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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS
DA APRENDIZAGEM
APRENDIZAGEM

BELO HORIZONTE / MG

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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

SUMÁRIO

O PASSADO E O PRESENTE DA PSICOPEDAGOGIA ........................................................................5


OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO ............................................................................................................5
CARACTERIZAÇÃO DA PSICOPEDAGOGIA ........................................................................................7
A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL .........................................................................................................9
A ATUAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO – UMA REFLEXÃO .................................................................11
A INSERÇÃO DA PSICOPEDAGOGIA NAS INSTITUIÇÕES ..............................................................11
A CONSTRUÇÃO DAS REDES ............................................................................................................12
O PAPEL DO PSICOPEDAGOGO NA INSTITUIÇÃO ESCOLAR ........................................................14
PARA REFLETIR E FINALIZAR ............................................................................................................17
A CRESCENTE PROFISSIONALIZAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO .....................................................17
O PSICOPEDAGOGO COMO PROFISSIONAL ...................................................................................18
FORMAS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO PSICOPEDAGOGO ....................................................19
A FUNÇÃO PREVENTIVA E A FUNÇÃO CURATIVA (TERAPÊUTICA) ..............................................20
PRINCÍPIOS NORTEADORES DA AÇÃO DO PSICOPEDAGOGO.....................................................22
DIFERENCIAÇÃO ENTRE O PAPEL DO PSICOPEDAGOGO E DE ALGUNS OUTROS
PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA ÁREA DE EDUCAÇÃO ................................................................22
TEORIZANDO A AÇÃO PSICOPEDAGÓGICA: LIMITES E POSSIBILIDADES ..................................24
A PSICOPEDAGOGIA LEGISLADA: O TRABALHO ÉTICO DO PSICOPEDAGOGO .........................31
UM POUCO DE ÉTICA ..........................................................................................................................31
ÉTICA PROFISSIONAL .........................................................................................................................32
O RECONHECIMENTO DA PROFISSÃO DE PSICOPEDAGOGO .....................................................34
OS CAMPOS DE AÇÃO PROFISSIONAL DO PSICOPEDAGOGO: ESCOLA, CLÍNICA E EMPRESA
................................................................................................................................................................36
PSICOLOGIA E PEDAGOGIA: UMA RELAÇÃO DIALÓGICA .............................................................42
PSICOLOGIA E PEDAGOGIA: UMA HISTÓRIA DE MUITAS APROXIMAÇÕES E EQUÍVOCOS .....43
A PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO: SUA IMPORTÂNCIA E ABRANGÊNCIA .......................................46
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ESCOLA ........................................................................................47
OS CONCEITOS DE NORMALIDADE E ANORMALIDADE EM QUESTÃO ........................................48
A IMPRECISÃO DO CONCEITO DE NORMALIDADE .........................................................................48
CRITÉRIO ESTATÍSTICO......................................................................................................................50
CRITÉRIO VALORATIVO ......................................................................................................................50
CRITÉRIO INTUITIVO ...........................................................................................................................51
A AVALIAÇÃO, O “XIS” DO PROBLEMA ..............................................................................................51
Esses alunos que não aprendem: um olhar psicopedagógico sobre o fracasso escolar ... 54

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AS ABORDAGENS DO FRACASSO ESCOLAR NO BRASIL – UM POUCO DE HISTÓRIA ..............54


AS “QUEIXAS” DAS ESCOLAS, INTERPRETADAS PELA PSICOPEDAGOGIA ................................59
AS “QUEIXAS” DA ESCOLA .................................................................................................................60
UM ÚLTIMO OLHAR: O DA PSICOPEDAGOGIA .................................................................................64
PROPOSTAS PSICOPEDAGÓGICAS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ..........................................66
PROPOSTAS PSICOPEDAGÓGICA PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ............................................68
Formação de professores ..................................................................................................................... 68
Adequações Curriculares Individualizadas (ACI) .................................................................................. 69
O ajuste da programação às necessidades e características dos alunos ............................................ 70
Objetivos e conteúdos ........................................................................................................................... 71
METODOLOGIAS ..................................................................................................................................72
AVALIAÇÃO ...........................................................................................................................................73
A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NOS PROCESSOS DE ENSINO ........................................73
SABER E CONHECER ..........................................................................................................................74
A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGENS INDIVIDUAIS E
COLETIVAS ...........................................................................................................................................81
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................89

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O PASSADO E O PRESENTE ainda, institucionalizada. A transmissão do


DA PSICOPEDAGOGIA saber não era uma atividade especializada,
mas, fruto do saber cotidiano.
Bem-vindos à disciplina – Introdução à Com o início da Idade Moderna, a
Psicopedagogia. Sabemos que alguns de grande ciência do conhecimento se fragmenta
vocês já possuem uma ideia do que seja em diversas áreas. O homem já não conseguia
Psicopedagogia, no entanto, sabemos também deter todo o conhecimento existente. Esta
que a perfeita compreensão do que seja esta situação trouxe consigo a necessidade de
ciência não é de conhecimento geral. Por esse reformular toda a estrutura social. Era o início
motivo, nesta primeira aula optamos por fazer da Modernidade.
uma apresentação mais ampla procurando O termo Modernidade, pela própria
ambientá-los nesta área do conhecimento. etimologia da palavra, evoca conceitos muitas
Para entendermos o objeto da vezes equívocos, ambíguos, polissêmicos e
Psicopedagogia, devemos, antes, rever o escorregadios, normalmente ligados à ideia de
próprio desenvolvimento do processo “progresso”. Uma ideia associada à valorização
educacional. Começaremos por trilhar o positiva da novidade que se manifesta na
caminho da história, no qual veremos que a indústria, nas técnicas, na Ciência e nas
educação escolar que hoje temos só apareceu mudanças sócio-políticas e culturais a elas
na época moderna. correspondentes.
Norberto Bobbio (1986, p. 768), em seu
OS CAMINHOS DA Dicionário de Política, define Modernidade
EDUCAÇÃO como um conjunto de mudanças operadas nas
esferas política, econômica e social que tem
Na Antiguidade, a educação acontecia caracterizado os dois últimos séculos.
no cotidiano de cada indivíduo. Por intermédio Praticamente, a data do início do processo de
da convivência com os membros mais velhos Modernização poderia ser colocada na
da comunidade, os amigos e os vizinhos, as Revolução Francesa de 1789 e na quase
pessoas interiorizavam os valores e as normas contemporânea Revolução Industrial Inglesa,
sociais do ambiente em que viviam. Também a que provocaram uma série de mudanças de
educação para o trabalho era assim executada. grande alcance, nomeadamente na esfera
Os jovens, a partir do momento em que política e econômica, mudanças que estão
adquiriam condições para trabalhar, eram intimamente inter-relacionadas. Naturalmente,
colocados como aprendizes de ofício, o fermento dessas duas grandes
trabalhando junto com os adultos para transformações há de ser buscado nas
aprenderem uma profissão. condições e nos processos que vinham se
Cabe lembrar que até a Idade Média, desenvolvendo havia algumas décadas e que
por exemplo, toda a produção era coletiva e as culminaram nas duas revoluções.
sociedades eram organizadas de acordo com Bobbio (1986) acrescenta que este é
as atividades exercidas para sua subsistência. um fenômeno abrangente, complexo e que
Podemos perceber que, até esta época, a ocorre em todos os setores do sistema social
Educação não era sistemática e não havia sido,

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(p. 776). Segundo o mesmo autor, é necessário sociais, a religião e a ideologia apropriada e
que fiquemos atentos a dois aspectos que consolidada através dos séculos. Este período
aparecem quando buscamos entender os teve como uma de suas principais
processos da Modernização: a tentativa características o aparecimento de grandes
incessante do homem para controlar a natureza descobertas científicas, a industrialização e a
e submetê-la às suas necessidades e a busca aceleração do ritmo de vida.
permanente de ampliar o campo das Todos estes fatos foram causados,
alternativas sociais e políticas para um maior principalmente, pelas novas formas de poder e
número de pessoas. pela explosão demográfica que modificaram a
O surgimento da Modernidade levou a visão do homem em relação ao universo e,
humanidade a uma revolução social que consequentemente, seu lugar nele. A
modificou todos os limites geográficos e sociais sociedade experimentou uma tomada de
até então existentes. consciência de si própria e passou a buscar a
Segundo nos diz Habermas (2000, p. renovação em todos os contextos sociais.
88): O projeto da Modernidade formulado no Na área científica, manifestações da
século XVIII pelos filósofos do Iluminismo Modernidade constituíram a consolidação da
consistiu em esforços que visavam desenvolver moderna ciência da natureza, cujo fundamento
tanto a ciência objetiva, a moralidade universal do saber está na Matemática e trata seus
e a lei, quanto a arte autônoma, conforme sua resultados com apoio da experimentação o
lógica interna. Este projeto pretendia ao mesmo que, por certo, resultou em profundas
tempo liberar o potencial cognitivo de cada um transformações nos processos educacionais.
desses domínios no intuito de livrá-los de suas Embora as pessoas continuassem
formas esotéricas. Os filósofos iluministas arraigadas às suas antigas convicções, essas
almejavam valer-se deste acúmulo de cultura não mais representavam marcas orientadoras
especializada para enriquecer a vida cotidiana, de conduta. Consequentemente, a experiência
ou seja, para organizar racionalmente o dos tempos modernos traz no seu bojo as
cotidiano da vida social. imagens da desordem e da instabilidade, da
Como sabemos, até o século XVII, a insegurança e da fragmentação do mundo real
burguesia controlava a produção e a economia conhecido.
dos Estados-Nacionais surgidos com o fim do Os estilos de vida, até então
Feudalismo, a partir dos séculos XV e XVI. estabelecidos, perderam sua razão de ser, em
Os movimentos sociais ocorridos na virtude desse processo que destruiu as
Europa no século XVIII, particularmente a certezas e crenças construídas ao longo dos
Revolução Francesa e a Revolução Industrial, tempos. Os parâmetros segundo os quais
vieram contrapor-se a esta situação, ou seja, costumava-se distinguir o bem do mal, o justo
tiveram como base uma revolução do injusto, o desejável do indesejável, o certo
antiburguesa, gerando uma transformação do errado foram alterados; modificaram-se as
social sem precedentes na história. O categorias conhecidas de classificação e
modernismo modificou todos os conceitos hierarquização sociais.
existentes à época, alterando as estruturas

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Com a chegada da era industrial, CARACTERIZAÇÃO DA


chegou também a preocupação com a PSICOPEDAGOGIA
produtividade e com tudo o que atrapalhava a
possibilidade de produzir.
Falar sobre Psicopedagogia é, hoje em
Dentro deste contexto histórico, surge
dia, uma tarefa difícil, pois, por ser ela uma
a Educação Sistematizada. Pela primeira vez
ciência muito nova e ter sua área de atuação
os jovens são afastados de suas famílias para
inserida na confluência da Psicologia e da
aprenderem com outros adultos, seguindo
Pedagogia, apresenta múltiplas facetas, não
metodologias e currículos comuns. Todos os
possuindo, ainda, paradigmas operacionais
estudantes passaram a estudar e a absorver
totalmente estabelecidos, estando na busca de
conhecimentos estandardizados e
sua própria identidade enquanto área
“necessários” a uma formação profissional.
diferenciada de conhecimento, linha de
Este novo método de ensino trouxe consigo
pesquisa em
uma nova situação. Ao estarem os alunos
Educação e em Psicologia, bem como
juntos com os mesmos professores e
atividades terapêuticas e/ou preventivas. Por
aprendendo as mesmas coisas, percebe-se
essas razões é comum observarmos
que nem todos aprendem com a mesma
psicopedagogos que atuam em instituições
facilidade, nem com a mesma rapidez.
educacionais ficarem em dúvida de como
As dificuldades de aprendizagem
conduzir suas atividades no contato com a
passaram a ser foco de atenção, e a Medicina
comunidade escolar, priorizando, muitas vezes,
começou a estudar a causa dos problemas e
a adoção de uma prática quase exclusivamente
suas possíveis correções. A Primeira Guerra
terapêutica individualizada com alunos que
Mundial ofereceu a oportunidade de se
apresentam visíveis problemas de
descobrir, no cérebro dos soldados feridos, a
aprendizagem já instalados, em detrimento da
relação das áreas cerebrais danificadas com as
utilização de uma prática preventiva
funções que apareciam prejudicadas. A
institucional, visando evitar o aparecimento de
Oftalmologia, a Neurologia, a Psiquiatria eram
novos distúrbios de aprendizagem.
algumas das áreas da Medicina que se
Ao buscar-se a melhor metodologia a
ocupavam com esses estudos.
ser utilizada pelo psicopedagogo em sua
No final do século XIX, educadores,
atuação fica-nos, também, a dúvida de como
psiquiatras e neuropsiquiatras começaram a se
agir com “problemas ou distúrbios de
preocupar com os aspectos que interferiam na
aprendizagem”, pois face à complexidade do
aprendizagem e a organizar métodos para a
ser humano, uma determinada patologia pode
Educação Infantil. Desta época, temos a
ter múltiplas causas e estas, em virtude da
colaboração de Seguin, Esquirol, Montessori e
pulverização do conhecimento profissional em
Decroly, entre outros. Abrem-se, assim, as
múltiplas especialidades, só poderiam ser
portas para o surgimento da Psicopedagogia.
“tratadas” sob a ótica da interdisciplinaridade,
ou seja, com a atuação conjunta de diversos
profissionais de áreas diferentes. Mas,

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poderíamos nos perguntar, em uma realidade Atualmente, volta-se para uma


escolar como a nossa, isto seria factível? realidade tipicamente educacional, que são
A Psicopedagogia tem se desenvolvido certos fenômenos – relativos à não-
como uma forma de vinculação entre a aprendizagem – que ocorrem dentro do âmbito
Pedagogia e a Psicologia, e pode ser entendida familiar, escolar e comunitário, que podem ser
a partir de pressupostos teóricos elaborados remediáveis e prevenidos. Acreditamos que,
em países de língua francesa. Nestes países, para o desenvolvimento desta ação tanto
usa-se o termo Psicopedagogia em lugar de preventiva quanto terapêutica, será necessária
Psicologia da Educação, no sentido de que, a sistematização de uma série de pressupostos
neste caso, a Psicologia liga-se à Educação teóricos próprios. “Penso que a
como uma ciência auxiliar na compreensão do Psicopedagogia, como área de aplicação,
processo pedagógico. antecede o status de área de estudos, a qual
A afirmação de que a Psicopedagogia, tem procurado sistematizar um corpo teórico
historicamente, surgiu na fronteira entre a próprio, definir o seu objeto de estudo, delimitar
Psicologia e a Pedagogia merece maior seu campo de atuação” (BOSSA, 1994, p. 6).
atenção. Kiguel (1987) aventa outra Entretanto, justifica-se que a
possibilidade quanto ao surgimento da Psicopedagogia não tenha, ainda,
Psicopedagogia ao mencionar as tentativas de desenvolvido o seu corpo teórico específico, de
explicação para o fracasso escolar por outras vez que é uma área nova em todo o mundo e
vias que não a pedagógica e a psicológica. que seu florescimento ainda está na
Afirma que “os fatores etiológicos utilizados dependência do desenvolvimento não só da
para explicar índices alarmantes do fracasso Psicologia e da Pedagogia, mas também de
escolar envolviam quase que exclusivamente áreas mais específicas de conhecimento, como
fatores individuais como desnutrição, a Neuropsicologia e a Psicolinguística, entre
problemas neurológicos, psicológicos etc.”, outras.
acrescentando que “no Brasil, particularmente Apesar de todas as dificuldades,
durante a década de 70, foi amplamente parece-nos que podemos definir a
difundido o rótulo de Disfunção Cerebral Psicopedagogia utilizando-nos de dois autores
Mínima para as crianças que apresentavam, brasileiros.
como sintoma proeminente, distúrbios na Para Rubinstein (1987, p. 103), [...]
escolaridade” (BOSSA, 1994, p. 7). num primeiro momento a Psicopedagogia
Estudando o indivíduo que aprende no esteve voltada para a busca e o
seu aspecto normal e patológico, a desenvolvimento de metodologias que melhor
Psicopedagogia é a área que dá uma atendessem aos portadores de dificuldades,
consideração especial ao aspecto psicológico tendo como objetivo fazer a reeducação ou a
deste indivíduo, mas sendo uma área aplicada, remediação e desta forma promover o
deverá ir além da práxis, desenvolvendo desaparecimento do sintoma. E, ainda, a partir
pesquisas de base e criando um campo de do momento em que o foco de atenção passa
conhecimento próprio. a ser a compreensão do processo de
aprendizagem e a relação que o aprendiz

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estabelece com a mesma, o objeto da chegar ao Brasil. Hoje, porém, com a rapidez
psicopedagogia passa a ser mais abrangente: dos processos de comunicação, a
a metodologia é apenas um aspecto no disseminação de informações é mais rápida e a
processo terapêutico, e o principal objetivo é a Psicopedagogia no Brasil tem se desenvolvido
investigação de etiologia da dificuldade de bem nos últimos anos.
aprendizagem, bem como a compreensão do
processamento da aprendizagem, A PSICOPEDAGOGIA NO
considerando todas as variáveis que intervêm BRASIL
neste processo.
Do ponto de vista de Weiss (1991, p. 6), A Psicopedagogia no Brasil hoje é uma
“a Psicopedagogia busca a melhoria das área que estuda e lida com o processo de
relações com a aprendizagem, assim como a aprendizagem e suas dificuldades, e que, em
melhor qualidade na construção da própria sua ação profissional, deve englobar vários
aprendizagem de alunos e educadores”. campos do conhecimento, integrando-os e
As afirmações de Rubinstein e Weiss sintetizando-os. O modelo teórico e prático
em relação ao objeto de estudo da resultante desta visão é fortemente
Psicopedagogia sugerem que há um certo influenciado pelos modelos europeu e
consenso quanto ao fato de que ela deve argentino.
ocupar-se em estudar a aprendizagem Segundo nos diz Mery (1985), os
humana; porém, é uma ilusão pensar que tal Centros Psicopedagógicos, primeira forma de
consenso nos conduza a um único caminho. O atuação da Psicopedagogia, foram fundados
tema da aprendizagem apresenta tamanha na Europa a partir da segunda metade do
complexidade que tem a dimensão da própria século XX, e objetivavam, como já vimos,
natureza humana e precisaríamos de um outro atender pessoas que apresentavam
curso só para conseguir tratá-lo. É importante, dificuldades de aprendizagem, apesar de
no entanto, ressaltar que a concepção de serem inteligentes, por meio da integração de
aprendizagem é resultado de uma visão de conhecimentos pedagógicos e psicanalíticos.
homem, e é em razão desta que se estabelece Nos Estados Unidos, o mesmo
toda a teoria e a prática psicopedagógica. movimento acontecia, enfatizando mais os
Segundo nos diz Visca (1987), a conhecimentos médicos e dando um caráter
Psicopedagogia, que inicialmente foi uma ação mais organicista a esta preocupação com as
subsidiária da Medicina e da Psicologia, dificuldades de aprendizagem.
perfilou-se como um conhecimento O movimento europeu acabou por
independente e complementar possuída de um originar a Psicopedagogia, enquanto que o
objeto de estudo – o processo de movimento americano proliferou a crença de
aprendizagem – e de recursos diagnósticos, que os problemas de aprendizagem possuíam
corretores e preventivos próprios. causas orgânicas e precisavam de atendimento
Alguns ramos de estudo, como você já especializado, influenciando parte do
deve ter notado, desenvolvem-se em outros movimento da Psicologia Escolar que, até bem
países e, até, por vezes, demoram um pouco a pouco tempo, segundo Bossa (1994),

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determinou a forma de tratamento dada ao da Psicopedagogia, a sua recente existência


fracasso escolar. enquanto área de estudos, as suas origens
A corrente europeia influenciou a teóricas e a questão da formação no Brasil,
Argentina, que passou a cuidar de pessoas constatamos que a busca de uma identidade
com dificuldade de aprendizagem, realizando implica, por esse aspecto, um processo árduo.
um trabalho de reeducação. Mais tarde, este Por outra parte, entretanto, os profissionais
acabou sendo o objeto de estudo que contava brasileiros envolvidos nessa busca estão
com os conhecimentos da Psicanálise e da mobilizados por um grande desejo de contribuir
Psicologia Genética, além de todo o para tal processo permanente de construção.
conhecimento, particularmente os de Apesar da diferença de formação,
linguagem e de psicomotricidade, que eram devemos considerar o fato de que as práticas,
utilizados para melhorar a compreensão das em ambos, Brasil e Argentina, assemelham-se
referidas dificuldades. em muitos pontos, visto que o referencial
O Brasil recebeu, via Argentina, teórico adotado pelos brasileiros, como vimos,
influências tanto americanas quanto europeias está fortemente marcado por influências
na formação da identidade de nossa argentinas.
psicopedagogia. Os conhecimentos Os aspectos em que a nossa forma de
transmitidos por diversos profissionais atuação difere daquela dos argentinos são
argentinos, por meio de cursos realizados decorrentes, principalmente, das condições de
particularmente no sul do país, muito formação. No Brasil, é preciso repetir:
contribuíram para a construção do nosso Psicopedagogia é especialização, curso de
conhecimento psicopedagógico. aperfeiçoamento. Já a formação em nível de
A formação de nossos psicopedagogos graduação, como ocorre na Argentina,
é feita por meio de cursos de pós-graduação proporciona evidentemente um conhecimento
lato sensu, diferentemente do que ocorre na bem mais sólido da matéria, do saber
Argentina, onde esta formação é realizada por psicopedagógico e, consequentemente, uma
curso de graduação com duração de cinco prática mais consistente. Não devemos
anos. Esta questão da formação, da maneira esquecer, no entanto, que são inúmeras as
como se dá no nosso país, suscita uma variáveis em jogo quando se fala na questão da
discussão em que vantagens e desvantagens formação e, para a realidade brasileira, nossa
são levantadas. De um lado, o fato da nossa modalidade de formação psicopedagógica
formação em Psicopedagogia envolver possibilita uma maior interatividade entre os
diversificados profissionais que atuam na área diversos profissionais envolvidos na prática
educacional acentua o caráter interdisciplinar educacional, não abrindo espaço para
desta área de estudo. De outro, em razão da discussões que se limitam a dividir
presença de profissionais diversos, o desempenhos de educadores e outros
psicopedagogo enfrenta dificuldades em especialistas, de forma que a uns seja atribuído
construir uma identidade própria. o direito de lidar com o afetivo e com a dinâmica
Ao avaliarmos as dificuldades impostas da personalidade, e a outros a tarefa de
pela complexidade do próprio objeto de estudo trabalhar com os aspectos pedagógicos,

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considerando-os apenas como procedimentos


didáticos para o desenvolvimento cognitivo. A INSERÇÃO DA
PSICOPEDAGOGIA NAS
INSTITUIÇÕES
A ATUAÇÃO DO
PSICOPEDAGOGO – UMA
REFLEXÃO Conforme vimos na aula passada, o
psicopedagogo trabalha com o que chamamos
O que nos parece importante refletir ao de “problemas de aprendizagem”. Mas, para
final de nossa aula é que todos – sabermos o que são problemas de
psicopedagogos ou educadores – saibam aprendizagem, precisamos antes dar uma
perceber o fenômeno “aprendizagem” de forma breve passagem sobre a própria
mais ampla e que sejam sensíveis para captar aprendizagem. Como já dissemos em nossa
e considerar as relações significativas que o primeira aula, este tema é muito vasto e, por
aluno busca no meio (suas necessidades) para isso, vamos nos ater apenas a alguns conceitos
a sua autorealização. básicos. Como é fácil de entender, todos nós
Desta forma, consideramos o trabalho iniciamos nossos processos de aprendizagem
psicopedagógico com características desde o momento em que nascemos.
terapêuticas quando leva o indivíduo a construir Percebemos que o ser humano constrói sua
e reorganizar a sua própria personalidade, o estrutura de personalidade no interior da trama
seu “ser no mundo”. Mas, não podemos deixar de relações sociais na qual ele está inserido.
de acrescentar que a atuação do Podemos, por exemplo, nos reportar ao antigo
psicopedagogo tem suas fronteiras, ditado popular “dize-me com quem andas e te
diferenciando-se de uma “psicoterapia”, direi quem és”. Com isso estamos dizendo que
quando delimita seu espaço com a todos nós construímos nossos saberes e
preocupação pedagógica de propiciar ao aluno fazeres dentro de um conjunto de relações
a melhor utilização da linguagem e a sociais das quais participamos ativamente,
elaboração cognitiva das informações sendo que estas relações ocorrem dentro do
específicas, com a finalidade de que este que chamamos de Instituições. Mas, como
indivíduo possa concretizar e satisfazer as suas ocorrem as aprendizagens dentro deste
necessidades, atuando no mundo em que vive. contexto? Como se dá a construção do
Existe, ainda, um longo caminho a conhecimento?
percorrer para fazermos a história da Ao analisarmos a nossa estruturação
Psicopedagogia. Como deve ter ficado claro como indivíduos, percebemos que uma das
para você, esta ciência está dando seus passos características do ser humano é ser prático e
iniciais, mas ao utilizar-se dos fundamentos já ativo, já que é por suas ações que ele modifica
estabelecidos por outras ciências como base o meio ambiente, moldando-o para atender às
para sua formulação teórico-prática, estes suas necessidades. Enquanto transforma a
passos apresentam-se fortes e resolutos, com realidade à sua volta, ele constrói a si mesmo,
o propósito de firmar-se no campo científico e tecendo sua rede de saberes, a partir da qual
profissional como uma atividade que congrega irá interagir com o meio social, determinar suas
os fenômenos da Educação. ações, suas reações, suas convivências sadias

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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

ou neuróticas, enfim, todas as suas práticas proporcionada pelo uso cada vez maior da
sociais. tecnologia, os mais diferentes setores sociais,
políticos e econômicos vêm propondo a ideia
A CONSTRUÇÃO DAS de construção de rede de saberes e de ações.
REDES Embora este conceito tenha surgido, em uma
primeira instância, no conjunto das mudanças
Veja bem! No mesmo momento em que ocorridas no mundo do trabalho, essa ideia vem
você nasceu, passou a fazer parte de uma encontrando eco em quase todos os campos
instituição social organizada: a sua família. E científicos, nos novos movimentos sociais e,
como você, todos os seres humanos ao nascer inclusive, na Educação.
encontram o idioma, os costumes, a religião, o Mas, perguntamos nós, o que vem a
modo de se alimentar e de se divertir, enfim, ser uma rede de saberes? Como você imagina
tudo já previamente estruturado por outros que que ela seja? Segundo nos explica Alves (199,
o antecederam. Esta organização é que p. 68), “a noção de rede não é algo que se
permite que a sociedade sobreviva e se explique por si mesmo. A palavra rede tem
reorganize, sempre acompanhando a evolução muitos sentidos, é polissêmica”.
histórica e social de seu tempo. Como afirmava Por que então usar essa noção? Para
Karl Marx, as sociedades constituem-se em esta estudiosa no assunto, devemos usar esta
fenômenos históricos, já que os indivíduos se noção exatamente devido à polissemia. Tendo
constroem uns aos outros, física e em vista que cada um tem sua própria
espiritualmente. Nós convivemos com nossos concepção de rede tecida em seu cotidiano, o
semelhantes em casa, no colégio, no mercado, significado que se pretende ao usar esta
nos clubes, enfim, em uma infinidade de expressão para simbolizar a construção dos
instituições. Estamos sempre em contato com saberes se cria de uma forma individual e por si
outras pessoas e por intermédio desta mesmo.
convivência aprendemos e ensinamos coisas. Segundo a mesma autora, redes
Todo nosso modo de ser e de nos existem e só podem ser pesquisadas nos
comportarmos é fruto de nossa vida em processos cotidianos de viver. São, pois,
sociedade. formadas nos processos múltiplos e diferentes
Para sobreviver, os homens constroem dentro das inúmeras relações que os sujeitos
coisas e objetos, criam modos de vida em todos, em seus contatos cotidianos, tecem,
comum, elaboram ideias e conceitos que regem destecem e tecem outra vez, no espaço tempo
as inter-relações pessoais entre os membros do aqui e agora. (ALVES, 1999, p. 15)
da sua comunidade. O conjunto destas Castells (2000, p. 498) define rede
criações forma o que denominamos de como sendo um conjunto de nós
conhecimento. interconectados. Segundo este autor, cada um
Diversas formas de estudar como este destes nós representa um ponto de inflexão na
conhecimento se processa já surgiram ao longo construção do conhecimento, bem como a
dos tempos e continuam aparecendo todos os interconexão com outros conhecimentos vindos
dias. Atualmente, em virtude da ampliação dos de outras fontes. A estrutura concreta de cada
meios de divulgação das informações

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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

um destes pontos irá variar de acordo com o possíveis para construir nossa rede de saberes.
tipo de rede concreta que está estabelecida. Esta flexibilidade de movimento inclui, também,
Por exemplo, se estamos falando em as inúmeras variações possíveis nos parceiros
processos educacionais, em bolsas de valores, que nos acompanham em nossa trajetória de
de política ou estamos aprendendo a fazer construção e reconstrução dos saberes que,
novos quitutes, cada um destes fatos acabará apesar de nossos esforços, encontram-se
por se constituir em um nó (ou ponto) de nossa sempre inconclusos e incompletos.
rede de saberes. Vemos, assim, que este Além do movimento, o conceito de rede
conceito refere-se a uma estrutura aberta e de saberes se constrói a partir de mais dois
capaz de expandir-se de forma ilimitada e em princípios importantes, que são o de articulação
todas as direções. e o de co-responsabilidade. Como vimos, todas
Na construção de uma rede de as pessoas que, de alguma maneira passam
saberes, todos os membros da sociedade são pelas nossas vidas, participam, direta ou
parceiros possíveis, contribuindo com seus indiretamente, da construção de nossa rede de
conhecimentos, suas práticas, valores e saberes, pois todos os nossos conhecimentos
crenças. Estas contribuições não são estáticas, são, de algum modo, articulados com as
muito ao contrário, encontram-se em informações que recebemos e transmitimos e,
permanente mudança. Assim, conceitos e com isso, todos somos co-responsáveis por
valores considerados como verdades sua construção e pelo uso que dela fazemos.
incontestáveis podem ser considerados, mais O ato de tecer esta rede não é,
tardiamente, como algo ultrapassado e portanto, obra de uma consciência isolada e
totalmente descartável. Para ilustrar, basta autônoma, mas uma das formas de prática
lembrarmos que, durante séculos, a Terra foi social que tem como sujeito os homens
considerada por todos, inclusive os mais articulados entre si por relações sociais. Esta
renomados e ilustres cientistas da época, como concepção de saber como processo de
o centro do Universo e que os astros e as construção social por um sujeito coletivo deve
estrelas, como o Sol e a Lua, giravam em torno orientar nossas tarefas no campo da
dela. aprendizagem.
E hoje, que julgamento você faria de Como você deve ter percebido, toda
alguém que afirmasse uma coisa dessas? Com nossa rede de conhecimentos é formada dentro
certeza, seria chamado de ignorante, de instituições e, assim, não fica difícil imaginar
concorda? que a Psicopedagogia, cada vez mais,
Desta forma, podemos perceber por necessite inserir-se e estudar como ocorrem as
que o princípio de movimento é básico na relações interpessoais nesses ambientes,
formação de redes. Elas se constroem particularmente nas famílias e nas escolas, nos
exatamente na instabilidade e na não quais a maior parte do conhecimento básico
linearidade dos processos do conhecimento. ocorre na infância e na adolescência.
Esse movimento deve ser entendido como a A Psicopedagogia vem atuando,
possibilidade que temos de variar as direções e também, com muito sucesso nas mais diversas
o sentido ao tecermos os múltiplos fios instituições organizadas além das já citadas,

13
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

inclusive em hospitais e empresas. Seu papel é psicopedagogo tem muito a contribuir na


analisar e assinalar os fatores que favorecem, dinâmica escolar.
intervêm ou prejudicam uma boa aprendizagem A atividade da escola está determinada
em uma instituição. Propõe e ajuda o pelo aspecto interacional. O psicopedagogo
desenvolvimento dos projetos favoráveis às pode, então, ser visto fazendo parte de uma
mudanças educacionais, particularmente as de equipe interdisciplinar que é campo de
caráter profilático, visando evitar processos que discussão da problemática docente, discente e
conduzam às dificuldades de aquisição do administrativa.
conhecimento. Não podemos nos esquecer de A grande maioria dos trabalhos que
que a aprendizagem deve ser olhada como a discutem a prática da psicopedagogia na
atividade de indivíduos ou grupos humanos, instituição educativa focaliza a análise do
que, mediante a incorporação de informações e processo de aprendizagem, ou, mais
o desenvolvimento de experiências, promovem especificamente, a análise dos problemas de
modificações estáveis na personalidade e na aprendizagem. Esta preocupação central está
dinâmica grupal com as quais revertem o intimamente relacionada às próprias origens da
manejo instrumental da realidade. Psicopedagogia, enquanto área do
Vamos apresentar a seguir, uma visão conhecimento: seu aparecimento e sua
do psicopedagogo na escola. Gostaríamos, no estruturação responderam, num primeiro
entanto, de ressaltar que as atividades que ele momento, à necessidade de compreender
executa como psicopedagogo na escola são, melhor o processo de aprendizagem, para
com as devidas adaptações, as mesmas que evitar (perspectiva preventiva) ou tratar
ele irá executar em qualquer outra instituição. (perspectiva terapêutica) problemas
decorrentes de dificuldades nesse processo, no
O PAPEL DO âmbito dos fenômenos individuais. Deve-se
PSICOPEDAGOGO NA destacar, neste sentido, o fato de que tais
INSTITUIÇÃO ESCOLAR
análises priorizam, geralmente, a dimensão
individual do processo de aprendizagem,
O trabalho psicopedagógico pode e
enquanto fenômeno
deve ser pensado a partir da instituição escolar,
na qual cumpre uma importante função social:
que ocorre no sujeito, ainda que
a de socializar os conhecimentos disponíveis,
considerando o papel de variáveis ambientais e
promover o desenvolvimento cognitivo e a
relacionais na sua produção. Esta perspectiva
construção de regras de conduta dentro de um
reflete, de certa forma, a posição dos estudos
projeto social mais amplo. A escola, afinal, é
de aprendizagem na história do
responsável por grande parte da aprendizagem
desenvolvimento do conhecimento psicológico.
do ser humano.
(CAVICCHIA, 1996, p. 197, grifos do autor)
O papel do psicopedagogo na docência
Tendo bem conceitualizado como se
e na clínica pode ser delineado de uma maneira
processa a aprendizagem e como evolui o
relativamente mais objetiva do que seu papel
pensamento, o psicopedagogo é o profissional
na escola, embora acreditemos que o
indicado para assessorar e esclarecer a escola

14
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

a respeito de diversos aspectos do processo de Em especial na escola, o


ensino–aprendizagem. psicopedagogo poderá contribuir no
A Psicopedagogia, no âmbito da sua esclarecimento de dificuldades de
atuação preventiva, preocupa-se aprendizagem que não têm como causa
especialmente com a escola. Dedicando-se às apenas deficiências do aluno, mas que são
áreas relacionadas ao planejamento consequência de problemas escolares, tais
educacional e ao assessoramento pedagógico, como a organização de instituição, dos
colabora com os planos educacionais e métodos de ensino, da relação professor–
sanitários no âmbito das organizações, aluno, da linguagem do professor, entre outros.
atuando numa modalidade cujo caráter é A instituição educativa, em suas
clínico, ou seja, realizando diagnóstico diferentes modalidades – creche, pré-escola,
institucional e propostas operacionais escola de 1.º, 2.º ou 3.º graus – cumpre um
pertinentes. O campo de atuação da papel central na sociedade: o de mediadora no
modalidade preventiva é muito amplo, mas processo de inserção da criança e do
pouco explorado. Sobre o trabalho adolescente na cultura. Para isso, é necessário
psicopedagógico na escola muito se tem a que ela se estruture e se instrumentalize de
fazer. Grande parte da aprendizagem ocorre forma a responder às exigências propostas por
dentro da instituição escolar, na relação com o este objetivo, tão amplo e complexo. Um dos
professor, com o conteúdo e com o grupo social aspectos principais dessa estruturação diz
escolar enquanto um todo. Devido ao fato de respeito à formação e qualificação de equipes
ser um lugar tão relevante na vida do ser de trabalho capazes de desenvolver projetos
humano, a instituição escolar, paradoxalmente, pedagógicos compatíveis com a natureza e os
pode ser também muito prejudicial. objetivos dessa instituição. Nesse processo, o
No nível da instituição, nas escolas em psicopedagogo se depara com uma das mais
especial, considera-se que um psicopedagogo difíceis e instigantes de suas funções na
deve procurar acompanhar a tendência muito instituição educativa: a de orientar e coordenar
saudável de, como um dos elementos da a formação e o funcionamento de equipes de
equipe, impulsionar o trabalho cooperativo de trabalho, considerando o contexto institucional.
professores e demais profissionais da escola, (CAVICCHIA, 1996, p. 204)
procurando contribuir para uma maior eficiência Os profissionais engajados no campo
e coerência, participando com todos, por da Psicopedagogia têm atentado para a
exemplo, do momento da definição do projeto necessidade do trabalho a ser realizado na
pedagógico e da análise e discussão de instituição escolar. Pensar a escola, à luz da
situações e casos especiais. Considera-se Psicopedagogia, significa analisar um processo
questionável a possibilidade de o que inclui questões metodológicas, relacionais
psicopedagogo vir a se apresentar como o e socioculturais, englobando o ponto de vista
dono da verdade e portador de soluções de quem ensina e de quem aprende,
prontas, desconsiderando as possibilidades de abrangendo, conforme já dissemos, a
trabalho cooperativo com educadores em geral. participação da família e da sociedade. O nível
(FINI et al., 1996, p. 71) de intervenção do psicopedagogo na escola vai

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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

variar em função de ser mais contínuo ou Assim sendo, pensar a escola à luz da
menos contínuo. Sendo mais contínuo, ele Psicopedagogia implica nos debruçarmos
poderá atuar preventivamente junto aos especialmente sobre a formação do professor.
professores e técnicos de vários modos tais Pode-se dizer, por conseguinte, que uma das
como: tarefas mais importantes na ação
 explicitando sobre habilidades, psicopedagógica preventiva é encontrar novas
conceitos e princípios que são pré-requi- modalidades para tornar essa formação mais
 sitos para as aprendizagens e eficiente. Sabe-se que as profissões são
auxiliando para que as situações de ensino escolhidas atendendo a profundos desejos
sejam organizadas de acordo com o inconscientes, e que não se questiona e nem
desenvolvimento; participando da equipe de se leva em conta as motivações dessa escolha
currículo e auxiliando a determinar prioridades ao longo da formação do professor. Assim,
em relação aos objetivos educacionais; pois, as propostas de formação docente devem
 atuando, como integrador que oferecer ao professor condições para
é, como elemento de elo entre os profissionais estabelecer uma relação madura e saudável
da escola diretamente envolvidos com o com seus alunos, pais e autoridades escolares.
processo de ensinoaprendizagem. Investigar, analisar e realizar novas propostas
para uma formação docente que considere
Reportemo-nos ao que pensa Weiss
esses aspectos constitui uma tarefa
(1991) a respeito disso. Para esta
extremamente importante, da qual se ocupa a
pesquisadora, existem diferentes enfoques em
Psicopedagogia. (BOSSA, 1994, p. 71)
relação ao que se entende por Psicopedagogia
Nosso ponto de vista é de que os
na escola. Ela, por seu turno, adota a posição
problemas de aprendizagem são, em primeiro
de considerá-lo como uma atividade
lugar, problemas de âmbito escolar e deveriam,
educacional em que se busca a melhoria da
inicialmente, merecer atenção da escola. Por
qualidade na construção da aprendizagem de
utópico que possa aparecer, o psicopedagogo
alunos e educadores. A psicopedagogia busca
tem também um campo de atuação terapêutica
dar ao professor e ao aluno um nível de
dentro da escola. Vivemos um momento de
autonomia na busca do conhecimento e, ao
conflito socioeconômico que tem como
mesmo tempo, possibilita uma postura crítica
consequência problemas escolares que
em relação à estrutura da escola e da
necessitam procedimentos remediáveis
sociedade que ela representa.
imediatos. Considerando tais problemas de um
Nestas palavras, a psicopedagoga
ponto de vista sistêmico, evidencia-se a
Maria Lúcia Lemme Weiss reflete a
relevância de que o indivíduo possa ser
preocupação e a tendência atual da
trabalhado dentro de seu ambiente escolar e só
Psicopedagogia no seu compromisso com a
sejam encaminhados para serviços especiais
escola. Nesse trabalho preventivo junto à
os casos mais sérios, que necessitam de
escola, deve-se levar em consideração,
diagnóstico médico especializado e exames
inicialmente, quem são os protagonistas dessa
complementares. Nesta linha de pensamento,
história: professor e aluno.

16
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

o psicopedagogo pode atuar terapeuticamente sua pulsão. É o momento ideal para o ingresso
na escola de modo a: no ensino regular, já que as suas condições
 Preparar o professor para a psíquicas favorecem o aprendizado escolar. Se
realização de atendimentos pedagógicos tudo correu bem no desenvolvimento da
individualizados; auxiliar na compreensão de criança, estará estruturado o seu desejo de
problemas na sala de aula, permitindo ao saber. Ingressa na escola com um
professor ver alternativas de ação e ver a desenvolvimento construído a partir do
maneira com que os demais técnicos podem intercâmbio com o meio familiar e social, o qual
intervir; pode ter funcionado tanto como facilitador
 Participar no diagnóstico dos quanto como inibidor no processo de
distúrbios específicos da aprendizagem; desenvolvimento afetivo-intelectual.
atender pequenos grupos de alunos. É importante que você tenha em
mente, no entanto, que a aprendizagem não
PARA REFLETIR E objetiva só a criança ou adolescente, mas o
FINALIZAR adulto e profissionais na integração e
reintegração grupal. O trabalho do
Vimos nesta aula como se dá a psicopedagogo se dá numa situação de relação
construção de nossos conhecimentos e como o entre pessoas. Não é uma relação qualquer,
psicopedagogo atua, particularmente na mas um encontro entre educador e educando,
instituição escolar. Convém lembrá-lo, que não em que o psicopedagogo precisa assumir sua
nos limitamos apenas aos professores e função de educador, numa postura que se
alunos. Estes principais parceiros no processo traduz em interesse pessoal e humano, que
educacional não estão sozinhos: participam, permite o desabrochar das energias criadoras,
também, a família e outros membros da trazendo de dentro do educando capacidades e
comunidade que interferem no processo de possibilidades muitas vezes desconhecidas
aprendizagem – como, por exemplo, aqueles dele mesmo e incentivando-o a procurar seu
que decidem sobre as necessidades e próprio caminho e a caminhar com seus
prioridades escolares. próprios pés. O objetivo do psicopedagogo é o
O aluno, ao ingressar no ensino de conduzir a criança ou adolescente, o adulto
regular, por volta de sete anos, traz consigo ou a instituição a reinserir-se, reciclar-se numa
uma história vivida dentro do seu grupo familiar. escolaridade normal e saudável, de acordo com
Se a sua história transcorreu sem maiores as possibilidades e interesses dela.
problemas, seu superego estará estruturado e A CRESCENTE
poderá deslocar sua pulsão aos objetos PROFISSIONALIZAÇÃO DO
socialmente valorizados, ou seja, estará pronto
PSICOPEDAGOGO

para a sublimação. A escola se beneficia e


também tem função importante nesse Em nossas aulas iniciais vimos um

mecanismo, pois lhe fornece as bases pouco da história da Psicopedagogia e a


inserção do psicopedagogo nas instituições.
necessárias, ou seja, coloca ao dispor da
criança os objetos para os quais se deslocará a Após estas primeiras aulas, você talvez esteja
se perguntando: mas, afinal, que tipo de

17
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

profissional é o psicopedagogo? Onde e como instrumental que usa para construir e


ele atua? As respostas a essas perguntas não reconstruir este conhecimento. Em outras
são simples, mas estamos certos que a leitura palavras, o psicopedagogo precisa saber de
desta aula o auxiliará bastante na elucidação que modo o aluno produz a tessitura do
de algumas destas questões. conhecer e do aprender, na qual o afetivo, o
cognitivo e o conjunto das circunstâncias que
O PSICOPEDAGOGO COMO compõem o cotidiano escolar se entremeiam e
PROFISSIONAL
onde pontuam, além do professor (com suas
peculiaridades pessoais e didáticas); os
Enquanto profissional, o
colegas do aprendente (igualmente
psicopedagogo pode atuar em uma perspectiva
vivenciando o desafio do aprender). Somente
eminentemente preventiva ou em uma
assim o psicopedagogo terá condições de
abordagem terapêutica, clínica. O seu trabalho
contribuir para o desaparecimento das
pode vincular-se a uma instituição (escola,
possíveis dificuldades do aluno, em seu
hospital, centro comunitário, por exemplo) ou
processo de construção do conhecimento.
ser estritamente individual (em seu próprio
Ao deparar-se com essas dificuldades,
consultório). Mas, em qualquer dos casos, cabe
o psicopedagogo precisa, ainda, distinguir
ressaltar, o psicopedagogo não deve prescindir
entre as dificuldades que se revelam como
do diálogo interdisciplinar, dada a
“sintomas” – aquelas que realmente são objeto
complexidade do ato de aprender e a
de um trabalho psicopedagógico (oriundas de
complexidade existencial daquele que aprende,
um real problema de aprendizado) e as que se
em sua totalidade constitutiva e de
apresentam como “reativas” – oriundas de
manifestação.
alguma reação emocional (objeto de interesse
Como sabemos, é bastante expressivo
do psicólogo escolar).
o número de alunos que apresentam
A ação preventiva do psicopedagogo
dificuldades de ler, de escrever e mesmo de
no campo institucional escolar deve estender-
pensar, exigindo uma atuação terapêutica. Esta
se também ao corpo docente. Neste sentido, o
situação, tão presente em nossas escolas,
psicopedagogo terá oportunidade de trabalhar
demonstra a importância da ação preventiva do
junto aos professores, esclarecendo-os quanto
psicopedagogo, quando voltada para evitar o
ao processo evolutivo cognitivo do aluno, inter-
aparecimento de dificuldades na
relacionando-o aos aspectos afetivos e
aprendizagem. Ocupando-se da integração do
ambientais capazes de influenciarem favorável
aluno no cotidiano escolar, quanto às
ou desfavoravelmente o ato de aprender.
possibilidades e capacidades que ele detém e
Muito bem! Com certeza, você agora já
os interesses que manifesta, o psicopedagogo
tem uma noção melhor do papel do
atua preventivamente, colaborando para que o
psicopedagogo: a complexidade de sua
aprendiz estabeleça uma relação prazerosa
atuação, os conhecimentos que ele deve
com o ato de aprender e, mesmo, desafiadora.
mobilizar e alguns dos problemas que deve
O psicopedagogo precisa saber não só
resolver. Para complementar essa visão
como o aluno constrói o seu conhecimento,
mas também como ele determina o

18
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

vejamos, agora, algumas formas de sua perceber a dimensão da relação entre ele, o
atuação. psicopedagogo e o sujeito aprendente, de
forma a favorecer o processo de aprendizagem.
FORMAS DE ATUAÇÃO No trabalho preventivo, as instituições,
PROFISSIONAL DO enquanto espaços físicos e psíquicos da
PSICOPEDAGOGO
aprendizagem, são objeto de estudo da
Psicopedagogia. Nelas são avaliados os
A Psicopedagogia, como nos diz Bossa
processos didático-metodológicos e a dinâmica
(1994) se ocupa da aprendizagem humana,
institucional que interferem no processo de
que aparece de uma demanda bem clara – o
aprendizagem. Cabe recordá-lo de que, como
problema de aprendizagem – e evoluiu devido
vimos na aula passada, as instituições não são
à existência de recursos, ainda que
apenas as educacionais, mas todas aquelas
embrionários, utilizados para atender a essa
em que se processam as aprendizagens.
demanda, constituindo-se, assim, numa
Segundo nos conta Bossa (op. cit.), a
prática.
definição do objeto de estudo da
Conforme vimos em nossas aulas,
Psicopedagogia bem como os demais aspectos
como a Psicopedagogia se preocupa com o
dessa área de estudo passaram por várias
problema de aprendizagem, deve ocupar-se
fases distintas. Houve época em que o trabalho
inicialmente em entender o processo de
psicopedagógico tinha como prioridade realizar
aprendizagem. Portanto, vemos que esta
a reeducação do sujeito e o processo de
ciência estuda as características da
aprendizagem era avaliado em função das
aprendizagem humana: como se aprende,
deficiências apresentadas pelo aprendente. A
como essa aprendizagem varia evolutivamente
atuação psicopedagógica procurava, então,
e está condicionada por vários fatores, como se
vencer tais defasagens. Nesta fase, o objeto de
produzem as alterações na aprendizagem,
estudo era o indivíduo que não conseguia
como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las.
aprender, concebendo-se a “não-
Esse objeto de estudo, que é um sujeito a ser
aprendizagem” como uma falta ou uma falha do
estudado por outro sujeito, adquire
sistema cognitivo do indivíduo. Esse enfoque
características específicas a depender do
buscava, de acordo com critérios científicos,
trabalho clínico ou preventivo.
estabelecer semelhanças no processo de
Bossa (1994) procura definir a
aprendizagem entre grandes grupos de
diferença entre uma e outra forma de atuação
sujeitos, as suas regularidades e o que era
psicopedagógica. Segundo ela, o trabalho
esperado para determinada faixa etária,
clínico (ou curativo) se dá por meio da relação
visando reduzir as diferenças e acentuar a
entre um sujeito com sua história pessoal e seu
uniformidade.
modo de aprender, buscando compreender a
Posteriormente, segundo a mesma
mensagem emitida por um outro sujeito,
autora, a Psicopedagogia passou a ocupar-se
implícita no sintoma do “não-aprender”. Nesta
da noção de “não-aprendizagem” de uma outra
modalidade de trabalho, o profissional deve
forma: o “não-aprender” passa a ser entendido
procurar compreender o que o sujeito aprende,
como um sintoma carregado de significados, e
como aprende e por que aprende, além de

19
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

que não se opõe ao aprender. Essa nova fase prevenção. Segundo esta autora, no primeiro
da Psicopedagogia é fundamentada em nível o psicopedagogo centra sua atenção nos
conceitos oriundos da Psicanálise (Freud) e da processos educacionais com o objetivo de
Psicologia Genética (Piaget) e leva em conta a identificar as dificuldades institucionais, e atua
singularidade e a diversidade dos indivíduos, sobre elas antes que provoquem dano, pois
buscando o significado particular emprestado visa diminuir a “frequência dos problemas de
às suas características e às suas alterações, aprendizagem”. Seu trabalho incide nas
baseadas nas circunstâncias da sua própria questões didático-metodológicas, bem como
história e do seu meio sociocultural. Nesta fase na formação e orientação de professores, além
do processo evolutivo da Psicopedagogia, esta de fazer aconselhamento aos pais. Em um
nova área de estudo procurou estruturar-se segundo nível, o objetivo é diminuir e tratar os
entendendo que o objeto de estudo é sempre o problemas de aprendizagem já instalados. Com
sujeito “aprendendo”, pois não há formas esta finalidade, realiza-se uma análise
acabadas de aprendizagem. A construção do diagnóstica da realidade institucional e
saber é sempre um processo e, por isso, elaboram-se planos de intervenção baseados
contínuo. nos resultados obtidos neste diagnóstico.
Na fase atual, a Psicopedagogia Dentro deste processo, junto com os
orienta-se segundo a concepção de que existe professores, procura-se avaliar os currículos e
um equipamento biológico com características os métodos didáticopedagógicos utilizados,
afetivas e intelectuais próprias participando procurando soluções para que não se repitam
ativamente neste processo de aprendizagem e tais transtornos. No terceiro nível, segundo o
que interferem na forma como se dão as que nos ensina Bossa (1994), o objetivo é
relações do sujeito com o meio, sendo que eliminar os transtornos já instalados num
essas características influenciam e são procedimento clínico com todas as suas
influenciadas pelas condições socioculturais do implicações. O caráter preventivo permanece
sujeito e do seu meio. aí, uma vez que, ao eliminarmos um transtorno,
Conforme vimos, a atuação estamos prevenindo o aparecimento de outros.
psicopedagógica pode se dar segundo uma
orientação preventiva e/ou clínica. Entretanto, A FUNÇÃO PREVENTIVA E
ela é também teórica na medida da A FUNÇÃO CURATIVA
(TERAPÊUTICA)
necessidade de se refletir sobre a práxis.
Assim, vale repensar um pouco a prática, antes
Na função preventiva, segundo nos diz
de abordar o teórico. A Psicopedagogia procura
Kiguel (1987), cabe ao psicopedagogo atuar,
utilizar-se do processo de ação–reflexão–ação,
principalmente, em escolas e em cursos de
no qual cada profissional age na busca de
formação de professores, esclarecendo sobre o
resultados profiláticos e/ou terapêuticos e, em
processo de desenvolvimento e maturação das
seguida, reflete sobre sua ação para
áreas ligadas à aprendizagem escolar
novamente voltar à prática.
(perceptiva, motora, de linguagem, cognitiva e
Para Bossa (1994), o trabalho
emocional), auxiliando na organização de
preventivo pode ocorrer em diferentes níveis de
condições de aprendizagem de forma integrada

20
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

e de acordo com as capacidades dos alunos, terapêuticas, o psicopedagogo apresenta os


atendendo sua diversidade e motivação. resultados aos pais e à escola e com eles
Já o trabalho do psicopedagogo em planeja o atendimento psicopedagógico.
nível curativo, é, segundo esta autora, dirigido Não podemos nos esquecer, no
às crianças e adolescentes com distúrbios de entanto, que o tratamento psicopedagógico
aprendizagem já instalados. propriamente dito está sempre vinculado ao
Em ambos os casos, para auxiliar no posicionamento teórico que a equipe
diagnóstico (que é concluído em equipe interdisciplinar tem no fenômeno da
interdisciplinar) o psicopedagogo desenvolve aprendizagem humana, em seus distúrbios e
os seguintes procedimentos: nas causas que os motivaram. O conhecimento
 anamnese e análise do da etiologia é fundamental, não apenas para a
material escolar desde a pré-escola; contato determinação de prioridades de tratamento e
com a escola (direto ou por meio de escolha de metodologias específicas, mas,
questionário); principalmente, para quando se trata de
 observação do desempenho planejar soluções preventivas e/ou curativas de
em situação de aprendizagem; aplicação de caráter social mais amplo.
testes psicopedagógicos específicos; É importante relembrá-lo, neste
 solicitação de exames momento, que o principal sujeito no processo
complementares (psicológico, neurológico, de aprendizagem é o aprendente e, desse
oftalmológico, audiométrico ou outros que se modo, é de fundamental importância para o
fizerem necessários). Integrando os resultados êxito do trabalho psicopedagógico o
obtidos por meio destes procedimentos, o relacionamento interpessoal entre ele e o
psicopedagogo busca levantar hipóteses que psicopedagogo.
expliquem as condições de aprendizagem do Como podemos facilmente perceber, a
paciente identificando áreas de competência e relação existente entre o psicopedagogo e o
de dificuldades. aprendente é dinâmica e, por isso, imprevisível.
Sendo um encontro de personalidades distintas
O entendimento dos fatores etiológicos
e com motivações diversas, cada um se
das dificuldades, bem como a significação
aproxima do outro como seres humanos que
emocional do problema na família e na escola,
são, com seus acertos e erros, seus conflitos e
levam o psicopedagogo, juntamente com os
emoções, sua particular percepção valorativa
demais profissionais que avaliaram o paciente,
das experiências vivenciadas, enfim, com o
a determinar as prioridades de tratamento.
próprio EU e suas circunstâncias interagentes.
É interessante observar que,
Sempre que duas pessoas se
frequentemente, uma criança portadora de um
encontram, e mais fortemente em um processo
distúrbio de aprendizagem tem associado a
terapêutico, cria-se uma tempestade
este também um distúrbio afetivo. O
emocional. Se eles têm um contato suficiente
atendimento à área emocional deve ser
para estarem seguros um do outro, ou mesmo
indicado e pode ocorrer prévia, simultânea ou
se não estão seguros, um estado emocional se
posteriormente ao tratamento
produz pela conjunção destes dois indivíduos,
psicopedagógico. A partir das indicações

21
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

destas duas personalidades. Neste processo Outro princípio básico que deve ser
interativo é importante que o psicopedagogo se buscado pelo psicopedagogo é o
veja também como aprendente. Embora seguro desenvolvimento do processo de auto-
do suporte teórico que orienta sua atuação e do aprendizagem, no sentido de que ensinar
domínio das técnicas que utiliza, é previsível consiste em facilitar ou buscar desencadear um
que o encontro com o outro se torne, quase processo ativo que ocorre no indivíduo que
sempre, um fator de angústia que deve, pelo aprende, de acordo com seu ritmo de
profissional, ser mantido sob controle. Manter- desenvolvimento.
se aberto aos acontecimentos de cada Também consideramos um princípio
encontro, que nunca se repetem, é um modo de norteador o fato de que determinadas
lidar com o “novo”, frequentemente aprendizagens necessitam de uma ação
angustiante. estimuladora do meio externo e que a pessoa
que ensina é um dos elementos mais
PRINCÍPIOS incentivadores da aprendizagem. O
NORTEADORES DA AÇÃO psicopedagogo norteia sua ação consciente de
DO PSICOPEDAGOGO
que a aprendizagem é, antes de tudo, uma
relação com o mundo externo e que o vínculo
O psicopedagogo procura, em sua
que se estabelece com o indivíduo será um
ação, mobilizar o indivíduo, considerando que
fator relevante na sua mobilização para a busca
os processos cognitivos como os de atenção,
do novo.
percepção e memória são determinados pelas
O psicopedagogo procura, então,
condições de maturação neuropsíquica
mobilizar o seu próprio potencial afetivo para
orientados pela emoção e pelo afeto, pois os
tornar-se um fator incentivador da
sentimentos de prazer e sucesso são
aprendizagem do indivíduo que, por vezes,
determinantes da aprendizagem. Considera-se
muito jovem, já experimenta intensos
estas características como partes integrantes
sentimentos de fracasso e desânimo.
de um processo de desenvolvimento único para
cada indivíduo, embora influenciado pelo meio
DIFERENCIAÇÃO ENTRE O
familiar, social e cultural. PAPEL DO
Concordamos que o psicopedagogo PSICOPEDAGOGO E DE
norteia sua atividade profissional segundo ALGUNS OUTROS
PROFISSIONAIS QUE
princípios que emanam do seu próprio
ATUAM NA ÁREA DE
processo de aprendizagem, mas, por outro EDUCAÇÃO
lado, o psicopedagogo acredita que o aspecto
importante da atividade pedagógica é a sua A aprendizagem é um fenômeno
significação simbólica dentro do processo geral complexo. Seu estudo requer a intervenção de
de aprendizagem do indivíduo e, tal atividade diversos campos do conhecimento. Na
deve ser capacitante para a estruturação, verdade, a análise dos fenômenos relativos à
crescimento e integridade da personalidade do aprendizagem requer a intervenção de uma
aprendiz. equipe multidisciplinar, funcionando
integradamente. Por outro lado, não se pode

22
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

esquecer que a condição para uma equipe algumas peculiaridades em relação aos papéis
trabalhar adequadamente é que cada destes profissionais.
participante tenha seu papel definido com o seu Em relação ao orientador educacional,
modo específico de ver o problema e trazer a parece-nos que tem uma atuação mais geral
sua contribuição. O papel do psicopedagogo que o psicopedagogo, pois ajuda o indivíduo a
apresenta várias interfaces, podendo estar encontrar uma melhor compreensão de si
diluído, particularmente, entre o papel do mesmo e desenvolver sua capacidade de tomar
orientador educacional, do psicólogo escolar, decisões. Ele trabalha, também, em função da
do fonoaudiólogo ou do supervisor pedagógico. dinâmica inter-relacional da escola ou
Em relação a cada um destes, os limites de instituição. Em alguns casos, faz
atuação são, por vezes, quase impossíveis de aconselhamento vital e encaminha, quando
definir objetivamente. necessário, o indivíduo para o médico,
A dificuldade parece advir não só do psicólogo, psicopedagogo ou fonoaudiólogo.
funcionamento a nível técnico, mas também da Em relação ao fonoaudiólogo,
natureza do ser humano – não é possível definir encontramos alguma dificuldade para
os limites da linguagem e do pensamento, dos estabelecer nítidas diferenciações. Sem
processos de aprendizagem e das dúvida, são campos nos quais podem ocorrer
características pessoais. Tudo indica que o muitas interseções. O fonoaudiólogo,
mais importante na compreensão do indivíduo ocupando-se com a prevenção e reabilitação
é justamente o modo único e peculiar como de distúrbios na aquisição e desenvolvimento
interagem as diferentes variáveis. da linguagem, certamente se ocupa com
O terreno das diferenciações é um indivíduos que apresentam dificuldades de
terreno escorregadio e cheio de aprendizagem.
particularidades, não só científicas, mas O psicopedagogo, ao tratar com as
também práticas e até legais. Temos que dificuldades de aprendizagem volta-se para os
lembrar que não é só o campo da processos perceptivos, cognitivos e conceituais
Psicopedagogia que não está bem-definido. que se evidenciam e são atingidos por
Apesar de estar consideravelmente melhor intermédio da linguagem. Dá ênfase aos
delimitado, o campo psicológico ainda admite aspectos psicológicos e sociais dos problemas
subdivisões e variações. A diversidade de aprendizagem do indivíduo.
funcional pode ocorrer devido às diferentes Para estabelecer diferenciações entre
formações dos técnicos – já que se tratam de o psicopedagogo e o psicólogo escolar, seria
áreas relativamente novas – e devido às necessário que o papel deste estivesse melhor
diferenças nos sistemas regionais de ensino. definido entre o modelo escolar e o modelo
Por fim, precisamos considerar que a clínico. Parece que ainda não há um modelo
Educação está em contínua mudança, o que único que explicite a atuação do psicólogo
altera, constantemente, os papéis e as funções escolar. Dependendo de sua formação e da
das pessoas envolvidas neste processo. Mas, estrutura educacional em que atua, há
apesar das dificuldades, tentamos levantar prevalência de uma orientação para a
organização ou para o indivíduo. De qualquer

23
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

modo, ele trabalha com os sentimentos pressionam o sistema educacional para que
individuais ou grupais com vistas à resolução este seja capaz de responder à crescente
de problemas que se caracterizam mais pelo heterogeneidade de seus alunos e alunas.
seu aspecto emocional do que educacional. O A expansão de matrículas na Educação
psicopedagogo trabalha com os sentimentos, Fundamental tem sido acompanhada por um
conhecimentos e habilidades individuais ou incremento na diversidade de crianças que
grupais com vistas à ação pedagógica indicada. chegam à escola: diversidade de motivações,
Em relação ao psicólogo clínico, as interesses e capacidades que se modelam, em
diferenciações parecem ser mais evidentes, última análise, em uma exigência de novas
pois ele dedica-se ao diagnóstico, tratamento e competências no professorado.
prevenção dos problemas emocionais. Sua Diante da nova demanda que chega, a
preocupação com os problemas de resposta à diversidade tem sido considerada
aprendizagem insere-se dentro de uma por parte de professores e professoras como
problemática emocional, mesmo porque um problema que ultrapassa suas
psicoterapia é um processo de aprendizagem possibilidades e funções, pois exige a presença
ou reaprendizagem. O psicopedagogo atribui de novos profissionais nas escolas. Tal
um valor especial aos aspectos emocionais, na perspectiva vem sendo reforçada pela
medida em que considera os mesmos como a Educação Inclusiva, já que a escola tem
fonte energética da aprendizagem, mas seu matriculado alunos com sérios problemas de
campo de ação abrange apenas o campo aprendizagem ou com necessidades
educacional. educacionais especiais em geral.
Quanto ao supervisor pedagógico, a O assessoramento solicitado pelos
diferença básica parece estar em que, quando docentes vem sendo atendido de forma parcial
este se volta para a orientação em relação aos e isolada, dependendo muito mais da iniciativa
problemas de aprendizagem, tem em vista, das secretarias municipais e/ou da boa vontade
preferentemente, os desempenhos previstos dos coordenadores e orientadores
na organização curricular tendo sua atuação pedagógicos. Ainda não temos uma política
mais vinculada ao corpo docente do que pública que legalize a presença da
discente. Psicopedagogia nas redes públicas de ensino e
a rede particular pode, se esta for a sua
TEORIZANDO A AÇÃO escolha, contratar psicopedagogos para sua
PSICOPEDAGÓGICA: equipe pedagógica. Embora esse não seja um
LIMITES E POSSIBILIDADES
dos limites teóricos da Psicopedagogia,
mostra-se como um grande obstáculo a ser
Atender os alunos em suas
enfrentado pelo novo profissional da Educação.
singularidades sempre foi um dos objetivos
Comecemos pela análise das queixas
mais ambiciosos da Educação Escolar. A
de professores e pais sobre alunos/filhos em
evolução da Educação, desde a época dos
relação à aprendizagem escolar. É comum
preceptores até nossos dias é, entre outros
escutarmos que os alunos “não guardam a
aspectos, a história do aumento e da
matéria”, “não conseguem fazer contas”,
complexificação das demandas que

24
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

“sempre repetem o mesmo erro”, “depois das Nos meios profissionais são feitas
férias esquecem tudo” etc. Desse breve determinadas afirmações que, por um lado,
repertório de expressões, quero chamar a apontam a existência de uma espécie de
atenção sobre o que aí emerge de significativo intermediação entre o estímulo pedagógico e a
pois, geralmente, remetem à existência de algo resposta do aluno e que, por outro lado, tentam
que na relação pedagógica se interpõe entre explicar cientificamente a aprendizagem
aquilo que se ensina, que se mostra ao aluno, usando o clássico modelo da associação
e aquilo o que se obtém como resultado. exitosa.
Essas poucas expressões, geradas por A tradição do pensamento psicológico
um saber cotidiano, indicam que “isso” que se contemporâneo, da qual a Psicopedagogia
interpõe entre o ensinado (o que foi mostrado) retira muito de sua teorização, tem gerado
e o resultado é uma espécie de substância muitas escolas. Entre cada uma delas, algumas
capaz de oferecer resistência à aprendizagem, vezes, observamos tanto uma
de fazer com que o aluno repita insistentemente complementação recíproca quanto uma imensa
o mesmo erro, de que esqueça ou de que não discordância sobre certos aspectos, entre eles,
consiga realizar o que quer. Emergência de por exemplo, a forma de caracterizar o
algo que em si mesmo conteria a chave que organismo e os chamados fenômenos mentais.
possibilita ou que impossibilita as Cabe salientar que, além das variantes
aprendizagens. radicais e metodológicas da análise
Cabe ressaltar que não somente os comportamental, nelas é sempre pressuposto,
pais, que consultam psicopedagogos clínicos em primeiro lugar, que deve haver
por seus filhos, aferram-se a essas típicas necessariamente uma ligação entre o estímulo
construções imaginárias; além deles, tanto ambiental e a resposta dada e, em segundo
professores quanto profissionais de lugar, que tal associação pode ser controlada
Psicopedagogia também as veiculam. A esse cientificamente. É, precisamente esse ponto
respeito, Lajonquière (1992, p. 12) nos alerta: que devemos analisar: a tradição
Que essas expressões tenham se experimentalista em Psicologia está baseada
tornado clássicas ou, em outras palavras, que na pressuposição de que ao se desvendar a
circulem com naturalidade, não deve chegar a intrincada trama de associações será possível,
nos surpreender. De certa forma, não passam intervindo de forma direta sobre os estímulos,
de criaturas muito particulares dessa espécie controlar o comportamento. Como aprender é
de substancialismo cotidiano que a tudo um comportamento, podemos por meio dos
domina. estímulos, controlar seu êxito.
Contudo, algo nelas deve, sim, chamar As leis da aprendizagem – do efeito, do
nossa atenção. Referimo-nos ao fato de que exercício, do reforçamento etc. – pressupõem,
em se tratando da maioria de profissionais da necessariamente, a existência de uma
nossa área, neles semelhantes apreciações e associação E (Estímulo) – R (Resposta).
considerações próprias da tradição, em sentido Assim, a aprendizagem é entendida como a
lato, behaviorista-reflexológica. consolidação de determinadas respostas
exitosas dadas por um organismo, que se

25
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

caracteriza por sua plasticidade. Tal organismo controle direto, intencionado pelo pedagogo,
behaviorista, como é batizado por Lajonquière psicopedagogo ou aluno.
(1992), está dotado de uma bagagem A meu ver o erro representa a ponta de
hereditária mínima de respostas comuns à um iceberg que não só se desloca
espécie que funciona como cenário e é em seu arbitrariamente, mas está empenhado em
interior que as associações bem-sucedidas colidir com tudo o que se interpõe à sua frente.
ocorrem. A partir dos reflexos hereditários, ou É este caminho do erro que tentaremos rastrear
incondicionados na terminologia behaviorista, ao longo da aula.
associam-se os aprendidos que variam em Segundo Lajonquière o discurso
complexidade. As associações aprendidas, cotidiano veicula, junto às diversas construções
resultado de interações com o ambiente, são o imaginárias, colocadas a serviço do
centro das preocupações pedagógicas e desconhecimento, algo da ordem da Verdade
psicopedagógicas. Suas leis, mais ou menos (do desejo). Para esse discurso, os erros são
independentes desse organismo plástico, manifestações de uma substância misteriosa.
podem ser controladas (cientificamente) por De uma certa maneira, a Psicopedagogia, em
pedagogos e psicopedagogos. sua abordagem psicanalítica, aproxima-se
Portanto, no interior da tradição desse imaginário cotidiano, na medida em que
experimentalista não existe um conceito compreende os erros como fraturas do
definido para o que ocorre entre o estímulo (E) pensamento ou vicissitudes que um sujeito
e a resposta (R) que possa, em última suporta nas suas aprendizagens.
instância, ser responsabilizado pelas Entretanto, o discurso pedagógico
vicissitudes da aprendizagem. O erro é visto hegemônico ainda repousa na ilusão de que
como uma associação malsucedida que tanto saber é poder, acreditando que conhecendo as
pode ser revertida, com maior ou menor leis da aprendizagem o pedagogo detém o
poder de calcular o efeito dos métodos que
coloca em ação, supondo que pode calibrar o
dificuldade, por meio de uma nova valor dos estímulos que apresenta aos olhos do
programação cuidadosa de estímulos, como aluno. Tal crença, que Freud diria estar
podemos evitar o erro ao utilizarmos o exercício animada pelo desejo pedagógico, impõe-se
e o reforçamento. também no campo da Psicopedagogia Clínica,
Para os behavioristas-reflexológicos o configurando toda uma coleção de ortopedias
conhecimento nada mais é do que um acúmulo reeducativas que buscam atar o que foi
de condutas estáveis que resultam do jogo de desatado.
inter-relações E-R, sobre o qual podemos Na verdade, o behaviorismo não é a
intervir diretamente e quantas vezes forem única teoria psicológica que alimenta a ilusão
necessárias. Contudo, os supostos erros ou pedagógica; outras abordagens também
dificuldades na aprendizagem nos mostram disputam a primazia.
que a construção de conhecimentos está  A psicologia das faculdades
regulada por leis que se situam além do mentais ou cognitivismo que, embora
interponha entre o estímulo (E) e a resposta (R)

26
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

noções típicas da Psicologia Geral  Cabe salientar que posições


(consciência, memória, atenção, motivação extremadas geram, por combinação, uma
etc.), crê que pode controlar a consciência, diversidade de posturas intermediárias que, por
atenção etc., como se essas noções sua vez, aumentam a confusão da paisagem
assumissem o papel de entidades. teórica. Mas, nessa paisagem sempre se pode
 Algumas versões dos textos encontrar os elementos intermediários ou as
freudianos que apostam na capacidade variáveis intervenientes do behaviorismo.
adaptativa do Ego.
Tais posturas também contribuem,
 Leituras equivocadas da teoria segundo Lajonquière, para traçar a linha
piagetiana que, ao se extasiarem com a divisória entre aquilo que na área educacional
descrição fenomenológica dos estágios de chama-se geralmente de “aprendizagem” e de
desenvolvimento, reforçam a crença de que é “desenvolvimento” (1992, p. 16).
possível fundar uma pedagogia mais científica. Temos, assim, duas possibilidades
Essas três perspectivas psicológicas, ao teóricas de pensar a aprendizagem. A primeira
responsabilizarem um elemento intermediário acredita que algo se interpõe entre o estímulo
pelas aprendizagens – consciência, ego ou (E) e a resposta (R), e supõe que esse algo,
inteligência –, acabam por simplificar demais a seja lá o que for – consciência, inteligência,
complexidade e a dinâmica do verbo aprender, afetividade ou organismo –, sempre se
reduzindo os elementos intermediários à desenvolve de uma certa maneira que a
condição de escravos obedientes da possibilidade de adquirir conhecimentos
Pedagogia. Será que esse truque é possível? depende, em última instância, dele. A segunda
Mas, as tentativas de redução da possibilidade teórica apresenta dois
aprendizagem a algo controlável pela pressupostos similares: nada se interpõe ou
Pedagogia não param por aí. Tão perigoso considera que interposição de substância
quanto buscar apoio em leituras apressadas da alguma justifica a responsabilidade pelo
Psicologia é o apelo à Medicina e à Psiquiatria, processo de construção de conhecimentos.
como forma de excluir crianças e adolescentes Na primeira possibilidade teórica estão
das salas de aula por meio de laudos médicos situadas as chamadas psicologias do
que supostamente justificam o fracasso escolar desenvolvimento ou evolutivas, agrupadas em
desses alunos. monádicas e diádicas, segundo Saal e
Temos, então, uma configuração nesse Braunstein (1980). As psicologias monádicas,
cenário teórico da Psicopedagogia de três conforme está indicado em seu nome, partem
posturas profissionais extremas: do pressuposto de um indivíduo equipado
 nenhuma intermediação é desde a origem (uma mônada) com uma
possível; consideram algum tipo de bagagem de potencialidades que se
intermediação psicológica sujeita ao controle; desenvolve naturalmente segundo um
 acreditam que a chave da processo predeterminado de maturação
aprendizagem está colocada na lógica da intelectual, afetiva ou neurológica. Dessa
maturação do organismo. maneira, é consignado ao meio ambiente –
físico, familiar e/ou social – o poder de aportar

27
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

ou negar os recursos necessários para que o constatação no organismo de alterações


processo endógeno se desenvolva com anátomo-fisiológicas, então, as “dificuldades”
sucesso. apresentadas pelo aluno no processo de
Já as psicologias diádicas enfatizam a aquisição de conhecimento não podem ser
inter-relação entre o indivíduo e a sociedade diagnosticadas como problemas de
como se fossem duas entidades pré- desenvolvimento, mas como meros “problemas
constituídas, nos legando, como herança de aprendizagem”.
teórica, a obrigação de conceituar os diversos Ao invés de apresentar as diversas
modos de adequação desses termos opostos razões que poderiam justificar esse mecânico
(indivíduo e sociedade). Será que esses termos hábito profissional, vamos nos deter em uma
são complementares como duas faces da delas, descrita por Lajonquière (1992, p. 18): a
mesma moeda? Ou terão importâncias fascinação que sempre produz a visão de um
diferentes, um sendo superior ao outro? E organismo mais ou menos maltratado.
iremos formulando questões até a exaustão, Efetivamente, nessas oportunidades o fato de
sem que consigamos perceber que, uma vez que se constate (seja por formas simples ou
colocado o problema teórico em termos de pré- com o auxílio de aparelhos de medição e
constituição, não teremos como escapar da exame) que esse “corpo”, enquanto mero
clássica pergunta: quem nasceu primeiro, o ovo organismo, está em falta, funciona como um
ou a galinha? verdadeiro divisor de águas. Isto não poderia
A segunda possibilidade teórica ser de outro modo já que, com maior ou menor
funciona como base de apoio para constituição clareza, o sentido comum que domina o espírito
de todas as psicologias e teorias de de boa parte dos psicopedagogos considera
aprendizagem que, em menor ou maior grau, que o psiquismo não é outra coisa que um
inscrevem-se na tradição behaviorista- epifenômeno do orgânico.
reflexológica. Como já apontei anteriormente, o Dessa maneira, o caráter de
papel determinante é colocado no meio incapacidade em pauta determina o destino do
material e físico, do qual o pedagogo e o desenvolvimento das funções cognitivas e/ou
psicopedagogo selecionam, de maneira psicomotoras, e, nestes casos, só caberia levar
científica, os estímulos a serem ensinados ou adiante uma prática reparadora que, por meio
1
mostrados . de exercícios mecânicos, pudesse recuperar os
Em certo sentido, o que acontece no tecidos materiais danificados.
plano teórico reinscreve-se no cotidiano da Como consequência desses
prática psicopedagógica. Assim, muitos pressupostos, a seguinte correlação é definida:
profissionais se deparam com um dilema quanto maior o dano orgânico, tanto menor o
quando precisam decidir o que realmente têm espaço que resta para o que pertence ao
pela frente: um problema de desenvolvimento psicológico. Assim, fica estipulado que o dano
ou, pelo contrário, um problema de e a prática psicopedagógica adquirem o perfil
aprendizagem? Para resolver a questão, em de uma mecânica ortopédica de reabilitação do
suas rotinas diárias, esses profissionais doente escolar, junto com uma estratégia de
recorrem à seguinte solução: se não há

28
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

consolo psicológico (muitas vezes apelidado de moldura, mas podem ser situadas em uma
apoio psicológico). zona de claro-escuro.
A teoria freudiana nos apresenta uma Para continuar avançando nesse
outra maneira de pensar: o organismo funciona campo teórico, incluo um trecho de um relato
como o suporte de inscrição significante. Os clínico que pertence a Clemência Baraldi
significantes (como os nomeou Lacan), ou seja, (1986) e vamos nos referir a ele com o nome
as representações psíquicas inconscientes fictício: “o caso de Joana”. Contudo, é
freudianas relacionam-se entre si e compõem necessário advertir que o relato clínico não
um texto escrito e inscrito sobre e entre a(s) deve ser considerado como um exemplo
nossa(s) carne(s) e nosso corpo. Dessa forma, individual de uma teoria geral, de tal maneira
o organismo que se constitui como uma que, quanto maior fosse a quantidade de casos
estrutura anatômica, efeito da ação das leis da coletados, mais verdadeira seria a teoria. É o
herança biológica, precisa suportar os efeitos próprio campo da Psicanálise que a si mesmo
do trabalho cirúrgico realizado pelos impõe seus limites e critérios de validade, e é
significantes que o recortam, o modelam e o neste sentido que deve ser entendido que um
permeiam, até a desfiguração para que se torne caso Joana vai se revelar tão pertinente como
mais mito do que realidade. As histéricas de qualquer dos cinco casos de Freud que, até
Viena demonstraram o que acabei de hoje, guiam a práxis clínica de qualquer
descrever sobre a teoria freudiana, pois essa psicanalista.
nos abre os olhos para que, onde pensávamos Joana já estava há dois anos em
ver um organismo, pudéssemos escutar o tratamento quando, um belo dia, fez uma
resmungar de um corpo. descoberta surpreendente: o aparente pode ser
A esse respeito Jerusalinsky (1988, p. enganoso. Joana aparecia como “tonta”, assim
24) é bastante claro: a dimensão psíquica, era significada por sua mãe e pela escola.
embora parta dos mecanismos físico-biológicos Entravada com a concepção que as pessoas
dos quais o organismo é capaz, reconhecendo tinham dela, repetia frequentemente: “não vou
nesses mecanismos certos limites enquanto conseguir porque eu sou tonta”. Aos dez anos,
impossibilida de, retorna sobre eles chegando ela não conseguia sustentar a conservação da
a modificar até sua própria mecânica. Assim, quantidade, mantendo-se assim em um
seja qual for a capacidade que reconheçamos pensamento pré-lógico que lhe impedia
no organismo, a sorte das funções psicológicas qualquer aprendizagem operatória. Por isso
e psicomotoras nunca será determinada, em seu desempenho acadêmico em Matemática
última instância, pela biologia, mas pela ordem era péssimo.
da palavra regida pelo significante. As intervenções de Clemência Baraldi
Embora tenha descrito posturas na terapia psicopedagógica de Joana
teóricas extremas, agrupando-as como dia e apontavam no sentido de lhe tirar de sua
noite, cabe salientar que, muitas vezes, certeza “sou uma tonta” lhe mostrando espaços
também encontramos outras teorias onde a reflexão fosse factível. Em uma sessão,
psicológicas que não se encaixam nessa ela correlacionou pontualmente as fichas

29
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

brancas com as pretas. Para cada branca uma legalidade que o transcende. Piaget nos
preta (correlação termo a termo para Piaget). explicaria que essa legalidade é própria da
Depois, Clemência agrupou as brancas inteligência. Freud diria que essa legalidade é
e lhe perguntou: onde tem mais? Dessa vez, própria do (desejo) inconsciente. E a teoria
Joana não ficou presa à correspondência psicopedagógica, que vislumbro como
perceptível e, passado um pequeno tempo, possível, apontaria que a legalidade é própria
respondeu: “Parece que tem mais pretas que da interseção da inteligência com o
brancas, porém há a mesma quantidade de inconsciente.
brancas que de pretas... parece alguma coisa, Assim, para Baraldi (1996, p. 15): “[...]
mas não é... talvez eu pareça tonta mas não o erro ou a fratura no aprender se apresenta
seja”. como sendo um efeito não casual de uma
Joana acabava de afirmar a articulação significativa entre o “potencial
permanência da quantidade, portal de entrada intelectual” afetado e a dramática subjetiva
para a lógica matemática e para outras tantas inconsciente2 na qual um sujeito se encontra
questões, mas o efeito desse saber não se aprisionado”.
limitou a determinados conhecimentos, Joana não ficou mais prisioneira da
destronou uma convicção “sou tonta”, correspondência perceptível (o imaginário),
possibilitando agora o sucesso em outras quando pôde diferenciar entre “ser tonta” e “ter
aprendizagens. O que aconteceu não foi devido a aparência de tonta”. O erro é removido e
somente a uma estrutura de conhecimento Joana continua seu trabalho de (re)construção
capaz de processar a nova aprendizagem, mas do conhecimento socialmente compartilhado
ao fato de Joana ter se tornado alguém capaz quando o saber de seu inconsciente (freudiano)
de querer saber. E o vice-versa também é a comove.
igualmente verdadeiro – só foi possível Se os conhecimentos errados se
conhecer quando algo deste saber do desbaratam no instante mesmo que irrompe um
inconsciente se viu desconstruído. saber que diz respeito à verdade (do desejo) do
Cabem algumas perguntas. Como sujeito, então, na determinação do erro, ele
Joana consegue remover de seu cotidiano o também deve estar implicado. Não há por que
erro de sempre? Como esse erro é desmontado ficarmos perplexos diante das leis e dos fatos
para surpresa da própria Joana? De onde surge psíquicos, pois também estamos sempre
esse outro paradoxal saber sobre si mesma obrigados perante as leis sociais, seja por ação
que lhe dá a chave para construir um ou por omissão. Neste sentido, quando a
conhecimento além das aparências? Psicopedagogia volta-se para a elucidação do
Podemos supor que se Joana estatuto do erro está, simultaneamente,
habitualmente erra, deve existir uma razão, ou assentando as bases de uma teoria das
seja, o erro deve ser produzido conforme aprendizagens.
alguma legalidade. Portanto, essa legalidade Freud nos ensinou a remar contra a
tanto deve transcender o erro, quanto o seu correnteza acadêmica e as certezas da
surgimento escapa a todo e qualquer controle. Psicologia de sua época. Partindo do barulho
Nada resta ao erro senão ser o efeito de uma que os erros cometidos pelos alunos provocam

30
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

nos espaços educacionais e da família, será Começaremos nossa aula procurando


possível desmascarar a natural e tranquila recordá-lo sobre o que significa Ética, este
normalidade do fracasso escolar. conceito muito falado, mas pouco entendido.
Lajonquière (1992, p. 26) enfatiza
ainda: “Se a fratura do pensamento nos mostra UM POUCO DE ÉTICA
(na realidade somos nós que “vemos” nela) um
choque entre a ordem do(s) conhecimento(s) e Como nos ensina Contrin (1997, p.
a ordem do(s) saber(es), então, esta díade 223), “Ética é a parte da Filosofia que busca
deve estar sempre, e em última instância, refletir sobre o comportamento humano sob o
sutilmente estruturada”. ponto de vista das noções de bem e de mal, de
A díade que o autor se refere é justo e de injusto. Tem duplo objetivo: a)
conhecimento e saber. Conhecimento como elaborar princípios de vida capazes de orientar
efeito da inteligência que o produz a seu modo o homem para uma ação moralmente correta;
e o saber como efeito do (desejo) inconsciente b) refletir sobre os sistemas morais elaborados
que também o produz, a sua maneira. É essa pelo homem”.
díade que, resistindo, esquecendo e repetindo, Assim, vemos que a Ética baseia-se
determina as vicissitudes de um sujeito em em uma filosofia de valores compatíveis com a
suas aprendizagens, e é ela que se interpõe natureza e o fim de todo ser humano, por isso,
entre os clássicos estímulos e respostas. “o agir” da pessoa humana está condicionado a
duas premissas consideradas básicas pela
A PSICOPEDAGOGIA Ética: “o que é” o homem e “para que vive”, logo
LEGISLADA: O TRABALHO toda capacitação científica ou técnica precisa
ÉTICO DO
estar em conexão com os princípios essenciais
PSICOPEDAGOGO
da Ética.
Parece, no entanto, ser uma tendência
Vamos falar um pouco sobre a
do ser humano a de defender, em primeiro
legislação que rege a atividade
lugar, seus próprios interesses e, quando esses
psicopedagógica.
interesses são de natureza pouco
Como vimos na aula três (caso não
recomendável, ocorrem seríssimos problemas.
lembre, volte a ela), a Psicopedagogia é um
Egresso de uma vida inculta,
campo de atuação que abrange,
desorganizada, baseada apenas em instintos,
prioritariamente, as áreas de Saúde e
o homem, sobre a Terra, foi-se organizando em
Educação e o psicopedagogo deve atuar, como
busca de uma estabilidade vital. Foi cedendo
todo profissional, baseando todo seu
parcelas do referido individualismo para se
procedimento dentro de princípios éticos e
beneficiar da união, da divisão do trabalho, da
morais. Estas normas de atuação são
proteção da vida em comum. A organização
estabelecidas pelo Código de Ética elaborado
social foi um progresso, e em função dela,
pelo Conselho Nacional da Associação
estabeleceu-se uma definição, cada vez maior,
Brasileira de Psicopedagogia e que tem por
das atividades dos cidadãos. Tal definição
base as leis que regem a profissão.
acentua gradativamente, por sua vez, o limite

31
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

de ação das classes e de cada indivíduo dentro ÉTICA PROFISSIONAL


de sua classe.
Sabemos que entre a sociedade de Partindo do conceito básico de ética
hoje e aquela primitiva não existem mais níveis que vimos acima, podemos entender ética
de comparação quanto à sua complexidade. profissional como sendo um conjunto de
Devemos reconhecer, porém, que, nos núcleos normas de conduta que precisam ser postas
menores, o sentido de solidariedade é bem em prática durante o exercício de qualquer
mais acentuado, assim como os rigores éticos. atividade profissional. Esta normatização tem
Poucas comunidades de maior dimensão como principal finalidade regular o
possuem, na atualidade, o espírito comunitário; relacionamento do profissional com sua
também, com dificuldades, enfrentam as clientela, visando à dignidade humana e à
questões classistas. A vocação para o coletivo construção do bem-estar no contexto
já não se encontra, nos dias atuais, com a sociocultural em que exerce sua profissão.
mesma pujança nos grandes centros. Sendo a ética inerente à vida humana,
Parece-nos cada vez menos sua importância é bastante evidenciada na vida
entendido, por um número expressivo de profissional, porque cada profissional tem
pessoas, que existe um bem comum a defender responsabilidades individuais e
e do qual elas dependem para o bem estar responsabilidades sociais, pois envolvem
próprio e o de seus semelhantes, havendo uma pessoas que dela se beneficiam. No caso
inequívoca interação que nem sempre é específico do psicopedagogo, esta
compreendida pelos que possuem espírito responsabilidade cresce de importância se
egoísta. Este incremento do individualismo levarmos em conta que a maior parte de sua
gera sempre o risco da transgressão ética e, atividade é desenvolvida com jovens em
assim, imperativa se faz a necessidade de uma formação.
tutela por intermédio do estabelecimento, por Os psicopedagogos devem seguir
escrito, de normas que disciplinem as condutas certos princípios éticos que estão condensados
humanas, dizendo se elas são ou não éticas. no Código de Ética, devidamente aprovado em
É sabido que uma disciplina de conduta 19 de julho de 1996, na Assembléia Geral do III
protege a todos, evitando o aparecimento de Congresso Brasileiro de Psicopedagogia da
uma situação de caos que pode imperar Associação Brasileira de Psicopedagogia –
quando se outorga ao indivíduo o direito de ABPp que, em seus vinte artigos regulamenta,
tudo fazer, ainda que prejudicando terceiros. É dentre outras, as seguintes situações:
preciso que cada um ceda alguma coisa para  Os princípios da
receber muitas outras e esse é um princípio que Psicopedagogia;
sustenta e justifica a prática virtuosa perante a  As responsabilidades dos
comunidade. O homem não deve construir seu psicopedagogos;
bem às custas de destruir o de outros, nem  As relações com outras
admitir que só existe a sua vida em todo o profissões;
universo.  O sigilo;
 As publicações científicas;

32
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

 A publicidade profissional; a) Manter-se atualizado quanto


 Os honorários; aos conhecimentos científicos e técnicos que

As relações com a Educação e Saúde; tratem o fenômeno da aprendizagem humana.

 A observância e cumprimento b) Zelar pelo bom relacionamento

do Código de Ética; As disposições gerais. com especialistas de outras áreas, mantendo


uma atitude crítica, de abertura e respeito em
Dentre seus artigos, destacamos, por
relação às diferentes visões do mundo.
sua relevância, os seguintes:
c) Assumir somente as
Artigo 2.º
responsabilidades para as quais esteja
A Psicopedagogia é de natureza
preparado dentro dos limites da competência
interdisciplinar. Utiliza recursos das várias
psicopedagógica.
áreas do conhecimento humano para a
compreensão do ato de aprender, no sentido d) Colaborar com o progresso da

ontogenético e filogenético, valendo-se de Psicopedagogia.

métodos e técnicas próprios. e) Difundir seus conhecimentos e


Como vemos neste artigo, o prestar serviços nas agremiações de classe

psicopedagogo, apesar de poder valer-se de sempre que possível.

recursos advindos de outras áreas do saber f) Responsabilizar-se pelas


para a compreensão dos processos de avaliações feitas, fornecendo ao cliente uma
aprendizagem deve, em sua prática, utilizar-se definição clara do seu diagnóstico.
de métodos e técnicas próprias da g) Preservar a identidade, parecer
Psicopedagogia. e/ou diagnóstico do cliente nos relatos e
Artigo 4.º discussões feitos a título de exemplos e
Estarão em condições de exercício da estudos de casos.
Psicopedagogia os profissionais graduados em h) Responsabilizar-se por críticas
3º grau, portadores de certificados de curso de feitas a colegas na ausência destes.
Pós-Graduação de Psicopedagogia, ministrado i) Manter atitude de colaboração
em estabelecimento de ensino oficial e/ou e solidariedade com colegas sem ser conivente
reconhecido, ou mediante direitos adquiridos, ou acumpliciar-se, de qualquer forma, com o
sendo indispensável submeter-se à supervisão ato ilícito ou calúnia. O respeito e a dignidade
e aconselhável trabalho de formação pessoal. na relação profissional são deveres
Este artigo nos mostra, claramente, a fundamentais do psicopedagogo, para a
preocupação que a ABPp tem no sentido de harmonia da classe e manutenção do conceito
que os psicopedagogos tenham uma atuação público.
técnico-profissional calcada em uma formação Por este artigo vemos a preocupação
acadêmica bem estruturada e sob uma em estabelecer e normatizar o procedimento
supervisão de outros profissionais qualificados. ético do psicopedagogo, particularmente em
Artigo 6.º
suas relações com seus clientes e com os
São deveres fundamentais dos profissionais de outras áreas, visando evitar
psicopedagogos: conflitos e/ou malentendidos que possam

33
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

prejudicar individual ou coletivamente a  da Psicologia Social e da


imagem da Psicopedagogia. Sociologia buscou-se os conceitos que
É interessante que você tome apresentam a formação social do homem, no
conhecimento de todos os artigos deste Código qual o processo de aprendizagem estabelece-
de Ética assim que for possível. Ele está se por meio da interação nos grupos sócio
disponível na página da ABPp – históricos em que este indivíduo está inserido;
http://www.abpp.com.br/regulamentacao_etica  da Psicologia Genética e da
.htm. Epistemologia interessa-se pelo processo de
desenvolvimento humano a análise e a
O RECONHECIMENTO DA descrição dos processos de construção do
PROFISSÃO DE conhecimento;
PSICOPEDAGOGO
 da Neuropsicologia resgata-se
os conhecimentos que explicam o
Após termos visto o Código de Ética,
funcionamento do cérebro humano e sua
você pode estar se perguntando: a criação de
reação aos estímulos psicológicos.
um código é suficiente para uma profissão se
estabelecer? Este código regulamenta tudo o Como podemos perceber, nenhuma

que precisamos para atuar profissionalmente? destas áreas, nem as outras utilizadas pela

Podemos lhe responder que não. Em Psicopedagogia em busca de seu

nosso país, uma profissão que possua bases embasamento teórico, tem como objeto

científicas e pretenda ser oficialmente específico de estudo os processos de

reconhecida, necessita passar por uma série de aprendizagem; porém, fornecem subsídios

fases que culmina com a elaboração e para que se possa estudar e entender

aprovação de uma Lei Federal para legitimar- cientificamente os mecanismos pelos quais a

se. aprendizagem se processa. Isso nos mostra o

A primeira destas fases constitui-se na caráter interdisciplinar e a existência de uma

busca de uma base científica que dê área bem caracterizada de atuação da

sustentação teórica à atuação profissional. Psicopedagogia.

Nessa fase, a Psicopedagogia buscou e Na segunda fase, realiza-se uma

reelaborou em diversas áreas científicas afins organização dos profissionais que atuam na

os conhecimentos necessários para seu “fazer” área, buscando integrar o conhecimento

profissional. Dentre outras, poderíamos citar as científico já individualmente auferido e

seguintes: estabelecer uma prática coerente e


sistematizada, delineando um perfil de atuação
 da Psicanálise, utiliza-se dos
calcado em um embasamento teórico-
conceitos de inconsciente e das
metodológico próprio. Para fazer frente a esta
representações que operam na dinâmica
fase, os psicopedagogos brasileiros criaram,
psíquica e que se expressa por sintomas e
em 1980, a Associação Paulista de
símbolos. Estes conceitos permitem ao
Psicopedagogia que deu início aos estudos e
psicopedagogo resgatar em seu cliente o
pesquisas na área. Em 1984, sentindo a
desejo de aprendizagem;
necessidade de ampliar essas discussões, foi

34
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

criada a Associação Brasileira de Para que você possa ter uma noção,
Psicopedagogia que hoje se encontra apresentamos abaixo uma síntese do
espalhada, por intermédio de suas seccionais, documento encaminhado.
por quase todo o país. Sob os auspícios desta Após esta breve apresentação, você
nova entidade, vêm sendo realizados talvez ainda esteja se perguntando para que é
periodicamente congressos nacionais e necessário regulamentar a profissão. Por quê
internacionais, buscando ampliar e divulgar os interessa ao psicopedagogo ter sua profissão
conhecimentos inerentes à profissão. regulamentada?
Uma terceira fase pode ser entendida Quem nos responde estas questões é
como sendo a integração dos conhecimentos a Drª Maristela Figueiredo (1998, p. 20),
técnicos e científicos ao poder público, segundo ela, a lei traz diferenças que nos
possibilitando fomentar ações populares em importam, pois queremos valer a ética e
benefício das classes mais carentes e referendar a formação do profissional
disseminar a utilização da práxis no âmbito do psicopedagogo, garantindo-nos, também, o
sistema educacional. Neste particular, a ABPp registro legal, contemplado o rigor da
vem, desde 1988, como nos diz Scoz (1998), legislação, traz a complementaridade de nossa
trabalhando no sentido de conseguir área de conhecimento. Queremos abrir
regulamentar a profissão de psicopedagogo. horizontes, percorrer lugares e espaços não
Contou neste particular, segundo esta autora, percorridos, não caminhados, socializando
com o auxílio de profissionais de outros países, nossa intervenção. [...] queremos colaborar na
particularmente da Argentina, além de história da construção de nosso país,
orientação de políticos brasileiros na enxergando que não vamos resolver todos os
elaboração do projeto de lei nacional que problemas. Contribuir como podemos,
atendesse a todos os requisitos teóricos e buscando em nosso cotidiano, em nossas
legais para ser submetido ao Congresso convivências, dando sentido de autonomia
Nacional. cidadã aos nossos atos.
Após um longo e exaustivo trabalho, Mais adiante, prossegue (p. 21):[...] se
finalmente em 1996, durante o III Congresso o objeto de nosso debate é a regulamentação
Brasileiro de Psicopedagogia, este documento de uma profissão, seria interessante
é apresentado para aprovação dos lembrarmos o que é uma profissão. Os
psicopedagogos sob o título A dicionários dizem que profissão é uma
Regulamentação da Profissão Assegurando o atividade ou uma ocupação especializada que
Reconhecimento do Psicopedagogo (o texto requer certo preparo. [...] por que regulamentar
completo encontra-se à disposição nos Anais profissões? Estamos regulamentando uma
do Congresso). Depois de lido e aprovado com série de profissões. Acredito que todas elas têm
algumas emendas no plenário do evento, o refletido uma necessidade da sociedade
documento final foi entregue ao Sr. deputado brasileira, pelo menos uma diretriz, um rumo,
federal Barbosa Neto que o apresentou que ela nos dá para regulamentarmos tantas
formalmente ao Congresso Nacional para a sua profissões. Se esta é uma profissão, um ramo
tramitação legal.

35
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

– e todos acreditamos que seja – então teria psicopedagogo apoiar e orientar a ação
que ser regulamentada. educativa, possibilitar e estabelecer critérios
Poderíamos completar a para melhorar o projeto pedagógico e/ou
argumentação sobre a necessidade desta institucional e o desenvolvimento e avaliação
regulamentação utilizando-nos das palavras do dos processos educacionais. A
deputado federal Santos Mabel citado no Psicopedagogia, em qualquer dos seus
plenário da Câmara dos Deputados Federais campos de atuação profissional, tem como
em 6 de junho de 2000. Segundo ele (p. 24), objetivo primordial construir uma ponte de
regulamentar uma profissão implica, também, a união entre a teoria explicativa e a ação prática.
determinação de deveres e a imposição de  Vejamos agora o trabalho do
penalidades àqueles que vierem a exercê-la de psicopedagogo nos diversos campos.
forma incompetente ou divorciada dos  Relacionados com as práticas
princípios relativos à ética profissional, o educativas escolares:
exercício de qualidade, como assim se espera  atendimentos de orientação
em favor da defesa dos direitos da sociedade e educacional e psicopedagógica; elaboração de
do cidadão. Devem ser fiscalizados por órgãos materiais didáticos e curriculares;
que tenham a respectiva competência, razão  avaliação de programas e
por que se tornaria imperiosa a criação de projetos pedagógicos; planejamento e gestão
conselhos profissionais propostos no projeto. escolar; formação de professores; pesquisa
O projeto de Lei que regulamenta a educacional.
profissão de psicopedagogo já passou com
Embora essa listagem refira-se ao
parecer favorável pelas Comissões de
trabalho psicopedagógico voltado para as
Trabalho, Administração e Serviço Público,
práticas educativas escolares, é preciso, ainda,
Constituição e Justiça e Educação, Cultura e
que tenhamos em mente duas questões
Desportos.
bastante delicadas que dizem respeito, de
Você pode acompanhar o andamento
maneira direta, à Psicopedagogia. Primeiro, a
deste projeto de lei no Congresso Nacional pelo
relação entre teoria e prática, com a
site –
preocupação de fazer uma verdadeira teoria da
<www.abpp.com.br/regulamentacao_prof.ht
prática e, ao mesmo tempo, com o objetivo de
m.>
introduzir um pouco mais de teorização na
compreensão do saber prático. A outra questão
OS CAMPOS DE AÇÃO que precisa ser discutida é a relação entre
PROFISSIONAL DO
Psicologia e Didática. O primeiro aspecto é que
PSICOPEDAGOGO:
ESCOLA, CLÍNICA E a Psicologia não é suficiente para dar conta da
EMPRESA teorização em Educação. A Pedagogia e a
Didática não se reduzem à Psicologia, mas, ao
Comecemos por definir a função mesmo tempo, a Didática não pode dispensar
primordial do psicopedagogo, sem nos atermos a contribuição da Psicologia. E não sairemos
aos seus campos de ação profissional. Assim, desse círculo vicioso sem a ajuda de um
podemos afirmar que compete ao terceiro elemento: a Psicopedagogia.

36
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Especificando um pouco mais, por eles e, ainda precisa ser feita por essa
focalizemos, em Piaget, a interação teoria da prática educacional. E em que
sujeito/objeto que corresponde em Vygotsky à consiste a revolução didática? Consiste em
interação adulto/criança, com ênfase na propor ao aluno situações que vão
proposta teórica contida na zona de desestabilizá-lo. Essas situações
desenvolvimento proximal. Considerando a desestabilizadoras, graças à ação auxiliar do
ideia de esquema, em Piaget – o esquema professor, poderão ser incorporadas pelo
comporta objetivos e antecipações, regras de aluno, para seu proveito. E, novamente,
ação, inferências, invariantes operatórias – um podemos vislumbrar o trabalho do
desdobramento dessa abordagem é: como a psicopedagogo escolar agindo em prol da
intervenção do professor poderá atingir um ou construção dos conhecimentos docentes e
mais aspectos daqueles que fazem parte do discentes necessários à revolução didática
conceito de esquema? junto com a formação em serviço do professor.
Quando Vygotsky propõe, no que diz A palestra conferida pelo professor
respeito à zona de desenvolvimento proximal, Gerard Vergnaud, A gênese dos campos
que se trata de um espaço de atividade conceituais, na III Conferência Nacional de
conjunta do professor e do aluno (e dos alunos Educação, Cultura e Desporto, que aconteceu
entre si, em que o professor ajuda, auxilia o em Brasília, em dezembro de 2002, sistematiza
aluno a fazer algo que este, sozinho, não a complexidade do aprender na teoria profunda
poderá fazer, mas que em breve poderá), em do campo conceitual, e retira das situações
que consiste essa ajuda? pontuais e localizadas, que tinham sido
Considerando o professor como privilegiadas por Jean Piaget, abrindo um
mediador, o que é uma ideia vygotskiana, há horizonte para o campo da Didática – e me
muitos tipos possíveis de atos de mediação aos atrevo ao dizer para o campo da
quais o professor pode recorrer. O primeiro ato Psicopedagogia Escolar – a partir de situações,
de mediação possível é a escolha de uma procedimentos, representações simbólicas e
situação para os alunos. Vygotsky não diz conceitos.
praticamente nada sobre a escolha da situação Trago o exemplo citado por Vergnaud
porque na época ele não dispunha dos na palestra para ilustrar o trabalho do
instrumentos teóricos e metodológicos para psicopedadogo na escola. Primeiro, o professor
isso, de forma a escolher, com conhecimento pergunta para a plateia a quantas anda o
de causa, situações que tivessem relação com ensino da Geometria no Brasil, se ela é muito
o conteúdo que era destinado ao ensino. ensinada ou não. Foi respondido, pelo
Infelizmente, também em Piaget não auditório, que há muitas décadas a parte de
encontramos essa resposta. Geometria nos programas é deixada para o fim
É fácil apontar o que falta em Piaget e do ano letivo e, muitas vezes, falta tempo para
o que falta em Vygotsky, mas no que diz abordá-la satisfatoriamente, ao que ele se
respeito ao que é essencial ao trabalho da manifestou com a expressão: “É lamentável”.
Psicopedagogia escolar – a revolução didática Ressaltou que a Matemática nasceu da
– , é possível argumentar que ela não foi feita Geometria e da Medida de Quantidades. Na

37
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

França também se estudava pouca Geometria, compreenderam. Isso lhe permitirá escolher as
mas agora esse ensino começa a se próximas atividades.
desenvolver. E o paradoxo é que uma criança O terceiro ramo relacionado com a
a partir dos dezoito meses ou de dois anos já geometria do espaço é a geometria das
tem um formidável conhecimento de espaço. transformações. Como construir com os alunos
Aliás, Piaget estudou bastante esse processo. o conhecimento da geometria das
A Geometria tem relação com essa atividade de transformações? Criando situações
representação do espaço, mas também tem educacionais que permitam experimentar esse
algumas descontinuidades em relação a esse conhecimento. Assim, por exemplo, pode-se
conhecimento anteriormente desenvolvido pela solicitar ao aluno que reproduza, de forma
criança. idêntica, uma determinada figura. Há nesta
Que tipo de situação educacional em tarefa possíveis variações: figuras mais fáceis
sala de aula o professor pode criar para ensinar ou mais difíceis, suportes de auxílio presentes
a Geometria? Pierre Gréco considerava que ou ausentes, como folha quadriculada, régua,
havia três domínios interessantes que podiam compasso etc. Outra tarefa pode ser completar
ser transpostos para o ensino escolar. O uma figura a partir de um texto, descrevendo as
primeiro é a geometria dos seres geométricos – propriedades de uma figura ou de um cenário
o quadrado, o retângulo, o losango, o cubo, a em construção. Aí temos, necessariamente, a
esfera... – com suas respectivas propriedades. passagem de uma forma predicativa, uma
O segundo é a geometria das posições e das linguagem natural, para uma forma operatória,
referências: onde estou em relação à outra uma execução.
pessoa? O que pode ser trabalhado em sala de Para concluir esse tópico, sintetizo as
aula? Por exemplo: Maria está à esquerda de três ações psicopedagógicas importantes ao
Pedro? Pedro está à direita de Bruno? E ele cotidiano da sala de aula. A primeira é a
está à esquerda de outros dois alunos em escolha de situações – encenações, jogos e
relação a Pedro? A quantos metros do dramatizações – junto com o professor e a
professor está Maria? Pode-se dizer que o partir do currículo escolar para os conteúdos a
professor está no mesmo plano frontal ou um serem ensinados e aprendidos. A segunda é o
pouco deslocado? auxílio oferecido ao aluno quando ele entra na
No que diz respeito a essa temática, é situação. Isso ninguém pode fazer pelo
preciso frisar que as crianças entre três e sete professor e exige discernimento, firmeza e
anos desenvolvem um considerável acervo de muita atenção para aqueles sinais
competências. Contudo, é importante e manifestados pelo aluno em termos de
coerente propor situações de avaliação que compreensão ou não-compreensão.
permitam verificar o desenvolvimento das Novamente, entra o trabalho do psicopedagogo
competências, tanto do fazer como do dizer. A escolar, agindo como uma rede de sustentação
proposição básica desse instrumento é dar teórico prática para o professor e a serviço do
subsídios ao professor para que ele reconheça aluno. A terceira ação é a avaliação, para que
aqueles alunos que compreenderam, os que o professor tenha condições de gerenciar o
compreenderam mais ou menos e os que nada

38
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

desenvolvimento das competências que ele e a as pessoas iam embora. Desse modo,
escola objetivam. possuíam pouca comunicação e nenhuma
Um dos melhores livros piagetianos necessidade de alfabetizar-se. Conheciam as
sobre o tema é A Representação do Espaço embalagens dos produtos, e isso lhes bastava.
na Criança. Mas a demanda de serviço mudou para limpeza
Sabemos disso por termos estudado a industrial, que precisava ser realizada de outra
teoria piagetiana na formação em maneira, deixando essas pessoas sem
Psicopedagogia e, precisamos, repito, como trabalho. Com isso, surgiu a necessidade e o
psicopedagogos escolares, construir esse desejo por parte dessas mulheres de se
conhecimento junto com os professores e alfabetizar e, para isso, métodos muito
alunos. Em relação aos professores, esse distantes dos usados na escola (como os jogos)
conhecimento lhes conferirá o conhecimento foram os escolhidos, mas não houve progresso.
necessário para criar situações desafiadoras Então, uma das pessoas envolvidas com o
de aprendizagem em sala de aula. projeto de alfabetização buscou
Relacionados com outros tipos de assessoramento com uma psicopedagoga.
práticas educativas: Esta sugeriu que montassem um psicodrama
 serviços e programas de ação da situação escolar, que tivessem caderno, que
educativa voltados para o atendimento à pusessem o nome, que fizessem como haviam
infância, à adolescência e à juventude em vivenciado na escola. Essa reprodução das
contextos não-escolares (família, centros horas infantis foi mágica, pois os educadores
comunitários, centros de adoção, conselhos do projeto partiram do pressuposto que aquelas
tutelares, penitenciárias etc.); pessoas odiavam a escola, onde haviam tido
 educação de jovens e adultos; experiências negativas. E não era verdade. A
educação da terceira idade; escola era a infância, era ter companheiros.
 programas de formação Havia momentos de sofrimento porque aquilo
profissional; não era muito exitoso, mas havia boas

 televisão educativa e lembranças também. Eles não podiam começar

programas educativos multimídia; campanhas novamente a aprender sem recuperar essa


e programas educativos veiculados em meios experiência, como se ela não tivesse tido

de comunicação; indústrias, fábricas, grandes nenhuma importância.

e pequenas empresas. Os coordenadores do projeto haviam


pensado que seria melhor negar que esses
trabalhadores haviam estado na escola. Seria
Conto uma pequena história sobre
necessário anular tal experiência.
alfabetização de adultos para ilustrar como o
Contrariamente ao planejado, os analfabetos
psicopedagogo pode agir em um contexto não-
adultos, com muita sabedoria, do ponto de vista
escolar. Nessa experiência de alfabetização
psicanalítico, queriam recobrar esses
em uma comunidade de periferia, algumas
momentos e não os depreciaram, pois para
mulheres perderam a alfabetização porque
eles não eram depreciáveis. E continuaram a
eram empregadas como faxineiras em
partir disso. Aí reside um dos diferenciais do
escritórios. Elas trabalhavam à noite depois que

39
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

trabalho da Psicopedagogia: em cada universal, que não tem de ser privilegiado para
momento, saber o que significa, para aquele a aprender, que tem todas as condições – um
quem estamos ensinando, o que estamos homem único.
ensinando. Para começar, o ensino é o mesmo, Há em ambas as teorias uma estrutura
qual é o valor que há para ser recebido? Por que chamamos de estrutura lógica, porque se
que às vezes não se recebe? Por que há dá sob as leis da lógica e nos permite
resistências? Cabe ao psicopedagogo analisar compreender a realidade, nos permite
as resistências embutidas no processo de compreender por que as coisas vêm de cima
aprendizagem. para baixo e, de acordo com Freud, uma
Há resistência do grupo que emana da estrutura dramática, uma estrutura que diz
ideia de que o educador é de cultura diferente respeito à relação entre as pessoas. Essas
da sua e ocorre um vazio de sentido, porque, duas estruturas não se contradizem, mas
para eles, oferecemos algo que não tem funcionam separadamente, para que vivamos
sentido. Acreditamos que estamos agradando no mundo com os outros e para que os
e eles tomam como algo que assusta, que os conheçamos.
vai diferenciar de seu grupo, como se eles Assim, temos uma estrutura para o
fossem trair sua cultura, pois há uma cultura nosso pensamento lógico e outra para nosso
analfabeta. pensamento dramático, que diz respeito às
O que a Psicopedagogia precisa relações entre as pessoas. O pensamento
mostrar é que se pode conciliar, que a cultura lógico vai construir a realidade e o pensamento
deles pode ser absorvida, felizmente, pela outra simbólico ou dramático vai construir uma outra
cultura. Que nós temos um instrumento de “realidade”, que Sara Pain (2003) coloca entre
memória, porque a escrita é um instrumento de aspas, porque é uma realidade que se baseia
memória e de reflexão para que essa cultura em uma falta, em uma irrealidade, pois se
possa continuar. Não é por olhar o mundo baseia no desejo.
contemporâneo que eles deixarão sua cultura, Nós construímos nossas relações
sua maneira de ser. A Psicopedagogia pode pessoais em função do que não temos e
facilitar o trabalho de reintegração, e a única precisamos receber do outro. Isso ocorre em
maneira é fazer com que essas culturas função do desejo e da impossibilidade de haver
encontrem uma expressão que lhes assegure a essa relação.
continuidade. Sara Pain (2003, p. 74), nos aponta que
Isso é o que nos pode dar uma teoria se [...] compararmos estruturas, veremos que,
freudiana: a possibilidade de buscar a à parte são diferentes, que seus mecanismos,
significação. Há também a vantagem, assim suas operações, suas categorias são
como na teoria piagetiana, de ser humanista, diferentes, uma diferença na base da saúde
de tomar o homem em sua globalidade. Todos mental, porque, quando essas estruturas se
os homens sofrem e desejam dentro do mesmo misturam, quando não sabemos o que é real e
universo. Isso decorre da necessidade de dar irreal, aparece a maioria dos problemas
significado ao mundo e de conhecê-lo. Esses psiquiátricos e de aprendizagem. Os problemas
autores não mostram esse homem, um homem de aprendizagem surgem de tal confusão.

40
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Utilizei-me da história de mulheres brinquedos que vão auxiliar o operário a operar


adultas analfabetas para exemplificar o o robô industrial.
trabalho da Psicopedagogia em contextos não- Esse problema foi levantado
escolares, mas que, de uma forma ou de outra, inicialmente na França, por Yves Chevallard, a
precisam de uma intervenção educacional respeito da transposição do saber matemático
gerenciada com outro olhar e com outro do contexto em que é produzido para a sala de
entendimento teórico. É preciso que fique aula e para os conselhos de aprendizagem, é
bastante claro que o verbo aprender remete a válido também para outros conteúdos, inclusive
uma ação que ocorre em qualquer meio social para o exemplo dado.
e, a escola é só um espaço social dentre vários Na verdade, a experiência tem,
outros. É da competência da Psicopedagogia indiscutivelmente, um papel bastante
focalizar sua ação profissional na significativo para as aprendizagens. Um expert
aprendizagem e suas vicissitudes, portanto, costuma se formar em doze, quinze anos, o que
seu trabalho pode acontecer em várias não significa que devemos nos acomodar
dimensões da vida social. passivamente e esperar todo esse tempo para
Vamos ver, agora, um exemplo acerca vê-lo formado. É possível criar situações de
de trabalhadores do setor metalúrgico. Trata-se aprendizagem ricas que ajudem nesse
de operários que trabalhavam em uma processo de desenvolvimento e, quem sabe,
pequena fábrica de caixas de marchas e reduzam esse tempo de formação.
engrenagens para carros. Nessa indústria, Aqui cabe uma importante confissão: a
queriam instalar robôs industriais para tornar o sociedade pedagógica não sabe fazer isso
trabalho mais eficaz e mais confiável. A atualmente. Já existem conhecimentos
empresa decidiu treinar esses operários para disponíveis, mas como é a primeira vez que
que eles pudessem operar os robôs. esta sociedade lida com questões referentes ao
Como podemos ensinar robótica desenvolvimento acelerado que o avanço
industrial? Essa é uma questão pertinente não tecnológico impõe aos homens de hoje,
só para operários e engenheiros, mas também inclusive, de pessoas com nível superior. Essa
para os psicopedagogos. O robô industrial é revolução no desenvolvimento demandará
uma máquina grande, bastante complexa e necessariamente dezenas de anos, mas não
muito cara. A empresa não poderia se dar ao quer dizer que a Psicopedagogia deva esperar
luxo de colocar um trabalhador inexperiente que ela aconteça, para então começar a agir. É
para operá-la, porque iria cometer erros com preciso tentar acelerar a resolução de
aquela máquina dispendiosa. Também não determinado número de problemas que surgem
poderia esperar que os operários no cotidiano das empresas e indústrias por
compreendessem, de uma hora para outra, imposição de novas máquinas e novas
toda a complexidade da robótica industrial. tecnologias.
Nesse caso, a Psicopedagogia se vê obrigada Relacionados com a Psicopedagogia
a transpor conhecimento, informação, a criar o clínica:
que chamamos de interfaces – pequenos  consultórios, clínicas e
hospitais; clínicas destinadas à terceira idade.

41
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Embora a ênfase dessa aula não esteja seja numa relação, num sujeito em situação,
no campo da clínica, sintetizarei os pontos num grupo, nas instituições, seja nas
principais desse trabalho psicopedagógico. A sociedades, quando se é sociólogo.
dimensão básica do enfoque clínico é Inconsciente não quer dizer somente oculto ou
reconhecer a existência de fenômenos desconhecido [...] Refere-se aos fenômenos
inconscientes e, portanto, da transferência. que atuam com uma força dificilmente
Para Filloux (1996) o exemplo mais perfeito do dominável e uma lógica própria. É aí que nos
enfoque clínico é o psicanalítico. Porque, por ajuda a psicanálise para compreendermos
exemplo, o que fez Freud? Como se diz, partiu essa lógica dos processos inconscientes e para
da clínica. Significa que partiu das relações que aprender como apreender esses problemas, já
se estabeleciam entre ele e os pacientes. A que, por definição, atuam apesar do sujeito.
partir do que aprendeu com o que ocorria Trata-se, então, de fenômenos não-
nessas relações, ele elaborou modelos identificáveis pelo sujeito ou pelo grupo, cujo
 interpretativos ou explicativos reconhecimento requer um dispositivo que
para teorizar. Significa que, em Freud, houve passa pela palavra e conta com a presença de
uma aliança particular da clínica com a teoria. alguém que, por não estar implicado na
situação, pode ajudar na sua identificação. O
adjetivo clínica faz referência a uma postura, a
Em Psicopedagogia isso significou um
uma ética, a um modo de ler as situações e de
giro de grande importância sobre o
intervir sem interferir. O posicionamento clínico
questionamento da reeducação
faz parte do psicopedagogo e de suas
psicopedagógica que, de uma maneira geral,
ferramentas conceituais, independentemente
ainda está só a serviço da exigência de uma
de estar trabalhando em uma escola, em uma
adaptação mecanicista, ou sob a égide da
faculdade, em um consultório, na televisão ou
tradição behaviorista-reflexológica.
em um hospital.
Por outro lado, a partir de outras
correntes em Educação, também está
assinalada a necessidade do enfoque clínico. PSICOLOGIA E PEDAGOGIA:
UMA RELAÇÃO DIALÓGICA
Assim, um grupo de profissionais na década de
90, que trabalham com o que Alicia Fernández
O tema da aula de hoje é fundamental
(2001) denomina de formação de formadores.
para o entendimento da Psicopedagogia: a
Esse grupo tem fundamentado o enfoque
relação entre a Psicologia e a Pedagogia. Claro
clínico ao trabalhar com professores, a fim de
que essa relação não se dá por justaposição,
ajudá-los a refletir sobre suas práticas.
em que os conceitos e paradigmas das duas
Vale ressaltar que adotar o enfoque
ciências apenas se emparelham ou duplicam,
clínico não significa necessariamente ter que
ou por aglutinação, forma pela qual eles se
fazer clínica, montar consultório e atender
fundiriam. Trata-se de uma relação tão
pacientes com dificuldades de aprendizagem.
complexa e densa, que ela se explicita em uma
Mas, como pontuou Laville (1996), adotar o
aproximação que vem sendo construída há
enfoque clínico significa, basicamente,
muitos anos, antes do surgimento da
preocupar-se com os processos inconscientes,
Psicopedagogia, por meio da confluência das

42
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

duas ciências em uma única área de e a Educação, veremos que ela tem bastante
conhecimento. Trata-se da Psicologia da fundamento.
Educação.
Ou será mais correto falar em PSICOLOGIA E PEDAGOGIA:
Psicologia Educacional? Ou em Psicologia na UMA HISTÓRIA DE MUITAS
Educação? Ou quem sabe Psicologia e APROXIMAÇÕES E
EQUÍVOCOS
Educação? Ou seria melhor Psicologia
aplicada à Educação?
Nas quatro primeiras décadas do
Viram só? Temos logo, assim em uma
século XX, a escola e o ensino começam a ser
primeira e rápida tentativa, cinco
objeto de estudo e de interesse dos psicólogos
denominações diferentes.
brasileiros. Estes estudos acompanharam duas
Ecléa Bosi, na apresentação de uma
vertentes da Psicologia: a médico-hospitalar e
obra de Maria Helena de Souza Patto (1984, p.
a educacional. Ambas se voltam para os
XII), afirma que a Psicologia está entre “fogos
problemas de aprendizagem e de rendimento
cruzados” e que:
escolar.
Nascida e crescida sob a égide oficial
Para Patto (1984) essa história passa
de uma ideologia determinista e antidialética, a
pela distinção entre Psicologia da Educação e
psicologia escolar marcou passo anos a fio,
Psicologia Escolar. Segundo Mello (1975), a
repetindo, talvez sem o saber, os chavões da
Psicologia apresenta dois tipos de contribuição
ideologia burguesa ocidental durante toda a
para a Educação:
primeira metade do século XX. A sovada noção
Contribuição científica – o
de QI (Quociente de Inteligência) triunfou na
conhecimento sobre problemas que interessam
academia e daí passou a lugar-comum nas
à Educação pertence ao âmbito da Psicologia
revistas do grande público e em todas as
Educacional, delineando os campos
instâncias de comunicação em que a cultura é
específicos de investigação da ciência
diluída e manipulada para uso dos incautos.
psicológica, dos quais falaremos mais adiante.
Racistas e elitistas de vários naipes ou simples
Contribuição profissional – a
aplicadores mecânicos do famigerado teste
Psicologia Escolar (área de aplicação da
lançaram mão dessa e de outras tabelas. E lá
Psicologia) busca a introdução do psicólogo na
se foram inferir a baixa cota de talentos que o
escola e a solução de problemas escolares
destino cego teria reservado a negros e a
concretos.
índios, a mestiços e a migrantes, a lavradores
Patto (1984) destaca três marcos
e subproletários do campo e da cidade. A
históricos na aproximação entre a Psicologia e
psicologia da aprendizagem ganhava um
a Educação:
pseudo-rigor cujo significado real era perder em
1914 – Criação do Laboratório de
acuidade antropológica para avaliar diferenças
Psicologia Pedagógica (junto à Escola Normal
sociais e culturais efetivas.
Secundária de São Paulo).
Embora esta visão possa parecer
A Psicologia ofereceu os métodos e
excessivamente crítica, se olharmos com
princípios que serviram de substrato à
atenção a história da relação entre a Psicologia
Pedagogia, permitindo ao professor analisar a

43
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

vida psíquica dos alunos. A ênfase recaía na  diagnóstico educacional (do


criação de instrumentos de medição que nível educacional dos alunos); recuperação
permitissem à Pedagogia desenvolver uma educacional (criação de programas para
Psicologia “racional, positiva, científica”. (Patto, melhorar o rendimento pedagógico dos
1984, p. 9). Isso delineia um enfoque alunos);
“psicofísico e psicométrico” (p. 10), ligado à  diagnóstico da personalidade;
psicotécnica. tratamento psicológico.
1938 – Criação da Clínica de
Mais adiante, Patto (1984, p. 75-76)
Orientação Infantil (junto à Seção de Higiene
afirma que a aproximação entre a Psicologia e
Mental do antigo Serviço de Saúde Escolar).
a Educação seguiu quatro fases, claramente
1954 – Surgimento do Setor de
perceptíveis.
Psicologia Clínica da Seção Técnico
Educacional do Departamento de Educação,
1906-1930
Assistência e Recreio, da Secretaria de
A Psicologia desenvolveu-se em
Educação da Prefeitura Municipal de Educação
laboratórios anexos às escolas ou em
de São Paulo.
instituições escolares, voltadas para a
Estes dois representantes da vertente
experimentação (afetada pela tradição
médico-hospitalar da Psicologia, eram
europeia), pouco atingindo a população
caracterizados por uma orientação
escolar.
marcantemente clínica de prestação de
serviços à clientela escolar, afetada
1930 – década de 60
principalmente pelos princípios freudianos.
A Psicologia busca a prática do
Conjugavam o diagnóstico (testes de
diagnóstico e, em segundo lugar, o tratamento
inteligência e avaliação projetiva da
da população escolar. Usam-se testes
personalidade) com o atendimento
psicológicos para a avaliação da prontidão para
psicoterapêutico aos alunos. Este era realizado
a aprendizagem e do nível intelectual.
por técnicos não-psicólogos, pois os cursos de
Período da vigência do modelo
Graduação em Psicologia só surgiram em
econômico de internacionalização do mercado
1958.
interno.
Tais Gabinetes de Psicologia,
A Psicologia passa a ser praticada nas
formados por equipes multidisciplinares,
escolas, atendendo mais diretamente a
pressupunham que os problemas de
população escolar do atual ensino
aprendizagem e de adaptação escolar estavam
fundamental.
sempre nos alunos.
Patto, no decorrer da sua análise,
A autora conclui que a história da
percebe uma quarta fase, ainda bastante
Psicologia associada à Educação vem destas
recente.
duas vertentes: a Psicologia Educacional
A partir da década de 70, acentuando-
(experimental e psicofísica) e a Psicologia
se na fase de distensão política pós-ditadura.
Escolar com ênfase clínica, que desenvolvia
Envolvimento da Psicologia com as
quatro tipos de ação:
classes subalternas e surgimento de críticas

44
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

aos modelos de aproximação da Psicologia Educação, a Antropologia, a Sociologia, as


com a Educação, anteriormente buscados. Ciências Políticas, a Linguística etc., sempre
Passa-se a discutir a relação entre os com ênfase crítico-social.
objetivos da escola e os grupos hegemônicos, Gatti aponta a existência de três
além de criticar o poder que os psicólogos e os vertentes de estudo – duas já firmadas nos
educadores teriam, de desencadear uma trabalhos de pesquisa realizados e uma
transformação destas questões. Isso delineia terceira, que vem surgindo há cerca de uma
finalidades políticas e sociais para as duas década e meia.
ciências e a importância da aliança com grupos 1.ª) Prioriza uma visão que vai da
populares. Acentua-se a leitura de autores Psicologia, como referencial central, à
como Basaglia, Bleger, Paulo Freire, Pichón- Educação, objetivando o retorno para o próprio
Rivière, Vygotsky, Bohoslavsky, Moffatt, Harari, corpo teórico da Psicologia e a aplicação da
entre outros. mesma como extensão do seu campo de ação.
Para Bernardete Gatti há períodos de 2.ª) Tem a Educação como ponto de
aproximação e de afastamento entre a partida e de chegada, utilizando conceitos da
Psicologia e a Pedagogia. Do começo até o Psicologia e de outras áreas (os chamados
meio do século XX a relação foi de Fundamentos da Educação, como a Sociologia
proximidade, enquanto no final da década de e a Filosofia), incorporados à perspectiva e aos
70 começam as críticas acentuadas ao propósitos pedagógicos, sem a preocupação
reducionismo imposto pelas abordagens em gerar teorização no próprio campo da
psicológicas à compreensão dos fenômenos Psicologia.
educacionais. Segundo a autora (2002, p. 106), 3.ª) Problematiza aspectos da
Das análises o que se infere é que, de Educação sob uma ótica bastante complexa,
fato, a Psicologia tinha uma contribuição integrando várias áreas, e selecionando temas
restritiva para a Educação, deixando de que requerem uma abordagem psicológica.
considerar os entornos sociais e culturais dos Busca, desta forma, o alcance de um enfoque
eventos educativos. Também seus transdisciplinar.
conhecimentos específicos potencializaram A autora aponta a importância desta
justificativas científicas para a seletividade terceira vertente como uma possibilidade de
existente ou para fundamentar medidas incorporação de saberes das duas outras, na
paliativas e não transformadoras na área construção de categorias explicativas do
educacional. As condições histórico- fenômeno educacional: o conhecimento
econômico-sociais daquele momento criavam acumulado é o mesmo, mas a forma de
os múltiplos condicionantes desse uso e dos problematizar é diferente. Destaca, nesta
enfoques dos estudos. direção, os estudos de Bruner que, segundo
As novas maneiras de compreender a ela: [...] vem sinalizando que a Psicologia da
aquisição do conhecimento e o Educação poderia buscar suas bases no fato
desenvolvimento humano, a cognição e o de que todos, e as novas gerações também,
ensino, mostram uma perspectiva participamos de matrizes sociais, que
interdisciplinar em relação à Psicologia, a compreendem a cultura e a ciência e nelas e

45
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

com elas adquirimos maneiras de entender e


participar, geramos representações e E ainda:
referências, formas cognitivas e destrezas Aprendizagem escolar e não-escolar.
específicas. (GATTI, 2002, p. 113)  Aprendizagem de mim mesmo
e do outro enquanto pessoa.
A PSICOLOGIA DA  Envolvimento com a
EDUCAÇÃO: SUA aprendizagem e com o conhecimento, com o
IMPORTÂNCIA E
outro e com a sociedade.
ABRANGÊNCIA
 Aprendizagem da
comunicação.
A partir de agora, até ao final da nossa
 Compromisso com a própria
aula, entenderemos que o “encontro” entre a
formação.
Psicologia e a Pedagogia se faz por intermédio
de um campo de estudo: a Psicologia da  Compromisso e solidariedade

Educação, entendida como, segundo Placco com o outro e com o humano-genérico (de que

(2003, p. 96), “uma das ciências que nos fala Agnes Heller).

contribuem para o estudo e compreensão da  Desenvolvimento da auto-

Educação e que sua particular contribuição estima.

está impregnada das questões e movimentos  Desenvolvimento de

que caracterizam a realidade que se procura sentimentos de segurança para ousar, para

compreender”. descobrir, para descobrir-se, para descobrir o

Ainda no mesmo texto, a autora afirma outro.

que a Psicologia da Educação estuda o (PLACCO, op. cit., p. 96)


desenvolvimento humano, a aprendizagem e Mas nem sempre a Psicologia da
as relações sociais. Apresenta uma extensa Educação teve este teor de importância. Em
lista de campos, estudos ou temáticas que obras mais antigas, como a de Mouly (1979, p.
compõem o seu espaço de abrangência. 1), ela é vista como mais um ramo da psicologia
Vamos conhecê-los? aplicada, que se ocupa do desenvolvimento, da
 Desenvolvimento da criança e aprendizagem e do ensino: é apenas um,
do adolescente. dentre os muitos ramos da psicologia aplicada,
 Aprendizagem. que derivam da psicologia pura e procuram
 Compreensão dos motivos, isolar as suas aplicações para uma área
afetos e influências socioemocionais na específica. A Psicologia Educacional lida com
aprendizagem. aplicações de princípios, técnicas e outros
 Relações sociais e recursos da Psicologia aos problemas
pedagógicas e sua importância para a enfrentados pelo professor, quando este
aprendizagem dos atores do cenário procura dirigir o crescimento das crianças para
educacional e para seu equilíbrio emocional. objetivos valiosos.
 Processos psicossociais de O autor relata que o que chama de
formação do sujeito (criança ou adulto). “Psicologia Educacional” tem três campos de
abrangência, pois busca a compreensão:

46
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

 da criança, seu benefício da instrução, da avaliação e da


desenvolvimento, necessidades e remediação das aprendizagens”.
peculiaridades individuais; da situação de E acrescentam: O papel dos trabalhos
aprendizagem, incluindo forte ênfase na de Psicologia da Educação não se limita a
dinâmica do grupo; fornecer dados fundamentais para a Educação.
 dos processos que podem Por seu rigor metodológico, podem contribuir
contribuir para a eficiência do processo de para a validação científica dos métodos
aprendizagem. pedagógicos. Ninguém pode contestar que as
questões da educação merecem um mínimo de
É conveniente destacar que, ao
garantia científica. (...) O confronto dos
falarmos tanto em relações sociais e
métodos pedagógicos com os dados da
pedagógicas, como objeto de estudo da
pesquisa é uma fonte de reflexão
Psicologia da Educação, estamos nos referindo
epistemológica que pode permitir ao professor
a dois níveis de relações:
garantir-se contra os desvios ideológicos de
 as que acontecem na sala de
que a escola, às vezes, é vítima. Se deve evitar
aula, envolvendo conteúdos curriculares, o
o aplicacionismo, a Pedagogia também deve
chamado “controle de classe” (ou disciplina
evitar a exploração “cega” de métodos ou
escolar), formas de aprender e de responder
técnicas não validados pela pesquisa científica.
aos desafios ou problemas específicos das
(FOULIN & MOUCHON, 2000, p. 115)
áreas de conhecimento, por exemplo;
 as que envolvem relações
A ATUAÇÃO DO
pessoais/interpessoais e sociais ocorridas na
PSICÓLOGO NA ESCOLA
sala de aula e nos demais espaços
institucionais, envolvendo motivos, crenças,
Não podemos encerrar a nossa aula
valores e atitudes, além de processos de
sem lembrar que, em muitas escolas, o
socialização, competição, colaboração etc.
psicólogo e o pedagogo atuam no mesmo
Para Foulin & Mouchon (2000, p. 99) a espaço institucional. Como ocorre na maioria
Psicologia já superou, nas suas contribuições à das experiências de ação interdisciplinar, esta
Educação, a circunscrição às “leis ação pode ser harmoniosa e positiva para a
fundamentais da aprendizagem”, traduzidas escola ou conflituosa e dificultadora dos
em amplos e universais princípios educativos. processos institucionais.
Hoje, ela já está em condições de propor Apresentamos, a seguir, o quadro de
suportes reais à reflexão didática e à ação funções e papéis assumidos pelo psicólogo nas
educacional. É neste contexto que os estudos escolas como são apresentados por Witter
de autores como Freud, Wallon, Piaget, (apud PATTO, 1984):
Vygotsky, Bruner, Rogers, Skinner, Erikson, a) consultor – orienta e treina
entre outros, são de grande valia para os professores em relação aos problemas de
educadores. ajustamento dos alunos às normas escolares e
Os autores situam a Psicologia como de aprendizagem;
uma “ciência de recurso” junto à Educação, “em

47
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

b) especialista educacional –  Psicologia educacional


busca, no corpo teórico da Psicologia, histórico-crítica – concebe o homem como um
aplicações ao processo ensino-aprendizagem; ser histórico, focalizando a unidade entre

c) ergonomista – planeja o indivíduo e sociedade como de natureza

ambiente escolar, em busca do aumento da concreta e determinada pelas contradições

produtividade dos atores institucionais estabelecidas nas relações sociais de

escolares; produção.

d) modificador do comportamento
– baseia-se na análise experimental do OS CONCEITOS DE
NORMALIDADE E
comportamento, aplicando os princípios da
ANORMALIDADE EM
ideologia adaptacionista. QUESTÃO
Witter ainda destaca a atuação do
psicólogo junto ao sistema escolar em seus
vários níveis, no trabalho comunitário e na Explicação do conceito de
Critério
condução de pesquisas ligadas à área de normalidade
conhecimento. Teleológico Verificação dos objetivos e valores
Uma conclusão... que regem a conduta do ser humano.
Uma aula não tem – e não pode ter – Estatístico Estabelecido em temos de
uma única conclusão. Na realidade esta é uma frequência, comparação com norma.
conclusão escolhida para deixar algumas Clínico Verificado pela ausência de sintomas
coisas para vocês pensarem. orgânicos.
Trata-se da análise crítica feita por Constitucional Posse de uma estrutura genotípica
Ferreira (1986) à Psicologia da Educação. A perfeita, ausência de predisposição a
autora observa o surgimento fragmentado doenças e anomalidades.
dessa área da Psicologia, dicotomizando Sociológico Ajustamento ao grupo social.
aspectos como sujeito e objeto, essência e Criminológico Não-transgressão das leis e normas.
existência, indivíduo e sociedade. Médico-legal Capacidade para gerir civilmente as
Daí tivemos três modelos ou próprias ações.
“representações” da relação indivíduo-
sociedade na Psicologia da Educação: A IMPRECISÃO DO
 Psicologia educacional CONCEITO DE
NORMALIDADE
objetivista – fundamentada na visão do homem
como um “fato”, que pode ser conhecido por
meio de seus comportamentos observáveis,
condicionado e controlado mecanicamente
pelo meio externo.
Poucos conceitos são tão imprecisos e
 Psicologia educacional
questionáveis quanto o de normalidade. Até
subjetivista – vê o homem como um ser
mesmo na
autônomo, criado para ser livre, sem qualquer
determinação do meio ambiente.

48
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Psiquiatria, em que ele é Desta forma, é a falta de sinais e


tradicionalmente utilizado, vem sendo sintomas que indica um organismo saudável ou
constante e fortemente questionado. “normal”.
Ballone (2003), em texto que analisa 2.ª Normalidade como utopia –
em profundidade as questões relacionadas à baseada em uma conjunção harmoniosa e
dificuldade de diagnosticar e de fixar padrões plena do sistema nervoso, funcionando de
de normalidade e de patologia, afirma: maneira excelente. Essa concepção é derivada
Desta forma, há uma conceituação de de vertentes da Psiquiatria e da Psicanálise que
Doença Mental, mais populesca e leiga, tratam da pessoa ideal ou do tratamento mais
julgando a sanidade do indivíduo de acordo eficaz, ou seja, algo sobre o que é possível
com seu comportamento, de acordo com sua teorizar, mas inconcebível em nosso
adequação às conveniências socioculturais entendimento.
como, por exemplo, a obediência aos 3.ª Normalidade como média –
familiares, o sucesso no sistema de produção, fundamentada em uma média estatística dos
a postura sexual etc., e há, por outro lado, uma estudos normativos do comportamento, na qual
outra conceituação mais refinada e interessada traços da personalidade são entendidos como
particularmente no enfermo e no profissional um meio de medida estatística ou de medida
que o assiste. Há, sempre houve, e continuará padronizada do comportamento, como se
havendo, choques contundentes entre estas define no psicodiagnóstico.
duas maneiras de entendimento da Doença 4.ª Normalidade como processo – vê o
Mental. Neste campo de batalha sofrem, além comportamento como relacionado a situações
das vítimas envolvidas, também o profissional ou a fases de desenvolvimento da
da saúde mental. Este estudioso da personalidade – cada estágio com
Psicopatologia vê seus conceitos científicos características intrínsecas. A temporalidade é
brutalmente deturpados por interesses essencial para uma definição completa de
socioculturais que ultrapassam a seara de sua normalidade.
ciência. Podemos, a partir disso tudo, enunciar
Quantos são os critérios ou parâmetros um conceito explanatório que define o homem
para definir se alguém é normal ou não? Vamos normal como aquele que aprecia com exatidão
ver alguns deles. todas as formas acessíveis da realidade. Ele
atua de forma inteligente no ambiente
Alguns outros autores consideram a promovendo adaptações ativas e flexíveis e
normalidade em quatro vertentes: interagindo de forma harmônica com os demais
1.ª Normalidade como saúde – seres humanos.
consideram que os sinais e os sintomas que Para Doron e Parot (2003, p. 116)
estejam em “desajuste” com o que é comum A normalidade é concebida, por um
(ou normal), são um sinal de que algo está lado, como a ausência de patologia, e, por
errado (ou é anormal). outro, como a conformidade com o tipo médio.
Vale ressaltar que a média é uma medida
estatística, puramente descritiva e operacional,

49
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

que tende a ser considerada como regra e incomum como doença. O próprio sistema
como valor, podendo proporcionar uma cultural vigente se incumbe de arguir os
interpretação equivocada, uma vez que não comportamentos que excedem os limites da
leva em conta as singularidades, as suposta faixa de normalidade e os
dissidências e as anomalias, baseando-se em pensamentos que escapam de uma pretendida
valores atribuídos ao indivíduo e ao faixa de coerência e realismo.
comportamento, cuja função é avaliar e
detectar a utilidade social das condutas e dos CRITÉRIO VALORATIVO
indivíduos.
Existe um certo consenso de que a Um dos traços peculiares do ser
normalidade é, mais que uma comprovação humano talvez seja o desejo de ser diferente e
efetiva, uma valoração, extremamente destacar-se dos demais, sobressair-se da
suscetível a falhas. média. Considerando-se esta perspectiva da
Outro grupo de autores determina três natureza humana de forma absoluta e isolada,
critérios para a definição da normalidade do ser podemos entendê-la como uma flagrante
humano. contradição ao primeiro critério, o estatístico.
Para melhor entender essa diversidade entre
CRITÉRIO ESTATÍSTICO as pessoas, a qual, apesar de desejável,
poderia correr o risco de ser considerada
Pelo critério estatístico, normal seria o patológica (pelo critério estatístico), devemos
mais frequente numericamente, aquilo que é ter em mente a ideia valorativa da doença.
compatível com a maioria. No entanto, a No critério valorativo interessa o valor
utilização de valores numéricos que a sociedade atribui à maneira do indivíduo
absolutamente rígidos e definitivos é existir. Enquanto o critério estatístico utiliza
questionável pois, como sabemos, o ser termos tais como, incomum, infrequente,
humano não é um arranjo matemático e desproporcional, raro, fora do comum ou
estatístico. diferente, no critério valorativo os adjetivos
Existem faixas de normalidade, ou seja, serão outros. Esses termos dizem mais
o normal fica situado entre este e aquele valor. respeito à qualidade que à quantidade:
Dentro desse critério estatístico, devemos mórbido, nocivo, indesejável, prejudicial,
considerar que nem sempre o habitual é normal degenerado, deficiente, sofrível, cruel,
ou, ainda, nem sempre o excepcional é irracional, desadaptado e assim por diante.
patológico. Portanto, as exceções à regra Segundo a Organização Mundial de
estatística devem ser valorizadas de forma a Saúde, é o estado completo de bemestar físico,
tornar este critério apenas relativamente válido, mental e social que define o que é saúde;
se considerado isoladamente. portanto, tal conceito implica num critério
O critério estatístico deve servir para valorativo, já que, tanto o bem-estar quanto o
destacar da população o não-habitual, o mal-estar, dizem respeito a valores.
diferente ou o não-normal e, isoladamente, isso
não é suficiente para autorizar, declarar este

50
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

CRITÉRIO INTUITIVO mas que significa um processo altamente


complexo: avaliação.
De acordo com Perestrello (1982), a É tão comum na vida cotidiana, como
intuição é um elemento atuante de real valia, o afirma Gatti (2003, p. 26): Processos
qual, mesmo baseando-se no conhecimento, avaliativos, em geral, fazem parte do nosso
parece não estar alicerçada nele. Na realidade, cotidiano. A gente avalia até para escovar os
a intuição se caracteriza por uma ideia dentes. Quando eu vou escovar os dentes, de
conclusiva que parece não ter passado pelos manhã, eu avalio a força que eu vou imprimir
trâmites habituais do raciocínio, mas que, para não me machucar, a força suficiente para
certamente, resulta de um conjunto complexo limpar. E isto me acompanha o dia inteiro, eu
de conhecimentos anteriormente adquiridos e não percebo, mas eu estou avaliando para
mobilizados instantaneamente diante de uma poder andar, eu avalio o terreno, avalio a força
solicitação específica. muscular, o movimento, eu avalio se consigo ou
Trata-se de uma inspiração alicerçada não fazer um determinado trabalho, se vou dar
nas experiências e conhecimentos prévios, que conta no fim do dia, enfim, o processo de
nem sempre se encontram à disposição avaliação em geral está embutido, de certa
imediata da consciência, mas são mobilizados maneira, nas nossas formas de existir, sejam
sem serem percebidos racionalmente por quem individuais, sejam sociais. No entanto, quando
os utiliza. Em todas as áreas da atividade realizada de forma intencional – e pretende-se
humana a intuição é utilizada. A conclusão de que fidedigna –, como ocorre na escola, torna-
Ballone (2003) é: se dificílima de ser realizada.
Pois bem, juntando-se dentro de uma O ciclo avaliativo termina, portanto, na
mesma atitude de raciocínio estes três critérios emissão de juízos de valor correlatos à última
de avaliação, o estatístico, o valorativo e o etapa (valorar).
intuitivo, podemos cogitar a possibilidade da Uma boa definição de avaliação nos é
nãonormalidade e, em seguida, da morbidade apresentada por Flores et al. (1993, p. 10): “A
psicopatológica. Seria temerário a utilização e avaliação é o processo sistemático e
a valorização exclusiva de qualquer um deles permanente que permite captar informação
isoladamente, assim como também seria sobre o objeto avaliado para contrastá-la com
temerário uma valorização absoluta e inflexível um marco de referência e a partir desta
deles todos, caso não considerássemos, contrastação emitir juízos de valor e propor
prioritariamente, as circunstâncias que alternativas para melhorar o dito objeto”.
envolvem cada caso em particular. No entanto, embora imprescindível no
processo ensino-aprendizagem, como é difícil
A AVALIAÇÃO, O “XIS” DO avaliar!
PROBLEMA Se perguntarmos aos professores,
como o fizemos com diversos, quais são as
Mas afinal, o que está por trás das principais dificuldades que encontram para
definições de normalidade e anormalidade, de avaliar a aprendizagem dos seus alunos,
que falamos até agora? É uma palavra simples,

51
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

teremos uma ampla diversidade de respostas. resultado disto é bem resumido por Sousa e
No nosso caso, as mais frequentes foram: Alavarse (2003, p. 76):
 A falta de base (conhecimento Tendencialmente, em nossas escolas o
anterior) dos alunos; que se observa é a diferença confundida com
 A grande quantidade de alunos desigualdade e, assim, tratada como algo a ser
nas turmas; superado. Portanto, ao invés de procurarmos
 A grande quantidade de minimizar ou superar desigualdades,
conteúdos a serem transmitidos, o que dificulta exercemos a discriminação, separando
a realização de avaliações de cunho formativo; aqueles alunos que “fogem” ao que é definido

 A diversidade de problemas como padrão esperado de desempenho

que os alunos apresentam e que impedem o escolar. Muitas foram as explicações buscadas

fluxo normal de aprendizagem (orgânicos, pela Psicologia, pela Pedagogia e pelas demais
emocionais, familiares, disciplinares, foram os ciências que fundamentam os estudos sobre a

mais citados); Educação para explicar as desigualdades de

 A dificuldade para elaborar que os autores falam. Em grande parte do

bons instrumentos e criar situações tempo, elas contribuíram mais para alicerçar o

diversificadas e originais de avaliação; tratamento indevido dado pela escola às

 A complexidade da tradução diferenças, do que para a superação das

dos resultados das avaliações em menções mesmas. Patto (1984) cita algumas:

(notas, conceitos etc.);  A Teoria da Carência Cultural,

 A falta de oportunidades para que atribui à origem dos alunos, oriundos de

suprir as dificuldades observadas nas classes subalternas, as dificuldades que

avaliações (portanto, tornando-as meramente enfrentam na escola.

somativas ou classificatórias);  Os programas de Educação


Compensatória, que muito contribuíram para
A falta de apoio de um supervisor ou
mascarar as desigualdades e seus efeitos, em
orientador pedagógico, que dê subsídios e
vez de resolvê-las. Estes programas atribuem
acompanhe as avaliações realizadas pelo
aos psicólogos e pedagogos, e ao seu
professor.
monitoramento sobre o desenvolvimento e a
Esta pequena amostra de respostas já
aprendizagem, esta superação.
nos permite ver a gama de dificuldades que os
 A atribuição ao Estado, e aos
professores vivenciam ao avaliar a
seus órgãos assistenciais, culturais e políticos,
aprendizagem dos seus alunos.
a “integração” destes grupos, marginalizados
Podemos concluir que é possível que
social e culturalmente.
os professores, em muitas situações, possam
 A correlação estabelecida
avaliar de forma inadequada os seus alunos,
entre a privação cultural e a privação ou
gerando distorções nos resultados obtidos.
deficiência de linguagem dos chamados alunos
Podem, ainda, obter informações
“carentes”.
importantíssimas sobre a aprendizagem dos
mesmos, e não saber o que fazer com elas. O A imposição, aos alunos oriundos das
classes populares, de códigos linguísticos e

52
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

estilos de linguagem identificados com o mérito individualmente conquistado (SOARES,


sucesso escolar, implicando em processos de 1983, p. 53).
imposição e inculcação cultural. Tudo que foi dito até agora não faz
A “autoridade pedagógica” atribuída ao significar, no entanto, que não existam alunos
professor, legitimando o exercício de vários que apresentem, efetivamente, necessidades
tipos de coerção sobre o aluno “desigual” em educacionais específicas que precisam ser
relação aos demais. atendidas pela escola. Elas existem, precisam
 A atribuição, aos alunos ter “lugar” na escola e pertencem a três grupos:
provenientes das classes populares, de  portadores de altas habilidades
características especiais ou diferentes dos – alunos que apresentam elevada
demais, definindo-os de antemão como potencialidade ou desempenho situado
pessoas diferentes em desenvolvimento e em significativamente acima da média em um ou
aprendizagem. mais aspectos como intelectualidade, aptidões
acadêmicas específicas, produtividade,
Este conjunto de fatores “empurra”
estes alunos para o fracasso escolar, criatividade, capacidade de liderança,
psicomotricidade, competência para as artes;
representado pela não-aprendizagem e pela
evasão escolar.  portadores de condutas típicas

Uma avaliação que controla o – alunos que apresentam alterações de

conhecimento, não tomando uma conformação comportamento (emocional e/ou social),

compatível com o multiculturalismo crítico, implicando dificuldades no relacionamento com

limita as oportunidades educacionais e sociais, as outras pessoas.;

apoiando-se na “ideologia do dom”1 e no  portadores de deficiências –

estabelecimento de uma rígida meritocracia na alunos que apresentam comprometimento nos

escola. Soares (1983, p. 51-52) afirma que, aspectos físico, sensorial ou mental.

neste caso, as funções sociais que a avaliação Existem também, infelizmente, alunos
sempre tem “estão presentes nos mecanismos mal avaliados; alunos que são vítimas dos
de seleção em que, ostensivamente e sob a múltiplos processos de discriminação e
aparência de uma absoluta neutralidade, “violência simbólica” na escola; alunos que
2

alguns são escolhidos e muitos são rejeitados foram acumulando, no decorrer da sua vida
por um processo de eliminação cuja relação acadêmica, experiências de insucesso e
com a hierarquia social é dissimulada por sua deficiências pedagogicamente produzidas,
pretensa objetividade[...]”. E conclui que: associadas ao ritmo peculiar de aprendizagem,
[...] a avaliação, sob uma falsa ao universo cultural específico de que se
aparência de neutralidade e de objetividade, é originam, à variante linguística que utilizam etc.
o instrumento por excelência de que lança mão Estes alunos são “condenados” pela escola, e
o sistema de ensino para o controle das pela sociedade que os envolve, sendo
oportunidades educacionais e para a rotulados como um grupo de “portadores de
dissimulação das desigualdades sociais que dificuldades ou deficiências”, em vez de alunos
ela oculta sob a fantasia do dom natural e do desiguais que precisam de suporte pedagógico
dado pela própria escola.

53
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Segundo Marques (199, p. 73), existem lentamente que os outros, diferentemente dos
formações discursivas – discursos e padrões esperados; há os que, pelo menos
respectivos sentidos – veiculadas pela escola, aparentemente, nada aprendem – são os que
referentes às desigualdades e desvios e às fracassam na escola – e há os que aprendem
pessoas realmente portadoras de mais rapidamente que os demais e que
necessidades educacionais específicas. rapidamente se desinteressam das atividades,
tendo problemas de disciplina.
Esses alunos que não As estatísticas relativas às dificuldades
de aprendizagem, aos distúrbios de conduta –
aprendem: um olhar
muitas vezes a elas associados – e da evasão
psicopedagógico sobre o fracasso
escolar, são impressionantemente elevadas. É
escolar comum nas escolas públicas termos, por
exemplo, numerosas turmas de 5ª séries e
O nosso tema de hoje é o fracasso apenas duas ou três turmas de 8ª séries. Trata-
escolar, tema dos mais significativos para nós, se de uma elevada “mortalidade pedagógica”,
educadores. metaforicamente falando. Nem mesmo o
Que grande mistério o fracasso grande número de pesquisas sobre o assunto,
escolar! Quanta perplexidade causa, nos realizadas nos últimos anos, tiveram um
professores, o fato de alguns alunos impacto sensível na redução desses índices.
conseguirem avançar na aprendizagem e
outros não. Nos esforçamos tanto e, na AS ABORDAGENS DO
realidade, a aprendizagem acaba sendo uma FRACASSO ESCOLAR NO
BRASIL – UM POUCO DE
espécie de “caixa preta”, misteriosa. Lá estão
HISTÓRIA
os alunos, na nossa frente, e – tirando algumas
expressões de interesse, perguntas e
Patto, em conhecida obra sobre o
intervenções pertinentes – não temos a menor
fracasso escolar, estudou as raízes históricas
ideia de quanto cada um está evoluindo na
das concepções sobre o mesmo. A autora
construção dos conceitos.
afirma a necessidade “[...] de conhecer, pelo
Se ao menos tivéssemos uma espécie
menos em seus aspectos fundamentais, a
de marcador ou medidor, que nos permitisse
realidade social na qual se engendrou uma
perceber quanto cada um está aprendendo
determinada versão sobre as diferenças de
daquilo que chamamos de “conteúdo” da aula...
rendimento escolar existentes entre crianças
A verdade é que, naquele grupo
de diferentes origens sociais” (PATTO, 1990, p.
heterogêneo que é a turma, há alunos
9).
individualmente diferentes, com ritmos e estilos
Estabelecendo alguns marcos sobre a
de cognição diferentes e motivações diversas,
forma de pensar a escolaridade e o fracasso
constituindo um “mapa de aprendizagens”
escolar no Brasil, fazemos uma breve síntese.
totalmente peculiar.
No período da Primeira República
E há, certamente, aqueles que
(1889-1930) o predomínio das ideias liberais
aprendem menos que os outros, mais
delineou uma forma específica de explicar as

54
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

diferenças de rendimento escolar existentes potencialidades da espécie à ênfase na


entre as classes sociais. O fim do trabalho importância de afiná-la com as
escravo e o surgimento da nova categoria potencialidades dos educandos, concebidos
social do trabalhador assalariado trazem a como indivíduos que diferem entre si quanto à
percepção da distribuição social dos indivíduos, capacidade para aprender. [...] ao realizar esta
de acordo com as suas aptidões naturais. passagem os educadores geraram a
Os anos vinte foram marcados por uma necessidade de avaliar estas potencialidades,
efervescência nos meios educacionais, criando, assim, uma nova complementaridade
chamados de “entusiasmo pela educação” e de entre a Pedagogia e a Psicologia na passagem
“otimismo pedagógico”, e acarretou diversas do século, tanto mais inclinada para o lado da
reformas educacionais, influenciadas pelos redução psicológica na explicação das
princípios do movimento educacional norte- dificuldades de aprendizagem escolar quanto
americano e europeu conhecido como mais as áreas da psicometria e da higiene
movimento da Escola Nova. mental se desenvolveram e se impuseram nos
Com o advento da Escola Nova, a meios educacionais.
Psicologia das diferenças individuais Neste período, no entanto, já era de
desenvolveu a preocupação em medir tais competência dos médicos determinar os
diferenças e criar um modelo de escola que as indivíduos “anormais” e a sua segregação da
levasse em consideração. Maria Helena Patto convivência com os demais. Este modelo de
(1990, p. 59) destaca, entre os aspectos “medicalização do fracasso escolar” fez
importantes da teoria escolanovista: “[...] em história, deixando marcas até hoje.
suas origens, a nova pedagogia não localizava Segundo a autora, em cuja obra
as causas das dificuldades de aprendizagem estamos nos referenciando, a Psicologia
no aprendiz, mas nos métodos de ensino”. hipertrofiou-se nas relações com a Pedagogia
Isso significa dizer que a reflexão e produziu duas distorções na proposta da
escolanovista sobre a escola e a sua eficiência Escola Nova:
surgiu no âmbito dos fatores intra-escolares do de um lado, enfraqueceu a ideia
rendimento escolar, ao contrário do ensino revolucionária e enriquecedora de levar em
tradicional, que situava a responsabilidade pelo conta, no planejamento educacional, as
fracasso escolar no aluno. especificidades do processo de
O movimento da Escola Nova desenvolvimento infantil enquanto
reconheceu, também, a especificidade procedimento fundamental ao aprimoramento
psicológica da criança, desenvolvendo a do processo de ensino, substituindo-a pela
psicologização do discurso sobre as causas ênfase em procedimentos psicométricos
das dificuldades de aprendizagem escolar. frequentemente viesados e estigmatizadores,
E continua Patto (1990, p. 61-62): À que deslocaram a atenção dos determinantes
medida que a Psicologia se constitui como propriamente escolares do fracasso escolar
ciência experimental e diferencial, o movimento para o aprendiz e suas supostas deficiências;
escolanovista passou do objetivo inicial de de outro, propiciou uma apropriação do ideário
construir uma pedagogia afinada com as escolanovista no que ele tinha de mais técnico,

55
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

em detrimento da dimensão de luta política pela os termos privação, carência e deficiência


ampliação da rede de ensino fundamental e por cultural. Essa corrente afirmava que não há
sua democratização que o movimento também uma condição negativa por parte do aluno, mas
continha. (PATTO, 1990, p. 63) Também são sim no processo pedagógico que ele “sofre” na
dignos de nota dois aspectos: o ganho de escola.
importância de uma literatura que denuncia a Com a evolução do Tecnicismo na
existência de teorias racistas, como Casa educação brasileira, aos poucos retorna a ideia
Grande e Senzala, de Gilberto Freyre e Jeca da mensuração das potencialidades
Tatu, de Monteiro intelectuais dos alunos, por meio de testes e
 Lobato; os trabalhos de alguns escalas psicológicas.
médicos, junto à Psicologia Educacional, que Resumindo, a década de 70 é
fazem evoluir o conceito de criança anormal marcada, portanto, pelas divergências entre os
para o de criança-problema, mudando o foco partidários da teoria do déficit e os defensores
dos estudos da hereditariedade para o meio da teoria da diferença. No final desta década,
(geralmente considerado, ainda que de forma as chamadas Teorias Crítico-Reprodutivistas
restrita, como de ambiente familiar). (Althusser, Bourdieu, Passeron, Baudelot,
Stablet, entre outros) introduziram a
Analisando o discurso oficial sobre o
possibilidade de se conceber a escola no
fracasso escolar, principalmente por meio da
âmbito de uma concepção crítica da sociedade.
análise de artigos publicados na Revista
Termos como “capital cultural”, “violência
Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP),
simbólica” e “luta de classes”, por exemplo,
Patto destaca um artigo de Ofélia Boisson
invadem o universo da Educação.
Cardoso, publicado em 1949, em que ela
O fim do regime de exceção, com a
destaca quatro fatores responsáveis pelo
anistia política, permitiram novas leituras, que
“estado de calamidade” da escola – ou seja,
muito contribuíram para o estudo das
também pelo fracasso escolar: pedagógicos,
dificuldades de aprendizagem. Autores que
sociais, médicos e psicológicos.
antes eram inacessíveis pelo viés ideológico da
Avançando no tempo, chegamos ao
sua obra – Vygotsky e Paulo Freire, por
início dos anos 70, em que a Teoria da
exemplo – foram incorporados à discussão do
Carência Cultural explicava o fracasso escolar
tema.
por meio da desigualdade de ambientes em
A atualidade é marcada pela
que as crianças da chamada “classe baixa” se
multiplicidade de pesquisas, muitas de cunho
desenvolviam. Esta explicação era em tudo
interdisciplinar, sobre o fracasso escolar. Estes
compatível com a visão aceitadora do
estudos não negam a importância dos fatores
capitalismo, vigente na época, de regime de
intra-escolares na origem das dificuldades de
exceção (a ditadura militar). Logo se instala
aprendizagem; criticam a seletividade social, a
uma grande polêmica entre os que acreditavam
inadequação da mesma à realidade dos alunos
que as causas do fracasso escolar estavam na
e destacam a importância da escola no
escola e os que as situavam na “clientela”.
processo de transformação social.
Com o tempo, foi ganhando corpo o
Essas crianças que não aprendem...
conceito de “marginalização cultural”, criticando

56
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Vimos, até agora, que o fracasso criança, porque a intervenção pedagógica, por
escolar é geralmente observado por meio da mais generalizada que seja, recai sobre um
repetência e da evasão dos alunos, ou da aluno específico, ou seja, em caso
permanência na escola caracterizada pelo individualizado. A maioria dos professores, no
ritmo de aprendizagem diferente dos demais, entanto, não sabe disso e pensa que as turmas
das dificuldades de motivação e, acima de tudo, homogêneas de alunos garantem o
por um intenso sentimento de infelicidade em desenvolvimento de um bom trabalho,
relação à vida escolar. O que se vem buscando, revelando a crença de que, ao ensinar um
com frequência, é uma definição por meio das mesmo conteúdo para todos os alunos, estes
consequências do fracasso escolar, sem assimilam num mesmo nível e numa mesma
buscar quais seriam propriamente as suas proporção o que lhes foi transmitido.
causas. A autora acredita em situações
Frente às altas taxas de insucesso diferenciadas de aprendizagem que permitem a
escolar, ainda se tenta localizá-lo na própria cada aluno estabelecer os seus próprios planos
criança, deixando a problemática ser resolvida para alcançar os objetivos, dando-lhes
pela família e pelo profissional de saúde. liberdade e autonomia para definir os métodos
Isentando-se das responsabilidades, a de “trabalho” a serem utilizados para realizar a
instituição escolar e o sistema social delegam a aprendizagem.
este profissional, e ao da saúde mental, a tarefa Conclui Mantoan (1999, p. 24): Se os
de resolver a questão. professores forem capazes de criar situações
Para compreender estas crianças que desse tipo, levando em conta, por princípio, que
não aprendem, ou que “aprendem diferente” existem diferenças entre os alunos, sem a
das demais é necessário, antes de mais nada, preocupação primordial de conhecer
que o professor ressignifique o termo previamente o nível que este ou aquele alcança
aprendizagem, compreendendo que ela é um num dado domínio ou conteúdo acadêmico, a
processo muito menos linear e previsível do inclusão de alunos com deficiência mental nas
que tradicionalmente pensamos. turmas regulares será perfeitamente possível
Ideias como a da necessidade de uma nos sistemas escolares.
“prontidão” para a aprendizagem e da As vias de acesso ao conhecimento
existência de “turmas homogêneas” precisam são, portanto, as mesmas, tanto para as
ser revistas. As estruturas do conhecimento, pessoas consideradas capazes de uma
mesmo em pessoas consideradas “normais”, aprendizagem “normal”, quanto para aquelas
apresentam defasagens, ensaios-e-erros, que aprendem de forma “diferente”.
transições, oscilações motivacionais, da As três se completam e se coordenam
mesma forma que nas pessoas portadoras de para permitir a construção do conhecimento:
necessidades educacionais especiais.  via perceptiva; via das ações;
Segundo Mantoan (1999, p. 19): via conceptual.
Aos professores é importante a  Bernard Charlot (2000) afirma
descrição detalhada de como se amplia e se que, diante de um aluno que fracassa em um
aprofunda o conhecimento em uma dada

57
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

aprendizado, pode-se fazer dois tipos de tão promissor quanto gostaríamos. A escola
leitura: ainda não consegue compreender plenamente
 Frequentemente é feita uma o fracasso escolar, não encontrou as melhores
leitura negativa da situação. Fala-se em formas de lidar com “esses alunos que não
deficiências, carências e lacunas. Mas uma aprendem”, como diz o título da nossa aula de
leitura positiva quer saber: o que está hoje. A escola ainda não consegue responder a
acontecendo com este aluno? algumas perguntas fundamentais, bem
 A leitura positiva busca colocadas por Anete Abramowicz (1995, p. 29):
compreender como as situações de fracasso Para compreender quem é o repetente,
foram constituindo-se na trajetória desse aluno. é preciso que se responda a algumas questões:
O que ocorreu com ele? O que ele fez? O que Qual é a concepção de linguagem e
ele pensou? Não procurando somente o aprendizagem existente na escola? Quem é o
contrário: o que ele não fez, o que ele não aprendiz na percepção das professoras, com
pensou, o que ele não entendeu. Parece a quem elas falam enquanto ensinam? O que
metáfora do copo com líquido até a metade: ensina a professora e o que aprende o aluno?
podemos olhar para a parte vazia, e lamentar a Que tipo de aprendiz é esse, que repete no seu
falta do líquido; ou, ao contrário, podemos olhar processo de aprendizagem, portanto, quem é o
para a metade cheia e verificar que, pelo repetente do ponto de vista da escola e da
menos, há alguma coisa para ser bebida. criança?
É hora de estabelecermos a distinção
A leitura positiva quer saber o que está
entre dificuldades de aprendizagem e
ocorrendo, em que situações ele fracassa e em
fracasso escolar, embora tenhamos utilizado
quais ele consegue ter sucesso, “buscando
até agora duas expressões praticamente com o
compreender como se constrói a situação de
mesmo sentido. A primeira é de ordem mais
um aluno que fracassa em um aprendizado e,
subjetiva e individual. Geralmente há algum tipo
não, ‘o que falta’ para essa situação ser uma
de deficiência ou necessidade educacional
situação de aluno bem-sucedido” (Charlot,
específica, sendo que compromete o
2000, p. 30).
desempenho escolar e pode causar fracasso
Isso significa não olhar apenas o
escolar. Já esse último contém uma conjunção
aspecto negativo da situação, não se deter
de fatores que, num determinado momento,
somente nas supostas carências e deficiências
interagem, imobilizando o desenvolvimento do
do aluno. Neste sentido, o autor ressalta que
sujeito e do sistema familiar/escolar/social, no
devemos levar em conta a singularidade do
qual ele está inserido.
aluno, a sua história particular, pois ele é um
Não são apenas as dificuldades de
ser humano único e original. Ele vai para a
aprendizagem as causas do fracasso escolar –
escola e encontra este professor e não outro, e
aliás, nunca há uma causa única – nele estão
a interferência e a contribuição do professor
presentes as dificuldades de ensino, que
pode ser muito importante na vida do aluno.
muitos contribuem para intensificar as
Embora estas reflexões críticas sejam
dificuldades de aprendizagem.
atualmente muito frequentes, o quadro que se
desenha no cotidiano das escolas ainda não é

58
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

A expressão “dificuldades de enigma que é a falta ou a diferença de ritmos e


ensinagem” vem sendo cunhada no cenário da de estilos de aprendizagem.
Psicologia e da Pedagogia, significando a Os estudos e pesquisas na área da
consideração de múltiplos fatores intra- Pedagogia, da Psicologia e da Psicopedagogia
escolares, inclusive o contexto emocional a vêm contribuindo significativamente para que
partir do qual o professor constrói a sua encontremos as respostas para as “perguntas
subjetividade e que, necessariamente, estará da esfinge”. O maior desafio ainda continua
envolvido na sua ação de ensinar. sendo, talvez, superar o estigma imputado a
Polity (1998) faz uma ponte entre a estes alunos. Como disse Goffman (1988, p.
Psicopedagogia Tradicional e a 67), com propriedade:
Psicopedagogia Sistêmica e dedica um A identidade pessoal do indivíduo
capítulo ao estudo das dificuldades de ensino estigmatizado está relacionada com a
como uma forma de abordar as dificuldades de pressuposição de que ele pode ser diferençado
aprendizagem. Analisa a aprendizagem na de todos os outros e que em torno desses
escola e na família, considerando as meios de diferenciação, podem-se apegar e
modalidades de aprendizagem de todos os entrelaçar, como açúcar cristalizado, criando
envolvidos no processo: o aprendiz, a família e uma história contínua e única de fatos sociais
o próprio ensinante – além da instituição que que se torna, então, a substância pegajosa à
ensina, a escola. qual vêm-se agregar outros fatos biográficos.
Na mesma linha, Fernández (2001, p.
31), reflete: [...] um fracasso escolar pode AS “QUEIXAS” DAS
diferenciar-se de um problema de ESCOLAS,
INTERPRETADAS PELA
aprendizagem, analisando a modalidade de
PSICOPEDAGOGIA
aprendizagem do aprendente em sua relação
com a modalidade ensinante da escola. Nas
São muitas as formas pelas quais as
situações de fracasso escolar, a modalidade de
“queixas” das escolas podem ser abordadas.
aprendizagem do sujeito não se torna
De concreto, sabemos que as escolas
patológica; quando se constitui um problema de
reclamam muito dos alunos, das suas
aprendizagem (inibição cognitiva ou sintoma), a
dificuldades de adaptação e de aprendizagem,
modalidade de aprendizagem altera-se.
das famílias que não lhes dão o necessário
Com todas estas reflexões, podemos
suporte emocional, cultural e material.
concluir a nossa aula afirmando que a nossa
Também é uma prática comum os
relação, como educadores, com esses alunos
professores queixarem-se dos que os
que não aprendem, continua sendo
antecederam na vida escolar das crianças, que
caracterizada pela perplexidade dos gregos
aprendem ou comportam-se de maneira
diante da esfinge, que lhes dizia, ao desejarem
diferente dos padrões esperados. Em nome da
atravessar a entrada da cidade: “Decifra-me ou
falta de “base”, de hábitos e atitudes dos
devoro-te”. Os professores continuam lutando –
alunos, costumam colocar a responsabilidade
cada um a seu modo – para superar este
nos professores das séries anteriores, como se

59
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

eles pudessem ter “dado conta” de todas as outros tipos de normalidade: a normalidade
dificuldades que os alunos apresentaram. estatística e a normalidade normativa.
Talvez, no fundo, nos queixemos da
nossa própria impotência diante dos obstáculos AS “QUEIXAS” DA ESCOLA
que encontramos para fazermos os nossos
alunos se apropriarem do conhecimento. Vistas 1.ª queixa: nas turmas há sempre
desta forma, as queixas docentes passam a muitos alunos que não conseguem
significar uma forma de defesa psíquica, que aprender
nos protege da frustração e da dor de não As dificuldades de aprendizagem dos
conseguirmos obter o êxito desejado com todos alunos sempre se constituem em uma
os alunos. reclamação das escolas. Como já vimos, elas
Procuramos, ao organizar a nossa devem-se à presença real de dificuldades de
aula, separar quatro grandes queixas que aprendizagem, ou necessidades educativas
ouvimos com frequência nas escolas. Vamos especiais, ou podem ser atribuídas aos
abordar cada uma, sem a pretensão de chamados problemas de ensinagem – fatores
encontrar as soluções e respostas acabadas, intra-escolares como dificuldades de
que darão fim a esses problemas vividos pela relacionamento (com o professor e/ou com o
instituição escolar. grupo) e inadequação curricular, entre outros.
Joyce McDougall (1983, p. 173), em um No primeiro caso, são resumidas pelo
instigante livro que discute em profundidade a Parecer 17/2001 do Conselho Nacional de
questão da normalidade, fala da ambivalência Educação, de 3 de julho de 2001, que instituiu
do analista diante da dicotomia normal X as Diretrizes Nacionais para a Educação
neurótico. Isso pode ser lido em sentido mais Especial na Educação Básica e definiu como
amplo, incluindo os professores: alunos com necessidades educativas
É muito fácil para um analista contrapor especiais, aqueles que apresentam durante o
normal e neurótico, o que não impede outros de processo ensino-aprendizagem:
afirmarem que “é normal ser neurótico”.  Dificuldades acentuadas de
Estamos aqui diante dos dois significados aprendizagem ou limitações no processo de
principais do vocábulo. Dizer que “é normal ser desenvolvimento que dificultem o
neurótico” nos remete a uma noção de acompanhamento das atividades curriculares,
quantidade, à norma estatística. Se, por outro compreendidas em dois grupos:
lado, fizermos uma oposição entre “normal” e  aquelas não vinculadas a uma
“neurótico”, estaremos distinguindo-os em causa orgânica específica;
função de uma qualidade. Neste caso,  aquelas relacionadas a
utilizamos a palavra no sentido normativo, condições, disfunções, limitações ou
designando alguma coisa “em direção da qual deficiências.
o indivíduo tenderia”, o que sem dúvida inclui  dificuldades de comunicação e
uma dimensão ideal. Eis-nos, portanto, além da sinalização diferenciadas dos demais alunos
normalidade patológica, às voltas com dois (surdez, cegueira, surdo-cegueira ou distúrbios
acentuados de linguagem, necessitando de

60
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

diferentes formas de ensino e adaptações de O documento do MEC considera a


acesso ao currículo, com utilização de Educação Especial, como expressa a LDB,
linguagens e códigos aplicáveis assegurando- uma modalidade de educação escolar,
lhe os recursos humanos e materiais evitando a criação de serviços educacionais
necessários. especiais isolados. A diversidade dos alunos
 altas habilidades/superdotação (gerada por condições individuais, econômicas
e grande facilidade de aprendizagem que os e socioculturais) cria a necessidade de atos
levem a dominar rapidamente os conceitos, os pedagógicos diferenciados.
procedimentos e as atitudes e que, por terem Ao estudar as “necessidades
condições de aprofundar e enriquecer esses educacionais especiais” desloca o foco do
conteúdos, devem receber desafios aluno para as respostas educacionais que eles
suplementares em classe comum, em sala de demandam, por parte das instituições
recursos ou em outros espaços definidos pelos educativas. Enfatiza que a existência de
sistemas de ensino, inclusive para concluir, em professores especializados, e de outros
menor tempo, a série ou etapa escolar. (p. 16- professores, não significa que o regente da
17) Para o atendimento a estas necessidades, turma deixe de ter responsabilidade na
o MEC propôs, em 1998, “adaptações condução da ação docente.
curriculares” que permitiram a inclusão do Utiliza um conceito amplo de currículo
aluno portador de necessidades educativas que, elaborado a partir do projeto político-
especiais nas escolas regulares. O documento pedagógico escolar, se associa à identidade da
apresenta, como alternativas: instituição escolar e à sua organização e
 construir propostas funcionamento, e ao papel que exerce, a partir
pedagógicas baseadas na interação com os das aspirações e expectativas da sociedade e
alunos; reconhecer os tipos de capacidades da cultura. Inclui as experiências postas à
presentes na escola; disposição dos alunos, planificadas no âmbito
 sequenciar conteúdos e da escola, com o objetivo de propiciar o
adequá-los aos diversos ritmos de desenvolvimento pleno dos educandos. Não se
aprendizagem; fixa no que há de especial na educação dos
 utilizar metodologias alunos, mas flexibiliza a prática educacional
diversificadas e motivadoras; optar por um para atender a todos.
paradigma de avaliação processual e As adaptações curriculares não podem
emancipadora; ser consideradas como maiores ou menores,
mais ou menos radicais, mas devem ter
viabilidade e demandam um tempo certo para a
Adaptações curriculares
sua ocorrência.
Não-significativas. Significativas.
O documento citado propõe um quadro
Organizativas. Nos objetivos. de adaptações curriculares, classificando-as
Relativas aos Nos conteúdos. em Não-significativas (modificações menores,
objetivos e conteúdos. realizadas com certa facilidade, no
Nos procedimentos Nas metodologias e na planejamento das atividades) e Significativas
didáticos e nas organização didática.
atividades. 61
Na temporalidade. Na temporalidade.
Avaliativas. Avaliativas.
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

(mais profundas, que requerem o envolvimento que acarrete uma manifestação observável de
da instituição como um todo). conduta. Isso nos remeteria diretamente ao
contraponto entre normal e anormal, já
discutido em outra aula.
Preferimos considerar, para a
conceituação que vocês estão construindo, a
Reparem que há uma repetição em definição de condutas típicas apresentada
várias modalidades de adaptação curricular. pelos Parâmetros Curriculares Nacionais/
Isto é explicável: as adaptações significativas Adaptações Curriculares (1998, p. 25):
nem sempre podem ser implementadas de “Manifestações de comportamento típicas de
pronto, mas sim processualmente, começando portadores de síndromes e quadros
muitas vezes com níveis menos significativos psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que
de adaptação. ocasionam atrasos no desenvolvimento e
As decisões curriculares que iniciam as prejuízos no relacionamento social, em grau
adaptações devem envolver toda a equipe da que requeira atendimento educacional
instituição, evitando a transferência de especializado”.
responsabilidade e a constante recorrência aos Existem diversas condutas típicas, com
recursos externos. as quais o professor pode se defrontar no
O texto indica, ainda, que existem três cotidiano do seu trabalho, e que causam
níveis de adaptações curriculares: individuais, dificuldades de aprendizagem com todas as
no currículo (incluindo elementos físicos, consequências que bem conhecemos: a
materiais e curriculares, como forma de ensinar esquizofrenia, a síndrome desafiadora e de
e avaliar, por exemplo) e no Projeto Político oposição, a Síndrome de Rett, os transtornos
Pedagógico da escola. do humor, a hiperatividade (ou TDAH) e o
autismo.
2.ª queixa: os alunos geralmente não A segunda questão – indisciplina
se comportam bem na escola, não têm escolar – vem merecendo uma série de estudos
limites, não obedecem e abordagens, tanto na Pedagogia e na
Psicologia, como na área da Psicopedagogia.
Esta segunda queixa diz respeito a A própria definição do que é indisciplina pode
uma questão que se apresenta cindida, ser extremamente diversificada. Dependerá,
englobando dois aspectos: os distúrbios de por exemplo, do quanto a escola pode ser
conduta e a indisciplina escolar propriamente conservadora e da rigidez da aplicação dos
dita. Embora saibamos que estão muito limites disciplinares estabelecidos.
ligados, constituem aspectos distintos. Autores como Lajonquière acreditam
Como definir os distúrbios de conduta? que “a razão de ser da (in)disciplina escolar é a
A identificação de comportamento ou conduta, própria lógica do cotidiano escolar”. (1996, p.
considerando apenas a manifestação externa, 36). A partir de uma pesquisa realizada com
levaria a considerar como distúrbio de professores, Fortuna (2002, p. 88) assim
comportamento qualquer tipo de perturbação concluiu:

62
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Podemos resumir que a indisciplina O termo motivação tem, portanto,


escolar foi definida, de um modo geral, como diversos significados. Podemos falar em
ausência ou negação de um comportamento motivação para estudar, trabalhar, viajar e sair
desejável. A maioria das respostas acusa “falta de férias. Vamos focar as organizações.
de algo” nos alunos com problemas Outras indagações surgem: o que leva
disciplinares: falta de limites, falta de atenção, realmente as pessoas a estarem motivadas e a
falta de organização do material, falta de serem mais produtivas? Qual a atuação do
material, falta de higiene, falta de respeito às professor, em relação ao incremento da
regras, aos valores, aos colegas e aos motivação da sua turma? Motivação, o que é
professores. Estes alunos são descritos como isto? O que faz com que um aluno saia de casa
quem “não respeita regras e combinações, não animado com o dia que tem pela frente na
atende ordens, não tolera frustrações, não escola e outro se arraste para fora da cama só
consegue se conter, não respeita o patrimônio”. pensando em como vai ser duro chegar e em
Entendemos, como Fumes (2002, p. como o tempo custa a passar quando está lá?
19), que manter a disciplina não significa A motivação dos alunos, aquela tensão
simplesmente “administrar a paz dos interna que inicia, dirige e mantém o
problemáticos”, mas educar para a autonomia comportamento para um determinado objetivo,
e para a equidade, cultivando valores e não está, com muita frequência, dirigida nas
competências para a convivência social. questões que o professor espera. O
conhecimento nem sempre é “prioridade zero”
3.ª queixa: os alunos não para os estudantes, e isso deixa o professor
respondem, com interesse, às propostas bastante frustrado.
que a escola se esforça em elaborar Hoje, com o boom da mídia, a escola
precisa se esforçar bastante para competir com
Já ficou claro que esta queixa aponta o mundo colorido, sonoro, divertido e variado
diretamente para a questão da motivação. Na que os meios de comunicação oferecem às
área da Educação, muitas vezes só nos crianças e aos jovens. Ao mesmo tempo, a
preocupamos com a motivação do aluno para a “invasão” da Educação pela tecnologia nos
aprendizagem. É inegável que, quando falamos obriga a repensar muitas das nossas crenças
da realização de qualquer tarefa, a motivação sobre o interesse dos nossos alunos.
com que o indivíduo a ela se dedica determina Além do mais, não podemos considerar
a qualidade do produto da mesma e a eficiência apenas a motivação dos alunos, nos
com que é realizada. esquecendo que a motivação do professor
Freitas (1998, p. 112) afirma que a também está diretamente envolvida no
motivação é a predisposição (fator interno) com processo ensino-aprendizagem.
que o indivíduo trabalha (atua). E continua: Embora sobre isso haja uma
“Refere-se ao estado de espírito, às condições multiplicidade de estudos, citamos o de Telfer e
psicoemocionais com que enfrenta o trabalho Swan (1986, p. 42). Eles sugerem que:
no dia-a-dia.” O problema da motivação do professor
se situa no preenchimento de necessidades de

63
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

situações específicas e cujos sucessos ou


Enfoque Função
insucessos são importantes para a escolha das
avaliativo
alternativas subsequentes”.
Diagnóstico Prognóstica
Ainda é raro, infelizmente,
Controle Diagnóstico encontrarmos nas escolas a aplicação da
(formativo) avaliação com os seus três enfoques e funções:
Somativo Classificatória
alta ordem em uma profissão em que os
padrões de carreira podem ser limitados. O Podemos encerrar afirmando que a
estabelecimento de metas em termos de questão não se restringe ao fato do professor
resultados quantificáveis é difícil e o grau de “não saber avaliar”, como muitas vezes as
manutenção dos procedimentos nas atividades “queixas” nos induzem a pensar. O problema é
rotineiras da escola podem ser uma verdadeira o viés ideológico de que ela se reveste (e por
fonte de frustração. O resultado, portanto, é que isso citamos as duas concepções de avaliação
a natureza do trabalho do professor em si acima) e a sua abrangência, pois o processo de
próprio pode emergir como a principal fonte de avaliação, em sala de aula, é composto por três
satisfação no trabalho. fatores que compõem o que se chama de
avaliação:
4.ª queixa: é difícil avaliar a 1) Avaliação do conhecimento –
aprendizagem dos alunos em qualquer área da avaliação, em qualquer
nível de ensino, há uma ênfase sobre o domínio
Realmente, a avaliação é um dos do conhecimento, a medição do conhecimento,
pontos mais complexos do processo de ensino- das habilidades.
aprendizagem. Há uma tendência burocrática 2) A avaliação é utilizada como
que exige do professor registros sob a forma de um poderoso fator de controle do
notas ou conceitos, em tempo predeterminado, comportamento do aluno em sala de aula.
e contradiz a ideia de que a avaliação é um Constitui-se em uma ameaça ao aluno e em um
processo contínuo, inserido no processo de instrumento de poder do professor.
aprendizagem. O professor ainda encontra
3) Avaliação de atitudes e valores
dificuldade para avaliar de forma dialógica e
– a avaliação conforme atitudes, valores e até
democrática em salas de aulas superlotadas e
a própria forma de pensar, não pela prova, mas
realizando múltiplas jornadas de trabalho para
porque professores e alunos acreditam em
sobreviver.
certos conceitos, vivem certas concepções,
Romão (2001, p. 58), afirma que
que podem ser harmoniosas ou antagônicas no
existem, nas nossas escolas, duas concepções
âmbito da sala de aula.
de avaliação: a primeira consiste em uma visão
de avaliação baseada em julgamento de
UM ÚLTIMO OLHAR: O DA
acertos ou erros, implicando prêmios ou PSICOPEDAGOGIA
castigos; a segunda conduz a “uma concepção
avaliadora de agentes ou instituições, em

64
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

As “queixas” escolares são O psicopedagogo interfere, então, em


compartilhadas por todos que vivem, aspectos muito significativos, que afetam as
diretamente, o ambiente da instituição escolar. “queixas” escolares de que falamos – e várias
Elas chegam aos pedagogos, aos psicólogos, outras queixas:
aos fonoaudiólogos, aos psicopedagogos...  autoconhecimento
Mery (1985) fala da complexidade e da (identidade);
especificidade do papel do psicopedagogo:  motivação;
 não busca erradicar as  autocontrole (domínio das
manifestações (sintomas) das dificuldades, emoções);
mas procura atingir as causas dos problemas;  empatia;
 compreende a evolução do ser  habilidades cognitivas;
humano em uma perspectiva dinâmica,  competências sociais.
buscando rearranjos no ambiente e nas
Sara Pain (1985, p. 13), resume bem
interações do aluno para que ele volte ao ritmo
esse olhar psicopedagógico do qual falamos
normal do seu desenvolvimento; estabelece
neste final de aula:
uma relação com o aluno, na qual interferem
[...] convém assinalar o alcance da
afetos e emoções (não se trata de uma relação
psicopedagogia com relação à intervenção
neutra, portanto) para transmitir-lhe
pedagógica específica; o que permite delimitar
conhecimentos e interferir nas demais relações
o terreno de competência do psicólogo
que ele estabelece;
dedicado à aprendizagem e o terreno do
 busca recuperar a inserção do
especialista em Ciências da Educação, que
aluno em uma escolaridade normal, de acordo
atende às perturbações na aquisição dos
com as possibilidades e interesses deste.
processos cognitivos. Este último se preocupa
principalmente em construir situações de
Completa afirmando: ensino que possibilitem a aprendizagem,
Da especificidade mesma do papel do incrementando os meios, as técnicas e as
psicopedagogo nasce sua complexidade. De instruções adequadas para favorecer a
fato, o psicopedagogo é um professor, mas, correção da dificuldade que o educando
como acabamos de ver, um professor de um apresenta. Diferentemente, o psicólogo se
tipo particular: ele deve realizar sua tarefa de interessa pelos fatores que determinam o não-
pedagogo, sem perder de vista os propósitos aprender no sujeito e pela significação que a
terapêuticos de sua ação. Quando o atividade cognitiva tem para ele; desta forma a
psicopedagogo, como eu, por exemplo, realiza intervenção psicopedagógica volta-se para a
pedagogias curativas, a expressão “pedagogia descoberta da articulação que justifica o
curativa” por si só reforça a ambiguidade de seu sintoma e também para a construção das
papel, uma vez que ela implica ao mesmo condições para que o sujeito possa situar-se
tempo o fato de transmitir um saber e o de num lugar tal que o comportamento patológico
“tratar”, sendo o termo “curativo” originário do se torne dispensável.
latim “cura”, que quer dizer cuidados. (MERy,
1985, p. 16)

65
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Podemos finalizar reafirmando a atendimento mais adequado ao professor de


necessidade de se conjugar diversos “olhares” séries regulares.
sobre as “queixas” da escola.  Por meio de estudos e
pesquisas tem sido acompanhado o processo
PROPOSTAS escolar dos alunos que passaram ou estão
PSICOPEDAGÓGICAS PARA passando pela educação inclusiva.
A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Eles têm sido observados a partir da
análise de sua rede de relações sociais,
Comecemos definindo o que é
atividades de lazer, formas de participação na
Educação Inclusiva. A denominada Educação
comunidade, satisfação pessoal etc.
Inclusiva nasceu nos Estados Unidos pelas
 A maioria dos Estados norte-
mãos da Lei Pública 94.142, de 1975 e, hoje, já
americanos estão aplicando a Educação
está na sua segunda década de
Inclusiva, como: Nova york, Massachussets,
implementação. Em todo o território desse país
Minnesota, Daytona, Siracusa, West Virgínia
foram estabelecidos programas e projetos
etc.
dedicados à Educação Inclusiva:
 O Departamento de Educação Mas, fora dos Estados Unidos, como
do Estado da Califórnia deu início a uma está a situação da Educação Inclusiva?
política de apoio às escolas inclusivas já Também não é diferente. O mais conhecido
implantadas. centro de estudos a respeito da Educação
 A criação, pelo Vice-Presidente Inclusiva é o CSIE – Center for Studies on
Al Gore, de uma Supervisão de Informática Inclusive Education – da Comunidade
direcionada à uma política de Britânica, sediado em Bristol. É esse Centro
telecomunicações baseada na ampliação da que fornece os principais documentos a
rede de informações para todas as escolas, respeito da Educação Especial:
bibliotecas, hospitais e clínicas.  O CSIE – International
 Aliança entre o movimento da Perspectives on Inclusion.
Educação Inclusiva e a busca de uma escola  O UNESCO Salamanca
de qualidade para todos. Statement (1994).
 Propostas de modificações  O UN Convention on the Rights
curriculares, visando a implantação e a of the Child (1989).
melhoria de programas adaptados às  O UN Standard Rules of the
necessidades específicas das crianças Equalisation of Opportunities for persons with
portadoras de deficiências. Disabilities (1993).

Assim, tem sido especialmente Hoje, um dos documentos mais


enfatizado o estabelecimento dos importantes é o “Provision for Children with
componentes de autodeterminação da criança Special Educational Needs in the Asia Region”
portadora de deficiência. As chamadas equipes que inclui os seguintes países: Bangladesh,
técnicas das escolas têm recebido cursos de Brunei, China, Hong Kong, Índia, Indonésia,
capacitação para poderem fornecer um Japão, Coréia, Malásia, Nepal, Paquistão,

66
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Filipinas, Singapura, Sri Lanka e Tailândia. apoiar o processo de implementação das


Mas, não podemos esquecer que existem políticas da Educação Inclusiva em 4.666
programas de Educação Inclusiva em todos os municípios brasileiros até 2006. A Secretária de
“principais” países do mundo: França, Educação Especial do MEC, Cláudia Pereira
Inglaterra, Alemanha, México, Canadá, Itália Dutra, garante que o convívio com a diferença
etc. faz crescer a proposta pedagógica e enriquece
Mas, e no nosso país, como está a aprendizagem dos alunos. Segundo a
caminhando a Educação Inclusiva? Em secretária, está se formando no Brasil um pacto
pronunciamento recente2, durante o pela inclusão social.
lançamento do Programa de Educação Nesse mês aconteceu a capacitação
Inclusiva e Direito à Diversidade, o ministro da de 300 gestores e professores de 128
Educação, Cristovam Buarque, afirmou que “as municípios de todas as regiões do país e a ideia
crianças portadoras de deficiências devem ser que fundamenta esse programa de capacitação
incluídas nas escolas tradicionais”. Para o é que os participantes dos cursos subsidiarão e
ministro, nenhuma criança pode ser excluída darão acompanhamento à elaboração de
em função da cor da pele, raça, gênero ou por projetos de implementação da Educação
ser portadora de qualquer tipo de necessidade Inclusiva nos 128 municípios-piloto do
especial. programa. Cada um desses municípios será
Para desenvolver o programa em 83% responsável pela reaplicação do processo nas
dos municípios brasileiros, o ministro assinou demais cidades incluídas no programa.
termo de cooperação técnica com o fundo das Cabe ressaltar que são numerosos os
Nações Unidas para a Infância (Unicef). A desafios para a implantação do programa: o
representante da organização no Brasil, Reiko levantamento da população deficiente e do que
Niimi, afirmou que é importante desenvolver existe em termos de rede de apoio, saúde e
ações que favoreçam o direito de todas as assistência no Brasil; o preconceito em relação
crianças. “Ninguém quer ser tratado como ao deficiente; o direcionamento de recursos
diferente. Precisamos tratar as que têm para a formação de professores que atendam
deficiências como as normais”, disse Reiko. especificamente aos alunos com necessidades
O ministro ressaltou que, atualmente o educacionais especiais e a organização das
Estado atende 54% da população infantil condições de acesso às escolas.
composta por crianças com necessidades E em termos de legislação, como
especiais. “Temos que transferir os recursos caminha a Educação Inclusiva no país e como
para as entidades que fazem esse trabalho e temos lidado com esse conceito de inclusão na
aumentar a consciência de que esse é o Educação? Na Conferência de Salamanca, em
caminho para melhorar a qualidade das junho de 1994, uma assembleia representativa
escolas”. de 92 países e 25 organizações internacionais
Cristovam Buarque destacou, ainda, a assumiu a Educação para Todos, daí surgindo
necessidade de lutar para aumentar o tempo de a expressão Educação Inclusiva e o documento
3
permanência das crianças na escola . Segundo que oficializou essa opção – a Declaração de
ele, o objetivo do programa é disseminar e Salamanca.

67
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

De acordo com Sassaki (1997), a considerando as suas capacidades afetivas,


abordagem ideal das instituições inclusivistas emocionais, sociais e cognitivas. Nessa
por meio de seus profissionais e colaboradores perspectiva não se deve estigmatizar as
é considerar seus usuários como cidadãos com crianças pelo que diferem, mas levar em
direito à autonomia física e social maiores, consideração as suas singularidades,
independência para agir, tomar decisões e mais respeitando-as e valorizando-as como fator de
4
espaço para praticarem o empowerment . enriquecimento pessoal e cultural. A qualidade
A inclusão tem o amparo do princípio do processo de inclusão está, portanto,
da igualdade defendido pela Constituição diretamente relacionada com a estrutura
Federal em seu artigo 5.º, aliado ao direito à organizacional da instituição.
educação constante no artigo 208. Este artigo No Referencial Curricular (1988, v. 1)
também prevê a possibilidade de nem todos os verificamos que a qualidade do processo
indivíduos se beneficiarem com a inclusão, ao envolve questões mais amplas implicadas às
preconizar que o atendimento educacional aos políticas públicas, às decisões orçamentárias, à
portadores de deficiência deve se dar implantação de recursos humanos, aos
preferencialmente na rede regular de ensino. A materiais adequados em termos de quantidade
nova Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, e qualidade e à adoção de medidas
assegurou que a criança deficiente física, educacionais compatíveis em suas diferentes
sensorial e mental, pode e deve estudar em modalidades.
classes comuns. Dispõe em seu artigo 58, que Dessa forma, defrontamo-nos com o
a educação escolar deve situar-se na rede problema das políticas públicas de educação
regular de ensino e determina a existência, que, só agora, começam a se ocupar da
quando necessária, de serviços e apoio integração dos alunos portadores de
especializado. Prevê também recursos como deficiências no ensino regular. Uma ação mais
classes, escolas ou serviços especializados efetiva diante da inclusão ainda precisa ser
quando não for possível a integração nas construída pelos educadores e
classes comuns. O artigo 59 contempla a psicopedagogos. E é dessa construção que
adequada organização do trabalho pedagógico vamos nos ocupar agora.
que os sistemas de ensino regular devem
assegurar, a fim de atender as necessidades PROPOSTAS
específicas, assim como professores PSICOPEDAGÓGICA PARA
A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
preparados para o atendimento especializado
ou para o ensino regular, capacitados para
integrar os educandos portadores de FORMAÇÃO DE PROFESSORES

necessidades especiais nas classes comuns.


De acordo com o Referencial Curricular Para que as aprendizagens escolares
Nacional para a Educação Infantil (1988, v. 1), realmente se efetivem nas nossas escolas
é competência do professor a tarefa de públicas e particulares, temos que reconhecer
individualização das situações de que não basta apenas aos profissionais da área
aprendizagem oferecidas às crianças, de Educação uma formação em determinados

68
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

conteúdos lógicos, mas, que esses torna uma bula de remédios, repleta de efeitos
profissionais necessitam uma formação em colaterais nocivos à saúde escolar.
termos de aprendizagens dramáticas, Por outro lado, retomando as
considerando o universo social ao qual sua afirmações da teoria do conhecimento prático
atividade profissional se dirige – uma sociedade em Gerard Vergnaud, é preciso admitir que os
formada por um contingente de mais de trinta cursos das áreas de Educação de muitas
milhões de analfabetos, entre funcionais e universidades brasileiras, e mesmo fora delas,
absolutos, os quais, por sua vez, em sua tendem a considerar apenas uma abordagem
maioria, compreendem o quadro dos brasileiros abusivamente teórica e discursiva, ficando a
que vivem em condição de pobreza crônica nas prática da sala de aula, lamentavelmente, fora
periferias de nossas grandes capitais e de seu centro de ação pedagógica.
metrópoles.
Portanto, precisamos contemplar ADEQUAÇÕES CURRICULARES
nessa formação psicopedagógica do novo INDIVIDUALIZADAS (ACI)
profissional da Educação o conhecimento
prático a respeito das questões sociais e
Esse termo surgiu na Espanha (COLL,
culturais que configuram a especificidade de
1995) e foi gerado a partir do Programa de
sua prática de professor em um país como o
Desenvolvimento Especial para alunos com
Brasil. Claro que considero fundamental que o
handicaps ou deficiências. Posteriormente, e
professor que atua na área de Educação
atendendo à progressiva ampliação do
Popular demonstre competência profissional,
conceito de Educação Especial, esta
por exemplo, no conhecimento das teorias de
associação foi adquirindo novos matizes e
Emília Ferreiro, buscando caracterizar os
sendo transferida a todos os alunos que, por
diferentes níveis psicogenéticos em que se
uma ou outra condição – ou conjunto de
encontram seus alunos no processo de
condições – apresentam necessidades
construção da leitura e da escrita e,
educacionais especiais.
posteriormente, desestabilizá-los com desafios
As ACIs constituem um dos
inteligentes para que possam avançar.
instrumentos escolares e devem envolver, em
Contudo, sei que somente o domínio
sua elaboração, desenvolvimento e avaliação,
deste conhecimento por parte do professor não
ações e procedimentos que assegurem, em
garante a aprendizagem de 100% de seus
todos os casos, o cumprimento das seguintes
alunos, nem a evasão zero em sua sala de
funções:
aula. Por um lado, para o caso da formação do
 estabelecer uma conexão
professor, podemos afirmar que esta, tanto
lógica entre a avaliação psicopedagógica e a
quanto a formação de seus alunos, tem por
programação individual;
base aprendizagens subjetivas – associadas às
 preparar e coordenar as
estruturas simbólicas do conhecimento
situações educacionais regulares e especiais
humano – sem as quais a construção de
que dirigiremos ao aluno; proporcionar ao
competências técnicas para o ato de ensinar se
aluno, o máximo possível, e quando convir,
ambientes menos restritivos; eliminar, na

69
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

medida do possível e, quando convier, os perceber estes esforços na explicitação de


recursos educacionais especiais e devolver ao critérios para promoverem o aluno e para
aluno circuitos, serviços e situações escolares eliminarem os apoios da educação especial,
o mais normais possíveis; sempre que for possível e conveniente.
 descrever, especificar e
justificar a resposta educacional dirigida ao O AJUSTE DA PROGRAMAÇÃO
aluno, de forma clara e compreensível, a fim de ÀS NECESSIDADES E
que todas as pessoas envolvidas no CARACTERÍSTICAS DOS ALUNOS
crescimento do aluno – e o próprio aluno,
sempre que for possível – possam participar,
Os alunos de uma turma sempre
efetivamente, da tomada de decisões
apresentam diferentes comportamentos e
educacionais envolvidas na elaboração,
limitações: formas peculiares de aprender,
desenvolvimento e a avaliação do programa
preferências por determinadas situações de
individual.
aprendizagem, utilizam materiais escolares
O documento em que uma ACI se com diferentes rendimentos e aprendem mais
baseia pode ter diferentes formas e, facilmente se o professor se dirige a eles de
necessariamente, deve fazer parte do projeto uma ou de outra maneira.
político-pedagógico de qualquer escola, se de Por isso, para evitar (prevenir)
fato pretendemos criar uma Educação dificuldades de aprendizagem, o professor
Inclusiva. As ACIs deverão incluir ainda três capaz de diversificar sua intervenção
grandes conjuntos de elementos: pedagógica prepara e inclui, em seu programa,
A avaliação psicopedagógica – esta diferentes formas de ensino que podem ajustar-
informação deve se referir aos níveis atuais de se às diferentes formas de aprender dos
competência do aluno em relação ao currículo alunos. A intenção, pelo menos no início, não é
escolar e a outros fatores que possam dificultar baixar o nível de exigência, nem preparar
seu desenvolvimento e aprendizagem. programas diferentes para cada aluno, mas, é
A proposta curricular – em termos de possível, em um primeiro momento, preparar
“o que” ensinar: áreas, conteúdos, objetivos diferentes materiais, organizar a turma de
etc. “Como” ensinar: enfoques metodológicos e forma que seja possibilitada a aprendizagem
didáticos; tipo; duração e periodicidade dos em diferentes ritmos e de diferentes maneiras.
serviços educacionais (regulares e É preciso contar, também, com a predisposição
específicos); materiais e instrumentos. do professor para flexibilizar o tratamento dado
“Quando” ensinar: sequência prevista de ações aos alunos e a captar a melhor maneira de
pedagógicas referentes às áreas, conteúdos e comunicar-se com cada um deles para ajustar
objetivos. “O que”, “como” e “quando” avaliar. e modificar sua intervenção pedagógica
A promoção do aluno – elementos facilitadora de aprendizagem e de crescimento
que permitem perceber e avaliar os esforços pessoal.
realizados e que se pretendem realizar para
promoverem ao aluno ambientes menos
restritivos e regulares. Por exemplo, pode-se

70
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

OBJETIVOS E CONTEÚDOS Diversificar os objetivos – apontar


certos objetivos comuns a todos e outros de
caráter individualizado, em função das
Os processos de ensino e de
necessidades e possibilidades de cada aluno.
aprendizagem caracterizam-se por seu caráter
A programação deve conseguir o equilíbrio
intencional, e esta intencionalidade traduz-se
entre dar a resposta à turma como tal e a cada
em objetivos educacionais que os vão
aluno dentro da turma.
concretizando. Para que haja uma proposta
Estabelecer novos objetivos –
psicopedagógica de Educação Inclusiva, é
abrangendo outras áreas do desenvolvimento:
preciso, em primeiro lugar, promover
afetiva, motora, cognitiva, social e moral. Este
modificações nos objetivos, já que são estes
item, embora seja importante para qualquer
que determinam o resto dos elementos da ação
aluno, adquire relevância maior quando se
pedagógica. Em função do que desejamos
refere aos alunos com necessidades
conseguir (a inclusão), planejamos como e
educacionais especiais.
quando fazê-la.
Inclusão de novos conteúdos – não
Tradicionalmente, os objetivos de
somente aqueles conteúdos relativos à
ensino e de aprendizagem têm-se concentrado
aquisição de conceitos, princípios ou fatos, mas
no âmbito cognitivo e têm sido os mesmos para
também a procedimentos, valores, normas e
todos os alunos, tendo como referência, na
atitudes.
melhor das hipóteses, o aluno médio e, na pior,
Vale ressaltar que a carga de
o aluno idealizado. Isso deu lugar a uma
conteúdos do tipo mais “acadêmico”, no
situação que pode ser caracterizada com os
currículo escolar, tem tido como consequência
seguintes aspectos: o esquecimento
não somente a negligência de áreas
(proposital?) de outras áreas de
importantes do desenvolvimento, mas também
desenvolvimento; a identificação de objetivos e
o aumento de alunos com problemas de
conteúdos; uma excessiva utilização de
aprendizagem.
metodologias transmissoras (ou expositivas); a
No momento de elaborar a
homogeneização e inflexibilidade no ensino e,
programação curricular da escola, é preciso
consequentemente, a desintegração dos
realizar uma cuidadosa seleção dos conteúdos
alunos com necessidades educacionais
que devem ser adquiridos por cada turma de
especiais; uma avaliação do tipo normativo, em
alunos, levando-se em consideração, além do
função de certos objetivos iguais para todos; e,
que já foi dito anteriormente, a funcionalidade.
finalmente, uma organização das atividades de
Se levarmos em consideração que os
ensino e de aprendizagem, nas quais todos
conteúdos culturais duplicam-se,
teriam que fazer o mesmo ao mesmo tempo.
aproximadamente, a cada dez anos (Gimeno,
Esta situação nos aponta a clara
1986), urge, cada vez mais, introduzir aqueles
necessidade de introduzir modificações
que tenham maior aplicação e generalização na
psicopedagógicas nos objetivos do processo
vida social e favoreçam a autonomia na
educacional, de maneira que cumpram os
aprendizagem. É preciso incorporar,
princípios de integração e individualização.
consequentemente, conteúdos referentes aos
Como mudanças mais significativas, proponho:

71
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

procedimentos, entendidos como um conjunto dificuldades de aprendizagem devido à pouca


de ações ordenadas para se atingir um fim: consistência da mesma, ao limitar-se a um
habilidades, estratégias, métodos de trabalho acúmulo de conhecimentos sem estabelecer
(Coll, 1986). relações adequadas entre os mesmos. É
importante que os alunos construam uma
METODOLOGIAS aprendizagem significativa, o que implica agir e
refletir sobre a informação escolar.
Os processos de ensino e de Para que a aprendizagem seja
aprendizagem são, antes de tudo, uma relação significativa, a nova informação deve
de comunicação que se manifesta, relacionar-se, compreensivamente, com as
precisamente, no processo metodológico. Na ideias prévias dos alunos. O professor
metodologia tradicional, o professor transmite a facilitador deste tipo de aprendizagem precisa
informação acabada aos alunos, a realizar as seguintes tarefas:
comunicação encontra-se centrada no  determinar quais são os
professor e é unidirecional e/ou monológica5. requisitos prévios necessários para a aquisição
Ao contrário, em metodologias ativas, em que o de um novo conhecimento e ver em que medida
aluno pode ser protagonista e o professor um os alunos já se apropriaram do mesmo;
facilitador da aprendizagem, a relação de  preparar as atividades e
comunicação é recíproca entre professor e materiais necessários para transmitir-lhes as
alunos (dialógica). novas aprendizagens, de forma que a nova
Quanto mais o professor interagir e informação possa se relacionar com a anterior;
comunicar-se com seus alunos, mais  motivar os alunos, levando em
informações conseguirá obter acerca do consideração os interesses dos mesmos para
processo que os mesmos seguem para que se envolvam na tarefa proposta;
aprender e, portanto, dos níveis de auxílio que  organizar a aula para que os
necessitam, aspectos especialmente alunos possam buscar as informações.
relevantes para a Psicopedagogia e,
Não devemos esquecer que o
obviamente, para os alunos com necessidades
professor não é o único que ensina aos alunos,
educacionais especiais. Isto torna-se quase
mas que estes também aprendem entre si. As
impossível quando se abusa de explicações
pesquisas educacionais evidenciam que as
orais coletivas, em que se dá muito pouco
situações de aprendizagem baseadas no grupo
tempo para interagir com os alunos, seja de
cooperativo são as que mais favorecem, tanto
forma individual ou de um pequeno grupo, para
a aquisição de competências e habilidades
saber quais são suas ideias acerca dos
sociais, como o rendimento escolar dos alunos
elementos e dificuldades que estão
(COLL, 1984). Este aspecto é especialmente
experimentando na aprendizagem.
relevante para os alunos com necessidades
O tipo de aprendizagem que se quer
educacionais especiais que ficam
alcançar é decisivo no processo metodológico.
desintegrados em estruturas de aprendizagem
Como sabemos, a aprendizagem mecânica e
do tipo competitivo.
repetitiva tem gerado um bom número de

72
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

AVALIAÇÃO – Vou aprender a nadar – diz


Silvina com a alegria de seus seis anos recém-
É preciso ampliar o objeto da avaliação feitos.
em dois níveis fundamentais. Em primeiro – Vai nadar? – intervém a irmã,
lugar, do aluno a todos os elementos da ação três anos mais jovem
educacional, ou seja, o contexto educacional no – Não, vou aprender a nadar.
qual se desenvolvem os processos de ensino e – Eu também vou brincar na
de aprendizagem. Frequentemente, as piscina.
dificuldades de aprendizagem apresentadas – Não é o mesmo. Eu vou
pelos alunos são fruto de um planejamento aprender a nadar, diz Silvina.
educacional inadequado quanto aos objetivos e – O que é aprender?
à metodologia, de uma falta de interação com o – Aprender é... como quando
professor ou com a turma. Se a avaliação se papai me ensinou a andar de bicicleta. Eu
concentrar somente nos alunos, não queria muito andar de bicicleta. Então... papai
poderemos modificar os fatores (externos a ele) me deu uma bici... menor que a dele. Me ajudou
que estão produzindo ou intensificando as a subir. A bici sozinha cai, tem que segurar
dificuldades no aprender do aluno. Portanto, é andando...
necessário, também, ampliar os procedimentos – Eu fico com medo de andar
de avaliação, já que muitos dos elementos a sem rodinhas.
serem avaliados não são passíveis de medidas – Dá um pouco de medo, mas
normativas, senão de metodologias papai segura a bici. Ele não subiu na sua
qualitativas. bicicleta grande e disse “assim se anda de
Para finalizar e baseando-me em bici”... não, ele ficou correndo ao meu lado
Piaget, pergunto: por que não avaliar o que o sempre segurando a bici... muitos dias e, de
aluno tem construído de conhecimentos, suas repente, sem que eu me desse conta disso,
habilidades e competências e não o que é soltou a bici e seguiu correndo ao meu lado.
habitualmente feito, a avaliação do que lhe Então, eu disse: Ah! Aprendi!
falta? Pois sempre faltará algo, somos seres Nesse instante, Alícia (2001, p. 28) não
inacabados e o conhecimento é sempre pôde deixar de ver a alegria com que a menina
provisório. pronunciou o verbo “aprender”, que se
transferiu para o corpo da mais moça e fez
A INTERVENÇÃO surgir um brilho em seus olhos.
PSICOPEDAGÓGICA NOS – Ah! Aprender é quase tão lindo
PROCESSOS DE ENSINO quanto brincar – disse a menor.
– Sabe, papai não fez como na
Alícia Fernández conta em um dos escola. Ele não disse “Hoje é o dia de aprender
capítulos de seu livro, O saber em jogo, o a andar de bicicleta”. Primeira lição: andar
diálogo entre duas meninas, sem a direito. Segunda lição: andar rápido. Terceira
interferência de nenhum adulto, que reproduzo lição: dobrar. Não tinha um boletim onde
nesse começo de aula. anotar: muito bem, excelente, regular... porque,

73
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

se tivesse sido assim, não sei, algo nos meus Alícia, que presenciava a cena, nunca
pulmões, no meu estômago, no coração não havia escutado, nem lido, nem conseguido
me deixaria aprender.
escrever uma explicação tão acertada ensinar, a importância que dava ao ensinado,
para os verbos ensinar e aprender. Desse assim como o que esperava de sua filha, a
diálogo nos convida a refletir sobre as pessoas confiança que nela depositava em relação ao
que ocupam esse lugar de ensinantes: pais e que poderia aprender, a alegria e o prazer que
professores. a ele proporcionava estar com sua filha naquela
Ensinar e aprender se imbricam; atividade, tudo isso formava o terreno onde sua
portanto, não se pode pensar em um dos filha iria aprender.
verbos se não está em relação com o outro, Assim, vemos a partir do diálogo com
mas, para poder explicar para sua irmã menor sua irmã que entre o ensinante e o aprendente
o que é aprender, Silvina precisou nomear se abre um campo de diferenças no qual vai se
primeiro quem ensina. No seu caso, o pai é a alojar o prazer de aprender. O ensinante
pessoa ensinante. Fernández (2001, p. 29) nos entrega algo, mas para que o aprendente possa
mostra que: se apropriar desse algo, necessita inventá-lo
A modalidade de seu pai, a posição que novamente. É uma experiência de alegria e de
assumia ao ensinar, como pensava sobre si descoberta, dependendo da posição que o
mesmo, a confiança que podia ter nele para ensinante ocupar.
Mesmo que os objetos ou as máquinas “estudar é preciso para ganhar dinheiro” e, para
possam vir a ter uma função ensinante, a mim o pior de todos: “você precisa estudar para
pessoa ensinante, com todas as suas ser alguém na vida” – ficando subentendido que
características singulares, acrescidas de suas o filho e/ou aluno ainda não é uma pessoa,
qualidades pedagógicas, é prioritária nessa talvez um bicho, quem sabe.
relação ensino-aprendizagem, porque é A primeira intervenção
exatamente o molde relacional que irá se psicopedagógica que pode ser feita em
imprimir na subjetividade do aprendente, mais relação aos ensinantes, que repetem
que o conteúdo da aprendizagem. incessantemente essas fórmulas sobre o
No caso de Silvina, foi necessário que estudo para crianças e adolescentes, é
o ensinante (o pai) a investisse da possibilidade mostrar-lhes a diferença entre conhecimento e
de ser aprendente, lhe autorizando a ocupar o saber.
lugar de sujeito pensante para que a menina se
apropriasse do prazer da autoria da SABER E CONHECER
aprendizagem.
Muitas vezes, esquecemos o caráter O conhecimento não pode ser
subjetivo da aprendizagem e centenas de pais transmitido diretamente e em bloco, o
e professores acreditam poder despertar o ensinante transmite-o por meio de um signo.
desejo de aprender de seus filhos e alunos, Por exemplo, quando uma mãe diz ao seu filho
apelando para velhos refrões: “estudar é “não mexe aí” ou “não sai daí”, está
necessário para obter um bom trabalho”; apresentando um paradigma para a criança.

74
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Assim, a criança que possui uma estrutura por exemplo, com os analfabetos ao
habilitada para captar o imperativo negativo do desvalorizarmos sua sabedoria por não serem
verbo utilizado pela mãe, poderá aplicar esse conhecedores da tecnologia da escrita e da
signo apreendido para qualquer tipo de verbo. leitura. Em algum momento de nossas vidas
E é a partir de exemplos dados em um contexto (parte de nossas infâncias) também fomos
que as crianças poderão reproduzir ações analfabetos, mas como diria Paulo Freire,
verbais, ou seja, houve primeiro uma mecânica contávamos com as nossas leituras de mundo
geradora. Foi necessário um modelo, um e com a sabedoria dessas leituras para
emblema de conhecimento. sobreviver no mundo letrado. E quantas vezes
Os adultos, mesmo sem se darem admitimos, com toda propriedade, que somos
conta do que estão fazendo, escolhem uma analfabetos em determinadas áreas do
situação, fazem um recorte e transmitem tanto conhecimento? Admitimos nossa ignorância,
sinais de conhecimento quanto ignorância. A sem temer o ridículo ou o menosprezo de
Psicanálise nos mostra que o conhecimento é nossos amigos e familiares. Paulo Freire,
sempre conhecimento do outro, porque o outro também nos alertaria, assim como a
o possui1; porém, também porque é preciso Psicopedagogia, que só tendo a humildade
conhecer o outro, ou seja, colocá-lo no lugar do para nos percebemos ignorantes poderemos
ensinante e, assim, conhecê-lo. Não conhecer o que nos falta.
aprendemos com qualquer um, aprendemos As relações cotidianas entre as
com aquele a quem outorgamos confiança e pessoas também evidenciam essa diferença
direito de ensinar. entre saber e conhecimento, como nos mostra
Quais são as diferenças entre saber e Fernández (2001, p. 63b):
conhecimento? O conhecimento é objetivável, Assim, se alguém diz “Sei dirigir”,
transmissível de forma indireta ou impessoal; supõe-se, caso tivesse um automóvel, que
pode ser adquirido por meio de livros ou poderia sair dirigindo. Porém, se alguém diz:
máquinas; é factível de sistematização nas “Eu conheço como se dirige um carro”, até o
teorias; enuncia-se por intermédio de melhor amigo duvidaria de emprestar seu carro.
conceitos. Conhecer regras de manejo, seja porque
O saber é transmissível de maneira alguém contou, ou porque leu o manual de
direta, de pessoa à pessoa, experiencialmente; instruções e conhece os procedimentos, seja
não se pode aprender por meio de um livro, porque talvez tenha passado cinco anos
nem de máquinas, não é sistematizável; só estudando como dirigir, não quer dizer que
pode ser enunciado por intermédio de esteja em condições de entrar num carro e
metáforas, paradigmas, situações e histórias. O fazê-lo.
saber dá poder de uso, mas o conhecimento Em outras palavras, para saber dirigir
não. um carro é preciso conhecimentos, mas só com
Uma grande falha de nossa educação eles não se pode praticar o verbo dirigir. Os
refere-se à desqualificação do saber e ao conhecimentos somente se operacionalizam no
endeusamento do conhecimento. O que é feito,

75
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

terreno construído pela inteligência: o desejo, o nós, que não precisarão mais que os levemos
organismo e o corpo. no colo e, ainda assim, promovemos a
A segunda intervenção aprendizagem de caminhar. Isso quer dizer que
psicopedagógica é lhes indicar como ocupar ensinamos nosso filho a caminhar.
o lugar de ensinantes que já possuem na vida
de seus filhos e alunos. Poderíamos lhes falar
que mais do que ensinar (mostrar) conteúdos
de conhecimentos, o significado de ser
ensinante é abrir espaço para o aprender.
Espaço simultaneamente objetivo e
subjetivo em que dois trabalhos são
realizados ao mesmo tempo: a construção de
conhecimentos e a construção de si mesmo,
como sujeito criativo e pensante.
Pais e professores, por serem os
primeiros ensinantes de nossa vida, podem
nutrir e produzir nas crianças esses espaços,
nos quais o aprender é construtor de autoria do
pensamento, ao invés de perturbar a criança
em seu uso desse espaço ou até, em casos
extremos, destruir esses espaços. Às vezes,
essas atitudes extremas de destruição
acontecem porque os ensinantes percebem
que as crianças irão embora, não precisarão
mais de sua ajuda e, para evitar a dor da perda,
mantêm as crianças presas em uma
dependência intelectual e emocional que pode
levar ao desmoronamento do espaço de
aprender. Mas, vejamos o exemplo que
Fernández (2001, p. 30) nos traz:
Se um menino ou menina aprende a
caminhar não é porque tenha pernas, mas
porque seus pais desejam que ele/ela caminhe
e o/a consideram capaz de caminhar. Quando
nossos filhos caminham sozinhos, podem até
“escapar” e ir para onde não podemos controla-
los; no entanto, mesmo sabendo disso,
continuamos desejando que aprendam.
Antecipamos que deixarão de necessitar de

76
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Então, precisamos saber como estivessem usando as “bicicletas” das crianças, o


ensinantes que somos, que a prioridade é que é igualmente bizarro e grotesco. Um outro
ensinar, mas que as crianças aprendem exemplo, bastante comum, é quando os
sozinhas, como no exemplo dado por professores falam com os alunos, em turmas de
Fernández. No aparente paradoxo está o Educação Infantil, usando todos os substantivos
código da senha para podermos abrir todo e no diminutivo ou se utilizam, assim como os pais,
qualquer processo saudável de aprendizagem. de uma linguagem chamada de ta-te-bi-ta-te, o
Acredito estar ficando mais claro para que se constitui como uma outra maneira de
vocês alunos-leitores, como vão se inter- desrespeitar as crianças e infantilizá-las.
relacionando o aprender e os processos de O pai de Silvina não montou em sua
diferenciação, do mesmo modo que ensinar e bicicleta grande e disse: “Olha, minha filha, como
favorecer a autonomia, ou seja, suportar a dor do eu ando e assim aprenderá a andar de bici”.
fato de que o aprendente não necessite mais de Supostamente, ele teria que saber andar de
nós. bicicleta para poder ensinar sua filha; entretanto,
Ao ter um papel fundamental como quando lhe está ensinando, corre ao lado da
ensinantes, os professores também assumem a menina.
função de agentes subjetivantes. Podem intervir Vocês repararam que o pai de Silvina não
solidificando aspectos patógenos que vêm da lhe pediu, nenhuma vez, que prestasse atenção
família da criança ou, pelo contrário, podem nele? Pois é, se o aprender necessitasse tão-
2
propiciar movimentos saudáveis . somente de prestar atenção, o pedido seria que
Embora o ofício de ser professor seja Silvina prestasse atenção em si mesma e em seu
marcado pela informação, a função primordial desejo de andar de bicicleta. Também, não lhe
dos docentes não é transmitir informação, mas mandou sentar e com as mesmas palavras:
propiciar ferramentas e espaço adequado (sem “Preste atenção, Silvina. Assim se anda
dúvida alguma, o lúdico é o melhor) no qual seja de bicicleta”, nem depois deu muitas voltas com
possível a construção do conhecimento. sua enorme bicicleta frente aos olhos
A terceira intervenção assombrados da menina, dizendo:
psicopedagógica – o que o ensinante entrega à “Não se mexa, Silvina, amanhã você vai
criança ao ensinar? andar e eu vou sentar para lhe dizer se está
Voltemos ao diálogo do início da aula. O fazendo certo”.
ensinante entrega a ferramenta (bicicleta), mas Deveríamos nos perguntar quais são os
não oferece diretamente o conhecimento (andar significados ocultos na tão corriqueira expressão
de bicicleta). Contudo, a ferramenta que ele escolar: “Preste atenção!”. Para mim soa como
entrega à criança não é a mesma que ele utiliza, uma ordem: “Pague sua atenção para mim e/ou
assim como o pai não usa a mesma bicicleta de me dê toda a sua atenção e, poderíamos
sua filha. continuar, porque sou adulto, pai ou professor,
A intensão dos professores, em muitas você é criança, eu já passei por todos os
escolas, é que as crianças aprendam usando a sofrimentos possíveis nos meus anos de aluno e,
“bicicleta” – as ferramentas conceituais – de agora, é a sua vez. Ou você acha que para se
tamanho igual à do professor ou, agem como se tornar grande e sabido, a gente não tem que

77
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

pagar um pedágio de dor?” Quantas supostas Em outras palavras, seu êxito como pessoa não
patologias são impostas à criança em nome da depende do êxito de seu aprendente para que ele
atenção? Quantos nomes enigmáticos, tais como se sinta feliz. Podemos, e devemos, nos
ADD ou ADHD, não são mais do que déficits de responsabilizar junto com nossos filhos e alunos
3
atenção dos próprios adultos ensinantes que pelos seus êxitos, mas sabendo que estamos
lidam diariamente com a criança? compartilhando essa responsabilidade.
Toda aprendizagem é dramatizada no Lembram-se que o pai de Silvina corria
corpo a partir da experiência, que pode ser de ao lado da bicicleta? E se a bicicleta caísse?
prazer ou de desprazer; as duas deixam suas Provavelmente cairiam os dois. E os dois se
marcas: alegria ou dor. Mas, a dor pode gerar responsabilizariam juntos pelo tombo. E se
somatizações de todas as espécies, pois, afinal, encontrassem uma pedra ou um buraco no
nós sujeitos habitamos um corpo e nosso corpo caminho que fizesse a bicicleta cambalear? Os
pode sofrer padecimentos emocionais que, aos dois juntos teriam que encontrar rapidamente
poucos, vão se transformando em fisiológicos e uma maneira de se desviarem do risco,
se instalando em nosso organismo. As chamadas impedindo, se possível, que a bicicleta caísse.
doenças psicossomáticas atestam isso. Tudo isso junto faz com que o terreno em
A quarta intervenção que se encontram ensinantes e aprendentes seja
psicopedagógica – a segurança e a um lugar onde se correm riscos, pois na aventura
responsabilidade dos ensinantes. de aprender nos deparamos sempre com
Fernández (2001, p. 33a) comenta: “O imprevisíveis e ilimitadas possibilidades que se
pai de Silvina sustentava a bicicleta-instrumento- abrem para os sujeitos. Os verbos ensinar e
conhecimento-processo-construtivo. Não aprender comportam desafios de todas as
segurava a menina pela cintura, nem pelas espécies, assim como viver.
pernas, menos ainda pela cabeça. Assim, Mas, voltemos à questão da
facilitou a apropriação da autoria”. responsabilidade. Fernández nos aponta que
O que é preciso para que um ensinante (2001, p. 33): “A responsabilidade
sustente a bicicleta? Métodos diferentes? compartilhada exime a imposição de culpas
Técnicas de ensino? Diferentes procedimentos expulsivas ou imobilizantes. A culpabilização do
pedagógicos e psicopedagógicos? Uma equipe aluno ou do professor é um desvio que impede a
multidisciplinar de profissionais presente na chegada à necessária responsabilidade”.
escola? A construção da autonomia carrega
Todos esses elementos sozinhos vão consigo a construção da responsabilidade, pois
fazer a bicicleta cair e a menina vai se machucar. autonomia significa ser autor de suas próprias
Para que o ensinante sustente a bicicleta- regras, ser regulado por normas éticas e morais
ferramenta-conceito-construção de em conformidade com as leis sociais e, os
conhecimento-espaço criativo-espaço de sujeitos autônomos são pessoas responsáveis
aprendizagem – e não a criança pelo corpo, ele por si mesmas e, muitas vezes, pelos outros.
precisa saber neutralizar a importância da sua Um grande equívoco que acontece no
figura. Para tanto, precisa estar medianamente dia-a-dia escolar é confundir construção de
seguro de si mesmo e ter seus próprios projetos. autonomia com construção do chamado “espírito

78
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

competitivo”. Tal equívoco promove a prática da compreensiva para não inquietar a criança e não
competição em sala de aula como estratégia de contribuir para lhes frustrar os planos.
ensino e de aprendizagem. Os professores Quando está presente, a criança não
exigem que seus alunos aprendam em meio a participa ipso facto da conversa. Na maioria das
uma corrida, com o perigo de perder, ou de ficar vezes, os adultos mandam que ela vá brincar, de
de fora, ou com a obrigação de ser bem- preferência bem longe do local onde estão
sucedido. A escola, transformada em campo de reunidos, para poderem falar sem excessivas
treinamento e competição, é produtora de precauções. É então que a vemos, com um ar
neurose. E todo o cuidado é pouco na hora que aborrecido ou vagamente inquieto, à espera, ao
estamos avaliando por meio de notas, pois fundo da sala ou perambulando pelo pátio da
mesmo que não realizemos competições escola.
explícitas, poderemos estar embutindo rivalidade Quando é convidada a aproximar-se, a
entre colegas exibindo as notas como troféus e criança pode mostrar-se ambivalente. Talvez
medalhas. quisesse ser uma mosca para não perder nada
A quinta intervenção do que dizem a seu respeito e nem sempre se
psicopedagógica – a criança como mediadora sente muito à vontade, face a estes adultos que
dos contatos diretos. habitualmente enfrenta separadamente, mas
Como acabei falando de avaliação e que, nesse dia, se encontram reunidos, senão
notas, no tópico anterior, vou emendar agora com mesmo unidos.
o tema reuniões de pais e professores, fato O encontro entre pais e professores
bastante corriqueiro no dia-a-dia escolar. materializa o time dos adultos, mesmo quando
A criança não pode ficar indiferente à estão em conflito ou resolvem uma negociação
representação que os adultos têm dela, nem ao difícil sobre a disciplina, as notas ou a orientação
futuro que estes lhe reservam. O seu destino está escolar. Então, a criança toma consciência de ser
em jogo, mas como é uma criança, os adultos objeto de uma decisão conjunta sobre a qual tem
não retiram daí a conclusão que é necessário tanto menor influência quanto maior for a partilha
associá-la aos seus encontros. Essa de informações e o acordo estratégico entre pais
necessidade parece evidente a alguns poucos e professores.
professores e pais, mas a maioria pensa que as Alguns alunos pressentem que esses
crianças não estão suficientemente crescidas ou encontros, por mais raros que sejam, limitam a
maduras para poderem discutir seu próprio sua (pouca) autonomia. Enquanto go-between4,
destino. Daí que, muitas vezes, pais e conservam uma certa margem de manobra, mas
professores se encontram sem conhecimento do quando os pais e os professores se encontram,
interessado: o aluno. Mas mesmo quando este estreitam-se as malhas da rede. Os alunos
não está a par desses encontros, nem sempre é pressentem (e muito bem, por sinal) que agora as
convidado, ou mesmo informado do motivo exato tarefas de que são incumbidos apresentam
de tais conversas adultas. Em geral, após o menos falhas quando são frutos do acordo entre
encontro, à criança apenas são transmitidas adultos, e tentam assim evitar as alianças muito
reproduções parciais: professores e pais filtram a estreitas entre pais e professores, pessoas de
informação de forma que esta se torne quem mais dependem.

79
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

A utilização desse exemplo cotidiano tem sujeitos pensantes, críticos, reflexivos e


a intenção de mostrar, tão concretamente quanto autônomos, precisamos tratá-los com respeito,
possível, que as comunicações entre a família e consideração e dignidade o tempo todo, não
a escola não poderiam se reduzir às reuniões importa a idade da criança, desde que não
entre professores e pais, aos encontros, às aulas esqueçamos nunca que temos diante de nós um
abertas e às outras formas de participação e de sujeito pensante e não temos o direito de insultar
contatos. Por mais próximas e calorosas que sua inteligência, nem menosprezá-la.
sejam, estas comunicações diretas são apenas a A sexta intervenção psicopedagógica
parte visível das trocas que, para o – os espaços de aprender, brincar e trabalhar.
remanescente, são mediatizadas pela criança, Brincar é descobrir as bondades da
desempenhando dupla função: mensageira e linguagem; é inventar novas histórias, é assistir à
mensagem, indo e vindo entre dois mundos (pais possibilidade humana de criar novos pulsares, e
e professores, ou, família e escola). isso é maravilhosamente prazeroso. Brincar é pôr
Longe de ser um elemento neutro, a a galopar as palavras, as mãos e os sonhos.
criança intervém seletivamente e ativamente na Brincar é sonhar acordado; ainda mais: é
comunicação entre pais e professores, que arriscar-se a fazer do sonho um texto visível. Um
podem ou não pedir para que participe de seus grande obstáculo para instrumentalizar um
encontros. Se o aluno está presente, a sua programa educativo em que a criança e seus
participação nem sempre se ajusta às jogos estejam no centro é a dificuldade que têm
expectativas dos adultos; muitas vezes, a criança os professores para jogar. (MORALES
permanece mais silenciosa ou passiva do que se ASCENCIO, 1995)
desejaria, enquanto que, em outras A docência exige um trabalho constante
circunstâncias, intervém sem que a tenham consigo mesma, um trabalho de construção de
convidado para tal e de uma forma que contraria uma postura, de um posicionamento como
ou desconcerta os adultos. aprendente, que resultará em modos diversos de
Parece, então, que não existe saída para ensinar. Para a pergunta: como é que se faz para
tal dilema: se não convidamos a criança para ser um bom ensinante? A resposta é: sendo um
participar de encontros nos quais ela é o assunto bom aprendente.
principal, estamos lhe excluindo de um processo A escola, sendo o lugar onde as crianças
decisório que lhe diz totalmente respeito. Se a e jovens encontram-se com adultos investidos
convidamos, sua participação é desconcertante. socialmente do poder de ensinar, pode
O que fazer? possibilitar a potência criativa do brincar e do
Minha resposta é: reuniões escolares aprender dos alunos. Isso somente se consegue
entre pais e professores para tratar de com ensinantes que desfrutem o aprender, o
desempenho acadêmico, disciplina, sexualidade brincar com as ideias e as palavras, com o
infantil, relacionamento entre colegas e etc., sentido do humor, com as perguntas das
devem ser realizadas na presença e com a crianças. E, por favor, não se obriguem à
participação das crianças, mesmo que essa urgência de dar respostas certas; ao contrário, se
participação seja silenciosa ou barulhenta. Não autorizem a construir novas perguntas a partir
importa. Se pretendemos, de verdade, formar das perguntas de seus alunos, se permitam dizer:

80
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

não sei a resposta, mas podemos tentar se atenuem e o nível do ensino se eleve. Tornar
descobri-la juntos. real uma educação sob medida, conforme a
Rodulfo (1990) considera que uma das fórmula de Claparède (1973), é a ambição
tarefas psicológicas decisivas para o adolescente (utópica?) de todos aqueles que acham
é produzir a metamorfose do essencial do brincar simplesmente um absurdo sem tamanho ensinar
infantil no trabalhar adulto. A chave dessa a mesma coisa no mesmo momento, com os
mutação reside na migração do desejo mesmos métodos, a alunos muito diferentes.
inconsciente de um campo ao outro para que o A Psicopedagogia também acredita que
adolescente possa investir profundamente no essa homogeneização do ensinar e do aprender
trabalho, tal como vinha fazendo com o brincar. é absurda. Assim, a preocupação em ajustar o
Tal passagem do brincar para o trabalhar ensino às características individuais não surge da
pode e deve ser facilitada pela aprendizagem utopia e/ou do sonho de uns poucos idealistas,
escolar e familiar. Piaget já nos dizia que o mas do respeito às diferenças entre as pessoas
trabalho adulto nada mais é do que o jogo e de um, digamos, bom senso pedagógico, como
simbólico das crianças em outra potência e o que nos diria Freinet na Pedagogia do Bom Senso.
considerávamos como uma atividade inferior, o A indiferença às diferenças, como nos
brincar, era o centro gerador de operações aponta Perrenoud, só tem promovido fracasso
mentais sofisticadas e complexas. Então, por que escolar, pois transforma as desigualdades
não trazer o brincar e a brincadeira para dentro iniciais, diante da cultura, por exemplo, em
da escola e da família? desigualdades de aprendizagem e,
posteriormente, desigualdades de êxito escolar.
A INTERVENÇÃO Apesar das evidências e das análises
PSICOPEDAGÓGICA NOS progressivamente mais precisas realizadas por
PROCESSOS DE
pesquisas educacionais a partir dos anos 60 na
APRENDIZAGENS
INDIVIDUAIS E COLETIVAS Europa, e dos anos 80 no Brasil, a fabricação do
fracasso escolar persiste. O modo dominante de

Na introdução de seu livro Pedagogia organização da escolaridade não mudou:

Diferenciada, Perrenoud (2000) nos explica o que agrupam-se os alunos conforme a sua idade (o

significa diferenciar o ensino: fazer com que cada que supostamente indica um nível de

aprendiz vivencie, tão frequentemente quanto desenvolvimento igual) e seus conhecimentos

possível, situações fecundas de aprendizagem. acerca dos conteúdos escolares, em turmas, que

Parece uma ideia simples; contudo, envolve a escola insiste em acreditar que são

profundas mudanças na escola. De imediato, homogêneas, pelo menos o suficiente para que

qualquer que sejam as adaptações feitas à cada aluno possa assimilar o mesmo conteúdo

prática pedagógica de todo o dia, os professores programático durante o mesmo tempo – um ano

não podem renunciar ao seu papel de ensinante letivo.

e nem abdicar dos objetivos essenciais da Na aula anterior, a partir do exemplo da

Educação. Então, diferenciar a pedagogia nossa bicicleta, discutimos as ferramentas-conceito que

de todos os dias é lutar para que as os professores dispõem em sua função

desigualdades diante da aprendizagem escolar ensinante. Também refletimos sobre os desafios

81
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

e riscos que os aprendentes precisam suportar que se encontram seus alunos no processo de
na aventura de aprender. Por mais incrível que aquisição da leitura e da escrita.
isso possa parecer, superar os obstáculos que Ao invés de separá-los em grupos
surgem na trilha da aprendizagem é um prazer usando como critério esses níveis, permite que
que alimenta a inteligência, que dá sabor ao eles se organizem como quiserem e propõe,
conhecimento e mais saber ao inconsciente. E como situação-problema, que cada grupo
ainda mais, os professores que se engajam escreva listas diferentes de compra de
nessa aventura, sentem as mesmas emoções supermercado: materiais de limpeza, legumes,
dos alunos. Lembrem-se: ensinar e aprender só frutas, carnes, grãos etc. Cada grupo precisará,
acontecem em um marco relacional. primeiro, classificar os produtos (uma situação-
Quando Piaget escreve cooperação em problema) e, depois, resolver o obstáculo da
seus livros, quer significar operações mentais escrita. Ou seja, a professora trabalhou com a
compartilhadas. turma, em um sistema de co-operação,1 dois
Já sabemos que aprender não é conteúdos: raciocínio lógico-matemático
simplesmente memorizar, estocar informações, (classificação dos produtos do supermercado) e
mas é uma ação complexa que envolve todo o a construção da linguagem escrita. E a tarefa não
sujeito aprendente e reestrutura seu sistema de precisa se esgotar no mesmo dia, pode e deve
compreensão do mundo. Essa reestruturação continuar no dia seguinte, é só trocar as listas,
não acontece sem um importante trabalho para que outros grupos tenham acesso ao que foi
cognitivo. Ao se engajar no processo de escrito, ampliando e corrigindo (por quê não?) o
reestruturação, o equilíbrio rompido é que os colegas fizeram.
restabelecido e o aprendente domina melhor, de Mas, a aprendizagem individual foi
maneira prática e simbólica, a realidade. Foi o esquecida? Claro que não! Os alunos
que aconteceu com Silvina quando seu pai tirou trabalharam em pequenos grupos (máximo de
as rodinhas da bicicleta, o equilíbrio cinco crianças) e cada um, ao contribuir com a
anteriormente conquistado (as rodinhas) foi lista coletiva, aprendeu. Além disso, ao lerem as
desmantelado e uma nova aprendizagem listas confeccionadas pelos outros grupos, mais
(reestruturação) pôde surgir. Por isso, aprendizagens foram realizadas: leitura,
precisamos ser desafiados sempre. O que ampliação do conteúdo das listas e correção dos
implica, na escola, em organizar situações- textos. Pois é, as crianças também aprendem
problema para que os alunos, ao resolvê-las, quando questionam o certo e o errado, quando
possam criar outras configurações da realidade. têm dúvidas e perguntam, quando são
Uma situação-problema precisa ser desafiadas a agir em uma tarefa que tenha
previamente organizada pelo professor em torno sentido para elas.
da resolução de um obstáculo pela turma, Esse tema da correção nos remete à
obstáculo previamente identificado. Por exemplo, avaliação escolar da aprendizagem e nos
estamos no início do ano letivo (março) em uma convida a refletir sobre as hierarquias de
classe de alfabetização, a professora já excelência que são fabricadas no cotidiano da
identificou os diferentes níveis psicogenéticos em sala de aula. Assim, por exemplo, como
interpretamos o conteúdo programático em

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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

relação à redação em uma terceira série do momento que o professor parabeniza os alunos
ensino fundamental. Esperamos que o aluno seja pelo êxito por eles alcançado na tarefa.
capaz de escrever um texto simples, legível e Quando a avaliação (formal) concentra-
contendo algumas ideias-chave organizadas ou se apenas na contagem de erros, sem a devida
entendemos que não podemos aceitar menos do análise, os destinos acadêmicos – sucesso ou
que uma pequena dissertação sobre algum tema fracasso escolar – estão lançados e as
predeterminado por nós? Um professor pode dar competências reais dos alunos passaram
a nota 10 para o primeiro caso (texto simples), desapercebidas, como se não existissem. Os
enquanto que outro daria 5 e/ou reprovaria o avanços na aprendizagem, às vezes, mostram-
aluno. Temos, então, uma variação imensa em se como erros diferentes, os quais Piaget
relação às exigências docentes acerca das denominaram de erros construtivos. Isso porque,
aprendizagens dos alunos, ou seja, quem em sua teoria, o conhecimento objetivo aparece
escreveu o texto simples aprendeu e quem como uma aquisição e não como um dado inicial.
redigiu a pequena dissertação também aprendeu O caminho em direção a este conhecimento
a escrever, certamente tem mais competência, objetivo não é linear: não nos aproximamos dele
domina melhor a escrita, tem mais talento etc., passo a passo, juntando peças de conhecimento
mas não é por comparação que chegaremos na umas sobre as outras, mas sim por meio de
nota justa, mas por critérios mais justos para grandes reestruturações globais, algumas das
avaliar as aprendizagens. quais são “errôneas” (no que se refere ao ponto
Continuando com o exemplo acima, final), porém “construtivas” (na medida em que
devemos perceber como está a escrita de toda a permitem aceder a ele). Toda obra de Piaget
turma, se todos, com exceção de dois ou três abunda em exemplos de tais erros construtivos.
alunos, escrevem textos simples, então podemos Citando apenas um: os julgamentos de
considerar que a turma sabe escrever e, equivalência numérica que se baseiam na
portanto, podemos aperfeiçoar essa habilidade e igualdade de fronteiras entre duas coleções –
torná-los mais competentes ainda, criando mais quando a criança julga que há igual quantidade
atividades interessantes e significativas que de elementos em duas filas de objetos cujos
promovam essa competência. limites coincidem independente do fato de que
Ao invés de só perceber o que falta em em uma haja cinco, espaçados entre si, e na
cada criança, por que não perceber o que os outra sete, menos espaçados – constituem um
alunos já construíram em termos de progresso notável em relação à etapa anterior, na
conhecimento e, desse ponto, fazê-los avançar qual não há critério estável para julgar a
ainda mais? Levar em consideração, também, os equivalência quantitativa entre duas coleções, e
erros que foram evitados na realização dos novos mesmo que levem a criança a cometer erros
exercícios – sinal de que a aprendizagem nessa sistemáticos, estes erros são construtivos, não
área específica do conhecimento está construída impedindo, mas sim permitindo o acesso à
– além de ser um critério mais justo para julgar a resposta correta.
aprendizagem da turma, institui um clima Em outras palavras, quando uma criança
favorável para aprendizagens futuras, a partir do diz “eu fazi”, ela não regulariza os verbos
irregulares “porque sim”, ou porque ela é

83
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

“burrinha”, nem julga da equivalência entre duas isso é falso, a tal ficção permanece no princípio
coleções pela equivalência das fronteiras “porque da estrutura escolar: faixas etárias dos alunos e
sim”. Esses são erros sistemáticos e não erros distribuição do programa em graus anuais. No
por falta de atenção ou de memória. Nosso dever, início da escolaridade obrigatória, as diferenças
como psicopedagogos e professores é tratar de de idades são as únicas que a escola aceita levar
compreendê-los; o dever dos pedagogos é levá- em conta. Para afrontar a imensa diversidade de
los em consideração, e não os colocar no saco ritmos de desenvolvimento, a Pedagogia preferiu
indiferenciado dos erros em geral. É preciso esconder a cabeça na areia, tal qual o avestruz
permitir aos aprendentes que passem por quando tem medo de alguma coisa, preferindo
períodos de erro construtivo em seus processos ignorar essa questão.
de construção dos conhecimentos. A Mas, então como lidar com as diferenças
Psicopedagogia tem consciência que essa é uma de ritmos de desenvolvimento e aprendizagem?
tarefa de fôlego, que demandará de nós uma Tendo como base a teoria piagetiana, vemos que
outra classe de esforços. o desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento
Uma outra classe de argumentos afetivo e o desenvolvimento social são
explicativos sobre o fracasso escolar se inseparáveis. Piaget (1936) atribuiu nítida
concentra nas diferenças e desigualdades extra- importância às relações sociais entre as crianças
escolares – biológicas, psicológicas, para o desenvolvimento afetivo e intelectual.
econômicas, sociais e culturais – com o Quando as relações ocorrem entre iguais
firme propósito de nos convencer que são elas as (alunos), a cooperação torna-se uma
responsáveis pelas desigualdades de possibilidade real. Embora o comportamento
aprendizagem e de êxito escolar. parcialmente socializado seja evidente desde o
Perrenoud (2000) nos pergunta, então, início da linguagem oral, Piaget afirma que é em
se não é a escola que assume o papel de torno dos sete ou oito anos – com o nascimento
indiferença às diferenças? Sim, porque não das operações cognitivas – e com o fim do
podemos negar que essas diferenças existem, egocentrismo pré-operacional, que ocorre o
mas elas não se transformam magicamente em progresso sistemático da cooperação. Isto é
desigualdades na aprendizagem escolar, a não facilmente percebido na compreensão das
ser ao sabor de um funcionamento discriminativo regras, nos jogos infantis. Segundo youniss e
do ensino, de sua maneira particular de tratar as Damon (1992, p. 273), “Piaget descreveu as
diferenças. relações infantis entre os pares como o contexto
Atualmente, depois de mais de vinte ideal para a cooperação. Seu raciocínio dizia
anos de debates sobre a diferenciação possível que, como praxe, os colegas teriam de colaborar
e desejável do ensino, a maioria dos sistemas para ficarem juntos, já que o relacionamento
escolares ainda mantém amplamente a ficção entre eles baseava-se na reciprocidade
segundo a qual todas as crianças de seis anos, simétrica”.
que entram na primeira série da escola As crianças têm potencial para interagir
obrigatória, estariam igualmente desejosas e socialmente com os outros enquanto iguais, mas
seriam capazes de aprender a ler e a escrever normalmente com os adultos elas interagem
em um ano letivo. Embora todo mundo saiba que como se fossem inferiores (respeito unilateral).

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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

Os conflitos entre as crianças são superados por Durante o desenvolvimento das


intermédio da autêntica cooperação. Youniss e operações concretas, as operações reversíveis
Damon (1992, p. 273) continuam: internalizadas (reversibilidade) se manifestam no
Piaget afirmou enfaticamente que no julgamento afetivo infantil. As origens da
processo de descoberta e prática dos reversibilidade na vida afetiva eram observadas
procedimentos que medeiam a cooperação entre no pensamento pré-operacional. Nesse período,
os colegas, as crianças criam um senso comum os sentimentos não eram totalmente
de solidariedade social. Há confiança no “conservados” e o afeto era pré-normativo; mas,
processo que requer a cooperação dos outros em virtude de os sentimentos do cotidiano
(...) e ela está baseada na compreensão mútua poderem ser representados e lembrados, os
que resulta da troca de ideias nas comunicações sentimentos atuais passaram a ser relacionados
infantis.Assim, Piaget considerou dois tipos de com os anteriores2.
raciocínio moral-interpessoal ocorrendo Em torno dos sete ou oito anos emerge a
paralelamente na criança do período pré- conservação dos sentimentos e dos valores. As
operacional. As interações com os adultos são, crianças tornam-se aptas a coordenar os seus
em geral, baseadas no respeito unilateral, pensamentos afetivos de um evento para outro.
enquanto que as interações com os colegas, nas Com o passar do tempo, o que é preservado ou
quais os problemas que surgem são conservado são alguns aspectos dos
solucionados entre eles, gradativamente se sentimentos do passado. O pensamento afetivo
baseiam no respeito mútuo (cooperação). é agora reversível. O passado pode ser
Portanto, a maneira como as crianças interagem transformado em uma parte do raciocínio
distintamente com os seus pares e com os presente por meio da capacidade de reverter e de
adultos apresenta resultados diferentes para o conservar.
seu desenvolvimento. Piaget (1981, p. 60) sugeriu que a
No nível das operações concretas, o interação social, durante o estágio pré-
raciocínio e o pensamento adquirem mais operacional, encoraja o desenvolvimento da
estabilidade em relação ao pensamento conservação de sentimentos.
pré-operacional. A capacidade para raciocinar A vida social requer que o pensamento
torna-se cada vez mais lógica e menos sujeita às adquira uma certa permanência. Para que isto
influências das contradições perceptuais ocorra, a atividade mental não pode mais ser
aparentes. A reversibilidade do pensamento e a representada em termos de símbolos pessoais,
descentração ajudam a trazer consistência e tais como as fantasias dos jogos simbólicos, mas
conservação ao raciocínio infantil operacional deverá ser expressa em termos de significados
concreto. universais, tais como os signos linguísticos
Estes fatores não influenciam apenas o (linguagem). A uniformidade e a consistência da
desenvolvimento cognitivo, mas também o expressão reforçada pela vida social
desenvolvimento afetivo. Durante o estágio desempenham, entretanto, uma grande parte no
operacional concreto, os afetos adquirem uma desenvolvimento das estruturas intelectuais com
medida de estabilidade e consistência que não suas conservações e invariâncias; e ela irá
apresentavam antes. conduzir a transformações análogas no domínio

85
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

das emoções. Com efeito, a permanência, Como é perceptível, o processo de


obviamente isenta de sentimentos espontâneos, aprender é dinâmico e complexo, necessitando
irá assemelhar-se com sentimentos sociais e, assim de um ensino ainda mais dinâmico. Uma
especialmente, os morais. boa estratégia para promover a dinamização do
Com isso, percebe-se que as atividades ensino e fornecer ao trabalho escolar um
em grupo promovem diferentes tipos de verdadeiro sentido é a instauração do contrato
aprendizagem: intelectual, social, afetiva e moral. didático. Como fazer isso?
Além disso, é em grupo que os alunos criam uma Para responder essa pergunta preciso
relação menos utilitarista com o ensino e com o começar pelo que há de mais óbvio: qualquer
conhecimento. É por meio das interações com os contrato precisa ser negociado antes e, nesse
colegas que as crianças vão compreendendo o caso – um contrato didático entre professor e
sentido daquilo que aprendem, pois não basta alunos – parto do pressuposto que o professor
que o conhecimento seja inteligível e/ou deseja escutar as reivindicações dos alunos,
assimilável, é necessário que esteja ligado às ajudá-los a formular seus pensamentos, ouvir
outras atividades humanas. Assim, por exemplo, suas queixas e ir junto com a turma elaborando
uma tarefa proposta para o grupo pode estar os compromissos mútuos que envolvem as
articulada com a história daquele conteúdo que ações de ensinar e aprender. Desde os mais
está sendo ensinado. Caberá ao grupo realizar rotineiros, como por exemplo:
uma pequena pesquisa para descobrir como  Estabelecer os dias da semana
aquele conhecimento específico foi desenvolvido em que haverá deveres de casa; como será feita
e transmitido para a humanidade e porque é a correção; o peso dessa tarefa na avaliação
conveniente apropriarse dele. bimestral etc.
O sentido do conhecimento, em questão,  Estabelecer como serão
pode dizer respeito à estética, à ética, ao desejo montadas as tarefas de grupo: número de
filosófico de compreender o mundo ou de participantes, modalidades de participação etc.
partilhar uma cultura. É tarefa da escola situar o
Uma vez estabelecido um contrato
conhecimento em universo de sentidos e de
didático que regula e dá o tom do trabalho
práticas para que os alunos o ampliem, pois
escolar, temos um contrato social de fato e de
sabemos que os conhecimentos desprovidos de
direito. Temos co-responsáveis nesse contrato,
sentido desaparecem rapidamente da memória,
ao invés de uma única autoridade na turma: o
uma vez terminada a prova. Mas, como o aluno
professor. O que não significa que o mestre tenha
promove a ampliação dos sentidos presentes no
renunciado ao seu ofício, à sua liderança e ao
conhecimento? Efetuando um retorno sobre o
seu lugar de ensinante. Porém, temos agora uma
seu próprio processo de aprendizagem,
outra situação educativa – uma relação mais
interrogando e questionando, de alguma maneira
horizontal e democrática foi instituída na sala de
externa, com a ajuda de seus pares, de seus
aula, como são as relações no mundo
mestres e dos suportes culturais necessários, a
extramuros escolares.
própria dinâmica da transferência do
Na aula anterior, exploramos bastante,
conhecimento. O que é chamado, hoje, de
por meio do exemplo da bicicleta, a afirmativa:
metacognição.
ninguém aprende no lugar da criança, mas

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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

ninguém aprende sozinho. Agora, vamos alunos lentos, que levará ao fracasso escolar. E,
interpretar essa afirmativa sob a ótica das ainda mais, nada garante que a rapidez dos
aprendizagens escolares que acontecem alunos mais rápidos signifique aprendizagem,
simultaneamente no aluno (individualmente) e na podendo ser somente puro ativismo.
turma (coletivamente). A melhor maneira de
Em outras palavras, se pretendemos
visualizarmos essa situação é deslocando-a para
diferenciar o ensino precisamos diferenciar
o cenário da sala de aula e imaginando uma
também o tratamento dispensado às diferenças
tarefa de grupo. Uma situação-problema foi
entre os alunos. E não vai ser punindo os alunos
trazida pelo professor como um trabalho que mais lentos, que estaremos fazendo justiça; pelo
deve ser realizado em um determinado tempo,
contrário, precisamos favorecer a inclusão
por quatro ou cinco alunos. Assim, em uma turma
desses alunos no ritmo da turma. A solução é
de primeira série, vivenciando os dias que
criar situações de aprendizagem que possibilitem
antecedem as festas de São João, o professor aos mais lentos mostrarem sua agilidade mental
decide junto com os alunos organizar a festa da
e acelerarem seu ritmo e, aos mais rápidos,
turma. E é a própria organização da festa que
situações em que a velocidade de execução seja
será transformada em situação-problema, pois um impedimento para resolução da tarefa.
dentre os inúmeros preparativos é necessário: Trocando os sinais estaremos priorizando a auto-
 decidir os tipos de comida e regulação das aprendizagens.
bebida; os enfeites; a montagem da arraca; a Outra ruptura necessária é com a ideia
quadrilha e as vestimentas; as músicas que de remediação a posteriori – a fatalidade da
serão tocadas; o casamento: noivos, padrinhos, recuperação, como se alguns alunos estivessem
pais e padre; predestinados a serem recuperados. Como se
 Cada grupo de alunos, além de fossem doentes crônicos escolarmente.
ficar com uma dessas tarefas, deve fazer o Lamentavelmente, muitos professores cruzam os
levantamento do custo total, do quanto caberá a braços diante desses alunos e esperam o
cada aluno no rateio do dinheiro para financiar a bimestre terminar, para “ver como é que fica”, se
festa. Assim, várias aprendizagens podem a recuperação poderá “dar um jeito” neles, nem
acontecer em uma única tarefa interdisciplinar, e que seja um remendo provisório. O que fazer
serem realizadas de forma individual e coletiva. nesses casos? Penso que o melhor é não permitir
 Para lidar com o ensino de forma que os vírus da apatia e da inércia se instalem na
diferenciada, é necessário romper com as sala de aula e acabe por contaminar a todos.
pedagogias de transmissão e investir na Muitas vezes esses vírus tomam a forma de
atividade intelectual e afetiva dos alunos, o que perfeccionismo pedagógico e os professores
faz do mestre um mediador entre alunos e criam a ilusão que podem ensinar tudo a todos
conhecimentos. É preciso também promover por meio de “boas” aulas expositivas, o que
duas rupturas: a primeira, com a mesmice de provoca um retorno à pedagogia da transmissão
exercícios, especialmente para os alunos para uma plateia de alunos mudos. Por não se
considerados mais lentos e, a segunda, com o contentarem com a ideia de aprendizagens em
excesso de oportunidades para os mais rápidos. processo e querendo vê-las rapidamente prontas
Isso provoca uma exclusão cada vez maior dos

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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM

e acabadas, caem na armadilha de aulas pré- levantamos novamente. Portanto, a escola não
fabricadas, retiradas dos livros didáticos. pode preparar o aluno para a vida fechando-se
Também, por não quererem ser julgados ao mundo externo, distanciando-se das vivências
como incompetentes por seus colegas, acabam dos alunos e de suas práticas sociais e culturais.
perdendo a medida das competências infantis, Para tanto é preciso saber: quais são os
transformando seus alunos em miniaturas de itinerários de vida que os alunos imaginam para
adultos. si mesmos? Quais as estratégias projetadas para
Uma saída para esse risco, o essas trilhas?
perfeccionismo pedagógico, é compartilhar com Se considerarmos os saberes
os alunos a correção dos deveres de aula e de acumulados pelos alunos como elementos da
casa. Pois, além da correção ser também um caixa de ferramentas pedagógicas do professor
momento de aprendizagem e de descoberta, o e/ou de sua reserva de materiais didáticos,
professor deixa de ser o único juiz supremo da estaremos apostando em um novo espaço de
corte escolar. Trabalhos escolares podem ser aprendizagem e, ainda mais, estaremos
trocados e todos interagem na correção. comprometendo os alunos em suas próprias
De uma maneira ou de outra, estamos, aprendizagens.
desde o início dessa aula, apostando em
situações de aprendizagem que estimulem a
auto-regulação. Esse é um desafio permanente
para o professor que rompe com o circuito
fechado de procedimentos de sala de aula e pode
inovar. Vocês já se perguntaram, por exemplo,
por que as tarefas escolares precisam ser
realizadas em um único dia? Por que as tarefas
não podem durar uma semana ou quinze dias?
Por que não trabalhar com projetos que
necessitem de tempos maiores, pré-fixados com
os alunos por meio do contrato didático? Tudo
isso junto favorece a auto-regulação das
aprendizagens (individual e coletiva). E permite a
construção de uma nova equilibração cognitiva,
diria Piaget.
Para pedagogia diferenciada é
extremamente importante que o professor abra
espaço tanto para a história quanto para o projeto
pessoal de cada aluno. Sabemos que fora da
escola, a complexidade da realidade social nos
bate no rosto e precisamos ser malabaristas, sem
rede; na aventura de viver cada dia, nos
arriscamos, erramos, tropeçamos, caímos e

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