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NOTA PRÉVIA
Caros companheiros,
O presente material de apoio é fruto de uma súmula de apontamentos das aulas ministradas
pelo Professor Eugénio Salesso, em Direitos Reais, no ano lectivo 2022/2023. À medida que formos
avançando na matéria, procuraremos, obviamente, actualizar os conteúdos deste material.
Ao longo dos apontamentos, sempre que não fizermos referencia ao diploma, é ao Código
Civil que nos estaremos a referir.
Contamos com o apoio de todos na melhoria destes apontamentos modestos, mas nossos.
Atenciosamente,
Para definirmos «Direitos Reais», a doutrina socorre-se à TGDC, tomando por base,
essencialmente, 4 características1 (não unânime), a citar:
RUI PINTO DUARTE apresenta uma noção numa perspectiva sociológica, segundo a qual,
as normas compreendidas nos direitos reais tratam essencialmente da apropriação privada dos bens, dos modos
desta apropriação e do exercício de poderes sobre os bens apropriados.
1
Note-se que estas características não são absolutas, i.e, não são aceites por toda a doutrina.
2
Oponível contra todos.
Neste ponto, diferencia-se a oponibilidade geral, da oponibilidade relativa, característica do Direito das Obrigações.
3
Susceptibilidade de avaliação pecuniária.
4
A coisa corpórea é aquela que se revela aos sentidos (a coisa deve ser certa e determinada). Embora deva-se aludir
que parte da doutrina estende os dtos reais a outros objectos para além das coisas corpóreas.
Os direitos reais não têm uma parte geral, mas a principal regulamentação aparece no livro
III com a epígrafe “Direito das Coisas”. Porém, sucede que este livro trata a questão da POSSE e dos
DIREITOS REAIS DE GOZO.
As outras questões de Direitos Reais são encontradas no livro II do CC, que é o livro da
OBRIGAÇÕES, onde encontramos os DIREITOS REAIS DE GARANTIA. Assim é, porque as
garantias servem suporte para a satisfação, de modo especial, de determinados direitos de crédito.
Dentre eles, encontramos:
Temos, ainda, os DIREITOS REAIS DE AQUISIÇÃO que surgem, quer no livro III, quer no livro
II, a citar:
LEGISLAÇÃO AVULSA:
1. Servidões administrativas;
2. Concessão de bens do domínio público5;
3. Impostos sobre propriedade;
4. Restituição de Direitos por normas de Direito Público;
5. Por uma questão de especialidade, as normas/institutos do direito comercial, como: penhor
mercantil, privilégios creditórios mercantis e hipotecas mercantis.
III. NOTA GERAL SOBRE A DISCIPLINA
Segundo o Professor OLIVEIRA DE ASCENSÃO, a palavra reais deriva de res, rei, que
significa coisa. Logo, há manifestas afinidades entre as expressões «Direito das Coisas» e «Direitos
Reais». No entanto, acrescenta que “nenhuma das expressões «direitos reais» ou «direito das coisas», é rigorosa,
tendo ambas um sentido meramente convencional, sedimentado pelo uso corrente.”
5
O legislador qualifica a terra como que estando sob o domínio privado do Estado.
No entanto, a maior parte da doutrina converge quando reserva a expressão «direitos das
coisas» para identificar o ramo de direito que se ocupa dos direitos reais subjectivos.
O tratamento por DIREITO REAIS ou DIREITO DAS COISAS, para RUI PINTO
DUARTE, não se reduz a menos do que a uma sensibilidade estética, pois «reais» significa «relativo a coisas»,
pese embora certos autores procurem fixas diferenças entre as 2 expressões.7
6
A expressão «direito das coisas» pode apresentar-se, portanto, sugestiva na identificação de um ramo de direito
como divisão do Direito Civil que estabelece o regime de direitos que se referem de um modo particular a coisas. Em
função disso, sempre se poderia inferir que tal expressão deveria ser unicamente reservada e por isso recomendável
para identificar esse ramo do Direito se ela não se mostrasse absolutamente ajustada para designar de preferência o
regime jurídico das coisas em si mesmo consideradas, independentemente da natureza dos direitos subjectivos que
as têm por objecto. Nesta acepção, «direitos reais» é sinónimo de «direito das coisas».
7
Exemplos destes são MENEZES CORDEIRO, OLIVEIRA DE ASCENSÃO e CARVALHO FERNANDES. O primeiro escreveu
que o direito das coisas é o ramo do Direito Civil que disciplina o aproveitamento das coisas corpóreas, sendo o seu
núcleo constituído pelo regime dos direitos reais.
Os últimos, embora sem daí retirarem consequências para a sua terminologia que adoptam, sustentam que a
expressão «Direito das Coisas» parece mais adequada à designação do conjunto das normas jurídicas que estabelecem
o regime das coisas, em si mesmas consideradas, independentemente da natureza dos direitos subjectivos que as têm
Primeiro importa demarcar os direitos reais da categoria dos direitos subjectivos creditórios,
com que mantém relevantes relações. Até porque os direitos reais são direitos sobre uma coisa e os
direitos de crédito são o direito à prestação a efectuar pelo devedor que pode consistir num dare,
faccere e non facere.
por objecto. Nas palavras de OLIVEIRA DE ASCENSÃO “parece mais adequada para designar aquele conjunto de regras
que traçam o estatuto jurídico das coisas, digamos assim, e que tem o seu assento principal nos arts. 202.º e ss.”
Conforme se depreende dos Arts. 413.º, 421.º e 1305.º, consiste no facto de serem
oponível a terceiros, ou seja, erga omnes. O mesmo não acontece nos direitos de crédito,
habitualmente integrados na categoria de direitos relativos, por contraposição àqueles.
Os direitos reais são absolutos e de exclusão, dado que, o titular pode opô-los a terceiros,
impedindo-os de interferir na coisa. Aqui temos a obrigação passiva universal – dever geral
de abstenção – traduzida no dever que recai sobre as restantes pessoas de não perturbarem
o exercício dos titulares dos direitos absolutos.
Pelo contrário, os direitos de crédito são relativos, produzem efeitos inter partes (Art.
406.º/2).
Um dos corolários da eficácia absoluta está no facto de o titular do direito ter o direito de
sequela, isto é, a possibilidade de o proprietário do direito real poder perseguir a coisa
onde quer que ela esteja e fazer valer o seu direito, reivindicando-a, por meio de uma acção
de reivindicação.
b. PREVALÊNCIA OU PREFERÊNCIA
O Direito real primeiro constituído prevalece sobre todos os direitos reais de aquisição
posterior “prior in tempore, potior in jure.”
8
Por exemplo: os Direitos de autor, propriedade industrial, etc.
EXCEPÇÕES:
c. INERÊNCIA9
O Direito Real esta fortemente ligado a coisa, não pode ser desligado. Se a coisa em
que se tem o Direito real desaparece, o direito real também desaparece.
9
Pode ser encontrada noutros autores como uma característica autónoma.
TPC’s.
R: A hipoteca enquanto garantia real incide sobre coisas móveis, imóveis ou equiparadas.
R: Nos diz MARQUES DE OLIVEIRA que os direitos reais de gozo são aqueles que conferem ao
seu titular o poder de utilizar total ou parcialmente uma coisa e, por vezes, também o de se apropriar dos frutos
que essa coisa produz. Isto nos permite concluir que o conteúdo essencial dos direitos reais de gozo é
composto por um conjunto de poderes em relação a uma coisa e que acessoriamente podem ainda
integrar certas expectativas (Art. 1538.º/1), faculdade (Art. 1444.º/1), poderes creditórios (Art.
1350.º) ou potestativos (Art. 1530.º). Os poderes em relação à coisa podem ser:
10
Traduz-se na utilização, total ou parcial, de uma determinada coisa.
11
Consiste no aproveitamento de tudo o que uma determinada coisa produz periodicamente sem prejuízo da sua
substância (Art. 212.º/2).
Nos direitos reais de gozo, a oponibilidade resulta das acções reais12, como a acção de
Reivindicação13 (Art. 1311.º - 1315.º).
Nos diz o Professor MARQUES DE OLIVEIRA que a eficácia erga omnes dos direitos reais
se explicita, por um lado, na atribuição ao seu titular de os poder exercer em face de todos os seus
consociados, e por outro lado, na imposição a estes mesmos consociados no dever geral de abstenção,
isto é, na necessidade de respeitarem o direito que em face destes se apresenta. Os direitos reais são
assim e empregando uma fórmula latina «excludendi omnes alios14».
12
Podem ser utilizadas para a defesa do direito independentemente da demonstração da irregularidade da aquisição
por parte do possuidor ou detentor.
13
Esta é, por excelência, a verdadeira acção real.
14
O que quer dizer, em latim, com exclusão de todos os outros (direitos), embora a absolutidade não seja uma
característica exclusiva dos direitos reais, visto que existem direitos como os de personalidade que também
comungam desta característica, não obstante ela assumir uma nota particular nos direitos reais por razões ligadas ao
seu próprio objecto. Pois vejamos, tratando-se de uma coisa sempre certa e determinada, o carácter absoluto dos
direitos reais projecta-se na característica da inerência que por seu turno se desenvolve noutras características, a
sequela e a preferência. Cfr.
jurídica, independentemente de qualquer relação particular. Por isso, são válidos erga omnes – no
sentido de que podem ser feitos valer potencialmente contra qualquer um. A relação surge
acessoriamente na vida destes direitos, mas não é constitutiva deles.
R: Não tem. A, proprietário, só tem de demonstrar a sua propriedade, e tanto lhe basta para
exigir a entrega da coisa (Art. 1311.º). Este direito baseia-se em razões absolutas; não em qualquer
vínculo que atingisse especificamente o detentor, diferentemente de qualquer outra pessoa. No que
concerne ao detentor, basta o mero facto da detenção para que surja a obrigação de restituir.
Por isso, se o detentor objectar que adquiriu a coisa por acto oneroso, que estava de boa fé
ou qualquer outra circunstância respeitante à sua relação com anteriores possuidores da coisa, o
proprietário responderá olimpicamente: «Não estou para discutir. Provei a minha propriedade. É quanto
me basta para que a coisa me deva ser restituída.»
OLIVEIRA DE ASCENSÃO entende que a função dos direitos reais é a de garantir a suporte
substancial das coisas às pessoas permitindo-lhes beneficiar da utilização daquelas. Propiciar a uma
pessoa vantagens derivadas de uma coisa é, assim, a finalidade do Direito Real.
De acordo com RUI PINTO, todo o direito serve objectivos práticos e os direitos reais têm a
função de permitir a atribuição de coisas aos sujeitos. Os bens podem ser atribuídos para serem
aproveitados materialmente, em garantia de um crédito ou para reservar uma posição para aquisição
de direito sobre esses bens ou outros. Na verdade, esta passagem é que dá lugar ao próximo título,
que teremos oportunidade de abordar logo a seguir.
Nos direitos reais de aquisição a função dos direitos reais é propiciar a possibilidade
aos seus titulares de, em certas circunstâncias, adquirirem uma coisa determinada com
preferência sobre terceiros.
Vimos, no primeiro estádio da matéria que é possível definir os direitos reais pela sua
natureza privada, pelo seu carácter absoluto, pela sua patrimonialidade e por o seu objecto constituir
em coisas corpóreas. Porém, isto não basta, ainda, para transmitir a noção de direito real, visto que
15
Por exemplo, como poderá utilizar o titular do direito de propriedade e o seu direito? Quem é o proprietário? O que
é o direito de propriedade? É, mais ou menos, isto.
16
Por exemplo, o proprietário retira a utilidade da coisa pelo uso ou pelos frutos que o direito de propriedade lhe pode
conferir. Ele pode usar habitando na casa ou arrendando (in casu, é o fruto que o seu direito de propriedade lhe
confere).
Portanto, a questão de partida quando surge este tema é a seguinte: O QUE É, AFINAL
DECONTAS, UM DIREITO REAL?
Para responder a esta questão, vamos começar por fazer uma incursão histórica e acabaremos
por compreender, perscrutando, que as primeiras noções de direitos reais, aliás como é a regra nos
temas civilísticos, vão procurar os autores nos antecedentes romanos, e veem naquele ordenamento
a distinção existente entre a actio in rem (acção em matéria17/coisa) e a actio in personam (acção em
pessoa) como fundamento da distinção entre direitos reais e obrigacionais.18
Assim, pode-se, claramente, inferir que as noções lançadas pelos romanos influenciaram as
posteriores formulações que posteriormente viriam a culminar na concepção dogmática moderna
que se tem da categoria dos direitos reais.
/CLÁSSICA / SUBJECTIVA dos direitos reais. Os juristas desse período buscaram dar explicações
acerca da natureza da posição substantiva que estaria subjacente à actio in rem romana. A teoria
realista parte da compreensão dos direitos reais como poderes directos e imediatos19 da pessoa sobre a coisa. Vale
dizer que no poder directo significa que o titular exerce sobre a coisa a sua posição de domínio ou de senhorio
sobre a coisa independentemente da cooperação de terceiros. Já no poder imediato, significa que ao titular do direito
são atribuídas faculdades de aproveitar as utilidades da coisa, sem necessidade de colaboração de terceiros,
conforme se vislumbra nos direitos de crédito.
17
Matéria é tudo aquilo que tem massa e volume. É composta por moléculas e átomos unidos e ordenados de
diferentes formas, o que garante diferentes propriedades específicas. Também há as propriedades gerais, que são
aquelas que se aplicam a todo tipo de matéria. Disponível em:
https://mundoeducacao.uol.com.br/quimica/materia.htm. Acessado a 21 de Março de 2023, às 23:16.
18
Cfr. FERREIRA, Henry G. C. B. (2019). Reflexões sobre o Conceito de Direitos Reais: lançando o olhar sobre um ramo
em crise, in Res Severa Verum Gaudium, p. 106.
19
Isto significa a faculdade, atribuída ao titular do direito, de aproveitamento das utilidades da coisa, sem
necessidadeda colaboração de outrem.
Para a doutrina realista, o direito real significa o poder da pessoa sobre a coisa, numa relação que se estabelece
diretamente e sem intermediário, enquanto que o direito de crédito requer sempre a interposição de um
sujeito passivo, devedor da prestação, independentemente de consistir esta na entrega de uma coisa,
na realização de um fato, ou numa abstenção.20 Segundo LUIS FERNANDES, esse poder e umas vezes
entendido como um poder material e outras vezes como um poder jurídico.
De modo ainda mais simples, segundo MIGUEL JACINTO SANANA, diríamos que não faz
sentido pensar deste jeito, visto que os direitos reais, como todos os direitos subjectivos, envolvem
uma relação entre pessoas, não com uma coisa. Por esta razão, diz o Professor OLIVEIRA DE
ASCENSAO, que os direitos reais são absolutos, inerentes a uma coisa e funcionalmente dirigidos à afectação desta aos
interesses dos sujeitos. Logo, esta tese é criticada, uma vez que o titular do direito real participa no
aproveitamento da coisa para realização dos interesses dele.21
Compreende-se, imediatamente, que para esta doutrina, somente se pode falar de direitos
reais a partir do desenvolvimento da noção de direito subjetivo. Afinal, os direitos reais nada mais
são do que uma espécie daqueles. Se tivéssemos de ser, de algum modo rigorosos, a própria teoria
realista, portanto, tendo em vista não se fundar em uma compreensão estruturada de direito
subjetivo, não se prestaria a justificar propriamente o que hoje se entende por “direitos reais”.22
Esta teoria desprezava o conceito de relação jurídica tal como hoje se caracteriza com todos
20
Apud FERREIRA, Henry G. C. B. (2019). Ob. Cit., p. 106.
21
Infelizmente, esta concepção realça a posição da coisa como objecto do direito, deixando transparecer a ideia da
existência de relação entre o titular do direito e a coisa, porém os direitos reais, como o que respeita a todos os direitos
subjectivos, envolvem uma relação entre pessoas e não com coisas ou com uma coisa certa e determinada.
22
Ibidem, p. 107.
23
KANT formulou ele próprio uma doutrina do direito na qual elabora uma noção de direito subjetivo como faculdade
de obrigar – mediante coerção – lastreada na noção do direito como forma de coexistência dos arbítrios. No entanto,
o conceito de direito subjetivo que se introduziu e que se consagrou como clássico no âmbito jurídico não foi o
diretamente proposto por KANT, mas sim o que foi formulado posteriormente pelos juristas pandectistas –
nomeadamente WINDSCHEID – com base em sua filosofia da autonomia moral da pessoa. É a formulação de
WINDSCHEID que é exposta nas obras introdutórias de Teoria Geral do Direito e de Direito Civil como a teoria
pioneira a buscar explicitar o conceito de direito subjetivo. A semelhança das formulações e a inspiração kantiana
da construção pandectista é, no entanto, inegável, não sendo exagero afirmar que Kant seria o verdadeiro precursor
da noção de direito subjetivo.
A partir do desenvolvimento desse conceito, foi possível elaborar uma definição de direito real mais consistente. O
responsável pela crítica à teoria realista e por lançar as bases do que viria a se tornar a teoria personalista é ninguém
menos do que o próprio Kant. O autor, em sua obra Elementos Metafísicos da Doutrina do Direito (1853) - Trata-se
daprimeira parte da Metafísica dos Costumes escrita pelo filósofo alemão - , expõe que “a definição ordinária do
direitosobre uma coisa (jus reale, jus in re), a saber ‘o direito contra todos os possuidores desta coisa,’ é uma boa
definição do nome” e então indaga, desafiando a posição realista com o seguinte:
Mas o que é que faz eu poder reivindicar uma coisa exterior em relação a qualquer um que seja o
detentor e o constranger (per vindicationem) a me reestabelecer na posse? Esta relação jurídica
exterior seria uma relação imediata do meu arbítrio [no sentido de vontade] a uma coisa corporal?
No entanto, partindo-se do pressuposto que lhe parece incontornável de que a todo direito corresponde uma
obrigação, o filósofo conclui que, nesta situação, se estabeleceria uma relação jurídica entre pessoa e coisa, estando
a própria coisa obrigada em relação ao titular de direito real sobre ela. Portanto, para KANT, “é absurdo conceber a
obrigação de uma pessoa em relação a uma coisa e vice-versa”.
Nesse sentido, inserido dentro de sua metafísica moral, estrutura um pensamento pelo qual toda a comunidade de
indivíduos em um estado civil – no sentido de sociedade estatal organizada – seria possuidora comum de todas as
coisas e, pela vontade comum, permitiriam a constituição de um direito de aproveitamento particular em relação a
uma coisa em favor de cada indivíduo, obrigando os demais a se abster de molestá-lo.
As ideias de Kant exerceram grande influência sobre a Pandectística, a qual formulou e divulgou no seio do meio
jurídico a corrente que ficou conhecida como teoria personalista, assentada na noção do direito real como relação
jurídica absoluta que vincula a coletividade a uma “obrigação passiva universal” negativa de respeitar a posição do
titular.
Percebe-se logo que a teoria personalista consubstancia a maior representação do pensamento liberal no que
concerne ao campo dos Direitos Reais. Isso se infere tanto de seu artífice, maior expoente do iluminismo liberal
alemão, quanto do teor de suas ideias, fundadas em uma “vontade comum” da sociedade, trazendo as conhecidas
ideias de um contrato social, assentado na igualdade formal dos indivíduos. Cfr. Apud FERREIRA, Henry G. C. B. (2019).
Reflexões sobre o Conceito de Direitos Reais: lançando o olhar sobre um ramo em crise, in Res Severa Verum Gaudium,
p. 109-110.
segundo RUI PINTO DUARTE, sustenta ser inadequado falar de relação entre a pessoa e a coisa,
pelo facto de a ideia de relação implicar alteridade24 25; esta corrente recentra o conceito de direitos
reais na sua oponibilidade geral e, segundo MARQUES DE OLIVEIRA, parte da ideia da relação
jurídica real, que caracteriza-se, nesta doutrina, pelo facto de nela existir um poder absoluto, que vincula todos os
consociados, e a que corresponde do lado passivo, o chamado dever geral de respeito.26 Ou seja, a teoria define o
direito real como o poder que tem o seu titular de excluir todas as pessoas de qualquer ingerência na
coisa incompatível com o seu direito.
Com ela, conclui-se que existe um vínculo pessoal entre o titular do direito real e todas as
pessoas (sujeito passivo) que têm a obrigação de se abster de violar ou perturbar o titular do direito
(obrigação negativa). Nos direitos de crédito, o dever de prestar recai sobre um sujeito certo e
determinado ou determinável.
A teoria personalista também foi submetida a severas críticas das doutrinas posteriores.
Conforme enuncia RUI PINTO DUARTE, por subvalorizar o conteúdo do direito real e ser artificiosa quanto
à ideia de implicação por cada direito real de uma relação entre o seu titular e todo o restante universo dos sujeitos jurídicos
(a chamada relação passiva, ou negativa, universal). De igual modo, conforme nos diz HENRY
24
Segundo o DICIONÁRIO DE LÍNGUA PORTUGUESA da PORTO EDITORA de 2003, o termo “alteridade” diz respeito à
qualidade ou estado do que é outro. Já em Filosofia, a alteridade provém de alteritate, que significa diferença ou
diversidade, logo diz respeito a um facto ou qualidade de uma coisa ser diferente da outra.
25
Na sua obra Princípios Metafísicos do Direito, KANT escreveu ser um absurdo configurar uma obrigação entre uma
pessoa e uma coisa.
26
Ou seja, conforme nos explana MIGUEL JACINTO SANANA, segundo KANT: “todo o direito pressupõe
intersubjectividade. Logo, apenas em sentido figurado se poderia falar de uma relação entre um homem e uma coisa.
Neste ínterim ideológico, o que ocorre no direito das coisas é um desconhecimento do sujeito passivo, que leva a
pensar que a relação existe entre o homem (sujeito activo) e a coisa. No entanto, a verdade é que não há um outro
homem, pelo menos, não há um homem individualizado, mas sim uma multidão de contrassujeitos. Ou seja, a posição
de sujeito passivo não é ocupada por um homem, mas por todos os homens, com excepção do titular (sujeito activo)
do direito que esteja em condições de violar o direito.
Assim sendo, as relações de natureza real concretizam-se pela existência, no seu lado passivo, da denominada
obrigação passiva universal. Logo, o direito real é o poder conferido ao respectivo titular de excluir todas as demais
pessoas de qualquer ingerência na coisa que constitui o seu objecto.
FERREIRA, a evolução científica do direito demonstrou a existência de novas figuras que, a par de
serem absolutas, não se podiam reduzir aos direitos reais – os direitos da personalidade.
O efeito destas críticas fez surgir as CORRENTES ECLÉTICAS, que sublinham que o
conceito envolve um lado interno (consistente num poder directo e imediato de uma pessoa sobre
uma coisa) e um lado externo (consistente na oponibilidade erga omnes por essa pessoa desse poder).
Esta concepção veio a ser aceite em Portugal e noutros países de matriz romano-germânica, como no
caso do paradigmático Código Civil alemão, cujo art. 903.º diz que “o proprietário de uma coisa pode agir
em relação a ela de modo discricionário (lado interno) e excluir os outros de qualquer intervenção (lado externo).”
Já RUI PINTO DUARTE entende que, apesar da força argumentativa das CORRENTES
aludidas, a todas elas são aplicáveis críticas. Entre elas, salienta-se:
(1) a que sublinha QUE EM VÁRIOS DIREITOS REAIS, máxime nos direitos de
garantia, O RESPECTIVO TITULAR NÃO TEM UM PODER DIRECTO E
IMEDIATO SOBRE A COISA OBJECTO DO DIREITO (o credor hipotecário
não detém o bem hipotecado e quando exerce o seu direito tem de o fazer com
recurso a tribunal, sem poder, por mero acto seu, fazer a coisa sua).
(2) EXISTEM SITUAÇÕES JURÍDICAS NÃO REAIS EM QUE O TITULAR
DO DIREITO PARECE TER UM PODER IMEDIATO SOBRE A COISA
(situaçãodo arrendatário, do comodatário, do cessionário de exploração e de
todas as análogas a estas).
Deste modo, segundo o insigne Professor, para efeitos de lecionação da disciplina, é inútil
pretender estabelecer, à partida, o conceito de direito real, visto que ele está longe de merecer um
aplauso generalizado. Logo, podemos tomar como instrumento de trabalho a CORRENTE
ECLÉTICA, que é dominante, como vimos acima, e enfatizaremos que o lado interno (poderes sobre
a coisa) e o lado externo (a sua oponibilidade a terceiros) do direito real sejam protegidos pelo Direito.
PRÓXIMA AULA:
27
Enquanto que no domínio dos negócios jurídicos, nomeadamente no dos contratos, vigora o princípio inverso da
ATIPICIDADE, sendo as partes livres de celebrar contratos diversos dos previstos na lei e de incluir nos contratos as
cláusulas que entenderem (Cfr. Art. 405.º C.C), sem prejuízo de nos direitos de crédito se encontrarem previsões de
numerus clausus como no caso dos Arts. 457.º (que estabelece que os negócios jurídicos unilaterais só constituem
fontes de obrigações nos casos previstos na Lei) e 483.º/2 (que determina que só existe obrigação de indemnizar
independentemente de culpa nos casos especificados na lei).
na lei (1) 28 – por isso, como nos diz JOAQUIM MARQUES DE OLIVEIRA, se fala de direitos reais
típicos - e pela forma nela regulada (2)29.
Vem expressamente consagrado nos Arts. 1306.º/130 C.C e 4.º/1, al. c) e 8.º da Lei 9/04, de 9
Novembro – Lei de Terras.
28
Esta é a primeira roupagem que diz respeito à CRIAÇÃO/CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS REAIS. I.e, só podem
constituir-se direitos reais dentro do catálogo previsto na lei. Nesta vertente, o princípio estabelece a PROIBIÇÃO da
criação de um direito real diferente daqueles que estão previstos na lei.
29
Esta é a segunda roupagem e diz respeito ao CONTEÚDO DOS DIREITOS REAIS. Implica necessariamente que não
seja possível aos particulares criarem, constituírem direitos reais típicos mas com conteúdo distinto daquele que está
previsto está previsto na lei para esse mesmo direito real. Se assim não fosse, os particulares poderiam muito bem
constituir um direito real de usufruto ou um direito real de superfície, atribuindo porém a esses direitos reais uma
composição diferente. E nesses casos estaríamos diante de direitos reais que estariam a respeitar uma designação
unitária, mas a desrespeitar o conteúdo legal.
30
Artigo 1306.º
(Numerus clausus)
Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares
deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas
condições, tem natureza obrigacional.
O quinhão e o compáscuo constituídos até à entrada em vigor deste código ficam sujeitos à legislação anterior.
Art. 15.º CRA, 34.º e 46.º da Lei de Terras – A consagração expressa do princípio da tipicidade,
pois que determina que estes são só aqueles que estão na lei (Cfr. Art. 8.º da Lei de Terras)
A tipicidade não é sobre a constituição do direito, mas sobre os direitos reais em si. No caso dos
direitos fundiários, a tipicidade é perfeita e mais ampla (Cfr. Art. 34.º da Lei de Terras, pois que há
tipicidade das formas de constituição do direito fundiário e do próprio direito).
É também ligado à característica do objecto do direito real afecta à totalidade da coisa que
tem por objecto. Com excepção: Servidão (Art. 1543.º), usufruto (Art. 1421.º/3).
Quem defende a existência deste princípio considera que os direitos reais, como exclusivos,
hão-de incidir sobre a totalidade do objecto.
Mas, o direito do condómino, refere-se na propriedade horizontal, à sua fracção e não a todas
as partes comuns do edifício ( Art. 1421.º/3) sem que isto ponha em causa o carácter real do
direito.
Estamos perante uma característica tendencial, e não essencial, dos direitos reais, a qual
explica que, em regra, eles se estendem às coisas que no seu objecto se incorporem ou, a ela sejam
unidas.
Por outro lado, nada impede a constituição de direitos reais sob partes de uma coisa. Por
exemplo: hipoteca (Art. 688.º), propriedade horizontal31 (Art. 1414.º) direito de superfície (Art.
1524.º) e direito de uso e habitação (Art. 1489.º).
Uso e habitação
31
Artigo 1414.º
(Princípio geral)
As fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem
pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.
Pautada na necessidade de albergar cada vez mais habitantes em espaços reduzidos, a propriedade horizontal tem
especial relevância na transformação das estruturas sociais e económicas (…) será considerada propriedade horizontal
quando deparada com institutos jurídicos, expressos ou tácitos, em cuja estrutura elementar tenham, num mesmo
edifício, a existência concomitante de partes particulares e partes comuns. Cfr. MONTY, Rafael A. S. (2019). A Natureza
Jurídica Da Propriedade Horizontal E Seus Reflexos No Princípio Da Tipicidade Dos Direitos Reais, Dissertação de
Mestrado apresentada na Universidade Autónoma de Lisboa, p. 11.
Em face do regime geral do direito de propriedade sobre imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser
objecto de um único direito de domínio, o qual abrangerá toda a construção, o solo em que esta assenta e os terrenos
que lhe servem de logradouro, como se infere das regras sobre acessão industrial imobiliária e do disposto no art.º
1344.º do C. Civil, numa manifestação do princípio da especialidade ou da individualização que rege os direitos reais,
na vertente segundo a qual, incidindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu
objecto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objecto de direito de propriedade de titular
diferente, sendo o destino jurídico da coisa unitário.
O regime da propriedade horizontal constitui uma das excepções a este princípio, uma vez que permite que sobre o
mesmo edifício de estrutura unitária se constituam distintos direitos de propriedade, com diferentes titulares, que
incidem sobre fracções independentes desse prédio - Art.º 1414º e seg. do C. Civil.
Daí que, tendo em consideração, por um lado, as limitações impostas pelo princípio da individualização e, por outro
lado, o regime excepcional da propriedade horizontal, os tribunais têm vindo a afirmar que a posse, em termos de
direito de propriedade, de parte de um prédio não sujeito ao regime da propriedade horizontal, não pode determinar
a aquisição por usucapião dessa parte, sem a prévia ou, pelo menos, simultânea constituição do imóvel em
propriedade horizontal, a qual pode ocorrer por usucapião. Cfr.
Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/bb0d6ccabf1a3ac280257f96003871e4?OpenDo
cument. Acessada a 23 de Abril de 2023, às 07:45.
V. PRINCÍPIO DA ELASTICIDADE
De acordo com o Professor MARQUES DE OLIVEIRA, este princípio significa que sempre
que nos encontrarmos perante um direito real limitado32 concorrem dois direitos, o direito real
limitado – que confere ao seu titular o direito a certas utilidades da coisa - e o direito do
proprietário. É o que sucede com o direito do usufrutuário em retirar certas utilidades da coisa
e o proprietário de raiz, do mesmo modo, na servidão em que há igualmente o proprietário de
raiz.33
Brevitatis causa, vislumbra-se que o direito real tem a característica de poder comprimir-se ou
estender-se, consoante exista sobre ele um outro direito real, cuja existência determina que os
poderes incompatíveis com este direito real fiquem inactivos.
Este princípio postula que o direito real constitui ou transmite-se, solo consensu, no momento
da celebração do contrato, de forma instantânea ou automática sem necessidade de se proceder
32
Os «direitos reais limitados», também conhecidos por «direitos iura in re aliena (direito sobre a coisa alheia)» ou
«direito real menor», nos diz ANA PRATA correspondem à designação que a doutrina dá aos direitos reais diversos da
propriedade, por estes não conferirem ao respectivo titular a plenitude dos poderes sobre a coisa, mas apenas o
direito a certas utilidades da coisa. I.e, eles apenas oneram ou restringem um direito alheio de propriedade.
MARQUES DE OLIVEIRA nos vem dizer que eles são limitados porque os seus titulares não dispõem dos poderes plenos
sobre a coisa, como sucede no direito real de propriedade, mas confeem apenas aos seus titulares a possibilidade de
estes exercerem sobre a coisa certos poderes, mas nunca os poderes nos termos da trilogia clássica «jus utendi, jus
fruendi, jus abutendi» (direito de usar, direito de gozar ou fruir, direito de dispor da coisa). São, assim, um conjunto de
direitos sobre a coisa alheia ou não própria.
São exemplos deste leque de direitos: o direito real de usufruto, o direito real de uso e habitação, a enfiteuse, o direito
de superfície.
33
Verificamos, então, que nestas circunstâncias estamos sempre diante de uma concorrência de direitos. Quando o
direito real limitado se extingue, assiste-se imediatamente à reconstituição da plena propriedade na sua compreensão
e conteúdo. O mesmo se passa com o direito real da hipoteca, visto que à medida em que o titular do direito real de
hipoteca que contraiu o empréstimo for pagando o empréstimo, o valor da hipoteca vai diminuindo e o direito de
propriedade vai reassumindo proporcionalmente a sua plenitude.
Se analisarmos com alguma acuidade, veremos que em todas estas situações existe uma espécie de “força expansiva”,
como que uma elasticidade do direito de propriedade, a qual ocorre pela extinção dos direitos reais limitados que a
restringem. Quando os direitos reais limitados se extinguem e o direito real de propriedade reassume a sua plenitude,
surge a figura da AQUISIÇÃO RESTITUTIVA, derivada ou originária.
à entrega da coisa ou do registo no caso de coisas imóveis sujeitos ao registo, e sem que dependa
do cumprimento da obrigação estabelecida nesse contrato como contrapartida, por exemplo, o
pagamento do preço no contrato de compra e venda ou a entrega de uma outra coisa no contrato
de permuta. Em Angola, está consagrado no Art. 408.º integrando o regime jurídico dos
contratos e não no Livro III dedicado aos direitos reais, embora se consagre a remissão para os
momentos da aquisição (Art. 1317.º, a))
No entanto, deve salientar-se que este princípio comporta verdadeiras excepções, a saber:
Alguns entendem que esteja ligado ao princípio da causalidade, uma vez que é verdade que
é suficiente a existência do título para que o direito real se transmita ou se constitua. Também é
verdade que o título deve ser justo, ou seja, a causa de transmissão ou aquisição tem de ser válida.
Os contratos produzem efeitos quoad efectum.
Daí que se diga que a aquisição supõe uma causa válida, existindo assim uma relação de causa
e feito e é este o fundamento do princípio da causalidade.
I. CASO 1
Dos factos acima aludidos resulta que estejamos diante de uma relação jurídico-real em que
JISLENE LOPES, presumível (Art. 350.º) proprietária (Art. 1302.º & 1305.º) e vendedora, celebrou
um contrato de compra e venda de 4 bens móveis – 3 pares de brincos de ouro e uma bracelete de
ouro – avaliados Kz. 1.000.000, 00 (Um Milhão de Kwanzas) com HELMIRA CARNEIRO,
compradora. No referido contrato, ficou estabelecido, apenas, que JISLENE LOPES, vendedora,
deveria proceder à entrega das coisas no prazo de 5 dias desde a venda, sem estipular, de modo
concreto, cláusulas referentes à data e local da entrega e pagamento das coisas.
De forma introdutória, é importante aludir que os contratos de compra e venda encontram a sua
previsão legal nos Arts. 874.º e ss. CC. De acordo com o Art. 874.º: “Compra e venda é o contrato pelo
qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.” Tratando-se de bens
móveis, as partes têm liberdade para celebrar os contratos da forma que lhes aprouver (Arts. 219.º,
405.º e 874.º, a contrario sensu). Chama-nos particular atenção o Art. 879.º, do qual resulta que a
compra e venda tenha como efeitos essenciais: a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade
do direito (1); a obrigação de entregar a coisa (2) e a obrigação de pagar o preço (3). Note-se que do primeiro
aspecto resulta do tipo legal da compra e venda configurado nos Arts. 874.º e 879.º que a propriedade
da coisa vendida se transmite para o adquirente pelo contrato, constituindo a transmissão do
domínio um dos efeitos essenciais do negócio jurídico, ao lado das demais obrigações. Trata-se, pois,
de um contrato consensual em que o aperfeiçoamento do vínculo se atinge mediante o acordo de
vontades.
como contrapartida – o direito real. Atrelado a este princípio está o princípio da causalidade, que,
segundo o Professor MARQUES DE OLIVEIRA significa que “a aquisição do direito real supõe a
eficácia do negócio jurídico que lhe está subjacente (relação de causa-efeito entre a validade do negócio jurídico
e a validade da aquisição do direito real). Logo, se o negócio jurídico for válido (compra e venda, permuta,
mútuo, doacção, contrato de sociedade, etc.) o direito real correspondente é adquirido, constituído ou transmitido,
mas se esse mesmo negócio jurídico que lhe está na base for nulo ou vier a ser por qualquer causa anulado, a
aquisição do direito real não ocorre.” Tratando-se de um negócio válido, o direito real de HELMIRA
CARNEIRO sobre a coisa é transmitido. Vide, in casu, o ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA de 18 de Setembro de 2003, que teve como Relator O Venerando Juiz Conselheiro
LUCAS COELHO.
Como vimos acima, nada foi estipulado relativamente à data e local da entrega e pagamento das
coisas, contudo o Art. 885.º/1 estabelece que “o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da
coisa vendida”, sem embargo de poder vir a ser efectuado no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo
do cumprimento.
Sucede, entretanto, que, no 4.º dia, apesar de ter sido celebrado o contrato, JISLENE LOPES,
vendedora, celebrou um contrato de compra e venda dos mesmos bens, com DÉLCIO
ALBUQUERQUE, comprador, avaliado Kz. 1.500.000, 00 (Um Milhão e Quinhentos Mil
Kwanzas). Este contrato celebrado com DÉLCIO é NULO, por configurar uma venda de bens alheios
nos termos do Art. XXX.
Como vimos acima, HELMIRA é a proprietária dos bens, independentemente de não ter pago o
preço, uma vez que a obrigação de pagar o preço em nada influi na perfeição do contrato celebrado
e tão pouco condiciona a eficácia translativa na falta de semelhantes estipulações. Logo, HELMIRA,
após a celebração do contrato adquiriu imediatamente a propriedade das coisa vendidas e pode,
imediatamente, opor erga omnes, por se tratar de um bem não sujeito a registo. Caso se tratasse de
um bem sujeito a registo, ficaria a oponibilidade a terceiros dependente do cumprimento do ónus
registal. Conclui-se que a transmissão da propriedade aparece, assim, ligada à celebração do contrato
da qual depende com efeito automático.
Destarte, poderá defender a sua propriedade por via dos meios legítimos como a Acção de
Reivindicação (Art. 1311.º) ou a Acção Directa (Art. 1314.º - 336.º).
II. CASO 2
Dos factos acima aludidos resulta que estejamos diante de uma relação jurídico-real em que
AMÍLCAR, proprietário (Art. 1302.º & 1305.º) e locador/senhorio, celebrou um contrato de
arrendamento urbano de um prédio urbano, avaliado em Kz. 150.000, 00/mês, sito na Centralidade
do Kilamba, com DRÁUSIO PAULINO. Como estava prestes a viajar, passou uma procuração
concedendo poderes de gestão ao DRÁUSIO, locatário, que, por sua vez, de forma nefasta, cometeu
o impropério de alterar a procuração concedendo-se, mediante a falsa assinatura de AQ, poderes de
disposição sobre o imóvel de AQ.
LAU), sendo que a falta da escritura não impede que o contrato seja considerado válido e eficaz,
desde que tenha sido celebrado por escrito.
Ao vislumbrarmos o Art. 258.º CC veremos que o negócio jurídico realizado por DRÁUSIO em
nome de AQ só produzirá os seus efeitos na esfera jurídica deste último se for realizado dentro dos
limites dos poderes que lhe foram conferidos por AQ. Note-se que, acrescenta, ainda, o Art. 259.º CC que
é em AQ que deve ser verificada, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou
vício da vontade. Logo, a procuração notarial mediante a qual foram conferidos poderes de
disposição para a venda do bem padece de um grave vício – no caso, a falsa assinatura e a alteração
dos poderes que foram conferidos (de poderes de gestão para poderes de disposição) - que inquina a
sua validade, pelo que é falsa nos termos do Art. 362.º/2 do CC, que estipula que “o documento é falso
quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que
na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na
realidade o não foi.” O n.º 3 do mesmo artigo vai mais longe estabelecendo que “se a falsidade for evidente
em face dos sinais exteriores do documento, pode o tribunal, oficiosamente, declará-lo falso.” O caso é omisso
quanto à prova da falsidade do documento, no entanto, admitindo-se que tenha ocorrido, ou seja,
provando-se que o DRÁUSIO alterou a procuração conferindo-se poderes de disposição e assinou-a
falsamente, verifica-se que há uma desconformidade entre o conteúdo da procuração e a realidade,
o que, no entender do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, no acórdão datado a 29 de Janeiro
de 2015, é causa de falsidade, na modalidade da falsidade intelectual, no Art. 372.º CC. A falsidade
das procurações é causa da sua nulidade, nos termos dos Arts. 280.º e 289.º CC. Nestes termos, não
carece de maior justificação a afirmação de que estamos perante um negócio jurídico concluído
manifestamente contra a lei.
Sendo a procuração nula, nunca produziu qualquer efeito, ipso facto, não conferiu poderes ao
DRÁUSIO para praticar um acto de disposição em relação à casa de AQ, o que quer dizer que
DRÁUSIO procedeu a um abuso de poderes de representação, nos termos do Art. 269.º, pois que
DRÁUSIO vendeu a casa no uso de poderes de representação que não tinha, o que, nos termos do
Art. 268.º/1 CC, é causa de ineficácia deste negócio em relação a AQ, salva hipótese de ratificação,
que se mostra presentemente excluída. Assim, não carece de clarificação erudita a tese segundo a
qual o contrato de compra e venda celebrado é ineficaz em relação a AQ.
Sendo o negócio nulo, à primeira vista, em respeito ao princípio da causalidade acima aludi,
aparentemente figura-se que o direito real da menina ELMA não foi adquirido. Deste modo, numa
primeira conclusão, em tese, a casa nunca saiu da esfera jurídica de AQ, visto que o acto pelo qual
DRÁUSIO transferiu a casa é ilegal/nulo.
Mais adiante, o caso nos revela que passados 11 anos, o Dr. AQ pretende reaver o seu imóvel.
Sendo a nulidade insanável e invocável a todo o tempo, prima facie, poderíamos afirmar que AQ
pode intentar uma acção de declaração da nulidade do referido contrato de compra e venda por
efeito da nulidade da procuração.
Contudo, por imposição académica, é importante aludirmos a uma tese segundo a qual a menina
ELMA deve invocar a usucapião sobre o imóvel, logo a acção de declaração da nulidade não poderia,
de qualquer modo, proceder. A usucapião é um modo de aquisição originária do direito de
propriedade ou de outros direitos reais de gozo (Arts. 1287.º e 1316.º do CC) que depende apenas
da verificação de dois elementos: a posse e o decurso de certo lapso de tempo, que varia em função da
natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os caracteres da mesma posse.
Tratando de um bem imóvel, de acordo com o Art. 1295.º/1, al. b) CC, “Não havendo registo do título
de aquisição, mas registo da mera posse, a usucapião tem lugar: b) se a posse tiver continuado por 10 anos, a
contar da mesma data, ainda que não seja de boa-fé.”
Quando invocada, estipula o Art. 1288.º do CC, que os seus efeitos retrotraem-se à data do início
da posse, adquirindo-se o direito de propriedade no momento do início da mesma posse (Art. 1317.º,
al. c), do CC). In casu, no momento em que ELMA passou a residir no imóvel, após ter celebrado
compra do mesmo.
O que quer dizer que, conforme afirma MOTA PINTO, na página 470 do livro Teoria Geral do Direito
Civil: «A possibilidade da invocação perpétua da nulidade pode, porém, ser precludida pela
verificação da prescrição aquisitiva (usucapião)». A prescrição aquisitiva é um instituto relacionado,
exclusivamente, aos direitos reais sobre as coisas, sejam elas móveis ou imóveis, que consiste não na
perda, mas na aquisição de um direito real sobre um bem pelo decurso do prazo.
Daí que, no caso, a eventual nulidade da procuração não pudesse afectar os actos de posse
praticados pela menina ELMA sobre o bem e, consequentemente, obstar à sua consolidação por
35
Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e323f88e0e8408da802580fa005d1f7f?OpenDocu
ment. Acessado a 19 de Abril de 2023, às 05:26.
Por conseguinte, tendo a posse da menina ELMA sobre o bem se consolidado pode esta invocar
a aquisição da propriedade por usucapião.
I. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
O registo é um acto administrativo que visa dar publicidade subsequente a terceiros sobre a
situação jurídico-real dos bens, por forma a conferir segurança jurídica à constituição, modificação
ou extinção dos direitos reais sobre imóveis [Art. 1.º do Código de Registo Predial (CRP)]. Visa, no
fundo, fazer jus à fé pública38. Veja-se, in casu, o Art. 8.º CRP39. No entanto, note-se que existem
circunstâncias em que o que está previsto no registo pode não ser real.
Uma destas circunstâncias é a da INVALIDADE SUBJECTIVA, que ocorre nos casos em que
uma pessoa que não tenha legitimidade para fazer a venda, o faça. Esta é uma violação ao princípio
do TRATO SUCESSIVO.
36
É uma actividade administrativa destinada a dar publicidade de certos actos ou direitos.
37
É um documento autêntico exarado por um notário que constitui a forma legal de alguns negócios jurídicos.
38
Conclui-se que a inscrição registal, faz com que haja uma confiança por parte de terceiros, de que há veracidade
naquilo que consta do registo, isto é, que há conformidade entre a realidade registal com a realidade substantiva.
39
Artigo 8.º (Presunções derivadas do registo)
O registo definitivo constitui presunção não só de que o direito registado existe, mas de que pertence à pessoa em cujo
nome esteja inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
1.
2. NULIDADE
EFEITOS DO REGISTO
I. CONSOLIDATIVO
O registo não é constitutivo de direitos, até porque os contratos são quoad efectum (Arts.
1317.º; 408.º e 409.º)40. Logo, embora não sirva para adquirir ou constituir direitos na
esfera de um determinado sujeito, ele serve para consolidar/fortificado o direito
adquirido e torna-lo oponível a 3.os.
II. ENUNCIATIVO
Este efeito é identificado nas situações em que a constituição do direito não necessita do
registo para ter imediatamente eficácia erga omnes. A inscrição pode não acrescentar nada
à situação substantiva, esgotando-se, a sua função na genérica “mera notícia” do facto a
que se reporte. Ou seja, a eficácia e a validade não são afectadas.
Dito de outro modo, traz a ideia de que o registo não vai acrescentar nada mais nem
menos na existência do direito, porque ele já está constituído.
40
Isto pressupõe que o registo tenha efeito declarativo, visto que o negócio é perfeito mesmo sem este.
41
Cfr. Art. 687.º e 6.º do Código De Registo Predial.
42
Cfr. DALA, Regina N. M. (2019). Aquisição Tabular: Efeito Atributivo no Art. 5.º do Código de Registo Predial,
Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Nova
Lisboa, p. 47.
43
Cfr. DALA, Regina N. M. (2019). Ob. Cit., p. 8.
celebra um negócio inválido. Entretanto, o 3.º deve registar antes porque se o titular o
registar antes aquele não terá benefício algum (Art. 5.º/1 CRP).
Assim, conclui-se que, excepcionalmente, do registo podem emergir direitos que são
atribuídos a certos e determinados terceiros, caso o primitivo adquirente não consolide a
eficácia erga omnes do seu direito, levando a registo o respetivo facto constitutivo, não
pudendo assim, opô-lo contra tais terceiros. Assim, o registo de terceiros ao contrário do
que deveria primeiramente ser efectuado em nome do primitivo adquirente (que
produziria um efeito consolidativo), produz um efeito atributivo, situação designada de
“Aquisição Tabular”.44
Ex:
A (regista) ------ CCVBI ------- B (não regista) -- CCVBI ----- C (regista)
Aquisição Tabular
44
Ibidem.
45
Cfr. Apud DALA, Regina N. M. (2019). Ob. Cit., p. 50.
46
A aquisição tabular representa uma excepção aos princípios caraterizadores do registo predial.
No entanto, é levantada a questão de saber sobre qual é a razão de ser desta aquisição, ou seja, da legitimação do
direito outorgado ao terceiro em contraposição do prejuízo imposto ao verdairo titular do plano substantivo. Sobre
esta questão, existem diversos pontos de vista doutrinários, alguns autores defendem que o fundamento da aquisição
tabular está na fé pública do registo, outros entendem estar na boa fé, e outros entendem ser a confiança no registo
a razão de ser da aquisição tabular, outros ainda entendem que está tanto na boa fé como na fé pública registal.
OLIVEIRA ASCENSÃO por exemplo, entende que a aquisição tabular encontra o seu fundamento na fé pública do
registo. Entende o Autor que, por haver a presunção da verdade dos factos registados, por sua vez, decorrente do
princípio da legalidade, a razão última da aquisição está na fé pública outorgada pelo registo. Segundo RUI ATAÍDE, o
efeito atributivo ou aquisição tabular representa a expressão mais forte de fé pública registal, porquanto significa a
prevalência de uma situação registada discrepante da realidade material subjacente, que é postergada, admitindo,
deste modo estar na fé pública do registo o fundamento daquela aquisição. Na óptica de GABRIEL GONÇALVES, a
aquisição tabular encontra o seu fundamento na boa fé do adquinte, que consistirá na ignorância que terá que ser
sempre descupável – da verdadeira titularidade do direito. O autor considera que a fé pública não se constitui como
fundamento da aquisição tabular, pois o que consta do registo não é pois a correspondência da realidade, “ pelo que,
a fé pública nunca esteve naturalisticamente destinada a fundamentar a proteção de terceitos, nem se pode
considerar o fundamento desta proteção – mas só sua condição”
Consideramos que o fundamento da aquisição tabular não está na boa fé de terceiros, mas sim na fé pública registal.
Tal como refere Oliveira Ascenção, “não há um princípio geral de proteção de terceiros de boa fé”, o que está
consagrado na lei é um princípio geral de proteção de uma partes do negócio. Não faz sentido ser a boa fé o
fundamento da aquisição tabular, quando na verdade existe um instrumento a espelhar determinada situação jurídica.
Apesar da falibilidade do sistema, o registo faz presumir que existe uma verdade da informação por ele prestada,
garantido assim, aos terceiros, que há correspondência entre a realidade substantiva e a realidade registal. A
referência a confiança no registo é abstrata e não concreta. Funciona como justificação da lei, mas não exige em
concreto a prova de uma situação subjetiva de confiança. Portanto o fundamento está verdadeiramente na aparência
registal ou fé pública do registo. Cfr. Apud DALA, Regina N. M. (2019). Ob. Cit., p. 50-51.
47
A boa fé é um conceito, como sabemos, indeterminável. No entanto, para efeitos de aquisição tabular, o conceito
relevante a ser apresentado é o previsto no Art. 291.º/3, podendo ser transversal a todas as situações. Nos termos
daquela norma (Art. 291.º/3): “É considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição
desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.”
Conforme se pode vislumbrar, não basta o mero desconhecimento, visto que o 3.º que desconhece culposamente está
de má-fé.
48
Considera-se, em Direito Civil, 3.º, o sujeito estranho à relação jurídica pre-existente, no caso, a relação de A e B.
Para efeitos de registo, “terceiros” são todos aqueles que adquiram de autor comum direitos incompatíveis entre si.
Todavia, o conceito de terceiros para efeitos de registo, foi e continua sendo alvo de enorme controvérsia doutrinária
e jurisprudencial quanto ao seu alcance, sendo mesmo considerada a maior controvérsia do direito registal.
Obviamente, não debruçaremos sobre tais concepções. Para mais informações, Cfr. Apud DALA, Regina N. M. (2019).
Ob. Cit., p. 52.
49
Isto pressupõe que se o bem for adquirido por via de um negócio gratuito, como a doacção, não se considera
preenchido o requisito.
50
É imperioso o cumprimento criterioso deste critério, visto que um direito real cujo facto aquisitivo não seja registado
mantém a sua oponibilidade normal.
Em todo o caso, importa esclarecer que mesmo o terceiro com um registo a seu favor fica exposto à oponibilidade
normal quando:
1. Estiver de má-fé;
2. Adquirir a título gratuito.
51
Logo, se o titular inscrito é o titular do direito real na ordem substantiva e o acto de disposição é válido, sendo
apenas o registo nulo, não terá lugar o Art. 85.º CRP.
Falar das vicissitudes dos direitos reais é o mesmo que falar das mudanças, variações ou
transformações dos direitos reais.
I. AQUISIÇÃO
A aquisição de um direito real marca o momento em que esse direito (subjectivo)
passa a fazer parte de uma esfera jurídica.
Pode ser:
A. ORIGINÁRIA
Nela, o momento da constituição do direito é o mesmo em que este surge na
ordem jurídica. O direito adquirido surge no exacto momento em que se
adquire. Logo, a constituição e a aquisição do direito operam-se
simultaneamente, não estando dependentes de nenhum outro direito. Ex:
Usucapião e Acessão52.
B. DERIVADA
Nesta, a aquisição depende da existência de um direito anterior. Esta
dependência exprime-se de duas formas:
1. TRANSLATIVA53
Neste caso, a aquisição depende do direito anterior que
fundamentalmente é o mesmo.
2. CONSTITUTIVA
Nestes casos, o direito que se adquire é um direito novo, muito embora a
sua constituição se processe à custa de um direito pré-existente, que fica
assim limitado pela constituição desse direito.
Com efeito, os direitos reais menores surgem por aquisição derivada
constitutiva e limitam o direito de propriedade. Se eles forem
intransmissíveis, pode também existir aquisição derivada translativa e, por
regra, todos os direitos reais de gozo são transmissíveis. Já quanto ao
direito de propriedade, só pode ser adquirido ou, por aquisição originária
ou, por aquisição derivada translativa.
Os modos de aquisição são os seguintes:
52
Cfr. Art. 1325.º CC.
53
A e B celebram um contrato de compra e venda. Com este contrato, o direito de A transmitr-se para B.
A. CONTRATO
Mediante contrato, transmitem-se para outro titular direitos reais
já existentes (na titularidade do transmitente) e podem ser
constituídos (aquisição originária) novos direitos reais (Art.
408.º/1).
B. USUCAPIÃO
Posse + Tempo = Usucapião.
É um modo de aquisição de direitos reais de gozo (Cfr. Arts.
1294.º a 1296.º e a Lei de Terras, Arts. )
C. LEI54 e DECISÃO JUDICIAL
A constituição de direitos reais muitas vezes decorre
automaticamente da lei, ou seja, sem necessidade de intervenção
das partes e independentemente da sua vontade.
SOBRE O MESMO OBJECTO PODEM INCIDIR 2 DIREITOS REAIS? R: Sim, um direito real
maior e um menor limitado.
54
Casos: Servidões legais (Arts. 1550.º); Hipoteca Legal (Arts. 704.º); Privilégios Creditórios (Arts. 733.º); Direito de
Retenção (Arts. 754.º) e as preferências legais.
55
Cfr. CRA, 1308.º al. f) n.º1, 1536.º CC. LEI 1/21 DE 7 DE JANEIRO.
1. ABANDONO
2. RENÚNCIA TÁCITA
56
Disponível em: https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1262/Confusao-Direito-Civil. Acessado a 23 de Abril
de 2023, às 09:41.
1. PESSOAIS
A. ACÇÃO DIRECTA;
B. LEGÍTIMA DEFESA;
C. ESTADO DE NECESSIDADE.
2. PÚBLICO
A. DIVERSAS ACÇÕES QUE O TITULAR DE DIREITO REAL PODE SOCORRER-SE
O SEU DIREITO:
- MEIOS DE DEFESA REAIS OU PETITÓRIOS – ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
(PARADIGMA)
- ACÇÕES POSSESSÓRIAS;
ACÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE; (A POSSE ESTÁ COM A PESSOA,
EXISTE ALGUÉM QUE ESTÁ CONSTANTEMENTE A PERTURBAR A
POSSE) (1278.º/1 CC)
ACÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE POSSE; (A AUTOR JÁ NÃO TEM A POSSE)
(1282.º/2 CC)58
57
Neste caso, existe o princípio do aproveitamento útil efectivo que obriga o proprietário a usar a coisa dentro de um
determinado prazo, sob pena de extinção do seu direito. Note-se, ainda, que o abarcamento deste princípio é
acompanhado de certos princípios.
58
O legislador sabendo da possibilidade de confusão dos factos, permite a existência da figura da CONVOLAÇÃO, sem
prejuízo da existência do princípio da instancia. Por via de regra, o normal seria o indeferimento da PI. No entanto, o
legislador confere ao juiz esta possibilidade de a parte pedir uma coisa e o julgador considerar como se tivesse pedido
outra, nos termos do Art. 1033.º CPC.
Em sede do Direito Civil há uma máxima segundo a qual “em direito civil toda a definição ou
conceito é perigoso, porque pode correr o risco de deixar de fora certas características.”
Deste modo, por via do Art. 1305.º CC59, o legislador teve o cuidado de enunciar os direitos
que o Direito de Propriedade acarreta. Porém, sem embargo deste facto, doutrinadores como
MENEZES CORDEIRO avançam que “o direito de propriedade como xxxxx…”. Já OLIVEIRA
ASCENSÃO postula que …. . CARVALHO FERNANDES enuncia que … x. MENEZES LEITÃO
vem ainda afirmar que ….. x.
Logo, relativamente a esta noção, o importante a reter é que o complexo regime deste direito
não permite ao legislador recorrer a um conceito legal, mas apenas permite-o recorrer aos seus
elementos essenciais.
Em função disso, existe alguma divergência doutrinária no que se refere a sua natureza
jurídica.
59
Art. 1305º
(Conteúdo do direito de propriedade)
O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem,
dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
Este conteúdo pode então ser encontrado no Art. 1305.º CC, que fala do uso (1), fruição (2)
e disposição (3). De todos estes poderes, o importante a reter é que o poder de disposição do direito
de propriedade, no entanto, o uso e a fruição60 podem ser encontrados em outros direitos.
Recorrendo ao Art. 1305.º CC, dependendo muito do autor ao qual se recorre, a doutrina
avança como características a PLENITUDE (1) e a EXCLUSIVIDADE (2). 61(podendo alguns autores
como MENEZES LEITÃO avançar a ELASTICIDADE como característica).
(1) “Plenitude” significa que o titular do direito de propriedade pode usar totalmente o seu
direito obedecendo os marcos legalmente estabelecidos, i.e, traduz-se no aproveitamento
máximo que o titular pode retirar da coisa, sem embargo das restrições de cariz público.
Relativamente a esta característica, algumas notas podem ser avançadas:
A. INDETERMINAÇÃO
Significa que o direito de propriedade contem ou comporta um conjunto
indeterminado de poderes que o proprietário tem em relação à coisa,
limitados em função das restrições de carácter público ou privado.
B. ELASTICIDADE
Como vimos acima, alguns autores avançam como característica
específica. No entanto, nós entendemos de forma diferente.
Segundo MARQUES DE OLIVEIRA, traduz-se na possibilidade que tem
o direito real de propriedade de comprimir-se/restringir-se ou estender-
se/expandir-se, consoante exista sobre ele um outro direito real, cuja
existência determina que os poderes incompatíveis com este direito real
fiquem inactivos.
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Ressalte-se que no direito de propriedade o uso e a fruição são plenos, enquanto que nos outros direitos são
limitados, sem embargo de no usufruto poder existir uma plenitude de gozo.
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Há autores, como MENEZES LEITÃO, que avançam a ELASTICIDADE como característica.
R: Coisas corpóreas e incorpóreas móveis ou imóveis (Art. 1302.º CC). No entanto, tratando a nossa
cadeira dos direitos reais, o que nos interessa são as coisas corpóreas.
1. CONTRATO;
2. SUCESSÃO POR MORTE;
3. USUCAPIÃO;
4. OCUPAÇÃO (ESPECÍFICO);
Vem prevista no Art. 1318.º CC. Nos termos do aludido artigo “podem ser adquiridos por
ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram abandonados, perdidos
ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as restrições dos artigos seguintes.”
Consiste numa apreensão material de coisas móveis sem dono. Estamos perante uma tomada
de posse, para que ela exista é imperiosa a reunião de 3 elementos essenciais:
(1) ELEMENTO PESSOAL
A. O OCUPANTE DEVE TER CAPACIDADE DE GOZO PARA OCUPAR
VALIDAMENTE
Traduz-se no facto de o ocupante precisar de ter a capacidade de gozo para
poder ocupar validamente o direito. Logo, a princípio, um menor de 14 anos
tem a capacidade de gozo, porém não tem a de exercício. O que se pede é a
capacidade de gozo e não a de exercício.
A ocupação consiste num mero acto formal, visto que basta a simples
vontade do ocupante para proceder a ocupação.
(2) ELEMENTO REAL
A. A OCUPAÇÃO TEM DE TER COISAS MÓVEIS NULLUS (RES
NULLUS)
Relativamente a este elemento, nos referimos a coisas de ninguém.
Em sede dos bens imóveis, tal não se pode conceber porque o Art. 1345.º CC
postula que relativamente aos imóveis não existe res nullus, ou seja, se não é
conhecido o dono, presume-se que constituam património do Estado. Logo,
só podem ser ocupadas coisas abandonadas, perdidas e escondidas.
Nisto reside, também, a diferença entre a ocupação e o achamento (Art.
1323.º CC62), que também é uma das formas de ocupação.
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Artigo 1323.º
(Animais e coisas móveis perdidas)
1. Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal ou a
coisa a seu dono, ou avisar este do achado; se não souber a quem pertence, deve anunciar o achado pelo modo mais
conveniente, atendendo ao valor da coisa e às possibilidades locais, ou avisar as autoridades, observando os usos da
terra, sempre que os haja.
2. Anunciado o achado, o achador faz sua a coisa perdida, se não for reclamada pelo dono dentro do prazo de um ano,
a contar do anúncio ou aviso.
5. ACESSÃO (ESPECÍFICO);
Vem prevista no Art. 1325.º CC, segundo o qual “dá-se a acessão quando com a coisa que é
propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.”
Existem 2 modalidades, que são:
(1) ACESSÃO NATURAL
Decorre quando 2 coisas se unem ou se incorporam por intervenção exclusiva da
natureza. EX: existem 2 parcelas de terra divididas por um rio, o terreno de A e de B. Por
força da chuva, metade do terreno de A desintegra e incorpora-se, por força da natureza,
no terreno de B e passa a ser um único terreno.
(2) ACESSÃO INDUSTRIAL
Decorre quando 2 coisas se unem ou se incorporam por intervenção do homem. EX: A
e B compram 2 terrenos. O terreno de A, estando à beira do rio, B, intencionalmente,
constrói no terreno de B.
Relativamente à acessão, para considerar a acessão, dependerá se sucede de boa (Art.
1333.º CC) ou má-fé (Art. 1334.º CC). No caso subjudice, trata-se de uma acessão de má-
fé.
6. DEMAIS MODOS PREVISTOS NA LEI.
3. Restituída a coisa, o achador tem direito à indemnização do prejuízo havido e das despesas realizadas, bem como a
um prémio dependente do valor do achado, no momento da entrega, calculado pela forma seguinte: até ao valor de
mil kwanzas, 10%; sobre o excedente desse valor até cinco mil kwanzas, 5%; sobre o restante, 2,5%.
4.O achador goza do direito de retenção e não responde, no caso de perda ou deterioração da coisa, senão havendo
da sua parte dolo ou culpa grave.
Para esta matéria, vide o que já abordamos sobre a extinção, de modo geral, dos direitos reais.
Vale apenas realçar que, nos termos do Art. 298.º/3 CC, o direito de propriedade não se extingue
pelo não uso.