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Segurança Internacional
A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
1
Carlos Enrique Ruiz Ferreira
Resumo
Abstract
This article intends to show that the NATO military intervention in Yugoslavia in 1999
(Serbs versus Albanians in Kosovo) figures as a point of inflection for International
Relations after Cold War. Two factors underlying the intervention are highlighted to
prove this point of view: the issue of international law and the issue of European
security.
Palavras-chave
Key words
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1º Encontro Nacional da ABRI
Segurança Internacional
A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira
I. Introdução
Pretendo destacar neste texto que a intervenção militar da Organização do Tratado
Atlântico Norte (OTAN) na Iugoslávia em 1999 (caso Kosovo: sérvios versus
albaneses) foi um ponto de inflexão nas Relações Internacionais no pós Guerra Fria.
Neste texto, porém, proponho-me a examinar dois fatores específicos que apontam
nessa direção.
O primeiro fator, mais em voga e tratado à época por vários analistas é exatamente
o ato inaugural, em termos de intervenção militar, do desrespeito ao Direito
Internacional, representado pela ONU e sua órbita legal, dentro do período pós
Guerra Fria. A intervenção da OTAN foi o primeiro litígio envolvendo forças armadas
nacionais em que a ONU não teve atuação dentro desse período. A ONU não agiu e
ao mesmo tempo foi solapada em seus princípios, abrindo assim a figura (jurídica?)
do precedente.
Assim, a partir da análise desses dois fatores, defendo que a intervenção da OTAN
configurou um ponto de inflexão no cenário internacional pós Guerra Fria necessário
para compreender as relações internacionais contemporâneas.
1
Outras questões jurídicas foram tratadas em minha dissertação de mestrado e, como aponto, a
questão do genocídio é a mais complicada e de maior controvérsia para julgarmos se a ação da
OTAN foi ou não legal.
2
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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
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Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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legalizou/permitiu uma intervenção militar no Iraque. Dessa forma, foi a ONU que
tomou dianteira no processo de resolução de conflitos no cenário internacional.
Anos depois, em 1992/5, a ONU mais uma vez destaca seu papel de zeladora da
paz e reguladora dos conflitos internacionais. Agora, os capacetes azuis5 entram em
ação nos conflitos ocasionados com a fragmentação da Iugoslávia, mais
propriamente no conflito assustador que teve lugar na Bósnia-Hezergovina. Em 1993
a Operação da ONU no Somália II tem respaldo do CSONU para estabelecer, com
uso de medidas coercitivas se for o caso, a segurança da prestação de serviços
humanitários.
Não obstante, isso é rompido em 1999 com o “episódio” Kosovo. Sempre como
parâmetro a ONU, como representante do direito internacional, o Kosovo foi o
primeiro conflito internacional onde uma série de Estados (OTAN) abandonaram o
Direito Internacional e a ordem há pouco estabelecida. Abrira-se assim um perigoso
precedente no período. Esse precedente configurou uma abertura para a existência
de outras ações dos Estados que seguem a mesma lógica, senão jurídica, prática de
fazer guerra “cuando se dá la gana” (numa feliz expressão castelhana). Esse
precedente pode ser visto como uma ajuda a um entendimento de “razoabilidade”
(construída pela prática e não pelo direito)7 das intervenções militares que se
seguiram a Kosovo: Afeganistão e Iraque, ambos casos “resolvidos” sem o
consentimento do órgão internacional legitimo para resolver os litígios
internacionais8.
Dentro dessa perspectiva, vamos nos debruçar sobre dois fatores que julgamos
importantes para corroborar a tese de que há um mundo “pré e pós-Kosovo”.
4
Usei a palavra “invadiu” pois Kwait se configurava como um Estado-Soberano, ainda que, sabemos,
a relação entre Iraque-Kwait é tanto mais complicada, sendo que o próprio Kwait já foi domínio ou
pertencente ao Iraque antes da II Guerra Mundial.
5
Os capacetes azuis se configuram como “forças de manutenção de paz”. As operações de
Manutenção da Paz incluem “(...) a prevenção, contenção e extinção de hostilidades num estado,
através da intervenção de uma terceira parte, que é organizada e dirigida internacionalmente, com a
utilização de meios e capacidades multinacionais tais como soldados, policiamento e civis no sentido
de manter a paz” (Schechter in Klare, 1994).
6
Devemos lembrar que a ONU em 1994 se omitiu no caso Ruanda. Caso este admitido recentemente
pelo Secretário Geral da ONU Koffi Annan como um dos piores erros de sua administração.
7
Exploraremos o tema do precedente como prática e/ou direito mais adiante.
8
Salvo caso, previsto na Carta das Nações Unidas, de legítima defesa.
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O princípio fundamental do direito internacional, como direito universal que deve valer em si
e por si entre os Estados, à diferença do conteúdo particular dos tratados positivos, é que os
tratados, enquanto sobre eles repousam as obrigações dos Estados uns para com os
9
Política Externa de Segurança Comum (Tratado da União Européia de 1992/3)
10
BOBBIO, Norberto, Os problemas da guerra e as vias da paz, Editora UNESP, 2002, p. 123.
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outros, devem ser respeitados. Mas porque as relações entre eles têm por princípio a sua
soberania, eles estão uns para com os outros, nessa medida, no estado de natureza, e os
seus direitos têm a sua realidade efetiva não numa vontade universal constituída em poder
acima deles, mas na sua vontade particular. Aquela determinação universal permanece, por
isso, no dever-ser, e a situação torna-se uma alternância entre as relações conforme aos
tratados e a supressão dessas relações.
G.W.F. Hegel11
A mais contundente justificativa legal adotada pela OTAN para intervir na Iugoslávia
é o imperativo, de impedir através do meio conveniente e eficaz a violação dos
direitos humanos, em especial o genocídio. Justificativa essa respaldada por uma
Convenção Internacional.
11. Atrocities against the people of Kosovo by FRY military, police and
paramilitary forces represent a flagrant violation of international law. Our governments
will co-operate with the International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia
(ICTY) to support investigation of all those, including at the highest levels, responsible
for war crimes and crimes against humanity. (…).
11
HEGEL, G.W.F, Linhas fundamentais do direito ou direito natural e ciência do Estado em
compêndio, Terceira parte “A Eticidade,” Terceira seção “O Estado”, Unicamp, 1998, p. 139
12
Segundo POWER, Samantha em seu livro Genocídio – a retórica americana em questão, o debate
originou-se, principalmente, no Escritório de Análise de Crimes de Guerra do Departamento de
Estado (criado em 1996 por Madeleine Albright).
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Genocídio é uma palavra que deriva do grego genos, que significa raça, espécie,
gênero, e da palavra latina caedere, que significa matar. Significa, portanto,
literalmente, assassinato de raça, espécie e/ou gênero. O termo foi inventado por um
judeu, militante do direito internacional. Na verdade, ele lutava por uma lei
internacional que condenasse a prática de genocídio, desde a década de 30. Em
seu primeiro livro, (Axis Rule) Lemkim definiu genocídio do seguinte modo:
13
Devido a sua militância e à perfeição do significado do termo, a palavra Genocídio foi
paulatinamente incorporada no Direito Internacional. Foi pela primeira vez utilizada em Nuremberg
(onde Lemkim também estava propagando suas teses e termo) e cristalizada pelo Direito através da
Convenção para a Prevenção e a Repressão do Genocídio de 1948 (Lemkim também transitava pela
ONU e foi consultor – a pedido do secretário geral da ONU – da comissão encarregada da criação
desta lei).
14
Dentre vários outros países, assinaram: Estados Unidos da América, URSS, Brasil, Iugoslávia e
Grã Bretanha.
15
MELLO, Rubens Ferreira de (textos coligidos e anotados). In Textos de Direito Internacional e de
História Diplomática de 1815 a 1949, Editor A. Coelho Branco F. 1950, Rio de Janeiro, p. 832-833.
16
Segundo POWER, Samantha (obra citada) foram mortos aproximadamente 6 milhões de judeus e
5 milhões de poloneses, ciganos, comunistas e outros.
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A situação em Kosovo não é tão simples como a mídia e a OTAN nos apresentaram
(apesar de algumas diferenças entre si, essas foram às versões divulgadas para “o
grande número”). Como esse não é nosso objeto central, mas tampouco podemos
nos furtar dessa questão, busquemos uma síntese:
1) Kosovo é solo sagrado sérvio devido à batalha de 1389 que ali ocorreu e que
culmina na vitória do Império Turco Otomano sobre os sérvios (com a morte dos dois
chefes que comandavam a batalha de ambos lados).
2) Em grande parte os albaneses aderiram à religião muçulmana e tiveram uma
relação privilegiada com os turcos-otomanos o que inicia uma rivalidade com os
sérvios. Os turcos-otomanos dominaram a região de Kosovo (e o reino sérvio) do
século XIV até o século XIX.
3) É somente na II Guerra Mundial que os albaneses passam a ser maioria
populacional na região de Kosovo. Isso por que a Itália de Mussolini, com a ajuda
dos alemães, ocupa a Albânia e incorpora Kosovo à “Grande Albânia”.
4) O “período Tito” manteve o Kosovo pacífico devido, entre outras coisas, aos
mecanismos políticos da federação que permitiam um balanço e alternância de
poder, assim como uma progressiva autonomia para as províncias de Kosovo e
Vojvodina.
5) Durante o período Milosevic o Kosovo experimentou tempos de violência.
Milosevic retoma um nacionalismo sérvio aliado a um desejo de não fragmentação
da Iugoslávia (que já estava solapada pelos conflitos da Eslovênia, Croácia em
1992/3 e da Bósnia Hezergovina 1993/4) ao mesmo tempo em que o Exército de
Libertação de Kosovo (ELK) também recrudescera suas metas e atitudes.
6) o ELK e o exército iugoslavo e forças paramilitares sérvias começaram uma
escalada de terror com “erros” (abusos de direitos humanos) de todo lado.
Não obstante não há como desconsiderar que as forças paramilitares sérvias, com
uma supremacia militar inquestionável, praticaram o genocídio. O que não legitima,
é claro, uma intervenção da OTAN. Mas segundo nossa análise o que aconteceu em
Kosovo configurava-se como um genocídio.
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Sobre esse tema cumpre destacar os trabalhos de Hanna Arendt, Michel Foucault e mais
recentemente Giorgio Agamben.
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Apesar de que muitos, com razão, questionam a idoneidade daquele que declarou
que Racak18 fora um crime contra a humanidade (o general Willliam Walker)... O
general era chefe da missão de verificação da OSCE e representava um órgão
legítimo, com apoio e reconhecimento da ONU (S/RES/855), cuja missão era
observar as condições de violência e/ou guerra na região. Mesmo se
desconsiderássemos a declaração do general Willian Walker19 - representante da
OSCE e ao mesmo tempo envolvido em episódios macabros na América Latina
durante a guerra fria – teríamos ainda que nos deparar com a posição do Conselho
de Segurança da ONU que, em sua resolução 1199 (S/RES/1199) de 23 de
setembro de 1998, diz:
(…)
Profundamente preocupado por el rápido deterioro de la situación humanitaria
en todo Kosovo, alarmado por la inminente catástrofe humanitaria que se describe en
el informe de Secretario General y poniendo en relieve la necesidad de impedir que
eso ocurra,
Profundamente preocupado también por los informes de violaciones cada vez
más frecuentes de los derechos humanos y del derecho humanitario internacional
(…)20
18
A história se deu da seguinte maneira: no dia 15 de janeiro de 1999 foram encontrados 45
albaneses assassinados em Racak (uma região em Kosovo). No dia posterior o general
estadunidense William Walker (chefe dos observadores da Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa - OSCE) declara à comunidade internacional que o episódio de Racak fora
um massacre dos sérvios contra os albaneses, um “crime contra a humanidade”.
19
Segundo Chomsky (2002) e Del Valle (2001), entre outros, Willian Walker não era uma pessoa
idônea, tinha diretas ligações com a CIA: fora responsável por diversos assassinatos e atos de terror
em El Salvador no final dos anos 80; ajudou os contra na Nicarágua sandinista; entre outras ações,
principalmente na América Latina. Para esses autores, o episódio Racak é sem sombra de dúvida
algo nebuloso e questionável, pelo menos considerando o que a mídia apresentou. O repórter
Renaud Girard do jornal francês Le Figaro comenta que: “Lo que sorprende es que los serbios han
invitado a la prensa a seguir su operación. (…) Está claro que Racak era un pueblo fortificado. No
todos los hombres eran combatientes, pero por prudencia habían desalojado a sus familias. El pueblo
fue primero atacado por la parte alta, al alba. Las tropas especiales serbias cayeron por sorpresa
sobre una trinchera y mataron a nueve soldados de la UCK. Ésta lo reconoció y los enterró
oficialmente. En seguida hacia las 9 de la mañana, la policía entró en el pueblo, la mayoría de los
hombres huyeron para encontrarse con sus compañeros que vigilaban el alto. Y fue allí donde fueron
abatidos. Entre ellos había viejos, vestidos de paisano y que no podían calificarse como
combatientes. Associated Press vio a la policía serbia descender de allí, con los brazos cargados de
armas confiscadas. Yo pienso que es cierto. ? Pero es posible que al mismo tiempo también hubieran
matado a civiles? La OSCE se mostró muy confusa. No habían estado lo bastante cerca de los
combates, lo que significaba una falta de valentía y una grave carencia. En resumen, para mí persiste
un misterio: ?qué pasó exactamente allí arriba? La única cosa segura es que los serbios no tienen
nada que ocultar e invitan a los periodistas el viernes. ?Por que? !A pesar de todo, tampoco son tan
tontos! (GIRARD apud COLLON, 2000, p. 27)
20
S/RES/1999 de 23 de setembro de 1998, in http://www.un.org/spanish/kosovo/docs.htm .
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acerca das questões humanitárias no Kosovo. Esta resolução não usa mais uma
“iminente catástrofe humanitária”, mas já apregoa sua existência. Vejamos no texto:
(...)
Expresando su grave preocupación por la catástrofe humanitaria que tiene
lugar en Kosovo (República Federativa de Yugoslavia) y zonas adyacentes de
resultas de la crisis permanente, (…)21
Outro fato que corrobora a tese de que houve uma prática de genocídio contra os
albanokosovares foi a inclusão, respaldada por resolução do CSONU, da Sérvia e
Kosovo como regiões possíveis a indiciamento por parte do Tribunal Penal
Internacional para a Iugoslávia22 (TPII) que julga crimes contra a humanidade e de
genocídio. De fato, dentro os vários indiciamentos de Milosevic e outros sérvios,
constam o crime de genocídio, cumplicidade com prática de genocídio, deportação,
assassinato, tortura, extermínio e uma larga lista de outros crimes.
21
S/RES/1239 de 14 de maio de 1999, in http://www.un.org/spanish/kosovo/docs.htm .
22
Criado pela S/RES/827 de 25 de maio de 1993.
23
Mas como já mencionamos, adotamos aqui a análise que de havia um conflito e violações de
direitos humanos por parte dos dois lados: dos sérvios e dos albaneses, estes últimos principalmente
os agrupados em torno al ELK.
24
Serão tratados, conforme se segue, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio, o
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Carta das Nações Unidas.
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1. O direito a vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela
lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.
[...]
3. Quando a privação da vida constituir crime de genocídio, entende-se que nenhuma
disposição do presente artigo autorizará qualquer Estado Parte do presente Pacto a
eximir-se, de modo algum, do cumprimento de qualquer das obrigações que tenha
assumido em virtude das disposições da Convenção sobre a Prevenção e a Punição
do Crime de Genocídio. 26
Art. 8º. Qualquer Parte Contratante pode recorrer aos órgãos competentes
das Nações Unidas a fim de que estes tomem, de acordo com a Carta das Nações
Unidas, as medidas que julguem necessárias para a prevenção e a repressão dos
atos de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no Artigo 3º.
Resumidamente:
25
Adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966, entrando em
vigor em conformidade com o Artigo 79º., no dia 23 de março de 1976.
26
RANGEL, Vicente Marotta (textos coligidos e ordenados), Direito e relações internacionais, Editora
revista dos tribunais, 1988, p.350.
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Não obstante, temos ainda que considerar a Carta da ONU. Dois são os artigos
atinentes a essa nossa discussão. O primeiro é o artigo 53º. que reza que as
entidades regionais só podem praticar ações armadas, quando de uma ameaça à
paz e segurança internacionais reconhecida pela ONU e com autorização do
CSONU:
Para dirimir essa questão polêmica, esse impasse, basta trazer o artigo 103º. da
Carta das Nações. Esse artigo dispõe que a Carta das Nações Unidas tem
prevalência sobre qualquer outro instrumento jurídico internacional. Vejamos:
27
MELLO, Rubens Ferreira de (textos coligidos e anotados). In Textos de Direito Internacional e de
História Diplomática de 1815 a 1949, Editor A. Coelho Branco F. 1950, Rio de Janeiro, p. 708.
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Usualmente, os Estados tem uma Constituição que prevalece sobre todas as demais
leis. As leis constitucionais são, por assim dizer, as leis supremas de uma sociedade
organizada como Estado. Quando uma lei inferior (criminal ou civil, por exemplo)
“colide” juridicamente com uma lei constitucional, a dúvida surgida (“colisão”) se
dirimirá tendo com base as leis constitucionais. Assim, uma lei inferior não pode
apenas “colidir” com uma lei constitucional. Quando temos a interpretação do juiz ou
tribunal, esta se dará sempre no sentido de que: 1) a lei inferior “atenta” contra a
ordem jurídica (com referência às leis constitucionais) e, portanto é inconstitucional,
ou; 2) a lei inferior está de acordo com os princípios e leis da constituição.
Nesse sentido podemos dizer que a Carta das Nações Unidas se assemelha à
Constituição de cada país na esfera internacional. Enquanto o ordenamento jurídico
internacional tem como suprema legis a Carta das Nações, o ordenamento jurídico
doméstico (intra-Estado) tem a Constituição. 28
Concluímos assim que a justificativa do genocídio não tem amparo legal tendo em
conta a Convenção do Genocídio, o Pacto Internacional sobre Direitos Políticos e
Civis e a Carta da ONU. Podemos dizer que os Estados membros da OTAN
deveriam na qualidade de membros da ONU, observar a Carta, principalmente nos
artigos citados (53º. e 103º.) e, pelo menos, indagar, colocar em questão, a
fundamentação e a legalidade da resolução de intervenção na Iugoslávia por parte
da OTAN.
Dada por encerrada essa parte, cumpre ainda ressaltar que a invalidade legal da
ação empreendida pela OTAN na Iugoslávia em 1999 tem também outras nuanças
no que tange propriamente ao Direito Internacional. Para citar apenas uma, que se
faz jus por sua claridade, Ferrajoli traz à baila a ilegalidade da ação frente à própria
Carta constitutiva da Aliança. Ele afirma que a Carta é clara em seus princípios de
natureza: a OTAN é uma aliança militar defensiva, de “contra-ataque”, por dizer
assim e, portanto não poderia ter realizado um ataque. Ou seja, a própria natureza e
28
Dessa forma, já que efetuamos uma comparação, pressupomos aqui que há uma diferenciação
entre o direito internacional e o direito doméstico.
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estatuto jurídico da OTAN não permitem, legalmente, que ela empreenda uma ação
militar que não seja defensiva. 29
29
Obviamente isso precisa mudar, pois a OTAN não pode ficar presa na sua camisa de força jurídica.
Assim e a figura da “guerra preventiva” e outros termos e conceitos jurídico-políticos surgem para
“legitimar” ou tornar plausível o empreendimento guerreiro contemporâneo.
30
Que começou limitada, mas que gradualmente foi tomando corpo “político”.
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Mas antes de efetuarmos com mais calma essa conclusão é preciso saber, ainda
que de modo sucinto, o que vem a ser a OTAN.
A OTAN é uma organização militar defensiva, nasce para tratar da defesa comum
entre os países membros, como se observa nos artigos 3 e 5 do Tratado:
Artigo 3º.
A fim de realizar de maneira mais efetiva os objetivos do presente Tratado, as
Partes, separadas e em conjunto, por meio de contínua e efetiva defesa própria e de
auxilio mútuo, manterão e desenvolverão a sua capacidade individual e coletiva de
resistir a ataques armados.
Artigo 5º.
As Partes acordam em que um ataque armado contra uma ou mais delas, na
Europa ou na América do Norte, será considerado ataque contra todas elas; e,
conseqüentemente, acordam em que, se tal ataque armado se verificar, cada uma
delas, no exercício de direito de defesa própria individual ou coletiva, reconhecido
pelo artigo 51 da Carta das Nações Unidas, ajudará a Parte ou as Partes assim
atacadas, empreendendo desde logo, seja individualmente seja de concerto com as
demais, a ação que for julgada necessária, inclusive o emprego da força armada,
para restaurar e manter a segurança da área do Atlântico Norte. 32
31
A União da Europa Ocidental (UEO), nascida em 1954, não conseguiu um papel significativo em
termos de forças bélicas e essa responsabilidade foi delegada à OTAN paulatinamente.
32
Tratado do Atlântico Norte, in MELLO, Rubens Ferreira de. Textos de direito internacional e de
história diplomática - de 1815 a 1949, José Bushatsky editor, p. 837.
33
Na data de sua fundação, a aliança era composta de 12 países da Europa ocidental e da América
do Norte. Eram eles: Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos da América, França, Islândia,
Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Reino Unido
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Vejamos duas passagens emblemáticas em que a OTAN mostra suas novas metas:
Pronto quedó claro que, si bien el fin de la guerra fría había diluido la
amenaza de una invasión militar, la inestabilidad había aumentado en ciertas
regiones de Europa (...)
En particular, debían acometerse importantes reformas internas para adaptar
las estructuras y las capacidades militares de forma que pudieran asumir nuevas
tareas tales como las operaciones de gestión de crisis y apoyo de la paz, que iban a
añadirse a la función de defensa colectiva que se debía seguir desempeñando.34
We, the heads of State and Governments of the members countries of the
North Atlantic Alliance, declare for a new century our mutual commitment to defend
our people, our territory and our liberty, founded on democracy, human rights and the
rule of law. The world has changed dramatically over the last half century, but our
values and security interests remain the same.35
A OTAN pós-guerra fria passa a atuar num campo muito mais amplo do que o
original. Duplamente mais amplo.
34
OTAN, in La OTAN en el siglo XXI, http://www.nato.int, p. 6.
35
OTAN, in The Washington Declaration, Meeting of the North Atlantic Council in Washington D.C. 23
and 24 April 1999.
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A razão de ser da OTAN mudou radicalmente. A OTAN continua com seu caráter
militar ganhando agora um caráter político. Dentro dessa nova missão, é de se
ressaltar a importância de manter a Europa no seio da organização atlântica. E
agora voltamos ao nosso segundo fator de inflexão.
El Concepto afirma que con este proceso todos los Aliados europeos podrán
realizar una contribución más coherente y efectiva a las misiones y actividades de la
Alianza, se reforzará la asociación transatlántica, y se ayudará a los Aliados
europeos a actuar autónomamente, cuando se precise, mediante el uso de los
dispositivos de la Alianza, en la forma que se decida por consenso en cada caso
particular, y permitiendo el uso de sus equipamientos y capacidades para
operaciones bajo dirección europea en las que la OTAN no está implicada, teniendo
en cuenta la plena participación de todos los Aliados europeos si ellos así lo
deciden.” (OTAN, 2001, p. 48)38
A chamada IESD é um dos pontos cruciais para a “nova” aliança. A IESD mantém a
segurança européia no seio da OTAN, deixando inclusive as capacidades militares
36
Cabe lembrar que a partir do Encontro de Londres, em 1990, a Aliança abre seus contatos
diplomáticos para os países da Europa oriental bem como para a URSS. Em 1992 a Albânia e
Geórgia figuram como “países cooperadores” da Aliança, num novo órgão criado chamado de
Conselho de Cooperação do Atlântico Norte. Em dezembro de 1997, a Hungria, a Polônia e a
República Tcheca são aceitos como membros da OTAN. No mesmo ano é assinado a Ata de
Fundação da OTAN-Rússia sobre Relações Mútuas, Cooperação e Segurança.
37
Também dentro do Novo conceito estratégico da Aliança está o “Desenvolvimento da identidade
européia de segurança e defesa dentro da Aliança”, o que veremos mais a frente.
38
Se me permitem, a título de parênteses, gostaria de destacar a questão-expressão “Aliados”.
Interessante notar como a linguagem permanece aquela usada no curso e no imediato posterior da II
Guerra Mundial. Um documento do pós Guerra Fria que usa esse linguajar, “Aliados”, é, pelo menos,
algo de se estranhar. Como se posiciona a Alemanha?
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1º Encontro Nacional da ABRI
Segurança Internacional
A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira
(de inteligência e equipamentos bélicos) para uso exclusivo europeu, se assim for o
caso. Pretende-se assim motivar os europeus a continuarem na OTAN, acreditando
na instituição e mantendo-a viva. Mesmo sabendo que autonomia européia em sua
segurança (na OTAN) é diferente de independência européia em sua segurança39...
Cabe então perguntar: Por que essas benesses para com os europeus?
A Europa
39
Por curioso que seja não há dicionário de Bobbio definições de autonomia e independência. O
dicionário Houaiss tampouco demonstra uma precisão sobre os conceitos de modo a diferenciá-los
com rigor. A única pista que podemos acatar do Houaiss está na definição “Administrativa” da
Autonomia (visto que a “independência” é citada várias vezes em sua definição como “autonomia”).
Eis a definição: 1.3 ADM direito de se administrar livremente, dentro de uma organização mais vasta,
regida por um poder central. Ora, a diferenciação que podemos fazer aqui a título de improviso é que
em última instância o “grupo”, “organização” ou “pessoa/as” (o sujeito está oculto na frase) não é
independente, pois ele não se configura como a organização que detêm o poder central. Ao mesmo
tempo em que ele é “livre” para se “administrar” ele está dentro de uma lógica organizacional maior.
Assim, podemos pensar que a estrutura hoje da OTAN permite que o “grupo europeu” possa se
administrar (pensar e agir, com os recursos disponíveis da Aliança) autonomamente, mas, em última
instância é ainda parte, portanto “dependente” da organização maior, a estrutura da OTAN composta
por todos seus membros.
40
Vejamos, no artigo 11º são definidos os cinco principais objetivos da PESC:
• A salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais da União.
• O reforço da segurança da União.
• A manutenção da paz e o reforço da segurança internacional.
• O fomento da cooperação internacional.
• O reforço da democracia e do Estado de Direito, bem como o respeito dos direitos do
Homem.
41
www.int.ue.org
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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Não há muitas dúvidas sobre o “perigo” da PESC para a OTAN, no artigo da PESC
abre-se a possibilidade da criação de uma “defesa comum”, que, em outras
palavras, bem poderia ser uma força armada européia. A defesa comum é, segundo
os manuais clássicos de Ciência Política, uma necessidade da Política Externa e de
Segurança de um Estado. 42. Para nós é uma apreciação lógica entender que a
execução e a confiabilidade internacional de uma Política Externa de um ente
político deva ter como respaldo forças armadas razoáveis.
Mas vejamos, afinal qual é o atual estado da PESC e como os principais países se
situam com relação a ela.
Segundo estudo de Pereira que versa também sobre as diversas posições dos
países europeus sobre a PESC, a Inglaterra, com seu “eurocetiscismo”43 sempre se
mostrou contra a PESC substituir a OTAN.
A Alemanha por sua vez era (e é) a grande entusiasta da idéia. Por ser uma
potência européia a Alemanha teria muito a ganhar em uma PESC efetiva, visto que
teria um peso considerável nesta. Além disso, a Alemanha sempre jogou do lado
“comunitário” ou “supranacional”, foi ela uma das grandes forças atuantes para a
criação e posta em circulação da moeda européia, o “euro” (tendo o Banco Central
Europeu em seu solo).
A saída encontrada, para esse dilema, foi uma PESC intergovernamental, baseada
nos três pilares de sustentação da União Européia criada pelos franceses44 e com
apoio dos britânicos. Nesse sentido, a PESC não é direito comunitário (onde os
Estados cedem Soberania na chamada Europa Econômica), mas sim
intergovernamental (Europa Política). Dessa forma, mantêm-se a prerrogativa de
veto do Estado-soberano. Ou seja, a decisão última nessa matéria, segue
dependendo do acordo de todos os Estados da União.
42
Como se deu em todos Estados-nação modernos com exceção da Suíça e Costa Rica, pelo que
temos conhecimento.
43
Vale a pena mencionar que desde o Congresso de Viena observamos essa postura do Reino
Unido. É notório que quando o sistema de congressos denotava uma possibilidade de “governo”
(exagerando) ou de acordos em matérias sensíveis como Guerra, Paz, distribuição de territórios,
normativas de caráter internacional, o reino Unido retira-se – do sistema de congressos europeus –
participando apenas como observador.
44
O Tratado de 1992/3 prevê a estrutura orgânica baseada em três pilares. O primeiro pilar é o das
comunidades européias (Comunidade Européia do Carvão e do Aço, Comunidade Européia e
Comunidade Européia de Energia Atômica), o segundo pilar da política externa e segurança comum e
o terceiro pilar que se refere à cooperação da justiça e dos negócios internos.
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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Por mais polêmicas e problemas que possam existir sobre a PESC e a percepção e
desejo dos Estados pela mesma, a PESC é letra de lei e sua efetivação por parte da
União Européia pode colocar em risco a OTAN. Logo, colocar em risco a facilidade
que os EUA têm em “estarem” em solo europeu. Esse “estar” se traduz facilmente na
possibilidade da inteligência estadunidense obter informações dos países europeus
e países próximos, bem como dos EUA utilizarem as bases da OTAN como
plataforma de ataque para eventuais guerras travadas por esse país (para citar dois
exemplos que saltam aos olhos).
Assim, consideramos que uma PESC efetiva é um risco aos EUA e pode fazer
mudar o Equilíbrio de Poder internacional. Como?
Desde o Congresso de Viena ficou claro que para manter o status quo em um
determinado sistema é preciso contrabalançar o Poder existente entre os Estados.
Assim, o equilíbrio de poder baseia-se na lógica dos “pesos e contra-pesos”.
Segundo Kissinger, o equilíbrio de poder se traduz em que:
Los más fuertes tratarían de dominar, y los más débiles intentarían resistir
formando coaliciones que aumentaran sus fuerzas individuales. Si la coalición era lo
bastante poderosa para contener el agresor, de ahí surgía un equilibrio de poder; en
caso contrario, un país alcanzaría la hegemonía (KISSINGER, 1995, p. 62)
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Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira
Com respeito à segunda pergunta, parece claro. Alinhamo-nos com um dos grandes
defensores dos EUA e seus interesses, Henry Kissinger que não acreditou nas
motivações humanitárias da OTAN, como se lê num artigo da época:
Ou como nos sublinha MORAES, também num artigo escrito na época dos
bombardeios:
Parece que os autores retratam bem a doutrina de Schmitt que é conveniente aqui
sublinhar:
Enfim, aqueles que tenham tido um pouco mais de paciência e prudência na análise
de tal caso foram buscar outras justificativas além das oficiais. Uma delas, que
destacamos aqui é exatamente a manobra dos EUA de manterem a segurança
45
Henry Kissinger, ex-secretário de Estado dos EUA, Ferindo a história, internet no “Arquivo Kosovo”
do O Estado de São Paulo (02/04)
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Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira
V. Considerações finais
Dessa forma é que os Estados Unidos da América “mataram dois coelhos numa
cajadada só”, como se diz no adágio popular. A feliz expressão quer dizer que em
um ato só logra-se dois feitos positivos para o autor do ato. A expressão traz a idéia
de que a cajadada (esse ato) trouxe mais do que o esperado, que é normalmente
alcançar um objetivo “matar um coelho”. Não obstante consegue-se “matar dois
coelhos”, em um ato têm-se duas conseqüências favoráveis.
Assim, segundo nossa análise os EUA em um ato só, de empreender como OTAN a
intervenção militar na Iugoslávia conseguiu matar pelo menos esses dois coelhos
que aqui procuramos esmiuçar: o Direito Internacional / ONU (que expusemos a
partir da questão do genocídio) e a segurança européia independente.
46
Além de serem oriundos dos povos eslavos, os servos e russos tem em comum a religião (pelo
menos aqueles que a professam) cristã ortodoxa e lutaram nas duas grandes guerras lado a lado.
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Internacionais pós Guerra Fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao Direito
Internacional e o soterramento de uma segurança européia independente.
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira
Ora, será que essa ação configurou um precedente jurídico? Em termos positivos de
direito doméstico não poderíamos fazer essa afirmação dado que um precedente
normalmente é dotado de caráter jurisprudencial e, logo, passa por um tribunal e
juiz. Não foi o caso. Mas tampouco o direito internacional é o direito doméstico.
Podemos pensar que por mais que tenhamos um código jurídico, uma normativa
coerente e legitimada (o que nos dá um caráter positivo) no direito internacional...
Também existe a importância dos costumes dos Estados, uma importância no
cenário internacional de commom law por assim dizer, onde os Estados observam o
comportamento dos outros Estados e entendem esses comportamentos como parte
de um “Direito Internacional” no sentido amplo, ou, se preferirmos, comportamentos
dotados de “legitimidade”.
A outra reflexão que podemos fazer é de cunho realista48 visto que a intervenção da
OTAN revela, mais uma vez, um cenário de Anarquia Internacional, onde cada ator
ou grupo de atores (alianças) se comporta(m) através da irrevogável Soberania em
detrimento do Direito Internacional. O problema é que nessa lógica, o dilema da
segurança proposto por Herz continua preocupante. Se for realmente a Soberania e
a lógica do acúmulo de forças/poder o que prevalece... Então o quê fazer com os
países (ou grupos) que têm recursos e passam a se armar ferozmente (com
possibilidades de obtenção de armas de destruição de massa)?
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Em outra passagem ele ressalta que essa indistinção entre um conflito interno e
internacional tende a desaparecer e que “isto significa que a distância entre a guerra
e a paz, entre o estado de guerra e o estado de paz, também diminuiu”.
(HOBSBAWN, 2005, p 16).
Uma última reflexão que também surgiu à época da intervenção e que permeia a
série de questionamentos que os estudiosos de relações internacionais trazem em
sua bagagem de mão, é sobre a estrutura da ONU. Mais uma vez: será que a
estrutura da ONU, dotando o Conselho de Segurança das decisões mais
importantes no que se refere à Guerra e Paz, é justa? Ou em termos mais
pragmáticos, será que a estrutura da ONU é viável para fazer valer os princípios da
Carta das Nações?
O caminho não vai ser fácil; ainda permanecem duas grandes divergências
internas a obstruir a progressão: a divergência entre a visão de uma Europa mais
intergovernamental do que supranacional – a Europa Económica – ou uma outra
Europa disposta a partilhar mais áreas de soberania, designadamente no âmbito da
política externa e de defesa – a Europa Política; a divergência sobre a questão
transatlântica, na forma de relacionamento político da União com os EUA, entre a
versão de aliado incondicional e a versão de constituição de um pólo mundial
alternativo de poder. (RODRIGUES, 2007)
Para nós não há dúvida que uma das motivações da OTAN atacar a Iugoslávia,
além das justificativas oficiais e outras não-oficiais, foi para manter a segurança
européia no seio da OTAN, fazendo com que o aparelho militar dos EUA tenha
acesso facilitado à informações militares européias e que tropas estadunidenses
estejam e utilizem as bases da OTAN em solo europeu.
Além disso, é possível pensar, como vimos anteriormente, que uma PESC ativa
poderia redundar em criação de forças armadas européias desequilibrando o status
quo da segurança internacional (e, portanto do equilíbrio de poder). Surgiria um
outro pólo de poder em termos militares? Enfim... são essas algumas das questões
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que esperamos poder ter analisado e contribuído para o entendimento das relações
internacionais contemporâneas.
A partir desse artigo procuramos contribuir para a análise de que há um mundo pré e
pós-Kosovo e que esse episódio (muitas vezes esquecido pelo furor do 11 de
setembro) foi um alarme nas relações internacionais. Hobsbawn aponta que a
intervenção em Kosovo foi o fato divisor dos séculos XX e XXI, ou seja: a
intervenção inaugurou o século XXI. Procuramos destacar aqui a dimensão do
desrespeito ao direito internacional e a questão da segurança européia dependente
como fatores que contribuem a essa análise.
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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
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Referencias Bibliográficas:
HERZ, John. Idealist Internationalism and the Security Dilemma, World Politics. n.2,
1950.
HOBSBAWN, Eric. O novo século. Companhia das Letras, São Paulo, 2005.
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A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das Relações
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Carlos Enrique Ruiz Ferreira
SCHMITT, Carl. O conceito do político. Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1992, p. 81.
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