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4 de novembro de 2019
Nesses casos, sempre tento contemporizar, dizendo que a língua é um organismo vivo, um
conceito nem sempre fácil de compreender. As pessoas têm uma experiência da Língua
Portuguesa, a matéria da escola, muito dissociada da língua portuguesa, esse nosso “rude
idioma”, nas palavras do poeta, que usamos no dia a dia. Para muitos, existe uma barreira
instransponível entre o que se diz e o que se fala, como se esse último fosse mais flexível e o
primeiro muito mais rígido. Provavelmente, e estamos no campo das teorias, tal percepção é
fruto de nossa experiência escolar. A professora corrige o texto escrito, dá a nota por escrito,
mostra a regra escrita no livro escrito e replica no quadro escrevendo como devo escrever.
Mas, na hora de falar, na sala dos professores, no recreio, na rua, no mercado, em qualquer
situação informal, sem perceber, a mesma professora tende a quebrar as regras gramaticais, a
suprimir alguns “s” finais de palavras no plural, a desobedecer à concordância. Tive
professoras fantásticas que treinaram a si mesmas a tal ponto que não incorriam em desacerto
gramatical nenhum, nem mesmo quando estavam furiosas com alguma coisa. Mas preciso
dizer que essas sempre foram minoria da minoria, e eu, professor de português, não faço parte
desse grupo seleto.
Ocorre que, modernamente falando, com as redes sociais, passamos a usar a escrita de modo
tão informal, tão corriqueiro e natural, que essa barreira já não é mais tão sólida e
impenetrável quanto já foi. A escrita em uma rede social obedece primeiro a uma regra
tecnológica, o imediatismo, para depois, quem sabe, obedecer às normas gramaticais. Foi
assim que surgiu o famigerado “internetês”, no fim das contas. Nas antigas salas de bate-papo
dava muito trabalho escrever “você”, sendo muito mais simples o uso do “vc”. Como essa
abreviação funciona, a moda pegou.
O que lemos nas redes sociais é o que, muito antigamente, os antigos romanos escutavam nos
becos e vielas de suas colônias: um latim mal falado, cheio de gírias e expressões locais, cheio
de adaptações e aproximações com a língua mais falada pelos colonizados. Pouco registro
temos disso porque essas pessoas, em sua maioria, não sabiam escrever, não dispunham de
meios nos quais escrever e o alcance de seus comunicados era muito restrito. Hoje, qualquer
um coloca um anúncio de compra e venda em uma rede social, e escreve como sabe, como
acha que está certo. Às vezes vende seu produto, às vezes vira meme.
Como temos regras gramaticais e ortográficas a serem seguidas, temos a impressão de que
ninguém mais sabe escrever, que está tudo um caos, que é o fim da língua que conhecemos.
Provavelmente se escutava o mesmo quando tiraram o “ph” de “farmácia”. É o choque entre a
escrita, que temos como ideal, e a fala, muito mais real. A linguagem da internet influencia sim
nossa escrita, mas não é ela sozinha, é todo um conjunto de tecnologia e globalização.
Importamos costumes, e com eles vêm os termos, tudo no mesmo “delivery”, a “50% off”, no
“streaming” mais próximo. Faz parte do processo, da interação social, da busca por um sistema
de comunicação cada vez mais ágil, em constante crescimento e evolução. Como todo ser vivo,
aliás.