito” (Mill, 2002b, p. 383). Para Mill, a sociedade poderia ser conduzida através
do poder delegado ao Estado, e neste sentido, com a utilização da força física
caso fosse necessário, ou a “coerção moral da opinião pública” (Mill, 2002b, p.
384). Contudo, é preciso levar em consideração que na obra Sobre a Liberdade, “o
interesse maior é a liberdade individual, exercida por pessoas conscientes, adultas
e bem-educadas” (Brito, 2012, p. 138). Tal fato, nos auxilia a compreender que na
respectiva obra, trata-se de proteger as liberdades individuais, de pessoas, que na
visão de Mill, estão aptas e preparadas para melhor usufruir de sua liberdade. Esta
perspectiva se insere na linha de visão desenvolvida pela teoria utilitarista, que
exige do sujeito agir dentro de uma moral muito mais rigorosa, do que aquela es-
tabelecida pelo Estado. Na realidade, ainda seguindo sua linha de visão, é porque
“essas pessoas, sendo as mais autônomas dentre todas, são o sal da terra, é a ela que
se devem as artes, as ciências. Não que não errem, pois não se trata de contrapor
simplesmente, o conhecimento de poucos contra a ignorância de muitos” (Brito,
2012, p. 139). Estas pessoas estão mais preparadas para usufruir da liberdade, por
terem entre outras coisas, um espírito mais progressista que as demais, e somando
estes e outros fatores, fariam as melhores escolhas sobre a liberdade.
A questão também pode ser explorada, a partir de uma sociedade que naquele
momento histórico a que o autor passa a circunstanciar a sua análise, já está mais
solidificada e a existência de um governo para conduzir os homens na vida em so-
ciedade, parece não ser mais o grande obstáculo e sim, parte da solução. Contudo,
partindo da suposição que esta seja uma sociedade democrática, e que as pessoas
transferir ao governo a autorização para agir em seu nome, “sob o imperativo
da vontade da maioria, reforçar-lhe-ia a autoridade moral sobre os indivíduos”
(Abranches, 2009, p. 295). Sendo assim, além da autoridade própria do governo,
com fundamento na lei e no uso da força, agora este também estaria revestido
de um poder advindo da autoridade moral que lhe fora depositada pela maioria,
no entanto, “para Stuart Mill, não seria tanto controle moral da sociedade, mas
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o fato de não haver garantias legais contra a sua interferência na liberdade dos
indivíduos” (Abranches, 2009, p. 295).
Na perspectiva utilitarista, da qual o autor é um dos seus principais represen-
tantes, “o único propósito para o qual o poder pode ser legitimamente exercido
sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é
impedir que se faça dano aos outros” (Mill, 2002b, p. 385). Se a ação a ser realizada
pelo indivíduo não fizer dano aos outros, nenhum poder pode, legitimamente,
ser utilizado contra a vontade deste indivíduo, pois se assim o fizesse, estaria
ferindo a sua liberdade de escolha, no entanto, isto não afasta a possibilidade das
pessoas demonstrarem a este indivíduo, o porquê, deve ou não realizar este ou
aquele ato. Existem limites para a existência e, situações, em que a preservação
da mesma exige que o indivíduo, ou mesmo a sociedade, limite o exercício desta
liberdade, ou seja,“a única finalidade para a qual a espécie humana está justificada,
de modo individual, a interferir na liberdade de ação de algum de seus membros
é a autoproteção” (Mill, 2002b, p. 385).
A liberdade na extensão que se propõe a analisar Mill, estabelece uma con-
dição inicial para a sua efetividade, pois, “talvez seja desnecessário dizer que essa
doutrina está destinada a ser aplicada apenas aos seres humanos na maturidade
de suas faculdades” (Mill, 2002b, p. 385). No entanto, quando se trata de liberdade
social, a mesma não é absoluta, e pode existir situações, em que o indivíduo, para
contribuir com o interesse de outras pessoas, pode realizar determinadas ações,
aonde o mesmo estará na condição de quem deve executar uma obrigação.
Para o autor, existem “muitos atos positivos para o benefício de outros que
a pessoa pode ser legitimamente obrigada a realizar; como prestar testemunho
num tribunal de justiça; dar sua cota justa na defesa do bem comum, ou em
qualquer outro trabalho em comum para o interesse da sociedade cuja proteção
desfruta e realizar certos atos de beneficência individual” (Mill, 2002b, p. 385).
Estes, são nominados como atos obrigatórios por exceção, mas não é para dimi-
nuir a liberdade do indivíduo, mas para zelar pela sociedade. A liberdade social
exige do indivíduo certas responsabilidades, porque ao zelar pela autoproteção
da própria sociedade, também estará ampliando o seu grau de liberdade. No en-
tanto, este tipo de atos obrigatórios por exceção, só deferiam ser tomados, depois
de uma análise cuidadosa e criteriosa, capaz de determinar que a sua realização
seria mesmo de interesse do maior número possível de pessoas. Para Abran-
ches, “a formulação do princípio da autoproteção, cujo objetivo é a limitação da
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pressão e pensamento, que tem, de forma mais efetiva que as de ordem pessoal,
a imprensa como seu maior aliado.
Não se trata apenas de desejar ouvir, o que se quer ouvir, mas o que se tem
para ouvir, ou mesmo ver, porque, segundo Mill, “o mal peculiar de silenciar a
expressão de uma opinião é que se está privando a raça humana, tanto a posteri-
dade como a geração existente, daqueles que discordam da opinião, mais ainda
do que aqueles que têm a opinião” (2002b, p. 386). De certa forma, a própria
ideia de progresso se constrói sobre esta perspectiva, em outras palavras, de que
somente temos ciência de que as coisas podem ou não serem melhoradas, a par-
tir do momento que tomamos conhecimento de sua existência. Continuando a
sua linha de raciocínio, “se a opinião for correta, a espécie humana será privada
da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se for errada, ela perde, o que é
quase um benefício tão grande, a percepção mais clara e a impressão mais vívida
da verdade, produzida por sua colisão com o erro” (Mill, 2002b, p. 386). Na visão
utilitarista, um erro pode ser utilizado para fortalecer uma verdade, de forma a
reforça-la, pois agora, passa-se a ter um outro parâmetro que testou a verdade e
não conseguiu destituir o seu status, tais argumentos são reforçados, quando Mill
nos ensina que, “se não se permitisse que até a filosofia newtoniana fosse questio-
nada, a humanidade não poderia sentir a completa garantia de sua verdade que
sente agora” (2002b, p. 387).
A questão da liberdade de expressão e pensamento, assim como, os meios
para trazê-las ao conhecimento da sociedade, que naquele momento histórico,
a imprensa era o mais acessível, faz de Mill um dos defensores mais ardorosos
deste tipo de liberdade. A preocupação não é apenas com relação ao poder que
o Estado pode exercer, através das leis para restringir este tipo de liberdade, mas
também, aquele exercido pela sociedade, através da moral social, em restringir os
direitos individuais, que o autor expõe vários motivos, para que o leitor defenda a
necessidade de preservar estes direitos, até porque,“na realidade, quando a lei ou o
sentimento público não permite que seja discutida a verdade de uma opinião, eles
(a lei e o sentimento público) são igualmente pouco tolerantes com a negação de
sua utilidade. O máximo que permitem é uma atenuação de sua necessidade ab-
soluta, ou da inegável culpa de rejeitá-la” (Mill, 2002b, p. 387). Colocar as opiniões
em discussão franca e aberta, permite às pessoas mensurar o seu grau de utilidade,
portanto, vislumbrar possibilidades de sua aplicação nas suas vidas, como forma
de imprimir uma maior velocidade em direção ao progresso, de outro lado, caso
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pessoas” (Mill, 2002b, p. 392). Na realidade, quem emite este tipo de opinião, nas
circunstâncias anunciadas por Mill no seu exemplo, não o faz com a intenção de
contribuir com o progresso da multidão, mas somente o de incitá-la contra uma
situação em particular, e os seus resultados, podem colocar a liberdade social em
risco, o que requer do Estado e mesmo da sociedade, assumir o dever de conter
tal possibilidade.
Outro aspecto é que muitas vezes, o fazer o mal aos outros tendo como fun-
damento a defesa de nossa liberdade, não está situado apenas no campo da ação
propriamente dita, mas algumas vezes, como reflexo indireto da conduta das
pessoas, portanto, “se por meio de seus vícios ou loucuras uma pessoa não cau-
sa dano direto a outros, ainda assim ela é (pode-se dizer) prejudicial com seu
exemplo; e deveria ser forçada a se controlar, em benefício daqueles aos quais a
visão ou conhecimento de sua conduta poderia corromper ou desencaminhar”
(Mill, 2002b, p. 396). O fato é que a moralidade liberal desenvolvida por Mille e
outros utilitaristas é rigorosa com relação às sanções impostas pelo meio social
ao homem que a desafia, sendo assim, a liberdade é um bem precioso, e uma
grande conquista ao longo da história da humanidade, preservá-la e ampliar seus
horizontes é dever de todo homem.
Mas como que, o que era defendido como liberdade passa necessariamente a
ser punido? A esta questão Mill nos responderia que: “sempre que houver algum
dano definido, ou risco definido de dano, quer para o indivíduo, quer para o
público, o caso é retirado do campo da liberdade e colocado no campo da mo-
ralidade ou da lei” (Mill, 2002b, p. 397).
Como é próprio das ideias liberais, deposita-se sobre o indivíduo parcela sig-
nificativa de responsabilidade, para o enfrentamento das situações contingentes
que o mundo lhes apresenta, e não poderia ser diferente, no pensamento político
e libertário de Mill, de forma mais pontual, quando nos ensina que,“sempre existe
necessidade de pessoas que não só descubram novas verdades e apontem quando
aquilo que um dia foi verdade já não o é mais, mas que também comecem novas
práticas e dêem o exemplo de conduta mais esclarecida e melhorem o gosto e o
sentido da vida humana” (2002b, p. 394). Outra característica das ideias liberais
é o de reconhecer que as pessoas apresentam, além das desigualdades de ordem
material, desigualdades originárias das próprias condições e capacidades de de-
senvolvimento das mesmas, pois, “é verdade que esse benefício, não pode ser
apresentado por todo mundo do mesmo modo; existem apenas poucas pessoas,
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seja, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, na proporção em que
permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode
desejar nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano
do Estado” (1981, p. 38). Fica evidente que a participação no governo deve ser de
todos, no entanto, somente uma pequena parcela está apta a participar do poder,
cujo exercício é necessário à própria existência do Estado e assim mesmo, esta
participação dependerá do grau geral de desenvolvimento da comunidade, ao
qual o autor, conforme já apresentado, discute quando trata das questões refe-
rentes à concepção de progresso.
Embora apresente convenientes e inconvenientes de outras formas de gover-
no, Mill é enfático na forma de governo que ele defende, sendo assim, expõe que
“identificamos no governo representativo o tipo ideal do governo mais perfeito,
ao qual por conseguinte todos os povos se adaptam melhor em proporção ao seu
grau de desenvolvimento geral. Quanto menos avançado estiver um povo em seu
desenvolvimento menos lhe será adequada, geralmente falando, esta forma de
governo; embora isto não seja universalmente verdadeiro, visto que a adaptabi-
lidade de um povo ao governo representativo depende muito mais do grau em
que possui certos requisitos especiais do que da posição que ocupa na escala geral
da humanidade” (Mill, 1981, p. 39). Se é o governo mas perfeito, o é em função do
grau de desenvolvimento em que a população se encontra, pois o mesmo exige
do povo e de suas instituições políticas, determinados conhecimentos que não
estão presentes em povos mais atrasados. Tal perspectiva de análise se faz com
fundamento na própria ideia de progresso desenvolvida por Mill e já presente,
de forma mais enfática, em vários pensadores de sua época, e que servirá em
momento futuro, como nos demonstrará Karl Marx, num ponto de apoio para
estabelecer uma crítica contundente contra o capitalismo e a própria ideia de
Estado construída e idealizada pela burguesia.
Para que qualquer governo tenha uma existência minimamente temporária,
é necessário que algumas condições sejam satisfeitas, e não seria diferente para o
governo representativo, as três condições são as seguintes: “1) que o povo esteja
disposto a aceitá-lo; 2) que o povo tenha a vontade e a capacidade de fazer o ne-
cessário para sua preservação; e 3) que este povo tenha a vontade e a capacidade
de cumprir os deveres e exercer as funções que lhe impõe este governo” (Mill,
1981, p. 39). Embora o autor diga que são condições para a existência de qualquer
governo, certamente não se aplica aos governos despóticos, pois não se pode
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exige que, mesmo que o sufrágio não dependa disso, os meios de atingir estes
conhecimentos elementares sejam colocados ao alcance de todas as pessoas, seja
gratuitamente, seja a um preço que possa ser pago até mesmo pelos mais pobres.
Se fosse este o caso, pensar em dar o sufrágio a um analfabeto seria o mesmo
que pensar em dá-lo a uma criança que não saiba falar; e tal pessoa não estaria
sendo excluída pela sociedade, mas sim por sua própria preguiça” (Mill, 1981,
p. 89-90). No pensamento de Mill, e em especial na sua visão política, fica claro
que a educação assume um papel fundamental, mas também pragmática, porque
deve estar associada com as necessidades do Estado e da sociedade, e não como
um instrumento colocado de forma espontânea ao homem. É verdade que a
liberdade permite a este homem escolher entre ser educado ou não, mas a não
escolha implica em restrições de sua própria liberdade, não como punição, mas
como condição sine qua non de sua cidadania.
Expõe a responsabilidade que a sociedade tem na condução da Educação, pois
“o fato de a sociedade não ter cumprido seu dever de tornar este grau de instrução
acessível a todos é realmente uma injustiça, mas uma injustiça à qual devemos nos
resignar. Se a sociedade houver negligenciado o cumprimento de duas obrigações
solenes, a mais importante e mais fundamental deve ser cumprida primeiro: a
educação universal deve preceder o sufrágio universal” (Mill, 1981, p. 90), isto não
quer dizer que o voto não continuará existindo, mas sim que não será universal e
sim reservado para aqueles que detém um grau de educação capaz de conhecer
a extensão de suas responsabilidades, quando assumem a condição de cidadãos
que querem escolher os seus representantes.
Mas as restrições não se referem somente a questões de educação, e outras po-
dem ser necessárias, como por exemplo,“é importante, também, que a assembleia
que vota os impostos, tanto gerais quanto locais, deve ser eleita exclusivamente
pelos que pagam os referidos impostos. Os que não pagam impostos, dispondo
através de seus votos do dinheiro de outras pessoas, têm todas as razões ima-
gináveis para serem pródigos, e nenhum para economizar” (Mill, 1981, p. 90).
Uma das razões é que estas pessoas não se encontram livres, pois dependem do
dinheiro do governo e também, seria o mesmo que legislar em interesse próprio,
pois é da natureza humana se adaptar mais fácil em receber benefícios, do que em
trabalhar para conquista-los. Outro aspecto para negar a estas pessoas, de forma
temporária, o direito de votar, é o de que “seja como for, considero óbvio o fato
de que o recebimento de uma ajuda financeira por parte do governo representa
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uma exclusão peremptória do direito de votar. A pessoa que não consegue viver
de seu próprio trabalho não tem o direito de se servir do dinheiro dos outros”
(Mill, 1981, p. 91). Questões como estas, de ordem meramente numérica, portan-
to, objetivas, seriam fáceis de serem resolvidas.
Com relação a esta característica do pensamento de Mill, ou seja, a de associar
o direito ao voto, a algumas condições de natureza pecuniária, Abranches nos en-
sina que “Mill, ao defender algum condicionamento pecuniário para o exercício
do voto de representação, o faz por ingerência demasiada dos cidadãos pouco ou
não produtivos sobre os mais ricos. Além disso, esses cidadãos poderiam exercer
uma influência negativa no caráter dos representantes, que poderiam se tornar
irresponsáveis no que diz respeito aos gastos públicos, vistos serem estes os que
votam os impostos” (2009, p. 317). O que não é novidade, pois o pensamento libe-
ral sempre se caracterizou por uma preocupação especial com relação as questões
envolvendo o pagamento de impostos pelos cidadãos, a razão é que, quando feita
de forma injusta e desproporcional, fere o direito de propriedade, porque avança
sobre o patrimônio do cidadão, e também, o seu direito de liberdade, que é o de
dispor de seus bens exercendo a possibilidade de escolha.
Mas e quanto ao fato de que para outros casos, algumas pessoas, com fun-
damento no voto plural, tenham um direito de voto maior do que as demais?
Ao que Mill responderia: “se me for perguntado até onde pode ser levado este
princípio, ou quantos votos podem ser concedidos a um indivíduo em virtude de
quaisquer qualidades superiores, responderia que isto não é tão importante em
si, desde que as distinções e as gradações não sejam feitas de maneira arbitrária,
mas sim de uma maneira que possa ser compreendida e aceita pela consciência
e o entendimento gerais” (1981, p. 94). Para quem de certa forma, desacredita na
natureza humana, parece-nos uma contradição acreditar que, com fundamen-
to na moralidade social, e mesmo na educação, algumas pessoas se sentissem
conformadas pela restrição de seus direitos, quando não se encontrassem na
categoria daqueles que tivessem este direito. A razão para este posicionamento,
pode ser melhor compreendida quando compreendemos a importância que a
moral social tem para o utilitarismo, existindo até mesmo, como um elemento
efetivo de coerção de determinadas liberdades do indivíduo.
A preocupação central de Mill com relação a essa questão do voto, é sempre o
medo da predominância da maioria sobre a minoria, de forma a suprimir os de-
sejos e as liberdades da minoria, não com fundamento na razão, mas procurando
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UNIDADE 10
dar razão àquilo que não tem razão. O que o autor espera é que a educação mental
e política esteja acessível a todos, na esperança de que a mesma faça os homens
a agirem de acordo com a racionalidade, neste sentido que, de forma enfática,
afirma que “não é útil, mas sim nocivo, o fato de a constituição do país proclamar
que a ignorância deva ter poder político igual ao da sabedoria. Todas as coisas
que dizem respeito às instituições nacionais devem ser apresentadas por elas à
mente do cidadão comum, da maneira mais vantajosa possível para ele; e como
é altamente vantajoso para o cidadão pensar que todos têm direito a uma certa
influência, mas que os melhores e mais sábios têm direito a mais influência do que
os outros, é importante que esta convicção seja professada pelo Estado, e posta
em prática pelas instituições nacionais” (Mill, 1981, p. 96). A condição é que essa
vantagem temporária do voto plural, seja algo determinado pela Constituição do
Estado e não como simples vontade de uma minoria que detém maior capaci-
dade intelectual do que os demais. Na visão do autor, as classes mais instruídas,
seriam as grandes responsáveis por impulsionar o progresso, de oportunizar o
aperfeiçoamento da sociedade, pois dotadas de educação mental e política, teriam
consciência desta responsabilidade, e estariam mais aptas a providenciar a ação
necessária para dar o movimento em direção ao progresso.
Mas apesar de polêmico em várias de suas posições, comparadas à sociedade
em que vivemos, Mill tinha algumas teorias que iam além de seu tempo, e as
restrições que estabelece com relação ao sufrágio universal, o faz no fundamen-
to no conhecimento que as pessoas deveriam ter, da responsabilidade que elas
têm quando da oportunidade de votar neste ou naquele candidato. No entanto,
certamente foi o primeiro pensador político liberal a defender o direito que as
mulheres também tinham de votar, numa sociedade, que apesar de liberal, ainda
mantinha uma forte carga machista em praticamente todas as esferas da vida em
sociedade, quanto mais da política. Ao defender estas ideias, assim expõe os seus
argumentos: “na argumentação anterior, em favor do sufrágio universal, porém
escalonado, não dei importância nenhuma atenção à diferença de sexos. Con-
sidero o problema tão inteiramente irrelevante, em termos de direitos políticos,
quanto a diferença de altura ou de cor de cabelo. Todos os seres humanos têm
o mesmo interesse em ter um bom governo; o bem-estar de todos é igualmente
afetado por ele, e todos têm direito a uma voz para garantir sua porção de be-
nefícios” (Mill, 1981, p. 97). Demonstra assim, que se não tratou do assunto, não
é porque o mesmo não seja importante, mas sim que as suas referências eram
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UNIDADE 10
que aprendeu a ser livre, do que um povo que sempre esteja sob o jugo de um
governante que restringisse a sua liberdade.
Justificando a sua constante preocupação não somente com o voto, mas com
a qualidade do voto, porque, “além do mais, a qualidade do próprio voto também
seria melhorada. O homem teria frequentemente que encontrar razões honestas
para justificar sua maneira de votar, de modo a que possa convencer o caráter
mais correto e imparcial de sua esposa a se filiar ao mesmo partido. A influência
da mulher faria que o homem se prendesse mais à sua própria opinião sincera”
(Mill, 1981, p. 98). Para Mill, a liberdade quando conduzida pela educação, e
com influência da moralidade social, permite aos seres humanos reconhecer
que a única forma de ampliar a sua própria liberdade, primeiro é exercendo o
direito de escolher que serão governados somente pelos melhores, e depois, que
a própria prática constante, através das eleições, iria se aperfeiçoando e tornando
o sistema mais eficaz.
Como forma de proteger as minorias contra a opressão da vontade da maio-
ria, Mill defendeu, o foi um dos primeiros assim a fazer, o chamado voto propor-
cional, que foi “proposto originalmente em 1859 por Thomas Hare, um advogado
londrino, no livro A Treatise on the election of representatives, parliamentary
and municipal (Tratado sobre a eleição de representantes para o Parlamento e
os governos locais)” (Adams e Dyson, 2006, p. 119).
Este sistema não é simples, mas pode ser explicado, da seguinte exposição:
“os partidos apresentam candidatos até o número da magnitude do distrito. O
primeiro passo é calcular uma quota (número de votos dividido pelo número
de cadeiras mais um) em cada distrito. Assim, é calculado o número de votos
necessários para a eleição de cada representante; os eleitores assinalam na lista a
ordem de sua preferência. Os candidatos que atingirem a cota estarão eleitos. Se,
numa primeira apuração, não forem preenchidas as cadeiras, os votos dos can-
didatos que excederam a cota de eleição serão transferidos a outros candidatos,
segundo a preferência demonstrada pelo eleitor. Também é utilizado o sistema de
transferência de votos dos candidatos eliminados” (Pereira, 2008, p. 10). As cotas
se refere ao número máximo de legislador no distrito, um número estabelecido
pela legislação do país, no caso do Brasil, como não temos voto distrital, seria o
número máximo de deputados federais ou estaduais.
Finalizando, Mill foi um dos mais consistentes defensores da liberdade asso-
ciada a ideia de democracia de seu tempo, e neste sentido, “aplaudia o governo
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UNICESUMAR
representativo e o tonificante efeito moral que, no seu entender, podia ter sobre
os cidadãos comuns, mas gostaria que as coisas fossem organizadas de modo a
assegurar a ininterrupta influência de uma elite intelectual e moral” (Adams e
Dyson, 2006, p. 119). As suas obras ainda servem como instrumentos de reflexão
e provocação para se compreender a democracia a partir da responsabilidade que
as pessoas devem ter, principalmente, no tocante ao voto. Mas uma coisa é certa, e
Mill nos ensina: cada povo tem o governo que merece, uma vez que, o governante
é eleito, numa democracia, a partir dos votos dos eleitores. Com relação ao voto
plural, em situações bem específicas, o mesmo ainda existe, como por exemplo, na
maioria das universidades públicas, aonde o voto dos professores, por exemplo,
tem peso 10, o dos funcionários peso 5 e dos acadêmicos peso 1. Sendo assim, o
voto de um professor corresponde ao voto de 10 acadêmicos. Polêmica ou não
esta forma de eleição para reitor, ela ainda existe e se perpetua em nosso tempo,
sem entrar no mérito da questão, por não ser o objetivo de nosso curso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Jonh Stuart Mill foi um dos mais ardorosos e consistentes defensores do tema
da liberdade, ainda que o faça sob o ponto de vista liberar, é muito difícil não
ceder às suas ideias, principalmente, quando o mesmo trata de um tema que nos
é muito caro nos dias atuais, a liberdade de expressão.
É um tema pertinente e que precisamos nos debruçar para estudar, discutir e
aperfeiçoar instrumentos capaz de melhor compreender esta questão.
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1. Explicar quais as preocupações que John Stuart Mill tinha com a democracia no
tocante à liberdade.
2. Apresentar segundo John Stuart Mill quais seriam as três condições necessárias para
a existência do governo representativo.
3. Explicar segundo John Stuart Mill qual seria o limite para a liberdade de expressão.
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A crise política
do estado
moderno
Me. Cássio Marcelo Mochi
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UNIDADE 11
ralista é até possível fazer uma leitura de suas obras, sem o conhecimento da
realidade que os cercavam, o mesmo certamente não acontece, na maior parte da
estrutura que compõe a obra de Marx e Engels. Neste aspecto, os próprios autores
utilizam-se de exemplos e situações para estabelecer as suas críticas, próprias de
suas épocas, ou ainda, de épocas próximas. Dentro deste contexto, é preciso com-
preender que Marx situa-se “em um período histórico determinado, específico,
em que o capitalismo emprega, necessariamente, sua principal força de trabalho
na indústria, e o capital industrial é o poder econômico dominante” (Magalhães,
2009, p. 21). Com estas características, as suas teorias enxergam a sociedade a
partir desta perspectiva, que necessariamente é também, consequência da Revo-
lução Industrial, sendo que uma de suas principais características, é um abandono
significativo do modo de produção artesanal, e portanto, também de participação
familiar, culminando com o êxodo rural parcial, para que a sociedade passasse a
se concentrar maciçamente nas cidades, estabelecendo um modo de produção
em massa, aonde a personalidade do artista, antes impressa na sua própria obra,
seja ela qual fosse, para a mecanização da produção, que já não carrega mais
junto de si, parte da personalidade do artista, mas sim, o vigor e a rapidez que as
máquinas lhes imprimem.
Sendo assim, a mercadoria já não se identifica mais com o artesão, e sim
com a máquina e a sua capacidade de produzir mais, e mais barato. Na visão de
Walter Benjamin, a mercadoria, produto final, já não se identifica mais com o
artista, o seu autor, pois a sua marca pertence à máquina que a moldou, e não ao
trabalhador que a fez, até porque, este trabalhador existe apenas, como um dos
elementos que compõe a produção, e não mais, como aquele que imprime no
objeto, parte de sua personalidade. De forma geral, é a máquina substituindo,
pelo seu ritmo frenético de produção, a personalidade que antes o artesão dava à
mercadoria. Outra característica fundamental é que esta mercadoria é destituída
de personalidade que a diferencie das demais, pois a máquina produz muito, e
produz igual. Ninguém, nenhum artista até este momento conseguiu produzir
outra Monalisa, por mais que tentassem, sempre lhes faltava um detalhe, detalhe
este que, necessariamente pertencia à personalidade de Leonardo Da Vinci, en-
quanto artista, que de uma forma ou de outra, deixava impressa na tela, detalhes
resultantes desta.
Outro aspecto a ser levado em consideração é a diferença entre socialismo
e marxismo, que não se confundem em essência, mas somente no consenso do
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como por exemplo, “quando se diz que o trabalho dignifica o homem e não se
analisam as condições reais de trabalho, que brutalizam, entorpecem, exploram
certos homens em benefício de uns poucos. Estamos diante da ideia de trabalho
e não diante da realidade histórico-social do trabalho” (Chaui, 2006, p. 81). A
questão da ideologia, está em fazer, os menos esclarecidos acreditarem, que essa
realidade é boa e que realmente, contribui para a melhoria das condições de todos
os seres humanos.
Dentro desta concepção de ideologia do exemplo citado é possível ir mais
longe ainda, pois a mesma pode reconhecer que o trabalho pode ser realmente
duro, mas as pessoas têm sempre a possibilidade de escolher algo melhor, ou me-
nos pior, como se isso fosse realmente possível, numa realidade concreta aonde as
chances de trabalho para a maioria da população, ainda são extremamente redu-
zidas. Ou ainda, conforme nos ensina Chaui, “quando se diz que os homens são
livres por natureza e que exprimem essa liberdade pela capacidade de escolher
entre coisa e situações dadas, sem que se analise quais coisas e quais condições são
dadas para que os homens escolham” (2006, p. 81), também se caracteriza como
uma ideologia, utilizada pela burguesia, principalmente depois da Revolução
Francesa, para dar um caráter aparente da liberdade, mas não, real e concreto. Um
trabalhador não qualificado, e em alguns casos, mesmo os qualificados, realmente
podem exercer a sua liberdade e escolher entre este o aquele emprego? Será que
o mercado permite o exercício dessa suposta liberdade? Não existem questões
contingentes e de mercado, que apresenta apenas essa liberdade como algo apa-
rente, mas longe de se tornar realidade?
Durante muitos anos, a mídia, com uma propaganda ideológica, ensinou a
várias gerações que fumar representava masculinidade, status social e poder de
decisão. Será que realmente isso contribuiu para que as pessoas, principalmente
àquelas menos esclarecidas, tivessem percepção do mal que o uso de tal entor-
pecente produzia em suas vidas futuras?
Portanto, e diante de outros exemplos que se poderia citar, a ideologia “é re-
sultado da luta de classes e que tem por função esconder a existência dessa luta.
Podemos acrescentar que o poder ou a eficácia da ideologia aumentam quanto
maior for sua capacidade para ocultar a origem da divisão social em classes e a
luta de classes” (Chaui, 2006, p. 82).
Outro aspecto importante, e que interessa de forma direta à Ciência Política,
pois nos ajudará a compreender a concepção de Estado em Marx, é a afirmação
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tornar rentável o capital” (Magalhães, 2009, p. 99), sendo assim, podemos estender
o conceito para outras classes de trabalhadores, no entanto, este trabalhador não
apenas torna rentável o capital, como também, irá se submeter a um processo de
transformação da sua própria concepção de trabalho, enquanto algo concreto e
real, que é a alienação.
Portanto, o conceito de operário, que é a personalização do termo proletário,
também o pode ser, como por exemplo, na profissão de um professor, porque,
“Marx acrescenta que um professor pode ser igualmente produtivo se, além de
promover mudanças na mentalidade dos alunos, realiza seu próprio trabalho
para enriquecer o patrão. E conclui que, desse modo, não vê diferenças entre
um trabalhador de uma fábrica de salsichas e um trabalhador de uma fábrica de
ensino” (Magalhães, 2009, p. 99). O conceito de operário, que se insere na condi-
ção de proletariado, está associado, não diretamente com a função que o mesmo
exerce, mas sim, quanto aos resultados do trabalho, que são transferidos à quem
detêm o poder sobre o capital, que é o burguês.
O termo operário não pode se confundir com proletariado, embora, o pri-
meiro possa estar inserido no segundo, em outras palavras, “na realidade, o pro-
letariado – o grande sujeito revolucionário de Marx – não constitui, realmente,
uma classe. Ele é, antes de qualquer coisa, um conjunto de trabalhadores as-
salariados, explorados pelo capital que, pela sua situação específica no mundo
da produção, representa o setor mais avançado e progressista da sociedade e,
portanto, o segmento com maior possibilidade de produzir as transformações
sistêmicas” (Magalhães, 2009, p. 99-100). Pode se inferir, que o proletariado é o
sujeito revolucionário, pois encontra-se na condição de sujeito ativo da história,
pois tem consciência de que é preciso reescrever a história, mas agora não mais
como sujeito passivo e que admite que a sua história seja escrita e construída por
outros, e sim, tem para si, a vontade, através da revolução de institui o que Marx
chama de a ditadura do proletariado, substituindo o governo da burguesia. A
condição para que o proletariado realize essa revolução, é que o mesmo esteja
bem formado, pois se a revolução pode ser realizada em curto prazo, a construção
de uma ordem socialista requer tempo e conhecimento.
Se a ideologia é a mascaração da realidade, a realidade invertida, a realidade
inventada pela classe dominante, outro aspecto a ser analisado é quanto a aliena-
ção, que surge também a partir da perspectiva da fragmentação do trabalho, tal
qual, Charles Chaplin nos mostra no filme Tempos Modernos. Embora outros
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UNICESUMAR
pensadores tenham dado uma conotação diferente para a palavra alienação, Marx
a associa com a economia, de onde surge a alienação econômica, cuja construção
teoria e real, se dá sob dois aspectos, o primeiro enquanto fragmentação do tra-
balho e o segundo, enquanto o produto que é necessariamente apropriado por
outros, que acrescentam ao mesmo, um valor subjetivo que não é repassado ao
operário, ao que Marx chama de mais-valia.
Portanto, a alienação do trabalho consiste, “em que o produto do trabalho, os
objetos produzidos pelo trabalhador, não lhe pertencem, aparecendo-lhe como
algo estranho, como um poder independente dele e que o domina” (Naves, 2000,
p. 25). O produto final do trabalho não mais se identifica com o seu criador, até
porque, com a fragmentação do trabalho, o trabalhador não tem mais percepção
da existência e mesmo importância, da concretização de seu próprio trabalho,
porque, simplesmente apertar um ou mais parafusos, através da ideologia e da
própria alienação, se apresenta como algo tão elementar, que pode ser realizado
por qualquer um. O trabalhador, enquanto sujeito de carne e osso, e toda a sua
constituição de ordem metafísica, a sua transcendência, e a suas relações sociais,
são relegados e sua importância é substituída pela existência do objeto que com-
põe o todo do trabalho. O trabalho passa a lhe consumir sob todos os aspectos,
portanto, “quanto mais o trabalhador produz, mais vê-se privado dos objetos
necessários à sua subsistência e, na medida em que menos objetos ele possui, mais
ele cai sob o domínio dos produtos que são criados por ele, isto é, sob o domínio
do capital” (Naves, 2000, p. 25).
O trabalho não mais dignifica o homem, sob o ponto de vista do trabalhador,
mas sim, o coloca numa condição de submissão, aonde a sua vontade é substituída
pela necessidade, o que torna o trabalho um fardo a ser carregado e também, o
que recebe pelo seu trabalho, já não mais lhe garante o necessário para repor suas
energias e nem, para suprir as necessidades básicas de sua família, o que acaba
por produzir duas situações distintas, a primeira é a de que precisará de um ou-
tro trabalho, a ser realizado em período diferente do primeiro, subtraindo dele e
da família, o convívio social necessário à sua própria identificação enquanto ser
humano; ou, a criação de um sentimento de frustração e impotência diante do
mundo e que termina por produzir, na maioria dos casos, doenças correlatas a
esta sua condição, e em casos mais extremos, e nem tão raro quanto se pensa, o
de adquirir vícios que o afasta cada vez mais da realidade.
O resultado final de todo este complexo processo, que tem o seu início com
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não produzem transformações sociais, a razão não pode ser aperfeiçoar, pelo
simples fato de ser razão. Quem realmente existe, e necessariamente está inserido
no motor que move a história, são os sujeitos reais e as condições existentes, ou
criadas por eles mesmo, ou ainda, negada por quem tinha condições para tal.
Na linha de pensamento desenvolvida por Collin, “o materialismo, se há ma-
terialismo, consiste apenas em que Marx rejeita a transformação de seres de razão
(sociedade, Estado, classe social) em realidades subsistentes por elas mesmas”
(2008, p. 109), em outras palavras, essas realidades não existem por elas mesmas,
pois trata-se apenas de abstrações de sujeitos, que inclusive, na maioria das vezes,
encontram-se muito distante da realidade. Sendo assim, “o que existe realmente,
o que é o fundamento material de toda a explicação histórica, são os indivíduos
vivos dos quais devemos naturalmente partir: uma classe social, por conseguinte,
não é uma coisa, mas apenas um certo modo que indivíduos têm de se relaciona-
rem entre si” (Collin, 2008, p. 109). Uma classe social não é apenas um conceito
que trata de uma coisa, mas é resultado da ação de homens, que por um motivo
ou outro, resolvem dar um mínimo de coesão a uma certa forma de ser, para a
construção de uma personalidade comum e que os identifica.
A identificação destes referenciais se mostra necessária, porque na visão de
Marx o Estado insere na condição de opressor legal das classes sociais, princi-
palmente daquelas que se encontram na chamada infra-estrutura, ou estrutura,
ou ainda, subestrutura. Para explicar esta relação entre os meios de produção e
os aportes que constituem o poder da classe dominante, se desenvolve a ideia de
que, a sociedade se constrói a partir da perspectiva de que a mesma se comporta
como um edifício, aonde a substrutura ou a fundação propriamente dita, sustenta
todos o edifício, mas o que o mundo realmente vê, é apenas o que se encontra na
condição de superestrutura.
Neste sentido, “para Marx, a organização socioeconômica da sociedade – sua
subestrutura ou base – é fundamental, não apenas por tornar possível todos os
outros aspectos da sociedade, mas também por determinar a natureza de todos
esses aspectos” (Adams e Dyson, 2006, p. 107). Os bens materiais, sua colocação
ou não, à disposição dos homens, e a intervenção humana através do trabalho,
modificando e alterando estes bens materiais, determina a forma com que se dará
as relações sociais de produção, e os homens passam a viver de forma artificial
estas relações. Por outro lado, não o fazem simplesmente porque querem, mas
porque a sua necessidade de sobrevivência está vinculada necessariamente ao
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UNIDADE 11
trabalho. Outro aspecto que interfere no seu fazer, parte da influência de fatores
que se encontram acima do edifício, porque, “em qualquer sociedade, a superes-
trutura de leis, governo, educação, religião, arte, crença e valores é resultado direto
de sua organização econômica e social” (Adams e Dyson, 2006, p. 107).
É na superestrutura que se encontram as raízes do qual originam princi-
palmente, através da ideologia, da religião e das leis, a ideia de que todos somos
iguais, e que as condições estão colocadas de forma igual para todos, e também,
de que os homens são livres para decidirem as suas vidas. O que nos leva a pen-
sar a máxima que se encontra no meio empresarial: não está contente, procura
outro emprego, pois você é livre para escolher. Como se tal liberdade realmente
existisse, e estivesse à disposição dos homens, empregos e salários dignos para
que o trabalho não fosse um fardo, mas sim um instrumento realizador de seus
projetos de vidas.
O Estado passa a ser um instrumento de manutenção do poder da classe
dominante, aliado à justiça que se constrói a partir de leis que visam garantir os
interesses dessa classe social. Ao depositar na figura do Estado poder para tal,
na realidade, a burguesia, a sua criadora, procura dar ao mesmo, a legitimidade
e a legalidade para agir e defender os seus interesses. A ideologia serve como
instrumento de justificação deste poder descomunal que o Estado tem sobre as
classes sociais, cujas relações sociais de produção realmente constroem o próprio
Estado, portanto, é “nessa esfera, segundo Marx, que a religião, a educação, as artes
e as ideias predominantes desempenham o seu papel” (Adams e Dyson, 2006, p.
107), ou seja, de criar uma ilusão de que o Estado, através de toda a estrutura que
o cerca, organizou a sociedade de forma justa, garantindo a todos, a igualdade
em todas as esferas da vida humana, devendo cada um, mobilizar as suas forças,
de acordo com seus projetos de vida. A crítica que os marxistas fazem a esse res-
peito é a de que, se a pobreza pode ser considerada um projeto de vida, ou uma
submissão da própria condição humana ao capitalismo, porque, supostamente
não tendo força, ante a legitimidade e legalidade do Estado, resta apenas a con-
formação, como se tal situação fosse natural.
Dentro desta linha de raciocínio, o Estado é opressão e age de acordo com as
linhas traçadas pela classe dominante e tem por objetivo, conter, com fundamento
na lei, a pretensão da classe dominada e fazer reconhecer os seus direitos. Na rea-
lidade é a luta da burguesia pela instituição de seus direitos, contra o proletariado,
para que o mesmo reconheça como justo, somente os seus deveres.
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UNICESUMAR
Mas quem realmente é o Estado para Marx e Engels? Para Engels, “como o
Estado nasceu da necessidade de combater o antagonismo das classes, e como,
ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado
da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, por
intermédio dele, se converte também em classe politicamente dominante e adqui-
re novos meios para repressão e exploração da classe oprimida” (Engels, 1998, p.
137). Portanto, o Estado é o que ele é, porque cumpre o objetivo para o qual fora
criado pela classe dominante, que através das formas artificiais de construção da
política, transforma-se também, na classe politicamente dominante.
Na obra o Manifesto Comunista os autores nos ensinam que o Estado nada
mais é do que um grande balcão para gerenciar os problemas da burguesia, para
preservar o que conquistaram com a sua revolução, pois se houve uma revolução
que realmente foi bem sucedida, foi aquela promovida pela burguesia, tomando
como referência a Revolução Industrial como aquela que transformou as formas
de produção, reduzindo o valor do trabalho humano; e posteriormente, a Revolu-
ção Francesa, que completando este momento revolucionário, reduziu o poder da
Igreja, praticamente exterminou as pretensões das monarquias, principalmente
as absolutistas, instituiu o modelo jurídico que prima pela defesa da propriedade,
e trata questões da liberdade e desigualdades sociais, pela ideia apenas abstratas
de que todos são iguais perante a lei, e finalmente, institui a figura quase que
sacrossanta do Estado, além de que, sacramentou o capitalismo como o novo
modelo a reger a vida em sociedade.
A partir desta perspectiva institui-se o modelo político que doravante irá
nortear as relações entre o Estado e a sociedade, no qual, o poder político será,
sempre que conveniente, o poder organizado de uma classe para a opressão de
outra. O poder não foi construído para ser dividido entre todos, mas ser utilizado
como instrumento da manutenção dos interesses da classe dominantes. Em Marx
e Engels, “o político é o reino da ilusão, um teatro de sombra em que os interesses
das classes em luta se exprimem disfarçados atrás dos falsos universais. A realida-
de são os interesses individuais dos quais os indivíduos partem sempre” (Collin,
2008, p. 231). Os falsos universais se manifestam através de garantias de concessão
ilusória, que faz não para que sejam cumpridas, mas apenas para se afirmarem
como promessas, como, por exemplo, a ideia jurídica de todos são iguais perante
a lei, ora, como pode existir uma igualdade perante a lei, que a própria ideia de
justiça pública já se caracteriza por uma desigualdade, que se manifesta deste a
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Marx e Engels nunca escreveram uma obra pertinente sobre o seu pensamento
político propriamente dito, e tão pouco, uma Teoria do Estado, o que tem é uma
análise a partir da totalidade de suas obras. Mesmo assim, o seu pensamento
político ainda continua a ser um grande desafio para o mundo acadêmico. Neste
sentido, uma leitura atenta do Manifesto Comunista auxiliaria, de forma intro-
dutória, a começar uma reflexão sobre este pensamento político.
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1. Explicar o conceito de ideologia para Marx e Engels.
2. É possível inferir que para os autores o Estado cumpre a sua função de proteger os
interesses dos mais fracos e oprimidos? Justificar sua resposta.
3. Dissertar sobre o trabalho no pensamento dos autores e como este se relaciona com
o campo das relações sociais.
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Liberalismo
Me. Cássio Marcelo Mochi
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Introdução
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UNIDADE 12
que propôs uma nova forma de estudar e fazer ciência, “Bacon foi um dos pri-
meiros a ver que o conhecimento científico poderia dar ao homem poder sobre a
natureza, portanto, que o avanço da ciência poderia ser usado para promover em
escala inimaginável o progresso e a prosperidade humana”. No entanto, ao contrá-
rio do que possam imaginar, a ciência proposta por Bacon não estava deslocada
da religião, pois ele dizia que “um pouco de filosofia inclina a mente do homem ao
ateísmo, mas o mergulho na filosofia aproxima as mentes dos homens da religião”.
A principal obra de Bacon chama-se “Novum Organum”, ou seja, “Nova Ciência”,
para resgatar o que Aristóteles produziu na Grécia Antiga, quando escreveu a sua
obra voltada a ciência de sua época, chamada de “Organum” ao mesmo tempo
em que opunha alguns problemas à obra aristotélica.
Temos também Thomas Hobbes (1588-1679), considerado pelos estudiosos o
primeiro materialista moderno, numa época em que a Santa Inquisição cometia
barbaridades em nome de Deus, ele irá desenvolver uma filosofia puramente
materialista, na sua obra mais significativa, chamada de “O Leviatã” (1651). Irá
desenvolver a sua teoria metafísica, psicológica e filosofia política, e defender a
necessidade que os homens têm em determinar um Soberano, cuja missão será
preservar os interesses comuns e manter a harmonia entre os homens através
de leis e outros elementos necessários, assim como a sua legitimidade em punir
aqueles que as transgredirem. Segundo Magee, “Hobbes propôs a ideia de que a
matéria física é tudo o que existe, e de que tudo pode ser explicado em termos
de matéria em movimento” . As últimas palavras de Hobbes denotam muito bem
o seu materialismo, quando ele diz: “estou prestes a fazer minha última viagem,
um grande salto no escuro”.
Uma outra grande expressão desta época é René Descartes (1596-1649). O
legado cartesiano é inestimável, quem já não ouviu falar em “gráfico cartesiano”,
ou nas palavras “penso, logo existo”? Ele fora educado no College La Flèche, pelos
Jesuítas, considerados pelos estudiosos em educação, a mais fenomenal e culta
das ordens religiosas cristãs já existentes. O cabedal de conhecimentos na área da
educação, deixado pelos jesuítas é inestimável para o mundo ocidental. As obras
de Descartes não são extensas, como de outros filósofos e cientistas, mas de uma
profundidade ainda não explorada em sua totalidade. A sua principal obra cha-
ma-se “Discurso do Método”, onde as questões principais estão: no que eu posso
saber, se realmente sei, e o princípio da chamada dúvida hiperbólica, ou seja, antes
de afirmar se realmente sei, é preciso duvidar de tudo, inclusive de mim mesmo!
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UNICESUMAR
Ele inicia o “Discurso do Método” dizendo: “o bom senso é a coisa mais bem
distribuída do mundo, pois cada um se acha bem provido dele”. Descartes é um es-
critor primoroso, tem um estilo inigualável, preciso, claro, não utiliza os chamados
“jargões filosóficos”, metódico em suas exposições, sem ser repetitivo e cansativo.
Dezessete anos antes da morte de Descartes, temos o nascimento daquele que
seria nominado como o “Supremo Liberal”, John Locke (1632-1704). É considera-
do pela maioria dos pensadores como o “pai do empirismo”. No entanto, já temos
aqui uma questão a propor: o que vem a ser empirismo? É uma corrente que
defende a ideia de que todo o conhecimento provém unicamente da experiência.
Não admitem a verdade revelada, muito própria da religião e das correntes mís-
ticas e mesmo do conhecimento que não possa ser provador no mundo sensível.
Mas qual o legado de Locke para os nossos dias? No campo da política e da
economia, o empirista inglês deixou a sua maior obra, “Dois Tratados Sobre o
Governo”, onde ele expõe de modo muito claro, as suas ideias liberais, princi-
palmente, quando ele afirma a tríade famosa do liberalismo em todas as épocas:
“Liberdade – Igualdade – Propriedade”. Outra citação clássica e que o capitalismo
se apossará de modo ferrenho é a de que “a natureza nunca faz coisas para usos
vis ou nenhum uso”, é lógico que o capitalismo se apropriou somente do segundo
termo.
No Livro II, chamado de “Segundo Tratado Sobre os Dois Governos”, ele nos
coloca uma posição muito clara, e que inclusive juridicamente, será ponto de
referência para a história ocidental, qual seja: aquele que encontrando um objeto
na natureza, e exerce sobre ele uma transformação, tem o direito da posse sobre
o mesmo, e pode dispor sobre esta coisa, da forma que melhor lhe prouver, desde
que não desperdice. O que isso significa? Quando um homem apanha uma jarra
d´água no rio, ao conter o líquido em seu interior, o homem já exerceu uma trans-
formação sobre algo, que outrora estava livre na natureza, pois bem, doravante
este homem terá todo o direito de vender, trocar ou fazer qualquer uso da mesma.
Qual a importância da construção desta linha de raciocínio por Locke? Es-
tamos nos idos de 1700, o mundo, em especial a Inglaterra caminha para um
momento ímpar na história da humanidade. Qual será este momento? A Revo-
lução Industrial Inglesa (1760 – 1820), e apontamos uma outra questão: qual um
dos principais fatores que permitiram à Inglaterra se destacar de outros países,
no tocante a este fato histórico? As grandes reservas de carvão, a justificativa que
os ingleses de explorar novos mercados de matérias primas, comprar a preço
223
UNIDADE 12
irrisório, e na maioria das vezes se apossar pela força, transformar estes produtos,
agregar valores e depois vender ao mundo.
Um outro grande pensador deste período é Adam Smith (1723-1790), cuja
obra “A Riqueza das Nações”, contém a filosofia que sustenta os valores econômi-
cos do capitalismo liberal. Smith é leitor astucioso de John Locke, mas cria a sua
própria filosofia. Infelizmente, este pensador inglês é muito mais citado do que
lido, mas é preciso admitir que seus escritos não são apenas uma teoria econô-
mica, mas englobam também questões éticas, teoria política e história.
Adam Smith criticava ferrenhamente as práticas monopolistas, principal-
mente aquelas praticadas pelo Estado, pois entendia que estas restringiam o es-
pírito empreendedor natural que só pode ser realizado pela livre concorrência.
É chamado o criador da teoria da “mão invisível”, pois afirmava que a própria
concorrência do mercado iria regular os preços, de modo a que a produção fos-
se máxima e o custo mínimo. Seu ideal acerca do mercado livre terminou por
conduzi-lo a uma visão minimalista do Estado, e que será o grande balizador das
ações do Estado Moderno.
Entre a Revolução Inglesa, séc. XVIII e o Século XIX o surgimento de uma
miríade de pensadores, mas já envolvidos com as questões sociais, cujos pensa-
mentos determinarão a restituição de alguns direitos ao homem, principalmente
ao trabalhador.
O primeiro, por ordem cronológica, é John Stuart Mill (1806–1873), um ho-
mem declaradamente liberal, defensor ferrenho da liberdade do homem, e dizia
que “o indivíduo deve estar livre para fazer o que quiser, desde que não gere pre-
juízos aos outros”. O primeiro a defender publicamente a necessidade de que as
mulheres também pudessem votar e desenvolveu a tese, muito utilizada nos dias
atuais, da chamada Democracia Liberal, onde defende que numa população nu-
merosa, o voto deveria ser representativo, pois desta forma estaremos protegendo
a democracia de uma massa ignorante, e que não tem desejos e nem opiniões pró-
prias. Para Alves, a modernidade fez com que o homem suplantasse a fé religiosa
e a hierarquia, ele se tornou senhor do seu destino, pois ampliou os seus poderes
sobre a natureza, e assim pode se sentir desta forma. Neste momento, os direitos
humanos surgem como forma de controlar as arbitrariedades dos monarcas,
preservando assim o indivíduo, mas não garantiu a coesão social da sociedade.
Neste mesmo período temos o nascimento de um dos grandes expoentes
do pensamento ocidental moderno, e que também será adotado pelos europeus
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UNICESUMAR
orientais. É Karl Marx (1818-1883), que será aquele que vai criar e desenvolver a
metodologia de pesquisa chamada de materialismo-histórico, cuja linha de racio-
cínio pode ser assim resumida: o homem tem que ser visto como um “ser social” e
como tal, ele recebe influências de todas as ordens que o cercam, principalmente
da economia. É preciso analisar as causas que conduziram aos efeitos, e situa-las
dentro do contexto histórico. Desenvolveu, tendo como fundamento a sua crítica
a Hegel, o que chamamos de Método Dialético, e sendo assim, afirma que “a coisa
inseparável que os seres humanos têm de fazer se quiserem viver é obter os meios
de subsistência: devem ter como se alimentar, se vestir e se abrigar, e atender
a outras necessidades básicas”. A produção dos meios de vida é uma atividade
social e já não é uma tarefa individual. A história do homem é uma constante
disputa de classes, de conflitos por poder. É o homem que se potencializa em seu
consumo, mas que se minimaliza no valor do seu trabalho, que não tendo nada
mais a vender, só lhe resta vender a força de seu trabalho, vender não, entregá-la
a troco de um mísero salário, que ao mesmo tempo em que constrói a fortuna do
capitalista, degrada moral e socialmente o trabalho e todos aqueles que dependem
do resultado de seu trabalho.
Karl Marx faz uma crítica contunde à filosofia desenvolvida até a sua época,
ao afirmar que “os filósofos se limitaram apenas a interpretar o mundo de diversas
maneiras; trata-se, porém, de transformá-lo”. E a sua filosofia, a filosofia da práxis
era propor as formas de transformação desta sociedade.
Finalmente temos um dos últimos grandes expoentes do século XIX, já
adentrando ao século XX, que é Max Weber (1864-1920). É dele a teoria mais
abrangente das origens e da natureza da modernidade. Defendeu a ideia de que
o capitalismo nasceu no ocidente, e diferente de Marx, dizia que a cultura e os
valores sociais é que levavam as práticas econômicas e políticas específicas. A
sua obra mais conhecida é “A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo”, onde
entre outros assuntos, procura explicar o porque dos filhos de protestantes terem
ascendidos aos cargos das grandes empresas, enquanto os filhos dos católicos e da
burguesia, eram sutilmente colocados em outro plano. Qual a estratégia adotada
pela família protestante? Estudar, com muito sacrifico e até humilhações, os seus
filhos em escolas de formação econômica, administrativas e ligadas diretamente
com o gerenciamento da produção, seu objetivo: ocupar os cargos de direção,
para os quais os filhos do segundo grupo não estavam preparados.
A fermentação destas ideias, acomodação das fronteiras geográficas da Eu-
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UNIDADE 12
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. Explicar uma diferença fundamental entre a visão socialista aqui representada por
Marx e Engels e a visão Liberal.
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Correntes
políticas
contemporâneas I
Me. Cássio Marcelo Mochi
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Marxismo e liberalismo
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UNIDADE 13
pos sociais familiares, e cada home detinha parcela de poder equivalente à sua
força física, associadas às suas habilidades de sobrevivência. Supostamente, neste
Estado os homens usufruiriam do maior grau de liberdade individual e a ideia
de propriedade ainda não estava presente, podendo o homem desfrutar de tudo
quanto a natureza colocava à sua disposição. O sentido de posse se caracterizava
por ser sempre de ordem transitória e necessária à sua sobrevivência, aliada à sua
força física para dispor de tal posse, assim, como de sagacidade e esperteza que
naturalmente a sua experiência iria construindo.
Neste estado em que o homem se encontrava, cada homem era juiz de si
mesmo, portanto, árbitro de suas diferenças com o próximo e que deveria pre-
valecer era a ideia de força física e disposição para o combate. Como não existia
convenção entre os homens, que pudessem regular pela moral e pela ética as
relações com os próximos, que são características da vida em sociedade, também
não existia a concepção de certo e errado, de bom e de mal, de moral e imoral.
Cada um agiria de acordo com a melhor conveniência e oportunidade.
Uma característica fundamental deste Estado de Natureza era o de que os
homens eram iguais na sua efetividade, mas ao mesmo tempo, eram detentores
de certos direitos naturais que não poderiam renunciar, ou seja, a liberdade no
seu mais amplo espectro e também a propriedade, não como forma de acúmulo,
mas como o necessário para a sua sobrevivência e de sua família. Não se tratava
da concepção de propriedade de ordem individual, mas necessariamente, da-
quela necessária à sua sobrevivência. Outro aspecto, é de que, inexistindo a ideia
de Estado Político, cada homem agia de acordo com as suas possibilidades, não
esperando do grupo coletivo, auxílio que pudesse defender o que supostamente
deveria ser o interesse de todos. Não existindo ordem coletiva, o que prevaleceria
seria a ordem individual.
Conforme já estudamos, a permanência deste homem no Estado de Natureza
e a necessidade de sua saída, muda de autor para autor, como por exemplo, em
Thomas Hobbes, o Estado de Natureza é aquele em que tudo é possível e a força
física predomina sobre os demais sentimentos e instintos do homem, terminando
pro estabelecer o que se chama de Estado de Guerra, aonde o homem é lobo do
próprio homem, pois o sentimento de ambição é mais forte do que a razão. Este
homem é desconfiado de sua própria natureza e arma-se, tranca a sua casa, é sem-
pre precavido com relação ao próximo e estaria mais disposto a ir para a guerra,
do que resolver os conflitos pelo diálogo. Não se trata de maldade premeditada,
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UNIDADE 13
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UNIDADE 13
universalidade e que os mesmos não podem negociar estes direitos, sob pena de
colocar em risco a sua própria liberdade; 3) entre estes direitos irrenunciáveis e
irrevogáveis, situam-se dois principais e que, por via direta ou indireta, criaria os
demais, que é o direito de liberdade e de propriedade; 4) estes homens, que saem
do Estado de Natureza, para viverem no Estado política e juridicamente organi-
zado, o fazem com a condição de que só reconhecem como poder legítimo, os
Estados que obedecem o direito à liberdade e à propriedade, este poder até poderá
existir, mas não será reconhecido como um poder legítimo e contra ele, deve se
mover todas as forças necessárias para a sua destruição; 5) o Estado assume fun-
ções bem definidas, que é a de garantir a segurança, a liberdade e a propriedade
dos indivíduos, devendo restringir o máximo possível a participação ativa na
vida destes, defendendo a ideia de Adam Smith, centralizada na figura da “mão
invisível da economia” e finalmente, 6) o poder do Estado existe necessariamente
a partir da relação de governante e governado, e também, por uma constituição
capaz, de forma legítima e legal, limitar a existência dos poderes necessários à
vida administrativa do Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. Explicar se existe relação entre as ideias sobre o estado de natureza e liberalismo.
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Correntes políticas
contemporâneas II
Me. Cássio Marcelo Mochi
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Marxismo e liberalismo II
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UNIDADE 14
como vítimas da história, o que não é realidade, mas ele nos diz que nem sempre
os homens escrevem a história que gostariam de escrever, e sim a que foi possível
escrever, em função das condições materiais colocadas à sua disposição.
Neste sentido, não acredita que os homens vivam na pobreza simplesmente,
porque assim optaram. Podem não ser vítimas, mas é preciso reconhecer que
existe limitação de diversas ordens, que impossibilitam a superação dos obstá-
culos. Sendo assim, aquela máxima bíblica de que a “fé move montanhas”, não se
aplica na história do homem, mas é utilizada como forma ideológica de dizer aos
mesmos, que se não conseguiram transpor determinado obstáculos, foi porque
lhes faltou vontade própria, o que caracteriza a própria ideia de fé, como algo que
pertence somente ao indivíduo.
Sendo assim, e na perspectiva marxista, a história feita pelos homens cons-
titui-se de elementos materiais que, em determinado tempo histórico, serviram
como instrumento de ascensão de uma classe social, a burguesia, ao poder e de
lá, passaram a impor sobre a classe dos vencidos, os proletários, a dominação,
utilizando os mais variados artifícios, entre eles, o aparelho do Estado, a religião e
a ideologia. No entanto, Marx não irá contar a história, descrever a história, como
a maioria dos homens o fizeram ao longo de sua caminhada, e ainda continuam
a fazer, mas sim, estabelecer um movimento dialético, que de certa forma, é um
movimento estabelecido através do pensamento, como se fosse uma elipse que
subiria ao infinito, tomando como modelo uma figura utilizada ao analisar o
pensamento de Hegel, filósofo sobre o qual Marx se debruçou para construir
parte de sua teoria.
De forma figurativa, pode-se dizer que a dialética usada por Marx estabelece
uma espécie de diálogo com o sujeito que vivenciou esta história, procurando
investigar quais as circunstâncias em que se situa esse sujeito na história, não
de forma abstrata e subjetiva, mas real, concreta, que efetivamente exerceram
influências na construção da história desse sujeito. Através da dialética observar-
-se-á que o desenvolvimento da história se dá através das contradições criadas
pela própria natureza humana.
Se a sua análise parte de um determinado grupo social, este deve estar asso-
ciado à produção de bens, e é assim dividida, em função da cadeia que constitui
a produção. Neste sentido, o que diferencia os homens dos demais animais, é
que os primeiros, através do trabalho, e como resultado da sua engenhosidade
e da construção histórica de habilidades necessárias para transformar, tiram a
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UNICESUMAR
natureza de uma condição de imobilidade própria de sua essência, para que possa
ser utilizada pelos homens saciarem as suas necessidades. O trabalho é uma das
causas da divisão social entre os homens.
As forças produtivas são aqueles bens, tanto de ordem material, como ordem
intelectual, colocados à disposição dos homens, neste sentido, teremos então, o
próprio trabalho humano como força produtiva, assim como os demais objetos
necessários e imprescindíveis para serem transformados. Como resultado deste
trabalho humano, temos o que se chama de relações sociais de produção, carac-
terizadas como uma relação de apropriação deste trabalho e de seu resultado,
estabelecendo assim, uma divisão social do trabalho.
São as relações históricas traçadas entre as forças produtivas e as relações
sociais de produção, que determinaram ao longo da história, a divisão de clas-
ses sociais. Num primeiro momento os homens produziam para a sua própria
subsistência, sendo assim, trabalhavam para sustentar a ele próprio e o seu pe-
queno grupo social. Trabalho de características físicas, embora, na realização de
qualquer trabalho, sempre exista a necessidade, ainda que mínima, de esforço
intelectual. Neste momento, o que prevalecia era a ideia de comunismo, pois toda
a produção era dividida entre os membros daquela comunidade, ideia está, que
Platão desenvolve parcialmente na obra A República. A produção se destina à
comunidade e o acúmulo da produção como bem individual, não faz sentido e
nem precisa existir.
Segundo Marx e aqui, entre outras, a importante contribuição de Engels, com
a evolução dos meios materiais necessários para aprimorar a agricultura, e con-
sequentemente com o aumento da produção, vislumbrou-se a possibilidade de
acumular o excedente, garantindo assim ao indivíduo, a apropriação de um bem
que agora, já não se encontra mais a disposição de todos. O próprio John Locke
desenvolve esta ideia, quando escreve Dois Tratados Sobre o Governo, mas dá a
ela, a visão conveniente ao liberalismo.
Na visão marxista, a possibilidade do acúmulo do excedente, acabou por pro-
duzir também a divisão de classes sociais, fato este, também apontado por Jean
Jacques Rousseau, a partir da teoria de quando surge o direito de propriedade,
ainda que com outras nuances, mas de vertente crítica, como o fora a de Marx
e Engels. Com a divisão social de classes, em função da diferença entre aqueles
que acumularam e os que, por motivos diversos não acumularam, surge a pos-
sibilidade de que, os que mais tem, possam, se apropriar do trabalho alheio pela
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tuindo-se na máxima de que, quem tem o capital, também detém o direito sobre o
trabalho e portanto, institui-se o salário como forma de remunerar o proletariado
pelo seu trabalho, contudo, não paga o que é necessário pagar, mas o que acha
mais conveniente pagar, em função da maximização do lucro e a diminuição do
custo, lógica está interna ao próprio capitalismo.
Dentro desta perspectiva de análise, o capitalismo deve se preocupar com a
relação custo-benefício, e não mais com as questões de ordem humana. É sob esta
linha de visão, que os americanos, a custo de mão-de-obra barata e milhares de
vidas, construíram grande parte de sua malha ferroviária, utilizando principal-
mente, o trabalho dos chineses que neste período, imigraram em massa para os
Estados Unidos e depois, construíram o Canal do Panamá, símbolo do progresso
e desenvolvimento da engenharia americana, e que, dadas as condições precárias,
dizimaram milhares de vidas de trabalhadores latinos daquela região, pois em
nome do progresso, da relação custo-benefício, tudo é possível.
No entanto, invoca-se que agora não se escraviza mais os trabalhadores, por-
que trabalham por um contrato, que é a expressão jurídica e positivada de sua
vontade, são homens livres e que também calcularam o seu custo-benefício. O
recebimento do salário era a demonstração que recebiam pelo fruto de seu traba-
lho, quanto ao valor, a resposta está que se fundamenta na relação da lei da oferta
e da procura. Sendo assim, muitos trabalhadores desempregados, significa uma
menor remuneração, o inverso, uma remuneração maior, mas nunca justa. E aqui
entra outro componente da ideologia utilizada pelo capitalismo: melhor receber
pouco e continuar empregado, do que não receber nada e continuar desempre-
gado. Melhor ser um empregado explorado, do que um desempregado livre.
Sobre essa relação com a ideologia, nos ensina Coelho que “segundo Marx, a
ideologia dominante em uma determinada sociedade é, também, a ideologia da
sua classe dominante. Portanto, nada mais natural que nas sociedades capitalistas
a ideologia dominante seja a ideologia burguesa. Essa corresponde à visão que
os burgueses têm da sociedade e foi formada a partir do ponto de vista da sua
inserção econômica e de seu interesse de classe” (2010, p. 67). Ou seja, de que a
remuneração do capital de acordo com as leis de mercado, significam o reconhe-
cimento de uma revolução bem sucedida: a revolução burguesa e a construção
e solidificação do capitalismo.
Outro aspecto de mudança imposto pelo capitalismo, foi a transformação das
relações sociais, naturalmente existentes no mercado, ao que Marx nomina como
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implantar uma ordem social conforme os seus interesses de classe, os quais se-
riam também os interesses da maioria, uma vez que o proletariado seria a classe
majoritária na sociedade” (Coelho, 2010, p. 71).
Essa tomada do poder se daria tanto de forma pacífica, quanto pelo uso da
violência se assim o fosse necessário, pois “Marx observa que a conquista do po-
der político pelo proletariado organizado não se processaria pelo emprego, em
todas as partes, de meios idênticos” (Santos, 2002, p. 97). A realidade histórica e
política de cada Estado seria determinante para a escolha da melhor forma de
produzir essa revolução, no entanto, ela teria que ser necessariamente realizada
com um caráter universalizante, contudo, “independentemente dos caminhos
pelos quais haveria de se processar a superação da sociedade regida pelo capital,
a nova sociedade nasceria de um árduo e doloroso processo” (Santos, 2002, p. 99).
O caminho a ser trilhado demandaria um esforço descomunal, mas certa-
mente, esta seria a única forma de superar o capitalismo e as mazelas resultantes
de sua existência, pois “seria um equívoco pensar que a destruição da sociedade
do capital decorreria de um decreto plebiscitário” (Santos, 2002, p. 99). A bur-
guesia não iriai entregar por meio fácil, aquilo que ela própria conquistou por
uma revolução.
Porém, não se pode esperar que apenas a revolução resolvesse todos os pro-
blemas, porque no sentido lato, ela se constitui de apenas um momento, e deve
ser uma revolução e não uma transformação, porque revolucionar algo é romper
com o que tradicionalmente estava estabelecido, para impor uma nova ordem,
portanto,“a revolução social, porém, não representava a vitória definitiva da classe
operária. Na realidade, toda revolução adentra ao cenário histórico como possibi-
lidade a ser efetivada em sua plenitude, uma vez que uma série de circunstâncias
concorrem para o seu sucesso ou fracasso” (Santos, 2002, p. 105). A revolução seria
apenas o primeiro e necessário passo, o processo como um todo se constituiria
de uma série de ações e intervenções posteriores.
Ao realizar a revolução, que é a construção e um momento simbólico em que
o novo se institui sobre o velho, segundo, Marx, o proletariado deveria: “1) acabar
com a propriedade privada dos meios de produção, que é a base material, isto é, a
infraestrutura sobre a qual a burguesia exerce o seu poder sobre o proletariado e;
2) instituir a ditadura do proletariado, pondo fim ao ordenamento político então
vigente, ou seja, à ordem liberal, isto é, à superestrutura da sociedade burguesa”
(Coelho, 2010, p. 72). O receio de Marx e Engels é que a experiência fracassada
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UNIDADE 14
estão presentes em nossa Constituição Federal, que foram introduzidas não como
concessões, mas como conquistas da sociedade, como por exemplo, no Capítulo
II – Dos Direitos Sociais, quando no artigo 6º, o legislador constitucional assim
esclarece e determina: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à mater-
nidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
É evidente que no caso do Brasil, como sempre ocorreu ao longo de nossa histó-
ria, quando se trata de direitos e interesses de ordem social, o Estado apresenta
o seu alto grau de incompetência, mas não podemos deixar de reconhecer, por
exemplo, ainda que de forma precária, e dentro das condições oferecidas aos seus
trabalhadores, o Sistema Único de Saúde, universal e gratuito, presta um grande
serviço à população mais carente.
No próprio artigo 7º, temos uma série de direitos e prerrogativas dos trabalha-
dores, como por exemplo, nos seguintes incisos: “I - relação de emprego protegida
contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar,
que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II - seguro-de-
semprego, em caso de desemprego involuntário; III - fundo de garantia do tempo
de serviço”. Fica evidente a necessidade de tutelar o trabalhador, numa sociedade
em que as relações trabalhistas, em função da lei da oferta e da procura, ainda se
encontram em estado primitivo e semelhantes àquelas do século XVIII.
Enfim, de qualquer forma existem contribuições significativas da visão socia-
lista, se estas se concretizaram em sua totalidade ou não, ficando algumas como
grandes promessas, isso não se deve às ideias, mas a incapacidade dos cidadãos
em fazer com que o Estado realmente cumpra aquilo que prometeu, e aqui, ci-
tamos uma passagem da obra de Antonio Carlos Wolkmer, História do Direito
no Brasil, aonde afirma que as nossas constituições sempre foram promessas que
seriam conciliadas, somente quando possível.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. Explicar porque segundo Marx e Engels existe uma contradição entre o salário e real
valor do trabalho.
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Mundialização e
Globalização
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, vivemos num mundo global e as teorias e ações tomadas por grupos que
podem representar interesses ao mundo, podem perfeitamente refletir numa
nova tomada de ação política, contra ou a favor de determinado país. Nota-se
nos últimos tempos, mudanças de ordem política em alguns países da América
Latina, no sentido de fazer restrições ao capital estrangeiro e portanto, transnacio-
nal nas suas economias, o que faz com, como numa ação conjunta, quase global,
países que tem capital a investir, estabeleçam de imediato, vigilância e requeiram
informações detalhadas, através de agências que contam com Cientistas Políticos
especialistas em análises políticas e também, de economistas que entendem de
política. As teorias estão postas, resta que as pessoas dotadas de capacidade crítica
e de relacionamento, as interpretem e possam fazer previsões de acordo com os
seus interesses.
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1. Explicar se existe diferença entre o termo mundialização e globalização.
2. Explicar qual a perspectiva sobre globalização defendida pelo Professor Milton San-
tos.
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Ciência Política e
Contemporaneidade
Me. Cássio Marcelo Mochi
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UNIDADE 16
nados temas e assim, trazer os mesmos para o estudo no âmbito de sua ciência.
É o que será tratado a seguir.
As diferenças sociais também podem ser verificadas pelas condições de aces-
so da população, a bens e serviços que o Estado constitucionalmente deveria
garantir à população. A não existência destes, entre os quais o direito à moradia
digna, produz um fator que colabora para a exclusão social, e esta, conduz a outros
elementos que acentuam ainda mais as diferenças, tais como “a subnutrição, as
doenças, o baixo nível de escolaridade, o desemprego ou o subemprego” (Corrêa,
1994, p. 29).
Ao serem incluídos nos grupos não qualificados, e assim o sendo, poucas são
as oportunidades de emprego formal, estes terminam por se integrarem àqueles
que vivem na economia informal (Dickenson, 1983, p. 225), o que contribui por
piorar a sua situação, pois não tendo rendimentos formais, portanto, comprova-
dos, também não podem solicitar crédito para a aquisição de moradia, nos raros,
e diga-se de passagem, caros programas de financiamento governamental, ou pri-
vado, para a compra de imóveis residenciais, com financiamentos a longo prazo.
No entanto, dentro da realidade brasileira atual, podemos verificar uma mu-
dança de postura do Estado brasileiro, com a instituição de programas habita-
cionais que possibilitaram diminuir estes custos, mas que ainda não conseguem
suprir a demanda reprimida por um período muito longo de escassez deste tipo
de ação.
Não tendo meios de reagir ao sistema, os excluídos terminam por procurar
abrigos nos cortiços, favelas e mesmo como moradores de rua, vivendo ao relento,
ou ainda, utilizando de forma precária, os aparelhos públicos, tais como viadutos,
prédios públicos e privados abandonados, terrenos insalubres e impróprios para
a construção de moradias, e também, vivendo à margem de rodovias com um
tráfego de veículos elevado, estando sujeitos a toda sorte de infortúnios.
Enquanto permanecerem nesta condição, ou seja, se não fixação de um local
para moradia, e sem possibilidade de organização social para defender os seus
interesses, estes grupos não podem ser chamados de “agentes modeladores” (Cor-
rêa, 1994, p. 30), e continuam na sua posição inicial, mas ao assumirem a intenção
de construir as suas moradias, mesmo que irregulares, em locais impróprios, e
ali fixarem residência, e passam a constituir grupos sociais que reivindicam seus
direitos constitucionais, e mesmo de princípios fundamentais da dignidade da
pessoa humana, passam a criar um corpo uníssono de resistência ao sistema, e a
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UNIDADE 16
de ação dos excluídos é repudiada pelo Estado e pela sociedade num primeiro
momento, mas terminam por ser tolerados, em função da própria ineficiência do
Estado para encontrar meios de resolver na sua origem o problema.
Se num primeiro momento o Estado e a própria sociedade repudia a existên-
cia destas favelas, a sua persistência, juntamente com soma do esforço de manter
a moradia, passada de pai para filho, e os efetivos progressos obtidos na melho-
ria das mesmas, termina num futuro próximo, por obrigar o Estado a reconhe-
cer a legalidade destes espaços urbanos, e mesmo que precariamente, fornecer
a estes, os aparelhos estatais necessários à existência da cidadania, e diga-se de
passagem, garantidos pela Constituição Federal, artigo 6º, quando diz que “são
direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e a a infância, a assistência aos
desamparados [...]”, todos eles relacionados diretamente à existência de um local
digno de moradia.
Quando da ocorrência destes reconhecimentos, mesmo que precários e res-
tritos, estes espaços urbanos passam a ser valorizados, e se integram aos espaços
urbanos da classe média, ou mesmo classe média alta, que se situam, normalmen-
te, entre estas regiões e o núcleo da cidade.
Mas e o governo e a classe média, num primeiro momento refutam este tipo
de ação, porque o aceitam num outro momento? O governo, pressionado e apoia-
do pela classe média alta, entende que este tipo de financiamento é oneroso aos
cofres públicos, que a receita do Estado é insuficiente para fazê-lo, e a classe do-
minante também não aceita a hipótese de reduzir os seus lucros, e sendo assim,
o próprio Estado apresenta uma solução, é o incentivo a autoconstrução ilegal
(Dickenson, 1983, p. 227). É o poder estatal reconhecendo a sua ineficiência, e
também aceitando a ingerência liberal nas suas relações para com os cidadãos
mais fracos na relação, e que permite a continuidade desta ilegalidade, para que
estes não apontem de forma veemente, esta sua incapacidade. No entendimento
dos liberais contemporâneos, este tipo de comportamento por parte do Estado,
permite que o cidadão desenvolva o seu potencial de “empreendedorismo”, quan-
do na realidade, o que temos, é a tentativa de sobrevivência abaixo do mínimo
necessário.
Se num primeiro momento, este reconhecimento é justo e benéfico, ele tam-
bém produz uma outra exclusão, ou melhor dizendo, continua a produzir a ex-
clusão social, pois aqueles moradores, que por motivos diversos, não tiveram
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos dias atuais, entre estes grupos excluídos e que tiveram uma forte ascensão
de ordem social e mesmo política, podemos citar o MST (Movimento dos Tra-
balhadores Sem Terra), o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), os
Movimentos Sindicais, entre os quais, se destaca mais recentemente, a conquista
dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas, que estavam e em parte
continuam inseridas dentro dos chamados grupos sociais excluídos.
Não é possível avançar com a democracia sem antes enfrentar e encaminhar
os problemas advindos destes grupos sociais, que não mais podem ficar à margem
da sociedade.
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1. Explicar o que pode nos revelar os grupos sociais bem definidos.
2. Explicar com relação ao sem tetos, como representação deste grupo social pode
espelhar a realidade de nossas cidades.
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A constituição do
estado moderno
Me. Cássio Marcelo Mochi
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UNIDADE 17
referencial, e qual a sua real dimensão dentro das constituições, e se estas ampliam
ou reduzem este conceito, para se adequarem às exigências do liberalismo que
originou o mundo moderno, e buscou garantias jurídicas para a sua permanência,
estabelecendo a propriedade como elemento central para a sua fundamentação.
Para compreendermos a formação do Estado Moderno, será preciso analisar,
mesmo que de modo sintético, a passagem da medievalidade para a modernida-
de, tendo o Renascimento Italiano, como um período de transição e que muito
contribui para o estabelecimento do mundo jurídico, tal qual temos nos dias
atuais. Segundo Skinner, foi a necessidade da liberdade de se auto-governar que
impeliu as cidades no norte da Itália, já no século XII a buscar uma forma de
“repúblicas independentes; cada uma delas era governada ‘pela vontade de côn-
sules mais que de príncipes’” (1996, p. 25). Cada cidade possuía uma estrutura
própria para a administração de seus interesses, e mesmo que de forma limitada,
constituía o seu próprio corpo de leis, estabelecendo as condições mínimas, mas
suficientes, para garantir a coesão social e jurídica dos seus cidadãos.
No entanto, ao analisarmos a história da liberdade, quase que de forma inevi-
tável associamo-la com as condições de produção e consumo, ou seja, o homem
é livre enquanto tem possibilidades de se tornar um agente de consumo, mas
quanto à produção, pode ter um alto grau de liberdade quando se encontra no
ápice da hierarquia produtiva, em outras palavras, quando possuía a posse da
propriedade que são os meios materiais necessários à produção. Mas também
pode situar-se internamente nesta cadeia de produção, como aquele que vende, de
forma miserável, ou próximo desta, a sua força de produção, no entanto, quando
os fatores levam a uma eminência de discórdia e rompimento destas relações, o
mundo do direito nos apresenta a norma jurídica como forma de contenção e
legalidade da existência do desequilíbrio social. A liberdade se reduz a perspec-
tivas formais e de interpretações vagas e contingenciais, inclusive de ordem orça-
mentária e ideológicas, o homem se desconecta de sua ontologia, o capitalismos
nos reduz a números, o “outro” será visto apenas como aquele que tem potencial
de consumo, ou que se apresenta como um concorrente para a tomada de uma
vaga de trabalho, ou ainda, como um marginal da mais alta periculosidade, e o
homem passa a ser então, um ser que produz com um custo irrisório e consome
de forma insana.
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UNIDADE 17
Na sua busca pela cidade ideal, Platão quando da obra A República, seguindo
as características próprias de sua dialética (ou resultantes da influência socrática),
inicia a sua ascese começando pela definição conceitual do que vem a ser a justiça,
passando pela necessidade da paidéia, até culminar com a polis, mas Aristóteles
terá uma posição diferente quando da obra Política inicia a construção de suas
idéias procurando definir o que vem a ser a pólis, conceituando-a, inicialmente,
como o conjunto de uma “comunidade de cidadãos” (Aristóteles, 1998, p. 49),
sendo a mesma o resultado das relações entre o casal, depois a família, a aldeia e
depois a pólis propriamente dita. A pólis realiza a sua essência quando adquire
a autarkheia, em outras palavras, quando passa a ser auto-suficiente no campo
político, nas suas relações de poderes, quanto no campo econômico por produzir
de forma direta ou indireta, os meios necessários para a sua sobrevivência. Para
Aristóteles a pólis existe para proporcionar ao homem uma vida boa, uma vida
feliz, e que serão resultados de uma ação coletiva, pois se a felicidade é um ideal
individual a mesma se realiza tão e somente quando a autarkheia, que é resulta-
do do coletivo, for alcançada. A pólis é formada pelo conjunto de famílias, e as
mesmas existem em função de uma relação de propriedade, de uma necessidade
de produção e administração dos resultados da transformação do trabalho. Sem
a propriedade, inclusive a dos escravos, “só não pode se viver como não se pode
viver bem” (Aristóteles, 1998, p. 59), o que estabelece um vínculo forte entre a
necessidade de produção e a realização da felicidade contingente e da autarkheia
da pólis.
Tanto Platão quanto Aristóteles não tratam a liberdade como um elemento
isolado, e nem como um constitutivo imperioso a ser conquistado antes dos
demais. Para Platão, primeiro precisamos conceituar o que vem a ser a justiça e
depois os demais componentes da pólis. Para Aristóteles é primordial definir a
pólis partindo de sua estrutura mais elementar que é o casal, a relação natural
entre macho e fêmea, numa nítida relação de produção, e mesmo entre escravos
e homens livres. Para ambos a liberdade não é resultado de uma conquista in-
dividual, mas parece estar implícita e ser um resultado natural, quando a pólis
ideal for conquistada. Ela é resultado do coletivo, não limitada por uma definição
conceitual acabada, estanque, com limites para os dois extremos, mas é produto
de um movimento constante da própria ação humana e condicionada pela pro-
dução material necessária para que o homem possa ser feliz. A liberdade advém
com um conjunto de categorias resultantes da autarkheia da pólis, como por
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UNIDADE 17
I, 21) ao defender a legalidade da posse da terra, mesmo quando está fora toma-
da em tempos antigos pela força das armas, pois este proprietário lançou mão
do que lhe coube em determinado tempo. Procede desta forma para justificar
a existência da chamada propriedade privada e propriedade pública, onde na
primeira, o resultado de sua produção é de direito exclusivo de quem detém a
posse da mesma, e no segundo tipo de propriedade, a produção ou qualquer be-
nefício que dela resultar será destinado não ao povo diretamente, mas somente
ao cidadão romano.
Quando no mundo grego existia a predominância do pensamento mítico, o
homem ainda tinha esperanças de que o ideal de liberdade fosse obtido junto
aos Deuses, pois não havia intermediários nas suas relações. Com a passagem do
pensamento mítico, para aquele fundamentado no logos o homem grego sente a
necessidade de delegar a um ou vários homens, a tarefa de conduzir e gerenciar
as relações entre as diversas fontes de discórdias, próprias da vida em sociedade, é
quando começa a esboçar a idéia de Estado, ainda que limitado às contingências
da época. Doravante os homens não terão mais as suas liberdades submetidas às
vontades e desejos dos Deuses, mas entregaram, de forma paulatina, nas mãos
daquele que deveria representar de forma coletiva os seus anseios.
No mundo clássico não havia liberdade individual, inclusive a valentia era
um determinante da lei, pois “a valentia perante o inimigo até o ponto de dar a
vida pela pátria é uma exigência imposta aos cidadãos pela lei, e a sua violação
acarreta penas graves” (Jaeger, 2001, p. 138), portanto não havia liberdade entre ser
ou não ser um herói, pois a sua não escolha implicaria numa sanção que muitas
vezes extrapolava os riscos das batalhas. Se Hesíodo apenas relata as dificuldades
pela qual passa o homem inútil, tendo como resultado a fome, o que é desonroso,
mais enfático e dogmático é Cícero (1999, III, 30) quando defende que se um
homem que é útil à sociedade tomar algo que pertence a um homem inútil, não
merece censura da sociedade, reduzindo ainda mais a liberdade e criando um
subjetivismo na sua interpretação, em nome da manutenção de uma coletivida-
de. O homem que não produz não é útil à sociedade, não importando as causas,
deslocando assim a importância do homem enquanto objeto da construção da
humanidade, para a produção como sendo o ponto focal para compreender a
passagem do sujeito coadjuvante da mesma, que é o homem.
Com o fim do Império Romano e o início da Idade Média, período que irá
se estender até por volta de 1400 d.C., época das chamadas grandes navegações,
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o corpo a prisão da alma, o mundo cristão dirá que “o corpo não é a prisão da
alma, mas tornou-se tal por efeito do pecado original, e o primeiro objeto da vida
moral é o de nos libertar dele” (Gilson, 2001, p. 153). Liberto do corpo a alma
pode buscar na Cidade Eterna de Jerusalém, o seu lugar de aconchego junto ao
Pai Celestial, numa contradição da sua própria essência, mas característica das
religiões, o cristianismo medieval exclui a possibilidade do outro, pois a salvação
chegará somente àqueles que se converterem de forma irrestrita aos dogmas da
Igreja Católica, o “outro” não é mais universal mas somente o “outro” que aceita
a imposição do dogma.
O “outro” estabelece-se como oposição, como o lado mal do homem, a sua
existência manifesta-se apenas pela sua produção, desde que esta seja útil para
manutenção de um estado precário, ainda em formação, mas que já esboça a
possibilidade de uma positivação das leis, que irá reduzir ainda mais a perspectiva
da construção de um mundo ideal, substituindo-o por um mundo ideológico,
segundo as perspectivas liberais de Locke, Adam Smith e outros.
Com o fim da Idade Média, marcada segundo historiadores com o início das
grandes navegações em 1400 d.C., e a contribuição das ciências, principalmente
com a teoria de Copérnico (1473-1543) segundo a qual a “terra tem um movi-
mento diário em torno de seu próprio eixo e um movimento anual em torno do
sol estacionário” (Magee, 1999, p. 64), deslocando a terra como o centro do uni-
verso e colocando em choque as teorias de Ptolomeu, e a cosmologia aristotélica
explorada principalmente por Tomas de Aquino. A autoridade dogmática da
Bíblia e da Igreja Católica é colocada em risco e a dúvida começa a pairar, sobre
um conhecimento que se julgava verdadeiro e acabado. É um conflito entre o
antigo e novo que se começa a formar, entre a tradição e a ciência que agora busca
a sua autonomia e inicia o processo de relativização do conhecimento.
Com o início da modernidade temos o caminhar final do feudalismo, onde
o sistema de produção estava centrado no trabalho braçal, e na sobrevivência
precária do vassalo. Ao senhor feudal pertencia o resultado do trabalho do ho-
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1. Explicar como era a liberdade no mundo grego e comparar com a liberdade dos
modernos.
3. Existe uma relação na Idade Média entre a liberdade no mundo terreno e a liberdade
no mundo espiritual? Fundamentar sua resposta.
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A Constituição do
Estado Moderno
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mesmo tempo em que a lei defendia o dever do Estado em realizar prisões por
“vadiagem”, então o escravo liberto termina por ser preso novamente, mas agora
por um outro motivo, pois se o primeiro motivo ofendia o direito à liberdade e
uma ofensa à própria condição de humanidade, o segundo apenas cumpre um
dispositivo legal.
Uma das características do Estado Moderno é o de possuir um ordenamento
jurídico, onde a Constituição seja a lei maior e de onde deverá derivar as demais
normas. As constituições modernas, segundo Canotilho (2003), têm por objetivo
garantir a liberdade dos cidadãos, o acesso aos direitos, mais individuais do que
coletivos, e finalmente, limitar o poder político, através do sistema de contrapeso
entre os poderes. Historicamente as constituições realizaram de forma exemplar
os desejos da classe dominante, disponibilizaram uma série de direitos cuja exis-
tência fica sempre no campo das promessas, mas procura de forma clara e objetiva
limitar a atuação do Estado no campo econômico e social, definir o direito de
propriedade, como aquele capaz de garantir a estabilidade das relações sociais e
ser um grande incentivador para que o homem trabalhe, pois o trabalho digni-
fica o homem, não importando o quanto ele receba por este esforço. Enquanto
instrumento de defesa da propriedade as Constituições têm realizado o seu papel
com eficiência e respostas imediatas, principalmente quando em nome de uma
suposta “segurança jurídica”, o Estado fornece plenas garantias ao capital externo,
pouco importando qual será o modelo de exploração a ser utilizado, e tão pouco o
quanto isso pode contribuir para o desenvolvimento e as melhorias de condições
de vida do povo. Devemos deixar claro que a crítica aqui apresentada não se faz
pela destituição plena desta posse, mas sim quanto aos benefícios sociais que ela
pode realmente trazer, ou seja, se a propriedade realmente cumpre a sua função
social, tal qual determina a Constituição.
Uma forma direta de apresentar a Constituição como resultante da vontade
geral, é o de primeiro garantir o direito à liberdade, para num momento próximo
limitar o mesmo, acentuando o direito à propriedade, pois a liberdade termina
por ficar sempre no campo da subjetividade e sua realização dependente de uma
série de conjunção de fatores, quase sempre impossíveis de serem realizados, ao
passo que a propriedade situa-se no campo da objetividade e diante de conflitos,
os mesmos se resolvem de uma forma simples e direta: quem possui o título de
propriedade? É um problema simples e pode ser resolvido de forma concreta,
material, na grande maioria das vezes de forma imediata. A liberdade ao direito de
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das mudanças, pode vir a ser. Saindo do campo das questões metafísicas e aden-
trando ao campo da dialética platônica (seja ela uma criação de Sócrates ou de
Platão), podemos inferir que o “modelo originário, enquanto puro ser, é objeto de
ciência, que alcança verdades incontrovertíveis” (Reale, 1994, Vol II, p. 133), em
outras palavras, um modelo inatingível, mas que deve ser buscado, pois o belo e
o perfeito só podem ser compreendidos quando conhecermos a ontologia do ser.
Quanto à “imagem desse modelo (e, portanto, o nosso cosmo físico que é justa-
mente imagem) é objeto de opinião” (Reale, 1994, Vol II, p. 133), e sendo opinião
(doxa) pode até ter uma fundamentação do logos, mas não é um conhecimento
verdadeiro, uma episteme, pois as opiniões dos homens situam-se no campo das
sensações e podem ser alteradas pela retórica do discurso, como Sócrates acusa
os sofistas de construírem verdades contingentes às suas necessidades momen-
tâneas, mas que não encontram sustentação epistemológica.
Mas o que vem a ser o “ideal”? Para Kant o “ideal é um ser concebido como
único, individual e tal que satisfaça exatamente todas as condições de uma idéia
[...] que a razão reclama, mas de que a experiência não fornece exemplo” (Lalande,
1996, p. 485), é algo que é perfeito e nenhuma experiência do mundo sensível
pode acrescentar algo ao seu ser. Ele existe por si e compõe o universo harmônico
e organizado, “ainda que impossível de realizar, um tal ideal serve de regra e de
protótipo para agir e julgar” (Lalande, idem), são referenciais construídos pela
humanidade no seu caminhar, cuja perpetuação se dá pelo resultado de lutas e
conquistas do homem para se libertar do julgo daquele que governa, ou tenta
governar pelo uso da força bruta, suprimindo o “outro” e impondo o monólogo
da força estúpida e irracional.
A liberdade idealizada pelo mundo grego não se estabelece “em relação a”,
mas sim na possibilidade do homem grego enfrentar e conter a hýbris, ou seja,
o excesso, a desmedida, o impetuoso, o violento, e com o uso do logos encontrar
o que Aristóteles na Ética a Nicômaco chama de “meio-termo” que é a justa
medida das coisas. A realização desta liberdade só existiria quando o homem
estivesse inserido na pólis, não como um escravo, mas como um homem livre e
que necessariamente participasse da vida política da pólis, entretanto isso ainda
não era suficiente, pois um cidadão grego devia obediência às leis, concedendo
inclusive, o direito a sua própria vida, pois a recusa em defender com a própria
vida a autarkheia da pólis, geralmente era punida com a morte ou o exílio. O
grego era livre para ser grego. E ser grego exigia obediência às leis. Sócrates, o
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“mais ateniense dos atenienses” (Wolff, 1987) foi um homem livre até a sua morte,
pois abriu mão de sua própria vida, uma vez que a possibilidade de exílio fora
aventada em seu julgamento, e a fuga poderia se realizar com certa facilidade, mas
ao encarnar em si o modelo de um ateniense ideal, torna-se livre para entregar a
sua vida a serviço da pólis. Mostra para Atenas que os seus valores estavam sendo
corrompidos, e que o ideal universal estava sendo substituído pelos desejos pes-
soais de seus governantes. Sócrates não desejava a liberdade “relativa”, pois ao ser
exilado ou fugir, a sua liberdade seria relativa a uma cidade qualquer, desde que
excluísse Atenas. Ele desejava a busca de uma liberdade ideal e construída pela
realização na pólis, uma liberdade garantida por princípios fundamentais que
se sustentassem pela sua essência, refletindo assim a sua universalidade. Não era
suficiente ser livre apenas em Atenas é necessário ser livre em qualquer cidade da
Grécia. Sócrates morre como um homem livre, embora tenha recusado fugir de
Atenas. É livre porque se recusa a ter a liberdade de desobedecer à própria lei e
ao obedecer às leis da pólis se liberta de ser acusado de corromper os jovens, para
Chauí (Apud Merleau-Ponty, 2002, p. 206), “Sócrates tem um jeito de obedecer
que é um jeito de resistir”.
Mesmo na medievalidade com toda a força repressiva e moral da cristandade,
fundamentada numa verdade revelada, a Bíblia, nos entrelaçamentos econômicos
e políticos que a Igreja travava em seu interior, os conflitos com a religião Islâ-
mica e a sua ascendente importância e contribuição na filosofia, assim mesmo
tínhamos um ideal de liberdade, centrada na doutrina da redenção do homem,
pois se o corpo físico, material, que nos impõe limitações, dores, desconforto,
prazeres lascivos, entre outros é resultado de um pecado original (Gilson, 2001),
a liberdade por ser conquistada pela conduta moral sustentada pela Igreja, prin-
cipalmente na figura do Papa, seu representante espiritual e político, e assim o
homem se liberta das contingências deste mundo e sua alma conquistará o pa-
raíso. A busca desta liberdade irá determinar as ações dos homens, influenciando
de forma direta todas as relações sociais, entre as quais a economia. A fé também
gera uma necessidade de produção e consumo na medievalidade, em nome da
liberdade a ser conquistada pela alma, quando na Europa inicia-se a construção
das grandes catedrais, como em Bolonha, Chartres, Córdoba, Florença, entre
outras, e com estas temos o surgimento de um mercado interessante, a venda
de supostos ossos, coração, cabeças e outros órgãos, para financiar a construção
destas catedrais (Marchi, 1992). Em nome da fé e da liberdade, estabelece-se uma
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p. 51) junto com o capital não vem o esforço humano da transformação, pois as
grandes empresas não mais precisam do setor de transformação. O capital agora
circula pela internet de forma “líquida”, onde os riscos são sempre minimizados
por garantias governamentais e jurídicos, mas os ganhos ficam restritos às gran-
des corporações. Qual será então a relação de produção? Nenhuma, senão aquela
que por si só produz mais capital.
Qual seria a esfera da liberdade e o conceito de homem, no âmbito desta
Constituição que foi parida e usou a energia do sangue de milhares de homens
que foram de forma ilusória, conduzidos ao seu próprio matadouro? A liberdade
fica restrita apenas naquilo que a Constituição e as normas jurídicas não estabe-
lecem os limites, e ainda, nas limitações impostas pelas condições materiais, que
são controladas pelo mercado, sendo assim, um pai de família que por motivos
diversos não tenha tido as condições para uma formação profissional condizente
com as exigências do mercado, tem a sua liberdade limitada ao seguinte: morrer
passando fome, mas morrer com dignidade. Pois não é o sistema que se apresenta
de forma injusta, mas é ele que não foi capaz de compreender o submundo das
intenções econômicas e assim padece pela sua ignorância e ingenuidade. As coi-
sas parecem que se resolvem de forma simples na ótica capitalista; ainda existe
a liberdade de morrer!
Em tempos de outrora, o homem ainda tinha o ideal de buscar a construção e
formação de um homem tal qual os heróis gregos e romanos, alguém que devido
as suas qualidades não seria um mortal comum, e devido à algumas limitações
também não seria um Deus, ao menos tinha a perspectiva de ser um Semideus,
era um ideal utópico é verdade, mas era uma motivação para se viver, um motor
capaz de mover as ações humanas dentro de uma perspectiva ética, tal qual aquela
idealizada por Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco.
A condição ontológica do homem foi reduzida à existência do respeito à “dig-
nidade da pessoa humana”, e assim o importante não é mais garantir o suficiente,
mas sim dar garantias precárias, subjetivas, para supostamente garantir o mínimo,
mesmo sabendo que o Estado nem a isto irá garantir. No lugar do salário ideal
e necessário para que o homem viva como homem, coloca-se o salário mínimo
que será o suficiente para que ele viva e rasteje pelos programas sociais, muito
mais eleitoreiros, do que solucionador das causas, dentro de condições que não
ferem a sua dignidade, pois isso lhe foi tirada há muito tempo, mas sim a ferir a
sua condição de homem, buscando-a na sua essência. A garantia da dignidade
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de sua totalidade, estas situam-se apenas no campo das promessas e de leis cujas
subjetividades ficam para serem interpretadas pela classe dominante, pois o cum-
primento de algumas destas promessas poderiam colocar o sistema financeiro,
as economias globais e outros, em risco eminente o que poderia supostamente
desequilibrar e colocar em risco os projetos da elite dominante, cuja urgência
normalmente se estabelece a curto prazo, enquanto aquelas que visam restituir
a condição ontológica do homem, só podem ser realizadas a longo prazo, aliás,
a prazos muito longos! Tão longos que a humanidade pode até não sobreviver
para ver sua realização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado Moderno construiu seus alicerces tendo como estacas vivas, a miserabi-
lidade de uma classe impotente de reação. Empenha defesa máxima e concreta na
proteção da propriedade, a estas as leis são claras, explícitas, não deixam lacunas
e são totalmente objetivas. São ações realmente garantidoras e incentivadoras de
sua manutenção, pois garantir a propriedade, tal qual expressa John Locke, ainda
é a forma mais tranquila de fazer imperar o direito. O foco não é o homem, mas
a propriedade e o consumo.
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1. Explicar como as relações de produção mudam a forma do Estado Moderno tratar
a questão da liberdade.
4. Explicar como o positivismo jurídico trata a questão da lei e sua relação com a liber-
dade.
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Formas De
Governo e Regimes
Políticos na
Contemporaneidade
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Autocracias
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dos reis. O próprio Brasil Monárquico passou por esta experiência, e embora, o
Parlamento pudesse elaborar leis, a sua aprovação final é um poder discricionário
do Imperador.
Já no tocante aos direitos civis, os mesmos estavam inseridos no seguinte rol:
“liberdade de expressão; liberdade de reunião; liberdade de religião; liberdade de
ir e vir; e direito à propriedade” (2010, p. 102), experiência essa vivenciada princi-
palmente pela Inglaterra de longa data. Talvez este seja o fato de as teorias de John
Stuart Mill ao defender estas prerrogativas, tenham causado muito mais furor
e preocupação em outras regiões da Europa do que na própria Inglaterra. No
século XIV e posterior, a própria Holanda já vivenciava estes tipos de liberdades,
em consequência disto, transformou-se no refúgio de vários filósofos, cientistas
e mesmos líderes religiosos da Europa.
E finalmente, os chamados direitos políticos, assim elencados: “direito à repre-
sentação política; direito a voto limitado aos homens instruídos e proprietários
de bens; e direito das minorias” (2010, p. 102). Pressupostos estes já defendidos
também, por John Locke, John Stuart Mill e portanto, não nos apresenta nada
como novidade.
Democracias
Quando se trata do tema democracia, é preciso lembrar que a mesma foi uma
invenção do povo grego, como forma de controlar o poder dos governantes e
ao mesmo tempo, exigir a participação do povo nas decisões de ordem coletiva.
Norberto Bobbio faz uma descrição detalhada das supostas três fases do de-
senvolvimento do conceito, passando pelo mundo clássico, medieval e chegando
ao moderno, distinções estas, que neste momento não entendemos ser necessá-
rio para o desenvolvimento de nosso Curso. A questão proposta e desenvolvida
pelo referido autor, é quanto a confusão aparente entre Democracia e República,
principalmente advindo dos conhecimentos político de Maquiavel, já na mo-
dernidade.
Enquanto a democracia é a forma de governo em que as liberdades existem
em um grau muito superior as autocracias, uma outra característica fundamental,
é aquela em que os governados efetivamente podem escolher os seus governantes
e mesmo, participar de forma ativa das diversas estrutura que compõe o Estado,
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Democracias Liberais
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é que normalmente os poderes estão tão bem distribuídos entre as diversas insti-
tuições que compõe o Estado, que praticamente, nenhum homem detém poder
maior do que aquele que necessita para exercer a sua função, é na realidade, mais
do que a simples teoria da tripartição de poderes de Montesquieu. Conforme
nos ensina Coelho, em tempos recentes, que tem tratado este assunto de forma
mais específica é o americano Robert Dahl, quando na obra, Poliarquia (1971),
cria o conceito que é o próprio título da obra, dizendo que a “a democracia é um
governo responsável para todos os seus cidadãos, tendo a igualdade política como
seu pré-requisito básico. Esta condição implica o direito de todos terem poderes
para formular, expressar e ter preferências igualmente consideradas na conduta
do governo” (Abu-El-Haj, 2008, p. 169). Sendo assim, conforme desta o Ciência
Político americano, mais do que direito, a democracia precisa de responsabili-
dade por parte das pessoas e devem influenciar de forma contínua nas próprias
decisões do governo.
A obra de Robert Dahl (1915-2014) é um referencial para uma leitura de
uma democracia sobre uma outra perspectiva, e até certo ponto, inovadora, com
a criação do que ele chama de poliarquia, ou ainda, uma democracia poliárquica,
que seria o novo modelo de democracia. A democracia poliárquica “é um sistema
político dotado de seis instituições democráticas, que passaremos a analisar a
seguir. Mas podemos afirmar que é diferente da democracia representativa, aonde
ainda existiam os sufrágios seletivos (no modelo de John Stuart Mill), e também
das democracias que comumente conhecemos.
Segundo Robert Dahl, é mais você construir uma democracia em pequena
escala, ou seja, em países com menor número de habitantes, do que realizar o
mesmo processo, em um país com grande espaço territorial e populacionalmente
mais denso, como seria o caso do Brasil. Para este tipo de país, a democracia exige
algumas instituições com características bem específicas e que vamos analisar a
seguir.
A primeira instituição política é que os funcionários sejam eleitos, a razão é
que “o controle das decisões do governo sobre a política é investido constitucio-
nalmente a funcionários eleitos pelos cidadãos” (Dahl, 2009, p. 99). Não se trata
apenas de meritocracia, pois as condições para as existências do mérito, pode
advir de circunstâncias justas para uns e injustas para outros, portanto, alia a
meritocracia com a escolha pela população para exercer os cargos públicos.
A segunda instituição política é eleições livres, justas e frequentes, o que daria
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ser eleito pelo parlamento, nada diz a respeito da força de um governo” (Coelho,
2010, p. 116). A força política se constitui a partir da força oriunda da represen-
tatividade numérica e da confiança que o povo pode ou não depositar no par-
lamento. Consiste na habilidade dos arranjos políticos necessários e inevitáveis,
principalmente, quando se tem um número muito grande de partidos políticos.
Outro aspecto a ser analisado, é que o parlamentarismo exige a existência
de partidos fortes e bem estruturado, pois caso contrário, o sistema pode não
funcionar de forma adequada, como por exemplo, já ocorreu em países subde-
senvolvidos, gerando, assim, instabilidade política, com reflexos nas demais áreas
do Estado.
Além do que, confiança e credibilidade política entre os partidos que com-
põe o parlamente, principalmente com relação ao Primeiro-Ministro, porque,
“na gestão deste sistema, ocorre uma série de votações de confiança que tem
como resultado outorgar ou retirar a referida confiança (em relação ao Chefe de
Governo)” (Soares, 2008, p. 344). E a retirada da confiança pode ser um pedido
diplomático, para que o Primeiro-Ministro renuncie e abra espaço para nova
composição de governo.
No próximo capítulos apresentaremos maiores detalhes sobre o sistema pre-
sidencialista, que é o sistema atualmente em vigor em nosso país.
Democracia Não-Liberal
324
UNICESUMAR
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Das formas de governo existentes o que nos interessa é a democracia, não tratada
como a solução ideal para os problemas do Estado, mas sim, como a melhor das
possibilidades existentes, compreendendo sempre que, diferente do que a maio-
ria das pessoas pensam, democracia significa conflito, mas um conflito que se
supera pela construção dialética, e que tenha por finalidade maior a construção
do coletivo.
325
1. Explicar o que é uma autocracia.
326
20
O Brasil
Me. João Lucas Foglietto de Souza
Introdução
Em nosso país, como dito anteriormente, a democracia indireta é tida como mo-
dus operandi político. Ela é uma forma de regime governamental com alta in-
fluência social, como o próprio nome, em sua língua original, traduz: demos: povo
+ cracia: governo, ou seja, um governo gerido, diretamente, pelo povo. Apesar
de possuir intuito nobre e com ideal de acesso popular direto à política gover-
namental, o modelo democrático enfrenta, desde seus primórdios, dificuldades,
sejam elas territoriais ou de subjetividade do governante.
Preliminarmente, é saliente destacar as formas de democracias existentes e
conceituá-las. Pode-se elencar, de forma inicial, a democracia direta, que nada
mais é do que a direta influência e participação do cidadão nos assuntos de um
estado ou nação. Atualmente, porém, nenhum estado existente pratica essa mo-
dalidade de regime governamental.
A democracia indireta, ou representativa, é aquela onde os cidadãos, por in-
termédio do voto, elegem seus representantes políticos (legislativo e judiciário)
que defenderão seus interesses de forma indireta ou representativamente. Este
meio é utilizado pela maioria dos países democráticos, incluindo o Brasil.
328
UNICESUMAR
A Representação Política
“
Montesquieu acreditava que para afastar governos absolutistas e
evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabe-
lecer a autonomia e os limites de cada poder. Com isto, cria-se a
ideia de que só o poder controla o poder, por isso, o Sistema de
freios e contrapesos, onde cada poder é autônomo e deve exercer
determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos
outros poderes. Verifica-se, ainda, que mediante esse Sistema, um
Poder do Estado está apto a conter os abusos do outro de forma
que se equilibrem. O contrapeso está no fato que todos os poderes
possuem funções distintas, são harmônicos e independentes.
329
UNIDADE 20
“
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governa-
dores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente
e os diretores do banco central e outros servidores, quando deter-
minado em lei” (BRASIL, 1988, [s. p.]).
No Brasil, as eleições ocorrem a cada quatro anos, sendo elas alternadas entre
eleições estaduais, federais (presidente, senadores, deputados federais e estaduais
e senadores) e municipais (prefeitos e vereadores).
A representação, por meio da escolha dos candidatos eleitos, demonstra uma
nuance específica do fenômeno democrático, porém também recai em situações
de conflitos pessoais e de interesses individuais, como escândalos de corrupção
vividos durante a História recente do país.
330
UNICESUMAR
331
UNIDADE 20
“
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou sus-
pensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem
seus efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação
alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º (BRA-
SIL, 1988, [s. p.]).
Salienta-se, ainda, que, no Brasil, não existe a cassação dos direitos autorais e
existem, além das supracitadas formas de limitação de participação das eleições,
situações em que os indivíduos possuem a faculdade do voto. Tal faculdade,
disposta no Art. 14, § 1º, pode ser aplicada aos cidadãos maiores de 16 anos
e aos menores de 18 anos, àqueles que possuem mais de 70 anos de idade ou,
ainda, aos analfabetos.
Diante da condição apresentada sobre o sufrágio universal, podemos traduzir
que nem todos aqueles que o englobam são obrigados e possibilitados a votar,
conforme apresentado pelo Art. 15, da Constituição Federal. Mas é de relevância
recordar que todos são passíveis de serem votados e possibilitados a votar, uma
vez exposto que não existe a cassação dos poderes políticos no Brasil.
Acerca do voto direto, tem-se, pelo TSE ([2022a], on-line), a seguinte colocação:
“
[...] manifestação direta do eleitorado sem intermediação; a garantia
de sigilo nas votações, fator de liberdade do eleitor; a universalidade
da habilitação dos cidadãos, respeitada apenas a exigência de idade
mínima; e a renovação periódica dos mandatos – são todos corolários
do princípio fundamental do exercício dos direitos da cidadania.
332
UNICESUMAR
Em oposição ao voto direto, existe o voto indireto, que pode ser, conforme Bo-
navides (1986), apresentado ao ser designado o poder do voto a delegados ou
intermediários que ficarão responsáveis pelo desenvolvimento do pleito.
Muitos outros sistemas republicamos já demonstraram afeição pela metodo-
logia do voto indireto, dentre eles, os já mencionados Estados Unidos, país que
tem como lema supra relativização do direito à liberdade, inclusive do direito
de voto. O voto indireto lá praticado em nada, aparentemente, abalou as formas
democráticas e republicanas existentes.
Por outro lado, cria-se, em muitas situações, um paradoxo de pensamentos
acerca do dever cidadão ao participar de uma eleição, seja, meramente, para votar
ou, até mesmo, para ser votado. Ora, o voto direto é um ato de exercício efetivo
de cidadania e democracia, e a sua omissão existente, muitas vezes, pela possibi-
lidade de se exercer, ou não, a votação em algumas nações, cria, de certo modo,
uma omissão de cidadania.
Em contraponto, o voto indireto angaria defensores por um receio que não
é indigno, sobre o caráter e a confiabilidade dos indivíduos que se apresentam
como candidatos. Em outras palavras, para certa parcela da sociedade, o voto
direto condiciona a obrigatoriedade de exercer um direito e corrobora as práti-
cas corruptivas, como a compra de votos e a utilização de influências e poderes
pessoais ou de um grupo, perante uma parcela da sociedade.
Apresentadas as formas de votos (direta e indireta), resta salientar que, na
democracia brasileira, o voto possui natureza igualitária, ou seja, não possui
“peso” definido por condições sociais e culturais, sexo, raça, entre outras carac-
terísticas. Analisadas as premissas necessárias acerca das bases da democracia,
representatividades e sufrágio, partiremos, agora, para as condições práticas das
eleições, mais especificadamente, as condições de eleição direta ou viabilidade
de um segundo turno.
Como ensinado anteriormente, em toda eleição, seja ela em caráter municipal,
estadual, seja presidencial, isto é, eleições para o Executivo (presidente, governa-
dor ou prefeito) e para o Legislativo, existe amparo legal para a realização de um
segundo turno eleitoral. Vejamos os Arts. 2º e 3º, da Lei nº 9.504/97:
“
Art. 2º Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Go-
vernador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados
os em branco e os nulos.
333
UNIDADE 20
334
UNICESUMAR
Nota-se, também, que não são abarcados pelo segundo turno eleitoral car-
gos do Legislativo, sendo, portanto, eleitos no primeiro momento do circuito
eleitoral, ficando a condição de segundo turno exclusiva para aqueles que con-
correm pelo executivo.
Atualmente, o sistema eleitoral aplica a regra da maioria simples dos votos,
ou seja, aquele que possuir mais que 50% dos votos válidos, em primeiro turno, é
eleito. Caso contrário, os dois mais votados serão adversários em segundo turno
(observadas as condições do Art. 2º, § 3º, da Lei n.º 9.504/97).
Sistemas Eleitorais
335
UNIDADE 20
“
Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara
dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas
e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do
número de lugares a preencher mais 1 (um).
§ 1º Revogado.
§ 2º Revogado.
§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo,
cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por
cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas
de cada sexo.
§ 4º Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se infe-
rior a meio, e igualada a um, se igual ou superior.
§ 5º No caso de as convenções para a escolha de candidatos não indi-
carem o número máximo de candidatos previsto no caput, os órgãos
de direção dos partidos respectivos poderão preencher as vagas re-
manescentes até trinta dias antes do pleito (BRASIL, 1997, on-line).
336
UNICESUMAR
“
Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do
povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada
Território e no Distrito Federal.
§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por
Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei comple-
mentar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes
necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas
unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta De-
putados (BRASIL, 1988, [s. p.]).
Acre 08
Amazonas 08
Amapá 08
Distrito Federal 08
Mato Grosso 08
Rondônia 08
337
UNIDADE 20
Roraima 08
Sergipe 08
Tocantins 08
Alagoas 09
Espírito Santo 10
Piauí 10
Paraíba 12
Santa Catarina 16
Goiás 17
Pará 17
Maranhão 18
Ceará 22
Pernambuco 25
Paraná 30
Bahia 39
Rio de Janeiro 46
Minas Gerais 53
São Paulo 70
Total 513
338
UNICESUMAR
“
Art. 27. O número de Deputados à Assembleia Legislativa corres-
ponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Depu-
tados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos
quantos forem os Deputados Federais acima de doze.
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, apli-
cando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral,
inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, li-
cença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas (BRASIL,
1988, [s. p.]).
Senadores
339
UNIDADE 20
Sistema Partidário
O estudo do sistema partidário deve ser aceito como fundamental para os estu-
dos das ciências políticas, com vênia para a sistemática eleitoral brasileira. Nesse
momento, serão abordados assuntos correlatos e que se associam à modalidade
e tratam dos partidos políticos cuja temática se associa ao estudo.
Partido político nada mais é do que uma associação de indivíduos, denomina-
dos “membros do partido”, que se encontram e se coligam em prol de um mesmo
ideal na condução de um governo ou idealismo, com o intuito de atingir esse por
meio de um programa governamental ou plano de ações. Tal feitio só se torna viá-
vel por meio do apoio da sociedade, seja ela em qualquer forma, desde militantes
engajados até mero apoio moral ou simpatizante. Ainda, para Bobbio (1998):
“
[...] segundo a famosa definição de Weber, o Partido político é uma
associação [...] que visa a um fim deliberado, seja ele ‘objetivo’ como
a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja ‘pes-
soal’, isto é, destinado a obter benefícios, poder e, consequentemente,
glória para os chefes e sequazes, ou então voltado para todos esses
objetivos conjuntamente.
“
Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos
políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático,
o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e
observados os seguintes preceitos:
I - caráter nacional;
II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade
ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;
340
UNICESUMAR
341
UNIDADE 20
“
O quociente eleitoral define os partidos e/ou coligações que têm di-
reito a ocupar as vagas em disputa nas eleições proporcionais, quais
sejam: eleições para deputado federal, deputado estadual e vereador.
Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos
válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição
eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente
a um, se superior (Código Eleitoral, art. 106).
Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos
dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias
(Lei n. 9.504/97, art. 5º).
Obs.: anteriormente à Lei n. 9.504/97, além dos votos nominais e dos
votos de legenda, os votos em branco também eram computados no
cálculo dos votos válidos.
Fórmula: Quociente eleitoral (QE) = número de votos válidos nú-
mero de vagas (TRE-SC, [2022], on-line).
342
UNICESUMAR
Exemplo:
Partido A 2.100
Partido B 1.050
Partido C 620
*Coligação D 2.000
Vagas a preencher 10
QE = 6.450/10 = 645
“
Art. 107. Determina-se para cada partido ou coligação o quociente
partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de vo-
tos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas,
desprezada a fração.
Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um
partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou
superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quan-
tos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação
nominal que cada um tenha recebido (BRASIL, 1965, on-line).
343
UNIDADE 20
344
UNICESUMAR
Fórmula:
Distribuição da 1ª vaga remanescente (1ª Média) = número de votos válidos do
partido (ou coligação) dividido pelas vagas obtidas via quociente partidário + 1
Distribuição das demais vagas remanescentes (Médias) = número de votos
válidos do partido (ou coligação) dividido pelas vagas obtidas via quociente
partidário + vagas remanescentes obtidas pelo partido + 1
1ª Média
2ª Média
345
UNIDADE 20
Coligação D* 3 0 3
7 3 10
*A partir das eleições de 2020, não são mais permitidas coligações para eleições proporcionais. No en-
tanto o raciocínio para o cálculo do quociente continua o mesmo. O exemplo incluindo as coligações foi
mantido para que se entendam os resultados das eleições anteriores a 2020”
Considerações Finais
346
1. Discorra sobre as formas de representação apresentadas e fundamente acerca da-
quela que se adequa mais a sua opinião.
347
UNIDADE 20
Saiba Mais
Reflita
Ney Bello
348
UNICESUMAR
Talvez o mais correto fosse dizer que a ideia de liberdade e tolerância política
está no DNA da democracia, e não a plena representação do povo por seus par-
lamentares e administradores eleitos. O Brasil será tão democrático quanto mais
pudermos tolerar pensamentos políticos opostos e permitir que pensamentos
divergentes ocupem o mesmo espaço de debates. A democracia brasileira precisa
de que ninguém intente eliminar o outro. Quando o direito e os juristas, o povo e
os detentores de mandatos legítimos operarem no sentido de extinguir o oposto,
a democracia terá acabado.
Isso se dá pela só razão de que o representante do povo não é exatamente re-
flexo dos interesses e compreensões do eleitor, abstratamente representado. Este é
um fato que se demonstra através da sólida constatação de que - no Brasil - quem
governa e sempre governou foram as minorias, nunca a maioria. O governo da
maioria é uma ficção; um topoi argumentativo e metafórico que serve para justi-
ficar decisões e acomodar movimentos. Máxime se não há governo direto, e mais
ainda se quem representa os despossuídos - à esquerda ou à direita - também faz
parte da elite, seja ela política, econômica ou intelectual. Talvez o autor admitisse
a hipótese de que o parlamento, como representante do povo, seja somente um
aguilhão discursivo, ou um fetiche acadêmico.
Em tempos de redes sociais e de internet fica clara a possibilidade de um
governo ou um parlamento flertarem com a democracia direta, com a busca
através da tecnologia do desejo primevo do eleitor. Resta saber se isso é desejá-
vel ou possível. Resta saber se isso é democrático ou totalitário. A maioria pode
ser totalitária e não admitir opostos; a maioria poder estabelecer uma ditadura
sobre a minoria.
Para o autor, não é essa a característica da democracia, mas, sim, a tolerância
e a possibilidade de participação política.
Ao enfrentar a tese segundo a qual nos tempos que correm as escolhas de-
mocráticas não são frutos de verdadeiras opções ideológicas, mas construídas a
partir da propaganda, a obra do professor doutor deixa a descoberto uma mentira
contada tantas vezes que se tornou verdade: a de que o parlamentar e o gover-
nante representam os interesses de quem os elegeu.
Seja tomada desde a propaganda eleitoral gratuita, seja admitida em razão da
propaganda dispersa nas redes sociais, o que importa é que a decisão da maioria
por um candidato ou por uma ideia política está construída a partir do grau de
informação que o eleitor possui acerca de um candidato ou de uma proposta.
349
UNIDADE 20
350
UNICESUMAR
NOVAS DESCOBERTAS
NOVAS DESCOBERTAS
351
UNIDADE 20
CONCLUSÃO GERAL
Caro aluno,
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