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1º Encontro Nacional da ABRI

Segurança Internacional
A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
1
Carlos Enrique Ruiz Ferreira

Resumo

O artigo pretende demonstrar que a intervenção militar da OTAN na Iugoslávia em


1999 (sérvios versus albaneses em Kosovo) configurou um ponto de inflexão nas
relações internacionais pós Guerra Fria. Para tanto são destacados dois fatores que
subjazem a intervenção: a problemática do Direito Internacional e a problemática da
segurança européia.

Abstract

This article intends to show that the NATO military intervention in Yugoslavia in 1999
(Serbs versus Albanians in Kosovo) figures as a point of inflection for International
Relations after Cold War. Two factors underlying the intervention are highlighted to
prove this point of view: the issue of international law and the issue of European
security.

Palavras-chave

Relações Internacionais contemporâneas; Iugoslávia; Organização do Tratado


Atlântico Norte; União Européia.

Key words

Contemporary international relations; Yugoslavia; North Atlantic Treaty Organization;


European Union

1
1º Encontro Nacional da ABRI
Segurança Internacional
A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
1
Carlos Enrique Ruiz Ferreira

I. Introdução
Pretendo destacar neste texto que a intervenção militar da Organização do Tratado
Atlântico Norte (OTAN) na Iugoslávia em 1999 (caso Kosovo: sérvios versus
albaneses) foi um ponto de inflexão nas Relações Internacionais no pós Guerra Fria.
Neste texto, porém, proponho-me a examinar dois fatores específicos que apontam
nessa direção.

O primeiro fator, mais em voga e tratado à época por vários analistas é exatamente
o ato inaugural, em termos de intervenção militar, do desrespeito ao Direito
Internacional, representado pela ONU e sua órbita legal, dentro do período pós
Guerra Fria. A intervenção da OTAN foi o primeiro litígio envolvendo forças armadas
nacionais em que a ONU não teve atuação dentro desse período. A ONU não agiu e
ao mesmo tempo foi solapada em seus princípios, abrindo assim a figura (jurídica?)
do precedente.

No que diz respeito à ilegalidade da ação da OTAN e a violação da Carta das


Nações Unidas, optei por tratar apenas uma das questões da órbita do Direito
Internacional: o genocídio. Ou seja, há várias discussões em torno da ilegalidade do
empreendimento guerreiro da OTAN, como por exemplo: a questão da
representatividade da OTAN; a questão da natureza jurídica da OTAN (que se
configura como uma organização defensiva); o debate acerca do Conselho de
Segurança como órgão máximo e exclusivo da manutenção da paz e segurança
internacional, entre outras. Não obstante, trataremos apenas da questão do
genocídio visto que parece ser o argumento utilizado pelas forças da OTAN com
maior envergadura jurídica1.

O segundo fator, menos estudado, é a relação entre a intervenção da OTAN e a


tentativa de continuidade da presença dos EUA em solo europeu e que a OTAN
continue a ser responsável pela segurança européia. Ou seja, para os EUA a
intervenção da OTAN, para além das justificativas oficiais, era fundamental por dois
motivos ligados à questão da segurança: 1) a OTAN precisava agir, visto que era
uma organização nascida no período Guerra Fria e desde seu nascimento nunca
havia efetuado uma ação armada, e; 2) essa intervenção era um alento para os EUA
no que tange a dificultar a efetivação da Política Externa de Segurança Comum
(PESC) da União Européia, que prevê a possibilidade do estabelecimento de forças
armadas conjuntas européias.

Assim, a partir da análise desses dois fatores, defendo que a intervenção da OTAN
configurou um ponto de inflexão no cenário internacional pós Guerra Fria necessário
para compreender as relações internacionais contemporâneas.

1
Outras questões jurídicas foram tratadas em minha dissertação de mestrado e, como aponto, a
questão do genocídio é a mais complicada e de maior controvérsia para julgarmos se a ação da
OTAN foi ou não legal.

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Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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II. Sistema Internacional no pós Guerra Fria: um breve alento


kantiano, até 1999.

Com a queda do bloco socialista2 “o caminho do mundo”, pelo menos o caminho do


mundo das Relações Internacionais, parecera mudar. Deixando de lado a discussão
que surge com a tese polêmica do “Fim da história” – que faz com que estudiosos se
debrucem sobre os fenômenos de classe e modelos econômicos tradicionais –
nossa preocupação aqui se centra sobre a segurança internacional e o direito
internacional.

Ou seja: o fim da bipolaridade que marcara por mais de 40 anos o cenário


internacional configuraria uma nova ordem mundial no que tange à paz e à
segurança internacional? A grande questão era: a ONU finalmente cumpriria seu
papel legítimo de garantidora da Paz e da Segurança Internacional, conferindo o
status de justo/injusto de eventuais guerras e decidindo sobre o poder haver ou não
guerra?

A resposta que durou 10 anos – feitas as devidas ressalvas – foi afirmativa. O


mundo neste aspecto mudou. Um alento kantiano se fez presente de 1989 a 1999. O
mundo passara a ser regido pelo Direito Internacional, cujo representante máximo
era a ONU e sua órbita legal. Parecera que por fim a maturidade da ratio iluminista
chegara à esfera internacional com o fim do conflito leste-oeste, a foedis pacificum –
federação da paz – E teria o nome de Organização das Nações Unidas.

Nesses dez anos mencionados, as cinco grandes potências vitoriosas da II Guerra


Mundial e membros permanentes do Conselho de Segurança convergiram em uma
série de questões atinentes à segurança internacional.

O primeiro exemplo, no bojo da queda do muro e da fragmentação da URSS, foi a


primeira Guerra do Golfo, em 1991. Essa guerra foi feita com autorização do
Conselho de Segurança da ONU (CSONU), portanto com o consentimento dos EUA,
França, Grã Bretanha, URSS e China.

A Guerra do Golfo se deflagrou depois que o Iraque do assassinado3 Saddam


Hussein invadiu o Kuwait4. Prontamente o CSONU aprovou a resolução n. 678 que
2
Cujos expoentes-fenômenos foram: a derrubada do muro de Berlim e a fragmentação da URSS.
3
Se não quisermos pensar na captura de Saddam, pelo menos não paira dúvidas sobre a infelicidade
e ilegalidade do processo judicial que o condenou à morte. Mais além, a cena filmada e divulgada
para a opinião pública internacional – do enforcamento de Saddam – é bastante clara quanto ao
desrespeito de procedimentos básicos que caracterizam uma aplicação de sentença de morte dentro
dos parâmetros legais conhecidos.

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legalizou/permitiu uma intervenção militar no Iraque. Dessa forma, foi a ONU que
tomou dianteira no processo de resolução de conflitos no cenário internacional.

Anos depois, em 1992/5, a ONU mais uma vez destaca seu papel de zeladora da
paz e reguladora dos conflitos internacionais. Agora, os capacetes azuis5 entram em
ação nos conflitos ocasionados com a fragmentação da Iugoslávia, mais
propriamente no conflito assustador que teve lugar na Bósnia-Hezergovina. Em 1993
a Operação da ONU no Somália II tem respaldo do CSONU para estabelecer, com
uso de medidas coercitivas se for o caso, a segurança da prestação de serviços
humanitários.

A partir desses conflitos em que a ONU atuou6, encontramos um mundo no qual os


litígios de caráter internacional eram resolvidos no âmbito do direito internacional,
com o respeito às competências e atribuições da Carta da ONU (e todo seu sistema
organizativo e jurídico).

Não obstante, isso é rompido em 1999 com o “episódio” Kosovo. Sempre como
parâmetro a ONU, como representante do direito internacional, o Kosovo foi o
primeiro conflito internacional onde uma série de Estados (OTAN) abandonaram o
Direito Internacional e a ordem há pouco estabelecida. Abrira-se assim um perigoso
precedente no período. Esse precedente configurou uma abertura para a existência
de outras ações dos Estados que seguem a mesma lógica, senão jurídica, prática de
fazer guerra “cuando se dá la gana” (numa feliz expressão castelhana). Esse
precedente pode ser visto como uma ajuda a um entendimento de “razoabilidade”
(construída pela prática e não pelo direito)7 das intervenções militares que se
seguiram a Kosovo: Afeganistão e Iraque, ambos casos “resolvidos” sem o
consentimento do órgão internacional legitimo para resolver os litígios
internacionais8.

Voltáramos assim aos tempos da Guerra Fria (Vietnã, Tchecoslováquia, Panamá, El


Salvador – para citar apenas alguns exemplos) onde a ONU, nessas questões, era
dia-a-dia desmerecida e desacreditada.

Dentro dessa perspectiva, vamos nos debruçar sobre dois fatores que julgamos
importantes para corroborar a tese de que há um mundo “pré e pós-Kosovo”.
4
Usei a palavra “invadiu” pois Kwait se configurava como um Estado-Soberano, ainda que, sabemos,
a relação entre Iraque-Kwait é tanto mais complicada, sendo que o próprio Kwait já foi domínio ou
pertencente ao Iraque antes da II Guerra Mundial.
5
Os capacetes azuis se configuram como “forças de manutenção de paz”. As operações de
Manutenção da Paz incluem “(...) a prevenção, contenção e extinção de hostilidades num estado,
através da intervenção de uma terceira parte, que é organizada e dirigida internacionalmente, com a
utilização de meios e capacidades multinacionais tais como soldados, policiamento e civis no sentido
de manter a paz” (Schechter in Klare, 1994).
6
Devemos lembrar que a ONU em 1994 se omitiu no caso Ruanda. Caso este admitido recentemente
pelo Secretário Geral da ONU Koffi Annan como um dos piores erros de sua administração.
7
Exploraremos o tema do precedente como prática e/ou direito mais adiante.
8
Salvo caso, previsto na Carta das Nações Unidas, de legítima defesa.

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O primeiro fator repousa sobre o Direito Internacional e sobre como se expressa as


relações entre os Estados tendo em conta os postulados do direito. A análise desse
fator nos traz em seu bojo uma pergunta que é regra nos estudos das Relações
Internacionais: Os Estados se comportam (e devem se comportar) a partir do
atributo intocável da Soberania que reza que o interesse nacional – raison d’Etat
para Richelieu ou realpolitik para Bismarck – são os únicos que valem ou a partir dos
princípios e normas do Direito Internacional (que os próprios Estados ergueram e
defendem, como a Carta das Nações)?

A partir da análise desse fator buscaremos compreender se a intervenção militar da


OTAN na Iugoslávia foi ou não legal. E, dessa forma, contribuir também para que,
historicamente, possamos ajudar a encontrar a resposta à pergunta formulada
anteriormente.

O segundo fator repousa sobre a questão da segurança européia. E nossa


indagação é: teve os Estados Unidos da América alguma intenção de levar a cabo
um empreendimento da OTAN para garantir que a segurança européia prossiga no
seio dessa organização?

Em síntese: o primeiro fator reflete a questão/polarização entre direito internacional e


soberania. Enquanto o segundo reflete a questão/polarização entre um projeto de
segurança da Europa exclusivamente europeu (que podemos traduzir por uma
PESC9 efetiva) ou o projeto em marcha da segurança européia no seio da OTAN.

São esses os dois fatores que analisaremos nesse momento.

III. O primeiro fator de inflexão: o desrespeito ao Direito


Internacional – o Genocídio

Sinteticamente: enquanto um processo judicial de acordo com o objetivo deve ser


organizado de modo a permitir a vitória de quem tem razão, a guerra, de fato, é um
processo que permite dar razão a quem vence.
Norberto Bobbio10

O princípio fundamental do direito internacional, como direito universal que deve valer em si
e por si entre os Estados, à diferença do conteúdo particular dos tratados positivos, é que os
tratados, enquanto sobre eles repousam as obrigações dos Estados uns para com os

9
Política Externa de Segurança Comum (Tratado da União Européia de 1992/3)
10
BOBBIO, Norberto, Os problemas da guerra e as vias da paz, Editora UNESP, 2002, p. 123.

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outros, devem ser respeitados. Mas porque as relações entre eles têm por princípio a sua
soberania, eles estão uns para com os outros, nessa medida, no estado de natureza, e os
seus direitos têm a sua realidade efetiva não numa vontade universal constituída em poder
acima deles, mas na sua vontade particular. Aquela determinação universal permanece, por
isso, no dever-ser, e a situação torna-se uma alternância entre as relações conforme aos
tratados e a supressão dessas relações.
G.W.F. Hegel11

A mais contundente justificativa legal adotada pela OTAN para intervir na Iugoslávia
é o imperativo, de impedir através do meio conveniente e eficaz a violação dos
direitos humanos, em especial o genocídio. Justificativa essa respaldada por uma
Convenção Internacional.

No documento Statement on Kosovo (23 e 24 de abril de 1999, assinado pelos


chefes de Estados e governos da OTAN) lê-se:

1. The crisis in Kosovo represents a fundamental challenge to the values for


witch NATO as stood since its foundation: democracy, human rights and the rule of
law. It is the culmination of a deliberate policy of oppression, ethnic cleansing and
violence pursued by the Belgrade regime under the direction of President Milosevic.
We will not allow this campaign of terror to succeed. NATO is determined to prevail.

11. Atrocities against the people of Kosovo by FRY military, police and
paramilitary forces represent a flagrant violation of international law. Our governments
will co-operate with the International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia
(ICTY) to support investigation of all those, including at the highest levels, responsible
for war crimes and crimes against humanity. (…).

Seja no Statement on Kosovo, seja em vários outros documentos (declarações do


secretário geral da OTAN, declarações interministeriais, etc.) estão presentes as
expressões “políticas de opressão”, “limpeza étnica”, “atrocidades” e “catástrofe
humanitária”. Tais expressões refletem que a OTAN considerou que as forças
militares iugoslavas estavam violando os direitos humanos dos albaneses-
kosovares.

O termo genocídio não consta nas declarações da OTAN, porém os EUA


empregaram o termo oficialmente pela primeira vez em sua história. O termo foi
utilizado após inúmeras polêmicas e estudos internos12. Clinton foi o primeiro
presidente estadunidense a usar essa expressão no dia 25 de julho de 1999.
(POWER, 2004, p. 530). Mas antes de prosseguirmos é atilado nos perguntarmos o
que de fato é um genocídio?

11
HEGEL, G.W.F, Linhas fundamentais do direito ou direito natural e ciência do Estado em
compêndio, Terceira parte “A Eticidade,” Terceira seção “O Estado”, Unicamp, 1998, p. 139
12
Segundo POWER, Samantha em seu livro Genocídio – a retórica americana em questão, o debate
originou-se, principalmente, no Escritório de Análise de Crimes de Guerra do Departamento de
Estado (criado em 1996 por Madeleine Albright).

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Genocídio é uma palavra que deriva do grego genos, que significa raça, espécie,
gênero, e da palavra latina caedere, que significa matar. Significa, portanto,
literalmente, assassinato de raça, espécie e/ou gênero. O termo foi inventado por um
judeu, militante do direito internacional. Na verdade, ele lutava por uma lei
internacional que condenasse a prática de genocídio, desde a década de 30. Em
seu primeiro livro, (Axis Rule) Lemkim definiu genocídio do seguinte modo:

[...] um plano coordenado de diferentes ações para destruir as bases essenciais da


vida de grupos nacionais, com o objetivo de aniquilar os próprios grupos.
[...]

O Genocídio tem duas fases: uma, a destruição do padrão nacional do grupo


oprimido; outra, a imposição do padrão nacional do opressor. Esta imposição, por
sua vez, pode ser aplicada à população oprimida a quem for permitido permanecer,
ou exclusivamente ao território, depois da remoção da população e da colonização
da área pelos da nação do opressor. (LEMKIM apud POWER, 2004, p. 530)13.

Quanto ao aspecto normativo, a definição de genocídio dada pela Convenção para a


Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, assinada em 194814 é:

Art. 2º. Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos


seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo
nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:

a) Matar membros do grupo;


b) Causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de
ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d) Adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) Efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo; 15

O genocídio como tal pode ser encontrado desde os primórdios da História.


Contudo, ele ganhou destaque internacional com a prática da Alemanha nazista,
comandada por Adolf Hitler, que aterrorizou a humanidade pela magnitude de
número de mortos16, campos de concentração e pela institucionalização, criação de

13
Devido a sua militância e à perfeição do significado do termo, a palavra Genocídio foi
paulatinamente incorporada no Direito Internacional. Foi pela primeira vez utilizada em Nuremberg
(onde Lemkim também estava propagando suas teses e termo) e cristalizada pelo Direito através da
Convenção para a Prevenção e a Repressão do Genocídio de 1948 (Lemkim também transitava pela
ONU e foi consultor – a pedido do secretário geral da ONU – da comissão encarregada da criação
desta lei).
14
Dentre vários outros países, assinaram: Estados Unidos da América, URSS, Brasil, Iugoslávia e
Grã Bretanha.
15
MELLO, Rubens Ferreira de (textos coligidos e anotados). In Textos de Direito Internacional e de
História Diplomática de 1815 a 1949, Editor A. Coelho Branco F. 1950, Rio de Janeiro, p. 832-833.
16
Segundo POWER, Samantha (obra citada) foram mortos aproximadamente 6 milhões de judeus e
5 milhões de poloneses, ciganos, comunistas e outros.

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direito e burocracia organizada, de tais práticas17. Não é por menos que a


Convenção nasce em 1948, no bojo das regulamentações internacionais que se dão
após a II Guerra Mundial e se tornou parte do Direito Internacional da ONU, sendo
reconhecida e adotada pela Assembléia Geral em 1951.

Nossa pergunta central sobre o Genocídio e a intervenção da OTAN na Iugoslávia é:


poderia a OTAN legalmente ter praticado a intervenção alegando o genocídio em
curso realizado pelas forças sérvias e iugoslavas contra os albaneses de Kosovo?
No entanto, para responder tal pergunta temos que nos ater antes a seguinte
questão: o que estava acontecendo em Kosovo poderia ser considerado como um
genocídio?

A situação em Kosovo não é tão simples como a mídia e a OTAN nos apresentaram
(apesar de algumas diferenças entre si, essas foram às versões divulgadas para “o
grande número”). Como esse não é nosso objeto central, mas tampouco podemos
nos furtar dessa questão, busquemos uma síntese:

1) Kosovo é solo sagrado sérvio devido à batalha de 1389 que ali ocorreu e que
culmina na vitória do Império Turco Otomano sobre os sérvios (com a morte dos dois
chefes que comandavam a batalha de ambos lados).
2) Em grande parte os albaneses aderiram à religião muçulmana e tiveram uma
relação privilegiada com os turcos-otomanos o que inicia uma rivalidade com os
sérvios. Os turcos-otomanos dominaram a região de Kosovo (e o reino sérvio) do
século XIV até o século XIX.
3) É somente na II Guerra Mundial que os albaneses passam a ser maioria
populacional na região de Kosovo. Isso por que a Itália de Mussolini, com a ajuda
dos alemães, ocupa a Albânia e incorpora Kosovo à “Grande Albânia”.
4) O “período Tito” manteve o Kosovo pacífico devido, entre outras coisas, aos
mecanismos políticos da federação que permitiam um balanço e alternância de
poder, assim como uma progressiva autonomia para as províncias de Kosovo e
Vojvodina.
5) Durante o período Milosevic o Kosovo experimentou tempos de violência.
Milosevic retoma um nacionalismo sérvio aliado a um desejo de não fragmentação
da Iugoslávia (que já estava solapada pelos conflitos da Eslovênia, Croácia em
1992/3 e da Bósnia Hezergovina 1993/4) ao mesmo tempo em que o Exército de
Libertação de Kosovo (ELK) também recrudescera suas metas e atitudes.
6) o ELK e o exército iugoslavo e forças paramilitares sérvias começaram uma
escalada de terror com “erros” (abusos de direitos humanos) de todo lado.

Não obstante não há como desconsiderar que as forças paramilitares sérvias, com
uma supremacia militar inquestionável, praticaram o genocídio. O que não legitima,
é claro, uma intervenção da OTAN. Mas segundo nossa análise o que aconteceu em
Kosovo configurava-se como um genocídio.

17
Sobre esse tema cumpre destacar os trabalhos de Hanna Arendt, Michel Foucault e mais
recentemente Giorgio Agamben.

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Apesar de que muitos, com razão, questionam a idoneidade daquele que declarou
que Racak18 fora um crime contra a humanidade (o general Willliam Walker)... O
general era chefe da missão de verificação da OSCE e representava um órgão
legítimo, com apoio e reconhecimento da ONU (S/RES/855), cuja missão era
observar as condições de violência e/ou guerra na região. Mesmo se
desconsiderássemos a declaração do general Willian Walker19 - representante da
OSCE e ao mesmo tempo envolvido em episódios macabros na América Latina
durante a guerra fria – teríamos ainda que nos deparar com a posição do Conselho
de Segurança da ONU que, em sua resolução 1199 (S/RES/1199) de 23 de
setembro de 1998, diz:

(…)
Profundamente preocupado por el rápido deterioro de la situación humanitaria
en todo Kosovo, alarmado por la inminente catástrofe humanitaria que se describe en
el informe de Secretario General y poniendo en relieve la necesidad de impedir que
eso ocurra,
Profundamente preocupado también por los informes de violaciones cada vez
más frecuentes de los derechos humanos y del derecho humanitario internacional
(…)20

Mas a resolução 1239 de 14 de maio de 1999, embora não mencione a palavra


genocídio, é bem mais enfática quanto à posição do CSONU e do entendimento

18
A história se deu da seguinte maneira: no dia 15 de janeiro de 1999 foram encontrados 45
albaneses assassinados em Racak (uma região em Kosovo). No dia posterior o general
estadunidense William Walker (chefe dos observadores da Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa - OSCE) declara à comunidade internacional que o episódio de Racak fora
um massacre dos sérvios contra os albaneses, um “crime contra a humanidade”.
19
Segundo Chomsky (2002) e Del Valle (2001), entre outros, Willian Walker não era uma pessoa
idônea, tinha diretas ligações com a CIA: fora responsável por diversos assassinatos e atos de terror
em El Salvador no final dos anos 80; ajudou os contra na Nicarágua sandinista; entre outras ações,
principalmente na América Latina. Para esses autores, o episódio Racak é sem sombra de dúvida
algo nebuloso e questionável, pelo menos considerando o que a mídia apresentou. O repórter
Renaud Girard do jornal francês Le Figaro comenta que: “Lo que sorprende es que los serbios han
invitado a la prensa a seguir su operación. (…) Está claro que Racak era un pueblo fortificado. No
todos los hombres eran combatientes, pero por prudencia habían desalojado a sus familias. El pueblo
fue primero atacado por la parte alta, al alba. Las tropas especiales serbias cayeron por sorpresa
sobre una trinchera y mataron a nueve soldados de la UCK. Ésta lo reconoció y los enterró
oficialmente. En seguida hacia las 9 de la mañana, la policía entró en el pueblo, la mayoría de los
hombres huyeron para encontrarse con sus compañeros que vigilaban el alto. Y fue allí donde fueron
abatidos. Entre ellos había viejos, vestidos de paisano y que no podían calificarse como
combatientes. Associated Press vio a la policía serbia descender de allí, con los brazos cargados de
armas confiscadas. Yo pienso que es cierto. ? Pero es posible que al mismo tiempo también hubieran
matado a civiles? La OSCE se mostró muy confusa. No habían estado lo bastante cerca de los
combates, lo que significaba una falta de valentía y una grave carencia. En resumen, para mí persiste
un misterio: ?qué pasó exactamente allí arriba? La única cosa segura es que los serbios no tienen
nada que ocultar e invitan a los periodistas el viernes. ?Por que? !A pesar de todo, tampoco son tan
tontos! (GIRARD apud COLLON, 2000, p. 27)
20
S/RES/1999 de 23 de setembro de 1998, in http://www.un.org/spanish/kosovo/docs.htm .

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acerca das questões humanitárias no Kosovo. Esta resolução não usa mais uma
“iminente catástrofe humanitária”, mas já apregoa sua existência. Vejamos no texto:

(...)
Expresando su grave preocupación por la catástrofe humanitaria que tiene
lugar en Kosovo (República Federativa de Yugoslavia) y zonas adyacentes de
resultas de la crisis permanente, (…)21

Assim, não há questionamento sobre o fato de que houve uma “catástrofe


humanitária”. Não obstante, a ONU não usou o termo genocídio em nenhuma de
suas resoluções atinentes ao Kosovo, deixando margem à interpretação de que, a
“catástrofe humanitária” poderia equivaler a um genocídio. Uma hipótese lógica é
que a ONU não poderia usar o termo, pois decorreria inevitavelmente à necessidade
de uma ação (segundo reza Convenção do Genocídio).

Outro fato que corrobora a tese de que houve uma prática de genocídio contra os
albanokosovares foi a inclusão, respaldada por resolução do CSONU, da Sérvia e
Kosovo como regiões possíveis a indiciamento por parte do Tribunal Penal
Internacional para a Iugoslávia22 (TPII) que julga crimes contra a humanidade e de
genocídio. De fato, dentro os vários indiciamentos de Milosevic e outros sérvios,
constam o crime de genocídio, cumplicidade com prática de genocídio, deportação,
assassinato, tortura, extermínio e uma larga lista de outros crimes.

Ora, dentre os fatos destacados, sejam as resoluções da ONU, seja o parecer da


missão verificadora da OSCE, a existência do TPII e os indiciamento de Milosevic
(que obviamente ocorreram após a guerra), é coerente o entendimento de que havia
prática de genocídio cometida pelos iugoslavos/sérvios contra os albaneses na
região de Kosovo. Nesse ponto há concordância com o diagnóstico dos EUA
(genocídio) e da OTAN (limpeza étnica e catástrofe humanitária). 23

Assim chegamos a nossa questão central: visto a comprovação da prática de


genocídio, poderia a OTAN intervir na Iugoslávia? Para responder a essa pergunta
teremos que nos deter nos textos jurídicos internacionais pertinentes. 24

Segundo a Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio:

Art. 1º. As Partes Contratantes confirmam que o genocídio, quer cometido em


tempo de paz, quer em tempo de guerra, é um crime contra o Direito Internacional,
que elas se comprometem a prevenir e punir.

21
S/RES/1239 de 14 de maio de 1999, in http://www.un.org/spanish/kosovo/docs.htm .
22
Criado pela S/RES/827 de 25 de maio de 1993.
23
Mas como já mencionamos, adotamos aqui a análise que de havia um conflito e violações de
direitos humanos por parte dos dois lados: dos sérvios e dos albaneses, estes últimos principalmente
os agrupados em torno al ELK.
24
Serão tratados, conforme se segue, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio, o
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Carta das Nações Unidas.

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1º Encontro Nacional da ABRI
Segurança Internacional
A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
1
Carlos Enrique Ruiz Ferreira

O Genocídio é encarado no artigo 1º como “ato errado/inadequado” e contrário ao


Direito Internacional sendo passível de sanção. Mais além, não apenas passível de
sanção, mas a sanção é dotada da idéia e dever da obrigatoriedade. Esse
entendimento é também respaldado pela Parte III, Artigo 6º, do Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos25:

1. O direito a vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela
lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.
[...]
3. Quando a privação da vida constituir crime de genocídio, entende-se que nenhuma
disposição do presente artigo autorizará qualquer Estado Parte do presente Pacto a
eximir-se, de modo algum, do cumprimento de qualquer das obrigações que tenha
assumido em virtude das disposições da Convenção sobre a Prevenção e a Punição
do Crime de Genocídio. 26

Logo, é obrigação dos Estados signatários da Convenção assumir postura de defesa


dos direitos humanos, ou seja, agir com o fim de impedir o crime de genocídio, o que
legitimaria em última instância, e em termos legais, uma ação militar.

O que devemos buscar agora é: como deve se dar essa obrigatoriedade?

De acordo com a Convenção qualquer “Parte Contratante” pode recorrer às Nações


Unidas para que esta aja representando uma força legal internacional de
intervenção. A palavra “pode” (grifo acima) dá margem a uma dúvida: se o “pode”
recorrer às Nações Unidas também compreenderia que se não o quiser, a Parte
Contratante pode agir por si só. Vejamos o texto:

Art. 8º. Qualquer Parte Contratante pode recorrer aos órgãos competentes
das Nações Unidas a fim de que estes tomem, de acordo com a Carta das Nações
Unidas, as medidas que julguem necessárias para a prevenção e a repressão dos
atos de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no Artigo 3º.

A palavra “pode” permite subentender, interpretar, que a Parte Contratante pode ou


não recorrer as Nações Unidas. Assim, é perfeitamente cabível interpretar que uma
Parte Contratante pode agir unilateralmente (no caso de um Estado) ou
multilateralmente (no caso de mais de um Estado ou de uma Aliança) sem a
passagem do caso pela ONU.

Resumidamente:

25
Adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966, entrando em
vigor em conformidade com o Artigo 79º., no dia 23 de março de 1976.
26
RANGEL, Vicente Marotta (textos coligidos e ordenados), Direito e relações internacionais, Editora
revista dos tribunais, 1988, p.350.

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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
1
Carlos Enrique Ruiz Ferreira

1) Existe obrigatoriedade recaindo sobre signatários da Convenção do


Genocídio de prevenir e punir. Destacamos, portanto que há
obrigatoriedade de agir frente a um Genocídio em marcha. E,
2) Essa obrigatoriedade pode ou não ser intermediada pela ONU. É
possível que um Estado – ou grupo desses – ajam sem o aval da ONU.

Dentro, exclusivamente, dos marcos da Convenção do Genocídio e do Pacto sobre


Direitos Civis e Políticos, a OTAN teria respaldo legal internacional para sua ação.

Não obstante, temos ainda que considerar a Carta da ONU. Dois são os artigos
atinentes a essa nossa discussão. O primeiro é o artigo 53º. que reza que as
entidades regionais só podem praticar ações armadas, quando de uma ameaça à
paz e segurança internacionais reconhecida pela ONU e com autorização do
CSONU:

Artigo 53 1. O Conselho de Segurança utilizará, quando for o caso, tais


acordos e entidades regionais para uma ação coercitiva sob a sua própria
autoridade. Nenhuma ação coercitiva será, no entanto, levada a efeito de
conformidade com acordos ou entidades regionais sem autorização do Conselho de
Segurança, com exceção às medidas contra um Estado inimigo, como está definido
no parágrafo 2 deste artigo, que forem determinadas em conseqüência do artigo 107
ou em acordos regionais destinados a impedir a renovação de uma política agressiva
até o momento em que a organização possa, a pedido dos Governos interessados,
ser incumbida de impedir toda nova agressão por parte de tal Estado.

Dessa maneira temos um problema jurídico.

Conforme a Convenção do Genocídio e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e


Políticos podemos interpretar que a ação da OTAN possa ter sido legal. Mas, ao
mesmo tempo, temos a Carta da ONU que dispõe que: toda ação armada
empreendida contra um outro país (salvo legítima defesa) deve ter autorização do
CSONU, o que não ocorreu neste caso. Chegamos a um impasse.

Para dirimir essa questão polêmica, esse impasse, basta trazer o artigo 103º. da
Carta das Nações. Esse artigo dispõe que a Carta das Nações Unidas tem
prevalência sobre qualquer outro instrumento jurídico internacional. Vejamos:

Capítulo XVI - Disposições diversas


Artigo 103
No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas em
virtude da presente Carta as obrigações resultantes de qualquer outro acordo
internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta 27

27
MELLO, Rubens Ferreira de (textos coligidos e anotados). In Textos de Direito Internacional e de
História Diplomática de 1815 a 1949, Editor A. Coelho Branco F. 1950, Rio de Janeiro, p. 708.

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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
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Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira

O artigo 103º estabelece no direito internacional uma hierarquia de normas/leis onde


a lei suprema reside na Carta das Nações. Tal ordenamento jurídico (direito
internacional) assemelha-se neste ponto ao nosso ordenamento jurídico mais
comum e próximo: o direito interno, doméstico.

Usualmente, os Estados tem uma Constituição que prevalece sobre todas as demais
leis. As leis constitucionais são, por assim dizer, as leis supremas de uma sociedade
organizada como Estado. Quando uma lei inferior (criminal ou civil, por exemplo)
“colide” juridicamente com uma lei constitucional, a dúvida surgida (“colisão”) se
dirimirá tendo com base as leis constitucionais. Assim, uma lei inferior não pode
apenas “colidir” com uma lei constitucional. Quando temos a interpretação do juiz ou
tribunal, esta se dará sempre no sentido de que: 1) a lei inferior “atenta” contra a
ordem jurídica (com referência às leis constitucionais) e, portanto é inconstitucional,
ou; 2) a lei inferior está de acordo com os princípios e leis da constituição.

Nesse sentido podemos dizer que a Carta das Nações Unidas se assemelha à
Constituição de cada país na esfera internacional. Enquanto o ordenamento jurídico
internacional tem como suprema legis a Carta das Nações, o ordenamento jurídico
doméstico (intra-Estado) tem a Constituição. 28

Dessa maneira, o argumento do genocídio (Convenção e Pacto) invocado para


justificar a intervenção da OTAN não pode ser considerado válido, legal, tendo em
vistas os artigos 53º e 103º da Carta da ONU. Existe a prevalência da Carta sob a
Convenção e o Pacto. Mesmo assim, de acordo com o Direito Internacional, uma
eventual dúvida no que concerne à interpretação dos textos internacionais deve ser
levada ao órgão competente, diga-se: a Corte Internacional de Justiça.

Concluímos assim que a justificativa do genocídio não tem amparo legal tendo em
conta a Convenção do Genocídio, o Pacto Internacional sobre Direitos Políticos e
Civis e a Carta da ONU. Podemos dizer que os Estados membros da OTAN
deveriam na qualidade de membros da ONU, observar a Carta, principalmente nos
artigos citados (53º. e 103º.) e, pelo menos, indagar, colocar em questão, a
fundamentação e a legalidade da resolução de intervenção na Iugoslávia por parte
da OTAN.

Dada por encerrada essa parte, cumpre ainda ressaltar que a invalidade legal da
ação empreendida pela OTAN na Iugoslávia em 1999 tem também outras nuanças
no que tange propriamente ao Direito Internacional. Para citar apenas uma, que se
faz jus por sua claridade, Ferrajoli traz à baila a ilegalidade da ação frente à própria
Carta constitutiva da Aliança. Ele afirma que a Carta é clara em seus princípios de
natureza: a OTAN é uma aliança militar defensiva, de “contra-ataque”, por dizer
assim e, portanto não poderia ter realizado um ataque. Ou seja, a própria natureza e

28
Dessa forma, já que efetuamos uma comparação, pressupomos aqui que há uma diferenciação
entre o direito internacional e o direito doméstico.

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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira

estatuto jurídico da OTAN não permitem, legalmente, que ela empreenda uma ação
militar que não seja defensiva. 29

Em suma: a OTAN desrespeitou o Direito Internacional em voga, criando uma


ruptura com o alento kantiano de respeito às leis de Guerra e Paz desde o final do
bloco socialista.

IV. O segundo fator da inflexão: EUA e Europa. Em torno da


Segurança e Defesa da Europa.

Um dos pontos fundamentais da política externa estadunidense a partir da II Guerra


Mundial foi uma inserção ativa na ordem internacional e na construção de
hegemonia. Vale recordar que, conforme a herança inglesa, os estadunidenses nem
sempre perceberam que deveriam ser ativos na esfera internacional. Sempre houve,
e há ainda, aqueles que preferem uma postura de política externa mais isolacionista,
olhando mais para “dentro que para fora”. Assim, principalmente na segunda guerra
e no pós II guerra mundial que os EUA afirmam uma vocação “para fora”. Foi
quando Truman chega à presidência que a política externa estadunidense conhece
seu auge de “atividade” e “postura”. Dentro deste contexto, a Europa
geograficamente sempre foi um lugar dotado de um forte conteúdo político e
potencial e, portanto, alvo de uma preocupação central.

Os dois pontos já bastante conhecidos desse período – em termos de “presença”


estadunidense na Europa – são, obviamente, o Plano Marshall, de reconstrução
econômica da Europa, e a criação da Organização do Tratado Atlântico Norte
(OTAN), no âmbito militar.

Apesar de não existir nenhum conteúdo anti-estadunidense em quaisquer dos


acordos europeus relativos à sua progressiva união econômica (desde a
Comunidade do Carvão e do Aço) – e devemos ser prudentes ao considerar isso -
pode-se salientar que a Europa construiu, desde cedo uma alternativa à presença
dos EUA e ao Plano Marshall: sua Integração Regional. 30. Para alguns a palavra
“alternativa” pode parecer exagerada e seria mais prudente considerar a União
Européia como uma “complementarização” em termos econômicos mais do que uma
“alternativa”. Como não há espaço aqui para uma discussão desse tipo, preferimos
concluir que ao menos a União Européia é um projeto e construção feitos
exclusivamente pelos europeus, nesse sentido “independente”.

29
Obviamente isso precisa mudar, pois a OTAN não pode ficar presa na sua camisa de força jurídica.
Assim e a figura da “guerra preventiva” e outros termos e conceitos jurídico-políticos surgem para
“legitimar” ou tornar plausível o empreendimento guerreiro contemporâneo.
30
Que começou limitada, mas que gradualmente foi tomando corpo “político”.

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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira

Não obstante, com respeito à sua segurança as dimensões próprias da Europa


nunca conseguiram coexistir de forma pujante vis-à-vis à OTAN. 31. A segurança
européia, desde o advento da OTAN nunca foi independente no sentido pleno da
palavra.

Mas antes de efetuarmos com mais calma essa conclusão é preciso saber, ainda
que de modo sucinto, o que vem a ser a OTAN.

A OTAN é uma organização militar defensiva, nasce para tratar da defesa comum
entre os países membros, como se observa nos artigos 3 e 5 do Tratado:

Artigo 3º.
A fim de realizar de maneira mais efetiva os objetivos do presente Tratado, as
Partes, separadas e em conjunto, por meio de contínua e efetiva defesa própria e de
auxilio mútuo, manterão e desenvolverão a sua capacidade individual e coletiva de
resistir a ataques armados.

Artigo 5º.
As Partes acordam em que um ataque armado contra uma ou mais delas, na
Europa ou na América do Norte, será considerado ataque contra todas elas; e,
conseqüentemente, acordam em que, se tal ataque armado se verificar, cada uma
delas, no exercício de direito de defesa própria individual ou coletiva, reconhecido
pelo artigo 51 da Carta das Nações Unidas, ajudará a Parte ou as Partes assim
atacadas, empreendendo desde logo, seja individualmente seja de concerto com as
demais, a ação que for julgada necessária, inclusive o emprego da força armada,
para restaurar e manter a segurança da área do Atlântico Norte. 32

A Aliança formou-se como um mecanismo de segurança e ajuda mútua dos países


membros. No caso de algum ataque presumivelmente de algum país ou países do
bloco socialista a algum país ou países membros da OTAN, todos os demais países
da Aliança, segundo as normas expressas na sua Carta, deveriam prestar seu
auxílio, ou seja: declarar guerra ao país ou países agressores. 33

Passado algumas décadas, particularmente depois de 1989/1991, a pergunta vem à


tona: para quê a OTAN? Ora, a Guerra Fria havia terminado, assim como findava
também o Pacto de Varsóvia (a organização similar militar, do outro campo
ideológico, a “OTAN socialista” se assim podemos dizer)... Dessa forma a pergunta é
clara: Qual a razão da OTAN continuar existindo?

31
A União da Europa Ocidental (UEO), nascida em 1954, não conseguiu um papel significativo em
termos de forças bélicas e essa responsabilidade foi delegada à OTAN paulatinamente.
32
Tratado do Atlântico Norte, in MELLO, Rubens Ferreira de. Textos de direito internacional e de
história diplomática - de 1815 a 1949, José Bushatsky editor, p. 837.
33
Na data de sua fundação, a aliança era composta de 12 países da Europa ocidental e da América
do Norte. Eram eles: Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos da América, França, Islândia,
Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Reino Unido

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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
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Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira

A nova aliança: “o novo conceito estratégico”

A OTAN como que num processo de metamorfose se redefine ampliando


consideravelmente seu campo de atuação, justificando, assim, a existência da
aliança.

Vejamos duas passagens emblemáticas em que a OTAN mostra suas novas metas:

Pronto quedó claro que, si bien el fin de la guerra fría había diluido la
amenaza de una invasión militar, la inestabilidad había aumentado en ciertas
regiones de Europa (...)
En particular, debían acometerse importantes reformas internas para adaptar
las estructuras y las capacidades militares de forma que pudieran asumir nuevas
tareas tales como las operaciones de gestión de crisis y apoyo de la paz, que iban a
añadirse a la función de defensa colectiva que se debía seguir desempeñando.34

No primeiro parágrafo fica claro que a vocação “defensiva” já estava superada ou


quase superada, pois o “fim da guerra fria havia diluído a ameaça de uma invasão
militar”. Mas, no primeiro parágrafo notamos que há um novo elemento no cenário, a
“instabilidade” de regiões da Europa, lê-se, maiormente, os países do Leste
Europeu. Logo no segundo parágrafo fica claro que a Aliança deixara de ser só
defensiva para adquirir um caráter ofensivo, se fala em “adaptar estruturas e
capacidades militares” e “assumir novas tarefas”.

Na Declaração de Washington por ocasião dos 50 anos da Aliança, é expresso:

We, the heads of State and Governments of the members countries of the
North Atlantic Alliance, declare for a new century our mutual commitment to defend
our people, our territory and our liberty, founded on democracy, human rights and the
rule of law. The world has changed dramatically over the last half century, but our
values and security interests remain the same.35

A OTAN pós-guerra fria passa a atuar num campo muito mais amplo do que o
original. Duplamente mais amplo.

Em primeiro lugar, a “estabilidade” e a segurança dos países da Aliança não


significam mais sua segurança militar-territorial e são incorporados novos critérios de
segurança, tais como a defesa da democracia, os direitos humanos e o “império da
lei”. São valores que permanecem os mesmos, mas que agora se inserem no campo
de atuação da OTAN (o que não existia anteriormente).

Em segundo lugar a OTAN demonstra um interesse pela Europa como um todo e


não mais, como durante a Guerra Fria, um interesse pela defesa coletiva dos

34
OTAN, in La OTAN en el siglo XXI, http://www.nato.int, p. 6.
35
OTAN, in The Washington Declaration, Meeting of the North Atlantic Council in Washington D.C. 23
and 24 April 1999.

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Carlos Enrique Ruiz Ferreira

membros da Aliança. A Aliança ampliou sua dimensão territorial, abarcando toda


Europa, incluindo aí os países ex-comunistas do Leste Europeu. Estava dada, em
boa medida, a dissolução da tensão Leste Oeste, com a predominância do Oeste. 36
Essa nova dimensão da Aliança, com seu campo de atuação duplamente ampliado,
configura o que se denominou pela própria OTAN, o “Novo conceito estratégico”. 37

A razão de ser da OTAN mudou radicalmente. A OTAN continua com seu caráter
militar ganhando agora um caráter político. Dentro dessa nova missão, é de se
ressaltar a importância de manter a Europa no seio da organização atlântica. E
agora voltamos ao nosso segundo fator de inflexão.

Na Cumbre de Roma da Aliança, em 1991 a Identidade Européia de Segurança e


Defesa (IESD) é “enquadrada” como um dos pontos fundamentais dessa nova etapa
e com o passar dos anos vai adquirindo uma sistematicidade:

“El desarrollo de la Identidad Europea de Seguridad y Defensa dentro de la


Alianza.
El Concepto Estratégico reafirma la continuidad del desarrollo de la Identidad
Europea de Seguridad y Defensa dentro de la Alianza, sobre la base de las
decisiones adoptadas por sus Ministros de Asuntos Exteriores a partir de su reunión
de 1996 en Berlín. También establece que este proceso necesitará de una estrecha
cooperación entre la OTAN, la Unión Europea Occidental y, cuando sea necesario, la
Unión Europea.

El Concepto afirma que con este proceso todos los Aliados europeos podrán
realizar una contribución más coherente y efectiva a las misiones y actividades de la
Alianza, se reforzará la asociación transatlántica, y se ayudará a los Aliados
europeos a actuar autónomamente, cuando se precise, mediante el uso de los
dispositivos de la Alianza, en la forma que se decida por consenso en cada caso
particular, y permitiendo el uso de sus equipamientos y capacidades para
operaciones bajo dirección europea en las que la OTAN no está implicada, teniendo
en cuenta la plena participación de todos los Aliados europeos si ellos así lo
deciden.” (OTAN, 2001, p. 48)38

A chamada IESD é um dos pontos cruciais para a “nova” aliança. A IESD mantém a
segurança européia no seio da OTAN, deixando inclusive as capacidades militares

36
Cabe lembrar que a partir do Encontro de Londres, em 1990, a Aliança abre seus contatos
diplomáticos para os países da Europa oriental bem como para a URSS. Em 1992 a Albânia e
Geórgia figuram como “países cooperadores” da Aliança, num novo órgão criado chamado de
Conselho de Cooperação do Atlântico Norte. Em dezembro de 1997, a Hungria, a Polônia e a
República Tcheca são aceitos como membros da OTAN. No mesmo ano é assinado a Ata de
Fundação da OTAN-Rússia sobre Relações Mútuas, Cooperação e Segurança.
37
Também dentro do Novo conceito estratégico da Aliança está o “Desenvolvimento da identidade
européia de segurança e defesa dentro da Aliança”, o que veremos mais a frente.
38
Se me permitem, a título de parênteses, gostaria de destacar a questão-expressão “Aliados”.
Interessante notar como a linguagem permanece aquela usada no curso e no imediato posterior da II
Guerra Mundial. Um documento do pós Guerra Fria que usa esse linguajar, “Aliados”, é, pelo menos,
algo de se estranhar. Como se posiciona a Alemanha?

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(de inteligência e equipamentos bélicos) para uso exclusivo europeu, se assim for o
caso. Pretende-se assim motivar os europeus a continuarem na OTAN, acreditando
na instituição e mantendo-a viva. Mesmo sabendo que autonomia européia em sua
segurança (na OTAN) é diferente de independência européia em sua segurança39...
Cabe então perguntar: Por que essas benesses para com os europeus?

A Europa

Ao mesmo tempo em que se definia a IESD no seio da OTAN, a Europa em 1993


aprova seu novo tratado, cujo título V tratava das questões da segurança européia.
Neste caso, feita pelos próprios europeus. O nome do perigo era, e é, “Política
Externa de Segurança Comum”, também chamada PESC. 40

O artigo da PESC que nos interessa é o 2º das disposições comuns do Tratado da


UE. Tal artigo prevê que um dos objetivos da União é:

a afirmação da sua identidade na cena internacional, nomeadamente através


da execução de uma política externa e de segurança comum, que inclua a definição
gradual de uma política de defesa comum, que poderá conduzir a uma defesa
comum (...) 41

Assim temos em síntese na letra da constituição:

a) uma Identidade européia +


b) política externa e segurança comum (coletiva) +
c) exclusivamente feita pelos europeus.

39
Por curioso que seja não há dicionário de Bobbio definições de autonomia e independência. O
dicionário Houaiss tampouco demonstra uma precisão sobre os conceitos de modo a diferenciá-los
com rigor. A única pista que podemos acatar do Houaiss está na definição “Administrativa” da
Autonomia (visto que a “independência” é citada várias vezes em sua definição como “autonomia”).
Eis a definição: 1.3 ADM direito de se administrar livremente, dentro de uma organização mais vasta,
regida por um poder central. Ora, a diferenciação que podemos fazer aqui a título de improviso é que
em última instância o “grupo”, “organização” ou “pessoa/as” (o sujeito está oculto na frase) não é
independente, pois ele não se configura como a organização que detêm o poder central. Ao mesmo
tempo em que ele é “livre” para se “administrar” ele está dentro de uma lógica organizacional maior.
Assim, podemos pensar que a estrutura hoje da OTAN permite que o “grupo europeu” possa se
administrar (pensar e agir, com os recursos disponíveis da Aliança) autonomamente, mas, em última
instância é ainda parte, portanto “dependente” da organização maior, a estrutura da OTAN composta
por todos seus membros.
40
Vejamos, no artigo 11º são definidos os cinco principais objetivos da PESC:
• A salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais da União.
• O reforço da segurança da União.
• A manutenção da paz e o reforço da segurança internacional.
• O fomento da cooperação internacional.
• O reforço da democracia e do Estado de Direito, bem como o respeito dos direitos do
Homem.
41
www.int.ue.org

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Não há muitas dúvidas sobre o “perigo” da PESC para a OTAN, no artigo da PESC
abre-se a possibilidade da criação de uma “defesa comum”, que, em outras
palavras, bem poderia ser uma força armada européia. A defesa comum é, segundo
os manuais clássicos de Ciência Política, uma necessidade da Política Externa e de
Segurança de um Estado. 42. Para nós é uma apreciação lógica entender que a
execução e a confiabilidade internacional de uma Política Externa de um ente
político deva ter como respaldo forças armadas razoáveis.

Mas vejamos, afinal qual é o atual estado da PESC e como os principais países se
situam com relação a ela.

Segundo estudo de Pereira que versa também sobre as diversas posições dos
países europeus sobre a PESC, a Inglaterra, com seu “eurocetiscismo”43 sempre se
mostrou contra a PESC substituir a OTAN.

A França, nos idos da configuração do Tratado de 1992 se mostrou vacilante. Não


queria uma PESC “forte” devido a uma presença francesa efetiva e tradicional no
cenário internacional, seja em termos militares (nuclear principalmente) seja em seu
assento no CSONU (posição internacional efetiva e reconhecida), além do
tradicional respeito aos interesses nacionais franceses. Ao mesmo tempo, seguindo
a linha gaulista, gostaria que a PESC substituísse a OTAN.

A Alemanha por sua vez era (e é) a grande entusiasta da idéia. Por ser uma
potência européia a Alemanha teria muito a ganhar em uma PESC efetiva, visto que
teria um peso considerável nesta. Além disso, a Alemanha sempre jogou do lado
“comunitário” ou “supranacional”, foi ela uma das grandes forças atuantes para a
criação e posta em circulação da moeda européia, o “euro” (tendo o Banco Central
Europeu em seu solo).

A saída encontrada, para esse dilema, foi uma PESC intergovernamental, baseada
nos três pilares de sustentação da União Européia criada pelos franceses44 e com
apoio dos britânicos. Nesse sentido, a PESC não é direito comunitário (onde os
Estados cedem Soberania na chamada Europa Econômica), mas sim
intergovernamental (Europa Política). Dessa forma, mantêm-se a prerrogativa de
veto do Estado-soberano. Ou seja, a decisão última nessa matéria, segue
dependendo do acordo de todos os Estados da União.
42
Como se deu em todos Estados-nação modernos com exceção da Suíça e Costa Rica, pelo que
temos conhecimento.
43
Vale a pena mencionar que desde o Congresso de Viena observamos essa postura do Reino
Unido. É notório que quando o sistema de congressos denotava uma possibilidade de “governo”
(exagerando) ou de acordos em matérias sensíveis como Guerra, Paz, distribuição de territórios,
normativas de caráter internacional, o reino Unido retira-se – do sistema de congressos europeus –
participando apenas como observador.
44
O Tratado de 1992/3 prevê a estrutura orgânica baseada em três pilares. O primeiro pilar é o das
comunidades européias (Comunidade Européia do Carvão e do Aço, Comunidade Européia e
Comunidade Européia de Energia Atômica), o segundo pilar da política externa e segurança comum e
o terceiro pilar que se refere à cooperação da justiça e dos negócios internos.

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Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Por mais polêmicas e problemas que possam existir sobre a PESC e a percepção e
desejo dos Estados pela mesma, a PESC é letra de lei e sua efetivação por parte da
União Européia pode colocar em risco a OTAN. Logo, colocar em risco a facilidade
que os EUA têm em “estarem” em solo europeu. Esse “estar” se traduz facilmente na
possibilidade da inteligência estadunidense obter informações dos países europeus
e países próximos, bem como dos EUA utilizarem as bases da OTAN como
plataforma de ataque para eventuais guerras travadas por esse país (para citar dois
exemplos que saltam aos olhos).

Assim, consideramos que uma PESC efetiva é um risco aos EUA e pode fazer
mudar o Equilíbrio de Poder internacional. Como?

Desde o Congresso de Viena ficou claro que para manter o status quo em um
determinado sistema é preciso contrabalançar o Poder existente entre os Estados.
Assim, o equilíbrio de poder baseia-se na lógica dos “pesos e contra-pesos”.
Segundo Kissinger, o equilíbrio de poder se traduz em que:

Los más fuertes tratarían de dominar, y los más débiles intentarían resistir
formando coaliciones que aumentaran sus fuerzas individuales. Si la coalición era lo
bastante poderosa para contener el agresor, de ahí surgía un equilibrio de poder; en
caso contrario, un país alcanzaría la hegemonía (KISSINGER, 1995, p. 62)

Dessa forma, é necessário perguntarmos como se portará a Europa no que tange à


sua política externa e de segurança? Qual será a relação disso com a OTAN? Há
uma tendência européia, no mundo ocidental ou internacional, de contrabalançar o
Poder dos EUA, seguindo a lógica do equilíbrio de poder? A PESC efetiva e o fim da
OTAN podem representar isso?

É Obviamente plausível pensar que teremos outra configuração de Poder no


cenário internacional se existir uma PESC efetiva e, mais além, uma defesa comum
européia. Não obstante, não há nenhum vestígio mais contundente de que a Europa
assim o pretenda.

É sabido que sem a presença da Inglaterra, uma Política Externa de Segurança e


Defesa Comuns da Europa não faz sentido nenhum e, esse país mantém uma
postura histórica de:
1) se retirar da mesa quando se pensa ou se propõe um “governo europeu”, uma
“supra-nacionalidade governamental”, “transcendência da soberania” ou qualquer
outra expressão que possibilite a derrogação de prerrogativas soberanas históricas
e,
2) aliados dos EUA (o filho querido).

Para além das considerações geopolíticas, que tratamos apenas de apontar,


devemos voltar para nossa idéia de que os EUA querem a continuidade da OTAN.
Logo, é possível pensar que o ataque à Iugoslávia tinha como uma de suas

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1º Encontro Nacional da ABRI
Segurança Internacional
A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira

motivações exatamente manter a segurança européia no seio da OTAN? Ou será


que a motivação-maior foi realmente aquela que apareceu nas declarações e
documentos oficiais?

Com respeito à segunda pergunta, parece claro. Alinhamo-nos com um dos grandes
defensores dos EUA e seus interesses, Henry Kissinger que não acreditou nas
motivações humanitárias da OTAN, como se lê num artigo da época:

O mais convincente é que o sofrimento em Kosovo é tão ofensivo para nossa


sensibilidade moral que usaremos a força para pôr fim nele, mesmo sem as
tradicionais considerações de interesse nacional. Mas desde que isso deixe em
aberto a questão do pôr que não intervir na África Oriental, Sri Lanka, Curdistão,
Caxemira e Afeganistão - para mencionar apenas uns poucos lugares onde
infinitamente mais vítimas têm incorrido do que em Kosovo. 45

Ou como nos sublinha MORAES, também num artigo escrito na época dos
bombardeios:

São necessários, com efeito, tesouros de ingenuidade, ou da mais espessa


hipocrisia, para pretender levar a sério as motivações humanitárias da máquina de
guerra posta em movimentos pela OTAN, cujos principais integrantes, (...) têm todos
péssimos antecedentes em matéria de respeito à integridade territorial e aos direitos
dos povos à autodeterminação. (MORAES, 1999, p.24)

Segue ele mais adiante:

(...) como compreender, conforme observou um jornalista de Le Monde


Diplomatique que as duas principais armas utilizadas na destruição da Iugoslávia sob
pretexto de impedir a “limpeza étnica” foram os mísseis “Tomahawk” e os
helicópteros “Apache”, nomes de duas tribos “pele-vermelha” exterminados pelos
estadunidenses no século XIX? Cinismo, estultice, mas sobretudo arrogância sem
limites. (MORAES, 1999, p. 27)

Parece que os autores retratam bem a doutrina de Schmitt que é conveniente aqui
sublinhar:

Quando um Estado luta contra seu inimigo em nome da humanidade, não se


trata de uma guerra da humanidade e sim de uma guerra para qual um determinado
Estado procura ocupar um conceito universal frente ao seu inimigo (...).
‘Humanidade’ é um instrumento ideológico, especialmente útil, das expansões
imperialistas (...) (SCHMITT, 1992, p. 81).

Enfim, aqueles que tenham tido um pouco mais de paciência e prudência na análise
de tal caso foram buscar outras justificativas além das oficiais. Uma delas, que
destacamos aqui é exatamente a manobra dos EUA de manterem a segurança

45
Henry Kissinger, ex-secretário de Estado dos EUA, Ferindo a história, internet no “Arquivo Kosovo”
do O Estado de São Paulo (02/04)

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Segurança Internacional
A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira

européia dentro do seio da OTAN, impedindo assim sua independência a partir da


PESC.

Há autores que destacam outros interesses tais como: a necessidade da OTAN em


demonstrar que deve existir – pois essa nunca havia empreendido uma ação militar
desde sua criação; os eternos interesses da indústria bélica; o controle por parte dos
países capitalistas (liderados pelos EUA) do Leste Europeu, retificando para a
Rússia “quem realmente manda no mundo” (é de se ressaltar que a Sérvia é uma
eterna aliada da Rússia, lutando em várias guerras junto a ela)46; chegando até à
guerra para apaziguar os ânimos internos dos EUA anti-Clinton pelo escândalo
“Lewinsky”.

V. Considerações finais

Dessa forma é que os Estados Unidos da América “mataram dois coelhos numa
cajadada só”, como se diz no adágio popular. A feliz expressão quer dizer que em
um ato só logra-se dois feitos positivos para o autor do ato. A expressão traz a idéia
de que a cajadada (esse ato) trouxe mais do que o esperado, que é normalmente
alcançar um objetivo “matar um coelho”. Não obstante consegue-se “matar dois
coelhos”, em um ato têm-se duas conseqüências favoráveis.

Assim, segundo nossa análise os EUA em um ato só, de empreender como OTAN a
intervenção militar na Iugoslávia conseguiu matar pelo menos esses dois coelhos
que aqui procuramos esmiuçar: o Direito Internacional / ONU (que expusemos a
partir da questão do genocídio) e a segurança européia independente.

No caso do primeiro “coelho”, o desrespeito ao Direito Internacional em voga e


legitimado pelos seus atores (a quantidade indubitavelmente relevante de 188
países signatários) torna sugestiva uma série de reflexões.

Trouxemos anteriormente a idéia do precedente que aqui devemos expor um pouco


mais. A idéia que sustentamos é que a OTAN gerou um precedente, abriu as portas,
para as conseqüentes intervenções no Afeganistão e no Iraque. Nas palavras de
LOSURDO:

Após a guerra do Golfo, assistimos agora, no mundo reconfigurado depois da


dissolução do “campo socialista”, à segunda grande guerra colonial. Se a primeira
faz referência à necessidade de defender a legalidade internacional, a segunda vê a
OTAN proclamar seu direito de intervenção hoje na Sérvia e amanhã em qualquer
canto do mundo. (LOSURDO, 1999, p.9)

46
Além de serem oriundos dos povos eslavos, os servos e russos tem em comum a religião (pelo
menos aqueles que a professam) cristã ortodoxa e lutaram nas duas grandes guerras lado a lado.

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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Ora, será que essa ação configurou um precedente jurídico? Em termos positivos de
direito doméstico não poderíamos fazer essa afirmação dado que um precedente
normalmente é dotado de caráter jurisprudencial e, logo, passa por um tribunal e
juiz. Não foi o caso. Mas tampouco o direito internacional é o direito doméstico.
Podemos pensar que por mais que tenhamos um código jurídico, uma normativa
coerente e legitimada (o que nos dá um caráter positivo) no direito internacional...
Também existe a importância dos costumes dos Estados, uma importância no
cenário internacional de commom law por assim dizer, onde os Estados observam o
comportamento dos outros Estados e entendem esses comportamentos como parte
de um “Direito Internacional” no sentido amplo, ou, se preferirmos, comportamentos
dotados de “legitimidade”.

É nesse sentido que podemos corroborar com a análise de que a intervenção de


Kosovo abriu um precedente nas relações internacionais e, assim no Direito
Internacional. Se olharmos a partir da lógica formalista não podemos dizer que
houve um precedente jurídico, mas, se olharmos para o direito internacional
enquanto uma construção e que dá aos costumes (comportamento dos Estados)
uma importância razoável, então podemos usar a expressão “precedente de direito”
ou “precedente jurídico” 47.

Em outras palavras, na efetivação de um ato (como foi a intervenção) contrário ao


Direito Internacional no cenário internacional, automaticamente abre-se a
possibilidade de que isso se repita como algo “normal”, como um exemplo de
possibilidade de ação. Cabe lembrar mais uma vez que no período pós Guerra Fria,
que tem seu início em 1989/1991, a intervenção da OTAN na Iugoslávia foi o
primeiro ato desrespeitando a Carta das Nações Unidas. Isso vale dizer, abriu as
portas para a continuidade desses atos, colocando a marca de atos ilegais como
“atos normais” e “atos necessários”, desacreditando, portanto o ordenamento
jurídico internacional.

A outra reflexão que podemos fazer é de cunho realista48 visto que a intervenção da
OTAN revela, mais uma vez, um cenário de Anarquia Internacional, onde cada ator
ou grupo de atores (alianças) se comporta(m) através da irrevogável Soberania em
detrimento do Direito Internacional. O problema é que nessa lógica, o dilema da
segurança proposto por Herz continua preocupante. Se for realmente a Soberania e
a lógica do acúmulo de forças/poder o que prevalece... Então o quê fazer com os
países (ou grupos) que têm recursos e passam a se armar ferozmente (com
possibilidades de obtenção de armas de destruição de massa)?

Uma outra reflexão possível, que Hobsbawn salienta em suas entrevistas


compiladas no livro “O novo século” diz respeito à zona de indiferença que a “guerra
47
Entendendo o jurídico no sentido mais amplo do termo, como sua dimensão de construção
histórica.
48
Mas também idealista ou liberalista, pois muitos autores dessa vertente também fazem um
diagnóstico de Anarquia Internacional, mas, ao contraio dos realistas, aqueles acreditam na
possibilidade de mudança, evolução, para um estado de “Ordem”, por assim dizer.

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Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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da Iugoslávia” criou entre “conflitos internos” e “conflitos internacionais”. Em suas


palavras:

(...) a verdadeira questão é se a guerra em Kosovo era legítima de acordo


com as regras passadas. A resposta é negativa. As antigas regras de guerra e paz,
que faziam distinção entre os conflitos internos e os internacionais, já não se aplicam
mais, e não parece nem um pouco provável que isto venha a mudar no futuro
próximo. (HOBSBAWN, 2005, p 17)

Em outra passagem ele ressalta que essa indistinção entre um conflito interno e
internacional tende a desaparecer e que “isto significa que a distância entre a guerra
e a paz, entre o estado de guerra e o estado de paz, também diminuiu”.
(HOBSBAWN, 2005, p 16).

Uma última reflexão que também surgiu à época da intervenção e que permeia a
série de questionamentos que os estudiosos de relações internacionais trazem em
sua bagagem de mão, é sobre a estrutura da ONU. Mais uma vez: será que a
estrutura da ONU, dotando o Conselho de Segurança das decisões mais
importantes no que se refere à Guerra e Paz, é justa? Ou em termos mais
pragmáticos, será que a estrutura da ONU é viável para fazer valer os princípios da
Carta das Nações?

Com respeito ao segundo fator que destacamos, sobre a continuidade da


dependência da segurança européia em relação à OTAN, seria prudente salientar
aqui as considerações do Vice Almirante português Rodrigues que, de certa forma,
sintetiza uma série de apreciações:

O caminho não vai ser fácil; ainda permanecem duas grandes divergências
internas a obstruir a progressão: a divergência entre a visão de uma Europa mais
intergovernamental do que supranacional – a Europa Económica – ou uma outra
Europa disposta a partilhar mais áreas de soberania, designadamente no âmbito da
política externa e de defesa – a Europa Política; a divergência sobre a questão
transatlântica, na forma de relacionamento político da União com os EUA, entre a
versão de aliado incondicional e a versão de constituição de um pólo mundial
alternativo de poder. (RODRIGUES, 2007)

Para nós não há dúvida que uma das motivações da OTAN atacar a Iugoslávia,
além das justificativas oficiais e outras não-oficiais, foi para manter a segurança
européia no seio da OTAN, fazendo com que o aparelho militar dos EUA tenha
acesso facilitado à informações militares européias e que tropas estadunidenses
estejam e utilizem as bases da OTAN em solo europeu.

Além disso, é possível pensar, como vimos anteriormente, que uma PESC ativa
poderia redundar em criação de forças armadas européias desequilibrando o status
quo da segurança internacional (e, portanto do equilíbrio de poder). Surgiria um
outro pólo de poder em termos militares? Enfim... são essas algumas das questões

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que esperamos poder ter analisado e contribuído para o entendimento das relações
internacionais contemporâneas.

A partir desse artigo procuramos contribuir para a análise de que há um mundo pré e
pós-Kosovo e que esse episódio (muitas vezes esquecido pelo furor do 11 de
setembro) foi um alarme nas relações internacionais. Hobsbawn aponta que a
intervenção em Kosovo foi o fato divisor dos séculos XX e XXI, ou seja: a
intervenção inaugurou o século XXI. Procuramos destacar aqui a dimensão do
desrespeito ao direito internacional e a questão da segurança européia dependente
como fatores que contribuem a essa análise.

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Carlos Enrique Ruiz Ferreira

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Campinas, 2005

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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
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