The MIT Press Cambridge, Massachusetts London, England
No livro “The Language of New Media”, Lev Manovich procura
desmistificar as origens e os princípios dos novos media, “nunca caindo na armadilha de pensar que os novos media não têm história ou que sozinhos criaram um novo mundo” ¹. No capítulo “What is New Media”, Manovich tenta definir os contor- nos da identidade dos novos media, descrevendo o que são per se, assim como o seu contexto sociocultural no decorrer dos tempos.
Manovich começa por expor o paradigma tecnológico que antecedeu
os novos media, descrevendo como, durante o século dezanove e até ao início do século vinte, se desenvolveram vários meios de comuni- cação e máquinas de processamento de dados que estimularam o progresso da sociedade de massa moderna. Mais tarde, os media mo- dernos e a computação fundem-se, e ao passarem a ser comvertidos em dados numéricos, os Velhos Media tornam-se Novos Media.
“(…) the motor, the camera, the vacuum cleaner, the sound and so forth, agreed to talk to eachother using streams of numbers (…)” ²
O autor passa a enumerar os princípios dos novos media:
Os novos media, compostos por código digital, podem ser descritos matematicamente e estão sujeitos a manipulação algorítmica, tornan- do-se assim programáveis. A informação analógica, originalmente contínua, pode ser traduzida numa representação numérica através do processo de digitalização. Um objeto dos novos media exibe um carácter modular, os seus elementos apresentam-se como conjuntos de samples discretos, que se agregam em objetos maiores, que por sua vez podem ser combinados em objetos ainda maiores, nunca sendo perdida a independência de cada uma das partes. Tudo isto permite a automatização de várias operações adjacentes a um objeto dos novos media. A intenção humana é removida parcialmente do processo criativo. Um objeto dos novos media existe em potência, podendo ser concebidas infinitas versões diferentes a partir dele.
1. Tom Gunning [professor de História da Arte, Cinema e Media, na Universidade de
Chicago] sobre o livro “The Language of New Media”. 2. David Zicarelli [fundador e CEO de Cycling ‘74] sobre o software Max. Ao surgirem durante a Revolução Industrial, no decorrer do século dezanove, os media modernos apresentam um paralelismo com o sistema de produção fabril, tanto na organização do trabalho e do material, como na estandardização. Os novos media seguem, no en- tanto, uma lógica da sociedade pós-industrial, em que a perso- nalização assume um maior relevo. A individualidade é mais valo- rizada do que a conformidade. Na sociedade de massa industrial, toda a gente consumia os mesmos produtos e acreditava nas mesmas coisas. Isto também era o funda- mento dos media da altura, em que várias cópias idênticas de uma matriz eram produzidas e distribuídas para as massas. Na sociedade pós-industrial, cada indivíduo é capaz de customizar o seu estilo de vida e determinar a sua ideologia com base numa quan- tidade aparentemente infinita de opções. O marketing busca alcançar cada pessoa separadamente. Os novos media garantem que as esco- lhas do utilizador, e por consequência os seus pensamentos e desejos subjacentes, são únicas.
Esta liberdade de expressão individual é ilusória a partir de um certo
ponto. As estratégias de marketing e design e a utilização de certas plataformas fazem parecer que o caminho que percorremos é original, contudo existe ainda uma vontade de sermos estandardizados, iguais aos nossos pares. Desejamos corresponder a um certo padrão para nos sentirmos válidos e aceites, só que agora, em vez de existir um número reduzido de moldes de estilo de vida, existe uma infinitude deles. De qualquer das maneiras, somos moldados. Talvez antes de haver acesso a tanta informação, as pessoas fossem mais genuínas nas suas escolhas. Não sei, e acho também que não vale a pena quantificar a autenticidade da identidade de qualquer indivíduo.
A dimensão cultural e a dimensão computacional crescem lado a lado
e influenciam-se mutuamente. O resultado é uma nova cultura com- putacional, em que a tradição humana e o modo do computador a representar se combinam. Transcodificar é traduzir algo para outro formato. Com a computorização da cultura, cada vez mais se trans- codificam conceitos e categorias culturais de todo o tipo. A fantasia de objetificar e aumentar a consciência humana através da transcodificação do mundo real para o mundo virtual vai de encontro ao desejo de experienciar com a tecnologia um retorno aos tempos felizes da pré-linguagem e da pré-equivocação, em que os nossos antepassados primitivos comunicavam através de gestos, movimentos corporais e expressões faciais. É ingénuo acreditar-se que antes da linguagem não existia erro na interpretação humana do mundo e dos outros. Se eram tempos mais felizes, não somos capazes de saber, no entanto a linguagem apesar de provocar desentendimento, facilita também o esclarecimento, a compreensão e a tolerância entre as pessoas, por ser um território muitas vezes universal.
Existe também um desejo intrínseco ao ser humano de externalizar a
mente. Na sociedade de massa moderna, o sujeito é estandardizado, e o meio para o fazer é também ele estandardizado. O privado é trans- posto para o público, tornando-se regulamentado. Os media inter- ativos coincidem com esta tendência, pois é pedido ao utilizador que siga associações objetivas pré-programadas. Se tecnologias culturais, como o cinema e a moda, pedem que nos identifiquemos com a imagem corporal de alguém, os media interativos induzem uma iden- tificação com a estrutura mental de outrem.
Penso que essa organização não é tanto um sistema mental alheio ao
do utilizador, mas mais uma estrutura coletiva de um pensamento coletivo, visto ter sido um número incontável de inventores, cientistas e designers, muitas vezes em lugares e tempos distintos, a trabalhar no desenvolvimento da tecnologia. O próprio usuário também tem parte na evolução dos media. Pelo grau de compreensibilidade e satisfação com que dá uso a um certo produto, o utilizador faz com que os media se adaptem às suas necessidades. A tecnologia caminha cada vez mais para um interface intuitivo. Será que os dispositivos tecnológicos se foram adaptando à nossa forma, ou será que a própria anatomia humana evoluiu para a utilização destes mesmos dispositivos?
Os media estão a atingir dimensões práticas e conceptuais sem
precedentes. Os computadores, que dantes eram algo exclusivo e reservado apenas a pessoas com um conhecimento avançado na matéria, são agora algo íntimo e presente no quotidiano do cidadão ocidental comum. Em breve, deixaremos de usar os nossos dedos e o digital tornar-se-á obsoleto. Os media tornar-se-ão etéreos e não ha- verá uma separação evidente entre a consciência humana e a cons- ciência da máquina. Ou então não, onde esta jornada nos levará só saberemos no futuro. Se existir um futuro.