Você está na página 1de 27

SOBRE

OUVIR
VOZES
o que é
como lidar
qual ajuda
buscar?

ufpr 2022
AGRADECIMENTOS FICHA TÉCNICA
Este e-book é um produto do projeto de extensão autores
“Psiquiatria em Curitiba: intervenções” Coordenado Sabrina Stefanello - Profa. Dra. Departamento de Medicina
pelos professores que constam como autores e do qual Forense e Psiquiatria da UFPR.
participaram os demais autores. Deivisson Vianna Dantas dos Santos - Prof. Dr.
Departamento de Saúde Coletiva da UFPR.
Ele só foi possível graças às provocações de alguns amigos Loraine Oltman de Oliveira - Mestre em Saúde Coletiva
e amigas, da extensão universitária, das trocas e relações pela UFPR.
de confiança entre pessoas, da experiência adquirida Beatriz Zaia Bertoldi - Graduanda em Medicina na UFPR.
trabalhando no Sistema Único de Saúde e dos encontros Brunna Andrade Gondo - Graduanda em Medicina na
com quem defende direitos humanos e uma sociedade UFPR.
mais inclusiva. Um agradecimento especial a todos e todas Giovana Ferreira De Freitas Miranda - Graduanda em
as pessoas que escutam vozes e ousaram falar de suas Medicina na UFPR.
experiências, seja em público ou de modo privado. Giselle Caroline Nunes De Morais - Graduanda em
Medicina na UFPR.
Lorena Van Der Vinne - Graduanda em Medicina na UFPR.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Nathan Rodrigues Vallim - Graduando em Medicina na
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SISTEMA DE BIBLIOTECAS – BIBLIOTECA CENTRAL UFPR.

Sobre ouvir vozes [recurso eletrônico] : o que é, como lidar, qual


ajuda buscar? / Sabrina Stefanello… [et al.]. – Curitiba: UFPR,
2022. projeto gráfico e desenhos
1 recurso on-line : PDF
Gustavo Caboco
Publicação do Projeto de Extensão Universitária “Psiquiatria
em Curitiba: intervenções” vinculado ao Departamento de
Medicina Forense e Psiquiatria da UFPR.
ISBN 978-65-84565-60-9 (PDF)

1. Saúde mental. 2. Psiquiatria. 3. Técnicas de autoajuda. I.


Stefanello, Sabrina. II. Universidade Federal do Paraná.
Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da UFPR.

Bibliotecária:Lidiane do Prado Reis e Silva CRB-9/1925


O que são as
vozes e quem
as escuta?

Ouvir vozes pode ser uma experiência comum que qualquer ser humano
pode ter, em nossa atual sociedade isso tem sido associado a sintomas de
algum transtorno mental. Entretanto, se sabe que muitas pessoas ouvem
vozes e a maioria delas não possui nenhum transtorno mental.

Na perspectiva médica, as vozes podem ser consideradas alucinações,


principalmente quando são ouvidas sem que haja outras pessoas por perto
ou então quando as pessoas ao redor não escutam essas mesmas vozes.
Essa nomenclatura, porém, não torna o ouvidor ‘anormal’, sendo uma
denominação que designa a percepção tida somente por aquela pessoa.

Essas experiências singulares também podem ocorrer de outras maneiras,


como ver coisas que os outros não conseguem ver, sentir cheiros, toques
ou outras experiências únicas. Essas vozes também podem ser consideradas
avisos divinos a partir de uma compreensão espiritual do que é dito e da
maneira como é dito. É importante que essas denominações sejam dadas
pelos próprios ouvintes, ou seja, por você, que vivencia essas experiências
independentemente de quais forem.
Mas por que
As suas percepções e experiências podem se
manifestar de diferentes formas, como por

as pessoas
exemplo:

escutam
• Ouvir chamar o nome quando não há ninguém junto;
• Ouvir ou ver coisas quando está pegando no sono;

vozes?
• Experimentar vozes como se elas estivessem dentro da cabeça, ou sentir
que as vozes vêm de fora e são ouvidas;
• Acreditar que está ouvindo os pensamentos dos outros;
• As vozes podem ser mais fortes quando se está estressado;
• Ouvir vozes ameaçadoras ou que falem coisas desagradáveis, que deem
comandos para realizar atividades perigosas ou inaceitáveis, ou tentar
controlar o ouvidor;
• Ouvir vozes que ajudam, que servem de companhia, que orientam coisas
boas;
• Ouvir mais de uma voz e elas podem tentar argumentar entre elas, cada
uma com suas características de gênero, idade, intensidade, estilo, nome, etc.
Ainda não sabemos quais os motivos exatos pelos quais uma pessoa passa
a escutar vozes ou ter outras experiências extrassensoriais como visões e
sensações corporais. Porém, os estudos realizados até o momento trazem
algumas explicações que podem justificar a experiência de ouvir vozes
tais como: traumas psicológicos, abusos, estresse, ansiedade, luto, privação
sensorial, uso de drogas ilícitas ou abstinência delas, uso de medicamentos
ou abstinência deles, traumas físicos que atinjam o cérebro (como quedas e
acidentes), problemas neurológicos, problemas de saúde que causem confusão
mental, transtornos mentais ou experiências espirituais e religiosas. Algumas
explicações, como a espiritual/religiosa, são importantes, porque levam em
consideração pessoas que não têm experiências ruins relacionadas às suas
vozes. Durante muito tempo as pesquisas na área da saúde focaram apenas
em grupos que tiveram essas experiências ruins, o que acabou gerando um
maior número de explicações com cunho negativo. Hoje em dia, porém, há
novas iniciativas que procuram grupos com experiências positivas e distintas,
dessa forma espera-se que novas explicações surjam. Uma dessas novas iniciativas é a do Movimento dos Ouvidores de Vozes
(atualmente um movimento internacional), ele surgiu do encontro do
psiquiatra Marius Romme e sua paciente, ouvidora de vozes, Patsy Hage na
Holanda, em 1987. Eles buscavam uma nova forma de entender e lidar com
as vozes, que não considerasse essa experiência como algo patológico. Juntos
eles buscaram por outras pessoas que tivessem vivências semelhantes e a
partir dessa iniciativa surgiram os primeiros grupos de Ouvidores de Vozes
cuja característica de ajuda mútua permite aos participantes ter um espaço
seguro, onde é possível compartilhar experiências e juntos estabelecer
formas de conviver melhor com elas. Além de partir do pressuposto de que
as vozes podem ter diferentes significados e que os ouvintes devem ser os
protagonistas de suas próprias vidas.
Dessa forma, o Movimento dos Ouvidores de Vozes quer levar a seguinte Ao longo do tempo, algumas relações e explicações para as vozes ficaram mais
mensagem: “Escutar vozes é parte natural da experiência humana e deve robustas na medida em que evidências foram encontradas em estudos, são:
ser enxergada como tal”. A impressão de que todo ouvidor de voz é uma
pessoa doente advém do tabu, do silenciamento e da falta de esclarecimento, Traumas:
muitas vezes corroborada por um discurso biomédico patologizante. A algumas vozes têm suas raízes em memórias de experiências traumáticas, em
experiência de ouvir vozes está muito mais presente em nossa sociedade especial eventos vividos durante a infância, quando há maior dificuldade para
do que nós imaginamos. Estudos epidemiológicos demonstraram que uma auto-defesa e maior incidência de práticas como bullying e outras formas
parte significativa da população teve pelo menos uma experiência de ouvir de abuso. As vozes ou outras experiências podem aparecer como flashbacks
vozes em sua vida, mesmo indivíduos sem histórico de transtorno mental. que reproduzem acontecimentos ou então a voz da pessoa que praticou
Ouvir vozes aparece, então, como uma experiência que se estende para abuso pode dizer coisas vergonhosas, que causam medo e diminuem a sua
a população em um todo, sugerindo que a visão ocidental preponderante auto-estima. Ainda que nem todos os ouvidores de vozes façam ligação com
de que “ouvir vozes” é sinal inevitável de transtorno mental precisa ser eventos traumáticos, desde o início do Movimento dos Ouvidores de Vozes,
reavaliada. já havia indícios dessa relação, com aproximadamente 70% dos ouvidores de
vozes começando a escutar vozes após evento traumático.
As pesquisas também vêm confirmando essa forma de compreender as
vozes como mais construtiva, empoderadora e promotora de qualidade de Pensamentos intrusivos:
vida do que um modelo centrado na doença. Essa mudança na compreensão a maioria das pessoas falam com elas próprias dentro de suas cabeças, por
ajuda a ter uma visão mais realista, pois nem sempre será possível eliminar a exemplo “Não se esqueça de trancar as portas ao sair”, esse fenômeno
experiência com os tratamentos farmacológicos existentes.Além da limitação é chamado “discurso interior”, porém algumas pessoas não reconhecem
no tratamento, os medicamentos frequentemente trazem consigo efeitos esses pensamentos como sendo seus, atribuindo essa voz a outra pessoa ou
adversos, tais efeitos podem interferir na própria adesão ao tratamento e entidade, principalmente quando as vozes têm um teor agressivo. Estudos
também na autoestima de quem os usa. É por essa razão que é importante de imagem demonstraram que falar consigo mesmo e ouvir vozes ativam a
ampliar as possibilidades do seu cuidado. mesma parte do cérebro, indicando uma possível origem em comum para
ambos os fenômenos e fomentando o modelo “contínuo” em que ouvir
vozes estaria em continuidade com os pensamentos intrusivos.
Uso de substâncias: de rostos, formas geométricas e sensações corporais como a impressão de
vozes experienciadas sob efeito de drogas lícitas ou ilícitas podem ser estar caindo em queda livre. Segundo pesquisas, 75% ou mais da população
transitórias, cessando assim que a substância sai do corpo ou então se pode ter experiências extrassensoriais nessa categoria.
tornar crônicas e permanecer mesmo após a saída da substância que estava
relacionada com o início dos eventos. Frequentemente a intensidade dessas Experiências espirituais:
experiências está relacionada com o tipo de substância e principalmente algumas pessoas entendem as vozes como parte de uma experiência
a quantidade utilizada. É importante lembrar que assim como o uso pode espiritual. Pode ser através do reconhecimento da voz como vinda de um
acarretar eventos extrassensoriais, a abstinência de algumas substâncias anjo, uma entidade, Deus ou alguma outra fonte. Essa crença pode tornar os
também pode precipitar essas experiências. eventos muito especiais para você e ajudar a dar sentido para a sua vida. Por
outro lado, pode ser que você se sinta mal, assustado ou apenas não goste
Luto: dessas experiências espirituais.
se você perdeu alguém muito próximo recentemente, pode ser que escute
essa pessoa falando com você ou sentir ela junto a você, mesmo que não Transtornos mentais:
possa vê-la. Essa experiência é comum principalmente nos primeiros dias Depressão, transtornos ansiosos, transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia
após a perda e pode ser tanto assustadora quanto reconfortante. e outros transtornos mentais podem apresentar como uma de suas
características a presença de vozes ou outros sintomas extrassensoriais.
Problemas clínicos: Apesar da relação existente, ouvir vozes não é sinônimo de transtorno
como na doença de Alzheimer, doença de Parkinson, tumor cerebral, mental e cada vez mais os estudos demonstram que uma parte significativa
epilepsia, neurossífilis, alguns tipos de doenças inflamatórias que causam dos ouvidores de vozes nunca precisaram de ajuda em serviços de saúde
febre, hipertireoidismo e outras, também podem desencadear vozes e em relação a essas experiências, motivo pelo qual muitas vezes esse grupo
outras experiências extrassensoriais visuais, corporais, etc. de pessoas passa despercebido. É importante salientar, entretanto, que uma
parcela de ouvidores de vozes que se beneficiariam de alguma ajuda em
Vozes ao despertar ou adormecer: serviços de saúde, não procurou esses locais por medo do preconceito,
uma forma muito comum de ouvir vozes acontece no momento de dormir estigma ou por terem tido experiências prévias ruins. Uma perspectiva
ou acordar. Sendo muito mais comum ouvi-las logo antes de adormecer. menos patologizante e mais compreensiva e tolerante também ajudaria essa
Além de vozes, como escutar seu nome sendo chamado ou um bebê parcela de pessoas.
chorando, as visões também são comuns nesse período, com a visualização
Como
Talvez você esteja se perguntando

se a existência de muitas explicações

não torna elas inválidas ou auto-excludentes,


as vozes
podem
a resposta para essa pergunta é não.

me afetar?
Diversas explicações para as vozes

são aceitas e valorizadas, a ideia do

MOVIMENTO DOS OUVIDORES DE VOZES

é respeitar o fato de que cada pessoa pode lançar

mão de quantas explicações quiser para entender

suas vozes, tomando controle de suas experiências

e definindo-as por conta própria através da

construção da autonomia e em busca de uma

melhor qualidade de vida.

Nós acreditamos que na maior parte dos casos

é possível entender e interpretar a experiência

de ouvir vozes dentro do contexto de vida e das

narrativas interpessoais de quem as escuta e

que as estratégias para lidar com as vozes são

construídas ao longo do tempo,

dentro de uma relação de autocuidado e

valorização da autonomia.
A explicação de que as vozes podem ter um significado pessoal ao ouvinte As vozes negativas podem fazer com que a pessoa que as escuta sinta
e estarem relacionadas a acontecimentos da sua vida, pode refletir no que não tem controle nem sobre seus próprios pensamentos e que por
conteúdo e intensidade destas vozes e, também, em como elas podem afetar isso não tem o direito de se expressar ou discordar delas ou de outras
quem as ouve. É possível que você ouça mais de uma voz e elas podem afetar pessoas. Alguns amigos, familiares e até desconhecidos podem achar que
de formas diferentes ou, então, uma mesma voz pode ser positiva em um isso a torna incapaz de cuidar da própria vida, manter um emprego e estudar,
determinado momento e em outros causar sofrimento. além de prejudicar suas relações pessoais. O estigma e os preconceitos
sociais relacionados às experiências de ouvir vozes podem fazer com que o
As vozes podem ser benéficas, serem úteis no seu dia-dia, protetoras, ouvidor se sinta excluído e fique relutante em compartilhá-las porque tem
amigáveis e compreensivas, te ajudar e fazer com que se sinta bem. Na medo de ser visto como alguém seriamente doente, o que faz com que sua
história temos alguns exemplos de vozes assim, que serviam de guias, como angústia aumente ainda mais e se sinta solitário.
os casos de Maomé e Sócrates. Nesses casos, torna-se mais fácil com que
você se acostume com as vozes e elas não representem nenhum incômodo, Procurar entender os significados dessas vozes, ressignificá-las e desenvolver
ou até mesmo consiga criar alguma relação com elas.Vale lembrar, que essas estratégias para lidar melhor com elas pode auxiliar a estabelecer um
experiências, por si só, não são necessariamente ruins e não significam que melhor relacionamento e mudar a forma de como elas te afetam. Logo, é
exista uma doença. preciso investir em formas de cuidado que ajudem a lidar com as questões
do cotidiano e que foquem no que você considera importante para ter uma
Em contrapartida, esta experiência pode ser negativa e causar sofrimento.As melhor qualidade de vida.
vozes podem ser grosseiras, tentar convencê-lo a fazer coisas que considera
erradas, além de criticar e ameaçar quem as ouve. Elas podem causar medo
e convencê-lo a obedecê-las, às vezes causando risco à própria vida ou
a outras pessoas. As vozes podem ainda interromper seus pensamentos,
dificultando com que consiga manter a concentração em suas atividades e
até mesmo em uma conversa. A pessoa que ouve esse tipo de vozes pode
se sentir controlada por elas e impedida de realizar algo que gostaria muito
de fazer. Frente a isso, as vozes podem atrapalhar a sua rotina, gerando
nervosismo e confusão. Nesses casos, a convivência com as vozes torna-se
mais difícil e tem sido associada ao isolamento, angústia e baixa autoestima
de quem as escuta.
Minhas vozes
são um problema:
O que EU posso
fazer?
Quando nos sentimos fragilizados e com medo, as vozes podem aparecer
com mais frequência e reforçar o estado de solidão, além de, às vezes, falarem
coisas muito ruins. Se suas vozes são um problema, estudos demonstram
que além das medidas farmacológicas usualmente adotadas, é importante
utilizar estratégias de enfrentamento para minimizar os efeitos negativos
delas. Tentar lidar com as vozes ajuda você a se tornar protagonista da sua
história e ter mais autonomia para agir em relação àquilo que escuta, além
de auxiliar na criação de objetivos que podem ter influência sobre essas
experiências.

Aqui serão listadas algumas estratégias de enfrentamento que podem ser


postas em prática conforme for mais saudável para você. No decorrer
dessas descobertas, é importante tentar identificar o que funciona melhor,
podendo lançar mão de mais de uma estratégia. Essa lista tem o intuito de
ajudá-lo(a) a começar até que possa conjugar várias estratégias e até mesmo
criar as suas próprias.
Envolvimento em conversas quando escutam música, dançam e cantam ao mesmo tempo, como se
Essa estratégia refere-se a você se envolver em conversas com outras ficassem imersas nessa experiência, abafando tudo o que se passa ao seu
pessoas, seja sobre as suas vozes ou sobre outros assuntos. Quando nos redor.
envolvemos em uma conversa interessante com outras pessoas, a nossa
mente se volta para a conversa e isso pode ajudar a manter sua atenção e Mudança de percepção e significado das vozes
concentração direcionada para o conteúdo delas. Quando você verbaliza, Quando você aceita que as vozes são parte de si, não significa que elas
para outras pessoas, sobre o que suas vozes lhe dizem, isso pode ter um passam a ter o controle. Pelo contrário, é possível que consiga ter um maior
efeito protetor, ou seja, algumas pessoas notam uma diminuição daquilo que controle sobre elas, além de entender que é possível pedir ajuda quando
estão escutando das vozes e/ou uma redução da frequência dessas vozes. preciso. Prestar atenção no conteúdo das vozes pode ser útil para você
definir padrões e associações quanto às situações em que elas aparecem.
Dar um tempo Entender que as vozes existem em você e estabelecer um diálogo com
Às vezes ficar cercado de pessoas e ter que conversar quando você está essas vozes pode ser bastante desafiador, porém para muitas pessoas, isso é
escutando vozes pode tornar mais difícil lidar com elas. Caso isso ocorra fundamental para estabelecerem um modo de se relacionar e conviver com
com você, tirar um tempo para ficar sozinho pode ajudar a lidar com as elas. Alguns ouvidores de vozes conseguem impor limites de tempo e do
vozes, porém se você achar que ficar sozinho te faz pensar coisas que momento em que darão atenção às vozes, em geral de modo cordial e firme,
colocam sua segurança em risco peça ajuda de alguém de sua confiança você também pode tentar essa estratégia.
para lhe fazer companhia, seja de maneira presencial, virtual ou por ligação
telefônica. Você não está sozinho
Estima-se que 4% das pessoas no mundo escutem vozes ou tenham outras
Interferências sensoriais experiências extrassensoriais. Esse número pode ser ainda maior se
Quando temos outros estímulos acabamos tendo a nossa atenção voltada considerarmos as pessoas que não procuram os serviços de saúde. Além
para eles, assim como a redução e controle de estímulos pode ser melhor disso, vale lembrar que na história existem inúmeras pessoas que ouviam
para alguns. Neste caso, a estratégia pode ser diminuir os estímulos, por vozes e desempenharam papéis influentes como profetas religiosos, médicos,
exemplo, fechar os olhos e/ou utilizar tampões de ouvidos. No sentido psicólogos, filósofos, artistas, poetas, exploradores e políticos.
oposto, é possível aumentar os estímulos, como ao ouvir uma música alta
e estimulante (pode ser com fones de ouvidos), associada ou não a algum
exercício físico. Algumas pessoas conseguem ter momentos prazerosos
Escuta seletiva: Rotina:
A experiência de ouvir vozes é diferente para cada ouvidor.Algumas pessoas O planejamento e a autoconsciência costumam ser ferramentas úteis para
podem ouvir vozes positivas e outras negativas ou uma mesma voz pode melhorar a qualidade de vida. Por exemplo: uma pessoa que tende a ouvir
ajudar em alguns momentos e atrapalhar em outros. Para quem tem essas vozes no período da tarde pode se planejar para cozinhar e limpar a casa
experiências, desenvolver a habilidade de escuta seletiva pode ser benéfico. pela manhã. Outra possibilidade, caso você se sinta confortável, é negociar
Ou seja, empoderar-se para guardar para si as coisas boas ditas e ignorar os com as vozes em qual momento você poderá dar atenção para elas e assim
pontos ruins, da mesma forma como costumamos fazer no convívio social, conseguir focar mais nas atividades que deseja.
decidindo quem tem influência sobre nós ou não. Um exemplo seria você
ignorar ordens que não quer seguir, que colocariam em risco você ou as Rede de apoio social:
pessoas ao seu redor. É importante ter sempre em mente que esse processo é seu, mas você não
precisa necessariamente passar por isso sozinho(a). Por isso, as estratégias
Um dia de cada vez: de enfrentamento têm maior taxa de sucesso quando compartilhadas com
Estabeleça pequenos objetivos e anote suas conquistas. Por exemplo, você outras pessoas que entendem você e que são de confiança, por exemplo:
pode criar metas para fazer alguma atividade física, cozinhar uma refeição seu/sua terapeuta, outro/a profissional de confiança, familiares ou amigos.
que goste, fazer um passeio, aproveitar um dia ao ar livre, passar um tempo É interessante construir uma rede de pessoas que possam ajudá-lo(a) nessa
perto daqueles que ama, aprender algo novo, limpar uma parte da casa. Cada caminhada. Elas podem contribuir em diferentes modos, momentos e níveis
passo realizado merece ser comemorado e é sempre importante ser gentil de intensidade, gerando uma rede de apoio em várias esferas.Você pode até
consigo mesmo nos momentos de dificuldade. mesmo desenhar essa rede em um caderno ou papel, colocando o nome,
contato telefônico e alguma característica que você gosta dessas pessoas.
Mantenha-se ocupado:
Para algumas pessoas, manter-se ocupado ajuda com as vozes, pois as Estabeleça regras de convívio com as vozes:
distraem. Enquanto para outras pessoas as vozes pioram e fica ainda mais Ao estabelecer um diálogo com as vozes você pode tentar criar algumas regras
cansativo ignorá-las. Sendo assim, experimentar diferentes atividades é uma de convivência com elas. Estabelecer alguns limites, como horário ou locais em
forma de entender o que funciona melhor para você. que você irá escutá-las, permite com que elas não atrapalhem seu dia a dia.
Você pode tentar dizer a elas coisas como “Estou muito ocupado para falar
agora” ou “Posso dar atenção a você(s) depois da janta”. Assim, é possível um
convívio mais amigável com as vozes por meio de um contrato com elas.
Expresse-se: Espiritualidade:
Escrever, desenhar, criar músicas ou esculturas expressando o que você A espiritualidade pode ser para muitas pessoas uma forma de encontrar
escuta e como se sente pode ajudar no processo de lidar com essas sentido para si, para o mundo e pode ser um meio de encontrar sentido
experiências. Essas atividades também são uma boa maneira de se manter para suas vozes. Há diversas formas de expressar sua espiritualidade, como
ocupado. Uma dica é revisitar as coisas que você criou buscando conhecer por meio de orações, meditações ou até mesmo estar em contato com a
melhor a si mesmo e entender melhor a sua própria história. natureza.

Diários: A religião é uma dentre elas que pode ser uma forma de suporte para
Manter um diário é uma outra forma de se expressar. Escrever o que as vozes você. No entanto, é importante tomar cuidado com grupos que exercem
dizem e como isso afeta você pode contribuir para o desenvolvimento de pressão para que você se envolva mais do que deseja ou que interpretam
autoconsciência. Dessa forma, pode ficar mais evidente quais são os gatilhos as vozes de uma forma que não lhe deixa confortável. Uma dica é sempre ir
para as vozes, quais são as estratégias que funcionam para você e o que acompanhado de alguém de confiança se for a uma atividade religiosa pela
pode lhe causar sofrimento. Além disso, pode ser um treino para encontrar primeira vez.
as melhores maneiras de expressar o que você está sentindo e conseguir
compartilhar a sua experiência com pessoas de confiança. TV ou rádio:
Programas de TV e rádio podem ser uma forma de distração para algumas
Lazer: pessoas, porém para outros a interação dos sons desses aparelhos com as
Busque atividades que lhe tragam prazer. Grupos de música, pintura, vozes provoca estresse. Caso você vivencie esse estresse, mas queira ver
artesanato ou culinária, por exemplo, são uma ótima opção se você fica TV ou escutar rádio, você pode buscar entender quais são os gatilhos para
confortável em espaços compartilhados. Essas atividades podem lhe as vozes, evitando programas e temas que provocam esses momentos de
proporcionar um local seguro para conhecer outras pessoas e ocupar o seu tensão. Uma maneira de colocar isso em prática seria buscando outros canais.
tempo com atividades que lhe tragam satisfação. Os serviços de Saúde (ex. Outra alternativa é buscar programas que exigem pouca concentração e
Centros de Atenção Psicossociais), Centros de Convivência e Organizações que não exigem muito foco para lhe entreter.
não Governamentais podem ter ofertas de atividades em grupo variadas.
Leia e aprenda sobre essas experiências:
Buscar entender as diferentes explicações que os ouvidores dão às suas
vozes pode ser uma maneira de contribuir para que você entenda as suas
próprias vivências. Você pode procurar livros, conferências e relatos de Alternativas para a autoagressão:
ouvidores, por exemplo. Também é uma forma de entender que você não Essa estratégia já foi descrita por pessoas que passam por experiências
está sozinho e de que não há só um caminho para lidar com as vozes, pelo estressantes relacionadas às vozes. Se você usa a autoagressão para lidar
contrário, existem muitos caminhos e você pode experimentar e tentar com elas, considere formas alternativas de expressão, como as já citadas
tantos quanto estiver disposto ou disposta. anteriormente e as estratégias que vêm a seguir, porém, se a autoagressão
for uma estratégia difícil de abandonar, procure tentar formas mais
Pico de Adrenalina: controladas para esses atos, como usar um elástico no pulso e puxar e
Algumas pessoas gostam de filmes de terror ou ação por causa do clímax soltar ele quando tiver o impulso de se machucar. Desenhar em você com
intenso que provoca um pico de adrenalina. Assim como, esportes radicais uma caneta vermelha também pode ser uma alternativa ao auto ferimento
provocam uma sensação semelhante e podem ser uma técnica de distração. ou então apertar gelo com as mãos.
No entanto, se essa estratégia funciona com você, tome cuidado para não
se colocar em situações de perigo. Além disso, fique atento porque o pico A interação com outras substâncias:
de adrenalina pode tornar mais difícil relaxar quando você for dormir, por As vozes podem fazer com que você queira fugir da sua realidade e acabe
isso tente usar essa estratégia durante o dia e evite ela durante a noite, recorrendo intensamente ou frequentemente ao uso de álcool e outras
principalmente logo antes de dormir. drogas. Apesar dessas substâncias parecerem ajudá-lo em um primeiro
momento, elas podem levar a graves consequências para sua saúde. Além
Práticas complementares ou integrativas: de causar dependência, o uso de substâncias pode ter um impacto negativo
As práticas complementares ou integrativas são formas de cuidado que sobre suas vozes, elas podem se tornar mais agressivas e você pode perder o
podem contribuir para o seu bem estar. Como o próprio nome indica, podem controle mais facilmente. Sendo assim, tente experimentar outras estratégias
complementar algum tratamento, ou no caso das práticas integrativas terem para diminuir seu sofrimento.
uma abordagem mais abrangente, envolvendo o cuidado de corpo, mente
e espírito. Existem várias dessas práticas disponíveis, por ex. acupuntura,
terapia comunitária integrativa, homeopatia, aromaterapia, entre outras. Para
muitas pessoas essas formas de cuidado são bastante úteis, você pode se
informar ou conhecer mais sobre elas e ver se faz sentido para a sua vida.
Imaginação:
Use sua imaginação criativa e visualização positiva para mentalizar locais
onde você gostaria de estar, locais que te tragam sentimentos bons. Essa
técnica pode ser utilizada enquanto você lê um livro, criando imagens da
história em sua cabeça. Uma outra forma de utilizar essa imaginação é
construir uma sala em sua cabeça que só você tem a chave e trancar as
vozes nessa sala. Por mais estranho que possa parecer, o uso de sua própria
imaginação para lidar com as vozes aparece em muitos relatos de pessoas
que convivem com essas experiências.

Celebrar:
Recompense você com algo que goste toda vez que conseguir manter o
controle. Quando as vozes diminuem, frequentemente fica um vazio onde
elas costumavam estar, isso pode te deixar ansioso. Essa ansiedade pode ser
um convite para que as vozes retornem. Por isso, permaneça ciente de que
isso pode ocorrer, não desanime, respire fundo, tente manter o controle e
considere que ao longo da vida todos nós teremos momentos bons e ruins.
Conte com as pessoas de seu convívio para te dar um suporte e ajudar a
preencher esse vazio com coisas que façam bem e te deem qualidade de vida.

Sua estratégia:
Pare um momento para pensar se você já não faz algo que ajude a lidar com
as suas experiências e anote aqui.
Qual
suporte
está
disponível?
É importante ressaltar que o caminho para a redução Por meio desses grupos, as pessoas que ouvem vozes conseguem entender
do impacto negativo das vozes no bem-estar e na sua melhor essas vozes, desenvolver estratégias para aceitar e lidar com elas e
independência não é um processo linear. Isto é, podem haver reconhecer melhor e prever os momentos de crise, levando a um maior
momentos difíceis, sensação de piora, porém como estamos sempre em empoderamento do indivíduo. O ambiente seguro, que é protegido pelo
desenvolvimento e nunca voltamos a ser quem já fomos, passar por tais sigilo e é livre de julgamentos, encoraja as pessoas a abordarem assuntos
experiências pode vir associado a um crescimento emocional. mais delicados e que nunca foram tratados antes, tornando-se realmente um
lugar de escuta entre semelhantes. Compartilhar os problemas em comum
Este caminho é um processo pelo qual o ouvidor é confrontado consigo é visto como o fator de maior benefício terapêutico para quem participa
mesmo, dando-lhe a oportunidade de se conhecer melhor - entender melhor desses grupos, uma vez que diminui o estigma e normaliza a experiência de
os seus próprios sentimentos, reconhecer e tornar-se consciente das suas ouvir vozes. À medida que os encontros se desenvolvem e as experiências
dificuldades, aceitar e ter compaixão consigo mesmo. Assim, espera-se são compartilhadas, os indivíduos passam a ter a percepção de que não estão
uma melhora na sua capacidade de cuidar do próprio bem estar, tomando sozinhos. Os participantes buscam ajudar uns aos outros e há formação de
a responsabilidade para si mesmo de praticar atividades que lhe fazem bem. vínculo entre eles, estimulando a socialização.
Além disso, essas experiências podem ajudá-lo a melhorar a forma com Esses grupos não determinam obrigatoriamente o que você deve fazer, pois
que se relaciona com o próximo, constituindo e reconstituindo uma rede eles são voltados para o recovery, isto é, têm como objetivo que as pessoas
significativa de apoio mútuo. Desenvolvimento ou reconexão com a sua que ouvem vozes consigam ter uma vida cheia de sentido e satisfação
própria espiritualidade pode ser outro aspecto benéfico desse processo. independente da persistência das vozes ou não. Este ambiente, que permite o
compartilhamento de ideias, sugestões, sentimentos, informações e soluções,
Grupos de ouvidores de vozes: auxilia para o desenvolvimento de novas habilidades e ajuste de habilidades
São grupos de ajuda mútua, que tem o propósito de gerar um ambiente seguro conhecidas para lidar melhor com as vozes. Assim, os ouvidores de vozes
para o compartilhamento de experiências e informações entre pessoas que reduzem as crenças negativas relacionadas às vozes e, consequentemente,
ouvem vozes. Nesses grupos costuma-se ter bastante liberdade para expressar o sofrimento gerado por elas, conhecem-se melhor e criam uma rede de
as experiências e até mesmo o conteúdo das vozes, permitindo explorar suporte social contribuindo para um maior bem-estar.
coisas que podem ser muito difíceis de serem compreendidas por quem não
as escuta. Eles surgiram a partir do Movimento dos Ouvidores de Vozes, cuja
compreensão entende que as pessoas atribuem diferentes significados para as
suas experiências, e que elas devem ser encorajadas a encontrar seu próprio.
Psicoterapia: Medicamentos:
A psicoterapia é uma forma de tratamento com um profissional de saúde ou O uso de medicamentos pode ser uma das maneiras de lidar melhor
expert no assunto que tem como objetivo diminuir sofrimentos, interpretar com as vozes. Atualmente, existem várias opções disponíveis, encontrar o
os eventos e acontecimentos da vida de uma pessoa. Com esse tipo de melhor medicamento para você e a sua dose ideal costuma ser um processo,
ajuda o ouvidor pode identificar o porquê das vozes dizerem o que dizem, principalmente porque cada indivíduo tem respostas diferentes e o que
identificar os gatilhos que desencadeiam as vozes, desenvolver mecanismos funciona para um pode não funcionar para o outro. É importante saber
para lidar melhor com as vozes, tornar-se mais empoderado em relação a elas. o que está sendo usado, em quais dosagens, conhecer o funcionamento
dos medicamentos e seus efeitos colaterais. Isso pode ser feito buscando
Existem diversas formas de psicoterapia, que podem ser orientadas por informações de qualidade, lendo a bula, perguntando aos profissionais de
bases teóricas diferenciadas, como a terapia cognitivo comportamental, saúde ou por meio de grupos como o de gestão autônoma da medicação
psicanálise, psicologia analítica e outras. (GAM) (https://www.fcm.unicamp.br/fcm/sites/default/files/paganex/guia_
gam_para_dowload_com_correcoes.pdf). Nos grupos da GAM existe toda
A terapia cognitivo comportamental é uma abordagem que busca identificar uma reflexão que é estimulada para que a pessoa fique mais informada e
padrões de comportamentos, pensamentos, crenças e hábitos mal adaptativos reflita sobre o que deseja para sua vida, podendo assim participar mais
e disfuncionais e combater esses padrões. Essa terapia reafirma que ouvir de seu tratamento. Conversar durante as consultas médicas sobre suas
vozes faz parte de um amplo espectro de eventos mentais. Normalizando expectativas e objetivos com o tratamento medicamentoso costuma ajudar
a ideia de que ouvir vozes é uma experiência humana comum. Além disso, quem escuta vozes.
aborda o relacionamento familiar e social da pessoa, uma vez que ter uma
rede de apoio bem estruturada contribui para melhores respostas à terapia. A porta de entrada nos serviços de saúde públicos é a unidade básica
A psicanálise compreende que cada ser humano se desenvolve psiquicamente de saúde, se você ainda não faz nenhum tratamento, e acha que precisa,
de uma forma, e a partir das nossas vivências vamos construindo jeitos de pode ver qual a unidade básica de saúde mais perto de sua casa e procurar
lidar com o mundo. Para essa abordagem as vozes podem ser tentativas atendimento.
da nossa psique para enfrentar as adversidades da vida. Um dos objetivos
de uma psicoterapia dessa orientação está em compreender melhor sobre
si mesmo, estabelecer uma vinculação e relação saudável com outro ser
humano (nesse caso, o terapeuta) e a reduzir o sofrimento emocional geral
- estando ele envolvido com as vozes ou não.
Atenção plena: Existem diferentes formas para lidar com as
Essa prática consiste em prestar atenção no momento atual intencionalmente
vozes e inúmeras maneiras de buscar suporte, e
e sem julgamentos. Mais comumente é conduzida por meio de meditações e
exercícios guiados, que podem ser realizados com ajuda de alguém, através isso mostra como cada pessoa tem uma resposta
de vídeos sobre meditação, podcasts ou aplicativos. Nela o ouvidor pode diferente. Enquanto uns se beneficiam de uma
desenvolver habilidades para lidar melhor com as vozes. Treinar a sua
estratégia específica, outros podem precisar de
aceitação, tanto das vozes como de si mesmo. É uma prática empoderadora
e relaxante que visa diminuir o auto julgamento. várias estratégias ao mesmo tempo. Algumas

pessoas deixam de ouvir as vozes completamente,


Por meio da atenção plena o ouvidor é levado a tomar consciência das
enquanto outras aprendem formas para lidar e
suas reações às vozes, dessa forma pode tentar alterar seu sentimento e
conviver melhor com elas. Por isso é importante
relacionamento com elas. Esse processo envolve o treino para que o ouvidor
permita que as vozes fluam sem reagir e se desprenda da crença de que estar aberto para encontrar a sua própria
precisa lutar contra as vozes a todo momento. maneira de ter uma vida cheia de sentidos e maior

satisfação.
Como
pessoas próximas
e a família
podem
ajudar?
Se você é uma pessoa próxima de alguém que ouve vozes e coexistir uma variedade de emoções, como a culpa por não saber como
pulou direto para essa parte, sem ler os tópicos anteriores, ajudar; raiva pelas mudanças geradas; tristeza por sentir que aquela pessoa
segue uma informação relevante. A experiência de ouvir vozes que você conhece já não é exatamente a mesma; vergonha e medo. Todos
pode ter diferentes interpretações, variando, por exemplo, de acordo com esses sentimentos, receios e uma convivência conflituosa podem fazer com
a cultura e valores da sociedade. A maneira como a pessoa que as escuta que os familiares e amigos se sintam desvalorizados, cansados e isolados.
interpreta e confere significado a elas, além das características dessas vozes,
também tem impacto no modo como a experiência de ouvi-las se desenvolve. Um ponto importante de se notar é que, apesar dos aspectos mais difíceis
É importante ter em mente que ouvir vozes não é, necessariamente, uma citados, também existe a possibilidade de enxergar as vozes como parte
experiência negativa. Apesar de essa ser a realidade em alguns casos, em da identidade e da história da pessoa que as escuta. Além disso, fazer
outros, a pessoa que as ouve pode ter estabelecido um relacionamento com parte da vida dessa pessoa, seja como familiar ou amigo(a), pode ser uma
essas vozes e conviver bem com elas. Além disso, também existem situações oportunidade para estreitar os laços e oferecer apoio, saindo do lugar de
em que as vozes atuam como companheiras e conselheiras, exercendo um impotência. Existem maneiras de apoiar quem ouve vozes, você pode ajudar
papel positivo. Algo que nem sempre é compartilhado com familiares por muito das seguintes formas:
receio de sofrer com estigma e preconceito.
“O que posso fazer por você?”:
Por outro lado, pode ser uma situação perturbadora e complexa conviver essa simples pergunta pode ser um bom início e carrega um significado
com uma pessoa que escuta vozes, já que ela pode estar estressada ou importante, mostrando que você está ali, disposto a ajudar essa pessoa, além
sofrendo por conta disso, ou por tratar-se de algo novo e desafiador. A de dar espaço para as necessidades dela.
maneira de experienciar esse convívio é diferente para cada indivíduo e
também pode ser diferente dependendo do papel que você tem na vida da Escutar:
pessoa que ouve vozes. ser ouvido é uma necessidade primária e escutar pode ser desafiador.
Dispor-se a ouvir significa, muitas vezes, abster-se de falar, mudar de assunto
Apesar de ser uma experiência individual e poder mudar de acordo com sua ou interromper a fala do outro, além de lidar com momentos de silêncio,
proximidade com a pessoa que ouve vozes, alguns sentimentos, situações, que podem gerar incômodo. Uma dica para esses momentos é notar que,
pensamentos e preocupações em comum podem estar presentes. Por mesmo desprovidos de palavras, podem conter vários gestos e detalhes que
exemplo, a sensação de angústia por não saber como proceder com algo dizem muito sobre a pessoa e também fazem parte dessa comunicação. A
novo e as dúvidas sobre onde buscar ajuda e informação. Também podem base para a escuta é o respeito e o primeiro passo é silenciar a si mesmo, não
somente sua voz, mas seus impulsos, como sua necessidade de convencer ou Valorizar os experts por experiência:
contrariar. Escutar significa dar espaço, ou seja, aceitar o que é falado, partir quem realmente sabe sobre as vozes e tem ensinamentos valiosos para
do pressuposto de que tudo o que está sendo dito é verdade, mesmo que partilhar sobre elas são as pessoas que as escutam, portanto, suas falas
não faça sentido para você. Olhar para essa escuta como uma oportunidade devem ser valorizadas.
de entender mais sobre seu amigo/familiar pode ajudar.
Encorajar:
Não julgamento: encorajar seu amigo/familiar a se informar sobre a experiência de ouvir
é importante adotar uma atitude de não julgamento para com a pessoa vozes e conversar com outras pessoas que escutam vozes como meio para
que ouve vozes, principalmente durante o processo de escuta, em que a superar o isolamento e o tabu social. Também encorajá-lo a falar sobre seus
veracidade dos fatos não é o central, já que o principal é dar espaço à pessoa sentimentos com alguém em que confie – essa pessoa pode não ser você – e
que está falando, escutá-la. a buscar ajuda se perceber que está precisando. Apoie-o para que faça suas
próprias escolhas, mesmo que não sejam as mesmas que você faria.
Aceitação:
aceitar os sentimentos da pessoa, inclusive os negativos. Aceitar, também, Estar presente:
suas decisões e falas, mesmo que você não concorde. demonstre estar ao lado de seu amigo(a)/familiar que ouve vozes, tranquilize-
o(a) de que não está sozinho(a), lembre-se de que ouvir vozes não muda
Se informar: quem a pessoa é. Disponha-se a acompanhá-la em eventos ou atividades,
adquirir conhecimento sobre o tema é uma ferramenta poderosa, caso ela esteja ansiosa demais para iniciar algo sozinha. Nos momentos de
principalmente para desconstruir preconceitos. Também pode tornar sua convivência, procure observar se situações ou experiências específicas são
relação mais empática, já que promove maior compreensão. Além disso, responsáveis por fazer as vozes se manifestarem. Se ofereça para buscar
pode gerar uma sensação de maior segurança ao lidar com as situações ajuda de outras pessoas se perceber que tem abertura para isso, pode ser
relacionadas às vozes e ao conversar sobre o assunto com outras pessoas procurar o que existe de apoio em sua região, obter mais informações sobre
como os profissionais envolvidos no cuidado ou outros integrantes da o assunto, estar junto em algum atendimento ou fazer um primeiro contato
família e do círculo de amizades. Esse conhecimento pode ser adquirido, com algum serviço de saúde, por exemplo.
por exemplo, lendo sobre a experiência de ouvir vozes e conversando com
quem as escuta ou com outros indivíduos envolvidos com esse tema.
Esperança: Por fim, é muito importante cuidar
enquanto seres humanos, vivemos buscando por respostas, sobre nosso
de si mesmo. Conversar com pessoas
entorno e, sobretudo, sobre nós mesmos e, nesse processo, atribuímos
sentido às nossas vidas e construímos nosso futuro. Muitas vezes, ao receber que convivem com ouvidores de vozes
um diagnóstico psiquiátrico, a pessoa que ouve vozes recebe ou entende e passam pela mesma situação que
isso como uma mensagem de que seu futuro já está decidido e de que não
você pode ajudar. Seu bem-estar e sua
é esperado que ela seja capaz de ser independente e desempenhar um papel
na sociedade, o que não é verdade. Com as perspectivas de construção de saúde mental são importantes.

um futuro anuladas, o presente perde seu sentido e surge o sentimento Se possível e na medida do possível,
de desesperança, tanto para quem ouve as vozes, quanto para as pessoas
tente ter momentos para relaxar e
de seu convívio. Amigos e familiares, muitas vezes, são o suporte diário do
focar em si, mantenha seus hobbies
indivíduo que ouve vozes, participando de sua trajetória e podendo atuar
como mantenedores da esperança, relembrando a pessoa de seu progresso e e interesses, busque pessoas
suas potencialidades, sem negligenciar, no entanto, suas próprias esperanças. paraconversar, pratique atividades que
Ter esperança não significa negar as dificuldades e os desafios, mas aceitar
lhe tragam prazer. Além disso, respeite
a situação e acreditar na capacidade de evolução e desenvolvimento e na
construção de um futuro, observando os potenciais e os dons individuais. seus limites, está tudo bem dizer não.
Cultivar perspectivas positivas acerca do futuro contribui para a saúde Veja se as circunstâncias permitem que
mental e o bem-estar, tendo um papel fundamental na vida de quem ouve
você tenha tempo para cuidar de si. Por
vozes e de seus amigos e familiares. O sentimento de esperança confere
motivação e força para enfrentar os desafios presentes. Os objetivos de cada mais que isso seja importante, não se
pessoa podem variar, mas a necessidade de se manter esperançoso é uma exiga o que não é viável.
constante. O principal passo para reavivar a esperança é ter em mente que
é possível um futuro com melhor qualidade. Ouvir os relatos de pessoas
que ouvem vozes, suas histórias sobre como construíram vidas repletas de
sentido, as ferramentas que utilizaram e os caminhos que seguiram pode ser
de grande ajuda para vislumbrar esse futuro e renovar a esperança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Treatment of Psychosis. Issues in Mental Health Nursing, v. 34, n. 7, p. 562–
563, 1 jul. 2013.
COLEMAN, R., SMITH, M. Working with Voices II: victim to Victor. (1ª ed).
UK: Press LTD, 2005. LOUISE, S.; ROSSELL, S. L.; THOMAS, N. The Acceptability, Feasibility and
Potential Outcomes of an Individual Mindfulness-Based Intervention for
CORRADI-WEBSTER, Clarissa Mendonça; LEAO, Eduardo Augusto; Hearing Voices. Behavioural and Cognitive Psychotherapy, v. 47, n. 2, p. 200–
RUFATO, Lívia Sicaroni. Colaborando na trajetória de superação em saúde 216, mar. 2019.
mental: grupo de ouvidores de vozes. Nova perspect. sist., São Paulo , v. 27,
n. 61, p. 22-34, ago. 2018 CHADWICK, P. et al. Mindfulness Groups for Distressing Voices and Paranoia:
A Replication and Randomized Feasibility Trial. Behavioural and Cognitive
DIRK CORSTENS & ELEANOR LONGDEN. The origins of voices: links Psychotherapy, v. 37, n. 4, p. 403–412, jul. 2009.
between life history and voice hearing in a survey of 100 cases. Psychosis:
Psychological, Social and Integrative Approaches, 5:3, 270-285, 2013. ONOCKO-CAMPOS, R. T. et al. A Gestão Autônoma da Medicação: uma
intervenção analisadora de serviços em saúde mental. Ciência & Saúde
ROMME, M & ESCHER, S. Making Sense of Voices: a guide for mental health Coletiva, v. 18, n. 10, p. 2889–2898, out. 2013.
professionals working with voice-hearers. Londres: Mind Publications, 2000.
KANTORSKI, L. P. et al. Ouvidores de vozes: relações com as vozes e
NKOUTH, B. N.; ST-ONGE, M.; LEPAGE, S. The group as a place of training estratégias de enfrentamento. J. nurs. health, v. 8, p. e188422, 2018.
and universality of the experience of voice hearers. Groupwork, v. 20, n. 2, p.
45–64, 1 jan. 2010 Hearing voices network. National Hearing Voices Network, Hearing Voices
Coping Strategies, 2012. Disponível em <https://www.hearing-voices.org/
CORRADI-WEBSTER, C. M.; LEÃO, E. A.; RUFATO, L. S. Colaborando na wp-content/uploads/2012/05/Hearing_Voices_Coping_Strategies_web.
trajetória de superação em saúde mental: Grupo de Ouvidores de Vozes. pdf>. Acesso em 16 fev. 2022.
Nova Perspectiva Sistêmica, v. 27, n. 61, p. 22–34, 8 jan. 2019
Mind - How to cope with hearing voices. Disponível em: <https://www.mind.
CORSTENS, D. et al. Emerging Perspectives From the Hearing Voices org.uk/media-a/2938/hearing-voices-2018.pdf>. Acesso em 11 fev. 2022.
Movement: Implications for Research and Practice. Schizophrenia Bulletin, v.
40, n. Suppl_4, p. S285–S294, jul. 2014. Baker, P. (2019). A voz interior: um guia prático para e sobre pessoas que
ouvem vozes. UFPA/IFCHQ/PPGP/NUFEN.
COUTO, M. L. DE O.; KANTORSKI, L. P. Ouvidores de vozes de um serviço
de saúde mental: características das vozes e estratégias de enfrentamento. A Simple Guide to HearingVoices for Family and Friends. Richmond Wellbeing,
Psicologia & Sociedade, v. 32, p. e219779, 2020. 2017. Disponível em: <https://www.rw.org.au/simple-guide-hearing-voices-
family-friends/>. Acesso em: 15 mar. 2021.
JONES, N.; SHATTELL, M. Engaging with Voices: Rethinking the Clinical
REALIZAÇÃO:

APOIO:

Você também pode gostar