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“Nos anos 1960, dois países separados pelo Atlântico assumiam uma nova configuração
política, tomando o campo da cultura e das artes como eixos-chave para seus projetos de
nação. De um lado, o Senegal recém-independente da tutela francesa ocupava o papel
de expoente cultural no continente africano, buscando construir sua modernindade sob o
signo da negritude, idealizada pelo poeta-presidente Leopold Sédar Senghor. Do outro,
Cuba fundava um estado comunista no qual a liberdade de criação era uma preocupação
central para aqueles que temiam a emergência de uma ortodoxia artística centrada do
realismo socialistas.” p. 2205
“Tais políticas culturais seminais forjaram as condições para a criação das Bienais de
Havana e Dakar, entre os anos 1980 e 1990. [...] Suas agendas e políticas curatoriais
apontam para o surgimento de novas redes de trocas culturais nas quais se evidenciam
as relações entre bienais e estado. À exemplo da Bienal de Havana, fundada em 1984
sob os auspícios do Conselho de Ministros de Cuba para “assegurar uma nova
importância para Cuba na América Latina, bem como no bloco do Leste” (BELTING,
2013). Ou da Bienal de Dacar, criada em 1990 pelo então presidente Abdou Diouf em
resposta às demandas de artistas e intelectuais senegaleses por uma atuação do estado na
promoção de uma política cultural pan-africana.” p. 2205
“Fundada sob o signo do pintor Wifredo Lam (1902-1982), a Bienal de Havana trazia
entre os seus principais eixos conceituais a questão da presença africana na cultura
cubana. Para os idealizadores da bienal, a trajetória de Lam — filho de um imigrante
chinês e uma mãe de ascendência afro-espanhola — condensava não somente o apelo
terceiro-mundista almejado pela mostra, mas também a representatividade do que se
convém chamar de afro-cubano no campo das artes visuais.” p. 2208
“Talvez tenha sido essa condição transcultural que tenha levado o trabalho de Bedia a
ser incluído na 6a edição de Dak’art (2004), como parte da exposição Retour à Dakar:
3 artistes en provenance des Amériques. Com curadoria do brasileiro Ivo Mesquita, a
mostra se dedicou a explorar a noção de diáspora africana nas Américas, a partir do
trabalho de Bedia e dois outros artistas: Mario Cravo Neto e Odili Donald Odita” p.
2210
“A inserção de José Bedia em Retour à Dakar, pelo viés da diáspora, intriga. De origem
espanhola, o artista não possui a ascedência africana que embasa a retórica do retorno
ou da mestiçagem exortada pelo curador da mostra; levando-nos a perguntar: Esta seria
uma contradição? Até que ponto a noção de diáspora se torna maleável e vai sendo
moldada de acordo com as suas condições de enunciação?” p. 2210
“Como já havia feito em sua mostra individual para a Terceira Bienal de Havana5,
Bedia apresenta em Dacar um conjunto de obras – entre as quais Kiyumba Ndoki e
Kiyumba Bafiota (1997) – que remetem à elementos surgidos a partir da sua experiência
pessoal com os rituais de Palo Mayombe. Aqui, a adesão do artista à condição
diaspórica parece não se inscrever nas tramas de uma filiação literal, mas na vivência
espiritual afro-cubana que se materializa de forma quase auto-biográfica em seus
trabalhos. Assim, embora afirme o contrário em seu texto curatorial, podemos concluir
Mesquita não foi guiado pela noção de origem na seleção das obras expostas em Retour
à Dakar, mas sim, recorreu à experiências culturais e subjetivas para validar sua
proposta curatorial.” p. 2211