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Algumas conclusões do simposium

sobre "O aconselhamento


na atualidade" *

RUTH SCHEEFFER

o aconselhamento como área de especialização da psicologia representa uma


realidade inegável. Compreende wn processo de intervenção, nwn contexto de
relação de ajuda, que se fundamenta nas ciências do comportamento hwnano. Na
medida em que o aconselhador facilita a aprendizagem de habilidades de natureza
interpessoal, indispensáveis à manipulação dos problemas vitais, o aconselhamento
tende a ser crescentemente enfocado como wn processo educativo. Objetiva a
obtenção de auto compreensão e da compreensão das exigências do ambiente, a
ftm de possibilitar a avaliação das alternativas viáveis, defmir problemas e diftcul-
dades relacionadas aos papéis sociais a serem desempenhados, conduzir a escolhas
e decisões vitais realísticas. Esse último objetivo representa wn elo comwn aos
posicionamentos atuais: a escolha adequada é considerada como ponto culminante
do processo de aconselhamento.

• Impressões coDridas no XVIII Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, realizado


em Montreal, Canadá, 1974.

Arq. bras. Psic. apl., Rio de Janeiro, 27(2):43-47, abr./jun. 1975


o elemento psicoterapia não é intrínseco ao processo, embora possa vir a se
tornar parte dele, nos casos em que o aconselhando, de.vido a algum distúrbio
psicológico ou patológico, não se encontre em condições de realizar escolhas,
tomar decisões e implementá-las no seu meio. .
Na formulação dos objetivos faz-se sempre necessário se considerar as impli-
cações sociais do aconselhamento já que os serviços oferecidos devem ser con-
gruentes com as necessidades da sociedade. Para tal fim recomenda-se a manuten-
ção de um programa regular de pesquisa e de avaliação dos serviços oferecidos, e o
desenvolvimento de metas capazes de abranger toda a clientela na comunidade.
Parece válida a crítica de que as atividades de aconselhamento têm-se concentrado
no atendimento de componentes da classe média e na preservação do sistema que
os mantém, relegando para segundo plano a objetivação do bem-estar social no seu
sentido mais amplo. É possível que seja necessária uma reorganização das priori-
dades, com vistas a um atendimento mais realístico das várias facetas sociais.
Na consecução dos objetivos do aconselhamento, inexoravelmente se in-
fluencia o aconselhando, ou no sentido de adaptação ao status quo do seu ambien-
te social, ou no sentido de tentativas de alteração desse ambiente. Tal constatação
aponta as possibilidades do aconselhamento como agente de mudança social, so-
bretudo se considerarmos a sua potencialidade de ação sobre as minorias sociais e
sobre os indivíduos socialmente desfavorecidos. Mas, em última análise, o fulcro
do aconselhamento é a pessoa do aconselhando. A tarefa primordial não é a
homogeneização da sociedade, porém proporcionar ao indivíduo ajuda no contro-
le de sua própria vida, dentro dos limites éticos da atuação do aconselhador.
A determinação da prestação de serviços que deve estar no âmbito do acon-
selhamento torna-se difícil devido à crescente complexidade da sociedade, o que
se reflete no fracasso dos mecanismos adaptativos, observado, sobretudo, nas
populações urbanas. Torna-se clara a impossibilidade de o aconselhador atuar
isoladamente, pois está fora do seu alcance a incorporação de toda a gama de
informações necessárias para atender a sua clientela atual. Os problemas vitais são
multidimensionais e estão permeados de dificuldades de ordem técnica, legal,
financeira que ultrapassam os conhecimentos do aconselhador. Emerge, dessa
forma, o caráter multidisciplinar das atividades de aconselhamento; assim,
propõe-se a organização de sistemas de prestações de serviços em contextos múlti-
plos, educacionais, governamentais e de higiene mental comunitária, que não
somente exigem trabalho de equipe, mas ainda pluralismo disciplinar. Essa estru-
tura favorece o confronto criativo entre os vários profissionais cujas atribuições
não se encontram claramente estabelecidas, eliminando-se disputas, rivalidades
interdisciplinares e, sobretudo, redundância nos seus programas de treinamento e
nos serviços prestados. Essas atividades são: serviço social, psicologia clínica, psico-
logia do aconselhamento, orientação educacional, e integram a área denominada
de ciências aplicadas ao comportamento.
O aconselhador é um especialista em relações humanas, e atua inicialmente
como agente de desenvolvimento psicológico. Necessita estar alerta a tudo o que

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se refere ao ser humano e aos fatores capazes de interceptar o seu desenvolvi-
mento, aplicando e adaptando as suas técnicas às várias dimensões das necessi-
dades humanas, numa soCiedade em transição. Os objetivos específicos do aconse-
lhamento se alteram em função das problemáticas temporais dos indivíduos nessa
sociedade.
O contexto atual determinou a expansão do aconselhamento em termos de
pronto-socorro psicológico, ou intervenção em 'situação de crise, organizado no
início para atendimento de suicidas em potencial, mas que, com o agravamento
dos problemas urbanos, estendeu a sua ação a outras situações psicológicas críti-
cas. Outros problemas específicos surgem constantemente, determinando a criação
de novas especializações. É reconhecida a necessidade de especialista em proble-
mas de tóxicos. À medida que a família se fragmenta e que aumenta o tempo de
vida da pessoa idosa, necessita-se dos serviços do aconselhador especializado em
geriatria. A antecipação da aposentadoria enfatiza a atuação do aconselhador na
preparação psicológica do indivíduo, para melhor adaptação às novas contingên-
cias vitais. À medida que as cidades tornam-se patogênicas, necessita"se da consul-
toria de especialistas em comportamento "proximal" (proxemics), capazes de
interpretar o inter-relacionamento entre os problemas urbanos e os problemas
humanos detectados nas situações de aconselhamento. A reformulação dos concei-
tos de normalidade e patologia, em face das mudanças sociais, certamente deter-
minará ainda outras características e modalidades de atuação do aconselhador.
Examinados os objetivos no contexto atual, torna-se necessário estabelecer-
se o modelo de prestação de serviços de mais eficácia. A adoção do modelo
médico, em termos da polaridade saúde e patologia, não obteve aprovação. Na
atualidade, foi substituído pelo modelo educacional que oferece condições opera-
cionais mais adequadas aos objetivos de proporcionar condições de desenvolvimen-
to psicológico para todos. Constata-se porém que o aconselhamento ainda busca 'o
seu próprio modelo de prestação de serviços. No treinamento do aconselhador,
além dos conhecimentos técnicos, da prática supervisionada e de maior rigor na
formação para pesquisa, torna-se importante que se desenvolva no treinando a
consciência e a convicção da necessidade de sistemática renovação de conheci-
mentos em face da rápida expansão de informações relevantes nessa área, da
contínua emergência de novas categorias de problemas, e das mudanças freqüentes
nas expectativas sociais. O programa de treinamento ou de formação profissional
do aconselhador não fornecerá jamais os conhecimentos e habilidades necessários
para todas as contingências futuras. O treinando deve ser não somente informado
desse problema, mas também preparado para seu equacionamento. Os perigos da
inércia profissional devem ser' reconhecidos, bem como as barreiras a serem supe-
radas para a obtenção do contínuo crescimento profissional. Ainda não foram
determinadas claramente quais as características do aconselhador eficaz, sendo
desejável que, como resultado do programa de treinamento, ele desenvolva pro-
funda e genuína motivação para constante auto-avaliação no sentido de aperfei-
çoamento possível.

Aconselhomento TII1 atualidade 4S


Ainda no âmbito da formação do aconselhador foi sugerido um modelo de
treinamento baseado na teoria probabilística de informação no qual seriam quanti-
tativamente controlados os intercâmbios informacionais entre aconselhador e
aconselhando, com vistas a tornar o inter-relacionamento mais eficaz.
Entre as técnicas empregadas em aconselhamento observa-se uma tendência
crescente para o uso das de grupo: laboratório de sensibilidade, grupos de encon-
tro, maratonas, etc. É compreensível tal tendência como uma reação salutar,
contra a alienação e a despersonalização do ser humano na sociedade contempo-
rânea. O grupo representa uma tentativa de relacionamento menos mecanizado e
mais autêntico, uma busca da própria individualidade, pelo convívio mais íntimo
de uns com os outros.
Todavia, a validade das técnicas de grupo, em face dos objetivos do aconse-
lhamento, tem sido questionada. Evidências empíricas indicam que tais métodos
de intervenção psicológica nem sempre produzem os resultados esperados. Comu-
mente se caracterizam por intensa e deliberada confrontação que facilmente
conduz a situações desfavoráveis. Na realidade, não se dispõe de evidências que
indiquem ser a confrontação intensiva um meio de facilitar o desenvolvimento
psicológico. Talvez se devesse retornar aos modelos mais antigos de aconselha-
mento em grupo, que se concentravam predominantemente no desenvolvimento
do senso de responsabilidade individual. Observou-se ainda que a ênfase nas situa-
ções de "laboratório", que caracteriza os grupos atuais, tem contribuído para se
perder de vista o aproveitamento das potencialidades dos "grupos naturais", assim
denominados porque usualmente compreendem o próprio ambiente social do indi-
víduo. Incluem-se aqui os grupos recreativos, escolares, comunitários e outros, que
assistematicamente exercem influência mais ou menos significativa no desenvolvi-
mento pessoal.
A utilização do aconselhador leigo foi criticada devido ao seu caráter anti-
científico e por representar uma tentativa de introduzir um amadorismo perigoso
no campo do aconselhamento. Esse tipo de aconselhador, que se caracteriza por
pessoa que apresenta alto nível de condições facilitadoras de aconselhamento, tem
sido preconizado por alguns autores, entre os quais Truax e Carkhuff.
A característica emergente da psicologia do aconselhamento lhe atribui um
alto grau de fluidez, fazendo prever que sofrerá modificações acentuadas no
futuro. Todavia, os rumos em que se processarão essas mudanças ainda não podem
ser identificados.

Bibliografia

Andren, C. G. A model of guidance counsellor education. Trabalho apresentado no XVIII


Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, Montreal, 1974.

Dumont, F. Reflections on some objetives of psychological counselling. Trabalho apresentado


no XVIII Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, Montreal, 1974.

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Dupont, J. B. Les objetifs du conseil en orientation scolaire et professionnel (notamment dans
les situations duelles). Trabalho apresentado no XVIII Congresso Internacional de Psicologia
Aplicada, Montreal, 1974.

Latreille, Genevieve. L'evolution des conceptions en ce qui concerne les buts du counselling
d'orientation en France depuis 2S ans. Trabalho apresentado no XVIII Congresso Interna-
cional de Psicologia Aplicada, Montreal, 1974.

Myers, R. Some thoughts on counsellor education. Trabalho apresentado no XVIII Congresso


Internacional de Psicologia Aplicada, Montreal, 1974.

Newsone, Audrey. Counselling in higher education in Britain. Trabalho apresentado no XVIII


Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, Montreal, 1974.

Scheeffer, Ruth. The formation of vocational counsellors in Brazil. Trabalho apresentado no


XVIII Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, Montreal, 1974.
Truax, C. B. & Carkhuff, R. Toward effective counselling and psychotherapy. Chicago,
Aldine, 1967.

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