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DIMENSÃO HUMANA NA
GOVERNANÇA CORPORATIVA
2

Janaina Priscila Rodrigues Firmino

DIMENSÃO HUMANA NA GOVERNANÇA


CORPORATIVA
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2022
3

© 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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Tayra Carolina Nascimento Aleixo

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Jefferson Willian Bucci

Editorial
Beatriz Meloni Montefusco
Carolina Yaly
Márcia Regina Silva
Paola Andressa Machado Leal

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________________________________
Firmino, Janaina Priscila Rodrigues
Dimensão humana na governança corporativa / Janaina
F525d
Priscila Rodrigues Firmino. – São Paulo: Platos Soluções
Educacionais S.A., 2022.
34 p.

ISBN 978-65-5356-143-4

1. Governança corporativa. 2. Gestão do capital


humano. 3. Qualidade de vida no trabalho. I.
Título.
CDD650
_____________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB 010289/O

2022
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
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DIMENSÃO HUMANA NA GOVERNANÇA CORPORATIVA

SUMÁRIO

Apresentação da disciplina ___________________________________ 05

Definição de Governança Corporativa: estrutura e pilares da


Governança Corporativa______________________________________ 06

A moral e a ética: os aspectos psicossociais e do caráter nas


boas práticas da Governança Corporativa_____________________ 20

A qualidade de vida no trabalho: dimensões da saúde, do


ambiente e das relações sociais_______________________________ 31

O ESG e a Governança Corporativa: estratégias da gestão


do capital humano como prática da responsabilidade
socioambiental________________________________________________ 44
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Apresentação da disciplina

Seja bem-vindo à disciplina Dimensão humana na governança corporativa.


Aqui você terá a oportunidade de conhecer conceitos fundamentais
da governança corporativa, como os princípios da transparência, da
equidade, da prestação de contas e da responsabilidade corporativa.
Também conhecerá um dos temas mais discutidos ultimamente quando
o assunto é dimensão humana na governança: o compliance, que se
relaciona à conformidade, a agir conforme normas, princípios éticos e
legais. Em outras palavras, são comportamentos humanos esperados
quando pensamos na gestão responsável de organizações pelo mundo.

Para compreender as situações que permeiam os programas e as


ações que promovem o gerenciamento organizacional alinhado às
boas práticas de governança corporativa, você conhecerá temas como
qualidade de vida no trabalho e aspectos biopsicossociológicos do ser
humano, além de entender como a moral e a ética se relacionam com
o sistema decisório dentro e fora do mundo empresarial. Ademais,
para que possa compreender a complexidade e a atualidade do tema
dimensão humana na governança corporativa, você será apresentado às
estratégias ESG, uma abordagem recente e relevante que tem guiado os
planejamentos estratégicos e as ações de muitas empresas em relação
aos desafios ambientais, sociais e de gestão.

Esperamos que você possa aprender muito e que as reflexões geradas


a cada aula impactem o seu pensamento e a sua prática. Com isso, você
terá cada vez mais consciência da sua conduta

Bons estudos!
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Definição de Governança
Corporativa: estrutura e pilares
da Governança Corporativa
Autoria: Janaina P. R. Firmino
Leitura crítica: Jefferson Willian Bucci

Objetivos
• Conhecer o entendimento contemporâneo da
Governança Corporativa e seu histórico.

• Aprender os princípios e os pilares fundamentais


da Governança Corporativa e sua relação com a
dimensão humana.

• Compreender a estrutura da Governança


Corporativa em diferentes tipos de organizações:
privadas, públicas e de terceiro setor.
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1. Por que existe a Governança Corporativa?

A Governança Corporativa surgiu como uma proposta de gestão que


precisa lidar com a complexidade de organizações que possuem muitas
partes interessadas, os stakeholders. Nesse modelo de gestão, há a
participação de diversos agentes, como gestores diretos, comitês e
conselhos, e pessoas diretamente impactadas pelas decisões e ações da
empresa, como colaboradores, usuários ou acionistas.

Para gerenciar uma organização com esse grau de complexidade, é


necessário um sistema de gestão que proporcionará a maneira mais
adequada para equilibrar os múltiplos interesses entre todos esses
agentes e alinhá-los aos objetivos de cada organização.

1.1 Definição da Governança Corporativa

A Governança Corporativa é caracterizada por ser um Sistema de Gestão


que acontece de modo diferente da gestão de uma organização com
centralização em seu gerenciamento.

Quando uma empresa é gerenciada pelo seu proprietário ou sócios-


proprietários, o planejamento e as decisões têm uma tendência de
espelhar os objetivos e interesses desses gestores. A gestão, nesse
caso, tem foco nos resultados, como a lucratividade, as estratégias de
crescimento ou a expansão dos negócios. A gestão é centralizada na
alta administração e os gestores são de primeira linha, como diretores e
gerentes.

Já no caso da Governança Corporativa, por se tratar de uma sistemática


de gestão, há diversos atores que compartilham as intenções, os
interesses e as ações de gerenciamento. Nesse caso, portanto, o
planejamento e as decisões estão pulverizados entre esses atores,
tornando a gestão da organização descentralizada e mais complexa.
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A Figura 1 traz o sistema de organização da Governança Corporativa.

Figura 1 – O Sistema de Governança Corporativa

Fonte: Giacomelli et al. (2017, p. 20).

Analisando a figura, é possível perceber que existem duas dimensões de


gerenciamento de uma organização: a governança e a gestão.

• Governança – Conta com os seguintes agentes: conselho de


administração; auditoria independente; conselho fiscal; auditoria
interna; e comitês.

• Gestão – Conta com os seguintes agentes: diretor-presidente;


diretores; e administradores.

O esquema gráfico como um todo é que representa o gerenciamento de


uma organização que necessita dessa sistemática de gestão.

Um conceito que surge com a Governança Corporativa são os


stakeholders. Na tradução livre, stakeholder é compreendido como
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partes interessadas ou afetadas pela governança de uma organização.


São pessoas físicas ou jurídicas e instâncias, como a comunidade
local, o meio ambiente ou a sociedade de modo geral, que possuem
alguma relação direta ou indireta com a empresa. Observe exemplos
de stakeholders com relacionamento direto com a organização: sócios
acionistas, investidores, gestores, colaboradores, clientes, fornecedores,
instituições bancárias, sindicatos. Stakeholders que indiretamente podem
ser afetados por alguma decisão ou ação da organização: organizações
públicas, concorrentes, um bairro, o ambiente natural de onde que
empresa retira recursos, o trânsito local no entorno da empresa etc.

A Governança Corporativa como um modelo de gestão é adotada por


diferentes tipos de organizações, como é o caso de empresas públicas,
de terceiro setor e privadas, geralmente de capital aberto. A seguir, você
conhecerá algumas dessas tipologias e o seu Sistema de Governança.

Organizações públicas

As empresas púbicas são pertencentes aos governos municipal, estadual


ou federal, e a estrutura de governança é definida por lei. No Brasil, a lei
que define primariamente essa organização de agentes da Governança
Pública é a Constituição Federal de 1988. Nela, são instituídos os
poderes governamentais: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Para
cada um desses poderes, existe uma organização de atores com suas
responsabilidades no Sistema de Governança.

A figura a seguir ilustra o Sistema de Governança Pública:


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Figura 2 – Estrutura da Governança Pública no Brasil

Fonte: adaptada de Brasil (2018, [s.p.]).

Nesta figura, a ideia é que seja possível compreender em uma


perspectiva macro como uma decisão de um ministério, por exemplo,
pode depender de um Sistema de Governança que deveria estar
alinhado ao entendimento do Legislativo (Senado Federal, Câmara de
Deputados) e dos Tribunais de Justiça).

Empresas do terceiro setor

A sociedade civil é organizada em empresas de primeiro setor, as


organizações públicas; do segundo setor, as organizações privadas; e
do terceiro setor, as organizações sem fins lucrativos. Para uma melhor
definição de empresas do terceiro setor, observe o artigo 2º da Lei n.
13.204/2015:

a. entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios
ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros
eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos,
11

dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do


seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os
aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma
imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de
reserva. (BRASIL, 2015)

A partir dessa definição, é possível compreender que não se trata de


uma organização privada que distribui o lucro entre os sócios, mas
também não é uma organização pública, embora sejam empresas que
prestam serviços de caráter social, como nas áreas de saúde, educação,
assistencialista e outras. São exemplos cooperativas, fundações,
associações esportivas, igrejas, organizações assistenciais de saúde e de
educação, institutos etc.

Essas organizações não possuem um proprietário, e sim um conjunto


de pessoas que têm como propósito a prestação de serviços a um
grupo social ou à sociedade de modo mais abrangente. Por isso,
essas organizações também são obrigadas a adotar um Sistema de
Governança Corporativa para a sua gestão. Geralmente contam com
presidente, conselhos fiscais, secretarias e auditores e devem realizar
assembleias e prestações de contas públicas, já que utilizam recursos
financeiros provenientes de fontes diversas: repasses públicos mediante
a convênios e doações de empresas privadas e de pessoas físicas.

A gestão de operações e a gestão financeira dessas empresas devem ser


realizadas sob um controle específico, proposto pela Governança, para
evitar desvios financeiros, fraudes e corrupções, por exemplo.

Empresas privadas

As empresas privadas com fins lucrativos podem assumir um modelo de


Governança Corporativa para o seu gerenciamento por decisão própria
ou por força de lei. Nesse caso, no Brasil, as empresas que possuem
capital aberto (ou seja, que negociam ações em bolsa de valores) são
obrigadas a adotar essa sistemática de gestão. Essa obrigatoriedade
12

se justifica pelo conflito de interesses que acontece nos casos de


empresas privadas, entre as pessoas que têm a propriedade da
empresa, os sócios-acionistas e quem a gerencia.

Imagine como seria a decisão de uma empresa no caso em que o preço


das ações é interessante aos acionistas, mas pode não ser interessante
aos proprietários por algum motivo. Provavelmente, se a decisão
estivesse apenas nas mãos dos proprietários, eles poderiam beneficiar
apenas os próprios interesses, o que poderia prejudicar os acionistas,
que são investidores daquela organização. Dessa forma, a Governança
é necessária para intermediar esse conflito, pois a gestão da empresa
deve sempre proteger os interesses coletivos de toda a organização:
seus investidores, colaboradores, fornecedores, sócios-proprietários e
demais stakeholders.

O órgão máximo decisório da Governança das empresas privadas


é o Conselho de Administração, que geralmente é formado por
representantes da organização e por representantes de stakeholders.
Estes têm autoridade para cobrar a prestação de contas e solicitar
auditorias e informações necessárias para tomar as devidas decisões
visando ao momento atual e futuro da organização sempre que
necessário (VALENTE, 2018).

O histórico da obrigatoriedade da Governança pelo mundo deveu-se a


alguns escândalos financeiros de empresas que negociavam ações na
bolsa de valores e praticavam muitas manobras contábeis e financeiras
ilegais e desonestas tomadas por gestores que tinham como interesse
o enriquecimento próprio. Diante desses escândalos, os governos dos
países que visavam proteger os sócios-acionistas e os stakeholders das
empresas, como funcionários, instituíram instrumentos legais para que a
Governança fosse obrigatória no gerenciamento empresarial.

A Lei Sarbanes-Oxley, uma legislação norte-americana mais conhecida


como SOX, é uma lei internacionalmente conhecida e que propõe
13

normas, regras e procedimentos que visam impedir fraudes e aumentar


a segurança e o controle das ações das empresas de capital aberto
(GIACOMELLI et al. 2017). Ela influenciou a legislação que hoje regula a
Governança das empresas brasileiras.

A Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, é conhecida como a “Lei das


S.A.”, isto é, das sociedades anônimas, e estabelece toda a sistemática
de gerenciamento da Governança Corporativa das empresas brasileiras.
Dispõe sobre o conceito de ações e acionistas, a dinâmica de negociação
de ações e o papel da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que
intermedia essas negociações, além de estabelecer os atores da
governança e suas responsabilidades na gestão da organização (BRASIL,
1976).

Além dessa lei, há ainda um regulatório (conjunto de leis) subsequente


que desde a promulgação da Lei das S.A. atualiza alguns dos seus
dispositivos sempre que necessário.

No Brasil, além da legislação, existe também um instituto referência em


boas práticas de Governança Corporativa, conhecido por IBGC (Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa). Desde a sua fundação em 1995,
essa instituição atua em consonância com os princípios internacionais
de Governança, promovendo conhecimentos e trocas de experiências
entre empresas, governo e a sociedade civil sobre a melhor maneira de
gerenciar empresas com vistas à harmonia na gestão e na obtenção dos
resultados esperados por elas.

E como observar a dimensão humana nesse sistema de gestão? Por


meio da explicitação do conceito de Governança Corporativa e de suas
particularidades de acordo com o tipo de organização (pública, privada
e de terceiro setor), é possível compreender que todas as normas,
regras, processos e procedimentos desse modelo de gestão têm como
propósito a regulação do comportamento humano em relação a agir
14

de modo idôneo, legal e com uma conduta transparente em relação ao


objetivo coletivo.

O histórico de grandes fraudes, corrupções e escândalos financeiros


expõe o motivo pelo qual a Governança Corporativa atualmente é
um modelo de gestão necessário para todos os tipos de empresas
vulneráveis ao comportamento humano antiético e interesseiro. Esse
comportamento baseado em interesses individuais ou de um grupo
de pessoas pode fomentar ações que prejudicam os investidores, os
colaboradores, os usuários de serviços sociais, a própria sociedade e
o meio ambiente, nos casos de exploração de recursos naturais sem a
devida responsabilidade socioambiental cabível.

1.2 A estrutura da Governança Corporativa

Para que a Governança Corporativa seja adotada como um modelo


de gestão, é necessária uma estrutura, ou arquitetura gerencial, em
que cada agente da gestão seja definido e suas responsabilidades
e atribuições sejam estabelecidas. O que se compreende,
independentemente do tipo de organização (pública, privada ou terceiro
setor), é que esse modelo gerencial propõe uma articulação entre
todos os agentes para que as decisões sobre o presente e o futuro da
organização sejam tomadas.

Outra questão relevante comum às organizações públicas, privadas e de


terreiro setor é a teoria dos stakeholders, ou partes interessadas. Para
Giacomelli et al. (2017), são consideradas partes interessadas na gestão
de uma empresa todas as pessoas ou grupos de pessoas que afetam ou
são afetadas pelas decisões e ações da organização. Assim, entende-se
que os clientes, os usuários de serviços, os fornecedores, as instituições
financeiras (bancos), os sindicatos, os colaboradores (funcionários), a
comunidade local, os investidores e até o meio ambiente acabam sendo
considerados stakeholders das empresas.
15

De acordo com o Código das Melhores Práticas de Governança


Corporativa, do IBGC, para os casos de empresas privadas, ou seja,
com fins lucrativos, a estrutura de governança é composta por: sócios,
conselho de administração, conselho fiscal, auditorias, comitês, diretor-
presidente e diretores, partes interessadas (stakeholders) e meio
ambiente, que na Figura 3 é inserido como um dos stakeholders em
relação à Figura 1, apresentada inicialmente como entendimento do que
é a Governança Corporativa.

A Figura 3 a seguir ilustra essa estrutura proposta pelo IBGC:

Figura 3 – Estrutura da Governança Corporativa

Fonte: IBGC (2015, p. 19)

Uma observação relevante sobre o meio ambiente como parte


interessada da Governança Corporativa pode ser compreendida pelos
impactos ambientais causados por dois casos conhecidos em nossa
sociedade: o rompimento das barragens das cidades de Mariana e
Brumadinho em Minas Gerais. As decisões da empresa Vale colocaram
16

em risco a comunidade local e o meio ambiente e culminaram nas


tragédias que ocorreram nos últimos anos no Brasil.

A título de exemplo, a Figura 4 ilustra a estrutura de Governança


da empresa Correios, que é uma empresa pública pertencente ao
Ministério das Comunicações.

Figura 4 – Arquitetura de Governança dos Correios

Fonte: Correios (2022, [s.p.]).

Observe também como a empresa define a sua estrutura de


Governança:

A governança corporativa dos Correios é um sistema pelo qual a empresa


é dirigida e controlada. Compreende a estrutura organizacional, a
regulamentação normativa, os processos, a Estratégia Correios, os órgãos
internos de governança e os órgãos externos de supervisão e controle.
17

Está estruturada para apoiar a empresa na capacidade de gerar valor


em curto, médio e longo prazos por meio de sua estrutura, processos e
planos, assim como para prover o direcionamento estratégico, avaliar
e supervisionar a gestão, enquanto o papel da gestão é o de garantir a
execução do direcionamento estratégico e o de reportar o desempenho.
(CORREIOS, 2022, [s.p.])

Ao compararmos as duas estruturas aqui apresentadas pelas Figuras


3 e 4, é possível perceber a similaridade da governança, sempre
considerando a gestão interna da empresa e a influência externa como
partes do modelo de gestão.

1.3 Os pilares da Governança Corporativa

De acordo com o Código das Melhores Práticas de Governança


Corporativa do IBGC, são quatro os princípios ou pilares fundamentais
da Governança.

a. Transparência (Disclosure)

Este princípio tem como finalidade a comunicação das informações de


modo objetivo e claro, a fim de que todas as partes interessadas e a
gestão da empresa saibam o que está acontecendo na organização.

Não deve existir privilégio de informações para uma ou outra parte


da Governança, muito embora o Conselho de Administração, que é
o principal órgão do sistema, deva ter acesso irrestrito a qualquer
informação necessária. Não devem ser omitidas ou customizadas
informações.

b. Equidade (Fairness)

Este princípio requer a justiça e a isonomia como valores principais


no relacionamento entre as partes da Governança. Todos os deveres
e direitos devem ser respeitados, e os interesses, as necessidades e
18

as expectativas devem ser tratados de modo justo e igualitário, sem


privilégios ou exclusões.

c. Prestação de contas (Accountability)

Na Governança Corporativa, é necessário demonstrar os resultados de


tudo o que é realizado. A prestação de contas é uma atividade em que
é necessário relatar os resultados positivos e negativos e assumir as
consequências e a responsabilidade sobre esses resultados, para que
as devidas decisões e ações sejam tomadas de maneira adequada à real
necessidade da organização.

d. Responsabilidade corporativa (Compliance)

Este princípio se caracteriza por desempenhar o modelo de negócio


da organização ao mesmo tempo que deve seguir o regulatório legal,
as normas e as regras de conduta em relação aos diversos aspectos
da gestão da empresa, como as legislações trabalhista, previdenciária
e ambiental e o cuidado com a qualidade de vida dos colaboradores e
da comunidade local, além de respeitar os valores sociais e culturais da
sociedade.

Com base nos conhecimentos adquiridos, conseguimos entender


como é complexa a abordagem das relações humanas em um sistema
de gestão como a Governança Corporativa. Por isso, compreender
primeiramente do que se trata esse sistema e aprender sobre
suas características é o primeiro passo para estudar temas sobre o
comportamento humano dentro desse modelo de gestão. Questões
como ética, moral, tomada decisória, interesses, valores humanos e
outros estarão sempre em pauta quando o assunto é Governança
Corporativa.
19

Referências
BRASIL. Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por
Ações. Brasília: Presidência da República, 1976.
BRASIL. Lei n. 13.204, de 14 de dezembro de 2015. Altera a Lei n. 13.019, de 31 de
julho de 2014 [...]. Brasília: Presidência da República, 2015.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Guia da Política de Governança Pública. Brasília:
Presidência da República, 2018. Disponível em https://www.gov.br/casacivil/pt-br/
centrais-de-conteudo/downloads/guia-da-politica-de-governanca-publica. Acesso
em: 27 fev. 2022.
CORREIOS. Governança. Correios, 2022. Disponível em https://www.correios.com.
br/acesso-a-informacao/transparencia-e-governanca/governanca. Acesso em: 26
fev. 2022.
GIACOMELLI, Giancarlo et al. Governança Corporativa. Porto Alegre: SAGAH, 2017.
[Minha Biblioteca].
IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores
práticas de governança corporativa. 5. ed. São Paulo: IBGC, 2015.
IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança Corporativa
e Integridade Empresarial. São Paulo: Saint Paul Publishing, 2017. [Minha
Biblioteca].
VALENTE, Paulo G. Governança Corporativa: guia do conselheiro para empresas
familiares ou fechadas. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018. [Minha Biblioteca].
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A moral e a ética: os aspectos


psicossociais e do caráter nas
boas práticas da Governança
Corporativa
Autoria: Janaina P. R. Firmino
Leitura crítica: Jefferson Willian Bucci

Objetivos
• Compreender como os aspectos morais e
éticos estão entrelaçados com as diretrizes e
normatizações da Governança Corporativa.

• Conhecer as dimensões psicossociais da formação


do caráter e da conduta humana e sua influência nas
decisões.

• Entender a instituição das boas práticas como


complemento aos costumes, à cultura e às
normatizações da Governança Corporativa.
21

1. A moral e a ética na conduta e nas decisões


humanas

Compreender o pensamento e as atitudes humanas é um tema de


interesse de muitos pensadores desde a filosofia antiga. Onde existe a
convivência humana, há uma organização social geralmente orientada
por costumes, crenças e valores, ou seja, uma cultura fundamentada em
normas de comportamento para que seja possível uma certa harmonia
coletiva.

Assim também acontece nas organizações, pois estas são compostas


por coletivos de pessoas que convivem sob um certo propósito
compartilhado: o ambiente de negócios daquela empresa. Aqui não
podemos deixar de incluir nesse coletivo os interesses individuais
de cada pessoa que compõe o corpo de trabalho de determinada
organização.

Uma questão relevante, portanto, para ser discutida é sobre a


necessidade de normas, códigos de conduta, legislações e tantos
instrumentos que delimitam e orientam as ações e decisões humanas
no mundo corporativo. Por que existem tantos dispositivos? Por que
tantas recomendações? Será que diante de tantos critérios é possível
conseguir que as decisões e as atitudes sejam realmente éticas?

A partir desta Leitura Digital, você terá a oportunidade de conhecer


alguns aspectos que embasam o comportamento humano.

1.1 Pressupostos éticos e morais

O ser humano é conhecido por sua subjetividade, ou seja, a sua


capacidade de interpretar fatos e situações ao seu modo, visualizando e
raciocinando sobre as informações de acordo com seus conhecimentos,
costumes, crenças, valores e estado emocional, por exemplo. Isso
22

significa dizer que nem sempre uma mesma situação seria observada da
mesma maneira por dois ou mais indivíduos.

Diante dessa constatação, imagine como seria o mundo se cada pessoa


agisse conforme o seu próprio entendimento e vontade, ainda que essa
ação não proponha algo positivo para outra pessoa, para um grupo
de pessoas ou até mesmo para o meio ambiente? Então, para que
exista uma convivência razoavelmente harmônica, algumas normas de
conduta ao longo da existência das sociedades foram sendo criadas
e estabelecidas sempre que fosse necessário que o comportamento
humano individual e coletivo respeitasse algumas regras de convivência.
Nesse sentido, você conhecerá inicialmente os pressupostos
fundamentais da Moral e da Ética, dois moduladores do pensamento,
do raciocínio e das atitudes humanas para conviver em sociedade.

Para Souza (2018, p. 29), “[…] a moral estabelece regras comuns a


uma sociedade, que são assumidas pelas pessoas”, podendo ser
compreendida a partir dos costumes e dos hábitos da sociedade. O
desenvolvimento da consciência moral acontece na infância e tem
relação direta com a autonomia do ser humano.

Durante a primeira infância, existem duas fases. A primeira é a anomia,


ou seja, a ausência da consciência moral, quando alguém decide pela
criança. Posteriormente, a partir de um grau de interação com o mundo
e as regras sociais, a criança começa a compreender um “sistema
moral pronto” que ela deve seguir, geralmente com alguma autoridade
mediando suas escolhas, sendo essa fase chamada de heteronomia. Já
por volta dos 12 anos em algumas teorias, como a de Piaget, acontece a
fase da autonomia, que é caracterizada pela internalização das regras e
dos valores morais, os quais o indivíduo poderia escolher seguir ou não
(TAILLE, 2011).

Na visão de Durkheim, um importante filósofo, citado por Taille (2011),


a sociedade possui “um sistema moral pronto” que oferece processos
23

que restringem as escolhas humanas, ou por obediência (na anomia


ou heteronomia) ou porque é a conduta que define o que é validado e
aceitável socialmente.

Já a ética se destina, em um sentido filosófico, à compreensão da moral


a partir dos estudos das regras morais. Individualmente, é uma prática
que permite ao indivíduo decidir se pretende ou não seguir os valores
e as regras morais instituídos nos sistemas sociais. Para Souza (2018, p.
30):

Ética é o que diferencia o que é bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou


injusto, conceitos esses que podem variar de pessoa para pessoa. Ou seja,
a ética é pessoal e flexível. Varia conforme o ponto de vista do indivíduo
que analisa cada situação ou cada dilema, com base em concepções
próprias.

A ética também pode ser coletiva, quando se considera o conjunto de


atitudes éticas de determinadas pessoas, como a cultura da organização,
que pode ser compreendida como esse coletivo de princípios éticos e às
vezes instituídos por códigos de ética, por exemplo.

Pode ser considerada ética a pessoa que decide seguir uma determinada
regra social (moral) porque entende que ela é correta. Veja este
exemplo: você está em um supermercado e com muita pressa. Existem
caixas para o pagamento das compras específicos para pessoas
com determinadas características: idosos, gestantes e pessoas com
deficiência. Esse caixa está vazio e o caixa ao lado tem oito pessoas
na fila. Você olha ao redor e não percebe nenhuma pessoa com as
características específicas com intenção de usar aquele serviço. Então
você está diante de um dilema ético.

Se você decidisse ser atendido nesse caixa, não estaria ferindo o direito
de outra pessoa, pois não havia ninguém na fila. Entretanto, você não
estaria elegível para ser atendido no caixa, pois não apresenta nenhum
requisito para ter atendimento especial. A questão não é estar vazio ou
24

não, mas sim seguir ou não o que está estabelecido como convenção
moral. Portanto, a ética é a decisão de seguir ou não essas convenções.

1.2 Dimensões psicossociais da conduta e da decisão


humanas

Uma das questões relevantes nos estudos sobre a conduta ética e moral
é a compreensão da formação do indivíduo.

Imagine um recém-nascido. Ao nascer, essa pessoa apresenta


características biológicas e praticamente nenhuma característica
social. É somente a partir da sua interação com os demais indivíduos e
com o ambiente em que está iniciando a sua vida que ela receberá as
informações sobre o comportamento social.

E que tipo de informações? Observe alguns exemplos: se a pessoa


está inserida em um ambiente com muito ruído ou claridade; se as
pessoas falam baixo ou gritam muito; ou se há estímulos culturais,
como música ou aromas (de incensos ou perfumes, por exemplo). Todas
essas informações, recebidas como estímulos captados pelos sentidos
humanos (visão, audição, olfato, paladar e tato), são a base para a
percepção do mundo em que aquela pessoa está inserida.

À medida que se desenvolve, o ser humano receberá, além de


características genéticas, as características sociais, como os costumes,
as crenças, os valores morais e humanos e os princípios éticos daquele
meio social. Nesse caminho de desenvolvimento, cada indivíduo
também terá as suas próprias experiências, boas ou ruins, as quais
formarão a sua personalidade.

No campo da Psicologia, existem diversas teorias que explicam a


personalidade humana. As características que tornam o ser humano
alguém único se deve ao aspecto biopsicossocial, ou seja, o ser humano
é um ser biológico (dotado de características hereditárias e genéticas),
25

psicológico (dotado de caráter mental e emocional) e social (que se


relaciona com os outros e com o meio).

De acordo com Schultz e Schultz (2021, p. 5), a personalidade pode


ser compreendida como “os aspectos internos e externos peculiares
relativamente permanentes do caráter de uma pessoa que influenciam
o comportamento em situações diferentes”. Imagine, por exemplo,
uma pessoa que nasceu e foi criada em uma família que vivencia uma
experiência socioeconômica inferior a uma outra pessoa que possui
uma condição social e econômica abastada. Provavelmente o acesso à
moradia, as condições de alimentação e saúde e as possibilidades de
lazer e de desenvolvimento humano são diferentes.

Apenas nesse pequeno exemplo já seria possível compreender que a


influência desses fatores será marcante na formação biopsicossocial
dessas duas pessoas, principalmente porque uma pode viver em uma
situação de restrição e a outra de abundância. Neste mundo em que o
capitalismo é o sistema político, econômico e social que define se existe
ou não uma liberdade de escolhas, uma decisão de “trabalhar para ter
experiência” ou “trabalhar porque a minha família depende disso” é um
traço importante para a construção da personalidade de um indivíduo.

Nesse sentido, é importante considerar que cada ser humano é único,


dotado de sua personalidade (e seu caráter) construído ao longo da
vida, de acordo com suas características biológicas e suas experiências
psicológicas e sociais. Estando em uma determinada sociedade, esse ser
humano também receberá como uma herança social as regras morais e
os princípios éticos de uma maneira “pronta” inicialmente, porém, ao ter
autonomia sobre suas escolhas, terá a sua base de valores, a qual será
um guia para a sua conduta social.

A índole, ou seja, o caráter de uma pessoa, está diretamente relacionada


com essa ideia. Pessoas podem agir de acordo com os seus próprios
interesses quando é conveniente. No entanto, também podem agir
26

de modo a atender às necessidades coletivas sempre que lhes for


conveniente.

Essa afirmação, porém, não se esgota em si, visto que os dilemas éticos
e morais dependem da personalidade de cada indivíduo. Podem existir
várias normas, regras, legislações e dispositivos para garantir que as
pessoas tomem sempre as melhores decisões, porém, ainda assim,
a decisão de seguir ou não o que é estabelecido socialmente é uma
escolha individual, de acordo com a sua personalidade e conduta moral
e ética.

Nem sempre essa escolha será justa e em concordância com o interesse


individual. Às vezes, por falta de opção, uma pessoa terá que decidir algo
que não era exatamente o que refletiria sua vontade e seu interesse.
Ainda assim, se era a única decisão possível, ela a tomará.

1.3 As boas práticas: complemento aos aspectos legais e


culturais

Mesmo que todos (todos mesmo – indivíduos, empresas públicas e


privadas e a sociedade) seguissem à risca, por exemplo, a Constituição
Federal no Brasil, que preconiza uma série de direitos e deveres
aos cidadãos, teríamos como garantia uma convivência respeitosa
e harmoniosa entre os diferentes interesses? Se temos tantos
instrumentos normativos (códigos, leis, regras de conduta e sistema de
justiça) para proibir a corrupção e se desde criança é aprendido que
não é correto corromper, roubar, enganar e manipular pessoas, por que
esses comportamentos ainda são executados?

As respostas já foram estudadas. Isso continua acontecendo porque a


escolha humana é livre. Ela é livre no sentido de que uma pessoa pode
decidir o que é correto ou não, ainda que existam regras morais ou
mesmo legais para normatizar uma conduta.
27

Diante do exposto, é possível compreender então que, além dos valores


morais e da conduta ética, cabe ao sistema social a implantação de
normas explícitas, como o ordenamento jurídico, que limitariam o
ser humano dessa liberdade que, para atender ao próprio interesse,
colocaria o interesse de outra pessoa ou de outras pessoas, ou até do
meio ambiente, em risco.

Levando tais considerações para o mundo do trabalho e das


organizações, temos como características desses ambientes os seguintes
instrumentos de conduta do comportamento humano:

• Sistema moral (cultura organizacional).

• Códigos de conduta ética.

• Legislações.

Todos esses elementos são parte de um arranjo de conduta individual


e social que regularia as decisões empresariais. O que se espera são
decisões saudáveis, ou seja, que primam pelo bem-estar da companhia e
das pessoas que dela dependem. Porém, infelizmente, nem sempre é o
que acontece. Ainda que existam instrumentos de conduta moral e ética,
nem sempre todos decidem por cumpri-los.

No caso específico da Dimensão Humana na Governança Corporativa,


há, no Brasil, um código conhecido por “Boas Práticas”, instituído pelo
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Nesse contexto,
o conceito de “Boas Práticas”, de uma maneira objetiva, traz a ideia de
que práticas frequentemente adotadas e que produzem bons resultados
podem influenciar a decisão de alguém, que decide adotá-las também.
É comum na área da Administração essa terminologia: boas práticas de
gestão da qualidade, boas práticas de gerenciamento de fornecedores,
boas práticas na gestão de pessoas etc.
28

O Código de Boas Práticas do IBGC é conhecido por “Código das


Melhores Práticas de Governança Corporativa” e apresenta como
princípios as condutas mais adequadas dentro de uma organização que
é gerenciada pelo sistema de Governança. Elas geralmente produzem os
melhores resultados para os seus usuários ou acionistas, colaboradores
e gestores e para a sociedade.

Uma curiosidade sobre as “Boas Práticas” como uma proposta


de incentivo aos comportamentos positivos na governança é que
geralmente elas são compartilhadas entre organizações e pessoas nos
encontros específicos para cada tema, como congressos, simpósios e
premiações. Com esse compartilhamento, é possível estimular a sua
adoção por outras pessoas e empresas.

O código do IBGC não tem “força de lei” e, portanto, não tem caráter
punitivo, mas orientativo. O comportamento que não segue o
ordenamento jurídico deverá ser tratado na instância devida, como
fraudes, manipulação de informações e desvios financeiros.

Então o que fazer nos casos em que o interesse de uma pessoa ou de


um grupo de pessoas poderia de uma maneira forçada influenciar o
comportamento de outras? Isso é, por exemplo, o que acontece em
situações conhecidas como Lobby, termo que pode ser entendido como
uma prática de pressionar uma pessoa ou grupos de pessoas a tomar
decisões. Nem sempre essa prática é relacionada à corrupção, mas é
frequentemente associada a ela nas esferas pública e privada.

Vejamos um exemplo em que pode acontecer o lobby. Um grupo de


colaboradores interessados pode ser formado para combinar o voto
em uma opção de uniforme que, na concepção deles, é o melhor para
todos. Além dessa combinação entre o grupo, há também uma pressão
deste sobre os demais colaboradores que terão poder de voto e decisão
sobre a melhor opção. Nesse caso, há um conflito de interesses entre as
29

pessoas que gostam ou não do modelo a ser escolhido. A princípio, esse


exemplo não demonstra uma prática de corrupção.

Duzert e Simionato (2021), na obra Conflitos de interesses, explicitam


inúmeros casos de lobby que são considerados crimes de corrupção e
são frequentes em ambientes de Governança. O Código de Melhores
Práticas de Governança Corporativa se destina com muito esmero a
tratar do tema conflito de interesses com propostas de organização
dos conselhos, da escolha e da formação das pessoas que farão
parte das auditorias e consultorias e principalmente das pessoas que
participarão do Conselho de Administração, evitando ao máximo a
influência do conflito de interesses e da má conduta de pessoas que
agem por interesse próprio e que podem colocar em risco a operação
da organização e consequentemente trazer prejuízos para todos os
envolvidos com ela.

Diante dos estudos sobre as Boas Práticas de Governança, podemos


concluir que o planejamento e a instituição de diretrizes que propõem
uma conduta saudável a todos em um sistema de Governança podem
estar refletidos nas políticas internas de compras, de comunicação,
de contratação de pessoas e de seleção de fornecedores, bem como
nas esferas da governança, como os conselhos e os demais agentes
decisores desse modelo de gestão que tanto depende da dimensão
humana em sua prática.

Referências
DUZERT, Yann; SIMIONATO, Monica; LEAL, Denise. Conflito De Interesses. Rio de
Janeiro: Alta Books, 2021. [Minha Biblioteca].
IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores
práticas de governança corporativa. 5. ed. São Paulo: IBGC, 2015.
SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney E. Teorias da personalidade. São Paulo:
Cengage Learning Brasil, 2021. [Minha Biblioteca].
30

SOUZA, Marcia Cristina Gonçalves D. Conduta Ética e Sustentabilidade. Rio de


Janeiro: Alta Books, 2018.
TAILLE, Yves de L. Moral e Ética. Porto Alegre: Grupo A, 2011. [Minha Biblioteca].
31

A qualidade de vida no trabalho:


dimensões da saúde, do ambiente
e das relações sociais
Autoria: Janaina P. R. Firmino
Leitura crítica: Jefferson Willian Bucci

Objetivos
• Compreender os aspectos das dimensões da
saúde e da segurança no trabalho na Governança
Corporativa.

• Perceber como o clima organizacional reflete as


pressões psicológicas no sistema de Governança
Corporativa.

• Aprender a função do compliance e do ESG na


Governança e como a oferta de canais de denúncias
pode combater o assédio moral e os conflitos de
interesses.
32

1. A qualidade de vida no trabalho e sua


relação com a Governança

Com o advento das práticas ESG (Environmental, Social and Governance)


voltadas para os cuidados com o meio ambiente, com a sociedade e com
a Governança, a preocupação das empresas com a qualidade de vida do
trabalhador (que trata também de questões sociais) tem se expandido
para além dos cumprimentos normativos. Seguir a legislação trabalhista
e empresarial em relação aos cuidados com as pessoas no trabalho é
uma obrigação, embora nem sempre seja atendida como deveria.

No caso específico sobre a saúde e a segurança no trabalho, a


abordagem de programas que contenham uma perspectiva de oferecer
as condições favoráveis à qualidade de vida no trabalho tem sido uma
realidade quando se trata da Governança. Com o passar dos anos,
os programas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) receberam
aprimoramentos e possuem múltiplas dimensões, como pode ser
observado no Quadro 1 a seguir.

Quadro 1 – Critérios para programas de QVT – Modelo de Walton


Critérios Indicadores de QVT
• Equidade interna e externa.

• Justiça na compensação.

Compensação justa e adequada


• Partilhas dos ganhos de
produtividade.

• Proporcionalidade entre salários.


• Jornada de trabalho razoável.

Condições de trabalho • Ambiente físico seguro e saudável.

• Ausência de insalubridade.
33

• Autonomia.

• Autocontrole relativo.
Uso de desenvolvimento
de capacidades • Qualidades múltiplas.

• Informações sobre o processo


total do trabalho.
• Possibilidade de carreira.

• Crescimento pessoal.
Oportunidades de
crescimento e segurança
• Perspectiva de avanço salarial.

• Segurança de emprego.
• Ausência de preconceitos.

• Igualdade.

Integração social na organização • Mobilidade.

• Relacionamento.

• Senso comunitário.
• Direito de proteção do
trabalhador.

• Privacidade.

Constitucionalismo
• Liberdade de expressão.

• Tratamento imparcial.

• Direitos trabalhistas.
34

• Papel balanceado no trabalho.

• Estabilidade de horários.
O trabalho e o espaço total de vida
• Poucas mudanças geográficas.

• Tempo para lazer da família.


• Imagem da empresa.

• Responsabilidade social da
empresa.
Relevância social do trabalho na vida

• Responsabilidade pelos produtos.

• Práticas de emprego.
Fonte: adaptado de Pereira (2020, p. 244).

Esse quadro representa o modelo de Walton, citado por Pereira (2020),


e apresenta oito dimensões a serem observadas quanto à saúde e
ao bem-estar físico, mental e social das pessoas no trabalho. Nesse
contexto, para cumprir as práticas atuais de saúde e segurança no
trabalho, a Governança precisa reforçar as políticas de gestão de gente,
voltadas para a dimensão humana no trabalho.

1.1 A saúde integral do colaborador

O aspecto biopsicossocial do ser humano é o ponto de partida para


compreender a saúde integral do trabalhador. Os programas de
Qualidade de Vida no Trabalho precisam se atentar a essa realidade
e, dentro do possível, oferecer condições essenciais no trato da saúde
integral, ou seja, a saúde física e mental (que abarca as emoções) e as
condições sociais inerentes ao convívio no trabalho.

De acordo com Pereira (2020), pesquisas recentes relatam que um dos


maiores desafios para trabalhadores em cargos administrativos ou
executivos, por exemplo, é tentar equilibrar a vida pessoal com a vida
35

no trabalho, pois, com a vida digital, há um imediatismo tão grande para


enviar mensagens e e-mails e pressa para responder às demandas de
clientes internos e externos que os trabalhadores pouco têm conseguido
descansar como deveriam. Em situações mais extremas, isso tem
provocado agravos, como a síndrome de Burnout, conhecida como
síndrome do esgotamento profissional. Aqui é importante ressaltar que
doenças profissionais ou doenças do trabalho são hoje consideradas
acidentes de trabalho pela legislação vigente (MATTOS; MÁSCULO, 2019).

As situações de excesso de trabalho têm causado prejuízos à saúde e


às relações sociais dos trabalhadores de tal modo que oferecer serviços
como psicoterapia, meditação, academias de ginástica ou práticas
esportivas e até momentos de lazer pela empresa passou a ser uma
tentativa de cuidar um pouco mais do bem-estar das pessoas enquanto
se dedicam mais e mais às empresas (PEREIRA, 2020). O impacto dos
agravos à saúde do trabalhador é medido pelos índices de acidentes
de trabalho e de afastamentos, tornando-se geralmente visível para os
acionistas e a sociedade nas seguintes situações:

• Quando há afastamento de pessoas e a empresa deve organizar


os processos de trabalho. Isso afeta os custos financeiros e de
trabalho, pois as equipes passam a trabalhar mais para compensar
a ausência do trabalhador.

• Quando os acidentes decorrem da negligência do trabalhador ou


da liderança sobre as atitudes corretas em relação ao trabalho,
como o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) ou o
manuseio adequado de equipamentos e ferramentas.

• Quando muitos trabalhadores apresentam danos à saúde pela


exposição a um trabalho insalubre, ou seja, quando o trabalhador
é exposto a riscos químicos, físicos, biológicos e ergonômicos
acima do permitido pela legislação, por exemplo.
36

Há ainda uma questão relevante quando o acidente de trabalho


causa a morte de um ou mais colaboradores, pois, além da perda do
funcionário e do impacto na família e nos colegas de trabalho, também
é impactada a reputação da empresa perante a sociedade e o mercado.
Portanto, cuidar da saúde integral do colaborador exige mais do que
o atendimento às normas legais do país, principalmente quando
estamos falando sobre Governança; trata-se também de assumir a
responsabilidade de uma gestão que verdadeiramente oferece um
ambiente adequado para o trabalho, promovendo o bem-estar físico,
emocional e social de que o ser humano precisa.

1.2 O clima organizacional e as pressões psicológicas

As pressões psicológicas que podem estar presentes em um ambiente


organizacional podem ser oriundas de situações diferentes. Uma delas
pode estar relacionada a práticas ilícitas, como a corrupção, pelo próprio
excesso de trabalho em função do resultado esperado. Uma empresa
que propõe um clima organizacional caracterizado por pressões
psicológicas poderá ter como reflexo o adoecimento de pessoas ou
mesmo a formação de redes de práticas ilícitas, sem confiança mútua.

É possível entender o significado de clima organizacional como se fosse


o resultado da convivência das pessoas no trabalho e como as relações
e os sentimentos entre elas permeiam essa vivência. Alguns elementos
que o compõem são a cultura da empresa, as relações de poder e
autoridade instituídas nos processos decisórios e as políticas internas de
comunicação, de compliance e de qualidade, por exemplo.

Os elementos da cultura organizacional podem ser compreendidos em


aspectos visíveis e invisíveis, como seguem:

• Aspectos visíveis: representam o modo da organização de


funcionar e são explícitos a todos, como as políticas internas, os
códigos de conduta, o seu arranjo físico (muitas salas fechadas
37

ou ambientes abertos), a abertura para a participação de pessoas


em reuniões e espaços para o diálogo ou não, o modo explícito de
comunicar formalmente as informações etc.

• Aspectos invisíveis: são representados pela maneira de


tratamento entre pessoas, a capacidade de ensinar e orientar
colaboradores, as redes de comunicação informal (aquelas que
apenas alguns grupos conhecem), as crenças, os rituais e as
relações de poder e autoridade (PEREIRA, 2020).

As relações entre as pessoas em uma organização são entremeadas,


portanto, por esses aspectos visíveis e invisíveis e espera-se de todos
que dela participam uma atuação harmônica e ética, de acordo com os
princípios morais estabelecidos na sociedade. Porém, infelizmente, na
prática nem sempre é o que acontece.

O campo psicológico que é criado entre uma pessoa e outra, ou entre os


grupos de pessoas, é caracterizado por diferentes interesses, pessoais
ou coletivos, que podem ser utilizados como instrumentos de pressão
psicológica com o objetivo de:

• Atingir resultados.

• Praticar condutas ilícitas.

• Fornecer informações privilegiadas.

• Ocultar informações.

Cada um desses objetivos pode estar relacionado ao interesse de uma


rede de pessoas, que, diante da função ou posição hierárquica (cargo
que ocupa), podem aliciar ou impor aos colaboradores que algo seja
realizado, ainda que seja contra o que o colaborador acredita, ou, em
situações piores, pedir que o colaborador faça algo que não compreende
plenamente, tirando vantagem de sua ignorância.
38

Os colaboradores que por vezes se submetem a determinadas ações,


como trabalhar em excesso, ser fonte de informações ou mesmo
ocultar informações, podem agir assim por medo de serem desligados
ou sofrem pressões por conhecerem situações em que não poderiam
deixar de estar envolvidos e essas situações poderiam colocar a sua
saúde ou integridade em risco. Nesses casos, alguns agravos à saúde
do trabalhador bastante conhecidos no ambiente de Governança
Corporativa são o assédio moral, a síndrome de Burnout, as crises de
ansiedade, a depressão etc.

Para conseguir garantir aos colaboradores um melhor clima


organizacional, algumas das questões apontadas neste bloco precisam
ser conhecidas e investigadas. Nesses casos, um instrumento importante
pode ser a válvula para o alívio da pressão: os canais de denúncia.

1.3 O compliance, o ESG e as estratégias de combate ao


assédio moral e ao conflito de interesses

Compliance é uma função da Governança Corporativa que pode ser


entendida como “[...] exigência de conformidade com as normas
aplicáveis, com as políticas internas de cada companhia e com as
exigências da ética empresarial” (CARVALHO et al., 2021, p. 17). É comum
que as empresas desenvolvam, de acordo com a sua realidade, um
programa de compliance para que este direcione todas as normas,
regras e procedimentos, ou seja, as políticas organizacionais.

Observe alguns exemplos de políticas organizacionais que são guiadas


por programas de compliance:

• Política Interna de Qualidade.

• Política Interna de Compras ou Licitações.

• Política Interna de Gestão de Pessoas.


39

• Política Interna de Comunicação.

• Política Interna de Cadastro de Fornecedores.

• Política Interna de Proteção de Dados.

• Entre outros.

Geralmente, os assuntos dispostos em programas de compliance


englobam orientações sobre a conduta das pessoas e os
comportamentos éticos esperados em conformidade com os
instrumentos estabelecidos pela organização (como o Código de Ética
ou de conduta). Dependendo do porte da empresa, pode existir uma
área ou um departamento exclusivo para lidar com as situações de
compliance. Já em outros casos, em empresas menores, nem sempre
se justifica uma área ou uma pessoa especialista exclusiva para essa
função, e, nessas situações, cada gestor de área ou um profissional de
controle interno de cada área pode assumir essa responsabilidade.

Independentemente do modelo a ser implantado na empresa, de acordo


com Carvalho et al. (2021, p. 18), “mais importante do que a discussão
sobre a adequação de alocar a função em outras áreas é evitar conflitos
de interesses”. Por causa dos conflitos de interesses é que as atitudes
ilícitas ou inadequadas acontecem, pois o que se espera em troca é
algo vantajoso para uma pessoa ou uma rede de pessoas que não se
preocupam com os prejuízos que podem causar a outrem.

No cenário atual, em que as discussões sobre a relevância de


desenvolver programas de compliance são fervorosas, surge a proposta
do ESG. Essa sigla se refere a Environmental, Social, and Governance,
ou seja, uma estratégia para a gestão de empresas, principalmente
daquelas gerenciadas pelo sistema de Governança, que precisam
compreender que o gerenciamento da organização impacta sócios,
fundadores e pessoas próximas da organização (CARVALHO et al., 2021).
Assim, o impacto dos negócios empresariais precisa ser compreendido
40

como sendo de responsabilidade socioambiental sempre que são


observados, por exemplo, a sua linha produtiva, o impacto logístico e
de gerenciamento de resíduos no ambiente, a maneira de gerenciar
os colaboradores em relação às condições de trabalho e a saúde e a
segurança do trabalho.

Ainda para os mesmos autores,

A partir deste reconhecimento de que a atividade empresarial precisa


ser conduzida de forma sustentável, com responsabilidade econômica,
ambiental e social, a adição de princípios éticos para a atuação
empresarial, consolidados em uma prática de governança corporativa mais
madura e robusta traz para o centro da discussão o papel, a missão e os
valores da organização na sociedade. (CARVALHO et al., 2021, p. 72)

Cabe, portanto, à gestão da empresa o estabelecimento de diretrizes de


conduta que precisam ser seguidas com a finalidade de cumprir o que é
de conformidade (compliance) e o que é de interesse social e ambiental,
como instrumentos norteadores de Direitos Humanos e Pactos
Ambientais.

A estratégia ESG tem sido o foco de discussões nos encontros sobre


Governança, incluindo organizações públicas, privadas e de terceiro
setor, e, dentro dessas discussões, um dos assuntos mais abordados é o
compliance. Isso acontece devido aos conflitos de interesse que acabam
por envolver ou pressionar pessoas da organização a executarem ações
que nem sempre são de seu agrado, conhecimento ou obrigação.

Vejamos alguns exemplos de ações que têm sido o foco das propostas
ESG:

• Aspecto ambiental: prevenção de acidentes ambientais; utilização


de máquinas e equipamentos em conformidade com normas
ambientais; logística verde; práticas de sustentabilidade.
41

• Aspecto social: respeito pelo ser humano, sejam colaboradores,


fornecedores ou clientes; cumprimento de normas trabalhistas e
de saúde e segurança do trabalho; aumento da participação de
pessoas em condições de diversidade; instituição de programas de
combate ao racismo, à homofobia, à xenofobia, à misoginia etc.

• Aspecto de governança: zelo pelo cumprimento dos pilares da


Governança, isto é, transparência, responsabilidade, equidade
e prestação de contas; prevenção de prejuízos por conflitos de
interesses, como corrupção e fraudes.

E por onde caminhar quando o ambiente organizacional é composto


por conflitos de interesses? Os instrumentos de compliance citados por
Carvalho et al. (2021) são:

• Comprometimento da Gestão (gestores de primeira linha).

• Função do papel de liderança (gestores intermediários).

• Instituição de um Programa de Integridade (código de ética).

• Treinamentos (ensino-aprendizagem do Programa de Integridade).

• Due Diligence (procedimentos de contratação de terceiros –


fornecedores e parceiros – com princípios de conformidade e
anticorrupção).

• Instituição de canais de denúncia.

1.3.1 Sobre os canais de denúncia

Propor canais de denúncia, como um e-mail corporativo ou um número


de telefone para a comunicação de uma transgressão, é um exemplo de
propostas práticas de compliance na organização. Entretanto, oferecer
e envolver pessoas para essa prática não é uma tarefa simples, pois
42

existem questões delicadas que envolvem as partes quando o tema é


denúncia.

Segundo Carvalho et al. (2021), o primeiro ponto que se deve entender


é que a denúncia deve ser livre e, portanto, sem obrigações de ser
realizada. Em outras palavras, ela deve ser espontânea e de acordo com
o desejo do denunciante. Acontece que, em um clima organizacional
caracterizado por pressões psicológicas, mesmo que exista um canal
como este, nem sempre haverá a atitude voluntária das pessoas para
comunicar uma grave situação.

Observe algumas questões que precisam ser consideradas relevantes


para o desenvolvimento de um programa de denúncias:

• Para quem denuncia: pode ser uma pessoa interna à organização


ou externa (cliente, fornecedor). Ter acesso a um canal confiável
para que a pessoa não receba retaliação ou seja prejudicada por
um desligamento, por exemplo. A denúncia deverá ser averiguada,
pois há que se levar em consideração (quando identificado)
se o denunciante não a fez por uma retaliação ou tentativa de
prejudicar uma pessoa.

• Para quem é denunciado: a intenção é de que se instaure


algum procedimento investigativo para a apuração da denúncia.
Dependendo da situação, será necessária a intervenção de apoio
jurídico ou até policial para que a situação seja devidamente
conduzida.

Ainda podem ser práticas de um programa de denúncias a proteção e


até a recompensa ao denunciante (em casos de fraudes, recuperação de
ativos).

Da mesma maneira que se pretende desenvolver a integridade como


um valor humano às pessoas da Governança Corporativa, zelar pelas
condições de trabalho, pela qualidade de vida, pelo bem-estar do
43

trabalhador e pelos impactos sociais que isso apresenta à gestão da


empresa é uma ação de que depende a Dimensão Humana quando
estamos falando de Gestão. Por isso, a Governança Corporativa se
mostra complexa e necessita de profissionais com a compreensão
técnica, política e social a que está submetida.

Referências
CARVALHO, André C. et al. Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Grupo GEN,
2021. [Minha Biblioteca].
IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores
práticas de governança corporativa. 5. ed. São Paulo: IBGC, 2015.
MATTOS, Ubirajara Aluízio de Oliveira; MÁSCULO, Francisco Soares (org.). Higiene e
Segurança do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.
PEREIRA, Maria Célia B. RH Essencial. São Paulo: Saraiva, 2020. [Minha Biblioteca].
SOUZA, Marcia Cristina Gonçalves D. Conduta Ética e Sustentabilidade. Rio de
Janeiro: Alta Books, 2018. [Minha Biblioteca].
WAGNER, John A; HOLLENBECK, John R. Comportamento organizacional. São
Paulo: Saraiva Educação, 2020.
44

O ESG e a Governança
Corporativa: estratégias da
gestão do capital humano como
prática da responsabilidade
socioambiental
Autoria: Janaina P. R. Firmino
Leitura crítica: Jefferson Willian Bucci

Objetivos
• Aprender sobre as estratégias de ESG como
diretrizes da Governança Corporativa.

• Perceber como a prática do ESG pode estar presente


nos processos gerenciais e da liderança.

• Conhecer elementos para a elaboração de


programas de sustentabilidade, diversidade,
compliance e QVT para a criação de um ambiente de
trabalho saudável.
45

1. Fundamentos do ESG e sua relação com a


Governança Corporativa

ESG é um acrônimo (uma sigla formada pelas letras iniciais) de


Environmental, Social and Governance, um termo que, traduzido para
o português, significa Meio Ambiente, Responsabilidade Social e
Governança. Foi criado com a intenção de se propor uma integração
entre essas três dimensões como uma abordagem estratégica unificada
para a atuação das organizações em um ambiente complexo, dinâmico e
competitivo no qual estão inseridas.

Uma primeira questão a ser considerada nos estudos sobre ESG


é que essa perspectiva pode ser aplicada por empresas públicas
(governamentais), privadas e de terceiro setor. Isso porque o que se
espera como resultado de um modelo de gestão guiado dessa maneira é
que em todos os planejamentos existam ações que privilegiam práticas
relacionadas ao ESG.

Para Redecker e Trindade (2021), as medidas ESG têm uma forte


tendência de proporcionar uma transformação no sistema capitalista
do ponto de vista do mercado – que está sendo considerado um “novo
capitalismo” ou uma ideia de “capitalismo sustentável”. O foco não
estaria mais apenas nos resultados financeiros, mas em uma ideia
de bem-estar geral. Observe o que as autoras propõem sobre este
pensamento:

A sociedade agora impõe que as empresas estejam atentas também


ao que ocorre em seu redor, incorporando responsabilidades que não
estão relacionadas diretamente ao desenvolvimento de sua atividade,
mas às mazelas que a sociedade enfrenta. Incorpora-se, para tanto,
responsabilidades sociais, ambientais e de governança corporativa.
(REDECKER; TRINDADE, 2021, p. 62)
46

1.1 As estratégias de ESG como diretrizes da Governança


Corporativa

Uma organização que decide atuar de maneira alinhada ao ESG poderá


integrar em suas estratégias, seus programas e seus planejamentos as
práticas que estiverem em seu escopo de trabalho. A Figura 1 apresenta
as perspectivas ESG segmentadas em programas ou ações que podem
ser realizadas em cada situação organizacional:

Figura 1 – ESG

Fonte: Oré (2021, [s.p.]).


47

Perceba que na dimensão de Governança o foco dos programas e


das ações se relaciona com a expectativa dos sócios e dos investidores,
sempre garantindo que o desempenho organizacional entregue
os resultados esperados (principalmente os financeiros). Nessa
perspectiva, portanto, encontram-se os princípios ESG e os quatro
pilares da Governança Corporativa: a transparência, a equidade, a
responsabilidade empresarial e a prestação de contas.

Já a dimensão Ambiental se propõe a programar ações de prevenção


ou redução dos impactos ambientais e a adoção de medidas
sustentáveis desde a operação das organizações até a responsabilização
dos resíduos sólidos pós-produção e pós-consumo. De uma maneira
macro, também há a intenção de que as organizações atuem em
colaboração global com o objetivo da minimização dos problemas
climáticos gerados pela poluição, por exemplo.

Por sua vez, a dimensão Social é uma das principais inovações da


proposta ESG. É considerada tão importante quanto a Ambiental e a de
Governança, pois a sua integração nessas estratégias preconiza o bem-
estar social através das boas práticas de cuidados com os colaboradores
e a sua qualidade de vida no trabalho, o impacto social nas comunidades
locais onde a empresa está sediada e uma visão humanizada em relação
aos clientes e consumidores.

A proposta ESG teve origem em 2004, a partir da iniciativa Pacto Global,


como você pode conhecer na seguinte explicação:

O termo foi cunhado em 2004 em uma publicação do Pacto Global em


parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins. Surgiu de uma
provocação do secretário-geral da ONU Kofi Annan a 50 CEOs de grandes
instituições financeiras, sobre como integrar fatores sociais, ambientais e
de governança no mercado de capitais. (PACTO GLOBAL, [s.d.]a, [s.p.])

A iniciativa Pacto Global, instituída nos anos 2000 pela Organização


das Nações Unidas (ONU), tem como proposta aprimorar a gestão das
48

organizações ao direcionar suas preocupações e seus olhares para


os objetivos sociais e ecológicos, que são impactados pelo sistema
produtivo, pelo ato de consumo e pela geração de resíduos por todos
na sociedade. Os 10 princípios que norteiam a proposta do Pacto Global
são apresentados na figura a seguir.

Figura 2 – Os 10 princípios do Pacto Global

Fonte: adaptada de Pacto Global ([s.d.]b, [s.p.]).

A intenção do Pacto é de que as empresas que decidam fazer parte


dessa proposta se comprometam a seguir tais princípios, e uma das
principais estratégias para isso é o ESG.
49

1.2 O ESG aplicado nos processos e nas estratégias da


liderança

Um dos principais desafios do ESG está diretamente relacionado


à Dimensão Humana. Os desafios vão desde a credibilidade dos
sócios e investidores para compreender que estar de acordo com os
princípios de governança, de sustentabilidade e de bem-estar social
não comprometeria os resultados da empresa, até as dificuldades do
cotidiano quando o assunto é o comportamento das pessoas em relação
às diretrizes, aos objetivos e às metas a serem atingidas.

Nesse sentido, um dos pilares essenciais para que as ações ESG


programadas se realizem na prática é a liderança. As organizações
que têm como modelo gerencial a Governança Corporativa, por conta
do seu sistema complexo de gestão, geralmente possuem em sua
estrutura alguns níveis hierárquicos de liderança. A Alta Gestão, por
exemplo, é um nível de liderança composto pelos principais executivos
da organização, geralmente responsáveis pelas decisões estratégias
e executivas, como CEOs, Presidentes, Vice-Presidentes e Diretores.
Já as lideranças intermediárias, dependendo da estrutura hierárquica
da organização, podem ser compostas por gerentes e especialistas de
área, como pesquisadores ou profissionais especializados, por exemplo,
na área de Inovação. Por fim, as lideranças operacionais geralmente
são compostas por gerentes, coordenadores, supervisores e líderes
operacionais, os quais possuem como foco do trabalho a execução dos
planos de ação.

A função da liderança é conduzir as pessoas de tal modo que tanto


os resultados quanto o comportamento e as atitudes delas estejam
em conformidade com os padrões morais e éticos esperados naquele
ambiente de trabalho. Para Blanchard (2019, p. 3) a liderança é “o
processo de alcançar resultados que valham a pena ao mesmo tempo
em que tratamos as pessoas com respeito, consideração e justiça, para o
bem-estar de todos os envolvidos”.
50

Se a liderança em qualquer nível organizacional não estiver consciente


disso nem da importância do seu papel e da sua responsabilidade
quanto à promoção do alinhamento de conduta ética, dos valores e das
ações responsáveis dentro do prisma ESG, será pouco provável que a
organização como um todo consiga atuar da maneira Social, Ambiental
e Corporativa esperada. Portanto, os desafios da Dimensão Humana
dentro do prisma ESG são a formação e o desenvolvimento de líderes.

Outra questão tão relevante quanto a liderança é oferecer o suporte e o


apoio necessários para que os líderes tenham segurança, oportunidades
e recursos para conduzir pessoas. De que tipo de suporte ou apoio as
lideranças poderiam precisar? Provavelmente de recursos financeiros e
tecnológicos, mentorias ou acompanhamentos muito aproximados dos
principais executivos da organização e, sem dúvidas, da observação da
conduta ética e alinhada da Alta Administração em relação aos princípios
da Governança, como se fosse um farol que ilumina a trajetória de cada
líder.

Imagine uma situação em que um alto executivo discurse sobre os


princípios que devem delinear a conduta das pessoas socialmente, mas
ele mesmo não os segue. Nessa situação em que há uma distância entre
o que se fala e o que se faz, revela-se uma lacuna difícil de preencher
na conduta dos líderes que respondem àquele executivo. Portanto, é
importante notar que o exemplo é algo muito relevante para a conduta
humana e uma lição fundamental para a liderança.

1.3 A elaboração de programas de sustentabilidade,


diversidade, compliance e QVT

Partindo da compreensão de que existe uma complexidade no sistema


de gestão da Governança Corporativa e de que essa complexidade a
torna um modelo gerencial criterioso e dependente dos fundamentos
da Administração –planejar, organizar recursos, liderar e controlar
51

(acompanhar resultados) –, imagine, então, como deve ser integrar os


princípios ESG dentro desse modelo. Certamente será algo tão complexo
quanto a própria Governança, mas, ainda assim, isso não torna a
proposta de atuar nos moldes do ESG algo difícil ou inviável, e sim uma
proposta que deve ser estruturada de modo adaptativo à situação
organizacional.

A seguir você conhecerá algumas propostas já elaboradas ou adotadas


por empresas nos últimos tempos que servirão como exemplos para
ilustrar como é possível integrar os princípios ESG à Governança.

O primeiro exemplo, citado por Redecker e Trindade (2021), refere-se


ao movimento “#nãodemita”. De acordo com o portal eletrônico do
Instituto Livres (PIRES, 2020), esse movimento foi proposto no início da
pandemia da Covid-19, em 2020, com a proposta de reunir empresas
que pudessem, da melhor maneira possível, não demitir colaboradores,
a fim de não causar um grande impacto econômico-financeiro para
estes, suas famílias e o comércio local. Aproximadamente 200 empresas
aderiram a esse movimento.

Outro exemplo que ficou bastante conhecido foi o programa de inclusão


de pessoas negras no mercado de trabalho na condição de trainee. A
empresa pioneira nesse projeto foi a Magazine Luiza com o programa
Trainee para Negros, que teve a sua primeira edição em 2020 e já conta
com edições subsequentes. Com isso, a empresa tem como proposta
aumentar a inserção de pessoas negras em cargos de liderança e gestão
executiva na empresa.

Assim como essa iniciativa, também é uma boa prática da empresa


promover ações de “afinidade” a partir de grupos formados por
colaboradores de todas as unidades de negócio. Essa proposta é uma
extensão da área de diversidade e aborda quatro temáticas: gênero,
raça, LGBTQI+ e Pessoas com Deficiência. (MAGALU CARREIRAS, [s.d.]).
52

O Grupo O Boticário também é uma empresa que destaca em seu portal


eletrônico um espaço específico para divulgar suas práticas ESG, no
qual são apresentadas ações ambientais, como propostas de retorno
de embalagens através de logística reversa e práticas sustentáveis
em seus processos produtivos, incluindo a ética nos ingredientes. A
empresa também declara quais são os seus compromissos sociais e
de governança para que possa realizar ações afirmativas de equidade,
diversidade e inclusão de pessoas.

Diante desses exemplos, seria possível compreender que algumas boas


práticas ESG sob a ótica da Dimensão Humana seriam:

• Reconhecimento social: a real preocupação com as pessoas,


sejam colaboradoras, da comunidade e da sociedade em geral.

• Reputação no ambiente de negócios: associar a imagem e a


trajetória da empresa à sua atuação coerente com os princípios
ESG.

• Validação sob a ótica do cliente: sob a perspectiva do cliente,


atuar de maneira sustentável e responsável socialmente confere
um grau de confiança e credibilidade que reafirma a sua relação
com a empresa.

• Employee Experience (a ótica do colaborador): a experiência do


colaborador em atuar em um ambiente de trabalho que realmente
aplica na prática aquilo que diz e acredita. Na perspectiva dos
colaboradores, essa possivelmente deve ser a principal razão de
perceber o sentido de praticar os princípios ESG.

• A satisfação de acionistas ou usuários: conseguindo alinhar os


investimentos ou gastos nas ações ESG aos resultados esperados
pela Governança no que diz respeito aos sócios ou investidores, a
empresa que opta pelas medidas socialmente e ambientalmente
53

responsáveis converte sua prática em retornos financeiros


também sustentáveis.

Diante dos estudos sobre a temática ESG e Dimensão Humana, é


esperado que você tenha percebido a importância de desenvolver
tantos cuidados em relação ao bem-estar das pessoas colaboradoras,
esperando que o comprometimento e o engajamento delas possam
promover um ambiente corporativo de resultados efetivos, mas também
com um clima de trabalho saudável e verdadeiramente envolvido com
as práticas de prevenção e redução de impactos sociais e ambientais tão
temidos pela sociedade moderna.

Referências
BITTAR, Alan et al. Manual de compliance. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
BLANCHARD, Ken. Liderança de alto nível: como criar e liderar organizações de
alto desempenho. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2019.
IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores
práticas de governança corporativa. 5. ed. São Paulo: IBGC, 2015.
MAGALU CARREIRAS. Diversidade. Magalu Carreiras, [s.d.]. Disponível em: https://
carreiras.magazineluiza.com.br/diversidade. Acesso em: 30 mar. 2022.
ORÉ. Tudo o que você queria saber sobre ESG mas ninguém explicou. Oré, 2021.
Disponível em: https://ore.org.br/2021/02/11/tudo-que-voce-queria-saber-sobre-
esg-mas-ninguem-explicou/. Acesso em: 22 mar. 2022.
PACTO GLOBAL. ESG. Pacto Global, [s.d.]a. Disponível em: https://www.pactoglobal.
org.br/pg/esg. Acesso em: 30 mar. 2022.
PACTO GLOBAL. Os 10 princípios. Pacto Global, [s.d.]b. Disponível em https://www.
pactoglobal.org.br/10-principios. Acesso em: 30 mar. 2022.
PIRES, Daniela. Movimento não demita. Instituto Livres, 2020. Disponível em:
https://institutolivres.org.br/movimento-nao-demita/. Acesso em: 30 mar. 2022.
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REDECKER, Ana Cláudia; TRINDADE, Luiza de Medeiros. Práticas de ESG em


sociedades anônimas de capital aberto: um diálogo entre a função social instituída
pela lei n°6.404/76 e a geração de valor. Revista Jurídica Luso-Brasileira, [s.l.], ano
7, n. 2, 2021.

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