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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS
DA APRENDIZAGEM
APRENDIZAGEM
BELO HORIZONTE / MG
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
SUMÁRIO
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
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(p. 776). Segundo o mesmo autor, é necessário sociais, a religião e a ideologia apropriada e
que fiquemos atentos a dois aspectos que consolidada através dos séculos. Este período
aparecem quando buscamos entender os teve como uma de suas principais
processos da Modernização: a tentativa características o aparecimento de grandes
incessante do homem para controlar a natureza descobertas científicas, a industrialização e a
e submetê-la às suas necessidades e a busca aceleração do ritmo de vida.
permanente de ampliar o campo das Todos estes fatos foram causados,
alternativas sociais e políticas para um maior principalmente, pelas novas formas de poder e
número de pessoas. pela explosão demográfica que modificaram a
O surgimento da Modernidade levou a visão do homem em relação ao universo e,
humanidade a uma revolução social que consequentemente, seu lugar nele. A
modificou todos os limites geográficos e sociais sociedade experimentou uma tomada de
até então existentes. consciência de si própria e passou a buscar a
Segundo nos diz Habermas (2000, p. renovação em todos os contextos sociais.
88): O projeto da Modernidade formulado no Na área científica, manifestações da
século XVIII pelos filósofos do Iluminismo Modernidade constituíram a consolidação da
consistiu em esforços que visavam desenvolver moderna ciência da natureza, cujo fundamento
tanto a ciência objetiva, a moralidade universal do saber está na Matemática e trata seus
e a lei, quanto a arte autônoma, conforme sua resultados com apoio da experimentação o
lógica interna. Este projeto pretendia ao mesmo que, por certo, resultou em profundas
tempo liberar o potencial cognitivo de cada um transformações nos processos educacionais.
desses domínios no intuito de livrá-los de suas Embora as pessoas continuassem
formas esotéricas. Os filósofos iluministas arraigadas às suas antigas convicções, essas
almejavam valer-se deste acúmulo de cultura não mais representavam marcas orientadoras
especializada para enriquecer a vida cotidiana, de conduta. Consequentemente, a experiência
ou seja, para organizar racionalmente o dos tempos modernos traz no seu bojo as
cotidiano da vida social. imagens da desordem e da instabilidade, da
Como sabemos, até o século XVII, a insegurança e da fragmentação do mundo real
burguesia controlava a produção e a economia conhecido.
dos Estados-Nacionais surgidos com o fim do Os estilos de vida, até então
Feudalismo, a partir dos séculos XV e XVI. estabelecidos, perderam sua razão de ser, em
Os movimentos sociais ocorridos na virtude desse processo que destruiu as
Europa no século XVIII, particularmente a certezas e crenças construídas ao longo dos
Revolução Francesa e a Revolução Industrial, tempos. Os parâmetros segundo os quais
vieram contrapor-se a esta situação, ou seja, costumava-se distinguir o bem do mal, o justo
tiveram como base uma revolução do injusto, o desejável do indesejável, o certo
antiburguesa, gerando uma transformação do errado foram alterados; modificaram-se as
social sem precedentes na história. O categorias conhecidas de classificação e
modernismo modificou todos os conceitos hierarquização sociais.
existentes à época, alterando as estruturas
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estabelece com a mesma, o objeto da chegar ao Brasil. Hoje, porém, com a rapidez
psicopedagogia passa a ser mais abrangente: dos processos de comunicação, a
a metodologia é apenas um aspecto no disseminação de informações é mais rápida e a
processo terapêutico, e o principal objetivo é a Psicopedagogia no Brasil tem se desenvolvido
investigação de etiologia da dificuldade de bem nos últimos anos.
aprendizagem, bem como a compreensão do
processamento da aprendizagem, A PSICOPEDAGOGIA NO
considerando todas as variáveis que intervêm BRASIL
neste processo.
Do ponto de vista de Weiss (1991, p. 6), A Psicopedagogia no Brasil hoje é uma
“a Psicopedagogia busca a melhoria das área que estuda e lida com o processo de
relações com a aprendizagem, assim como a aprendizagem e suas dificuldades, e que, em
melhor qualidade na construção da própria sua ação profissional, deve englobar vários
aprendizagem de alunos e educadores”. campos do conhecimento, integrando-os e
As afirmações de Rubinstein e Weiss sintetizando-os. O modelo teórico e prático
em relação ao objeto de estudo da resultante desta visão é fortemente
Psicopedagogia sugerem que há um certo influenciado pelos modelos europeu e
consenso quanto ao fato de que ela deve argentino.
ocupar-se em estudar a aprendizagem Segundo nos diz Mery (1985), os
humana; porém, é uma ilusão pensar que tal Centros Psicopedagógicos, primeira forma de
consenso nos conduza a um único caminho. O atuação da Psicopedagogia, foram fundados
tema da aprendizagem apresenta tamanha na Europa a partir da segunda metade do
complexidade que tem a dimensão da própria século XX, e objetivavam, como já vimos,
natureza humana e precisaríamos de um outro atender pessoas que apresentavam
curso só para conseguir tratá-lo. É importante, dificuldades de aprendizagem, apesar de
no entanto, ressaltar que a concepção de serem inteligentes, por meio da integração de
aprendizagem é resultado de uma visão de conhecimentos pedagógicos e psicanalíticos.
homem, e é em razão desta que se estabelece Nos Estados Unidos, o mesmo
toda a teoria e a prática psicopedagógica. movimento acontecia, enfatizando mais os
Segundo nos diz Visca (1987), a conhecimentos médicos e dando um caráter
Psicopedagogia, que inicialmente foi uma ação mais organicista a esta preocupação com as
subsidiária da Medicina e da Psicologia, dificuldades de aprendizagem.
perfilou-se como um conhecimento O movimento europeu acabou por
independente e complementar possuída de um originar a Psicopedagogia, enquanto que o
objeto de estudo – o processo de movimento americano proliferou a crença de
aprendizagem – e de recursos diagnósticos, que os problemas de aprendizagem possuíam
corretores e preventivos próprios. causas orgânicas e precisavam de atendimento
Alguns ramos de estudo, como você já especializado, influenciando parte do
deve ter notado, desenvolvem-se em outros movimento da Psicologia Escolar que, até bem
países e, até, por vezes, demoram um pouco a pouco tempo, segundo Bossa (1994),
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ou neuróticas, enfim, todas as suas práticas proporcionada pelo uso cada vez maior da
sociais. tecnologia, os mais diferentes setores sociais,
políticos e econômicos vêm propondo a ideia
A CONSTRUÇÃO DAS de construção de rede de saberes e de ações.
REDES Embora este conceito tenha surgido, em uma
primeira instância, no conjunto das mudanças
Veja bem! No mesmo momento em que ocorridas no mundo do trabalho, essa ideia vem
você nasceu, passou a fazer parte de uma encontrando eco em quase todos os campos
instituição social organizada: a sua família. E científicos, nos novos movimentos sociais e,
como você, todos os seres humanos ao nascer inclusive, na Educação.
encontram o idioma, os costumes, a religião, o Mas, perguntamos nós, o que vem a
modo de se alimentar e de se divertir, enfim, ser uma rede de saberes? Como você imagina
tudo já previamente estruturado por outros que que ela seja? Segundo nos explica Alves (199,
o antecederam. Esta organização é que p. 68), “a noção de rede não é algo que se
permite que a sociedade sobreviva e se explique por si mesmo. A palavra rede tem
reorganize, sempre acompanhando a evolução muitos sentidos, é polissêmica”.
histórica e social de seu tempo. Como afirmava Por que então usar essa noção? Para
Karl Marx, as sociedades constituem-se em esta estudiosa no assunto, devemos usar esta
fenômenos históricos, já que os indivíduos se noção exatamente devido à polissemia. Tendo
constroem uns aos outros, física e em vista que cada um tem sua própria
espiritualmente. Nós convivemos com nossos concepção de rede tecida em seu cotidiano, o
semelhantes em casa, no colégio, no mercado, significado que se pretende ao usar esta
nos clubes, enfim, em uma infinidade de expressão para simbolizar a construção dos
instituições. Estamos sempre em contato com saberes se cria de uma forma individual e por si
outras pessoas e por intermédio desta mesmo.
convivência aprendemos e ensinamos coisas. Segundo a mesma autora, redes
Todo nosso modo de ser e de nos existem e só podem ser pesquisadas nos
comportarmos é fruto de nossa vida em processos cotidianos de viver. São, pois,
sociedade. formadas nos processos múltiplos e diferentes
Para sobreviver, os homens constroem dentro das inúmeras relações que os sujeitos
coisas e objetos, criam modos de vida em todos, em seus contatos cotidianos, tecem,
comum, elaboram ideias e conceitos que regem destecem e tecem outra vez, no espaço tempo
as inter-relações pessoais entre os membros do aqui e agora. (ALVES, 1999, p. 15)
da sua comunidade. O conjunto destas Castells (2000, p. 498) define rede
criações forma o que denominamos de como sendo um conjunto de nós
conhecimento. interconectados. Segundo este autor, cada um
Diversas formas de estudar como este destes nós representa um ponto de inflexão na
conhecimento se processa já surgiram ao longo construção do conhecimento, bem como a
dos tempos e continuam aparecendo todos os interconexão com outros conhecimentos vindos
dias. Atualmente, em virtude da ampliação dos de outras fontes. A estrutura concreta de cada
meios de divulgação das informações
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um destes pontos irá variar de acordo com o possíveis para construir nossa rede de saberes.
tipo de rede concreta que está estabelecida. Esta flexibilidade de movimento inclui, também,
Por exemplo, se estamos falando em as inúmeras variações possíveis nos parceiros
processos educacionais, em bolsas de valores, que nos acompanham em nossa trajetória de
de política ou estamos aprendendo a fazer construção e reconstrução dos saberes que,
novos quitutes, cada um destes fatos acabará apesar de nossos esforços, encontram-se
por se constituir em um nó (ou ponto) de nossa sempre inconclusos e incompletos.
rede de saberes. Vemos, assim, que este Além do movimento, o conceito de rede
conceito refere-se a uma estrutura aberta e de saberes se constrói a partir de mais dois
capaz de expandir-se de forma ilimitada e em princípios importantes, que são o de articulação
todas as direções. e o de co-responsabilidade. Como vimos, todas
Na construção de uma rede de as pessoas que, de alguma maneira passam
saberes, todos os membros da sociedade são pelas nossas vidas, participam, direta ou
parceiros possíveis, contribuindo com seus indiretamente, da construção de nossa rede de
conhecimentos, suas práticas, valores e saberes, pois todos os nossos conhecimentos
crenças. Estas contribuições não são estáticas, são, de algum modo, articulados com as
muito ao contrário, encontram-se em informações que recebemos e transmitimos e,
permanente mudança. Assim, conceitos e com isso, todos somos co-responsáveis por
valores considerados como verdades sua construção e pelo uso que dela fazemos.
incontestáveis podem ser considerados, mais O ato de tecer esta rede não é,
tardiamente, como algo ultrapassado e portanto, obra de uma consciência isolada e
totalmente descartável. Para ilustrar, basta autônoma, mas uma das formas de prática
lembrarmos que, durante séculos, a Terra foi social que tem como sujeito os homens
considerada por todos, inclusive os mais articulados entre si por relações sociais. Esta
renomados e ilustres cientistas da época, como concepção de saber como processo de
o centro do Universo e que os astros e as construção social por um sujeito coletivo deve
estrelas, como o Sol e a Lua, giravam em torno orientar nossas tarefas no campo da
dela. aprendizagem.
E hoje, que julgamento você faria de Como você deve ter percebido, toda
alguém que afirmasse uma coisa dessas? Com nossa rede de conhecimentos é formada dentro
certeza, seria chamado de ignorante, de instituições e, assim, não fica difícil imaginar
concorda? que a Psicopedagogia, cada vez mais,
Desta forma, podemos perceber por necessite inserir-se e estudar como ocorrem as
que o princípio de movimento é básico na relações interpessoais nesses ambientes,
formação de redes. Elas se constroem particularmente nas famílias e nas escolas, nos
exatamente na instabilidade e na não quais a maior parte do conhecimento básico
linearidade dos processos do conhecimento. ocorre na infância e na adolescência.
Esse movimento deve ser entendido como a A Psicopedagogia vem atuando,
possibilidade que temos de variar as direções e também, com muito sucesso nas mais diversas
o sentido ao tecermos os múltiplos fios instituições organizadas além das já citadas,
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variar em função de ser mais contínuo ou Assim sendo, pensar a escola à luz da
menos contínuo. Sendo mais contínuo, ele Psicopedagogia implica nos debruçarmos
poderá atuar preventivamente junto aos especialmente sobre a formação do professor.
professores e técnicos de vários modos tais Pode-se dizer, por conseguinte, que uma das
como: tarefas mais importantes na ação
explicitando sobre habilidades, psicopedagógica preventiva é encontrar novas
conceitos e princípios que são pré-requi- modalidades para tornar essa formação mais
sitos para as aprendizagens e eficiente. Sabe-se que as profissões são
auxiliando para que as situações de ensino escolhidas atendendo a profundos desejos
sejam organizadas de acordo com o inconscientes, e que não se questiona e nem
desenvolvimento; participando da equipe de se leva em conta as motivações dessa escolha
currículo e auxiliando a determinar prioridades ao longo da formação do professor. Assim,
em relação aos objetivos educacionais; pois, as propostas de formação docente devem
atuando, como integrador que oferecer ao professor condições para
é, como elemento de elo entre os profissionais estabelecer uma relação madura e saudável
da escola diretamente envolvidos com o com seus alunos, pais e autoridades escolares.
processo de ensinoaprendizagem. Investigar, analisar e realizar novas propostas
para uma formação docente que considere
Reportemo-nos ao que pensa Weiss
esses aspectos constitui uma tarefa
(1991) a respeito disso. Para esta
extremamente importante, da qual se ocupa a
pesquisadora, existem diferentes enfoques em
Psicopedagogia. (BOSSA, 1994, p. 71)
relação ao que se entende por Psicopedagogia
Nosso ponto de vista é de que os
na escola. Ela, por seu turno, adota a posição
problemas de aprendizagem são, em primeiro
de considerá-lo como uma atividade
lugar, problemas de âmbito escolar e deveriam,
educacional em que se busca a melhoria da
inicialmente, merecer atenção da escola. Por
qualidade na construção da aprendizagem de
utópico que possa aparecer, o psicopedagogo
alunos e educadores. A psicopedagogia busca
tem também um campo de atuação terapêutica
dar ao professor e ao aluno um nível de
dentro da escola. Vivemos um momento de
autonomia na busca do conhecimento e, ao
conflito socioeconômico que tem como
mesmo tempo, possibilita uma postura crítica
consequência problemas escolares que
em relação à estrutura da escola e da
necessitam procedimentos remediáveis
sociedade que ela representa.
imediatos. Considerando tais problemas de um
Nestas palavras, a psicopedagoga
ponto de vista sistêmico, evidencia-se a
Maria Lúcia Lemme Weiss reflete a
relevância de que o indivíduo possa ser
preocupação e a tendência atual da
trabalhado dentro de seu ambiente escolar e só
Psicopedagogia no seu compromisso com a
sejam encaminhados para serviços especiais
escola. Nesse trabalho preventivo junto à
os casos mais sérios, que necessitam de
escola, deve-se levar em consideração,
diagnóstico médico especializado e exames
inicialmente, quem são os protagonistas dessa
complementares. Nesta linha de pensamento,
história: professor e aluno.
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o psicopedagogo pode atuar terapeuticamente sua pulsão. É o momento ideal para o ingresso
na escola de modo a: no ensino regular, já que as suas condições
Preparar o professor para a psíquicas favorecem o aprendizado escolar. Se
realização de atendimentos pedagógicos tudo correu bem no desenvolvimento da
individualizados; auxiliar na compreensão de criança, estará estruturado o seu desejo de
problemas na sala de aula, permitindo ao saber. Ingressa na escola com um
professor ver alternativas de ação e ver a desenvolvimento construído a partir do
maneira com que os demais técnicos podem intercâmbio com o meio familiar e social, o qual
intervir; pode ter funcionado tanto como facilitador
Participar no diagnóstico dos quanto como inibidor no processo de
distúrbios específicos da aprendizagem; desenvolvimento afetivo-intelectual.
atender pequenos grupos de alunos. É importante que você tenha em
mente, no entanto, que a aprendizagem não
PARA REFLETIR E objetiva só a criança ou adolescente, mas o
FINALIZAR adulto e profissionais na integração e
reintegração grupal. O trabalho do
Vimos nesta aula como se dá a psicopedagogo se dá numa situação de relação
construção de nossos conhecimentos e como o entre pessoas. Não é uma relação qualquer,
psicopedagogo atua, particularmente na mas um encontro entre educador e educando,
instituição escolar. Convém lembrá-lo, que não em que o psicopedagogo precisa assumir sua
nos limitamos apenas aos professores e função de educador, numa postura que se
alunos. Estes principais parceiros no processo traduz em interesse pessoal e humano, que
educacional não estão sozinhos: participam, permite o desabrochar das energias criadoras,
também, a família e outros membros da trazendo de dentro do educando capacidades e
comunidade que interferem no processo de possibilidades muitas vezes desconhecidas
aprendizagem – como, por exemplo, aqueles dele mesmo e incentivando-o a procurar seu
que decidem sobre as necessidades e próprio caminho e a caminhar com seus
prioridades escolares. próprios pés. O objetivo do psicopedagogo é o
O aluno, ao ingressar no ensino de conduzir a criança ou adolescente, o adulto
regular, por volta de sete anos, traz consigo ou a instituição a reinserir-se, reciclar-se numa
uma história vivida dentro do seu grupo familiar. escolaridade normal e saudável, de acordo com
Se a sua história transcorreu sem maiores as possibilidades e interesses dela.
problemas, seu superego estará estruturado e A CRESCENTE
poderá deslocar sua pulsão aos objetos PROFISSIONALIZAÇÃO DO
socialmente valorizados, ou seja, estará pronto
PSICOPEDAGOGO
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vejamos, agora, algumas formas de sua perceber a dimensão da relação entre ele, o
atuação. psicopedagogo e o sujeito aprendente, de
forma a favorecer o processo de aprendizagem.
FORMAS DE ATUAÇÃO No trabalho preventivo, as instituições,
PROFISSIONAL DO enquanto espaços físicos e psíquicos da
PSICOPEDAGOGO
aprendizagem, são objeto de estudo da
Psicopedagogia. Nelas são avaliados os
A Psicopedagogia, como nos diz Bossa
processos didático-metodológicos e a dinâmica
(1994) se ocupa da aprendizagem humana,
institucional que interferem no processo de
que aparece de uma demanda bem clara – o
aprendizagem. Cabe recordá-lo de que, como
problema de aprendizagem – e evoluiu devido
vimos na aula passada, as instituições não são
à existência de recursos, ainda que
apenas as educacionais, mas todas aquelas
embrionários, utilizados para atender a essa
em que se processam as aprendizagens.
demanda, constituindo-se, assim, numa
Segundo nos conta Bossa (op. cit.), a
prática.
definição do objeto de estudo da
Conforme vimos em nossas aulas,
Psicopedagogia bem como os demais aspectos
como a Psicopedagogia se preocupa com o
dessa área de estudo passaram por várias
problema de aprendizagem, deve ocupar-se
fases distintas. Houve época em que o trabalho
inicialmente em entender o processo de
psicopedagógico tinha como prioridade realizar
aprendizagem. Portanto, vemos que esta
a reeducação do sujeito e o processo de
ciência estuda as características da
aprendizagem era avaliado em função das
aprendizagem humana: como se aprende,
deficiências apresentadas pelo aprendente. A
como essa aprendizagem varia evolutivamente
atuação psicopedagógica procurava, então,
e está condicionada por vários fatores, como se
vencer tais defasagens. Nesta fase, o objeto de
produzem as alterações na aprendizagem,
estudo era o indivíduo que não conseguia
como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las.
aprender, concebendo-se a “não-
Esse objeto de estudo, que é um sujeito a ser
aprendizagem” como uma falta ou uma falha do
estudado por outro sujeito, adquire
sistema cognitivo do indivíduo. Esse enfoque
características específicas a depender do
buscava, de acordo com critérios científicos,
trabalho clínico ou preventivo.
estabelecer semelhanças no processo de
Bossa (1994) procura definir a
aprendizagem entre grandes grupos de
diferença entre uma e outra forma de atuação
sujeitos, as suas regularidades e o que era
psicopedagógica. Segundo ela, o trabalho
esperado para determinada faixa etária,
clínico (ou curativo) se dá por meio da relação
visando reduzir as diferenças e acentuar a
entre um sujeito com sua história pessoal e seu
uniformidade.
modo de aprender, buscando compreender a
Posteriormente, segundo a mesma
mensagem emitida por um outro sujeito,
autora, a Psicopedagogia passou a ocupar-se
implícita no sintoma do “não-aprender”. Nesta
da noção de “não-aprendizagem” de uma outra
modalidade de trabalho, o profissional deve
forma: o “não-aprender” passa a ser entendido
procurar compreender o que o sujeito aprende,
como um sintoma carregado de significados, e
como aprende e por que aprende, além de
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que não se opõe ao aprender. Essa nova fase prevenção. Segundo esta autora, no primeiro
da Psicopedagogia é fundamentada em nível o psicopedagogo centra sua atenção nos
conceitos oriundos da Psicanálise (Freud) e da processos educacionais com o objetivo de
Psicologia Genética (Piaget) e leva em conta a identificar as dificuldades institucionais, e atua
singularidade e a diversidade dos indivíduos, sobre elas antes que provoquem dano, pois
buscando o significado particular emprestado visa diminuir a “frequência dos problemas de
às suas características e às suas alterações, aprendizagem”. Seu trabalho incide nas
baseadas nas circunstâncias da sua própria questões didático-metodológicas, bem como
história e do seu meio sociocultural. Nesta fase na formação e orientação de professores, além
do processo evolutivo da Psicopedagogia, esta de fazer aconselhamento aos pais. Em um
nova área de estudo procurou estruturar-se segundo nível, o objetivo é diminuir e tratar os
entendendo que o objeto de estudo é sempre o problemas de aprendizagem já instalados. Com
sujeito “aprendendo”, pois não há formas esta finalidade, realiza-se uma análise
acabadas de aprendizagem. A construção do diagnóstica da realidade institucional e
saber é sempre um processo e, por isso, elaboram-se planos de intervenção baseados
contínuo. nos resultados obtidos neste diagnóstico.
Na fase atual, a Psicopedagogia Dentro deste processo, junto com os
orienta-se segundo a concepção de que existe professores, procura-se avaliar os currículos e
um equipamento biológico com características os métodos didáticopedagógicos utilizados,
afetivas e intelectuais próprias participando procurando soluções para que não se repitam
ativamente neste processo de aprendizagem e tais transtornos. No terceiro nível, segundo o
que interferem na forma como se dão as que nos ensina Bossa (1994), o objetivo é
relações do sujeito com o meio, sendo que eliminar os transtornos já instalados num
essas características influenciam e são procedimento clínico com todas as suas
influenciadas pelas condições socioculturais do implicações. O caráter preventivo permanece
sujeito e do seu meio. aí, uma vez que, ao eliminarmos um transtorno,
Conforme vimos, a atuação estamos prevenindo o aparecimento de outros.
psicopedagógica pode se dar segundo uma
orientação preventiva e/ou clínica. Entretanto, A FUNÇÃO PREVENTIVA E
ela é também teórica na medida da A FUNÇÃO CURATIVA
(TERAPÊUTICA)
necessidade de se refletir sobre a práxis.
Assim, vale repensar um pouco a prática, antes
Na função preventiva, segundo nos diz
de abordar o teórico. A Psicopedagogia procura
Kiguel (1987), cabe ao psicopedagogo atuar,
utilizar-se do processo de ação–reflexão–ação,
principalmente, em escolas e em cursos de
no qual cada profissional age na busca de
formação de professores, esclarecendo sobre o
resultados profiláticos e/ou terapêuticos e, em
processo de desenvolvimento e maturação das
seguida, reflete sobre sua ação para
áreas ligadas à aprendizagem escolar
novamente voltar à prática.
(perceptiva, motora, de linguagem, cognitiva e
Para Bossa (1994), o trabalho
emocional), auxiliando na organização de
preventivo pode ocorrer em diferentes níveis de
condições de aprendizagem de forma integrada
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destas duas personalidades. Neste processo Outro princípio básico que deve ser
interativo é importante que o psicopedagogo se buscado pelo psicopedagogo é o
veja também como aprendente. Embora seguro desenvolvimento do processo de auto-
do suporte teórico que orienta sua atuação e do aprendizagem, no sentido de que ensinar
domínio das técnicas que utiliza, é previsível consiste em facilitar ou buscar desencadear um
que o encontro com o outro se torne, quase processo ativo que ocorre no indivíduo que
sempre, um fator de angústia que deve, pelo aprende, de acordo com seu ritmo de
profissional, ser mantido sob controle. Manter- desenvolvimento.
se aberto aos acontecimentos de cada Também consideramos um princípio
encontro, que nunca se repetem, é um modo de norteador o fato de que determinadas
lidar com o “novo”, frequentemente aprendizagens necessitam de uma ação
angustiante. estimuladora do meio externo e que a pessoa
que ensina é um dos elementos mais
PRINCÍPIOS incentivadores da aprendizagem. O
NORTEADORES DA AÇÃO psicopedagogo norteia sua ação consciente de
DO PSICOPEDAGOGO
que a aprendizagem é, antes de tudo, uma
relação com o mundo externo e que o vínculo
O psicopedagogo procura, em sua
que se estabelece com o indivíduo será um
ação, mobilizar o indivíduo, considerando que
fator relevante na sua mobilização para a busca
os processos cognitivos como os de atenção,
do novo.
percepção e memória são determinados pelas
O psicopedagogo procura, então,
condições de maturação neuropsíquica
mobilizar o seu próprio potencial afetivo para
orientados pela emoção e pelo afeto, pois os
tornar-se um fator incentivador da
sentimentos de prazer e sucesso são
aprendizagem do indivíduo que, por vezes,
determinantes da aprendizagem. Considera-se
muito jovem, já experimenta intensos
estas características como partes integrantes
sentimentos de fracasso e desânimo.
de um processo de desenvolvimento único para
cada indivíduo, embora influenciado pelo meio
DIFERENCIAÇÃO ENTRE O
familiar, social e cultural. PAPEL DO
Concordamos que o psicopedagogo PSICOPEDAGOGO E DE
norteia sua atividade profissional segundo ALGUNS OUTROS
PROFISSIONAIS QUE
princípios que emanam do seu próprio
ATUAM NA ÁREA DE
processo de aprendizagem, mas, por outro EDUCAÇÃO
lado, o psicopedagogo acredita que o aspecto
importante da atividade pedagógica é a sua A aprendizagem é um fenômeno
significação simbólica dentro do processo geral complexo. Seu estudo requer a intervenção de
de aprendizagem do indivíduo e, tal atividade diversos campos do conhecimento. Na
deve ser capacitante para a estruturação, verdade, a análise dos fenômenos relativos à
crescimento e integridade da personalidade do aprendizagem requer a intervenção de uma
aprendiz. equipe multidisciplinar, funcionando
integradamente. Por outro lado, não se pode
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
esquecer que a condição para uma equipe algumas peculiaridades em relação aos papéis
trabalhar adequadamente é que cada destes profissionais.
participante tenha seu papel definido com o seu Em relação ao orientador educacional,
modo específico de ver o problema e trazer a parece-nos que tem uma atuação mais geral
sua contribuição. O papel do psicopedagogo que o psicopedagogo, pois ajuda o indivíduo a
apresenta várias interfaces, podendo estar encontrar uma melhor compreensão de si
diluído, particularmente, entre o papel do mesmo e desenvolver sua capacidade de tomar
orientador educacional, do psicólogo escolar, decisões. Ele trabalha, também, em função da
do fonoaudiólogo ou do supervisor pedagógico. dinâmica inter-relacional da escola ou
Em relação a cada um destes, os limites de instituição. Em alguns casos, faz
atuação são, por vezes, quase impossíveis de aconselhamento vital e encaminha, quando
definir objetivamente. necessário, o indivíduo para o médico,
A dificuldade parece advir não só do psicólogo, psicopedagogo ou fonoaudiólogo.
funcionamento a nível técnico, mas também da Em relação ao fonoaudiólogo,
natureza do ser humano – não é possível definir encontramos alguma dificuldade para
os limites da linguagem e do pensamento, dos estabelecer nítidas diferenciações. Sem
processos de aprendizagem e das dúvida, são campos nos quais podem ocorrer
características pessoais. Tudo indica que o muitas interseções. O fonoaudiólogo,
mais importante na compreensão do indivíduo ocupando-se com a prevenção e reabilitação
é justamente o modo único e peculiar como de distúrbios na aquisição e desenvolvimento
interagem as diferentes variáveis. da linguagem, certamente se ocupa com
O terreno das diferenciações é um indivíduos que apresentam dificuldades de
terreno escorregadio e cheio de aprendizagem.
particularidades, não só científicas, mas O psicopedagogo, ao tratar com as
também práticas e até legais. Temos que dificuldades de aprendizagem volta-se para os
lembrar que não é só o campo da processos perceptivos, cognitivos e conceituais
Psicopedagogia que não está bem-definido. que se evidenciam e são atingidos por
Apesar de estar consideravelmente melhor intermédio da linguagem. Dá ênfase aos
delimitado, o campo psicológico ainda admite aspectos psicológicos e sociais dos problemas
subdivisões e variações. A diversidade de aprendizagem do indivíduo.
funcional pode ocorrer devido às diferentes Para estabelecer diferenciações entre
formações dos técnicos – já que se tratam de o psicopedagogo e o psicólogo escolar, seria
áreas relativamente novas – e devido às necessário que o papel deste estivesse melhor
diferenças nos sistemas regionais de ensino. definido entre o modelo escolar e o modelo
Por fim, precisamos considerar que a clínico. Parece que ainda não há um modelo
Educação está em contínua mudança, o que único que explicite a atuação do psicólogo
altera, constantemente, os papéis e as funções escolar. Dependendo de sua formação e da
das pessoas envolvidas neste processo. Mas, estrutura educacional em que atua, há
apesar das dificuldades, tentamos levantar prevalência de uma orientação para a
organização ou para o indivíduo. De qualquer
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
modo, ele trabalha com os sentimentos pressionam o sistema educacional para que
individuais ou grupais com vistas à resolução este seja capaz de responder à crescente
de problemas que se caracterizam mais pelo heterogeneidade de seus alunos e alunas.
seu aspecto emocional do que educacional. O A expansão de matrículas na Educação
psicopedagogo trabalha com os sentimentos, Fundamental tem sido acompanhada por um
conhecimentos e habilidades individuais ou incremento na diversidade de crianças que
grupais com vistas à ação pedagógica indicada. chegam à escola: diversidade de motivações,
Em relação ao psicólogo clínico, as interesses e capacidades que se modelam, em
diferenciações parecem ser mais evidentes, última análise, em uma exigência de novas
pois ele dedica-se ao diagnóstico, tratamento e competências no professorado.
prevenção dos problemas emocionais. Sua Diante da nova demanda que chega, a
preocupação com os problemas de resposta à diversidade tem sido considerada
aprendizagem insere-se dentro de uma por parte de professores e professoras como
problemática emocional, mesmo porque um problema que ultrapassa suas
psicoterapia é um processo de aprendizagem possibilidades e funções, pois exige a presença
ou reaprendizagem. O psicopedagogo atribui de novos profissionais nas escolas. Tal
um valor especial aos aspectos emocionais, na perspectiva vem sendo reforçada pela
medida em que considera os mesmos como a Educação Inclusiva, já que a escola tem
fonte energética da aprendizagem, mas seu matriculado alunos com sérios problemas de
campo de ação abrange apenas o campo aprendizagem ou com necessidades
educacional. educacionais especiais em geral.
Quanto ao supervisor pedagógico, a O assessoramento solicitado pelos
diferença básica parece estar em que, quando docentes vem sendo atendido de forma parcial
este se volta para a orientação em relação aos e isolada, dependendo muito mais da iniciativa
problemas de aprendizagem, tem em vista, das secretarias municipais e/ou da boa vontade
preferentemente, os desempenhos previstos dos coordenadores e orientadores
na organização curricular tendo sua atuação pedagógicos. Ainda não temos uma política
mais vinculada ao corpo docente do que pública que legalize a presença da
discente. Psicopedagogia nas redes públicas de ensino e
a rede particular pode, se esta for a sua
TEORIZANDO A AÇÃO escolha, contratar psicopedagogos para sua
PSICOPEDAGÓGICA: equipe pedagógica. Embora esse não seja um
LIMITES E POSSIBILIDADES
dos limites teóricos da Psicopedagogia,
mostra-se como um grande obstáculo a ser
Atender os alunos em suas
enfrentado pelo novo profissional da Educação.
singularidades sempre foi um dos objetivos
Comecemos pela análise das queixas
mais ambiciosos da Educação Escolar. A
de professores e pais sobre alunos/filhos em
evolução da Educação, desde a época dos
relação à aprendizagem escolar. É comum
preceptores até nossos dias é, entre outros
escutarmos que os alunos “não guardam a
aspectos, a história do aumento e da
matéria”, “não conseguem fazer contas”,
complexificação das demandas que
24
FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
“sempre repetem o mesmo erro”, “depois das Nos meios profissionais são feitas
férias esquecem tudo” etc. Desse breve determinadas afirmações que, por um lado,
repertório de expressões, quero chamar a apontam a existência de uma espécie de
atenção sobre o que aí emerge de significativo intermediação entre o estímulo pedagógico e a
pois, geralmente, remetem à existência de algo resposta do aluno e que, por outro lado, tentam
que na relação pedagógica se interpõe entre explicar cientificamente a aprendizagem
aquilo que se ensina, que se mostra ao aluno, usando o clássico modelo da associação
e aquilo o que se obtém como resultado. exitosa.
Essas poucas expressões, geradas por A tradição do pensamento psicológico
um saber cotidiano, indicam que “isso” que se contemporâneo, da qual a Psicopedagogia
interpõe entre o ensinado (o que foi mostrado) retira muito de sua teorização, tem gerado
e o resultado é uma espécie de substância muitas escolas. Entre cada uma delas, algumas
capaz de oferecer resistência à aprendizagem, vezes, observamos tanto uma
de fazer com que o aluno repita insistentemente complementação recíproca quanto uma imensa
o mesmo erro, de que esqueça ou de que não discordância sobre certos aspectos, entre eles,
consiga realizar o que quer. Emergência de por exemplo, a forma de caracterizar o
algo que em si mesmo conteria a chave que organismo e os chamados fenômenos mentais.
possibilita ou que impossibilita as Cabe salientar que, além das variantes
aprendizagens. radicais e metodológicas da análise
Cabe ressaltar que não somente os comportamental, nelas é sempre pressuposto,
pais, que consultam psicopedagogos clínicos em primeiro lugar, que deve haver
por seus filhos, aferram-se a essas típicas necessariamente uma ligação entre o estímulo
construções imaginárias; além deles, tanto ambiental e a resposta dada e, em segundo
professores quanto profissionais de lugar, que tal associação pode ser controlada
Psicopedagogia também as veiculam. A esse cientificamente. É, precisamente esse ponto
respeito, Lajonquière (1992, p. 12) nos alerta: que devemos analisar: a tradição
Que essas expressões tenham se experimentalista em Psicologia está baseada
tornado clássicas ou, em outras palavras, que na pressuposição de que ao se desvendar a
circulem com naturalidade, não deve chegar a intrincada trama de associações será possível,
nos surpreender. De certa forma, não passam intervindo de forma direta sobre os estímulos,
de criaturas muito particulares dessa espécie controlar o comportamento. Como aprender é
de substancialismo cotidiano que a tudo um comportamento, podemos por meio dos
domina. estímulos, controlar seu êxito.
Contudo, algo nelas deve, sim, chamar As leis da aprendizagem – do efeito, do
nossa atenção. Referimo-nos ao fato de que exercício, do reforçamento etc. – pressupõem,
em se tratando da maioria de profissionais da necessariamente, a existência de uma
nossa área, neles semelhantes apreciações e associação E (Estímulo) – R (Resposta).
considerações próprias da tradição, em sentido Assim, a aprendizagem é entendida como a
lato, behaviorista-reflexológica. consolidação de determinadas respostas
exitosas dadas por um organismo, que se
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
caracteriza por sua plasticidade. Tal organismo controle direto, intencionado pelo pedagogo,
behaviorista, como é batizado por Lajonquière psicopedagogo ou aluno.
(1992), está dotado de uma bagagem A meu ver o erro representa a ponta de
hereditária mínima de respostas comuns à um iceberg que não só se desloca
espécie que funciona como cenário e é em seu arbitrariamente, mas está empenhado em
interior que as associações bem-sucedidas colidir com tudo o que se interpõe à sua frente.
ocorrem. A partir dos reflexos hereditários, ou É este caminho do erro que tentaremos rastrear
incondicionados na terminologia behaviorista, ao longo da aula.
associam-se os aprendidos que variam em Segundo Lajonquière o discurso
complexidade. As associações aprendidas, cotidiano veicula, junto às diversas construções
resultado de interações com o ambiente, são o imaginárias, colocadas a serviço do
centro das preocupações pedagógicas e desconhecimento, algo da ordem da Verdade
psicopedagógicas. Suas leis, mais ou menos (do desejo). Para esse discurso, os erros são
independentes desse organismo plástico, manifestações de uma substância misteriosa.
podem ser controladas (cientificamente) por De uma certa maneira, a Psicopedagogia, em
pedagogos e psicopedagogos. sua abordagem psicanalítica, aproxima-se
Portanto, no interior da tradição desse imaginário cotidiano, na medida em que
experimentalista não existe um conceito compreende os erros como fraturas do
definido para o que ocorre entre o estímulo (E) pensamento ou vicissitudes que um sujeito
e a resposta (R) que possa, em última suporta nas suas aprendizagens.
instância, ser responsabilizado pelas Entretanto, o discurso pedagógico
vicissitudes da aprendizagem. O erro é visto hegemônico ainda repousa na ilusão de que
como uma associação malsucedida que tanto saber é poder, acreditando que conhecendo as
pode ser revertida, com maior ou menor leis da aprendizagem o pedagogo detém o
poder de calcular o efeito dos métodos que
coloca em ação, supondo que pode calibrar o
dificuldade, por meio de uma nova valor dos estímulos que apresenta aos olhos do
programação cuidadosa de estímulos, como aluno. Tal crença, que Freud diria estar
podemos evitar o erro ao utilizarmos o exercício animada pelo desejo pedagógico, impõe-se
e o reforçamento. também no campo da Psicopedagogia Clínica,
Para os behavioristas-reflexológicos o configurando toda uma coleção de ortopedias
conhecimento nada mais é do que um acúmulo reeducativas que buscam atar o que foi
de condutas estáveis que resultam do jogo de desatado.
inter-relações E-R, sobre o qual podemos Na verdade, o behaviorismo não é a
intervir diretamente e quantas vezes forem única teoria psicológica que alimenta a ilusão
necessárias. Contudo, os supostos erros ou pedagógica; outras abordagens também
dificuldades na aprendizagem nos mostram disputam a primazia.
que a construção de conhecimentos está A psicologia das faculdades
regulada por leis que se situam além do mentais ou cognitivismo que, embora
interponha entre o estímulo (E) e a resposta (R)
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consolo psicológico (muitas vezes apelidado de moldura, mas podem ser situadas em uma
apoio psicológico). zona de claro-escuro.
A teoria freudiana nos apresenta uma Para continuar avançando nesse
outra maneira de pensar: o organismo funciona campo teórico, incluo um trecho de um relato
como o suporte de inscrição significante. Os clínico que pertence a Clemência Baraldi
significantes (como os nomeou Lacan), ou seja, (1986) e vamos nos referir a ele com o nome
as representações psíquicas inconscientes fictício: “o caso de Joana”. Contudo, é
freudianas relacionam-se entre si e compõem necessário advertir que o relato clínico não
um texto escrito e inscrito sobre e entre a(s) deve ser considerado como um exemplo
nossa(s) carne(s) e nosso corpo. Dessa forma, individual de uma teoria geral, de tal maneira
o organismo que se constitui como uma que, quanto maior fosse a quantidade de casos
estrutura anatômica, efeito da ação das leis da coletados, mais verdadeira seria a teoria. É o
herança biológica, precisa suportar os efeitos próprio campo da Psicanálise que a si mesmo
do trabalho cirúrgico realizado pelos impõe seus limites e critérios de validade, e é
significantes que o recortam, o modelam e o neste sentido que deve ser entendido que um
permeiam, até a desfiguração para que se torne caso Joana vai se revelar tão pertinente como
mais mito do que realidade. As histéricas de qualquer dos cinco casos de Freud que, até
Viena demonstraram o que acabei de hoje, guiam a práxis clínica de qualquer
descrever sobre a teoria freudiana, pois essa psicanalista.
nos abre os olhos para que, onde pensávamos Joana já estava há dois anos em
ver um organismo, pudéssemos escutar o tratamento quando, um belo dia, fez uma
resmungar de um corpo. descoberta surpreendente: o aparente pode ser
A esse respeito Jerusalinsky (1988, p. enganoso. Joana aparecia como “tonta”, assim
24) é bastante claro: a dimensão psíquica, era significada por sua mãe e pela escola.
embora parta dos mecanismos físico-biológicos Entravada com a concepção que as pessoas
dos quais o organismo é capaz, reconhecendo tinham dela, repetia frequentemente: “não vou
nesses mecanismos certos limites enquanto conseguir porque eu sou tonta”. Aos dez anos,
impossibilida de, retorna sobre eles chegando ela não conseguia sustentar a conservação da
a modificar até sua própria mecânica. Assim, quantidade, mantendo-se assim em um
seja qual for a capacidade que reconheçamos pensamento pré-lógico que lhe impedia
no organismo, a sorte das funções psicológicas qualquer aprendizagem operatória. Por isso
e psicomotoras nunca será determinada, em seu desempenho acadêmico em Matemática
última instância, pela biologia, mas pela ordem era péssimo.
da palavra regida pelo significante. As intervenções de Clemência Baraldi
Embora tenha descrito posturas na terapia psicopedagógica de Joana
teóricas extremas, agrupando-as como dia e apontavam no sentido de lhe tirar de sua
noite, cabe salientar que, muitas vezes, certeza “sou uma tonta” lhe mostrando espaços
também encontramos outras teorias onde a reflexão fosse factível. Em uma sessão,
psicológicas que não se encaixam nessa ela correlacionou pontualmente as fichas
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
brancas com as pretas. Para cada branca uma legalidade que o transcende. Piaget nos
preta (correlação termo a termo para Piaget). explicaria que essa legalidade é própria da
Depois, Clemência agrupou as brancas inteligência. Freud diria que essa legalidade é
e lhe perguntou: onde tem mais? Dessa vez, própria do (desejo) inconsciente. E a teoria
Joana não ficou presa à correspondência psicopedagógica, que vislumbro como
perceptível e, passado um pequeno tempo, possível, apontaria que a legalidade é própria
respondeu: “Parece que tem mais pretas que da interseção da inteligência com o
brancas, porém há a mesma quantidade de inconsciente.
brancas que de pretas... parece alguma coisa, Assim, para Baraldi (1996, p. 15): “[...]
mas não é... talvez eu pareça tonta mas não o erro ou a fratura no aprender se apresenta
seja”. como sendo um efeito não casual de uma
Joana acabava de afirmar a articulação significativa entre o “potencial
permanência da quantidade, portal de entrada intelectual” afetado e a dramática subjetiva
para a lógica matemática e para outras tantas inconsciente2 na qual um sujeito se encontra
questões, mas o efeito desse saber não se aprisionado”.
limitou a determinados conhecimentos, Joana não ficou mais prisioneira da
destronou uma convicção “sou tonta”, correspondência perceptível (o imaginário),
possibilitando agora o sucesso em outras quando pôde diferenciar entre “ser tonta” e “ter
aprendizagens. O que aconteceu não foi devido a aparência de tonta”. O erro é removido e
somente a uma estrutura de conhecimento Joana continua seu trabalho de (re)construção
capaz de processar a nova aprendizagem, mas do conhecimento socialmente compartilhado
ao fato de Joana ter se tornado alguém capaz quando o saber de seu inconsciente (freudiano)
de querer saber. E o vice-versa também é a comove.
igualmente verdadeiro – só foi possível Se os conhecimentos errados se
conhecer quando algo deste saber do desbaratam no instante mesmo que irrompe um
inconsciente se viu desconstruído. saber que diz respeito à verdade (do desejo) do
Cabem algumas perguntas. Como sujeito, então, na determinação do erro, ele
Joana consegue remover de seu cotidiano o também deve estar implicado. Não há por que
erro de sempre? Como esse erro é desmontado ficarmos perplexos diante das leis e dos fatos
para surpresa da própria Joana? De onde surge psíquicos, pois também estamos sempre
esse outro paradoxal saber sobre si mesma obrigados perante as leis sociais, seja por ação
que lhe dá a chave para construir um ou por omissão. Neste sentido, quando a
conhecimento além das aparências? Psicopedagogia volta-se para a elucidação do
Podemos supor que se Joana estatuto do erro está, simultaneamente,
habitualmente erra, deve existir uma razão, ou assentando as bases de uma teoria das
seja, o erro deve ser produzido conforme aprendizagens.
alguma legalidade. Portanto, essa legalidade Freud nos ensinou a remar contra a
tanto deve transcender o erro, quanto o seu correnteza acadêmica e as certezas da
surgimento escapa a todo e qualquer controle. Psicologia de sua época. Partindo do barulho
Nada resta ao erro senão ser o efeito de uma que os erros cometidos pelos alunos provocam
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que precisamos para atuar profissionalmente? destas áreas, nem as outras utilizadas pela
nosso país, uma profissão que possua bases embasamento teórico, tem como objeto
reconhecida, necessita passar por uma série de aprendizagem; porém, fornecem subsídios
fases que culmina com a elaboração e para que se possa estudar e entender
aprovação de uma Lei Federal para legitimar- cientificamente os mecanismos pelos quais a
reelaborou em diversas áreas científicas afins organização dos profissionais que atuam na
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
criada a Associação Brasileira de Para que você possa ter uma noção,
Psicopedagogia que hoje se encontra apresentamos abaixo uma síntese do
espalhada, por intermédio de suas seccionais, documento encaminhado.
por quase todo o país. Sob os auspícios desta Após esta breve apresentação, você
nova entidade, vêm sendo realizados talvez ainda esteja se perguntando para que é
periodicamente congressos nacionais e necessário regulamentar a profissão. Por quê
internacionais, buscando ampliar e divulgar os interessa ao psicopedagogo ter sua profissão
conhecimentos inerentes à profissão. regulamentada?
Uma terceira fase pode ser entendida Quem nos responde estas questões é
como sendo a integração dos conhecimentos a Drª Maristela Figueiredo (1998, p. 20),
técnicos e científicos ao poder público, segundo ela, a lei traz diferenças que nos
possibilitando fomentar ações populares em importam, pois queremos valer a ética e
benefício das classes mais carentes e referendar a formação do profissional
disseminar a utilização da práxis no âmbito do psicopedagogo, garantindo-nos, também, o
sistema educacional. Neste particular, a ABPp registro legal, contemplado o rigor da
vem, desde 1988, como nos diz Scoz (1998), legislação, traz a complementaridade de nossa
trabalhando no sentido de conseguir área de conhecimento. Queremos abrir
regulamentar a profissão de psicopedagogo. horizontes, percorrer lugares e espaços não
Contou neste particular, segundo esta autora, percorridos, não caminhados, socializando
com o auxílio de profissionais de outros países, nossa intervenção. [...] queremos colaborar na
particularmente da Argentina, além de história da construção de nosso país,
orientação de políticos brasileiros na enxergando que não vamos resolver todos os
elaboração do projeto de lei nacional que problemas. Contribuir como podemos,
atendesse a todos os requisitos teóricos e buscando em nosso cotidiano, em nossas
legais para ser submetido ao Congresso convivências, dando sentido de autonomia
Nacional. cidadã aos nossos atos.
Após um longo e exaustivo trabalho, Mais adiante, prossegue (p. 21):[...] se
finalmente em 1996, durante o III Congresso o objeto de nosso debate é a regulamentação
Brasileiro de Psicopedagogia, este documento de uma profissão, seria interessante
é apresentado para aprovação dos lembrarmos o que é uma profissão. Os
psicopedagogos sob o título A dicionários dizem que profissão é uma
Regulamentação da Profissão Assegurando o atividade ou uma ocupação especializada que
Reconhecimento do Psicopedagogo (o texto requer certo preparo. [...] por que regulamentar
completo encontra-se à disposição nos Anais profissões? Estamos regulamentando uma
do Congresso). Depois de lido e aprovado com série de profissões. Acredito que todas elas têm
algumas emendas no plenário do evento, o refletido uma necessidade da sociedade
documento final foi entregue ao Sr. deputado brasileira, pelo menos uma diretriz, um rumo,
federal Barbosa Neto que o apresentou que ela nos dá para regulamentarmos tantas
formalmente ao Congresso Nacional para a sua profissões. Se esta é uma profissão, um ramo
tramitação legal.
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
– e todos acreditamos que seja – então teria psicopedagogo apoiar e orientar a ação
que ser regulamentada. educativa, possibilitar e estabelecer critérios
Poderíamos completar a para melhorar o projeto pedagógico e/ou
argumentação sobre a necessidade desta institucional e o desenvolvimento e avaliação
regulamentação utilizando-nos das palavras do dos processos educacionais. A
deputado federal Santos Mabel citado no Psicopedagogia, em qualquer dos seus
plenário da Câmara dos Deputados Federais campos de atuação profissional, tem como
em 6 de junho de 2000. Segundo ele (p. 24), objetivo primordial construir uma ponte de
regulamentar uma profissão implica, também, a união entre a teoria explicativa e a ação prática.
determinação de deveres e a imposição de Vejamos agora o trabalho do
penalidades àqueles que vierem a exercê-la de psicopedagogo nos diversos campos.
forma incompetente ou divorciada dos Relacionados com as práticas
princípios relativos à ética profissional, o educativas escolares:
exercício de qualidade, como assim se espera atendimentos de orientação
em favor da defesa dos direitos da sociedade e educacional e psicopedagógica; elaboração de
do cidadão. Devem ser fiscalizados por órgãos materiais didáticos e curriculares;
que tenham a respectiva competência, razão avaliação de programas e
por que se tornaria imperiosa a criação de projetos pedagógicos; planejamento e gestão
conselhos profissionais propostos no projeto. escolar; formação de professores; pesquisa
O projeto de Lei que regulamenta a educacional.
profissão de psicopedagogo já passou com
Embora essa listagem refira-se ao
parecer favorável pelas Comissões de
trabalho psicopedagógico voltado para as
Trabalho, Administração e Serviço Público,
práticas educativas escolares, é preciso, ainda,
Constituição e Justiça e Educação, Cultura e
que tenhamos em mente duas questões
Desportos.
bastante delicadas que dizem respeito, de
Você pode acompanhar o andamento
maneira direta, à Psicopedagogia. Primeiro, a
deste projeto de lei no Congresso Nacional pelo
relação entre teoria e prática, com a
site –
preocupação de fazer uma verdadeira teoria da
<www.abpp.com.br/regulamentacao_prof.ht
prática e, ao mesmo tempo, com o objetivo de
m.>
introduzir um pouco mais de teorização na
compreensão do saber prático. A outra questão
OS CAMPOS DE AÇÃO que precisa ser discutida é a relação entre
PROFISSIONAL DO
Psicologia e Didática. O primeiro aspecto é que
PSICOPEDAGOGO:
ESCOLA, CLÍNICA E a Psicologia não é suficiente para dar conta da
EMPRESA teorização em Educação. A Pedagogia e a
Didática não se reduzem à Psicologia, mas, ao
Comecemos por definir a função mesmo tempo, a Didática não pode dispensar
primordial do psicopedagogo, sem nos atermos a contribuição da Psicologia. E não sairemos
aos seus campos de ação profissional. Assim, desse círculo vicioso sem a ajuda de um
podemos afirmar que compete ao terceiro elemento: a Psicopedagogia.
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
Especificando um pouco mais, por eles e, ainda precisa ser feita por essa
focalizemos, em Piaget, a interação teoria da prática educacional. E em que
sujeito/objeto que corresponde em Vygotsky à consiste a revolução didática? Consiste em
interação adulto/criança, com ênfase na propor ao aluno situações que vão
proposta teórica contida na zona de desestabilizá-lo. Essas situações
desenvolvimento proximal. Considerando a desestabilizadoras, graças à ação auxiliar do
ideia de esquema, em Piaget – o esquema professor, poderão ser incorporadas pelo
comporta objetivos e antecipações, regras de aluno, para seu proveito. E, novamente,
ação, inferências, invariantes operatórias – um podemos vislumbrar o trabalho do
desdobramento dessa abordagem é: como a psicopedagogo escolar agindo em prol da
intervenção do professor poderá atingir um ou construção dos conhecimentos docentes e
mais aspectos daqueles que fazem parte do discentes necessários à revolução didática
conceito de esquema? junto com a formação em serviço do professor.
Quando Vygotsky propõe, no que diz A palestra conferida pelo professor
respeito à zona de desenvolvimento proximal, Gerard Vergnaud, A gênese dos campos
que se trata de um espaço de atividade conceituais, na III Conferência Nacional de
conjunta do professor e do aluno (e dos alunos Educação, Cultura e Desporto, que aconteceu
entre si, em que o professor ajuda, auxilia o em Brasília, em dezembro de 2002, sistematiza
aluno a fazer algo que este, sozinho, não a complexidade do aprender na teoria profunda
poderá fazer, mas que em breve poderá), em do campo conceitual, e retira das situações
que consiste essa ajuda? pontuais e localizadas, que tinham sido
Considerando o professor como privilegiadas por Jean Piaget, abrindo um
mediador, o que é uma ideia vygotskiana, há horizonte para o campo da Didática – e me
muitos tipos possíveis de atos de mediação aos atrevo ao dizer para o campo da
quais o professor pode recorrer. O primeiro ato Psicopedagogia Escolar – a partir de situações,
de mediação possível é a escolha de uma procedimentos, representações simbólicas e
situação para os alunos. Vygotsky não diz conceitos.
praticamente nada sobre a escolha da situação Trago o exemplo citado por Vergnaud
porque na época ele não dispunha dos na palestra para ilustrar o trabalho do
instrumentos teóricos e metodológicos para psicopedadogo na escola. Primeiro, o professor
isso, de forma a escolher, com conhecimento pergunta para a plateia a quantas anda o
de causa, situações que tivessem relação com ensino da Geometria no Brasil, se ela é muito
o conteúdo que era destinado ao ensino. ensinada ou não. Foi respondido, pelo
Infelizmente, também em Piaget não auditório, que há muitas décadas a parte de
encontramos essa resposta. Geometria nos programas é deixada para o fim
É fácil apontar o que falta em Piaget e do ano letivo e, muitas vezes, falta tempo para
o que falta em Vygotsky, mas no que diz abordá-la satisfatoriamente, ao que ele se
respeito ao que é essencial ao trabalho da manifestou com a expressão: “É lamentável”.
Psicopedagogia escolar – a revolução didática Ressaltou que a Matemática nasceu da
– , é possível argumentar que ela não foi feita Geometria e da Medida de Quantidades. Na
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
França também se estudava pouca Geometria, compreenderam. Isso lhe permitirá escolher as
mas agora esse ensino começa a se próximas atividades.
desenvolver. E o paradoxo é que uma criança O terceiro ramo relacionado com a
a partir dos dezoito meses ou de dois anos já geometria do espaço é a geometria das
tem um formidável conhecimento de espaço. transformações. Como construir com os alunos
Aliás, Piaget estudou bastante esse processo. o conhecimento da geometria das
A Geometria tem relação com essa atividade de transformações? Criando situações
representação do espaço, mas também tem educacionais que permitam experimentar esse
algumas descontinuidades em relação a esse conhecimento. Assim, por exemplo, pode-se
conhecimento anteriormente desenvolvido pela solicitar ao aluno que reproduza, de forma
criança. idêntica, uma determinada figura. Há nesta
Que tipo de situação educacional em tarefa possíveis variações: figuras mais fáceis
sala de aula o professor pode criar para ensinar ou mais difíceis, suportes de auxílio presentes
a Geometria? Pierre Gréco considerava que ou ausentes, como folha quadriculada, régua,
havia três domínios interessantes que podiam compasso etc. Outra tarefa pode ser completar
ser transpostos para o ensino escolar. O uma figura a partir de um texto, descrevendo as
primeiro é a geometria dos seres geométricos – propriedades de uma figura ou de um cenário
o quadrado, o retângulo, o losango, o cubo, a em construção. Aí temos, necessariamente, a
esfera... – com suas respectivas propriedades. passagem de uma forma predicativa, uma
O segundo é a geometria das posições e das linguagem natural, para uma forma operatória,
referências: onde estou em relação à outra uma execução.
pessoa? O que pode ser trabalhado em sala de Para concluir esse tópico, sintetizo as
aula? Por exemplo: Maria está à esquerda de três ações psicopedagógicas importantes ao
Pedro? Pedro está à direita de Bruno? E ele cotidiano da sala de aula. A primeira é a
está à esquerda de outros dois alunos em escolha de situações – encenações, jogos e
relação a Pedro? A quantos metros do dramatizações – junto com o professor e a
professor está Maria? Pode-se dizer que o partir do currículo escolar para os conteúdos a
professor está no mesmo plano frontal ou um serem ensinados e aprendidos. A segunda é o
pouco deslocado? auxílio oferecido ao aluno quando ele entra na
No que diz respeito a essa temática, é situação. Isso ninguém pode fazer pelo
preciso frisar que as crianças entre três e sete professor e exige discernimento, firmeza e
anos desenvolvem um considerável acervo de muita atenção para aqueles sinais
competências. Contudo, é importante e manifestados pelo aluno em termos de
coerente propor situações de avaliação que compreensão ou não-compreensão.
permitam verificar o desenvolvimento das Novamente, entra o trabalho do psicopedagogo
competências, tanto do fazer como do dizer. A escolar, agindo como uma rede de sustentação
proposição básica desse instrumento é dar teórico prática para o professor e a serviço do
subsídios ao professor para que ele reconheça aluno. A terceira ação é a avaliação, para que
aqueles alunos que compreenderam, os que o professor tenha condições de gerenciar o
compreenderam mais ou menos e os que nada
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
desenvolvimento das competências que ele e a as pessoas iam embora. Desse modo,
escola objetivam. possuíam pouca comunicação e nenhuma
Um dos melhores livros piagetianos necessidade de alfabetizar-se. Conheciam as
sobre o tema é A Representação do Espaço embalagens dos produtos, e isso lhes bastava.
na Criança. Mas a demanda de serviço mudou para limpeza
Sabemos disso por termos estudado a industrial, que precisava ser realizada de outra
teoria piagetiana na formação em maneira, deixando essas pessoas sem
Psicopedagogia e, precisamos, repito, como trabalho. Com isso, surgiu a necessidade e o
psicopedagogos escolares, construir esse desejo por parte dessas mulheres de se
conhecimento junto com os professores e alfabetizar e, para isso, métodos muito
alunos. Em relação aos professores, esse distantes dos usados na escola (como os jogos)
conhecimento lhes conferirá o conhecimento foram os escolhidos, mas não houve progresso.
necessário para criar situações desafiadoras Então, uma das pessoas envolvidas com o
de aprendizagem em sala de aula. projeto de alfabetização buscou
Relacionados com outros tipos de assessoramento com uma psicopedagoga.
práticas educativas: Esta sugeriu que montassem um psicodrama
serviços e programas de ação da situação escolar, que tivessem caderno, que
educativa voltados para o atendimento à pusessem o nome, que fizessem como haviam
infância, à adolescência e à juventude em vivenciado na escola. Essa reprodução das
contextos não-escolares (família, centros horas infantis foi mágica, pois os educadores
comunitários, centros de adoção, conselhos do projeto partiram do pressuposto que aquelas
tutelares, penitenciárias etc.); pessoas odiavam a escola, onde haviam tido
educação de jovens e adultos; experiências negativas. E não era verdade. A
educação da terceira idade; escola era a infância, era ter companheiros.
programas de formação Havia momentos de sofrimento porque aquilo
profissional; não era muito exitoso, mas havia boas
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
trabalho da Psicopedagogia: em cada universal, que não tem de ser privilegiado para
momento, saber o que significa, para aquele a aprender, que tem todas as condições – um
quem estamos ensinando, o que estamos homem único.
ensinando. Para começar, o ensino é o mesmo, Há em ambas as teorias uma estrutura
qual é o valor que há para ser recebido? Por que chamamos de estrutura lógica, porque se
que às vezes não se recebe? Por que há dá sob as leis da lógica e nos permite
resistências? Cabe ao psicopedagogo analisar compreender a realidade, nos permite
as resistências embutidas no processo de compreender por que as coisas vêm de cima
aprendizagem. para baixo e, de acordo com Freud, uma
Há resistência do grupo que emana da estrutura dramática, uma estrutura que diz
ideia de que o educador é de cultura diferente respeito à relação entre as pessoas. Essas
da sua e ocorre um vazio de sentido, porque, duas estruturas não se contradizem, mas
para eles, oferecemos algo que não tem funcionam separadamente, para que vivamos
sentido. Acreditamos que estamos agradando no mundo com os outros e para que os
e eles tomam como algo que assusta, que os conheçamos.
vai diferenciar de seu grupo, como se eles Assim, temos uma estrutura para o
fossem trair sua cultura, pois há uma cultura nosso pensamento lógico e outra para nosso
analfabeta. pensamento dramático, que diz respeito às
O que a Psicopedagogia precisa relações entre as pessoas. O pensamento
mostrar é que se pode conciliar, que a cultura lógico vai construir a realidade e o pensamento
deles pode ser absorvida, felizmente, pela outra simbólico ou dramático vai construir uma outra
cultura. Que nós temos um instrumento de “realidade”, que Sara Pain (2003) coloca entre
memória, porque a escrita é um instrumento de aspas, porque é uma realidade que se baseia
memória e de reflexão para que essa cultura em uma falta, em uma irrealidade, pois se
possa continuar. Não é por olhar o mundo baseia no desejo.
contemporâneo que eles deixarão sua cultura, Nós construímos nossas relações
sua maneira de ser. A Psicopedagogia pode pessoais em função do que não temos e
facilitar o trabalho de reintegração, e a única precisamos receber do outro. Isso ocorre em
maneira é fazer com que essas culturas função do desejo e da impossibilidade de haver
encontrem uma expressão que lhes assegure a essa relação.
continuidade. Sara Pain (2003, p. 74), nos aponta que
Isso é o que nos pode dar uma teoria se [...] compararmos estruturas, veremos que,
freudiana: a possibilidade de buscar a à parte são diferentes, que seus mecanismos,
significação. Há também a vantagem, assim suas operações, suas categorias são
como na teoria piagetiana, de ser humanista, diferentes, uma diferença na base da saúde
de tomar o homem em sua globalidade. Todos mental, porque, quando essas estruturas se
os homens sofrem e desejam dentro do mesmo misturam, quando não sabemos o que é real e
universo. Isso decorre da necessidade de dar irreal, aparece a maioria dos problemas
significado ao mundo e de conhecê-lo. Esses psiquiátricos e de aprendizagem. Os problemas
autores não mostram esse homem, um homem de aprendizagem surgem de tal confusão.
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
Embora a ênfase dessa aula não esteja seja numa relação, num sujeito em situação,
no campo da clínica, sintetizarei os pontos num grupo, nas instituições, seja nas
principais desse trabalho psicopedagógico. A sociedades, quando se é sociólogo.
dimensão básica do enfoque clínico é Inconsciente não quer dizer somente oculto ou
reconhecer a existência de fenômenos desconhecido [...] Refere-se aos fenômenos
inconscientes e, portanto, da transferência. que atuam com uma força dificilmente
Para Filloux (1996) o exemplo mais perfeito do dominável e uma lógica própria. É aí que nos
enfoque clínico é o psicanalítico. Porque, por ajuda a psicanálise para compreendermos
exemplo, o que fez Freud? Como se diz, partiu essa lógica dos processos inconscientes e para
da clínica. Significa que partiu das relações que aprender como apreender esses problemas, já
se estabeleciam entre ele e os pacientes. A que, por definição, atuam apesar do sujeito.
partir do que aprendeu com o que ocorria Trata-se, então, de fenômenos não-
nessas relações, ele elaborou modelos identificáveis pelo sujeito ou pelo grupo, cujo
interpretativos ou explicativos reconhecimento requer um dispositivo que
para teorizar. Significa que, em Freud, houve passa pela palavra e conta com a presença de
uma aliança particular da clínica com a teoria. alguém que, por não estar implicado na
situação, pode ajudar na sua identificação. O
adjetivo clínica faz referência a uma postura, a
Em Psicopedagogia isso significou um
uma ética, a um modo de ler as situações e de
giro de grande importância sobre o
intervir sem interferir. O posicionamento clínico
questionamento da reeducação
faz parte do psicopedagogo e de suas
psicopedagógica que, de uma maneira geral,
ferramentas conceituais, independentemente
ainda está só a serviço da exigência de uma
de estar trabalhando em uma escola, em uma
adaptação mecanicista, ou sob a égide da
faculdade, em um consultório, na televisão ou
tradição behaviorista-reflexológica.
em um hospital.
Por outro lado, a partir de outras
correntes em Educação, também está
assinalada a necessidade do enfoque clínico. PSICOLOGIA E PEDAGOGIA:
UMA RELAÇÃO DIALÓGICA
Assim, um grupo de profissionais na década de
90, que trabalham com o que Alicia Fernández
O tema da aula de hoje é fundamental
(2001) denomina de formação de formadores.
para o entendimento da Psicopedagogia: a
Esse grupo tem fundamentado o enfoque
relação entre a Psicologia e a Pedagogia. Claro
clínico ao trabalhar com professores, a fim de
que essa relação não se dá por justaposição,
ajudá-los a refletir sobre suas práticas.
em que os conceitos e paradigmas das duas
Vale ressaltar que adotar o enfoque
ciências apenas se emparelham ou duplicam,
clínico não significa necessariamente ter que
ou por aglutinação, forma pela qual eles se
fazer clínica, montar consultório e atender
fundiriam. Trata-se de uma relação tão
pacientes com dificuldades de aprendizagem.
complexa e densa, que ela se explicita em uma
Mas, como pontuou Laville (1996), adotar o
aproximação que vem sendo construída há
enfoque clínico significa, basicamente,
muitos anos, antes do surgimento da
preocupar-se com os processos inconscientes,
Psicopedagogia, por meio da confluência das
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
duas ciências em uma única área de e a Educação, veremos que ela tem bastante
conhecimento. Trata-se da Psicologia da fundamento.
Educação.
Ou será mais correto falar em PSICOLOGIA E PEDAGOGIA:
Psicologia Educacional? Ou em Psicologia na UMA HISTÓRIA DE MUITAS
Educação? Ou quem sabe Psicologia e APROXIMAÇÕES E
EQUÍVOCOS
Educação? Ou seria melhor Psicologia
aplicada à Educação?
Nas quatro primeiras décadas do
Viram só? Temos logo, assim em uma
século XX, a escola e o ensino começam a ser
primeira e rápida tentativa, cinco
objeto de estudo e de interesse dos psicólogos
denominações diferentes.
brasileiros. Estes estudos acompanharam duas
Ecléa Bosi, na apresentação de uma
vertentes da Psicologia: a médico-hospitalar e
obra de Maria Helena de Souza Patto (1984, p.
a educacional. Ambas se voltam para os
XII), afirma que a Psicologia está entre “fogos
problemas de aprendizagem e de rendimento
cruzados” e que:
escolar.
Nascida e crescida sob a égide oficial
Para Patto (1984) essa história passa
de uma ideologia determinista e antidialética, a
pela distinção entre Psicologia da Educação e
psicologia escolar marcou passo anos a fio,
Psicologia Escolar. Segundo Mello (1975), a
repetindo, talvez sem o saber, os chavões da
Psicologia apresenta dois tipos de contribuição
ideologia burguesa ocidental durante toda a
para a Educação:
primeira metade do século XX. A sovada noção
Contribuição científica – o
de QI (Quociente de Inteligência) triunfou na
conhecimento sobre problemas que interessam
academia e daí passou a lugar-comum nas
à Educação pertence ao âmbito da Psicologia
revistas do grande público e em todas as
Educacional, delineando os campos
instâncias de comunicação em que a cultura é
específicos de investigação da ciência
diluída e manipulada para uso dos incautos.
psicológica, dos quais falaremos mais adiante.
Racistas e elitistas de vários naipes ou simples
Contribuição profissional – a
aplicadores mecânicos do famigerado teste
Psicologia Escolar (área de aplicação da
lançaram mão dessa e de outras tabelas. E lá
Psicologia) busca a introdução do psicólogo na
se foram inferir a baixa cota de talentos que o
escola e a solução de problemas escolares
destino cego teria reservado a negros e a
concretos.
índios, a mestiços e a migrantes, a lavradores
Patto (1984) destaca três marcos
e subproletários do campo e da cidade. A
históricos na aproximação entre a Psicologia e
psicologia da aprendizagem ganhava um
a Educação:
pseudo-rigor cujo significado real era perder em
1914 – Criação do Laboratório de
acuidade antropológica para avaliar diferenças
Psicologia Pedagógica (junto à Escola Normal
sociais e culturais efetivas.
Secundária de São Paulo).
Embora esta visão possa parecer
A Psicologia ofereceu os métodos e
excessivamente crítica, se olharmos com
princípios que serviram de substrato à
atenção a história da relação entre a Psicologia
Pedagogia, permitindo ao professor analisar a
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Educação, entendida como, segundo Placco com o outro e com o humano-genérico (de que
(2003, p. 96), “uma das ciências que nos fala Agnes Heller).
que caracterizam a realidade que se procura sentimentos de segurança para ousar, para
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
escolares; produção.
d) modificador do comportamento
– baseia-se na análise experimental do OS CONCEITOS DE
NORMALIDADE E
comportamento, aplicando os princípios da
ANORMALIDADE EM
ideologia adaptacionista. QUESTÃO
Witter ainda destaca a atuação do
psicólogo junto ao sistema escolar em seus
vários níveis, no trabalho comunitário e na Explicação do conceito de
Critério
condução de pesquisas ligadas à área de normalidade
conhecimento. Teleológico Verificação dos objetivos e valores
Uma conclusão... que regem a conduta do ser humano.
Uma aula não tem – e não pode ter – Estatístico Estabelecido em temos de
uma única conclusão. Na realidade esta é uma frequência, comparação com norma.
conclusão escolhida para deixar algumas Clínico Verificado pela ausência de sintomas
coisas para vocês pensarem. orgânicos.
Trata-se da análise crítica feita por Constitucional Posse de uma estrutura genotípica
Ferreira (1986) à Psicologia da Educação. A perfeita, ausência de predisposição a
autora observa o surgimento fragmentado doenças e anomalidades.
dessa área da Psicologia, dicotomizando Sociológico Ajustamento ao grupo social.
aspectos como sujeito e objeto, essência e Criminológico Não-transgressão das leis e normas.
existência, indivíduo e sociedade. Médico-legal Capacidade para gerir civilmente as
Daí tivemos três modelos ou próprias ações.
“representações” da relação indivíduo-
sociedade na Psicologia da Educação: A IMPRECISÃO DO
Psicologia educacional CONCEITO DE
NORMALIDADE
objetivista – fundamentada na visão do homem
como um “fato”, que pode ser conhecido por
meio de seus comportamentos observáveis,
condicionado e controlado mecanicamente
pelo meio externo.
Poucos conceitos são tão imprecisos e
Psicologia educacional
questionáveis quanto o de normalidade. Até
subjetivista – vê o homem como um ser
mesmo na
autônomo, criado para ser livre, sem qualquer
determinação do meio ambiente.
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
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que tende a ser considerada como regra e incomum como doença. O próprio sistema
como valor, podendo proporcionar uma cultural vigente se incumbe de arguir os
interpretação equivocada, uma vez que não comportamentos que excedem os limites da
leva em conta as singularidades, as suposta faixa de normalidade e os
dissidências e as anomalias, baseando-se em pensamentos que escapam de uma pretendida
valores atribuídos ao indivíduo e ao faixa de coerência e realismo.
comportamento, cuja função é avaliar e
detectar a utilidade social das condutas e dos CRITÉRIO VALORATIVO
indivíduos.
Existe um certo consenso de que a Um dos traços peculiares do ser
normalidade é, mais que uma comprovação humano talvez seja o desejo de ser diferente e
efetiva, uma valoração, extremamente destacar-se dos demais, sobressair-se da
suscetível a falhas. média. Considerando-se esta perspectiva da
Outro grupo de autores determina três natureza humana de forma absoluta e isolada,
critérios para a definição da normalidade do ser podemos entendê-la como uma flagrante
humano. contradição ao primeiro critério, o estatístico.
Para melhor entender essa diversidade entre
CRITÉRIO ESTATÍSTICO as pessoas, a qual, apesar de desejável,
poderia correr o risco de ser considerada
Pelo critério estatístico, normal seria o patológica (pelo critério estatístico), devemos
mais frequente numericamente, aquilo que é ter em mente a ideia valorativa da doença.
compatível com a maioria. No entanto, a No critério valorativo interessa o valor
utilização de valores numéricos que a sociedade atribui à maneira do indivíduo
absolutamente rígidos e definitivos é existir. Enquanto o critério estatístico utiliza
questionável pois, como sabemos, o ser termos tais como, incomum, infrequente,
humano não é um arranjo matemático e desproporcional, raro, fora do comum ou
estatístico. diferente, no critério valorativo os adjetivos
Existem faixas de normalidade, ou seja, serão outros. Esses termos dizem mais
o normal fica situado entre este e aquele valor. respeito à qualidade que à quantidade:
Dentro desse critério estatístico, devemos mórbido, nocivo, indesejável, prejudicial,
considerar que nem sempre o habitual é normal degenerado, deficiente, sofrível, cruel,
ou, ainda, nem sempre o excepcional é irracional, desadaptado e assim por diante.
patológico. Portanto, as exceções à regra Segundo a Organização Mundial de
estatística devem ser valorizadas de forma a Saúde, é o estado completo de bemestar físico,
tornar este critério apenas relativamente válido, mental e social que define o que é saúde;
se considerado isoladamente. portanto, tal conceito implica num critério
O critério estatístico deve servir para valorativo, já que, tanto o bem-estar quanto o
destacar da população o não-habitual, o mal-estar, dizem respeito a valores.
diferente ou o não-normal e, isoladamente, isso
não é suficiente para autorizar, declarar este
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
teremos uma ampla diversidade de respostas. resultado disto é bem resumido por Sousa e
No nosso caso, as mais frequentes foram: Alavarse (2003, p. 76):
A falta de base (conhecimento Tendencialmente, em nossas escolas o
anterior) dos alunos; que se observa é a diferença confundida com
A grande quantidade de alunos desigualdade e, assim, tratada como algo a ser
nas turmas; superado. Portanto, ao invés de procurarmos
A grande quantidade de minimizar ou superar desigualdades,
conteúdos a serem transmitidos, o que dificulta exercemos a discriminação, separando
a realização de avaliações de cunho formativo; aqueles alunos que “fogem” ao que é definido
que os alunos apresentam e que impedem o escolar. Muitas foram as explicações buscadas
fluxo normal de aprendizagem (orgânicos, pela Psicologia, pela Pedagogia e pelas demais
emocionais, familiares, disciplinares, foram os ciências que fundamentam os estudos sobre a
bons instrumentos e criar situações tempo, elas contribuíram mais para alicerçar o
dos resultados das avaliações em menções mesmas. Patto (1984) cita algumas:
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
escola. Soares (1983, p. 51-52) afirma que, aspectos físico, sensorial ou mental.
neste caso, as funções sociais que a avaliação Existem também, infelizmente, alunos
sempre tem “estão presentes nos mecanismos mal avaliados; alunos que são vítimas dos
de seleção em que, ostensivamente e sob a múltiplos processos de discriminação e
aparência de uma absoluta neutralidade, “violência simbólica” na escola; alunos que
2
alguns são escolhidos e muitos são rejeitados foram acumulando, no decorrer da sua vida
por um processo de eliminação cuja relação acadêmica, experiências de insucesso e
com a hierarquia social é dissimulada por sua deficiências pedagogicamente produzidas,
pretensa objetividade[...]”. E conclui que: associadas ao ritmo peculiar de aprendizagem,
[...] a avaliação, sob uma falsa ao universo cultural específico de que se
aparência de neutralidade e de objetividade, é originam, à variante linguística que utilizam etc.
o instrumento por excelência de que lança mão Estes alunos são “condenados” pela escola, e
o sistema de ensino para o controle das pela sociedade que os envolve, sendo
oportunidades educacionais e para a rotulados como um grupo de “portadores de
dissimulação das desigualdades sociais que dificuldades ou deficiências”, em vez de alunos
ela oculta sob a fantasia do dom natural e do desiguais que precisam de suporte pedagógico
dado pela própria escola.
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Segundo Marques (199, p. 73), existem lentamente que os outros, diferentemente dos
formações discursivas – discursos e padrões esperados; há os que, pelo menos
respectivos sentidos – veiculadas pela escola, aparentemente, nada aprendem – são os que
referentes às desigualdades e desvios e às fracassam na escola – e há os que aprendem
pessoas realmente portadoras de mais rapidamente que os demais e que
necessidades educacionais específicas. rapidamente se desinteressam das atividades,
tendo problemas de disciplina.
Esses alunos que não As estatísticas relativas às dificuldades
de aprendizagem, aos distúrbios de conduta –
aprendem: um olhar
muitas vezes a elas associados – e da evasão
psicopedagógico sobre o fracasso
escolar, são impressionantemente elevadas. É
escolar comum nas escolas públicas termos, por
exemplo, numerosas turmas de 5ª séries e
O nosso tema de hoje é o fracasso apenas duas ou três turmas de 8ª séries. Trata-
escolar, tema dos mais significativos para nós, se de uma elevada “mortalidade pedagógica”,
educadores. metaforicamente falando. Nem mesmo o
Que grande mistério o fracasso grande número de pesquisas sobre o assunto,
escolar! Quanta perplexidade causa, nos realizadas nos últimos anos, tiveram um
professores, o fato de alguns alunos impacto sensível na redução desses índices.
conseguirem avançar na aprendizagem e
outros não. Nos esforçamos tanto e, na AS ABORDAGENS DO
realidade, a aprendizagem acaba sendo uma FRACASSO ESCOLAR NO
BRASIL – UM POUCO DE
espécie de “caixa preta”, misteriosa. Lá estão
HISTÓRIA
os alunos, na nossa frente, e – tirando algumas
expressões de interesse, perguntas e
Patto, em conhecida obra sobre o
intervenções pertinentes – não temos a menor
fracasso escolar, estudou as raízes históricas
ideia de quanto cada um está evoluindo na
das concepções sobre o mesmo. A autora
construção dos conceitos.
afirma a necessidade “[...] de conhecer, pelo
Se ao menos tivéssemos uma espécie
menos em seus aspectos fundamentais, a
de marcador ou medidor, que nos permitisse
realidade social na qual se engendrou uma
perceber quanto cada um está aprendendo
determinada versão sobre as diferenças de
daquilo que chamamos de “conteúdo” da aula...
rendimento escolar existentes entre crianças
A verdade é que, naquele grupo
de diferentes origens sociais” (PATTO, 1990, p.
heterogêneo que é a turma, há alunos
9).
individualmente diferentes, com ritmos e estilos
Estabelecendo alguns marcos sobre a
de cognição diferentes e motivações diversas,
forma de pensar a escolaridade e o fracasso
constituindo um “mapa de aprendizagens”
escolar no Brasil, fazemos uma breve síntese.
totalmente peculiar.
No período da Primeira República
E há, certamente, aqueles que
(1889-1930) o predomínio das ideias liberais
aprendem menos que os outros, mais
delineou uma forma específica de explicar as
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Vimos, até agora, que o fracasso criança, porque a intervenção pedagógica, por
escolar é geralmente observado por meio da mais generalizada que seja, recai sobre um
repetência e da evasão dos alunos, ou da aluno específico, ou seja, em caso
permanência na escola caracterizada pelo individualizado. A maioria dos professores, no
ritmo de aprendizagem diferente dos demais, entanto, não sabe disso e pensa que as turmas
das dificuldades de motivação e, acima de tudo, homogêneas de alunos garantem o
por um intenso sentimento de infelicidade em desenvolvimento de um bom trabalho,
relação à vida escolar. O que se vem buscando, revelando a crença de que, ao ensinar um
com frequência, é uma definição por meio das mesmo conteúdo para todos os alunos, estes
consequências do fracasso escolar, sem assimilam num mesmo nível e numa mesma
buscar quais seriam propriamente as suas proporção o que lhes foi transmitido.
causas. A autora acredita em situações
Frente às altas taxas de insucesso diferenciadas de aprendizagem que permitem a
escolar, ainda se tenta localizá-lo na própria cada aluno estabelecer os seus próprios planos
criança, deixando a problemática ser resolvida para alcançar os objetivos, dando-lhes
pela família e pelo profissional de saúde. liberdade e autonomia para definir os métodos
Isentando-se das responsabilidades, a de “trabalho” a serem utilizados para realizar a
instituição escolar e o sistema social delegam a aprendizagem.
este profissional, e ao da saúde mental, a tarefa Conclui Mantoan (1999, p. 24): Se os
de resolver a questão. professores forem capazes de criar situações
Para compreender estas crianças que desse tipo, levando em conta, por princípio, que
não aprendem, ou que “aprendem diferente” existem diferenças entre os alunos, sem a
das demais é necessário, antes de mais nada, preocupação primordial de conhecer
que o professor ressignifique o termo previamente o nível que este ou aquele alcança
aprendizagem, compreendendo que ela é um num dado domínio ou conteúdo acadêmico, a
processo muito menos linear e previsível do inclusão de alunos com deficiência mental nas
que tradicionalmente pensamos. turmas regulares será perfeitamente possível
Ideias como a da necessidade de uma nos sistemas escolares.
“prontidão” para a aprendizagem e da As vias de acesso ao conhecimento
existência de “turmas homogêneas” precisam são, portanto, as mesmas, tanto para as
ser revistas. As estruturas do conhecimento, pessoas consideradas capazes de uma
mesmo em pessoas consideradas “normais”, aprendizagem “normal”, quanto para aquelas
apresentam defasagens, ensaios-e-erros, que aprendem de forma “diferente”.
transições, oscilações motivacionais, da As três se completam e se coordenam
mesma forma que nas pessoas portadoras de para permitir a construção do conhecimento:
necessidades educacionais especiais. via perceptiva; via das ações;
Segundo Mantoan (1999, p. 19): via conceptual.
Aos professores é importante a Bernard Charlot (2000) afirma
descrição detalhada de como se amplia e se que, diante de um aluno que fracassa em um
aprofunda o conhecimento em uma dada
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
aprendizado, pode-se fazer dois tipos de tão promissor quanto gostaríamos. A escola
leitura: ainda não consegue compreender plenamente
Frequentemente é feita uma o fracasso escolar, não encontrou as melhores
leitura negativa da situação. Fala-se em formas de lidar com “esses alunos que não
deficiências, carências e lacunas. Mas uma aprendem”, como diz o título da nossa aula de
leitura positiva quer saber: o que está hoje. A escola ainda não consegue responder a
acontecendo com este aluno? algumas perguntas fundamentais, bem
A leitura positiva busca colocadas por Anete Abramowicz (1995, p. 29):
compreender como as situações de fracasso Para compreender quem é o repetente,
foram constituindo-se na trajetória desse aluno. é preciso que se responda a algumas questões:
O que ocorreu com ele? O que ele fez? O que Qual é a concepção de linguagem e
ele pensou? Não procurando somente o aprendizagem existente na escola? Quem é o
contrário: o que ele não fez, o que ele não aprendiz na percepção das professoras, com
pensou, o que ele não entendeu. Parece a quem elas falam enquanto ensinam? O que
metáfora do copo com líquido até a metade: ensina a professora e o que aprende o aluno?
podemos olhar para a parte vazia, e lamentar a Que tipo de aprendiz é esse, que repete no seu
falta do líquido; ou, ao contrário, podemos olhar processo de aprendizagem, portanto, quem é o
para a metade cheia e verificar que, pelo repetente do ponto de vista da escola e da
menos, há alguma coisa para ser bebida. criança?
É hora de estabelecermos a distinção
A leitura positiva quer saber o que está
entre dificuldades de aprendizagem e
ocorrendo, em que situações ele fracassa e em
fracasso escolar, embora tenhamos utilizado
quais ele consegue ter sucesso, “buscando
até agora duas expressões praticamente com o
compreender como se constrói a situação de
mesmo sentido. A primeira é de ordem mais
um aluno que fracassa em um aprendizado e,
subjetiva e individual. Geralmente há algum tipo
não, ‘o que falta’ para essa situação ser uma
de deficiência ou necessidade educacional
situação de aluno bem-sucedido” (Charlot,
específica, sendo que compromete o
2000, p. 30).
desempenho escolar e pode causar fracasso
Isso significa não olhar apenas o
escolar. Já esse último contém uma conjunção
aspecto negativo da situação, não se deter
de fatores que, num determinado momento,
somente nas supostas carências e deficiências
interagem, imobilizando o desenvolvimento do
do aluno. Neste sentido, o autor ressalta que
sujeito e do sistema familiar/escolar/social, no
devemos levar em conta a singularidade do
qual ele está inserido.
aluno, a sua história particular, pois ele é um
Não são apenas as dificuldades de
ser humano único e original. Ele vai para a
aprendizagem as causas do fracasso escolar –
escola e encontra este professor e não outro, e
aliás, nunca há uma causa única – nele estão
a interferência e a contribuição do professor
presentes as dificuldades de ensino, que
pode ser muito importante na vida do aluno.
muitos contribuem para intensificar as
Embora estas reflexões críticas sejam
dificuldades de aprendizagem.
atualmente muito frequentes, o quadro que se
desenha no cotidiano das escolas ainda não é
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
eles pudessem ter “dado conta” de todas as outros tipos de normalidade: a normalidade
dificuldades que os alunos apresentaram. estatística e a normalidade normativa.
Talvez, no fundo, nos queixemos da
nossa própria impotência diante dos obstáculos AS “QUEIXAS” DA ESCOLA
que encontramos para fazermos os nossos
alunos se apropriarem do conhecimento. Vistas 1.ª queixa: nas turmas há sempre
desta forma, as queixas docentes passam a muitos alunos que não conseguem
significar uma forma de defesa psíquica, que aprender
nos protege da frustração e da dor de não As dificuldades de aprendizagem dos
conseguirmos obter o êxito desejado com todos alunos sempre se constituem em uma
os alunos. reclamação das escolas. Como já vimos, elas
Procuramos, ao organizar a nossa devem-se à presença real de dificuldades de
aula, separar quatro grandes queixas que aprendizagem, ou necessidades educativas
ouvimos com frequência nas escolas. Vamos especiais, ou podem ser atribuídas aos
abordar cada uma, sem a pretensão de chamados problemas de ensinagem – fatores
encontrar as soluções e respostas acabadas, intra-escolares como dificuldades de
que darão fim a esses problemas vividos pela relacionamento (com o professor e/ou com o
instituição escolar. grupo) e inadequação curricular, entre outros.
Joyce McDougall (1983, p. 173), em um No primeiro caso, são resumidas pelo
instigante livro que discute em profundidade a Parecer 17/2001 do Conselho Nacional de
questão da normalidade, fala da ambivalência Educação, de 3 de julho de 2001, que instituiu
do analista diante da dicotomia normal X as Diretrizes Nacionais para a Educação
neurótico. Isso pode ser lido em sentido mais Especial na Educação Básica e definiu como
amplo, incluindo os professores: alunos com necessidades educativas
É muito fácil para um analista contrapor especiais, aqueles que apresentam durante o
normal e neurótico, o que não impede outros de processo ensino-aprendizagem:
afirmarem que “é normal ser neurótico”. Dificuldades acentuadas de
Estamos aqui diante dos dois significados aprendizagem ou limitações no processo de
principais do vocábulo. Dizer que “é normal ser desenvolvimento que dificultem o
neurótico” nos remete a uma noção de acompanhamento das atividades curriculares,
quantidade, à norma estatística. Se, por outro compreendidas em dois grupos:
lado, fizermos uma oposição entre “normal” e aquelas não vinculadas a uma
“neurótico”, estaremos distinguindo-os em causa orgânica específica;
função de uma qualidade. Neste caso, aquelas relacionadas a
utilizamos a palavra no sentido normativo, condições, disfunções, limitações ou
designando alguma coisa “em direção da qual deficiências.
o indivíduo tenderia”, o que sem dúvida inclui dificuldades de comunicação e
uma dimensão ideal. Eis-nos, portanto, além da sinalização diferenciadas dos demais alunos
normalidade patológica, às voltas com dois (surdez, cegueira, surdo-cegueira ou distúrbios
acentuados de linguagem, necessitando de
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
(mais profundas, que requerem o envolvimento que acarrete uma manifestação observável de
da instituição como um todo). conduta. Isso nos remeteria diretamente ao
contraponto entre normal e anormal, já
discutido em outra aula.
Preferimos considerar, para a
conceituação que vocês estão construindo, a
Reparem que há uma repetição em definição de condutas típicas apresentada
várias modalidades de adaptação curricular. pelos Parâmetros Curriculares Nacionais/
Isto é explicável: as adaptações significativas Adaptações Curriculares (1998, p. 25):
nem sempre podem ser implementadas de “Manifestações de comportamento típicas de
pronto, mas sim processualmente, começando portadores de síndromes e quadros
muitas vezes com níveis menos significativos psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que
de adaptação. ocasionam atrasos no desenvolvimento e
As decisões curriculares que iniciam as prejuízos no relacionamento social, em grau
adaptações devem envolver toda a equipe da que requeira atendimento educacional
instituição, evitando a transferência de especializado”.
responsabilidade e a constante recorrência aos Existem diversas condutas típicas, com
recursos externos. as quais o professor pode se defrontar no
O texto indica, ainda, que existem três cotidiano do seu trabalho, e que causam
níveis de adaptações curriculares: individuais, dificuldades de aprendizagem com todas as
no currículo (incluindo elementos físicos, consequências que bem conhecemos: a
materiais e curriculares, como forma de ensinar esquizofrenia, a síndrome desafiadora e de
e avaliar, por exemplo) e no Projeto Político oposição, a Síndrome de Rett, os transtornos
Pedagógico da escola. do humor, a hiperatividade (ou TDAH) e o
autismo.
2.ª queixa: os alunos geralmente não A segunda questão – indisciplina
se comportam bem na escola, não têm escolar – vem merecendo uma série de estudos
limites, não obedecem e abordagens, tanto na Pedagogia e na
Psicologia, como na área da Psicopedagogia.
Esta segunda queixa diz respeito a A própria definição do que é indisciplina pode
uma questão que se apresenta cindida, ser extremamente diversificada. Dependerá,
englobando dois aspectos: os distúrbios de por exemplo, do quanto a escola pode ser
conduta e a indisciplina escolar propriamente conservadora e da rigidez da aplicação dos
dita. Embora saibamos que estão muito limites disciplinares estabelecidos.
ligados, constituem aspectos distintos. Autores como Lajonquière acreditam
Como definir os distúrbios de conduta? que “a razão de ser da (in)disciplina escolar é a
A identificação de comportamento ou conduta, própria lógica do cotidiano escolar”. (1996, p.
considerando apenas a manifestação externa, 36). A partir de uma pesquisa realizada com
levaria a considerar como distúrbio de professores, Fortuna (2002, p. 88) assim
comportamento qualquer tipo de perturbação concluiu:
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conteúdos lógicos, mas, que esses torna uma bula de remédios, repleta de efeitos
profissionais necessitam uma formação em colaterais nocivos à saúde escolar.
termos de aprendizagens dramáticas, Por outro lado, retomando as
considerando o universo social ao qual sua afirmações da teoria do conhecimento prático
atividade profissional se dirige – uma sociedade em Gerard Vergnaud, é preciso admitir que os
formada por um contingente de mais de trinta cursos das áreas de Educação de muitas
milhões de analfabetos, entre funcionais e universidades brasileiras, e mesmo fora delas,
absolutos, os quais, por sua vez, em sua tendem a considerar apenas uma abordagem
maioria, compreendem o quadro dos brasileiros abusivamente teórica e discursiva, ficando a
que vivem em condição de pobreza crônica nas prática da sala de aula, lamentavelmente, fora
periferias de nossas grandes capitais e de seu centro de ação pedagógica.
metrópoles.
Portanto, precisamos contemplar ADEQUAÇÕES CURRICULARES
nessa formação psicopedagógica do novo INDIVIDUALIZADAS (ACI)
profissional da Educação o conhecimento
prático a respeito das questões sociais e
Esse termo surgiu na Espanha (COLL,
culturais que configuram a especificidade de
1995) e foi gerado a partir do Programa de
sua prática de professor em um país como o
Desenvolvimento Especial para alunos com
Brasil. Claro que considero fundamental que o
handicaps ou deficiências. Posteriormente, e
professor que atua na área de Educação
atendendo à progressiva ampliação do
Popular demonstre competência profissional,
conceito de Educação Especial, esta
por exemplo, no conhecimento das teorias de
associação foi adquirindo novos matizes e
Emília Ferreiro, buscando caracterizar os
sendo transferida a todos os alunos que, por
diferentes níveis psicogenéticos em que se
uma ou outra condição – ou conjunto de
encontram seus alunos no processo de
condições – apresentam necessidades
construção da leitura e da escrita e,
educacionais especiais.
posteriormente, desestabilizá-los com desafios
As ACIs constituem um dos
inteligentes para que possam avançar.
instrumentos escolares e devem envolver, em
Contudo, sei que somente o domínio
sua elaboração, desenvolvimento e avaliação,
deste conhecimento por parte do professor não
ações e procedimentos que assegurem, em
garante a aprendizagem de 100% de seus
todos os casos, o cumprimento das seguintes
alunos, nem a evasão zero em sua sala de
funções:
aula. Por um lado, para o caso da formação do
estabelecer uma conexão
professor, podemos afirmar que esta, tanto
lógica entre a avaliação psicopedagógica e a
quanto a formação de seus alunos, tem por
programação individual;
base aprendizagens subjetivas – associadas às
preparar e coordenar as
estruturas simbólicas do conhecimento
situações educacionais regulares e especiais
humano – sem as quais a construção de
que dirigiremos ao aluno; proporcionar ao
competências técnicas para o ato de ensinar se
aluno, o máximo possível, e quando convir,
ambientes menos restritivos; eliminar, na
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se tivesse sido assim, não sei, algo nos meus Alícia, que presenciava a cena, nunca
pulmões, no meu estômago, no coração não havia escutado, nem lido, nem conseguido
me deixaria aprender.
escrever uma explicação tão acertada ensinar, a importância que dava ao ensinado,
para os verbos ensinar e aprender. Desse assim como o que esperava de sua filha, a
diálogo nos convida a refletir sobre as pessoas confiança que nela depositava em relação ao
que ocupam esse lugar de ensinantes: pais e que poderia aprender, a alegria e o prazer que
professores. a ele proporcionava estar com sua filha naquela
Ensinar e aprender se imbricam; atividade, tudo isso formava o terreno onde sua
portanto, não se pode pensar em um dos filha iria aprender.
verbos se não está em relação com o outro, Assim, vemos a partir do diálogo com
mas, para poder explicar para sua irmã menor sua irmã que entre o ensinante e o aprendente
o que é aprender, Silvina precisou nomear se abre um campo de diferenças no qual vai se
primeiro quem ensina. No seu caso, o pai é a alojar o prazer de aprender. O ensinante
pessoa ensinante. Fernández (2001, p. 29) nos entrega algo, mas para que o aprendente possa
mostra que: se apropriar desse algo, necessita inventá-lo
A modalidade de seu pai, a posição que novamente. É uma experiência de alegria e de
assumia ao ensinar, como pensava sobre si descoberta, dependendo da posição que o
mesmo, a confiança que podia ter nele para ensinante ocupar.
Mesmo que os objetos ou as máquinas “estudar é preciso para ganhar dinheiro” e, para
possam vir a ter uma função ensinante, a mim o pior de todos: “você precisa estudar para
pessoa ensinante, com todas as suas ser alguém na vida” – ficando subentendido que
características singulares, acrescidas de suas o filho e/ou aluno ainda não é uma pessoa,
qualidades pedagógicas, é prioritária nessa talvez um bicho, quem sabe.
relação ensino-aprendizagem, porque é A primeira intervenção
exatamente o molde relacional que irá se psicopedagógica que pode ser feita em
imprimir na subjetividade do aprendente, mais relação aos ensinantes, que repetem
que o conteúdo da aprendizagem. incessantemente essas fórmulas sobre o
No caso de Silvina, foi necessário que estudo para crianças e adolescentes, é
o ensinante (o pai) a investisse da possibilidade mostrar-lhes a diferença entre conhecimento e
de ser aprendente, lhe autorizando a ocupar o saber.
lugar de sujeito pensante para que a menina se
apropriasse do prazer da autoria da SABER E CONHECER
aprendizagem.
Muitas vezes, esquecemos o caráter O conhecimento não pode ser
subjetivo da aprendizagem e centenas de pais transmitido diretamente e em bloco, o
e professores acreditam poder despertar o ensinante transmite-o por meio de um signo.
desejo de aprender de seus filhos e alunos, Por exemplo, quando uma mãe diz ao seu filho
apelando para velhos refrões: “estudar é “não mexe aí” ou “não sai daí”, está
necessário para obter um bom trabalho”; apresentando um paradigma para a criança.
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Assim, a criança que possui uma estrutura por exemplo, com os analfabetos ao
habilitada para captar o imperativo negativo do desvalorizarmos sua sabedoria por não serem
verbo utilizado pela mãe, poderá aplicar esse conhecedores da tecnologia da escrita e da
signo apreendido para qualquer tipo de verbo. leitura. Em algum momento de nossas vidas
E é a partir de exemplos dados em um contexto (parte de nossas infâncias) também fomos
que as crianças poderão reproduzir ações analfabetos, mas como diria Paulo Freire,
verbais, ou seja, houve primeiro uma mecânica contávamos com as nossas leituras de mundo
geradora. Foi necessário um modelo, um e com a sabedoria dessas leituras para
emblema de conhecimento. sobreviver no mundo letrado. E quantas vezes
Os adultos, mesmo sem se darem admitimos, com toda propriedade, que somos
conta do que estão fazendo, escolhem uma analfabetos em determinadas áreas do
situação, fazem um recorte e transmitem tanto conhecimento? Admitimos nossa ignorância,
sinais de conhecimento quanto ignorância. A sem temer o ridículo ou o menosprezo de
Psicanálise nos mostra que o conhecimento é nossos amigos e familiares. Paulo Freire,
sempre conhecimento do outro, porque o outro também nos alertaria, assim como a
o possui1; porém, também porque é preciso Psicopedagogia, que só tendo a humildade
conhecer o outro, ou seja, colocá-lo no lugar do para nos percebemos ignorantes poderemos
ensinante e, assim, conhecê-lo. Não conhecer o que nos falta.
aprendemos com qualquer um, aprendemos As relações cotidianas entre as
com aquele a quem outorgamos confiança e pessoas também evidenciam essa diferença
direito de ensinar. entre saber e conhecimento, como nos mostra
Quais são as diferenças entre saber e Fernández (2001, p. 63b):
conhecimento? O conhecimento é objetivável, Assim, se alguém diz “Sei dirigir”,
transmissível de forma indireta ou impessoal; supõe-se, caso tivesse um automóvel, que
pode ser adquirido por meio de livros ou poderia sair dirigindo. Porém, se alguém diz:
máquinas; é factível de sistematização nas “Eu conheço como se dirige um carro”, até o
teorias; enuncia-se por intermédio de melhor amigo duvidaria de emprestar seu carro.
conceitos. Conhecer regras de manejo, seja porque
O saber é transmissível de maneira alguém contou, ou porque leu o manual de
direta, de pessoa à pessoa, experiencialmente; instruções e conhece os procedimentos, seja
não se pode aprender por meio de um livro, porque talvez tenha passado cinco anos
nem de máquinas, não é sistematizável; só estudando como dirigir, não quer dizer que
pode ser enunciado por intermédio de esteja em condições de entrar num carro e
metáforas, paradigmas, situações e histórias. O fazê-lo.
saber dá poder de uso, mas o conhecimento Em outras palavras, para saber dirigir
não. um carro é preciso conhecimentos, mas só com
Uma grande falha de nossa educação eles não se pode praticar o verbo dirigir. Os
refere-se à desqualificação do saber e ao conhecimentos somente se operacionalizam no
endeusamento do conhecimento. O que é feito,
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terreno construído pela inteligência: o desejo, o nós, que não precisarão mais que os levemos
organismo e o corpo. no colo e, ainda assim, promovemos a
A segunda intervenção aprendizagem de caminhar. Isso quer dizer que
psicopedagógica é lhes indicar como ocupar ensinamos nosso filho a caminhar.
o lugar de ensinantes que já possuem na vida
de seus filhos e alunos. Poderíamos lhes falar
que mais do que ensinar (mostrar) conteúdos
de conhecimentos, o significado de ser
ensinante é abrir espaço para o aprender.
Espaço simultaneamente objetivo e
subjetivo em que dois trabalhos são
realizados ao mesmo tempo: a construção de
conhecimentos e a construção de si mesmo,
como sujeito criativo e pensante.
Pais e professores, por serem os
primeiros ensinantes de nossa vida, podem
nutrir e produzir nas crianças esses espaços,
nos quais o aprender é construtor de autoria do
pensamento, ao invés de perturbar a criança
em seu uso desse espaço ou até, em casos
extremos, destruir esses espaços. Às vezes,
essas atitudes extremas de destruição
acontecem porque os ensinantes percebem
que as crianças irão embora, não precisarão
mais de sua ajuda e, para evitar a dor da perda,
mantêm as crianças presas em uma
dependência intelectual e emocional que pode
levar ao desmoronamento do espaço de
aprender. Mas, vejamos o exemplo que
Fernández (2001, p. 30) nos traz:
Se um menino ou menina aprende a
caminhar não é porque tenha pernas, mas
porque seus pais desejam que ele/ela caminhe
e o/a consideram capaz de caminhar. Quando
nossos filhos caminham sozinhos, podem até
“escapar” e ir para onde não podemos controla-
los; no entanto, mesmo sabendo disso,
continuamos desejando que aprendam.
Antecipamos que deixarão de necessitar de
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pagar um pedágio de dor?” Quantas supostas Em outras palavras, seu êxito como pessoa não
patologias são impostas à criança em nome da depende do êxito de seu aprendente para que ele
atenção? Quantos nomes enigmáticos, tais como se sinta feliz. Podemos, e devemos, nos
ADD ou ADHD, não são mais do que déficits de responsabilizar junto com nossos filhos e alunos
3
atenção dos próprios adultos ensinantes que pelos seus êxitos, mas sabendo que estamos
lidam diariamente com a criança? compartilhando essa responsabilidade.
Toda aprendizagem é dramatizada no Lembram-se que o pai de Silvina corria
corpo a partir da experiência, que pode ser de ao lado da bicicleta? E se a bicicleta caísse?
prazer ou de desprazer; as duas deixam suas Provavelmente cairiam os dois. E os dois se
marcas: alegria ou dor. Mas, a dor pode gerar responsabilizariam juntos pelo tombo. E se
somatizações de todas as espécies, pois, afinal, encontrassem uma pedra ou um buraco no
nós sujeitos habitamos um corpo e nosso corpo caminho que fizesse a bicicleta cambalear? Os
pode sofrer padecimentos emocionais que, aos dois juntos teriam que encontrar rapidamente
poucos, vão se transformando em fisiológicos e uma maneira de se desviarem do risco,
se instalando em nosso organismo. As chamadas impedindo, se possível, que a bicicleta caísse.
doenças psicossomáticas atestam isso. Tudo isso junto faz com que o terreno em
A quarta intervenção que se encontram ensinantes e aprendentes seja
psicopedagógica – a segurança e a um lugar onde se correm riscos, pois na aventura
responsabilidade dos ensinantes. de aprender nos deparamos sempre com
Fernández (2001, p. 33a) comenta: “O imprevisíveis e ilimitadas possibilidades que se
pai de Silvina sustentava a bicicleta-instrumento- abrem para os sujeitos. Os verbos ensinar e
conhecimento-processo-construtivo. Não aprender comportam desafios de todas as
segurava a menina pela cintura, nem pelas espécies, assim como viver.
pernas, menos ainda pela cabeça. Assim, Mas, voltemos à questão da
facilitou a apropriação da autoria”. responsabilidade. Fernández nos aponta que
O que é preciso para que um ensinante (2001, p. 33): “A responsabilidade
sustente a bicicleta? Métodos diferentes? compartilhada exime a imposição de culpas
Técnicas de ensino? Diferentes procedimentos expulsivas ou imobilizantes. A culpabilização do
pedagógicos e psicopedagógicos? Uma equipe aluno ou do professor é um desvio que impede a
multidisciplinar de profissionais presente na chegada à necessária responsabilidade”.
escola? A construção da autonomia carrega
Todos esses elementos sozinhos vão consigo a construção da responsabilidade, pois
fazer a bicicleta cair e a menina vai se machucar. autonomia significa ser autor de suas próprias
Para que o ensinante sustente a bicicleta- regras, ser regulado por normas éticas e morais
ferramenta-conceito-construção de em conformidade com as leis sociais e, os
conhecimento-espaço criativo-espaço de sujeitos autônomos são pessoas responsáveis
aprendizagem – e não a criança pelo corpo, ele por si mesmas e, muitas vezes, pelos outros.
precisa saber neutralizar a importância da sua Um grande equívoco que acontece no
figura. Para tanto, precisa estar medianamente dia-a-dia escolar é confundir construção de
seguro de si mesmo e ter seus próprios projetos. autonomia com construção do chamado “espírito
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competitivo”. Tal equívoco promove a prática da compreensiva para não inquietar a criança e não
competição em sala de aula como estratégia de contribuir para lhes frustrar os planos.
ensino e de aprendizagem. Os professores Quando está presente, a criança não
exigem que seus alunos aprendam em meio a participa ipso facto da conversa. Na maioria das
uma corrida, com o perigo de perder, ou de ficar vezes, os adultos mandam que ela vá brincar, de
de fora, ou com a obrigação de ser bem- preferência bem longe do local onde estão
sucedido. A escola, transformada em campo de reunidos, para poderem falar sem excessivas
treinamento e competição, é produtora de precauções. É então que a vemos, com um ar
neurose. E todo o cuidado é pouco na hora que aborrecido ou vagamente inquieto, à espera, ao
estamos avaliando por meio de notas, pois fundo da sala ou perambulando pelo pátio da
mesmo que não realizemos competições escola.
explícitas, poderemos estar embutindo rivalidade Quando é convidada a aproximar-se, a
entre colegas exibindo as notas como troféus e criança pode mostrar-se ambivalente. Talvez
medalhas. quisesse ser uma mosca para não perder nada
A quinta intervenção do que dizem a seu respeito e nem sempre se
psicopedagógica – a criança como mediadora sente muito à vontade, face a estes adultos que
dos contatos diretos. habitualmente enfrenta separadamente, mas
Como acabei falando de avaliação e que, nesse dia, se encontram reunidos, senão
notas, no tópico anterior, vou emendar agora com mesmo unidos.
o tema reuniões de pais e professores, fato O encontro entre pais e professores
bastante corriqueiro no dia-a-dia escolar. materializa o time dos adultos, mesmo quando
A criança não pode ficar indiferente à estão em conflito ou resolvem uma negociação
representação que os adultos têm dela, nem ao difícil sobre a disciplina, as notas ou a orientação
futuro que estes lhe reservam. O seu destino está escolar. Então, a criança toma consciência de ser
em jogo, mas como é uma criança, os adultos objeto de uma decisão conjunta sobre a qual tem
não retiram daí a conclusão que é necessário tanto menor influência quanto maior for a partilha
associá-la aos seus encontros. Essa de informações e o acordo estratégico entre pais
necessidade parece evidente a alguns poucos e professores.
professores e pais, mas a maioria pensa que as Alguns alunos pressentem que esses
crianças não estão suficientemente crescidas ou encontros, por mais raros que sejam, limitam a
maduras para poderem discutir seu próprio sua (pouca) autonomia. Enquanto go-between4,
destino. Daí que, muitas vezes, pais e conservam uma certa margem de manobra, mas
professores se encontram sem conhecimento do quando os pais e os professores se encontram,
interessado: o aluno. Mas mesmo quando este estreitam-se as malhas da rede. Os alunos
não está a par desses encontros, nem sempre é pressentem (e muito bem, por sinal) que agora as
convidado, ou mesmo informado do motivo exato tarefas de que são incumbidos apresentam
de tais conversas adultas. Em geral, após o menos falhas quando são frutos do acordo entre
encontro, à criança apenas são transmitidas adultos, e tentam assim evitar as alianças muito
reproduções parciais: professores e pais filtram a estreitas entre pais e professores, pessoas de
informação de forma que esta se torne quem mais dependem.
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não sei a resposta, mas podemos tentar se atenuem e o nível do ensino se eleve. Tornar
descobri-la juntos. real uma educação sob medida, conforme a
Rodulfo (1990) considera que uma das fórmula de Claparède (1973), é a ambição
tarefas psicológicas decisivas para o adolescente (utópica?) de todos aqueles que acham
é produzir a metamorfose do essencial do brincar simplesmente um absurdo sem tamanho ensinar
infantil no trabalhar adulto. A chave dessa a mesma coisa no mesmo momento, com os
mutação reside na migração do desejo mesmos métodos, a alunos muito diferentes.
inconsciente de um campo ao outro para que o A Psicopedagogia também acredita que
adolescente possa investir profundamente no essa homogeneização do ensinar e do aprender
trabalho, tal como vinha fazendo com o brincar. é absurda. Assim, a preocupação em ajustar o
Tal passagem do brincar para o trabalhar ensino às características individuais não surge da
pode e deve ser facilitada pela aprendizagem utopia e/ou do sonho de uns poucos idealistas,
escolar e familiar. Piaget já nos dizia que o mas do respeito às diferenças entre as pessoas
trabalho adulto nada mais é do que o jogo e de um, digamos, bom senso pedagógico, como
simbólico das crianças em outra potência e o que nos diria Freinet na Pedagogia do Bom Senso.
considerávamos como uma atividade inferior, o A indiferença às diferenças, como nos
brincar, era o centro gerador de operações aponta Perrenoud, só tem promovido fracasso
mentais sofisticadas e complexas. Então, por que escolar, pois transforma as desigualdades
não trazer o brincar e a brincadeira para dentro iniciais, diante da cultura, por exemplo, em
da escola e da família? desigualdades de aprendizagem e,
posteriormente, desigualdades de êxito escolar.
A INTERVENÇÃO Apesar das evidências e das análises
PSICOPEDAGÓGICA NOS progressivamente mais precisas realizadas por
PROCESSOS DE
pesquisas educacionais a partir dos anos 60 na
APRENDIZAGENS
INDIVIDUAIS E COLETIVAS Europa, e dos anos 80 no Brasil, a fabricação do
fracasso escolar persiste. O modo dominante de
Diferenciada, Perrenoud (2000) nos explica o que agrupam-se os alunos conforme a sua idade (o
significa diferenciar o ensino: fazer com que cada que supostamente indica um nível de
possível, situações fecundas de aprendizagem. acerca dos conteúdos escolares, em turmas, que
Parece uma ideia simples; contudo, envolve a escola insiste em acreditar que são
profundas mudanças na escola. De imediato, homogêneas, pelo menos o suficiente para que
qualquer que sejam as adaptações feitas à cada aluno possa assimilar o mesmo conteúdo
prática pedagógica de todo o dia, os professores programático durante o mesmo tempo – um ano
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
e riscos que os aprendentes precisam suportar que se encontram seus alunos no processo de
na aventura de aprender. Por mais incrível que aquisição da leitura e da escrita.
isso possa parecer, superar os obstáculos que Ao invés de separá-los em grupos
surgem na trilha da aprendizagem é um prazer usando como critério esses níveis, permite que
que alimenta a inteligência, que dá sabor ao eles se organizem como quiserem e propõe,
conhecimento e mais saber ao inconsciente. E como situação-problema, que cada grupo
ainda mais, os professores que se engajam escreva listas diferentes de compra de
nessa aventura, sentem as mesmas emoções supermercado: materiais de limpeza, legumes,
dos alunos. Lembrem-se: ensinar e aprender só frutas, carnes, grãos etc. Cada grupo precisará,
acontecem em um marco relacional. primeiro, classificar os produtos (uma situação-
Quando Piaget escreve cooperação em problema) e, depois, resolver o obstáculo da
seus livros, quer significar operações mentais escrita. Ou seja, a professora trabalhou com a
compartilhadas. turma, em um sistema de co-operação,1 dois
Já sabemos que aprender não é conteúdos: raciocínio lógico-matemático
simplesmente memorizar, estocar informações, (classificação dos produtos do supermercado) e
mas é uma ação complexa que envolve todo o a construção da linguagem escrita. E a tarefa não
sujeito aprendente e reestrutura seu sistema de precisa se esgotar no mesmo dia, pode e deve
compreensão do mundo. Essa reestruturação continuar no dia seguinte, é só trocar as listas,
não acontece sem um importante trabalho para que outros grupos tenham acesso ao que foi
cognitivo. Ao se engajar no processo de escrito, ampliando e corrigindo (por quê não?) o
reestruturação, o equilíbrio rompido é que os colegas fizeram.
restabelecido e o aprendente domina melhor, de Mas, a aprendizagem individual foi
maneira prática e simbólica, a realidade. Foi o esquecida? Claro que não! Os alunos
que aconteceu com Silvina quando seu pai tirou trabalharam em pequenos grupos (máximo de
as rodinhas da bicicleta, o equilíbrio cinco crianças) e cada um, ao contribuir com a
anteriormente conquistado (as rodinhas) foi lista coletiva, aprendeu. Além disso, ao lerem as
desmantelado e uma nova aprendizagem listas confeccionadas pelos outros grupos, mais
(reestruturação) pôde surgir. Por isso, aprendizagens foram realizadas: leitura,
precisamos ser desafiados sempre. O que ampliação do conteúdo das listas e correção dos
implica, na escola, em organizar situações- textos. Pois é, as crianças também aprendem
problema para que os alunos, ao resolvê-las, quando questionam o certo e o errado, quando
possam criar outras configurações da realidade. têm dúvidas e perguntam, quando são
Uma situação-problema precisa ser desafiadas a agir em uma tarefa que tenha
previamente organizada pelo professor em torno sentido para elas.
da resolução de um obstáculo pela turma, Esse tema da correção nos remete à
obstáculo previamente identificado. Por exemplo, avaliação escolar da aprendizagem e nos
estamos no início do ano letivo (março) em uma convida a refletir sobre as hierarquias de
classe de alfabetização, a professora já excelência que são fabricadas no cotidiano da
identificou os diferentes níveis psicogenéticos em sala de aula. Assim, por exemplo, como
interpretamos o conteúdo programático em
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
relação à redação em uma terceira série do momento que o professor parabeniza os alunos
ensino fundamental. Esperamos que o aluno seja pelo êxito por eles alcançado na tarefa.
capaz de escrever um texto simples, legível e Quando a avaliação (formal) concentra-
contendo algumas ideias-chave organizadas ou se apenas na contagem de erros, sem a devida
entendemos que não podemos aceitar menos do análise, os destinos acadêmicos – sucesso ou
que uma pequena dissertação sobre algum tema fracasso escolar – estão lançados e as
predeterminado por nós? Um professor pode dar competências reais dos alunos passaram
a nota 10 para o primeiro caso (texto simples), desapercebidas, como se não existissem. Os
enquanto que outro daria 5 e/ou reprovaria o avanços na aprendizagem, às vezes, mostram-
aluno. Temos, então, uma variação imensa em se como erros diferentes, os quais Piaget
relação às exigências docentes acerca das denominaram de erros construtivos. Isso porque,
aprendizagens dos alunos, ou seja, quem em sua teoria, o conhecimento objetivo aparece
escreveu o texto simples aprendeu e quem como uma aquisição e não como um dado inicial.
redigiu a pequena dissertação também aprendeu O caminho em direção a este conhecimento
a escrever, certamente tem mais competência, objetivo não é linear: não nos aproximamos dele
domina melhor a escrita, tem mais talento etc., passo a passo, juntando peças de conhecimento
mas não é por comparação que chegaremos na umas sobre as outras, mas sim por meio de
nota justa, mas por critérios mais justos para grandes reestruturações globais, algumas das
avaliar as aprendizagens. quais são “errôneas” (no que se refere ao ponto
Continuando com o exemplo acima, final), porém “construtivas” (na medida em que
devemos perceber como está a escrita de toda a permitem aceder a ele). Toda obra de Piaget
turma, se todos, com exceção de dois ou três abunda em exemplos de tais erros construtivos.
alunos, escrevem textos simples, então podemos Citando apenas um: os julgamentos de
considerar que a turma sabe escrever e, equivalência numérica que se baseiam na
portanto, podemos aperfeiçoar essa habilidade e igualdade de fronteiras entre duas coleções –
torná-los mais competentes ainda, criando mais quando a criança julga que há igual quantidade
atividades interessantes e significativas que de elementos em duas filas de objetos cujos
promovam essa competência. limites coincidem independente do fato de que
Ao invés de só perceber o que falta em em uma haja cinco, espaçados entre si, e na
cada criança, por que não perceber o que os outra sete, menos espaçados – constituem um
alunos já construíram em termos de progresso notável em relação à etapa anterior, na
conhecimento e, desse ponto, fazê-los avançar qual não há critério estável para julgar a
ainda mais? Levar em consideração, também, os equivalência quantitativa entre duas coleções, e
erros que foram evitados na realização dos novos mesmo que levem a criança a cometer erros
exercícios – sinal de que a aprendizagem nessa sistemáticos, estes erros são construtivos, não
área específica do conhecimento está construída impedindo, mas sim permitindo o acesso à
– além de ser um critério mais justo para julgar a resposta correta.
aprendizagem da turma, institui um clima Em outras palavras, quando uma criança
favorável para aprendizagens futuras, a partir do diz “eu fazi”, ela não regulariza os verbos
irregulares “porque sim”, ou porque ela é
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FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM
“burrinha”, nem julga da equivalência entre duas isso é falso, a tal ficção permanece no princípio
coleções pela equivalência das fronteiras “porque da estrutura escolar: faixas etárias dos alunos e
sim”. Esses são erros sistemáticos e não erros distribuição do programa em graus anuais. No
por falta de atenção ou de memória. Nosso dever, início da escolaridade obrigatória, as diferenças
como psicopedagogos e professores é tratar de de idades são as únicas que a escola aceita levar
compreendê-los; o dever dos pedagogos é levá- em conta. Para afrontar a imensa diversidade de
los em consideração, e não os colocar no saco ritmos de desenvolvimento, a Pedagogia preferiu
indiferenciado dos erros em geral. É preciso esconder a cabeça na areia, tal qual o avestruz
permitir aos aprendentes que passem por quando tem medo de alguma coisa, preferindo
períodos de erro construtivo em seus processos ignorar essa questão.
de construção dos conhecimentos. A Mas, então como lidar com as diferenças
Psicopedagogia tem consciência que essa é uma de ritmos de desenvolvimento e aprendizagem?
tarefa de fôlego, que demandará de nós uma Tendo como base a teoria piagetiana, vemos que
outra classe de esforços. o desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento
Uma outra classe de argumentos afetivo e o desenvolvimento social são
explicativos sobre o fracasso escolar se inseparáveis. Piaget (1936) atribuiu nítida
concentra nas diferenças e desigualdades extra- importância às relações sociais entre as crianças
escolares – biológicas, psicológicas, para o desenvolvimento afetivo e intelectual.
econômicas, sociais e culturais – com o Quando as relações ocorrem entre iguais
firme propósito de nos convencer que são elas as (alunos), a cooperação torna-se uma
responsáveis pelas desigualdades de possibilidade real. Embora o comportamento
aprendizagem e de êxito escolar. parcialmente socializado seja evidente desde o
Perrenoud (2000) nos pergunta, então, início da linguagem oral, Piaget afirma que é em
se não é a escola que assume o papel de torno dos sete ou oito anos – com o nascimento
indiferença às diferenças? Sim, porque não das operações cognitivas – e com o fim do
podemos negar que essas diferenças existem, egocentrismo pré-operacional, que ocorre o
mas elas não se transformam magicamente em progresso sistemático da cooperação. Isto é
desigualdades na aprendizagem escolar, a não facilmente percebido na compreensão das
ser ao sabor de um funcionamento discriminativo regras, nos jogos infantis. Segundo youniss e
do ensino, de sua maneira particular de tratar as Damon (1992, p. 273), “Piaget descreveu as
diferenças. relações infantis entre os pares como o contexto
Atualmente, depois de mais de vinte ideal para a cooperação. Seu raciocínio dizia
anos de debates sobre a diferenciação possível que, como praxe, os colegas teriam de colaborar
e desejável do ensino, a maioria dos sistemas para ficarem juntos, já que o relacionamento
escolares ainda mantém amplamente a ficção entre eles baseava-se na reciprocidade
segundo a qual todas as crianças de seis anos, simétrica”.
que entram na primeira série da escola As crianças têm potencial para interagir
obrigatória, estariam igualmente desejosas e socialmente com os outros enquanto iguais, mas
seriam capazes de aprender a ler e a escrever normalmente com os adultos elas interagem
em um ano letivo. Embora todo mundo saiba que como se fossem inferiores (respeito unilateral).
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ninguém aprende sozinho. Agora, vamos alunos lentos, que levará ao fracasso escolar. E,
interpretar essa afirmativa sob a ótica das ainda mais, nada garante que a rapidez dos
aprendizagens escolares que acontecem alunos mais rápidos signifique aprendizagem,
simultaneamente no aluno (individualmente) e na podendo ser somente puro ativismo.
turma (coletivamente). A melhor maneira de
Em outras palavras, se pretendemos
visualizarmos essa situação é deslocando-a para
diferenciar o ensino precisamos diferenciar
o cenário da sala de aula e imaginando uma
também o tratamento dispensado às diferenças
tarefa de grupo. Uma situação-problema foi
entre os alunos. E não vai ser punindo os alunos
trazida pelo professor como um trabalho que mais lentos, que estaremos fazendo justiça; pelo
deve ser realizado em um determinado tempo,
contrário, precisamos favorecer a inclusão
por quatro ou cinco alunos. Assim, em uma turma
desses alunos no ritmo da turma. A solução é
de primeira série, vivenciando os dias que
criar situações de aprendizagem que possibilitem
antecedem as festas de São João, o professor aos mais lentos mostrarem sua agilidade mental
decide junto com os alunos organizar a festa da
e acelerarem seu ritmo e, aos mais rápidos,
turma. E é a própria organização da festa que
situações em que a velocidade de execução seja
será transformada em situação-problema, pois um impedimento para resolução da tarefa.
dentre os inúmeros preparativos é necessário: Trocando os sinais estaremos priorizando a auto-
decidir os tipos de comida e regulação das aprendizagens.
bebida; os enfeites; a montagem da arraca; a Outra ruptura necessária é com a ideia
quadrilha e as vestimentas; as músicas que de remediação a posteriori – a fatalidade da
serão tocadas; o casamento: noivos, padrinhos, recuperação, como se alguns alunos estivessem
pais e padre; predestinados a serem recuperados. Como se
Cada grupo de alunos, além de fossem doentes crônicos escolarmente.
ficar com uma dessas tarefas, deve fazer o Lamentavelmente, muitos professores cruzam os
levantamento do custo total, do quanto caberá a braços diante desses alunos e esperam o
cada aluno no rateio do dinheiro para financiar a bimestre terminar, para “ver como é que fica”, se
festa. Assim, várias aprendizagens podem a recuperação poderá “dar um jeito” neles, nem
acontecer em uma única tarefa interdisciplinar, e que seja um remendo provisório. O que fazer
serem realizadas de forma individual e coletiva. nesses casos? Penso que o melhor é não permitir
Para lidar com o ensino de forma que os vírus da apatia e da inércia se instalem na
diferenciada, é necessário romper com as sala de aula e acabe por contaminar a todos.
pedagogias de transmissão e investir na Muitas vezes esses vírus tomam a forma de
atividade intelectual e afetiva dos alunos, o que perfeccionismo pedagógico e os professores
faz do mestre um mediador entre alunos e criam a ilusão que podem ensinar tudo a todos
conhecimentos. É preciso também promover por meio de “boas” aulas expositivas, o que
duas rupturas: a primeira, com a mesmice de provoca um retorno à pedagogia da transmissão
exercícios, especialmente para os alunos para uma plateia de alunos mudos. Por não se
considerados mais lentos e, a segunda, com o contentarem com a ideia de aprendizagens em
excesso de oportunidades para os mais rápidos. processo e querendo vê-las rapidamente prontas
Isso provoca uma exclusão cada vez maior dos
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e acabadas, caem na armadilha de aulas pré- levantamos novamente. Portanto, a escola não
fabricadas, retiradas dos livros didáticos. pode preparar o aluno para a vida fechando-se
Também, por não quererem ser julgados ao mundo externo, distanciando-se das vivências
como incompetentes por seus colegas, acabam dos alunos e de suas práticas sociais e culturais.
perdendo a medida das competências infantis, Para tanto é preciso saber: quais são os
transformando seus alunos em miniaturas de itinerários de vida que os alunos imaginam para
adultos. si mesmos? Quais as estratégias projetadas para
Uma saída para esse risco, o essas trilhas?
perfeccionismo pedagógico, é compartilhar com Se considerarmos os saberes
os alunos a correção dos deveres de aula e de acumulados pelos alunos como elementos da
casa. Pois, além da correção ser também um caixa de ferramentas pedagógicas do professor
momento de aprendizagem e de descoberta, o e/ou de sua reserva de materiais didáticos,
professor deixa de ser o único juiz supremo da estaremos apostando em um novo espaço de
corte escolar. Trabalhos escolares podem ser aprendizagem e, ainda mais, estaremos
trocados e todos interagem na correção. comprometendo os alunos em suas próprias
De uma maneira ou de outra, estamos, aprendizagens.
desde o início dessa aula, apostando em
situações de aprendizagem que estimulem a
auto-regulação. Esse é um desafio permanente
para o professor que rompe com o circuito
fechado de procedimentos de sala de aula e pode
inovar. Vocês já se perguntaram, por exemplo,
por que as tarefas escolares precisam ser
realizadas em um único dia? Por que as tarefas
não podem durar uma semana ou quinze dias?
Por que não trabalhar com projetos que
necessitem de tempos maiores, pré-fixados com
os alunos por meio do contrato didático? Tudo
isso junto favorece a auto-regulação das
aprendizagens (individual e coletiva). E permite a
construção de uma nova equilibração cognitiva,
diria Piaget.
Para pedagogia diferenciada é
extremamente importante que o professor abra
espaço tanto para a história quanto para o projeto
pessoal de cada aluno. Sabemos que fora da
escola, a complexidade da realidade social nos
bate no rosto e precisamos ser malabaristas, sem
rede; na aventura de viver cada dia, nos
arriscamos, erramos, tropeçamos, caímos e
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